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FACULDADES INTEGRADAS RIO BRANCO ANDRÉ PAULINO RAMOS – R.A. 208657 REFLEXÃO – DAVID HELD A Democracia, o Estado-Nação e o Sistema Global. São Paulo 2015 2 A Democracia, o Estado-Nação e o Sistema Global. A democracia, assim como a conhecemos, historicamente nunca foi um sistema que usufruiu de um grande prestígio, outrora, isso tem mudado principalmente se analisarmos os últimos cem anos. Em um contexto mais atual, principalmente a partir da década de noventa, com o fim da União Soviética, podemos perceber que o número de lutas políticas que são travadas em nome da democracia aumentou exacerbadamente, além do fato de que diversos Estados buscam se adaptar a esse sistema (por exemplo, podemos citar a Primavera Árabe, que fez com que países com regimes quase que monárquicos, como o Egito, lutassem para a instauração de uma democracia). Como citado no início desse texto, a democracia atingiu um prestígio relevante nos últimos cem anos. A grande questão que devemos levantar sobre isso é: Qual democracia? Existem de fato, diversos modos de democracia, como a democracia direta (que era utilizada na Grécia Antiga, onde o povo 1 se reunia na Ágora e discutia sobre as questões pertinentes), a democracia semidireta (um grande exemplo disso é a Suíça, com os seus chamados “cantões”) e a democracia liberal ou também muito disseminada como a democracia representativa (da qual o povo elege os seus representantes que defenderão os interesses do povo durante um determinado período de tempo). A democracia liberal, da qual é muito citada ao longo do texto de Held, contêm alguns pressupostos, dois eles, essências a essa teoria são a congruência e a simetria. Estes dois itens, podem ser divididos em dois pontos principais. O primeiro deles é a questão que os cidadãos eleitores podem exigir de seus governantes que acabem por prestar contas de suas ações e o segundo se refere ao output (decisões políticas) daqueles que governam e os seus eleitores. Ou seja, de um modo geral, podemos construir uma espécie de um ciclo: Eleitores Elegem os representantes, que tem responsabilidades perante o povo (definido no texto como accountability) Os representantes tem responsabilidade pelas decisões políticas (o que pode ser caracterizado pelo output) Essas decisões afetarão diretamente o povo de um determinado território. 1 Cabe ressaltar que o “povo” que exercia o direito de participar da democracia na Grécia Antiga não representava toda a população existente, sendo que mulheres, escravos e estrangeiros não podiam votar. 3 Além das premissas consideradas essências, a democracia liberal também possui as premissas subjacentes, como por exemplo: democracias podem ser consideradas como unidades autossuficientes; as democracias são separadas umas das outras; a democracia nada mais representa do que interação de forças que existe dentro de um Estado-Nação, entre outros. Outra questão que se tem tomado como embate é a critica que tanto a direita quanto a esquerda fazem da democracia liberal. Segundo a direita, esse modo de democracia acarretou no crescimento das chamadas “burocracias públicas”, que acabaram por congestionar o espaço da iniciativa privada e a atividade da responsabilidade individual. Outrora, existe outro argumento principal da critica da democracia liberal segundo a direita, nas palavras do próprio autor. [...] está à crença de que as relações entre os responsáveis pelas decisões e os que as “recebem” foram distorcidas pelo crescimento de grupos de pressão, lobbies específicos e instituições burocráticas de grande porte. (HELD, 1991, p. 148). Na perspectiva da esquerda, a principal critica que existe contra a democracia liberal é a questão do aumento da congruência 2 entre os representantes políticos e os cidadãos ordinários. Isso ocorreria através da extensão dos chamados mecanismos de “responsabilidade democrática” dos representantes aos seus eleitores. Outra questão que é levantada por Held, é a soberania do Estado-Nação. Esse conceito de soberania é ora inquestionável para a democracia liberal. Ademais, tanto a democracia liberal quanto as demais teorias sociais e políticas acabam por considerar o mundo externo do Estado-Nação como um dado, sujeito a condição ceteris paribus 3 . Toda e qualquer mudança social ou política que venha a acontecer dentro de um Estado-Nação ocorrem através de mecanismos inerentes (denominados por Held como built in), ou seja, através das próprias estruturas de uma sociedade. Os acontecimentos que ocorrem fora do Estado-Nação, como por exemplo a economia mundial, quase não possuem uma teorização e outrora as implicações que ela pode vir acarretar a democracia não são pensadas. 2 Congruência possui o significado de algo que possui uma semelhança/equivalência de características. 3 Ceteris Paribus é uma expressão em latim que basicamente significa “tudo o mais constante”, ou seja, em uma análise de algo sem levar em consideração outras condições. 4 Uma consideração que deve ser feita sobre os Estados-Nações é a questão do alcance e da eficácia da chamada “regra da maioria”. Essa “regra” possui a sua origem nas avaliações de mérito ou a legitimidade de toda e qualquer decisão política e ela basicamente significam que a determinada maioria de uma população de um Estado possa decidir os rumos daquele Estado específico. Um grande contraponto a essa questão que a decisão de uma maioria afetam outras pessoas que dela não participam (podemos citar a questão dos interesses de cada classe social. A classe que possui a sua maioria vai buscar atender os seus objetivos, “desprezando” os interesses de outras classes). O Estado soberano, atualmente possui uma teoria que busca a criação de uma “comunidade nacional de destino”, ou seja, uma comunidade que se autogoverna e determina o seu próprio futuro 4 . Essa teoria é bastante criticada pela questão da natureza das interconexões globais e por questões que devem ser enfrentadas por todo o Estado moderno. A questão da interconexão global acaba por levantar algumas questões centrais sobre a própria teoria clássica da democracia. Uma ideia central sobre a teoria clássica é a de que o consenso legitima todo e qualquer governo. Os liberais dos séculos XVII e XVIII viam na questão do contrato social a questão do consentimento individual 5 . Por outra via, os chamados liberais democratas dos séculos XIX e XX acreditam que as eleições são a maneira da qual o cidadão proporciona autoridade para o governo para que ele tenha capacidade de governar. Todavia, embora exista essa distinção entre a questão do consenso entre as tradições liberais, todas, sem nenhuma exceção acreditam que o governo é sustentado pelo consenso de pessoas livres e iguais. As interconexões globais não é um processo recente, sendo que podemos buscar as origens dele basicamente do século XVI, com o início das Grandes Navegações 4 Podemos realizar aqui uma comparação com uma das teorias de Relações Internacionais, o Construtivismo, que afirma que os Estados (que são formados por homens, ou seja, são um reflexo do mesmo) constroem o próprio sistema existente. 5 Podemos aqui citar Thomas Hobbes (1588-1679) que em sua principal obra “Leviatã” propôs que os homens realizassem um contrato social juntamente com o Estado (na perspectiva hobbesiana, o homem em seu estado de naturezaé mal, por isso, ocorreria a chamada “guerra de todos contra todos”, onde somente após o contrato social com o Estado esta seria apaziguada). 5 Portuguesas. Todavia, cabe lembrar que esse processo sofreu uma rápida expansão com a expansão da economia global e a formação do Estado Moderno. Outro ponto é a questão da interação das forças existentes tanto do Estado- Nação quanto de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) 6 . A interconexão global é um fenômeno que possui como matriz primordial, a globalização do mundo. A globalização pode adquirir dois significados possíveis. O primeiro, afirma que toda a atividade econômica, política, social, cultural, entre outras, possui um alcance global cada vez maior. O segundo tópico é relacionado com a questão de que a interconexão entre os Estados e sociedades acaba por formar a sociedade global. Partindo desse pressuposto da interconexão global, podemos citar a teoria “transformacionista”, que afirma que o aumento das interconexões existentes entre os Estados pode levar ao fim da autonomia do Estado e obrigar os mesmos a praticarem uma cooperação cada vez maior 7. O argumento dos “transformacionistas” pode ser resumido em cinco tópicos principais. 1. Com o aumento da interconexão global, o número de instrumentos políticos que estão a par do governo e a sua eficiência teriam um declínio acentuado. Um exemplo disso é a questão do controle das fronteiras dos países. 2. Com a expansão das influências de empresas transnacionais, por exemplo, pode diminuir a influência que o governo exerce sobre a sua população. 3. Uma consequência de uma alta interconexão global seria a de o Estado perderia algumas atividades tradicionais (comunicação, defesa do território, entre outros) porque eles não poderiam ser realizadas sem a cooperação internacional. 4. Devido ao processo de interconexão, muitos Estados tiveram que aumentar a sua integração com outros Estados (neste ponto, todo tipo de aliança pode ser 6 Podemos comparar essa situação com a teoria Neo-Liberal de Relações Internacionais, que foi basicamente formulada por Joseph Nye e Robert Keohane. Dentre diversos pontos, eles afirmam que os Organismos Internacionais exercem influência dentro do Sistema Internacional e que os Estados devem se empenhar em manter esses Organismos ativos e principalmente, expandi-los. 7 Um autor que cita um processo similar a este é Immanuel Kant, que afirma que todos os Estados do mundo formariam uma “sociedade de Estados”, onde haveria a formação de uma sociedade cosmopolita e pautada na cooperação. 6 caracterizada, como por exemplo, o MERCOSUL, o NAFTA, a União Europeia, e mais recentemente a criação de zona econômica entre diversos países do Pacífico [Tratado Transpacífico]), a fim de evitar os “efeitos desestabilizadores que acompanham o desenvolvimento das interconexões” (HELD, 1991, p. 159). 5. Diante de todos essas características, ocorreu um crescimento de diversas instituições, Organizações Internacionais e regimes que auxiliaram na formação da governança global 8 . Outro ponto que merece ser destacado é a questão de que na perspectiva da globalização, o Estado liberal é transpassado por diversas forças supragovernamentais, intergovernamentais e transnacionais e o pior, é incapaz de poder determinar o seu próprio destino. Contudo, os Estados-Nação buscam um processo de “nacionalização” da política global. Ou seja, os Estados buscam manter a sua independência territorial e retomar ou de certa forma manter a sua soberania existente. Um ponto que auxiliou nesse processo foi a questão do “empate atômico” que ocorreu entre as superpotências Estados Unidos e a antiga União Soviética. Esse “embate” acabou por criar uma situação denominada “indisponibilidade de força” que é uma situação na qual novas potências e povos não nucleares acabam se firmando no Sistema Internacional devido a constatação de que a opção nuclear não oferecia uma opção realizável 9 . Pode-se verificar que os Estados através desse processo de “nacionalização” da política global, também possuem certa relutância contra submeter os seus conflitos com outros Estados a uma “autoridade superior”, seja ela qual for (a Organização das Nações Unidas, o Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, entre outros) 10 . 8 Existe uma grande diferença entre o governo e uma governança. O primeiro ponto é o de que nem todo o governo possui uma governança e vice-versa. Um governo é algo institucionalizado que possui o monopólio legítimo do uso da força, enquanto a governança representa o funcionamento de um sistema, quando os integrantes possuem certos ideais iguais e realizam a cooperação. 9 Podemos comparar essa situação com a questão da Paridade Estratégica, ou MAD (Mutual Assured Destruction) na qual um Estado tem uma quantidade de ogivas suficientes para que algumas sobrevivam a um primeiro ataque (first strike) para que se consiga realizar um segundo ataque (second strike) tão avassalador que destrua o oponente. 10 A essa questão, podemos comparar com a perspectiva Realista de Relações Internacionais, que possui como um de seus pressupostos a questão da Auto-Ajuda, da qual os Estados são os únicos responsáveis por suas ações. Podemos citar também a invasão dos Estados Unidos ao Iraque em 2003 da qual os americanos desobedeceram o Conselho de Segurança da ONU e realizaram a intervenção. 7 Embora o processo de “nacionalização” da política global busque fazer com que os Estados mantenham a sua soberania existente, esta não simboliza que a estrutura da soberania não tenha sido alterada. Ao contrário disso, essa soberania foi alterada devido à “interseção de forças e relações nacionais e internacionais” (HELD, 1991, p. 165). Em relação ao Estado-Nação, se levarmos em consideração a abrangência de suas decisões, podemos identificar diversos fatores que influenciaram em uma alteração da mesma. Entre os maiores exemplos, podemos citar: poder dos partidos políticos; poder das organizações burocráticas; redes de poder corporativo, dentre outras auxiliaram nesse processo. Contudo, embora a soberania tenha sofrido uma alteração, isso não de certa forma “inaceitável”. [...] a soberania é erodida 11 apenas quando é deslocada por uma autoridade “superior” ou independentemente, que reduz o âmbito legítimo da decisão do Estado nacional (HELD, 1991, p. 165). Outrora, a soberania ainda deve ser desvinculada da chamada “autonomia” estatal. Ou seja, é a capacidade do Estado de realizar uma determinada ação independentemente e a busca de objetivos políticos, internos e globais. Em outras palavras, seria a questão do Estado agir conforme as suas intenções, desprezando as restrições que possam vir a ocorrer provindas de organismos/instituições internacionais. Além de todas as distinções que foram apresentadas ao longo do trabalho de Held, também existentes as chamadas “disjuntivas12 externas”. Estas demonstram uma série de processos que fazem com que a natureza das decisões dos Estados dentro de um determinado território sejam de certa forma alteradas. Held identificou quatro tipos de disjuntivas: Economia Mundial; Organizações Internacionais; Direito Internacional e Potências Hegemônicas e Blocos de Poder. A primeira disjuntiva citada por Held é a da Economia Mundial. Esta se caracteriza pela autoridade do Estado e o sistema de produção que é vigente no mundo, além de outras questões comoo comércio. Dessa forma, o poder dos Estados acaba sendo de certa forma limitado. Held define quatro tópicos subjacentes que praticamente definem essa disjuntiva. 11 A palavra “erodida” possui como significado literal algo que vai se corroendo lentamente. 12 “Disjuntiva” significa algo usado para separar/desunir. 8 1. Se analisarmos todos os processos econômicos internacionais, podemos distinguir dois pontos que são centrais. O primeiro é a questão da internacionalização da produção e o segundo da internacionalização das atividades financeiras do mundo atual. Cabe lembrar, que esses dois processos, acabam sendo realizados pelas companhias multinacionais em processo de expansão. Para poder explicar essa situação, devemos analisar que as companhias multinacionais cada vez mais visam o mercado exterior, não o interior, devido à questão de que com o comércio exterior, elas terão um lucro maior. Quanto à questão da internacionalização das atividades financeiras, podemos citar primordialmente a questão da importância das Bolsas de Valores mundiais 13 . 2. Com o avanço do processo tecnológico em áreas como a comunicação e o transporte, tem ocorrido um processo de “debilitação das fronteiras”, ou seja, no âmbito econômico, os mercados que antes eram praticamente separados, agora começam a sofrer um processo de abertura com outros Estados. Isso, em uma perspectiva interna de qualquer Estado, dificulta a implementação de políticas econômicas nacionais. 3. Com o aumento da globalização nas relações econômicas, ocorreu uma alteração entre a possibilidade de aplicação de políticas econômicas. Como exemplo dessa questão, Held cita o keynesianismo 14 , que não é uma política econômica aplicada nos dias atuais devido à dificuldade da qual os governos passam para “administrar suas economias num contexto de divisão do trabalho e sistema monetário global” (HELD, 1991, p. 168). 4. Com a perda do controle sobre determinadas políticas econômicas racionais, diversos setores econômicos e de certa forma, da sociedade, buscam o isolacionismo de toda e qualquer tipo de rede econômica transnacional. Isso ocorre, devido à questão de que esses setores econômicos desejam por exemplo, a restauração dos limites econômicos e a separação dos mercados. Todavia, é impossível afirmar que devido a internacionalização da produção de finanças, os 13 As Bolsas de Valores desempenham um papel fundamental na internacionalização das atividades financeiras, devido à questão de que eventos econômicos que acontecem ao redor do mundo podem ser rapidamente verificados por pessoas e instituições financeiras (como bancos). Além disso, as Bolsas de Valores com o procedimento de venda de títulos, ações, entre outras, ajudou na formação do capital financeiro. 14 O Keynesianismo é uma teoria econômica proposta por John Maynard Keynes, que tem como um de seus pilares centrais a intervenção estatal na economia. 9 Estados não tenham tido de certa forma uma redução da sua própria capacidade de controlar a sua própria economia. A segunda disjuntiva em questão é relacionada com as Organizações Internacionais. No mundo atual, essas organizações possuem uma importância determinante, pois elas acabam por administrar diversos setores da atividade transnacional. Held cita quatro tópicos centrais que essa disjuntiva possui. 1. Com o aumento e a expansão de organismos internacionais (independente de seu foco principal), ouve uma grande mudança na estrutura das decisões políticas mundiais. 2. Dentre a vasta gama de organizações internacionais, existem algumas que exercem somente uma função em específico, como por exemplo, a União Nacional de Correios, União Nacional de Telecomunicações, dentre outras. Essas organizações acabam por não exercer verdadeiramente política dentro do Sistema Internacional, devido ao fato de elas possuírem uma função em específico. Outrora, organizações como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), por estarem envolvidas com questões mais voltadas a administração e a designação de normas e recursos a outros países 15 , sempre foram altamente politizadas. 3. O Fundo Monetário Internacional, como descrito na nota de rodapé número 15, tem o “poder” de estipular certa orientação política e econômica. Essas estipulações que o FMI pode realizar são: o governo ter que cortar as suas despesas; desvalorização da moeda; redução dos gastos em programas de subsidio do bem estar social, entre outros. Ademais, a toda e qualquer intervenção que o Fundo Monetário Internacional venha a fazer, é motivada única e exclusivamente pela solicitação que os governos de determinados Estados fazem dele 16 . 15 Nesse ponto de designação de normas e recursos a outros países, o Fundo Monetário Internacional se lança como um perfeito exemplo. Para a concessão de empréstimos a qualquer país, o FMI pode estipular normas econômicas que o país deve seguir a fim de sanar os problemas econômicos nele existentes. Internacional Monetary Fund Factsheet, Empréstimos do FMI. Disponível em: <http://www.imf.org/external/lang/portuguese/np/exr/facts/howlendp.pdf>. Acesso em 24 de novembro de 2015. 16 Um exemplo disso foi o próprio Brasil, no ano de 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que contraiu um empréstimo de US$ 41,75 bilhões de dólares. UOL Economia, Brasil paga dívida com FMI, mas mantém política econômica austera. Disponível em: 10 4. A Comunidade Europeia possui um grande significado se comparado a qualquer outra organização, devido à questão do direito de elaborar leis que devem ser, sem exceção, seguidas pelos Estados membros. Outrora, devemos lembrar que para chegar a essa condição, os países membros tiveram que ceder parte de sua soberania, em um processo denominado como uma “rendição voluntária”, que acabou por auxiliar os Estados europeus durante as três décadas de dominância dos Estados Unidos pós Segunda Guerra Mundial. A terceira disjuntiva citada por Held é a questão do Direito Internacional. Este, com o seu desenvolvimento e expansão acabou por submeter indivíduos, governos e organizações não governamentais (ONGs) a uma nova regulação legal. Para entender essa disjuntiva, são citadas quatro características fundamentais. 1. Dentro da comunidade internacional, se avaliarmos desde o seu principio de formação, existem duas leis que sustentam a questão da soberania nacional de cada Estado. São elas: a questão da “imunidade de jurisdição” e a “imunidade às agências estatais”. A primeira, afirma que nenhum Estado pode ser processado em tribunais de outros Estados se o mesmo estiver exercendo atos relacionados à sua soberania. A segunda lei, se um indivíduo qualquer viola as leis de outro Estado enquanto estiver sendo representante de seu país de origem, ele não pode ser considerado culpado. 2. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), diversos tratados de declarações de direitos foram assinados. Dentre os principais, podemos citar a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinado em 1950. Esta Convenção possui uma notável diferença se comparada com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1947). Ademais, a Convenção foi inovadora por causa da sua “atitude” de iniciar uma “imposição coletiva” em certos direitos relacionados a Declaração de Direitos Humanos. 3. Uma questão importante sobre o DireitoInternacional foi à criação de novas formas de liberdades e obrigações. Paralelo a isso, começou a se propagar a <http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2006/01/10/ult1767u58456.jhtm> Acesso em 24 de novembro de 2015. 11 ideia de que a associação a uma determinada comunidade nacional atribui aos indivíduos à cidadania, pautada tanto em direitos quanto deveres 17 . Ademais, o Tribunal Internacional de Nuremberg, determinou que quando normas internacionais que protegem os Direitos Humanos entrarem em conflito com normas internas de cada Estado, o indivíduo pode “transgredir” a lei do Estado. 4. O Direito Internacional é um grande “compilador” de normas que atualmente regem o Sistema Internacional. Essas normas regem a coexistência e cooperação existente entre os Estados. A última disjuntiva citada por Held é a questão das Potências Hegemônicas e os Blocos de Poder. Essa disjuntiva pode ser caracterizada por uma grande dicotomia. Dicotomia é segundo Norberto Bobbio: “[...] Podemos falar corretamente de uma grande dicotomia quando nos encontramos diante de uma distinção da qual se pode demonstrar a capacidade: a) de dividir um universo em duas esferas, conjuntamente exaustivas, no sentido de que todos os entes daquele universo nelas tenham lugar, sem nenhuma exclusão, e reciprocamente exclusivas [...] b) de estabelecer uma divisão que é ao mesmo tempo total [...]”. (BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: Para uma teoria geral da política. São Paulo, 14ª edição, 2007. p. 13). De um lado, existe a ideia de um Estado que seja um autor totalmente autônomo, estratégico e militar. Do outro, existe um sistema global que é caracterizado pela existência de diversas potências e respectivos blocos de poder. Held exemplifica quatro conceitos determinantes dessa disjuntiva. 1. Após o final da Segunda Guerra Mundial, com as grandes potências europeias (Inglaterra, França, Alemanha) estando destruídas, criou um vácuo de poder no mundo, que foi solvido pela ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética, que assumiram o status de superpotência. Com a criação de alianças como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte [assinado em 04 de abril de 1949]) e do Pacto de Varsóvia (assinado em 14 de maio de 1955), acabou por limitar a capacidade de decisão de diversos Estados. 17 Um exemplo claro disso é a União Europeia. Com a assinatura do Tratado de Schengen, assinado em 1985, na qual permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários. Porto Seguro, Tratado Schengen. Disponível em: <http://www.portoseguro.com.br/seguros/seguro-viagem/informacoes-ao- viajante/tratado-schengen>. Acessado em 24 de novembro de 2015. 12 2. Dentro da OTAN, existem várias evidências de um processo denominado “internacionalização da segurança”. A OTAN, em seu principio, tinha como objetivo central a segurança coletiva de seus aliados. Para isso, ela comandou diversos acordos entre Estados soberanos e o desenvolvimento de uma organização internacional que se opera a própria lógica. 3. Mesmo se um Estado não possui esse envolvimento da “internacionalização da segurança”, tanto a sua autonomia quanto a sua soberania podem vir a ser limitadas, devido ao fato de que quando a OTAN precisa atuar em uma determinada ação, isso acaba implicando na “integração das burocracias nacionais de defesa em organizações internacionais de defesa” (HELD, David, 1991, p. 177). 4. Todavia, um Estado, ao se associar com a OTAN, não abre mão totalmente de sua soberania. Isso ocorre devido ao fato de que nenhuma descrição existente dentro da OTAN pode alterar o fato de que todos os membros são também de certa forma, rivais, que vão competir por determinados objetivos, como por exemplo, o prestígio internacional. Ao analisarmos todas essas disjuntivas, uma coisa podemos concluir ao certo. Diante de todos os processos que vem ocorrendo ao longo dos anos, como a globalização e o aumento da importância de organismos internacionais, toda a ordem internacional existente e o papel do Estado-Nação vem sendo alterado. A globalização, como citado, tem um papel fundamental com o processo de mudança da ordem internacional vigente no mundo atual. Todavia, ela também trouxe consigo algumas consequências. Dentre elas, podemos citar: com o processo de interconexão econômica, política, militar, entre outros, a natureza do Estado soberano vem sendo alterada e a interconexão global acaba criando certas “cadeias” de decisões políticas que afetam a dinâmica dos próprios sistemas políticos nacionais. Held, ao decorrer de seu texto acaba citando a visão de um sistema internacional desenvolvido por Hedley Bull 18 . Segundo Bull, nas palavras de David Held: 18 Hedley Bull (10/06/1932 - 18/05/1985) foi professor de Relações Internacionais na Australian National University, London School of Economics e University of Oxford. Sua principal obra é a Sociedade Anárquica, publicado em 1977. 13 “[...] o desenvolvimento de um sistema internacional que é a contraparte moderna e leiga do tipo de organização política que existia na Europa cristã da Idade Média, cuja característica essencial era “um sistema de autoridades que se recobriam de múltiplas lealdades” (HELD, David, 1991, p. 180). Nesse sistema proposto por Bull, poderia ocasionar diversas vantagens, principalmente se isso ocorresse na forma de uma “organização política universal”, ou seja, em outras palavras, seria uma ordem “neomedieval”. Dentre as vantagens possíveis com o estabelecimento dessa “ordem” podemos destacar: fornecimento de mecanismos institucionais para um convívio pacífico de grandes populações; evitar os perigos típicos do Sistema Internacional e evitar a concentração de poder por um único Estado 19 . Sobre a questão da ordem internacional, podemos fazer algumas considerações sobre a mesma. Primeiramente, podemos concluir que a mesma é estruturada por diversos tipos de agências e forças, e paralelamente a isso, o indivíduo acaba possuindo pouca participação e devido a isso, a população acaba não tendo a capacidade de se expressar no sentido de aprovar ou reprovar uma determinada ação. Em um segundo ponto, a ordem internacional vigente é caracterizada por uma “luta” constante. De um lado, se encontra a persistência dos Estados soberanos em manter o seu “poder”. Do outro, se encontram as chamadas “estruturas plurais de autoridade” que em linhas gerais podem ser definidas como os organismos internacionais em ascensão. Held, ao final de seu texto, afirma que tanto os Estados quanto às agências e organismos internacionais deveriam seguir o que ele chama de “modelo federal de autonomia democrática”. Para isso, ele cita doze teses principais desse modelo. As teses, segundo sua perspectiva servem para duas funções. A primeira é a de oferecer uma teoria democrática e de condições da autoridade legítima e a segunda é a questão de uma analise da aplicação dessa teoria em diversas perspectivas, tanto na vida nacional quanto a vida internacional. 1. O conceito de soberania historicamente falando, teve como único objetivo oferecer uma nova visão sobre um problema antigo, a natureza do poder e do governo. A teoria da soberania acabou por se tornar uma teoria de poder. Devido 19 Essa questão da acumulação de poder por um Estadopode ser comparado com as formas da qual o Sistema Internacional, que é anárquico, pode vir a acabar. A primeira forma seria se os Estados “deixassem” de existir, formando uma comunidade única, de certa forma, cosmopolita. A segunda forma seria de que um Estado acumulasse tanto poder que começaria a formar um Império. 14 a isso, ela possui dois tópicos extremamente importantes. São eles: a sede da autoridade soberana e com as chamadas formas e limites, que visam buscar o alcance legítimo da ação do Estado. 2. Devido aos decorrentes debates que ocorreram sobre a soberania, duas posições antagônicas apareceram. São elas a soberania do Estado e a soberania popular. A primeira, afirma que o Estado deve ter a autoridade final para definir o direito público. Já a segunda, afirma que o Estado é um organismo “comissionado” que é utilizado somente para a realização da vontade do povo. Todavia, embora sejam antagônicas, ambas apresentam definições tirânicas sobre a soberania. A primeira teoria afirma que o Estado pode-se colocar em um patamar de poder total. Já a segunda afirma que a maioria da população pode adquirir o total domínio, excluindo-se assim, a camadas minoritárias. 3. Uma saída às teses de soberania do estado e da soberania popular pode ser encontrada na concepção de John Locke sobre comunidade política independente. Segundo essa teoria, busca encontrar uma medição entre o Estado e a sociedade, que são capazes de proteger tanto o direito público quanto o direito privado. 4. Um dos princípios centrais propostos por Held a essa teoria é o chamado principio da autonomia. Este pode ser definido como um princípio na qual todos os indivíduos podem ter direitos e deveres iguais. Ou seja, todos os indivíduos são livres e iguais na determinação de sua própria existência, no entanto, eles não podem vir de qualquer forma a negar o direito dos outros. 5. O princípio da autonomia é um princípio que de certa forma, está presente dentro da ideia central do projeto liberal-democrático moderno. Este projeto está preocupado com a capacidade que os indivíduos possuem para poder justificar e determinar as suas ações voluntárias e com a capacidade do cidadão de assumir obrigações de forma voluntária. 6. O princípio da autonomia pode ser classificado de duas formas, a empírica e a normativa. A primeira provém do desenvolvimento das condições e sítios onde foi travada a luta pelo reconhecimento da condição de membro de uma determinada comunidade, e consequente a isso, a capacidade de participar da mesma. Já a segunda, pode ser definida como uma busca de elaborar e projetar um autonomia pautada no “experimento intelectual”, ou seja, como as pessoas 15 acabariam por interpretar as suas necessidades caso elas possuíssem informações mais completas sobre sua posição dentro do sistema político e de sua participação. 7. Outrora, o princípio da autonomia também pode servir como orientador da exposição de natureza e o real significado do poder legítimo. Para se realizar isso, deve haver o que Held chama de “condições de realização” do principio da autonomia. Essas “condições” seriam, fazendo uma última análise, a reforma do poder do Estado e a reestruturação da sociedade civil. 8. No mundo atual do qual vivemos, a questão das condições para se realizar o principio da autonomia deve sempre ser pensado de acordo com as “redes internacionais de Estado e organizações” e também as chamadas “redes internacionais da sociedade civil”. Held cita que o grande problema que a democracia passa atualmente é a questão de como o principio da autonomia pode ser realizado em uma série de centros interconectados entre si. Ademais, sobre a questão da chamada “autonomia democrática”, ele acaba citando dois tópicos importantes. O primeiro é a questão de que essa autonomia só pode ocorrer através das agências e organizações que ao mesmo tempo, constituem e atravessam as fronteiras dos Estados. Já a segunda diz que os princípios da autonomia democrática devem estar presentes nos centros nacionais e internacionais, e devem ser realizados no interior desses centros para que a autonomia seja possível em uma área especifíca. 9. A autonomia democrática, em seu princípio preza por uma expansão ou moldura de uma “federação” de Estados e organismos democráticos que abranjam as decisões e as torne responsáveis. Dois pontos que podem ser levados em consideração são: a mudança dos limites territoriais de decisão de um Estado- Nação. Ou seja, questões como a saúde podem ser mais bem administradas por um quadro regional ou global do que se considerada individualmente. A segunda questão, nas palavras de Held: “[...] é a questão da necessidade de articular comunidades políticas territorialmente delimitadas com agências, associações e organizações chave do sistema internacional, de tal maneira que este último torne-se parte de um processo democrático [...]” (HELD, David, 1991, p. 190) 16 10. No “modelo federal de autonomia democrática” proposto por Held, a sua base constitucional pressupõe inicialmente de um reforço nos parlamentos regionais, afim de que toda e qualquer decisão que esse órgão venha a tomar seja reconhecida como fontes independentes do direito internacional. Outra questão importante sobre isso seria a questão da abertura das organizações governamentais à votação publica, além do processo de democratização dos chamados órgãos internacionais “funcionais”. Ademais, o modelo federal de autonomia tem como um de seus pressupostos de que o principio da autonomia se consolide cada vez mais. Isso ocorreria através de questões como a inclusão desse principio em parlamentos, assembleias, entre outras. Além disso, esse principio deve ser expandido cada vez mais a tribunais internacionais de justiça. 11. O “modelo federal de autonomia democrática” acaba possuindo grandes implicações. Podemos citar duas delas, que são as principais implicações. A primeira se refere à questão de que é impossível instaurar esse tipo de modelo democrático se ainda houver os chamados “conjuntos poderosos de relações e organizações” que podem de certa forma, alterar todo e qualquer tipo de processo democrático. Já o segundo ponto é relacionado à questão das esferas sociais. Segundo Held, essas “esferas sociais” (como por exemplo, centros de saúde e de comunicação) devem ter os seus recursos controlados sem a interferência de nenhum agente externo, afim de que se possa garantir a liberdade e a igualdade de todos os indivíduos. 12. No último pressuposto de sua teoria, Held afirma que toda e qualquer teoria que se relacione ao poder legítimo acaba, de qualquer forma, dois tipos de teorias. A primeira é a “teoria democrática nos processos e estruturas interligadas da ordem global” e a segunda é a teoria do impacto da ordem global no Estado democrático. Devido a todos os argumentos citados ao longo do texto, com os pressupostos da democracia liberal, a discussão sobre a soberania dos Estados e consequentemente o seu papel no poder de decisão em certos aspectos (como a economia mundial e a segurança internacional), a questão da interconexão global da qual estamos passando atualmente, além da questão da formulação do “modelo federal de autonomia democrática” fazem com que a democracia possua tanto expectativas otimistas quanto pessimistas relacionadas ao seu futuro. 17 Questões – Texto Seria a democracia liberal representativa o melhor modelo de democracia, sendo que possui criticas vinculadas tanto da esquerda quanto da direita? Como aumento da interconexão global entre os Estados,seria esse o processo de início do fim de sua autonomia e de fato, sua soberania? A melhor solução para o Sistema Internacional seria de fato, o aumento do poder das organizações/instituições internacionais? Teriam as disjuntivas afetado drasticamente o poder dos Estados soberanos? A teoria “neomedieval” de Bull seria uma saída para uma nova organização do Sistema Internacional? A ordem internacional vigente está de fato, sendo alterada? O “modelo federal de autonomia democrática” proposto por Held seria a melhor a melhor forma de democracia? O princípio da autonomia pode ser fato aplicado ou é de certa forma, utópico? Os Estados vão começar a ceder a sua soberania em questão da cooperação ou continuarão a buscar os seus interesses individuais? Será a democracia o melhor sistema político?
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