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Epistemologia_e_Modernidade

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epistemologia e 
modernidade
AUTOR: JOSÉ RICARDO CUNHA
ROTEIRO DE CURSO
2010.1
1ª eDIçãO
Sumário
Epistemologia e modernidade
I. APRESENTAÇÃO DO CURSO.......................................................................................................................................................... 03
II. PROGRAMA DO CURSO .............................................................................................................................................................. 05
III. BIBLIOGRAFIA SUGERIDA ......................................................................................................................................................... 07
IV. PLANO DAS AULAS ................................................................................................................................................................... 10
AULA 1. INTRODUÇÃO AO CURSO E SEUS OBJETIVOS. PENSAMENTO E VERDADE ................................................................................. 10
AULA 2. NOSSA IDÉIA DE VERDADE: ALETHEIA, VERITAS, EMUNAH ................................................................................................... 14
AULA 3. REALIDADE E VERDADE: HERÁCLITO E PARMÊNIDES ............................................................................................................ 17
AULA 4. LINGUAGEM E VERDADE: OS SOFISTAS ................................................................................................................................ 26
AULA 5. CONCEITO E VERDADE: SÓCRATES ....................................................................................................................................... 29
AULA 6. INATISMO: DESCARTES ...................................................................................................................................................... 31
AULA 7. EMPIRISMO: HUME E LOCKE .............................................................................................................................................. 35
AULA 8. FORMALISMO JURÍDICO E REALISMO JURÍDICO ................................................................................................................... 39
AULA 9. CRITICISMO: KANT ............................................................................................................................................................ 42
AULA 10. O POSITIVISMO: COMTE ................................................................................................................................................... 48
AULA 11. MODERNIDADE E IDEOLOGIA CIENTIFICISTA ..................................................................................................................... 53
AULAS 12 E 13. OS POSITIVISMOS JURÍDICOS E A CIÊNCIA DO DIREITO .............................................................................................. 57
3FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
i. apresentaÇÃo do CUrso
Saudações acadêmicas! Este é o Curso de Ciência e Modernidade – uma introdu-
ção ao problema da verdade. Trata-se de um curso de filosofia que caminha entre a 
filosofia geral e a filosofia do direito e sua missão é problematizar o tema da verda-
de. Dessa forma, serve como pressuposto lógico e didático para o curso de filosofia 
do semestre seguinte, que irá problematizar o tema da justiça. Assim, o aluno será 
inserido nos dois pilares filosóficos – verdade e justiça – especialmente escolhidos e 
pensados para a grade curricular da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Funda-
ção Getulio Vargas.
Toda a tradição jurídica foi forjada tendo como pressuposto conceitual, de 
forma mais ou menos clara, a idéia de verdade: verdade dos fatos, verdade das 
leis, verdade da constituição, verdade do processo, verdade do discurso, verdade 
do intérprete, etc. Ainda que o conceito em si de verdade nunca tenha sido te-
matizado de forma absoluta ou mesmo encontrado um consenso entre filósofos 
ou juristas, a idéia da verdade sempre esteve – e ainda está – amparando e legiti-
mando o direito e as decisões jurídicas. Seja pela recorrência aos fatos, às normas 
ou à argumentação, a comunidade jurídica busca um amparo de veracidade que 
responda aos anseios da consciência epistemológica de toda a sociedade. Isso 
deve deixar claro que o problema da verdade não é específico do direito, nem 
mesmo da filosofia, mas, antes, trata-se de um problema humano e, por isso 
mesmo, social.
Essa imbricação entre sociedade e verdade nunca foi tão profunda e tão explí-
cita como na modernidade. O laicismo moderno foi convertido em cientificismo 
moderno e a ciência, tendo na técnica o seu braço operacional, passou a ocupar 
o centro do pensamento social e o lugar privilegiado da verdade. Todas as formas 
de conhecimento e instituições modernas foram, então, visceralmente marcadas 
por essa “ideologia cientificista”. Foi assim com a economia, a política, a medicina 
e, dentre outras, o direito que, rapidamente, converteu-se em ciência do direito. 
Como se não bastasse, os próprios ramos do direito iniciaram uma corrida alucina-
da pelo seu próprio estatuto de cientificidade e, por isso, lemos e ouvimos falar em 
coisas como “ciência do direito processual”, “ciência do direito penal” ou “direito 
civil como ciência própria dentro do direito”.
Todas essas reflexões terão lugar neste curso de Ciência e Modernidade. Não se 
pode imaginar, hoje, a figura de um profissional crítico e hábil do direito, que seja 
capaz de pensar por problemas e raciocinar dialeticamente, sem que esteja inserido 
nesse debate filosófico e preparado para a problematização da verdade. Portanto, o 
presente curso não tem caráter secundário ou diletante. Embora esteja cercado pelos 
prazeres da filosofia, sua tarefa é árdua e exige concentração e aprofundamento. Tra-
ta-se de uma oportunidade ímpar de experiência do pensamento para a qual estão 
todos desde já convidados.
4FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
1. ObjetivO Geral da disciplina
Introduzir noções essenciais para a problematização do conceito de verdade a 
partir da compreensão dos fundamentos da epistemologia, tendo em vista o estudo 
dos limites e possibilidades de uma ciência do direito no contexto da crise e da crí-
tica do paradigma da modernidade.
2. ObjetivOs específicOs da disciplina
2.1. Apresentar a verdade como objeto de um intenso debate histórico – filosó-
fico e jurídico – sobre o qual não há um consenso definitivo;
2.2. Estudar os principais fundamentos, antigos e modernos, que contribuíram 
para a constituição das idéias mais fortes de verdade na cultura ocidental;
2.3. Investigar as bases positivistas do cientificismo moderno e a sua inflexão 
sobre a chamada “ciência do direito”.
3. fOrmas de avaliaçãO
O aluno será avaliado mediante sua participação qualificada em sala de aula, 
realização das leituras obrigatórias, trabalhos e provas que forem aplicados.
5FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
ii. programa do CUrso
ementa
Objetivos da filosofia e filosofia do direito. O pensamento e as tarefas do pen-
samento. As idéias de verdade e seus desafios intelectuais e sociais. Fundamentos 
filosóficos da antiguidade para a verdade. Fundamentos filosóficos da modernidade 
para a verdade. Modernidade, verdade e ciência. O positivismo e os positivismos 
jurídicos na ciência do direito.
intrOdUçãO: a verdade cOmO tema e prOblema
1. Introdução ao curso e seus objetivos. Pensamento e verdade.
2. Nossa idéia de verdade: aletheia, veritas, emunah.
Unidade 1: fUndamentOs da antiGUidade
3. Realidade e verdade: Heráclito e Parmênides.
4. Linguagem e verdade: os Sofistas.
5. Conceito e verdade: Sócrates.
Unidade 2: fUndamentOs da mOdernidade
6. Inatismo: Descartes.
7. Empirismo: Hume e Locke.
8. Formalismo Jurídico e Realismo Jurídico.
9. Criticismo: Kant.Unidade 3: ciÊncia e direitO na mOdernidade
10. O positivismo: Comte.
11. Modernidade e ideologia cientificista.
12. Positivismos jurídicos e a ciência do direito.
13. Os positivismos jurídicos e a ciência do direito II.
6FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
ObservaçãO impOrtante
O Curso não se propõe a uma abordagem enciclopédica do tema proposto, o 
que seria impossível nos limites da carga horária da disciplina, além de didatica-
mente questionável. O fio condutor de todas as reflexões é o tema da verdade e os 
autores serão abordados não com o fim de se conhecer suas respectivas obras, mas 
como forma de aproche para acepções relevantes ao tema.
7FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
iii. BiBliograFia sUgerida
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: frag-
mentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
ALEXY, Robert. Derecho e razón práctica. México: Fontamara, 2002.
ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à filosofia da ciência. Curitiba: EdUFPR, 
1993.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
1995.
ARNAUD, André-Jean (Org.). Dicionário enciclopédico de teoria e sociologia do 
direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. São 
Paulo: Landy, 2000.
BACON, Francis. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpreta-
ção da natureza. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega: Platão e seus predecessores. Brasília: 
EdUnb, 1978.
BATIFFOL, Henri. A filosofia do direito. Lisboa: Editorial Notícias, [s.d.].
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
1999.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São 
Paulo: Ícone, 1995.
BORNHEIM, Gerd. (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix.
BOUDON, Raymond. O justo e o verdadeiro: estudos sobre a objectividade dos 
valores e do conhecimento. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência 
do direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 
São Paulo: Cultrix, 1999.
CARNAP, Rudolf. Empirismo, semântica e ideologia. São Paulo: Abril Cultural, 
1980.
______. Testabilidade e significado. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
______. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São 
Paulo: Brasiliense, 1994.
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Porto Alegre: 
Sergio Antonio Fabris, 2002.
COLLI, Giorgio. O nascimento da filosofia. Campinas: Unicamp. 1992.
COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
______. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. São Paulo: Abril Cul-
tural, 1983.
______. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
CUNHA, José Ricardo. Direito e estética: fundamentos para um direito humanís-
tico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998.
8FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
______. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: 
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FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1980.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Palavra e verdade: na filosofia antiga e na psica-
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HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyo-
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HAWKING, Stephen William. Uma breve história do tempo: do big bang aos 
buracos negros. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. 
Portugal [s.l.]: Europa-América, 1998.
HESSE, Reinhard (Org.). Por uma filosofia crítica da ciência. Goiânia: Editora da 
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HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Coimbra: Arménio Amado, 1973.
HOLLAND, John. A ordem oculta: como a adaptação gera a complexidade. Lis-
boa: Gradiva, 1997.
HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cul-
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JAPIASSU, Hilton. Nem tudo é relativo: a questão da verdade. São Paulo: Letras 
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KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
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KIRKHAM, Richard L. Teorias da verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento filosófico. Rio de Janeiro: 
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LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 
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LÖWY, Mchael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: 
marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez, 
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MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Introdução ao estudo do direito: concei-
to, objeto e método. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
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MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
9FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
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NAGEL, Ernest. La estructura de la ciencia. Buenos Aires: Paidos, 1974.
OST, François. Elementos para uma teoria crítica del Derecho. Colômbia: Univer-
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PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
PLASTINO, Carlos Alberto. O primado da afetividade: a crítica freudiana ao 
paradigma moderno. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
POPPER, Karl. Lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro/Brasília: Tempo Brasi-
leiro/ EdUnb, 1978.
PRIGOGINE, Ilya et al. Idéias contemporâneas: entrevistas do Le Monde. São 
Paulo: Ática, 1989.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
RORTY, Richard. Conseqüências do pragmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
RORTY, Richard; GHIRALDELLI JR., Paulo. Ensaios pragmatistas sobre verdade 
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WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito I: interpretação da lei – temas 
para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.
10FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
iV. plano das aUlas
aUla 1. introdUÇÃo ao CUrso e seUs oBJetiVos. pensamento e Ver-
dade
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
Apresentação do curso. Introdução ao problema da verdade como tarefa do pen-
samento.
ObjetivOs da aUla
Apresentar o curso aos alunos e organizar a forma de avaliação; inserir o assunto da 
verdade mediante uma reflexão acerca do pensamento como experiência humana.
prepare-se para a aUla
Diz Aristóteles: “Foi, com efeito, pelo espanto que os homens, 
assim hoje como no começo, foram levadosa filosofar, sendo pri-
meiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredin-
do em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores...” 
(Aristóteles, Metafísica, I, 2).
•	 O	que	significa	o	espanto	ou	estranhamento	como	condição	para	a	filosofia?
•	 O	espanto	ou	estranhamento	apenas	pode	acontecer	diante	das	coisas	que	
não	são	familiares?
•	 Qual	a	relação	(ou	quais	as	relações	possíveis)	entre	estranhamento	e	verdade?
Nada nos é mais familiar do que o tempo. Veja o que diz Santo Agostinho sobre 
o tempo:
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e 
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o tempo? 
Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não encontro 
explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem do passado para 
o presente e do presente para o futuro, terei que perguntar: Como 
pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é um tempo 
13
3) PREPARE-SE PARA A AULA 
Diz Aristóteles: “Foi, com efeito, pelo espanto que os homens, 
assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo 
primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e 
progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas 
maiores...” (Aristóteles, Metafísica, I, 2). 
x O que significa o espanto ou estranhamento como condição para a filosofia? 
x O espanto ou estranhamento apenas pode acontecer diante das coisas que 
não são familiares? 
x Qual a relação (ou quais as relações possíveis) entre estranhamento e 
verdade?
Nada nos é mais familiar do que o tempo. Veja o que diz Santo Agostinho sobre o 
tempo:
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e 
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o 
tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não 
encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem 
do passado para o presente e do presente para o futuro, terei 
que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que 
ele passa? O que é um tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? 
Onde ele está? Se o passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu, 
do presente espero, então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o 
presente? Mas quanto dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo 
colocar, este “r” é ainda presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em 
escrever a seguir, é presente ou futuro? O que é o tempo afinal?” (Santo Agostinho, 
Confissões) 
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são familiares e 
podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a 
uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a 
provocação feita por Heidegger: 
9
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e 
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o 
tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não 
encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem 
do passado para o presente e do presente para o futuro, terei 
que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é um 
tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o 
passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu, do presente espero, 
então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas quanto 
dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo colocar, este “r” é ainda 
presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir, é 
presente ou futuro? O que é o tempo afinal? (Santo Agostinho, Confissões) 
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são familiares e 
podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a 
uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a 
provocação feita por Heidegger: 
 “O QUE MAIS DESAFIA O PENSAMENTO NESSA ÉPOCA DE 
DESAFIO DO PENSAMENTO, É QUE AINDA NÃO COMEÇAMOS A 
PENSAR.” 
Deve-se indagar ao aluno: 
x Por que ainda não começamos a pensar? 
x O que é pensar? 
O debate deve ser canalizado para a síntese negativa, isto é, o que não é pensar:
x Pensar não é divagar ou devanear sem compromissos; ninguém se perde no 
pensamento, ao contrário, se acha. 
x Pensar não é racionalizar na forma de causalidades, antecedentes e 
conseqüentes; pensar não é cálculo nem ser eficiente. 
x Pensar não é mimese, não é fazer a mera repetição. 
Embora todos estes elementos possam até fazer parte de um contexto maior do 
pensamento, pensar é mais do que isso. Pensar é criar. Pensar é poder fazer surgir o 
inexistente dando sentido às coisas e ao mundo. Assim, pensar é um movimento de 
reapropriação do mundo por meio da significação e resignificação do mundo, o que faz 
11FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o passado é o que eu, 
do presente recordo e o futuro é o que eu, do presente espero, então não seria mais correto 
dizer que o tempo é apenas o presente? Mas quanto dura um presente?? Quando acabo 
de colocar o “r” no verbo colocar, este “r” é ainda presente ou já é passado? A palavra que 
estou pensando em escrever a seguir, é presente ou futuro? O que é o tempo afinal?” (Santo 
Agostinho, Confissões)
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são fami-
liares e podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário 
abrir-se a uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que 
a provocação feita por Heidegger:
“O que mais desafia o pensamento nessa época de desafio do pensamen-
to, é que ainda não começamos a pensar.”
Diante da afirmação de Heidegger:
•	 Por	que	ainda	não	começamos	a	pensar?
•	 O	que	é	pensar?
Temos hoje, dois grandes obstáculos ao pensamento que devem ser superados:
a. O individualismo: este nos conduz a achar que nossa subjetividade e opor-
tunidades pessoais somente podem ser forjadas sem o outro ou contra o 
outro.
b. A massificação: esta nos conduz à perda de nossa singularidade nos definindo 
apenas como parte de coletivos mais ou menos amorfos e repetitivos.
Para se superar tais obstáculos, deve-se ter em conta que o pensamento é uma 
experiência existencial e histórica, por isso ao mesmo tempo pessoal e social. Tam-
bém deve-se ter claro que pensar não é um ato, mas uma atitude que nos define 
diante da vida; nos define como sujeitos criadores e capazes de transcender a mera 
repetição e a mesmificação. Representa, nesse sentido, 1) uma ruptura com as car-
tilhas e manuais; e 2) uma exigência de justificação permanente de todas as normas 
e padrões de conduta.
Certamente, a experiência de pensamento vai muito além da ordem do banal e 
exige esforço e superação. Leia a parábola abaixo, de Nietzsche, reflita e prepare-se 
para o debate:
9
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e 
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o 
tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não 
encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem 
do passado para o presente e do presente para o futuro, terei 
que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é um 
tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o 
passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu, do presente espero, 
então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas quanto 
dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo colocar, este “r” é ainda 
presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir, é 
presente ou futuro? O que é o tempo afinal? (Santo Agostinho, Confissões) 
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são familiares e 
podem e devemser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a 
uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a 
provocação feita por Heidegger: 
 “O QUE MAIS DESAFIA O PENSAMENTO NESSA ÉPOCA DE 
DESAFIO DO PENSAMENTO, É QUE AINDA NÃO COMEÇAMOS A 
PENSAR.” 
Deve-se indagar ao aluno: 
x Por que ainda não começamos a pensar? 
x O que é pensar? 
O debate deve ser canalizado para a síntese negativa, isto é, o que não é pensar:
x Pensar não é divagar ou devanear sem compromissos; ninguém se perde no 
pensamento, ao contrário, se acha. 
x Pensar não é racionalizar na forma de causalidades, antecedentes e 
conseqüentes; pensar não é cálculo nem ser eficiente. 
x Pensar não é mimese, não é fazer a mera repetição. 
Embora todos estes elementos possam até fazer parte de um contexto maior do 
pensamento, pensar é mais do que isso. Pensar é criar. Pensar é poder fazer surgir o 
inexistente dando sentido às coisas e ao mundo. Assim, pensar é um movimento de 
reapropriação do mundo por meio da significação e resignificação do mundo, o que faz 
12FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Das três metamorfoses
Três metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito se 
torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.
Muitos fardos pesados há para o espírito, o espírito forte, o espírito 
de suportação, ao qual inere o respeito; cargas pesadas, as mais pesa-
das, pede a sua força.
“O	que	há	de	pesado?”,	pergunta	o	espírito	de	suportação;	e	ajoe-
lha como um camelo e quer ficar bem carregado.
“O que há de mais pesado, ó heróis”, pergunta o espírito de supor-
tação,	“para	que	eu	o	tome	sobre	mim	e	minha	força	se	alegre?
Não	será	isto:	humilhar-se,	para	magoar	o	próprio	orgulho?	Fazer	brilhar	a	pró-
pria	loucura,	para	escarnecer	da	própria	sabedoria?
Ou	será	isto:	apartar-se	da	nossa	causa,	quando	ela	celebra	o	seu	triunfo?	Subir	
para	altos	montes,	a	fim	de	tentar	o	tentador?
Ou será isto: alimentar-se das bolotas e da erva do conhecimento e, por amor à 
verdade,	padecer	fome	na	alma?
Ou será isto: estar enfermo e mandar embora os consoladores e ligar-se de ami-
zade	aos	surdos,	que	não	ouvem	nunca	o	que	queremos?
Ou será isto: entrar na água suja, se for a água da verdade, e não enxotar de si nem 
as	frias	rãs	nem	os	ardorosos	sapos?
Ou será isto: amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma, quando 
ele	nos	quer	assustar?”
Todos estes pesadíssimos fardos toma sobre si o espírito de suportação; e, tal 
como o camelo, que marcha carregado para o deserto, marcha ele para o seu próprio 
deserto.
Mas, no mais ermo dos desertos, dá-se a segunda metamorfose: ali o espírito tor-
na-se leão, quer conquistar, como presa, a sua liberdade e ser senhor em seu próprio 
deserto.
Procura ali, o seu derradeiro senhor: quer tornar-se-lhe inimigo, bem como do 
seu derradeiro deus, quer lutar para vencer o dragão.
Qual é o grande dragão, ao qual o espírito não quer mais chamar senhor nem 
deus?	“Tu	deves”	chama-se	o	grande	dragão.	Mas	o	espírito	do	leão	diz:	“Eu	quero”.
“Tu deves” barra-lhe o caminho, lançando faíscas de ouro; animal de escamas, em 
cada escama resplende, em letras de ouro, “Tu deves !”
Valores milenários resplendem nessas escamas; e assim fala o mais poderoso de 
todos os dragões: “Todo o valor das coisas resplende em mim.
Todo o valor já foi criado e todo o valor criado sou eu. Na verdade, não deve mais 
haver nenhum ‘Eu quero’!” Assim fala o dragão.
Meus	irmãos,	para	que	é	preciso	o	leão,	no	espírito?	Do	que	já	não	dá	conta	sufi-
ciente	o	animal	de	carga,	suportador	e	respeitador?
Criar novos valores – isso também o leão ainda não pode fazer; mas criar para si 
a liberdade de novas criações – isso a pujança do leão pode fazer.
Conseguir essa liberdade e opor um sagrado “não” também ao dever: para isso, 
meus irmãos, precisa-se do leão.
10
como seres humanos. Assim, não pensamos por que somos humanos, mas somos 
humanos porque pensamos. Pelo pensamento nos humanizamos e humanizamos o 
mundo ao mesmo tempo em que o recriamos. Dessa forma dá-se a cultura. Somos 
mais do que seres da natureza, somos culturais porque reinventamos nosso mundo. 
Pensar é, por isso mesmo, uma experiência radical de LIBERDADE. Por ele nos 
libertamos das tutelas e curatelas para nos reinventarmos sob novas e infinitas 
possibilidades. Contudo, para que isso aconteça, antes de qualquer coisa, é 
necessário superar dois grandes obstáculos: 
1. O individualismo: este nos conduz a achar que nossa subjetividade e 
oportunidades pessoais somente podem ser forjadas sem o outro ou contra o outro. 
2. A massificação: esta nos conduz à perda de nossa singularidade nos definindo 
apenas como parte de coletivos mais ou menos amorfos e repetitivos. 
Para se superar tais obstáculos, deve-se ter em conta que o pensamento é uma 
experiência existencial e histórica, por isso ao mesmo tempo pessoal e social. 
Também deve-se ter claro que pensar não é um ato, mas uma atitude que nos define 
diante da vida; nos define como sujeitos criadores e capazes de transcender a mera 
repetição e a mesmificação. Representa, nesse sentido, 1) uma ruptura com as 
cartilhas e manuais; e 2) uma exigência de justificação permanente de todas as 
normas e padrões de conduta. 
Certamente, a experiência de pensamento vai muito além da ordem do banal e exige 
esforço e superação. Nessa linha, vale discutir com os alunos a parábola das Três
Metamorfoses de Nietzsche: 
Das três metamorfoses 
Três metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito se 
torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança. 
Muitos fardos pesados há para o espírito, o espírito forte, o espírito 
de suportação, ao qual inere o respeito; cargas pesadas, as mais 
pesadas, pede a sua força. 
"O que há de pesado?", pergunta o espírito de suportação; e ajoelha como um camelo 
e quer ficar bem carregado. 
"O que há de mais pesado, ó heróis", pergunta o espírito de suportação, "para que eu 
o tome sobre mim e minha força se alegre? 
13FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Conquistar o direito de criar novos valores – essa é a mais terrível conquista para 
o espírito de suportação e de respeito. Constitui para ele, na verdade, um ato de 
rapina e tarefa de animal rapinante.
Como o que há de mais sagrado amava ele, outrora, o “Tu deves”; e, agora, é 
forçado a encontrar quimera e arbítrio até no que tinha de mais sagrado, a fim de 
arrebatar a sua própria liberdade ao objeto desse amor: para um tal ato de rapina, 
precisa-se do leão.
Mas dizei, meus irmãos, que poderá ainda fazer uma criança, que nem sequer 
pôde	o	leão?	Por	que	o	rapace	leão	precisa	ainda	tornar-se	criança?
Inocência, é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma roda que 
gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer “sim”.
Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado “sim”: o 
espírito, agora, quer a sua vontade, aquele que está perdido para o mundo conquista 
o seu mundo.
Nomeei-vos três metamorfoses do espírito: como o espírito torna-se camelo e o 
camelo, leão e o leão, por fim criança.
Assim falou Zaratustra.
(Nietzsche, Assim Falou Zaratustra)
bibliOGrafia
complementar
CUNHA, José Ricardo. Direito e estética: fundamentos para um direito huma-
nístico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. (Capítulo 2 – O Homem 
como Universo Infinito de Possibilidades, pp. 55-74)
GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Palavra e Verdade: na filosofia antiga e na psica-
nálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. (Introdução, pp. 7-23)
14FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 2. nossa idÉia de Verdade: aletHeia, Veritas, emUnaH
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A idéia de verdade, suas contradições e possibilidades na filosofia e no direito.ObjetivOs da aUla
Desenvolver uma reflexão sobre o conceito, sentido e limites da verdade; apre-
sentar as principais tradições que confluíram para nossa idéia geral de verdade; co-
tejar a idéia de verdade com a experiência jurídica.
prepare-se para a aUla
A busca pela verdade é tão antiga quanto a existência do homem no mundo. 
Trata-se mesmo de um traço antropológico, pois em todas as relações que o ho-
mem trava (consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com Deus) ele busca 
encontrar nela uma verdade. Essa busca pela verdade gera no homem certo conforto 
e estabilidade por estar diante de algo que acredita como fidedigno, naturalmente 
digno de confiança. De efeito, a busca pela verdade acaba por atribuir à verdade 
um valor em si mesmo, de forma que o verdadeiro é considerado bom e a verdade 
um bem. Entretanto, nem tudo pode ser qualificado como verdadeiro: a verdade 
deve, antes de qualquer coisa, ser buscada. Para isso, historicamente se diferenciou 
verdade de senso comum. No senso comum, permanecemos com nossas opiniões e 
crenças sem ter nenhum motivo para duvidar delas. Aqui, em geral, se reproduz as 
afirmações que são recebidas prontas, correndo-se o sério risco de perpetuar mitos 
e preconceitos. Quando o senso comum se cristaliza sobremaneira, estamos diante 
do que pode ser chamado de pensamento mítico, por oposição a um pensamento 
crítico. Veja e reflita sobre a tabela abaixo:
pensamento mÍtiCo pensamento CrÍtiCo
Preso e modelado Livre e criativo
Descomprometido e irresponsável Comprometido e responsável
esvaziado de senso ético Marcado pelo senso ético
Simples Complexo
Subserviente Autônomo.
Evidentemente que a busca da verdade somente pode se realizar de forma crítica, 
isto é, no campo do pensamento crítico. Também relacionada com a verdade, mas 
diferente do senso comum ou do pensamento mítico, é a incerteza. Assim como 
no senso comum ou no pensamento mítico, na ordem da incerteza também se está 
15FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
fora da verdade. Todavia, diferentemente do que ocorre no senso comum ou pen-
samento mítico, na incerteza tem-se plena consciência da distância da verdade e da 
própria ignorância. Na ocorrência da incerteza, ficamos em dúvida sobre em que 
acreditar ou em como agir diante de certas pessoas, fatos ou situações. Essa dúvida 
gerada pela incerteza, quando conectada ao pensamento mítico, gera medo e pa-
ralisia; porém, quando conectada ao pensamento crítico, nos impulsiona na busca 
pela verdade. Nessa segunda hipótese, é condição imprescindível na dinâmica do 
conhecimento. 
Contudo, a pergunta primacial que se coloca é sobre a na-
tureza da verdade. O que é a verdade? Pense sobre quais se-
riam os sentidos possíveis para a verdade.
A verdade nos conforta e alivia. Também 
nos oferece uma sensação maior de estabilida-
de. Contudo, ela não é absoluta ou suficiente 
para nos afastar de todas as dúvidas e insegu-
ranças. Seja porque novas situações e descober-
tas exigem novas verdades, seja porque a pró-
pria unidade ontológica da verdade pode sofrer 
fissuras. Assim, estaremos diante de aporias. 
Uma das mais conhecidas aporias é o chamado 
PARADOXO DO CRETENSE, ou Paradoxo 
do mentiroso. Na sua forma original é atribuído ao cretense Epimênides, que teria 
afirmado que todos os cretenses são mentirosos. Como Epimênides é ele mesmo um 
cretense, então se ele diz a verdade, é um mentiroso; logo está mentido. Assim, se o 
que ele diz é verdadeiro, então o que lê diz é falso. Contudo, se o que ele diz é falso, 
então o que lê diz é verdadeiro.
Como	reagir	ao	Paradoxo	do	Cretense??
e o direito?
Como	o	problema	da	verdade	se	relaciona	com	o	Direito?	A	todo		
tempo somos confrontados com expressões do tipo: verdade dos fa-
tos, verdade das leis, verdade do processo ou verdade do intérprete. É 
possível	falar-se	em	verdade	ou	seriam	verdades?	Como	lidar	com	os	
problemas	de	insegurança	jurídica?
18
PENSAMENTO MÍTICO PENSAMENTO CRÍTICO 
Preso e modelado Livre e criativo 
Descomprometido e irresponsável Comprometido e responsável 
Esvaziado de senso ético Marcado pelo senso ético 
Simples Complexo 
Subserviente Autônomo. 
Evidentemente, a busca da verdade somente pode se realizar de forma crítica, isto é, 
no campo do pensamento crítico. Também relacionada com a verdade, mas diferente 
do senso comum ou do pensamento mítico, é a incerteza. Assim como no senso 
comum ou no pensamento mítico, na ordem da incerteza também se está fora da 
verdade. Todavia, diferentemente do que ocorre no senso comum ou pensamento 
mítico, na incerteza tem-se plena consciência da distância da verdade e da própria 
ignorância. Na ocorrência da incerteza, ficamos em dúvida sobre em que acreditar ou 
em como agir diante de certas pessoas, fatos ou situações. Essa dúvida gerada pela 
incerteza, quando conectada ao pensamento mítico, gera medo e paralisia; porém, 
quando conectada ao pensamento crítico, nos impulsiona na busca pela verdade. 
Nessa segunda hipótese, é condição imprescindível na dinâmica do conhecimento. 
Deve-se deixar claro aos alunos como a busca pela verdade envolve três conceitos 
distintos, mas recorrentes: 
Contudo, a pergunta primacial que se coloca é sobre a natureza 
da verdade. O que é a verdade? Acerca dessa questão 
fundamental, somos herdeiros de três tradições lingüístico-
culturais distintas: o grego, o latim e o hebraico. 
x Em grego, a verdade comumente diz-se aletheia, significando o não-oculto, o 
revelado. Trata-se de descobrir o que é da forma que é. Portanto, o verdadeiro se 
manifesta como tal ao espírito por oposição ao falso, ao dissimulado. O verdadeiro é o 
reto, sem distorção ou falseamento. Por isso, é evidente à razão. 
x Em Latim, a verdade se diz veritas, significando rigor, precisão, exatidão na 
descrição ou num relato sobre algo. Trata-se de apresentar algo exatamente como 
ocorreu, numa linguagem fiel ao acontecido. O verdadeiro é o enunciado ou o relato 
VERDADE SENSO COMUM INCERTEZA 
19
• Em hebraico, a verdade se diz emunah, significando confiança, fidelidade a um 
pacto, acordo ou consenso. Trata-se da crença no que será, no que deve acontecer 
amanhã em função do que aconteceu hoje. O verdadeiro é o que se liga ao crer, ao 
acreditar, seja por razões psicológicas ou sociológica. Por isso depende de uma fé ou 
confiança intrínseca ao sujeito. 
Dessa forma, temos as três grandes tradições herdadas pela filosofia na constituição 
da idéia de verdade: 
• ver-perceber: liga-se ao que é; 
• falar-descrever: liga-se ao que foi; 
• crer-confiar: liga-se ao que será. 
Dependendo do sentido ao qual se atribua mais peso, a verdade pode se apresentar 
de uma ou outra forma: 
• Como alethéia (ver-perceber) sugere evidência ou a clássica 
correspondência entre nosso intelecto e a coisa. 
• Como veritas (falar-descrever) sugere validade, coerência interna explicitada 
pelo uso correto das regras da linguagem. 
• Como emunah (crer-confiar) sugere confiança em convenções ou consensos 
que são estabelecidos ou herdados pelos sujeitos. 
Esquematicamente temos: 
[inserir figura 05] 
A verdade nos conforta e alivia. Também nos oferece uma sensação maior de 
estabilidade. Contudo, ela não é absoluta ou suficiente para nos afastar de todas as 
dúvidas e inseguranças. Seja porque novas situações e descobertas exigem novas 
verdades, seja porque a própria unidade ontológica da verdade pode sofrer fissuras. 
Assim, estaremos diante de aporias. Uma 
das mais conhecidas aporias é o chamado 
PARADOXO DO CRETENSE, ou Paradoxo 
do mentiroso. Na sua forma original é 
atribuído ao cretense Epimênides, que teria 
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é 
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguémser mentiroso não quer 
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que 
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então 
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este 
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma 
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical: 
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA 
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há 
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é 
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas 
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação 
de insegurança que possa gerar em nós. 
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona 
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com 
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das 
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É 
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como 
lidar com os problemas de insegurança jurídica? 
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como 
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da 
justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da 
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas – 
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural 
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se 
imbricam no campo ético. 
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 
CONTEXTO
DA
DESCOBERTA
Formas pelas quais 
chega-se à decisão. 
16FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
bibliOGrafia
Obrigatória
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994. (Unidade 3, Ca-
pítulo 2 Buscando a Verdade; e Capítulo 3 As Concepções de Verdade; pp. 
94-107)
complementar
KIRKHAN, Richard. Teorias da verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003. (Capí-
tulo 1 Projetos de Teoria da Verdade; e Capítulo 9 O Paradoxo do Mentiro-
so)
17FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 3. realidade e Verdade: HerÁClito e parmÊnides
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
Ontologia do real: o problema do ser e do devir.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o debate acerca do ser e do devir como problema ontológico para a 
compreensão da verdade acerca do real.
desenvOlvimentO
No contexto do pensamento pré-socrático, dois grandes filósofos (ou pensado-
res) se destacaram pela visceralidade de seus pensamentos. Heráclito de Éfeso e Par-
mênides de Eléa plantaram para toda a posteridade filosófica a questão do ser e do 
devir. Duas compreensões distintas e opostas da ontologia do real que, ao mesmo 
tempo, informam e desafiam as concepções de verdade.
Heráclito de Éfeso
“Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; 
avança e se retira.” (Fragmento 91)
A mudança, a transformação e, por conseqüência, o conflito, são 
partes imanentes da filosofia heraclitiana. Tamanha a importância 
desse filósofo Pré-Socrático que alguns autores atribuem a ele uma 
escola própria, independente da Escola Jônica: a Escola Mobilista, 
com tal denominação justamente por conter no cerne de seu raciocínio filosófico 
a idéia de movimento. O movimento, que surge a partir da força dos contrários é, 
em si mesmo, a força dialética por excelência: “movendo-se, descansa (o fogo etéreo 
do corpo humano)” (Fragmento 84 a). O pensamento logológico de Heráclito, 
ao encontrar-se com o dinamismo do movimento, reveste-se de imprevisibilidade, 
na medida em que nada é, mas vem-a-ser, a partir do encontro com seu contrário: 
“Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia” 
(Fragmento 08). Logo, nada é absoluto, pois o movimento constante faz com que 
as coisas sejam e não sejam numa dinâmica sem fim. 
24
AULA 3. REALIDADE E VERDADE: HERÁCLITO E PARMÊNIDES 
NOTA AO PROFESSOR 
1. Tema da aula 
Ontologia do real: o problema do ser e do devir. 
2. Objetivos da aula 
Introduzir o debate acerca do ser e do devir como problema ontológico para a 
compreensão da verdade acerca do real. 
3. DESENVOLVIMENTO 
No contexto do pensamento pré-socrático, dois grandes filósofos (ou pensadores) se 
destacaram pela visceralidade de seus pensamentos. Heráclito de Éfeso e 
Parmênides de Eléa plantaram para toda a posteridade filosófica a questão do ser e 
do devir. Duas compreensões distintas e opostas da ontologia do real que, ao mesmo 
tempo, informam e desafiam as concepções de verdade. 
HERÁCLITO DE ÉFESO 
“Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-
se; avança e se retira.” (Fragmento 91) 
A mudança e a transformação e, por conseqüência, o conflito são 
partes imanentes da filosofia heraclitiana. Tamanha a importância 
desse filósofo Pré-Socrático que alguns autores atribuem a ele uma 
escola própria, independente da Escola Jônica: a Escola Mobilista, com tal 
denominação justamente por conter no cerne de seu raciocínio filosófico a idéia de 
movimento. O movimento, que surge a partir da força dos contrários é, em si mesmo, 
a força dialética por excelência: "movendo-se, descansa (o fogo etéreo do corpo 
18FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
e o direito?
Acreditar no devir heraclitiano significa admitir que tudo está em 
constante mutação, inclusive o Direito. Se levarmos em conta a es-
trutura tridimensional do direito, devemos considerar que basta a 
mudança de um de seus elementos (norma, fato ou valor) para que 
os demais também se transformem. Veja-se o caso Brown x Board 
Education (ao final da aula).
parmênides de eléa
“Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste, os únicos cami-
nhos de inquérito que são a pensar: o primeiro, que é e portanto que não 
é não ser, de Persuasão é caminho (pois à verdade acompanha); o outro, 
que não é e portanto que é preciso não ser, este então, eu te digo, é atalho 
de todo incrível; pois nem conhecerias o que não é (pois não é exeqüível), 
nem o dirias...” (Fragmento 2).
Parmênides, de uma geração após Heráclito e seu principal opositor, pode-se 
considerar como o principal representante da Filosofia do Ser. Desta forma, irá dis-
tinguir dois caminhos básicos de reflexão filosófica: a do ser e a do não ser, sendo 
a segunda verdadeiramente impossível, dada sua não-existencialidade, e a primeira 
aquela que realmente leva a certeza, a verdade – alétheia.
Fundamental na leitura do fragmento nos parece o caráter totalmente excludente 
instaurado por Parmênides no paradoxo ser / não ser. São duas proposições mutua-
mente exclusivas. Não havendo intermediários possíveis e sendo o ser o único caminho 
investigatório capaz de levar a verdade, este é o absoluto, essência de todo o universo, 
a própria physis. E se a physis encontra-se na práxis humana pelo lógos, manifestada na 
prática racional-argumentativa, então a conclusão não poderia ser outra, senão a da fi-
liação entre ser e pensar. Assim, para Parmênides, o único caminho filosófico é o do ser, 
aquele que possibilita o pensar; concomitantemente, o pensar passa a ser atividade in-
trínseca do ser na sua manifestação lógica: “... pois o mesmo é a pensar e portanto ser”, 
diz o filósofo no seu fragmento de número três. O sentido absoluto do ser é nomeado 
no exercício da palavra que demarca o caráter de todos os entes: aquele que é, porque é 
preciso ser, não pode ser outra coisa, e o que não é, está excluído da verdade. 
e o direito?
Acreditar no ser parmenídico significa admitir que tudo guarda 
uma essência imutável,ainda que uma camada superficial e acidental 
possa vir a se modificar, mas não a natureza das coisas. Logo, o Di-
reito seria marcado por uma essência imutável.
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é 
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer 
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que 
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então 
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este 
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma 
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical: 
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA 
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há 
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é 
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas 
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação 
de insegurança que possa gerar em nós. 
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona 
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com 
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das 
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É 
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como 
lidar com os problemas de insegurança jurídica? 
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como 
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da 
justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da 
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas – 
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural 
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se 
imbricam no campo ético. 
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 
CONTEXTO
DA
DESCOBERTA
Formas pelas quais 
chega-se à decisão. 
26
OBS: Heráclito é o pai da dialética.
[inserir figura 07] E O DIREITO? 
Acreditar no devir heraclitiano significa admitir que tudo está em constante mutação, 
inclusive o Direito. Se levarmos em conta a estrutura tridimensional do direito, 
devemos considerar que basta a mudança de um de seus elementos (norma, fato ou 
valor) para que os demais também se transformem. Veja-se o caso Brown x Board 
Education (ao final da aula). 
PARMÊNIDES DE ELÉA 
"Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste, os únicos 
caminhos de inquérito que são a pensar: o primeiro, que é e portanto 
que não é não ser, de Persuasão é caminho (pois à verdade 
acompanha); o outro, que não é e portanto que é preciso não ser, este 
então, eu te digo, é atalho de todo incrível; pois nem conhecerias o 
que não é (pois não é exeqüível), nem o dirias..." (Fragmento 2). 
Parmênides, de uma geração após Heráclito, e seu principal opositor, pode-se 
considerar como o principal representante da Filosofia do Ser. Desta forma, irá 
distinguir dois caminhos básicos de reflexão filosófica: a do ser e a do não ser, sendo 
a segunda verdadeiramente impossível, dada sua não-existencialidade, e a primeira 
aquela que realmente leva à certeza, à verdade – alétheia.
Fundamental na leitura do fragmento nos parece o caráter totalmente excludente 
instaurado por Parmênides no paradoxo ser / não ser. São duas proposições 
mutuamente exclusivas. Não havendo intermediários possíveis e sendo o ser o único 
caminho investigatório capaz de levar a verdade, este é o absoluto, essência de todo o 
universo, a própria physis. E se a physis encontra-se na práxis humana pelo lógos,
manifestada na prática racional-argumentativa, então a conclusão não poderia ser 
outra, senão a da filiação entre ser e pensar. Assim, para Parmênides, o único 
caminho filosófico é o do ser, aquele que possibilita o pensar; concomitantemente, o 
pensar passa a ser atividade intrínseca do ser na sua manifestação lógica: "... pois o 
mesmo é a pensar e portanto ser", diz o filósofo no seu fragmento de número três. O 
sentido absoluto do ser é nomeado no exercício da palavra,que demarca o caráter de 
todos os entes: aquele que é, porque é preciso ser, não pode ser outra coisa, e o que 
não é, está excluído da verdade. 
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é 
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer 
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que 
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então 
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este 
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma 
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical: 
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA 
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há 
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é 
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas 
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação 
de insegurança que possa gerar em nós. 
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona 
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com 
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das 
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É 
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como 
lidar com os problemas de insegurança jurídica? 
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como 
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da 
justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da 
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas – 
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural 
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se 
imbricam no campo ético. 
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 
CONTEXTO
DA
DESCOBERTA
Formas pelas quais 
chega-se à decisão. 
19FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
bibliOGrafia
Obrigatória
BORNHEIM, Gerd. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1999. (Intro-
dução; Seção Heráclito de Éfeso; Seção Parmênides de Eléia)
complementar
KIRK, G.S. SHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Calouste Gul-
benkian, 1994. (Capítulo 2 Os Pensadores Jônios; e Capítulo 3 A Filosofia 
no Ocidente)
aneXO
brOWn cOntra a secretaria de edUcaçãO [brOWn v. bOard Of edUcatiOn]: a 
decisãO da sUprema cOrte QUe transfOrmOU Um país
david pitts 
Em maio de 1954 – em uma decisão histórica, no caso Brown Contra a Secre-
taria de Educação [Brown v. Board of Education] – a Suprema Corte dos Estados 
Unidos emitiu uma determinação segundo a qual as escolas públicas segregadas 
eram inconstitucionais. O nome no caso, Brown, é o nome de Oliver Brown, um 
negro, que iniciou um processo quando sua filha de sete anos, Linda, teve sua matrí-
cula negada em uma escola primária só para brancos na pequena cidade de Topeka, 
Kansas, no meio-oeste dos Estados Unidos, onde eles viviam. Nosso colaborado, 
David Pitts, rastreou as origens de uma das mais importantes decisões na história 
do direito constitucional dos Estados Unidos, queresultou em transformações não 
apenas em Topeka, mas na nação inteira. 
Na primavera de 1954, Oliver Brown era o pai mais famoso dos Estados Uni-
dos. Mas ele não era o único autor da ação no caso Brown contra a Secretaria de 
Educação, que originalmente foi iniciado em 1951. Doze outros autores em Topeka 
se uniram a Brown para representar seus filhos – 20 ao todo – que, em conformi-
dade com a lei, deveriam freqüentar escolas primárias segregadas. A ação inicial foi 
apoiada pela seção de Topeka da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas 
de Cor [National Association for the Advancement of Colored People] (NAACP), 
a organização de direitos civis mais antiga do país. 
O caso Brown, no entanto, não foi a primeira vez que a educação segregada, san-
cionada pela lei, sofreu um desafio nos Estados Unidos. Em 1849, uma ação havia 
sido iniciada em Boston, Massachusetts. Somente em Kansas, entre 1881 e 1949, 
11 ações foram iniciadas contra os sistemas de escolas segregadas. Quando a ação 
de Topeka chegou à Suprema Corte, a segregação racial era a norma, não a exceção, 
em boa parte do país, e era permitida ou legalmente exigida em 24 estados. O caso 
20FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Brown se destaca porque foi o primeiro caso bem sucedido desse tipo, por causa da 
abrangência da determinação da Suprema Corte, e por causa do efeito radical que 
teve sobre a sociedade americana em meados do século XX.
Herói Anônimo 
Foto: Cortesia de Marita Davis. 
À esquerda, Walter White, vice-
president executivo da naacp; à 
direita, mcKinley burnett, presi-
dente da seção da naacp de to-
pekano início da década de 50. 
“O herói anônimo no processo de Topeka é McKin-
ley Burnett,” que, na época, era o presidente da seção 
local da NAACP, diz C.E. (Sonny) Scroggins, chefe do 
Comitê de Kansas para a Comemoração do Caso Bro-
wn Contra a Secretaria de Educação [Kansas Commit-
tee to Commemorate Brown v. Board of Education]. 
“Foi Burnett que reuniu Oliver Brown e os outros pais e 
foi em frente com o desafio legal, com a ajuda dos advo-
gados locais”, acrescenta Scroggins, um ponto de vista 
confirmado por outras fontes em Topeka. Na verdade, 
Burnett – com a ajuda da secretária da NAACP Lu-
cinda Todd e os advogados Charles Scott, John Scott, 
Elisha Scott e Charles Bledsoe – desenvolveram uma 
estratégia para ganhar a causa. 
Burnett morreu em 1970. Seu filho, Marcus, que tinha 13 anos na época do 
processo inicial e que ainda mora em Topeka, diz que desafiar a segregação “foi 
uma luta à qual meu pai se dedicou por toda a sua vida”. Ele era um trabalhador 
comum que acreditava que a segregação poderia ser abolida por meio dos tribunais. 
O tempo inteiro ele estava convencido de que venceríamos. “A irmã de Marcus 
Burnett, Marita Davis, que atualmente mora em Kansas City, Kansas”, concorda. 
“Meu pai estava sempre lutando pelos seus direitos”, ela diz. “Eu me lembro de 
que, até mesmo quando eu era bem pequena, ele estava sempre escrevendo cartas 
e organizando reuniões. A luta contra a segregação nas escolas se tornou uma coisa 
muito importante para ele”.
Autores
De acordo com algumas fontes em Topeka, Oliver Brown tinha uma posição de 
liderança entre os autores, principalmente porque ele era o único homem do grupo. 
Mas Charles Scott Jr., filho do principal advogado local, diz que Oliver Brown “se 
tornou o líder entre os autores porque o seu nome era o primeiro, por ordem alfa-
bética. O caso foi levado em frente por meu pai e por outros advogados locais, em 
colaboração com o Sr. Brunett e a NAACP”. 
Linda Brown Thompson, que atualmente tem 55 anos e ainda mora em To-
peka, reluta em falar sobre a sua experiência e sobre o papel do seu pai ao desafiar 
o sistema, em parte porque ela acha que a mídia concentrou suas atenções em 
demasia na sua pessoa, ignorando os outros 12 autores da ação em Topeka. Sua 
irmã, Cheryl Brown Henderson, diretora-executiva da Fundação Brown para a 
Igualdade, Excelência e Pesquisa na Educação [Brown Foundation for Educational 
28
iniciou um processo quando sua filha de sete anos, Linda, teve sua matrícula negada 
em uma escola primária só para brancos na pequena cidade de Topeka, Kansas, no 
meio-oeste dos Estados Unidos, onde eles viviam. Nosso colaborado, David Pitts, 
rastreou as origens de uma das mais importantes decisões na história do direito 
constitucional dos Estados Unidos, que resultou em transformações não apenas em 
Topeka, mas na nação inteira. 
Na primavera de 1954, Oliver Brown era o pai mais famoso dos Estados Unidos. Mas 
ele não era o único autor da ação no caso Brown contra a Secretaria de Educação, 
que originalmente foi iniciado em 1951. Doze outros autores em Topeka se uniram a 
Brown para representar seus filhos – 20 ao todo – que, em conformidade com a lei, 
deveriam freqüentar escolas primárias segregadas. A ação inicial foi apoiada pela 
seção de Topeka da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor 
[National Association for the Advancement of Colored People] (NAACP), a organização 
de direitos civis mais antiga do país. 
O caso Brown, no entanto, não foi a primeira vez que a educação segregada, 
sancionada pela lei, sofreu um desafio nos Estados Unidos. Em 1849, uma ação havia 
sido iniciada em Boston, Massachusetts. Somente em Kansas, entre 1881 e 1949, 11 
ações foram iniciadas contra os sistemas de escolas segregadas. Quando a ação de 
Topeka chegou à Suprema Corte, a segregação racial era a norma, não a exceção, 
em boa parte do país, e era permitida ou legalmente exigida em 24 estados. O caso 
Brown se destaca porque foi o primeiro caso bem sucedido desse tipo, por causa da 
abrangência da determinação da Suprema Corte, e por causa do efeito radical que 
teve sobre a sociedade americana em meados do século XX. 
Herói Anônimo
Foto: Cortesia de 
Marita Davis.
À esquerda, Walter
White, vice-president
executivo da NAACP; 
"O herói anônimo no processo de Topeka é McKinley 
Burnett," que, na época, era o presidente da seção local da 
NAACP, diz C.E. (Sonny) Scroggins, chefe do Comitê de 
Kansas para a Comemoração do Caso Brown Contra a 
Secretaria de Educação [Kansas Committee to 
Commemorate Brown v. Board of Education]. "Foi Burnett 
que reuniu Oliver Brown e os outros pais e foi em frente com 
o desafio legal, com a ajuda dos advogados locais", 
acrescenta Scroggins, um ponto de vista confirmado por 
outras fontes em Topeka. Na verdade, Burnett -- com a 
ajuda da secretária da NAACP Lucinda Todd e os 
21FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Equity, Excellence and Research], concorda com a avaliação de Charles Scott Jr. 
“Temos muito orgulho do que nosso pai fez”, Henderson diz. “Mas é importante 
que o caso Brown não seja simplificado demais – não devemos esquecer os advo-
gados, os outros autores em Topeka e os autores nos outros estados, que acabaram 
sendo incluídos no caso Brown”. 
Zelma Henderson e Vivian Scales, duas pessoas que fazem parte do grupo de 
autores de Topeka, e que ainda moram na cidade, eram jovens mães no início da 
década de 50. As duas mulheres estavam ansiosas para entrar no caso. E as duas são 
muito gratas a McKinley Burnett e aos advogados locais, dizendo que foi a liderança 
dessas pessoas que tornou possível a luta pela integração. 
“Eu tinha que levar meus dois filhos de carro até o 
outro lado da cidade, passando por duas escolas só para 
brancos, até uma escola só para negros”, diz Henderson. 
“Meus filhos sempre tiveram orgulho do papel que tive-
mos na história”, ela continua. “Donald Andrew ainda 
está aqui em Topeka. Ele tem 55 anos. Mas minha filha, 
Vicki Ann, morreu de câncer em 1984.” 
Scales também diz que tinha que levar sua filha, Ruth Ann à escola, “passando 
por uma escola só para brancos que ficava bem em frente à nossa casa.Minha filha, 
que ainda mora aqui e está com 57 anos, se sente muito bem devido ao que acon-
teceu. Eu acho que fizemos uma coisa muito importante”. 
A PrimeirA Decisão
O dia de Burnett e dos autores no tribunal em Topeka foi o dia 28 de fevereiro 
de 1951. Eles compareceram ao Tribunal Federal de Primeira Instância da Circuns-
crição de Kansas [U.S. District Court for the District of Kansas]. Raymond Carter, 
que atualmente é juiz federal em Nova York, era, na época, advogado do Fundo de 
Defesa Legal da NAACP [NAACP Legal Defense Fund]. Com a ajuda dos outros 
advogados locais, ele apresentou o caso e solicitou a emissão de um mandado judi-
cial que proibisse a segregação nas escolas primárias públicas de Topeka. 
Os juízes se mostraram favoráveis à causa dos autores, dizendo, na sua decisão: 
“A segregação de crianças brancas e negras nas escolas públicas é prejudicial para as 
crianças negras”. Mas no final a decisão dos juízes foi contra os autores porque a 
Suprema Corte havia decretado, em uma decisão de 1896 – no caso Plessy contra 
Ferguson – que sistemas escolares “separados porém iguais” para negros e brancos 
eram, na verdade, constitucionais, e essa decisão não havia sido anulada. Portanto, 
o tribunal de Kansas se sentiu forçado a tomar uma decisão a favor da Secretaria de 
Educação de Kansas e contra os autores, por causa do episódio de Plessy. 
“De certa forma, meu pai, os outros advogados locais e o Sr. Burnett não ficaram 
decepcionados”, diz Charles Scott Jr. “Eles sabiam que a única forma de derrubar a 
segregação no país inteiro e não apenas em Topeka, era perder a causa e em seguida 
entrar com um recurso na Suprema Corte”. 
30
"Eu tinha que levar meus dois filhos de carro até o 
outro lado da cidade, passando por duas escolas só 
para brancos, até uma escola só para negros", diz 
Henderson. “Meus filhos sempre tiveram orgulho do 
papel que tivemos na história”, ela continua. "Donald 
Andrew ainda está aqui em Topeka. Ele tem 55 anos. 
Mas minha filha, Vicki Ann, morreu de câncer em 
1984."
Scales também diz que tinha que levar sua filha, Ruth Ann à escola, "passando por 
uma escola só para brancos que ficava bem em frente à nossa casa. Minha filha, que 
ainda mora aqui e está com 57 anos, se sente muito bem devido ao que aconteceu. 
Eu acho que fizemos uma coisa muito importante." 
A Primeira Decisão
O dia de Burnett e dos autores no tribunal em Topeka foi o dia 28 de fevereiro de 
1951. Eles compareceram ao Tribunal Federal de Primeira Instância da Circunscrição 
de Kansas [U.S. District Court for the District of Kansas]. Raymond Carter, que 
atualmente é juiz federal em Nova York, era, na época, advogado do Fundo de Defesa 
Legal da NAACP [NAACP Legal Defense Fund]. Com a ajuda dos outros advogados 
locais, ele apresentou o caso e solicitou a emissão de um mandado judicial que 
proibisse a segregação nas escolas primárias públicas de Topeka. 
Os juízes se mostraram favoráveis à causa dos autores, dizendo, na sua decisão: "A 
segregação de crianças brancas e negras nas escolas públicas é prejudicial para as 
crianças negras." Mas no final a decisão dos juízes foi contra os autores porque a 
Suprema Corte havia decretado, em uma decisão de 1896 -- no caso Plessy contra 
Ferguson -- que sistemas escolares "separados porém iguais" para negros e brancos 
eram, na verdade, constitucionais, e essa decisão não havia sido anulada. Portanto, o 
tribunal de Kansas se sentiu forçado a tomar uma decisão a favor da Secretaria de 
Educação de Kansas e contra os autores, por causa do episódio de Plessy. 
"De certa forma, meu pai, os outros advogados locais e o Sr. Burnett não ficaram 
decepcionados", diz Charles Scott Jr. "Eles sabiam que a única forma de derrubar a 
segregação no país inteiro e não apenas em Topeka, era perder a causa e em seguida 
entrar com um recurso na Suprema Corte." 
A Decisão da Suprema Corte
No dia 1 de outubro de 1951, ao ser preparado para ir ao tribunal que tem a posição 
hierarquicamente mais elevada no país, o caso Brown foi combinado a outros 
processos que desafiavam a segregação nas escolas, na Carolina do Sul, Virgínia, 
Delaware e no Distrito de Colúmbia. O nome do conjunto de casos passou a ser, 
22FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
A Decisão DA suPremA corte
No dia 1 de outubro de 1951, ao ser preparado para ir ao tribunal que tem a 
posição hierarquicamente mais elevada no país, o caso Brown foi combinado a ou-
tros processos que desafiavam a segregação nas escolas, na Carolina do Sul, Virgínia, 
Delaware e no Distrito de Colúmbia. O nome do conjunto de casos passou a ser, 
oficialmente, Oliver L. Brown e Outros Contra a Secretaria de Educação de Topeka 
e Outros [Oliver L. Brown et al. v. The Board of Education of Topeka, et al]. Thur-
good Marshall, que mais tarde foi o primeiro negro a fazer parte da Suprema Corte, 
era o diretor jurídico da NAACP no nível nacional. Ele apresentou – com sucesso 
– o caso, representando os autores. 
A decisão unânime declarando que as escolas segregadas eram inconstitucionais 
foi lida no dia 17 de maio de 1954, pelo juiz-presidente da Suprema Corte Earl 
Warren. “Concluímos”, ele disse, “que no campo da educação pública não há lugar 
para a doutrina de ‘separados porém iguais’. Estabelecimentos de ensino separados 
são inerentemente desiguais. Portanto, declaramos que os autores e outros que se 
encontram em situação similar, para os quais essas ações foram iniciadas, estão sen-
do, devido à segregação da qual reclamaram, privados da proteção igual das leis, 
garantida pela Décima-Quarta Emenda”. 
umA GrAnDe VitóriA LeGAL
O resultado do caso Brown Contra a Secretaria de Educação foi considerado 
uma grande vitória legal, um caso histórico que serve para mostrar que, nos Estados 
Unidos, os tribunais existem não apenas para condenar crimes, mas para afirmar 
direitos. “Trata-se de uma das mais importantes decisões da Suprema Corte”, diz 
Robert Barker, professor de direito e especialista em direito constitucional na Fa-
culdade de Direito da Universidade de Duquesne [Duquesne University School of 
Law] em Pittsburgh, Pensilvânia. 
“É importante observar”, ele acrescenta, “que a Suprema Corte contou com a 
cláusula de proteção eqüitativa da Décima-Quarta Emenda da Constituição dos 
Estados Unidos, ao apresentar a sua decisão. A Corte aplicou a cláusula de proteção 
eqüitativa com a finalidade a que ela se destina – proporcionar proteção para os 
negros, em particular”. No entanto, segundo Barker, há um significado mais amplo. 
“A decisão de 1954 resultou em muitos outros casos nos quais a cláusula de prote-
ção eqüitativa foi citada, beneficiando mulheres e outros grupos que achavam que 
seus direitos eqüitativos lhes estavam sendo negados”. 
Ao ser indagado como a Corte pode tomar uma decisão – a favor da segregação 
no caso Plessy contra Ferguson e contra ela no caso Brown – Barker responde que a 
Corte dispunha de mais de 50 anos de provas de que a segregação racial, da maneira 
que era praticada, era, na verdade, um método de se oprimir um grupo racial e não 
algo “separado porém igual”. 
Mark Tushnet ecoa o pronunciamento de Barker no seu livro definitivo, Brown 
v. Board of Education: The Battle for Integration. [tradução livre: Brown Contra a 
Secretaria de Educação: A Batalha pela Integração]. “Até hoje”, ele escreve “o caso 
Brown se destaca como a mais profunda afirmação da Corte sobre a questão central 
23FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
da história dos Estados Unidos – como os americanos de todas as raças se tratam 
entre si. Nesse aspecto, trata-se de uma vitória do constitucionalismo americano”.
Pau Wilson, o procurador-adjunto do estado de Kansas que tratou do caso, no 
tribunal, a favor da segregação, concorda. “A decisão da Suprema Corte”, ele diz, 
“amplioua definição de justiça básica nas relações entre as comunidades”. Wilson, 
que detalha a história do processo em A Time To Lose: Representing Kansas in Bro-
wn v. Board of Education [tradução livre: Hora de Perder: Representando Kansas 
no caso Brown Contra a Secretaria de Educação], escreve que a decisão também 
“deu uma nova dimensão ao conceito constitucional de proteção eqüitativa e do 
devido processo legal”.
DePois DA Decisão 
A Secretaria de Educação de Topeka não esperou a ordem da Corte para unir as suas 
escolas primárias negras e brancas. Antes do caso Brown, a lei de Kansas havia previsto 
a segregação das escolas primárias das comunidades com população superior a 15.000 
pessoas. As escolas de nível médio (equivalentes às sétima e oitava séries do primeiro 
grau, e às três séries do segundo grau, no Brasil) nunca havia sido segregadas. 
Mas em grande parte da nação, a tarefa seria mais difícil. Este é um dos motivos 
pelos quais a Suprema Corte, em um ato posterior, menos conhecido, emitiu, em 
1955, uma decisão judicial, determinando “um início imediato e razoável das pro-
vidências para a total conformidade” e a implementação da integração das escolas 
“com a devida rapidez”.
Mesmo assim, houve muita resistência e a disposição das autoridades do poder 
executivo de usar a força para implementar a decisão da Corte se fez necessária em 
alguns lugares. O caso mais famoso ocorreu em 1957, quando o presidente Dwight 
Eisenhower enviou tropas federais a Little Rock, Arkansas, depois que o governador 
do estado desobedeceu uma ordem de um tribunal federal para integrar as escolas 
locais – a primeira vez em que tropas federais entravam em um estado do sul para 
proteger os negros desde os primeiros anos após a Guerra Civil. 
Em outras partes do sul do país, a situação variava de lugar para lugar. Na maio-
ria dos lugares, a abolição da segregação ocorreu sem problemas, embora nem sem-
pre com rapidez. No ano letivo 1956-1957, “o fim da segregação, afetando 300.000 
crianças negras, estava em andamento em 723 distritos escolares”, de acordo com 
David Godfield, que conta em detalhes a história do fim da segregação em Black, 
White and Southern [tradução livre: Negros, Brancos e Sulistas]. 
Por outro lado, diz Goldfield, os legisladores promulgaram 45 leis “com o ob-
jetivo de contornar a determinação da Suprema Corte” e até 1960, “menos de um 
por cento dos estudantes do sul do país estavam freqüentando escolas integradas”. 
O andamento do processo foi muito mais rápido em Topeka e no meio-oeste, de 
modo geral; o sul finalmente recuperou o atraso no final da década de 60 e início 
da década de 70. Embora a luta contra a segregação sancionada pelas leis tenha sido 
vencida há muito tempo, os tribunais federais, atualmente, ainda estão lidando 
com questões referentes à segregação nos distritos escolares, que são o resultado das 
tendências na escolha de áreas residenciais. 
24FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
os tribunAis cAusAm muDAnçAs em Posições trADicionAis 
A luta contra a segregação mostra como é difícil mudar posições e costumes em 
qualquer sociedade, especialmente as posições que apresentam raízes profundas na 
tradição e na história, diz John Paul Jones, professor de direito e especialista em 
questões constitucionais na Universidade de Richmond [University of Richmond], 
em Virgínia. “Um fato importante é que as mudanças, quando elas ocorreram, 
foram, em grande parte, o resultado de atos do judiciário para fazer valer direitos 
inalienáveis assegurados pela Constituição dos Estados Unidos, e não o resultado 
de medidas sancionadas por legislaturas e executivos eleitos pelo povo”. Sem um 
judiciário independente, e sem as garantias da Constituição no que se refere aos 
direitos das minorias, ele acrescenta, a luta pelo fim da segregação teria sido muito 
mais difícil. 
Gary Orfield e Susan Eaton, concordam. Os tribunais, incluindo a Suprema 
Corte, tiveram um papel essencial, em comparação com os outros ramos do gover-
no; é o que eles escrevem em Dismantling Segregation [tradução livre: Acabando 
com a Segregação]. Eles acrescentam: “Com a exceção do período de 1964 a 1968, 
os tribunais – e não o poder legislativo ou o executivo – têm sido os elementos do-
minantes na elaboração de políticas no que se refere ao fim da segregação”.
Embora a Suprema Corte somente tenha derrubado a segregação nas escolas 
públicas, o impacto da iniciativa foi muito mais amplo. Essa ação ajudou a deflagrar 
uma ofensiva sem trégua contra a segregação em todas as esferas da vida americana, 
incluindo o serviço público e o mercado de trabalho. Apenas um ano e meio após a 
determinação da Suprema Corte, em dezembro de 1955, o Dr. Martin Luther King 
Jr. liderou um bem sucedido boicote aos ônibus em Montgomery, Alabama, em 
sinal de protesto contra a segregação no sistema de transporte público local. 
Nos anos seguintes, mandados contra a segregação foram impetrados, como par-
te de um cenário de ações populares iniciadas por um grande número de organiza-
ções não-governamentais; essas ações, em conjunto, formaram o movimento pelos 
direitos civis. Com a promulgação da Lei dos Direitos Civis [Civil Rights Act] em 
1964, e da Lei do Direito ao Voto [Voting Rights Act] em 1965, a segregação foi 
praticamente eliminada.
“Fizemos A coisA certA”
Os historiadores dos direitos civis, particularmente, ressaltam a importância do 
resultado do caso Brown para o progresso nas relações raciais em geral. “A decisão 
proporcionou um critério de avaliação de justiça – independente da cor das pessoas 
– pelo qual os americanos poderiam balizar seu progresso rumo à realização do ideal 
de oportunidades iguais”, escreve Robert Wiesbrot em Freedom Bound: A History 
of America’s Civil Rights Movement [tradução livre: Rumo à Liberdade: Uma His-
tória do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos].
O fato ainda é motivo de muito orgulho para os autores sobreviventes, quase 
meio século mais tarde. “Lembro-me como se fosse ontem”, diz Zelma Henderson. 
“A primeira notícia que vi sobre isso foi no jornal, o Topeka State Journal. Lembro-
me bem da manchete, em letras garrafais: ‘Proibida a Segregação nas Escolas’. Senti 
25FGV DIREITO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
uma alegria enorme. Pensei, naquele momento, e penso, agora, que fizemos a coisa 
certa”. Vivian Scales acrescenta, “Isso aconteceu há muito tempo, mas é uma coisa 
que você nunca esquece, que fica com você para sempre”.
marcus burnett, à esquerda, filho 
do líder da naacp em topeka, 
mcKinley burnett, e o ativista po-
lítico sonny scroggins, na entra-
da da escola primária monroe. 
Marcus Burnett não se lembra, especificamente, 
da reação do seu pai no dia em que a Suprema Corte 
derrubou a segregação. “Mas ele sempre acreditava que 
haveria justiça, portanto eu tenho certeza de que ele fi-
cou muito feliz”, Burnett diz. “Meu pai acreditava que 
os tribunais eram o lugar certo para se desafiar a segre-
gação. Ele nunca deixou de acreditar que os tribunais, 
no final, fariam valer a Constituição e a Declaração dos 
Direitos, e eliminariam a segregação”. 
No dia 26 de outubro de 1992, o presidente George 
Bush sancionou a Lei Pública 12-525 [Public Law 12-
525] determinando a criação do Sítio Histórico Nacio-
nal do Caso Brown Contra a Secretaria de Educação 
[Brown v. Board of Education National Historic Site], 
em memória da decisão da Suprema Corte, de 1954. 
O sítio fica em Topeka, na Escola Primária de Monroe 
[Monroe Elementary School], a mesma escola freqüen-
tada por Linda Brown, quase meio século atrás, antes 
do fim da segregação. 
O memorial – um trabalho da Fundação Brown [Brown Foundation] e do Comi-
tê de Kansas para a Comemoração do Caso Brown Contra a Secretaria de Educação 
[Kansas Committee to Commemorate Brown v. Board of Education], entre outras 
entidades e indivíduos

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