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DUDU HALUCH no FISICULTURISMO e PARMACOLOGIA) LETRASCopyright @ 2017 Dudu Haluch Edição e preparação de originais Fábio Brüggemann Capa Estúdio Letras Contemporâneas Ilustrações Dudu Haluch e Carolina Simião Editores Daniel Mayer e Fábio Brüggemann H197. Dudu Haluch. Hormônios no fisiculturismo - história, fisiologia e farmacologia / Dudu Haluch - Florianópolis : Letras 2017. 264 p. ISBN 978-85-66712-33-9 Inclui referências 1. Medicina e saúde. 2. Hormônios - farmacologia. 2. Título CDU: 610 Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por quaisquer meios, sem a autorização expressa do autor e dos editores. Todos os direitos desta edição reservados à editora LetrasSUMÁRIO 9 1. HISTÓRIA DOS HORMÔNIOS NO FISICULTURISMO 12 1.0) INTRODUÇÃO 12 1.1) INÍCIO DO FISICULTURISMO E A DESCOBERTA DA TESTOSTERONA 14 1.2) ANOS 60 E 70 - MR OLYMPIA, ARNOLD E ESTEROIDES 18 1.3) ANOS 80 - DAN DUCHAINE, GH E TPC 20 1.4) ANOS 90 ATÉ A ATUALIDADE - ERA FREAK E ABUSO 23 2) POTENCIAL GENÉTICO E RESPOSTA HORMONAL 29 2.0) INTRODUÇÃO 29 2.1) MODELOS DE POTENCIAL GENÉTICO E LIMITE NATURAL 30 2.2) GENÉTICA E RESPOSTA HORMONAL 36 3) ESTEROIDES ANDROGÊNICOS E MECANISMOS DE AÇÃO 46 3.0) INTRODUÇÃO 46 3.1) EFEITOS ANABÓLICOS E ANDROGÊNICOS DA TESTOSTERONA 47 3.2) CONVERSÃO DA TESTOSTERONA EM DHT 49 3.3) CONVERSÃO DA TESTOSTERONA EM ESTROGÊNIO 50 4) PERFIL DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES 53 4.0) INTRODUÇÃO 53 4.1) ESTEROIDES INJETÁVEIS E SEUS ESTERES 54 4.2) ESTEROIDES 17 ALFA-ALQUILADOS (17 aa) 56 4.3) O ÍNDICE 58 4.4) PERFIL DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES 60 TESTOSTERONA E SEUS DERIVADOS 60 4.4.1) TESTOSTERONA 60 4.4.1-1) TESTOSTERONA AQUOSA (SUSPENSÃO) 64 4.4.1-1) ÉSTERES DE TESTOSTERONA 64 4.4.1-3) UNDECILATO DE TESTOSTERONA (NEBIDO) 66 4.4.1-4) TESTOSTERONA EM GEL (ANDROGEL) 67 4.4.1-5) UNDECANOATO DE TESTOSTERONA ORAL (ANDROXON) 67 4.4.1-6) OSTERONA 68 BOLDENONA (EQUIPOISE) 68 4.4.3) METANDRO NA4.4.5) 76 FAMÍLIA 19 NOR: 77 4.4.6) NANDROLONA (DECA DURABOLIN) 77 4.4.7) TREMBOLONA (FINAPLIX, FINAJECT, PARABOLAN) 79 FAMÍLIA DERIVADOS DO DHT: 82 4.4.8) (HEMOGENIN) 82 4.4.9) ESTANOZOLOL (WINSTROL) 84 4.4.10) OXANDROLONA (ANAVAR) 87 4.4.11) METENOLONA (PRIMOBOLAN) 89 4.4.11-1) ACETATO DE METENOLONA (PRIMOBOLAN ORAL) 91 4.4.12) DROSTANOLONA (MASTERON) 92 4.4.13) MASTEROLONA (PROVIRON) 94 5) EFEITOS COLATERAIS E EXAMES LABORATORIAIS 97 5.0) INTRODUÇÃO 97 5.1) EFEITOS COLATERAIS ANDROGÊNICOS 98 5.2) EFEITOS COLATERIAS POR AROMATIZAÇÃO 101 5.2.1) 101 5.3) CORAÇÃO, E SNC 105 5.3.1) SISTEMA CARDIOVASCULAR 105 5.3.2) PROBLEMAS HEPÁTICOS 107 5.3.3) EFEITOS 108 5.4) OUTROS EFEITOS COLATERAIS 110 5.5) EXAMES LABORATORIAIS 111 5.5.1) HEMOGRAMA 112 5.5.2) (COLESTEROL TOTAL, LDL, 113 5.5.3) ENZIMAS HEPÁTICAS 115 5.5.4) FUNÇÃO RENAL 116 5.5.5) OUTROS EXAMES 117 6) TERAPIA PÓS-CICLO (TPC) 121 6.0) INTRODUÇÃO 121 6.1) EIXO HIPOTÁLAMO-PITUITÁRIA (HPT) 122 6.2) TERAPIA PÓS-CICLO (TPC) 125 6.3) TIMING PARA INÍCIO DA TPC E EXAMES LABORATORIAIS 129 6.4) PROTOCOLOS TPC 133 6.5) MANTER GANHOS PÓS-CICLO É POSSÍVEL? 136 FÁRMACOS UTILIZADOS NA TPC 139 6.6) hCG (GONADOTROFINA HUMANA) 139 6.7) SERMs 141 6.7.1) CITRATO DE TAMOXIFENO (NOLVADEX) 141 6.7.2) CITRATO DE CLOMIFENO (CLOMID) 143 6.7.3) CLORIDRATO DE RALOXIFENO (EVISTA) 145 6.8) INIBIDORES DE AROMATASE (IAB) 1466.8.1) (ARIMIDEX) 147 6.8.2) LETROZOL (FEMARA) 149 6.8.3) EXEMESTANO (AROMASIN) 151 6.9) AGONISTAS DOPAMINERGICOS (CABERGOLINA E BROMOCRIPTINA) 152 6.10) INIBIDORES SELETIVOS DA PDE5 SILDENAFILA) 153 7) ESTEROIDES E MULHERES 157 7.0) INTRODUÇÃO 157 7.1) EIXO OVARIANO 158 7.2) ESTROCÊNIO TESTOSTERONA NAS MULHERES 161 7.3) ESTEROIDES ANABOLIZANTES L MULHERES 162 7.4) E VIRILIZAÇÃO 166 7.5) DROGAS PARA COMBATER VIRILIZAÇÃO: 168 7.6) ESÍNDROME DE INSUFICIÊNCIA ANDROGÊNICA FEMININA 171 7.7) TPC FEMININA 173 7.8) ANTICONCEPCIONAL E ESTEROIDES ANDROGÊNICOS 176 8) PEPTÍDEOS: GH, INSULINA E OUTROS HORMÔNIOS 180 8.0) INTRODUÇÃO 180 8.1) EIXO GH IGF-1 181 8.2) EFEITOS FISIOLÓCICOS DO GH E DO IGF-1 184 8.3) PERFIL DO GH 185 8.4) PERFIL DO ICF-1 189 8.4.1) MECASERMINA (INCRELEX) 191 8.4.2) MCF (FATOR DE CRESCIMENTO MECÂNICO) 192 8.5) SECRETAGOGOS DE CH (GHRHs 193 8.6) HGH FRAGMENT 176-191 (AOD-9604) 197 8.7) INSULINA E CLUCAGON 197 8.8) PERFIL DA INSULINA 202 9) TERMOGÊNICOS 209 9.0) INTRODUÇÃO 209 9.1) I DA TIREOIDE (T4 E T3) 214 9.1.1) LEVOTIROXINA SÓDICA (L-T4) 217 9.1.2) LIOTIRONINA SÓDICA (L-T3) 219 9.2) CA'TECOLAMINAS E DROGAS SIMPATOMIMÉTICAS 221 RECEPTORES E ALFA 222 9.2.1) EFEDRINA (MA HUANG) 223 9.2.2) CLEMBUTEROL 225 9.2.3) SALBUTAMOL (AEROLIN) 227 9.2.4) IOIMBINA (YOMAX) 228 9.3) DNP (2,4-DINITROFENOL) 229 10) OUTROS FÁRMACOS UTILIZADOS NO FISICULTURISMO 23410.0) INTRODUÇÃO 234 10.1) SENSIBILIZADORES DE INSULINA 234 10.1.1) METFORMINA 235 10.2) PROSTAGLANDINAS 236 10.2.1) ALFA PROLISE) 237 10.3) DIURÉTICOS 239 10.3.1) FUROSEMIDA (LASIX) 240 10.3.2) HIDROCLOROTIAZIDA (DIURIX) 242 10.3.3) ESPIRONOLACTONA (ALDACTONE) 243 10.4) ÓLEOS DE CRESCIMENTO LOCAL (SYNTHOL, ADE) 244 10.5) POTENAY (MEFENTERMINA) 247 10.6) SARMS (MODULADORES SELETIVOS DO RECEPTOR DE ANDROGÊNIO) 248 11) CICLOS E PROTOCOLOS DE FISICULTURISTAS 252 11.0) INTRODUÇÃO 252 11.1) CICLOS 253 11.2) ESTRUTURA DE CICLOS ENTRE FISICULTURISTAS 256 11.2.1) OFF SEASON (BULK) 256 11.2.2) PRÉ-CONTEST (CUTTING) 257 11.3) BLAST & CRUISE 260"Entre a academia e as livrarias, entre os pe- SOS e os livros, inspirado pelos filósofos de Atenas e pelos guerreiros de Esparta. Sou intensamente apaixonado pelo conheci- mento e pela vida. Sou inspirado por tudo aquilo que amo, pela morte e pela dor das minhas perdas e fra- cassos. Eu sou aquilo que perdi" Dudu Haluch in memorian Carolina Ferreira Haluch Larissa BarbosaJ á faz algum tempo que tenho vontade de escrever um li- vro sobre fisiculturismo. Em 2015, tentei começar um livro completo sobre o assunto, abordando treinamento, nutrição e hormônios. Logo percebi que seria muito complicado dar con- tinuidade a esse empreendimento, pois abordar todos esses as- suntos em um único livro demandaria muito estudo e trabalho, e projeto acabaria levando muito mais tempo do que eu gos- taria. Escrever sobre treinamento também não me dava muita segurança, pois é um assunto que não domino como o hormô- nios e a nutrição. Decidi então escrever um livro apenas sobre hormônios, já que é o assunto que estudo há mais tempo e pelo qual me tornei referência no meio do fisiculturismo. No entan- to, minha ideia é dar continuidade ao projeto inicial e continuar escrevendo livros voltados para fisiculturismo. Inclusive, meu próximo projeto, já em andamento, é um livro sobre nutrição no fisiculturismo e no fitness. Comecei a escrever esse livro em janeiro de 2016 e minha meta era acabar o livro e publicá-lo em 2017. Espero com esse livro trazer muita informação para fisiculturistas, profissionais de saúde e amantes do esporte. Embora o livro seja direcionado para o público praticante de musculação, muitas informações contidas aqui se aplicam a todos os outros esportes envolvendo () uso de drogas para aumento da performance. Mesmo que o fisiculturismo seja um esporte onde existe um uso muito disse- minado e indiscriminado de esteroides anabolizantes e outras drogas, sabemos que o doping está presente em todo esporte, principalmente quando se trata do alto nível amador profis-sional. Algumas modalidades esportivas têm uma larga ria de casos de doping, como é o caso do ciclismo, do MMA e do atletismo. Dessa forma, a intenção desse livro não é abordar uso de drogas apenas no fisiculturismo embora esse seja o foco principal -, mas também discutir os efeitos dessas drogas no organismo, seja do atleta, seja do praticante comum de mus- culação que visa apenas a estética. Devo alertar desde o início que esse livro não tem nenhuma pretensão de ensinar alguém como utilizar esteroides, muito me- nos fazer apologia ao uso. Embora cu tenha uma visão mais libe- ral sobre o assunto, no que concerne a liberdade e responsabili- dade de quem faz o uso, entendo que o uso dessas drogas podem prejudicar muito a saúde do usuário. Minha intenção primordial com esse livro é esclarecer as pessoas sobre os efeitos (na perfor- mance, na saúde e na estética) dos esteroides anabolizantes e de outras drogas usadas para fins estéticos. Com base em evidências científicas e na minha experiência observando milhares de atletas nos últimos 7 ou 8 anos, pretendo que esse livro seja uma boa re- ferência para o usuário de esteroides e para o profissional de saú- de que lide com os mesmos. Longe de incentivar o uso, a inten- ção desse livro é esclarecer o atleta, treinador e usuário comum, de todos os riscos envolvidos com o uso de esteroides. Também busquei explicar em detalhes todo o contexto que envolve o uso de hormônios no fisiculturismo, focando nos aspectos históricos, fisiológicos, farmacológicos e estéticos. No primeiro capítulo, falo sobre a história do uso de hor- mônios no fisiculturismo, um assunto pouco conhecido até mesmo por atletas. O capítulo 2 também é inovador em relação a outros livros sobre esteroides. Nele, relaciono o potencial ge- nético muscular com a resposta genética de um indivíduo ao uso de esteroides.No capítulo 3 são discutidos os mecanismos de ação da testosterona e dos esteroides anabolizantes no organismo, in- cluindo a aromatização e a conversão em DHT. O capítulo 4 é dedicado à descrição dos principais esteroides anabolizantes utilizados no fisiculturismo, assunto que está presente em todos os livros básicos sobre esteroides. No capítulo 5, falo sobre os principais efeitos colaterais dos esteroides anabolizantes e também discuto a importância dos exames bioquímicos e do acompanhamento médico. O capítulo 6, acredito ser mais completo já escrito sobre terapia pós-ciclo (TPC). O capítulo 7 também é um dos meus favoritos, pois ele foi dedicado especialmente para as mulheres, e nele apresento muitas informações originais, decorrentes de minha experiência e de anos estudando os efeitos dos esteroides nas mulheres. Particularmente, não conheço nenhum livro que se aprofunde nesse assunto e sei que os estudos sobre o mesmo ainda são escassos. No capítulo 8, discuto os principais hormônios peptídicos utilizados por fisiculturistas, principalmente o GH e a insulina. No capítulo 9, falo sobre o uso dos termogênicos, drogas que são largamente utilizadas não só por praticantes de musculação que visam estética, mas também por muitas pessoas que dese- jam perder peso/gordura. No capítulo 10, falo sobre outras dro- gas muito utilizadas no fisiculturismo, incluindo a metformina, a PGF 2a, os diuréticos e os óleos de crescimento local (SEOs). Finalmente, o último capítulo aborda as principais estraté- gias praticadas por fisiculturistas em relação ao uso de esteroi- des anabolizantes e outras drogas. São discutidos protocolos de ciclos nas fases de OFF season e pré-contest e também a popular estratégia de BLAST & CRUISE.1. HISTÓRIA DOS HORMÔNIOS NO FISICULTURISMO 1.0) INTRODUÇÃO Quando adolescente peguei um grande gosto pelo estu- do da história. Foi uma das minhas primeiras paixões em rela- ção aos meus estudos e quase foi a minha escolha para cursar faculdade na época (2002). Embora não tenha hoje o mesmo en- tusiasmo pelo estudo da história da humanidade que tive no passado, ainda tenho um grande interesse em conhecer a histó- ria das minhas áreas de interesse, seja do conhecimento científi- CO e filosófico (física, matemática, biologia, filosofia etc), seja do fisiculturismo. Por isso, nada mais justo que começar esse livro abordando a história dos hormônios no fisiculturismo. Importante deixar claro que muito do que será dito aqui não pretende ser uma história fidedigna dos fatos. Até porque o conhecimento sobre a história dos hormônios no fisiculturis- mo é muito escasso, e muito desse conhecimento se baseia em relatos de usuários e atletas do passado, relatos que muitas ve- zes não são confiáveis pelo medo que muitos atletas têm em prejudicar a sua imagem com o público e a mídia. De qualquer forma, deixo claro ao leitor que me propus a escrever ca- pítulo porque acho necessário que esse conhecimento histórico não seja perdido, que seja mais valorizado, já que ele nos diz muito sobre o desenvolvimento do fisiculturismo, do esporte e dos esteroides anabolizantes no decorrer das décadas. Não faz muito sentido falar em história do fisiculturismo sem falar de hormônios anabólicos e drogas para aumento da performance, nem faz sentido falar de esteroides anabolizantes, hormônio docrescimento etc, sem mencionar uso dessas substâncias no es- porte seus efeitos colaterais e de aumento da performance em usuários e atletas. Como desenvolvimento do fisiculturismo e do esporte ca- minhou paralelamente e em sinergia com o uso dessas substân- cias durante a maior parte do tempo, resolvi começar livro fa- lando um pouco sobre essa relação e desenvolvimento histórico para depois entrar nos detalhes sobre perfil das substâncias, seu efeitos e mecanismos de ação. O uso de substâncias para aumentar, ou pelo menos ten- tar melhorar, o desempenho no esporte remonta a antiguidade, onde atletas e guerreiros faziam uso de ervas e cogumelos e tam- bém acreditavam que se alimentar de órgãos sexuais de animais poderia ter poder e tratar impotência. No entanto, o desenvolvimento efetivo de hormônios anabólicos sintéticos só aconteceu nos anos 30 do século passado, com a síntese da testosterona, em 1935, por Ruzica e Welstein, pesquisadores que trabalhavam para os grandes laboratórios que desenvolveram esteroides androgênicos sintéticos. A síntese da testosterona foi um marco na história da ciência e também do fisiculturismo e do esporte, pois a partir dessa grande descoberta, que rendeu um prêmio Nobel aos dois pesquisadores, uma grande quan- tidade de outros esteroides anabolizantes foi sintetizada para fins terapêuticos. No entanto, muitos atletas e treinadores de diversas modalidades esportivas utilizaram esteroides anabo- lizantes com a finalidade de melhora do rendimento esportivo e da estética. evidente que os esteroides anabolizantes não foram comercializados com esse objetivo e sim para finalida- de terapêutica, visando inicialmente () tratamento de reposição hormonal e tratamento de pacientes catabólicos. A verdade é que logo após os primeiros experimentos nos anos 30, ficou cla-ro o potencial da testosterona e seus derivados para aumentar a força e a massa muscular em animais e humanos. De qualquer forma, foi só no final dos anos 40 e início dos anos 50 que os atletas de elite do fisiculturismo iriam fazer os primeiros testes com uso de esteroides. Mas antes de detalhar o início do uso de esteroides no bodybuilding pelos primeiros atletas, vou come- çar relatando as primeiras descobertas e ideias sobre uso de testosterona. 1.1) INÍCIO DO FISICULTURISMO EA DESCOBERTA DA TESTOSTERONA Foi em meados do século XIX que o cientista alemão Ar- nold Adolf Berthold descobriu que os testículos influenciam o comportamento masculino através da secreção na corrente san- de uma substância desconhecida. Décadas mais tarde, fisiologista francês Charles Édouard Brown-Séquard anunciou na Sociedade de Biologia, em Paris, que ele tinha idealizado uma terapia de rejuvenescimento para o corpo e a mente. alegou que a injeção do extrato líquido, extraído dos testícu- los de cachorro e porquinho da índia, poderia aumentar a força física e capacidade intelectual em seres humanos. A pesquisa de Brown-Séquard inspirou vários cientistas para fazer pesqui- sa com extratos testiculares. Em 1889, o atleta de beisebol Pud Gavin foi o primeiro atleta a testar o uso do extrato de Brown- Séquard com a finalidade de aumentar seu desempenho no beisebol. Pode-se dizer que ele foi o primeiro atleta a fazer uso de esteroides androgênicos, mesmo que o efeito não tenha sido comparável ao que obtemos com o uso de testosterona sintética. Apesar disso tudo, a estrutura da testosterona não seria eluci- dada até a década de 1930 e os extratos de testículos de animais estavam longe de fornecer os benefícios dos esteroides anabo-lizantes que conhecemos hoje, devido a grande quantidade de testículos necessária para extrair uma quantidade de testostero- na da ordem de poucos mg. O fisiculturismo começou a dar os primeiros passos no iní- cio do século XX, graças a grande influência do talentoso Eu- gen Sandow (1867-1925). Sandow se destacou na Europa como um forte levantador de peso, mas se destacou ainda mais pela ótima qualidade estética do seu físico. Em 1901 ele idealizou a primeira competição oficial de fisiculturismo, que levou cerca de três anos para ser plancjada, e contou com a participação de 156 atletas, além de contar com o ilustre Arthur Conan Doyle (famoso criador de Sherlock Holmes) como um dos jurados. Além de Eugen Sandow, muitos outros famosos levantado- res de peso foram responsáveis pelo desenvolvimento do fisi- culturismo na era pré-esteroides (1900-1950). Importante lem- brar que nesse tempo as competições de fisiculturismo eram diferentes, pois não era valorizado apenas o aspecto estético, mas também a performance do atleta em outras modalidades esportivas. Mais detalhes sobre a história do fisiculturismo po- dem ser encontrados na Enciclopédia de Fisiculturismo e Mus- culação do Arnold Schwarzenegger. Foi só nos anos 40 que as competições de fisiculturismo co- meçaram a mudar, com a criação do concurso Mister América pela AAU (Amateur Athletic Union), que no decorrer dos anos passou a dar mais ênfase à aparência física. Com isso, os levan- tadores de peso passaram a gozar de uma maior vantagem nas competições contra atletas oriundos de outras modalidades, como nadadores, ginastas e pugilistas. Um dos primeiros ven- cedores do Mister América foi John Grimek (1910-1998), que foi um levantador de peso por excelência, inclusive competindo nas olímpiadas de Berlim em 1936. Entre suas façanhas, Grimeknunca foi derrotado no fisiculturismo e derrotou Steve Reeves no primeiro concurso do Mister Universo NABBA, em 1948. Ou- tro fato importante sobre Grimek é que ele foi um dos primeiros fisiculturistas a usar testosterona nos EUA, sob a supervisão do famoso médico John Ziegler. Antes de abordar como Ziegler ini- ciou os testes com esteroides androgênicos nos fisiculturistas da costa oeste dos Estados Unidos, vamos voltar aos anos 30, onde a testosterona foi sintetizada pela primeira vez. Na década de 1930, aconteceu a grande revolução dos es- teroides anabolizantes e dos hormônios sexuais como um todo, onde os químicos que trabalhavam para grandes empresas far- macêuticas, como Schering, Organon, Ciba, foram responsáveis pela síntese de uma série de hormônios esteroides, entre os quais o mais importante foi a testosterona, em 1935. A síntese da testosterona e de outros esteroides rendeu prêmio Nobel de química a Adolf Budenandt (Schering) e Lavoslav Ruzicka (Ciba), em 1939. Nos anos seguintes, várias outras formulações de testosterona foram sintetizadas, como a metiltestosterona (oral) e o propionato de testosterona. Entre 1936 e 1938, testes em humanos e animais demonstraram os efeitos anabolizantes da testosterona na massa muscular. As alegações de que os soldados teriam usado tes- tosterona na Segunda Guerra Mundial são carentes de evidên- cias. O professor de Estudos Germânicos, John Hoberman, acre- dita que o uso de esteroides por soldados nazistas é um mito. A popularidade da testosterona aumentou com a publica- ção, em 1945, do livro O Hormônio Masculino, do escritor Paul de Kruif. Nesse livro, Kruif exalta potencial da testostero- na para causar rejuvenescimento e aumentar produtividade, argumentando que também poderia ser utilizada por atletas como um potente recurso ergogênico. Não demorou muitopara que os fisiculturistas da costa oeste dos EUA vissem gran- de potencial no uso de esteroides androgênicos para ganho de massa muscular. No entanto, tudo indica que não foram os americanos os primeiros atletas a fazer uso da testosterona, e sim os levanta- dores de peso soviéticos, provavelmente entre os anos de 1952 e 1954. Foi em 1954, no campeonato mundial de levantamento de peso na cidade de Viena, que dr. John Ziegler (1920-1983), médico da equipe norte-americana, entrou em contato com o médico da equipe soviética, que lhe disse que os atletas soviéti- estavam fazendo uso de testosterona. Ao voltar para os Es- Unidos Ziegler convenceu os levantadores de peso John Grimek, Jim Park (Mister Universo em 1954) e Yaz Kuzahara, associados ao York Barbell Club de Bob Hoffman, a testar o uso de testosterona. Os resultados foram decepcionantes, provavel- mente pela forma equivocada do uso, já que na época era pouco conhecido a melhor forma de se usar testosterona e controlar seus efeitos colaterais. Mas Ziegler não desistiu e, em 1955, ele foi trabalhar na Ciba, grande indústria farmacêutica e pioneira na síntese de esteroides, inclusive da testosterona. Trabalhando na Ciba, Ziegler teve acesso a diversos este- roides androgênicos derivados da testosterona para fazer testes em atletas. Porém, foi só em 1958 que a Ciba Pharmaceuticals introduziu o Dianabol no mercado e revolucionou o uso de es- teroides no fisiculturismo. Ziegler não foi responsável pelo de- senvolvimento do Dianabol, como dizem muitos sites e fóruns de musculação, mas foi ele que apresentou () Dianabol para os levantadores de peso do York Barbell Club e para a equipe nor- te-americana de levantamento de peso. No entanto, o primeiro esteroide oral sintético liberado pela FDA (Food and Drug Administration - órgão governamentalresponsável pelo controle de medicamentos, alimentos e suple- mentos nos EUA) - para comércio nos EUA foi o Nilevar (No- retandrolona), produzido pela Searle em 1956. Bill Pearl foi um dos primeiros fisiculturistas a experimentar o Nilevar em 1958, sob a orientação de Artur Jones, o criador do High Intensity Training (HIT) e das máquinas Nautilus. Pearl relatou um ga- nho de peso de 11 kg com um ciclo de 12 semanas usando 30 mg por dia de Nilevar. Bill Pearl também admitiu que fez uso de esteroides androgênicos na sua preparação para o Mister Uni- verso NABBA de 1961, onde foi campeão. Nessa época, Pcarl, assim como Larry Scott (vencedor do Mr Olympia em 1965 e 1966), relatam que o uso de esteroides anabolizantes já era uma prática comum entre os principais fisiculturistas. 1.2) ANOS 60 E 70 - MR OLYMPIA, ARNOLD E os ESTEROIDES Nos anos 60, praticamente todos os esteroides conheci- dos hoje já tinham sido desenvolvidos, mas os relatos histó- ricos de atletas, médicos e treinadores da época, indicam que o Dianabol e a Deca Durabolin (Organon) eram os principais esteroides usados em ciclos de fisiculturistas. A testosterona provavelmente era evitada pelos efeitos colaterais, como gine- comastia, já que naquela época ainda não se conhecia o trata- mento. Também ainda não existia a ideia de terapia pós-ciclo (TPC) e muitos atletas simplesmente alternavam períodos de on e off hormônios, sendo que o uso de esteroides era feito pre- ferencialmente nos meses próximos da competição. Em 1965 foi criado o Mister Olympia e também e famosa academia Gold's Gym, na Califórnia, a Meca do fisiculturismo, onde a elite do bodybuilding se reunia para treinar, incluindo o mito Arnold Schwarzenegger.Sergio Oliva confirmou ter usado d-bol e deca, sem men- cionar as dosagens, mas confirmou que todos na época estavam usando. Dave Draper, ator e Mister Universo IFBB em 1966, re- latou como era um ciclo razoável entre 1965 e 1970, que parece ser mais realista, exceto pelas dosagens baixas em relação aos dias de hoje: "Entre 1965 e 1970, um esboço razoável consistiria de um ci- clo de 12 semanas de Deca Durabolin injetável, 1 ml por se- mana, além de Winstrol Anavar (oxandrolona), ou Dianabol em forma de pílulas, 4 a 6 comprimidos por dia. Dosagens seriam maiores ou menores de acordo com os re- sultados, a necessidade, ou ignorância do patife, a ousadia, o desespero, a disponibilidade dos ingredientes, humor, e assim por diante. A cada seis semanas durante a de não competi- ção, um ciclo curto e leve poderia ser feito para sustentar os ga- nhos musculares e a força." A seguir um trecho de uma entrevista que o Mister Olym- pia Sergio Oliva deu a Brian D. Johnston: "Esta é uma área de grande interesse para as pessoas. Eu não me importo se alguém quer tomar esteroides, porque isso é uma escolha pessoal e é a sua vida. Agora, hoje, todo mundo tem acesso a eles. Eu mesmo vi em uma das grandes revistas que Ar- nold nega ter usado eles, mas Arnold foi um dos primeiros a tra- zer esteroides para a América. E todo mundo nos velhos tempos usava: Zane, Columbu, mesmo, Arnold, Larry Scott, Harold Poole, Dave Draper, e até mesmo Steve Reeves. Não há como negar. Não era muito, nada como hoje. Mas o desenvolvimento de drogas é muito diferente. Eu usci deca e dianabol, e isso era algo realmente grande na época; e deca não foi considerada tão ruim assim. Foi ainda prescrito por médicos para ajudar a tornar os ossos fortes. Hoje você tem caras que pesam 200 libras, e seis meses depois eles pesam 250-300 libras! Então você sabe que es- ses caras estão tomando algo inacreditável. Quando eles dizem que não tomaram qualquer coisa, você sabe que é mentira." Foi no final dos anos 60 que Arnold começou a se destacar, vencendo três vezes consecutivas o Mister Universo NABBA(1967/68/69) e tornando-se um dos mais fortes candidatos a ser grande do Mister Olympia, onde teria que enfrentar grandes nomes, como Sergio Oliva, Serge Nubret, Dave Draper e Frank Zane. Quando se mudou para a Califórnia (1968) logo se tornou centro das atenções e queridinho dos irmãos Weider (Joe e Ben), os criadores da IFBB. Nos anos 70 ,Arnold se tornaria um ícone do esporte, vencendo Mister Olympia seis vezes consecutivas e popularizando ainda mais o esporte com sua participação no filme Pumping Iron. Nos anos de 1970, os fisiculturistas estavam usando os mais variados tipos de esteroides, e é comum encontrar relatos na in- ternet de que o combo favorito do Arnold era Deca, Dianabol e Primobolan (Schering). Não sabemos se de fato isso é verdade, mas todos esses esteroides eram de uso comum nesse tempo, as- sim como oxandrolona (Anavar), estanozolol (Winstrol) e oxime- tonolona (Anadrol/Hemogenin) É difícil dizer como fisiculturis- tas lidavam com a libido fazendo ciclos sem testosterona, mas é fato que indivíduos diferentes podem sentir impactos distintos no desejo sexual. Outros poderiam remediar isso simplesmente usando alguma testosterona, mesmo não sendo a principal droga de um ciclo como nos dias de hoje. Outra característica dos ciclos da época eram os populares ciclos em forma de pirâmide, onde as doses de esteroides eram aumentadas lentamente até algum pico ou próximo do pico e em seguida diminuía-se a dose novamente. 1.3) ANOS 80 DAN DUCHAINE, GH E TPC Depois da retirada de Arnold das competições, o Mister Olympia seria dominado por atletas com menos de 90 kg, com Franco Columbu, vencendo em 1976 e Frank Zane, com uma qualidade estética e simetria impressionantes, vencendo nos três anos seguintes (1977, 1978, 1979). Mas Arnold voltaria em1980 como ele mesmo relata, cenário do fisiculturismo havia mudado, se tornando muito mais competitivo. A qualidade es- tética de Zane iria influenciar muito os atletas dos anos 80, que foi uma época em que se viu uma grande variedade de físicos, alguns grandes, outros pequenos, mas todos priorizando mais definição muscular, proporção e simetria. Não é por acaso tam- bém que Arnold venceria esse Mister Olympia, talvez o resul- tado mais controverso da história dessa competição, principal- mente porque muito se fala que impressionante Mike Mentzer foi injustiçado por não ser adepto dos métodos de treinamento Weider, nem fazer parte dos projetos e política dos irmãos Wei- der. Mentzer era um adepto dos métodos de treinamento de alta intensidade (HIT) de Arthur Jones. O próprio Mentzer criou seu próprio sistema de treinamento adaptando os métodos de Jones e criando método Heavy Duty (HD). Os físicos dos atletas dos anos 80 podem ser explicados não só pela influência do padrão Zane, mas também pela maior difu- são do conhecimento sobre esteroides e outras drogas auxiliares para melhora estética, principalmente o popular hormônio do crescimento (GH). Diuréticos e hormônios da tireoide também parecem ter uma grande parcela na contribuição dos físicos esté- ticos dos anos 80. Zane parece ter sido um nesse sentido. Foi guru Dan Duchaine o maior responsável pela divul- gação do conhecimento sobre drogas no fisiculturismo, quando, em 1981, publicou seu popular guia Underground Steroid Hande- book, que se tornaria um marco na história sobre o conhecimento de drogas no esporte, quebrando as barreiras da hipocrisia. Se atribui a Duchaine a introdução de drogas como clembuterol e poderoso DNP no fisiculturismo, assim como o uso do citrato de tamoxifeno (Nolvadex) para controle dos colaterais pelo ex- cesso de estrogênio (aromatização). No seu livro também apare-cem as primeiras ideias sobre terapia pós ciclo, recomendando o uso da gonadotrofina coriônica humana (HCG) e de tamoxifeno ou clomifeno em conjunto para auxiliar no retorno da produção natural de testosterona após os ciclos de esteroides. É curioso notar que o Franco Columbu venceu o Mister Olympia em 1981 com uma ginecomastia aparente. Outros autores famosos de li- vro de esteroides da época foram Bill Phillips e o Dr Mauro Di Pasquale. O uso de hormônio do crescimento (GH) já estava bem es- tabelecido entre fisiculturistas no início dos anos 80, mas o GH disponível nessa época era o Crescorman, retirado da hipófise de cadáveres. Problema do Crescorman é que ele pode causar a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), uma desordem cerebral de- generativa rara e fatal, caracterizada por rápida neurodegene- ração incapacitante com movimentos involuntários e 90% dos infectados morrem em menos de 1 ano. Trembolona (Finaject, Parabolan) e boldenona (Equipoise) também entraram em cena nessa época e foram rapidamente difundidas entre os fisicul- turistas de elite. Fisiculturistas estavam usando combos mais sofisticados de hormônios e drogas, principalmente no final da década, onde o GH sintético já estava disponível, aprova- do para humanos em 1985 (Genentech). Veja o relato de Mike Quinn, que foi Mister Universo em 1984: "Eu nunca tinha os altos e baixos selvagens com o desejo sexual, porque eu nunca abusei de testosterona. Um monte de caras tem amor a testo porque é barato e você terá toda a força e ganho de peso rapidamente. Eu nunca gostei da forma como a testosterona me fez sentir. Eu sempre usei deca como minha base e combinei com um pouco de Equi- poise e D-bol, passando seis semanas ON, duas semanas OFF. Nas últimas seis semanas antes de uma competiçãoseria apenas Primobolan, Winstrol-V e uma droga oral mais androgênica, como a Halotestin no final". Claro que muitos fisiculturistas também estavam fazendo uso de testosterona nessa época. Duchaine relata doses altas como 2000-4000 mg por semana entre atletas de força e joga- dores de futebol americano. Como fisiculturismo se tornou um esporte muito competitivo nos anos 80, tudo indica que os atletas estariam em uso mais frequente de hormônios, muitos sem períodos OFF hormônios. A testosterona se tornou a base do ciclo dos fisiculturistas profissionais provavelmente nessa época, assim como o GH se tornou de uso comum entre atletas de elite, principalmente no final dos anos 80. Lec Haney foi a grande estrela dos anos 80, superando Arnold em vitórias no Mister Olympia (8 vezes campeão, de 1984 até 1991). Vários ou- tros bodybuilders brilharam nessa época com físicos diferencia- dos e de impressionante qualidade estética, como Lee Labrada, Rich Gaspari, Mohamed Makkawy, Bob Paris, Albert Beckels, Sammir Bannout, Chris Dickerson, Tom Platz, Mike Christian, Zane, entre tantos outros. 1.4) ANOS 90 ATÉ A ATUALIDADE - ERA FREAK E ABUSO Nos anos de 1990 iniciou-se uma nova no fisiculturismo e também no conhecimento do uso de hormônios e outras drogas entre os atletas. Um hormônio em particular se tornou o divisor de águas entre os fisiculturistas do passado e os atuais, a insulina. A insulina marcou a divisão entre a nova era freak e a era de ouro do bodybuilding (os físicos clássicos que marcaram os anos 70 e 80). Claro que não foi a insulina, ou melhor dizendo, seu abuso, a única responsável por criar os físicos freaks dos anos 90 e da atualidade. Em sinergia com a insulina entrou também o abuso de em especial o GH, e também o abuso de óleos deaplicação local, como o Esiclene e () famoso Synthol. Além disso, os fisiculturistas dos anos 90 estavam muito preocupados em se tornarem cada maiores, então abuso de esteroides, princi- palmente testosterona, foi quase uma regra entre os profissionais. Desde então, testosterona se tornou a base dos ciclos de esteroi- des, em parte porque a informação sobre controlar seus efeitos colaterais por excesso de estrogênio (aromatização) estava mais difundida. Os medicamentos antiestrogênicos como SERMs (ta- moxifeno, clomifeno) e os inibidores de aromatase (anastrozol, letrozol) passaram a ser de acesso fácil nas farmácias. Se por um lado acesso a informação se tornou mais fácil, principalmente com o advento da internet e dos fóruns de musculação, por outro lado surgiram mais restrições sobre a venda de esteroides. Isso deu lugar ao grande crescimento do mercado negro (underground). Até final dos anos 80 e início dos anos 90 você poderia encontrar a maior parte dos esteroides anabolizantes de forma legal nas farmácias, até mesmo trembo- lona para uso humano, vendida como Parabolan. Foi Dorian Yates o principal responsável por levar o fisicul- turismo a um outro patamar, principalmente na questão do uso de hormônios. Dorian relata que usou esteroides durante toda sua carreira competitiva (1985-1997), sendo campeão do Mis- ter Olympia por seis vezes consecutivas (1992-1997). É particu- larmente notável a grande evolução do seu físico de 1992 para 1993. Dorian também é conhecido por seguir uma metodologia de treinamento de alta intensidade baseada nos princípios do método Heavy Duty, de Mike Mentzer, que lhe rendeu grandes vitórias, um físico impressionante, mas também um histórico de lesões e uma aposentadoria precoce. Para atingir o mesmo nível competitivo de Dorian, os fisiculturistas dos anos 90 pas- saram a fazer abuso de esteroides com insulina e GH. Em mui-tos deles também fica claro o abuso de injeções locais, como o popular Synthol. Os fisiculturistas de elite dessa época estavam usando todo arsenal de drogas disponíveis, com objetivo de atingir um físico volumoso e bem condicionado. Gramas e gramas de esteroides androgênicos, doses elevadas de hormônio do crescimento (~20 UI por dia) e insulina (acima de 100 UI/dia); drogas termogê- nicas poderosas, como clembuterol, hormônios da tireoide (T3, T4), efedrina e DNI; além de uma grande quantidade de diu- réticos, drogas recreativas e outros medicamentos para contro- lar efeitos colaterais. Muitos dos atletas dessa época chegaram a passar dos 120 kg em competição, como Nasser El Sombaty, Paul Dillett, Markus Ruhl e o próprio Dorian Yates. Além disso, muitos atletas dos anos 90 exibiram físicos de volume, quali- dade e simetria impressionantes, mesmo não estando entre os maiores, como Flex Wheeler, Kevin Levrone e Chris Cormier. Shaw Ray, apesar de ser um fisiculturista leve perto dos seus adversários (pesando pouco menos de 100 kg em estava sempre entre os primeiros colocados pela sua qualidade estética e simetria diferenciadas. Outro fisiculturista que marcou os anos 90 foi Andreas Mun- zer (1964-1996), não só por possuir a maior qualidade estética en- tre os profissionais, mas também porque foi vítima desse abuso de drogas. Não estou falando apenas de hormônios, mas de todo de droga que os fisiculturistas estavam fazendo abuso nes- se tempo, incluindo diuréticos, anfetaminas e anti-inflamatórios Na autópsia de Munzer foram encontrados mais de 50 tipos de drogas, grandes tumores no fígado, desequilíbrio eletrolítico por excesso de potássio (provavelmente por abuso de diurético pou- pador de potássio como espironolactona). Munzer morreu jovem e não foi o único caso que demonstrou que os fisiculturistas des-sa época estavam em um nível de abuso de drogas e hormônios que os colocavam em risco de vida. Também é conhecido o caso de Mohammed Benaziza (1959-1992) que morreu logo após ter participado de uma competição, com apenas 33 anos, provavel- mente por desidratação severa. Além da morte desses dois jovens fisiculturistas profissionais, o gigante Paul Dillett quase morreu durante o Arnold Classic de 1994. Tudo indica que o incidente foi provocado por abuso de diuréticos (furosemida). Todos esses eventos, além de possivelmente outros desconhecidos do públi- CO, parecem ter influenciado a IFBB profissional a criar um exa- me antidoping apenas para diuréticos (em 1996). Nasser caiu no doping no Mister Olympia de 1996 e foi desclassificado. Markus Ruhl foi desclassificado em 1999 e 2001, quando caiu novamente junto com Jay Cutler. Jay ameaçou entrar na justiça contra a IFBB por acreditar não ter sido testado da mesma forma que os outros atletas e ambos foram absolvidos da punição. Sem dúvida não posso deixar de falar do gigante que rei- nou por 8 anos consecutivos no Mister Olympia, por muitos considerado a maior aberração genética a pisar no palco do fi- siculturismo, o grande Ronnie Coleman. Se Dorian havia dado início a era freak do bodybuilding e reinado por 6 anos como Mis- ter Olympia, Ronnie Coleman por sua vez consolidou e levou o fisiculturismo de vez a uma era de grandes físicos massivos, onde um fisiculturista dos anos 80 pareceria um mero amador, sem condições de competir ao lado dos gigantes de 110, 120, 130 kg. A insulina deixou o físico dos atletas cada vez maiores e o reinado de Coleman (1998-2005) só podia significar que qual- quer um que quisesse entrar na disputa teria que estar tão gran- de quanto ou pelo menos tentar ao máximo. Não há dúvida que os árbitros da IFBB estavam dando esse recado aos atletas. Jay Cutler logo começou a se destacar por perseguir esse idealfreak e rivalizar de igual para igual com Ronnie. Depois de ficar em segundo lugar quatro vezes, Jay Cutler finalmente destituiu Coleman do seu reinado no Olympia de 2006, colocando um físico muito volumoso (124 kg) para vencer seu adversário. Com o tempo, foi ficando claro que os físicos volumosos estavam ficando também com um aspecto não muito agradável em termos de proporção, qualidade estética e simetria, princi- palmente em relação a linha da cintura de muitos atletas. Era o longo uso da insulina e do GH mostrando seu lado perverso. É curioso que a linha de cintura, tão valorizada na era de ouro do fisiculturismo (anos 60, 70 e 80), onde os atletas usavam técnicas como Stomach Vacuum, estava agora dando lugar a estômagos dilatados, com fisiculturistas extremamente secos, mas aparen- tando estarem grávidos em algumas poses. Essa dilatação do estômago parece ser resultado sinérgico do abuso de insulina com GH em conjunto com o excesso de comida. É preciso muita comida para um atleta que está em 5-7 gramas de testostero- na por semana, 150-200 dia de insulina e 20-30 UI/dia de GH, sem contar as outras drogas em conjunto. O fato é que o trato gastrointestinal tem muitos receptores para o IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina 1), hormônio anabólico secretado pelo em resposta ao estímulo do GH. A atual elite do bodybuilding pro da IFBB, que inclui nomes como Phil Heath (6 vezes Mister Olympia), Kai Greene, Dennis Wolf, Dexter Jackson, Shawn Rhoden, o super freak Big Ramy, continua seguindo a linha dos mass monsters dos anos 90, mas num grau mais avançado. Parece que o abuso de insulina vai deteriorando a qualidade estética e proporção dos físicos no longo prazo, de forma que os atletas amadores de alto nível de hoje já começam a abusar de insulina muito antes de se torna-- rem profissionais e quando atingem o nível pro já estão comuma dilatação abdominal muito avançada. A opinião pública e a mídia do meio fitness/body/building têm exposto cada vez mais um ponto de vista crítico em relação a esse tipo de físico, mesmo que atletas como Big Ramy e Kai Greene tenham um certo apelo popular de outra parte. O próprio Arnold Schwarzenegger fez críticas recentes aos físicos de abdômen dilatado dos fisicultu- ristas da elite, com a esperança de que físicos como de Dexter Jackson e outros menores e mais estéticos sejam novamente valorizados. Se muitos acreditam que () fisiculturismo dos dias de hoje representa um retrocesso em relação ao passado, pelo menos podemos tirar algumas lições do cenário atual. Mesmo que fisiculturistas possam atingir níveis cada vez maiores de volume muscular, com coquetéis das drogas mais poderosas; mesmo que ainda possam ter físicos grandes e secos, a qualida- de estética, a simetria e a proporção tendem a se perder. O limite dessa forma não está na qualidade e potência das drogas, mas na capacidade de resposta do nosso organismo. Referências bibliográficas BAHRKE, M. S.; YESALIS, C. E. "History of doping in sport". In: Performance enhan- cing substances in sports and exercise. Champaign, IL: Kinetics, 2002. BAKER, M. The Amazing History of Anabolic Steroids in Sports, 2011. https:// thinksteroids.com/articles/history-anabolic-steroids-sports. BUTT, C. The History of Steroids in http:/ / weightrainer.blogspot. COLUCCI, C. An Interview with the Blond Bomber (Dave Draper), 2009. https:// http://forums. GLYCOMANN. Anabolic Steroids: A Historical Perspective - 02-11-2012. http:// HOBERMAN, J. M; YESALIS, C. E. "The history of synthetic testosterone". Scientific American. Feb. 76-80, 1995. A. Enciclopédia de Fisiculturismo e Musculação. Porto gre, Artmed, 2001. WIKIPEDIA- Eugen Sandow, John Ziegler, John Grimek, Bill Pearl.2) POTENCIAL GENÉTICO E RESPOSTA HORMONAL 2.0) INTRODUÇÃO N esse capítulo, discutir um assunto que envolve certa polêmica no mundo do fisiculturismo, mas um tema que considero de extrema importância para compreender os efeitos dos hormônios anabólicos no organismo, ou melhor, a resposta do nosso corpo aos hormônios. De qualquer forma, esse assunto é muito mais abrangente que isso, pois ele envolve a questão do nosso potencial genético muscular máximo, o chamado limite natural. Essa é uma questão muito polêmica, porque enquanto alguns indivíduos que usam hormônios mentem sobre sua real condição, outros indivíduos que não fazem uso de hormônios são rotulados de mentirosos (liars). Eu mesmo no passado já me envolvi nesse tipo de disputa, muitas vezes julgando de forma injusta. O conhecimento e a maturidade me fizeram repensar muitas das minhas atitudes e formas de pensar em relação a esse assunto e não é por acaso que dediquei parte dos meus estudos e um capítulo desse livro para tratar sobre essa questão. Mesmo que o foco desse capítulo não seja a questão do limi- te natural e sim a questão da resposta hormonal, será inevitável abordar esse assunto, porque ele está diretamente relacionado a questão do "potencial genético muscular". Esse tema de poten- cial genético é abordado por alguns especialistas em nutrição treinamento do meio fitness. Entre os principais especialis- tas que discutir aqui estão Casey Butt, Alan Aragon e Lyle Esses autores são os principais especialistas em estu- dar potencial genético, de certa forma um estudo mais informaldo que científico. Porém, a temática principal desse capítulo é a resposta hormonal e não tanto a questão do limite natural. Confesso que esse assunto acaba sendo muito especulativo pela carência de estudos científicos, mas vou tentar seguir minhas especulações me bascando nas informações e dados coletados pelos autores que citei acima. A resposta de uma pessoa aos hormônios é basicamente dependente de como seus receptores, presentes nas células, se ligam aos hormônios (ligantes). Alguns estudos parecem indi- car, pelo menos por casos mais extremos, que a afinidade dos receptores celulares tem uma dependência genética, podendo variar de indivíduo para indivíduo, mesmo que para a maioria das pessoas podemos assumir um comportamento dentro da média. 2.1) MODELOS DE POTENCIAL GENÉTICO E LIMITE NATURAL Alguns estudiosos do treinamento e nutrição do fitness/ bodybuilding criaram modelos teóricos que preveem quanto de massa muscular um indivíduo pode atingir sem uso de hormô- nios. Segundo Lyle McDonald e Alan Aragon - que criaram mo- delos simples e semelhantes em termos de resultados o ganho médio de massa muscular no primeiro ano de treino seria de aproximadamente 7-10 kg (~ 800 g por mês). No segundo ano de treino o ganho médio seria de aproximadamente 4-6 kg (~ 0,5 kg por mês), no terceiro ano cerca de g por mês) e nos anos seguintes seria cada vez mais difícil para esse indiví- duo, mesmo experiente em treinamento e nutrição, ter ganhos de massa muscular além de 1-2 kg por ano, já que estaria prova- velmente próximo de seu limiar genético. No total você deveria esperar um ganho de aproximadamente 20 kg de massa muscu-lar em 4-5 anos de treino. Você pode ganhar 20 kg em um ano de treino, mas pode ter certeza que uma boa parte desses ganhos serão água e gordura. Um indivíduo que iniciasse o treinamen- to com 60 kg, 1,72 m de altura e um percentual de gordura de 10% caso quando comecei na musculação), após 5 anos deveria atingir cerca de 80 kg com os mesmos 10% de BF (body fat). Isso é apenas uma aproximação, que também varia da ida- de, do potencial genético, níveis hormonais etc. No entanto, são dados bem confiáveis, nas estatísticas de trabalho em campo de McDonald e Aragon. Esses modelos são para homens e para as mulheres os ganhos caem pela metade, até porque elas produzem cerca de 10 vezes menos testosterona que os homens. Outro ponto importante é que você pode ter ganhos pífios nos anos de treino (meu caso quando comecei), simples- mente por não ter conhecimento dos métodos de treinamento e nutrição adequados. Claro que mesmo sem esse conhecimento alguns indivíduos com genética diferenciada podem ter uma boa evolução apenas pelos estímulos do treinamento. Anos de treino adequado Potencial médio dos ganhos por ano 1 9 - 11.5 kg (900 g por mês) 2 4.5 - 5.5 kg (450 g por mês) 3 2.2 - 2.7 kg (230 g por mês) 4+ 0.9 - 1.3 kg (não vale à pena calcular) Tabela 2.1. Modelo de Lyle Mcdonald para o máximo potencial genético muscular. Os modelos de McDonald e Aragon são um tanto simpli- ficados e generalistas, pois não consideram outros fatores im- portantes, como idade e individualidade genética. Indivíduos mais novos tendem a ter ganhos mais rápidos e também pode- rão atingir resultados melhores, mais próximos do seu limitenatural. Individualidade genética é outro fator extremamente relevante e será o foco principal desse capítulo, pois ela deter- mina máximo potencial genético de cada indivíduo e isso está diretamente relacionado a como cada um de nós responde aos nossos hormônios anabólicos (insulina, testosterona, GH, IGF- 1). A testosterona é o principal hormônio anabolizante respon- sável pela quantidade de massa muscular que atingimos pelos estímulos de treinamento e nutrição. Os principais esteroides androgênicos que conhecemos foram sintetizados a partir dela, entre 1935 e 1965. Vimos no capítulo anterior que a insulina e o GH foram os grandes responsáveis pela mutação dos fisicul- turistas de elite dos anos 80 para os anos 90 (era freak do body- building). Porém, essa mutação só foi possível em combinação com os esteroides anabolizantes, usados pelos bodybuilders em mega doses de 4 a 8 gramas por semana. A verdade é que tanto a insulina como o GH podem fazer muito pouco quando usados de forma isolada, mas esse é um assunto que vou abordar mais adiante no capítulo sobre peptídeos. Casey Butt criou um modelo mais realista, que diferente dos modelos de Alan e Lyle, não trata de quanto músculo se pode ganhar por ano, mas mais diretamente da quantidade de massa muscular máxima que um indivíduo pode atingir, o seu limite natural, ou melhor dizendo, o seu máximo po- tencial genético muscular. Os modelos de Mcdonald e Ara- gon acabavam por chegar na mesma conclusão, mesmo que de forma indireta e por outros caminhos. O modelo de Butt é mais completo e realista porque associa a quantidade de massa muscular que um indivíduo pode atingir com sua es- trutura óssea, que no modelo dele usa como parâmetro as medidas do pulso e do tornozelo. Butt também usou dados antropométricos de fisiculturistas naturais de elite, muitosde 1947 até 2010. Com esses dados ele criou uma equação que estipula máximo potencial genético muscular que um indivíduo pode atingir natural, ou seja, seu limite natural. Para esse cálculo é preciso conhecer a altura do in- divíduo, as medidas do tornozelo, do pulso e também o per- centual de gordura para qual você deseja encontrar o peso do indivíduo. A equação de Butt que que prevê sua máxima massa corporal magra (MCM) é: 2 22.6670 + 17.0104 onde, H = altura em polegadas A = circunferência do tornozelo no menor ponto W = circunferência do pulso, logo abaixo do processo es- (processo estiloide é a massa óssea que fica depois do pulso). A mão deve estar aberta. %BF = percentual de gordura que você quer prever sua má- xima massa corporal magra Além dessa equação, para achar seu peso corporal máximo (massa magra + massa gorda), com esse percentual de gordura, você precisa dessa outra equação auxiliar: 100-% BF ) X 100 Apesar de parecerem um pouco complicadas para quem não se dá bem com a matemática, essas equações são relativa- mente simples de resolver e o trabalho fica ainda mais fácil com a ajuda de um programa de computador. No site de Casey e em outros lugares você pode encontrar a calculadora que faz a conta automaticamente para você, bastando apenas conhecer osvalores de H, A, W e o %BF que você saber para conhecer seu limite natural aproximado. O mais interessante do modelo de Butt é que nós podemos mostrar que está adequado com as medidas dos fisicultu- ristas naturais do passado. Não é por acaso, já que em parte a equação foi construída com base nos dados antropométricos desses atletas. De qualquer forma, o mais importante é que ela se mostra consistente quando comparamos os fisiculturistas da era pré-esteroides com os fisiculturistas naturais de elite da atu- alidade (pelo menos os das federações de naturais consideradas mais sérias nos EUA). A grande diferença é que os fisiculturistas de hoje competem com um menor percentual de gordura. Fisiculturista Peso real Peso previsto %BF previsto Clarence Ross 89.8 89.85 9.2 John Crimek 94.3 94.3 11.3 Reg Park 97 97 7.9 Steve Reeves 97 97 9 Campeão A (pré-contest) 77.1 77.1 4.5 Campeão B (off season) 76.2 76.2 8.3 Tabela 2.2. Lista de campeões de fisiculturismo naturais (supondo contexto rico discutido no capítulo 1). Campeão A e B se referem a atletas da atualidade que pediram para não serem identificados. Pela tabela 2.2 é possível perceber que os valores previstos são bem precisos, concordando com os valores reais, pelo me- nos para os atletas selecionados. Mas com a equação de Butt você pode fazer o mesmo cálculo para diversos fisiculturistas naturais de todas as épocas (incluindo futuros fisiculturistas) e encontrar resultados previstos que concordam com os valores reais. Interessante perceber que, mesmo após 50 anos, o conhe- cimento em termos de nutrição e treinamento não foi diferen-cial para alterar esses resultados, significando que os aspectos de dedicação e consistência são mais importantes no resultado final. Não menosprezando os avanços nas áreas de nutrição e treinamento, até porque com as abordagens de hoje é possível conhecer métodos e formas mais fáceis para atingir bons re- sultados, principalmente se o objetivo é atingir um físico com maior qualidade estética, preservando ao máximo sua massa muscular. Mesmo com essas previsões bem sucedidas, muitos podem criticar o modelo de Casey por se bascar nos tamanhos de pulso tornozelo para estimar o potencial genético de um indivíduo, mas alguns estudos corroboram esses resultados. Hormônios anabólicos como a testosterona também afetam o crescimento ósseo e o tamanho dos pulsos, então o potencial genético de um fisiculturista não deixa de estar relacionado aos níveis hormo- nais, mesmo que não tão diretamente. Esse é um ponto que vou abordar na próxima seção. A equação de Butt não pretende ser precisa e ele mesmo alega que podem existir variações para al- guns indivíduos com estruturas ósseas mais finas nas extremi- dades. É importante salientar também que a equação de Casey Butt foi baseada nas medidas antropométricas dos campeões de fisiculturismo natural, uma elite de atletas. Portanto, é de se esperar que seja muito difícil para grande maioria das pessoas atingir esses valores, até mesmo para usuários de esteroides que não tem treinamento e nutrição adequados, nem consistência. Por último temos o modelo de Martin Berkhan, um adepto e divulgador do "jejum intermitente" no meio fitness. Baseado na observação de fisiculturistas naturais de elite em pré-contest, sua equação é simplesmente: Altura = peso máximo em competição (4-5% de BF) Portanto, para alguém que tem 1,72 m, o peso máximo emcompetição seria na faixa de 72 kg. Esse modelo, apesar de bem simplista, tem boa com o modelo de Casey Butt. No entanto, eu particularmente tenho uma certa desconfiança para esses valores de peso em competição, porque eles são base- ados nos fisiculturistas da atualidade, já que os do passado não competiam em percentuais de gordura tão Apesar de todos esses modelos oferecerem previsões inte- ressantes sobre quanto de massa muscular um indivíduo pode atingir sem o uso de hormônios, a minha ideia com esse capí- tulo falar de como esse potencial genético está diretamente relacionado a nossa resposta aos hormônios anabólicos e, con- sequentemente, a como um indivíduo vai responder ao uso de hormônios sintéticos, já que os receptores são os mesmos dos hormônios endógenos. 2.2) GENÉTICA E RESPOSTA HORMONAL Esse assunto de potencial genético me despertou um gran- de interesse a alguns anos atrás quando estava pesquisando sobre limite natural e estudando perfil dos fisiculturistas do passado. Em especial os famosos campeões dos anos 40 e 50, como Grimek, Park e Reeves. Embora exista certa suspeita que essas estrelas do bodybuilding tenham usado esteroides (o que no caso de Grimek é confirmado que ele ao menos fez alguns testes sob a supervisão de Ziegler em 1954), é bem provável que nos anos 40 e início dos anos 50 eles ainda estivessem naturais. Escrevi alguns textos inspirados nessas leituras e também nos modelos de potencial genético descritos na seção anterior. O que sempre me intrigou foi que esses fisiculturistas de elite, as- sim como todos os bodybuilders de elite que usaram hormônios depois deles, têm respostas genéticas que parecem ser muito acima da média. No fim das contas, é aquele velho argumentoque os fisiculturistas adoram usar quando estão falando sobre esteroides na defensiva: "sem esteroides os campeões seriam os mesmos". Eu tenho uma forte tendência a concordar com esse argumento, pelo menos parcialmente, assumindo que poderia ter uma certa variabilidade entre os primeiros colocados. Não podemos descartar que um planejamento inteligente e estraté- gico de recursos ergogênicos possa fazer uma boa diferença e parece que alguns como Pearl, Arnold, Zane, Dorian, tenham se destacado por essa manipulação inteligente do uso de hormônios e outras drogas auxiliares. Obviamente, o treina- mento e a nutrição desses atletas também diferenciados. Os mais recentes como Coleman, Jay, Phil, parecem sempre ter tido um bom suporte por trás (coach). Essa seção é provavelmente a mais especulativa desse li- vro, assim como o argumento de que 'os seriam os mesmos'. Mesmo sendo um amante da ciência baseada em evi- dências, não posso negar que muito do conhecimento do fisicul- lurismo advém do empirismo de atletas e treinadores. É perfei- tamente normal que atletas e treinadores usem do empirismo quando a ciência não pode oferecer respostas satisfatórias, prin- cipalmente no caso do uso de hormônios para fins estéticos e para aumento da performance. Mas ponto que quero chegar ainda não é sobre o uso de esteroides androgênicos por fisicul- e sim o entendimento de como as pessoas respondem de forma diferente aos esteroides, como também a outros hor- mônios anabólicos (GH, IGF-1 e insulina). Se a variabilidade de resposta aos andrógenos (testostero- na e seus derivados) ainda não é um assunto bem por outro lado, a resposta à insulina cia), já é algo bem conhecido e estudado, sendo relacionada ao desenvolvimento de uma série de patologias interligadas,como obesidade, diabetes melitus tipo 2, síndrome metabóli- ca, doenças cardiovasculares etc. Essas patologias são doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), que estão diretamente li- gadas ao aumento da resistência à insulina, associada aos maus hábitos alimentares e estilo de vida da sociedade atual (seden- tarismo, tabagismo, alcoolismo etc). Além disso, a sensibilida- de à insulina pode ser um diferencial em termos de como um indivíduo responde ao consumo de carboidratos, sua perda ou ganho de gordura, sua resposta ao exercício físico, uso de hormônios etc. Estudos mostram que a sensibilidade à insuli- na pode ter uma grande variabilidade genética, sendo a resis- tência à insulina relacionada com mutações de vários genes da via da sinalização da insulina. Considero esse conhecimento diferenciado quando se trata de montar um planejamento de treinamento e dieta para um indivíduo, mas mesmo sem exa- mes genéticos e de sangue é possível observar uma grande va- riedade de respostas das pessoas em relação à dieta e ao trei- namento para ganho de peso ou perda de gordura. Indivíduos com insulina em jejum mais baixa parecem responder melhor a dietas com mais carboidratos e indivíduos com uma insulina jejum mais alta perdem mais peso com dietas pobres em carboidratos. O médico Paulo Muzy, um estudioso da perfor- mance esportiva, coletou uma grande quantidade de dados de pacientes e considera que uma boa sensibilidade à insulina se situa abaixo de 3-4 microU/mL. Tenho observado isso particu- larmente em fisiculturistas e pessoas com facilidade de manter um baixo percentual de gordura, mesmo comendo boas quan- tidades de carboidratos. Não quero me deter muito nesse ponto (quem sabe para um próximo livro), mas a sensibilidade à insulina além de estar relacionada ao potencial genético e, consequentemente, a formacomo as pessoas respondem ao treinamento e à dieta, também pode nos dizer porque as pessoas respondem de forma dife- rente aos esteroides, não só em questão de ganhos de força e massa muscular, mas principalmente em relação à perda de gordura. Tenho observado no decorrer dos anos, com um certo embasamento em estudos, que mulheres e homens podem ter respostas diferentes aos esteroides quando se trata de perda de peso e queima de gordura. Administração de andrógenos para mulheres saudáveis foi associado com o desenvolvimento de resistência à insulina. A consequência imediata disso é que o pâncreas aumenta a produção de insulina na tentativa de ven- cer a dificuldade de exercer sua ação, o que significa maior re- tenção de sódio e água. Por isso é comum algumas mulheres terem grande aumento de retenção e mesmo gordura usando esteroides que deveriam aumentar queima de gordura, como oxandrolona e estanozolol. Isso é agravado quando se usa doses altas e uma dieta hipercalórica, rica cm carboidratos. Por outro lado, foi observado aumento da resistência à insulina em ho- mens com baixa testosterona (hipogonadismo) e maiores níveis de estrogênio (estradiol). A terapia de reposição de testosterona reduz a resistência à insulina e melhora o controle glicêmico em homens com hipogonadismo com diabetes tipo 2. Isso significa que homens mais resistentes à insulina vão acumular gordura mais facilmente se deixarem seus níveis de estrogênio elevados. Por isso, homens mais sensíveis ao estrogênio vão acumular gordura mais facilmente na fase de OFF season quando usarem drogas que sofrem muita aromatização conversão da testos- terona em estrogênio (testosterona, nandrolona, Dianabol) -, principalmente com uma dieta rica em carboidratos. São os ca- ras que sofrem muito para secar e geralmente possuem um per- centual de gordura já naturalmente elevado. Esse aumento daresistência à insulina, devido a baixos níveis de testosterona em homens, é um fator importante que leva ao aumento de gordu- ra após um ciclo de esteroides, principalmente se os níveis de estrogênio estão elevados, o que é bem comum. Embora a resposta de um indivíduo ao hormônio insulina seja muito importante no entendimento do seu metabolismo, principal assunto que vou discutir nessa seção é a resposta de um indivíduo em relação ao uso de esteroides anabolizan- tes, que está diretamente relacionado ao seu potencial genético muscular máximo. Como comentado anteriormente, a testos- terona é principal hormônio responsável pela quantidade de massa muscular e força em homens e mulheres e, como qual- quer um pode perceber, homens possuem maior quantidade de massa muscular relação às mulheres, assim como também desenvolvem ganhos de massa muscular muito mais rápidos e maiores que Isso acontece porque homens produzem uma quantidade de testosterona cerca de 10 vezes maiores que as mulheres. Os níveis de testosterona variam de 300 a 1000 ng/dl para os homens, enquanto para as mulheres variam de 15 a 75 em média. As consequências dessas diferenças são discu- tidas no capítulo dedicado às mulheres 7). Um estudo mostrou que os ganhos com treinamento de força têm uma grande variabilidade genética, tanto em termos de ganhos na massa muscular, como em ganhos de força. Esse estudo considerou 585 indivíduos entre 18 e 40 anos, homens e mulheres, treinando por 12 semanas, sem uso de hormônios ou suplementos, mantendo sua rotina normal. No estudo foi treinado apenas um braço e enquanto alguns poucos indivídu- os tiveram ganhos acima de 40% (10 pessoas), outra minoria (5-10%) não obteve nenhum ganho de volume muscular. No entanto, a grande maioria das pessoas obteve ganhos em hi-pertrofia de 15 a 25%. Esses resultados são interessantes, não só porque mostram que a grande maioria das pessoas pode ter ganhos com treinamento, mas porque mostra uma grande va- riabilidade de respostas aos estímulos do treinamento, ou seja, potenciais genéticos diferenciados. Nós sabemos que os hormô- nios anabólicos (testosterona, GH, IGF-1 e insulina) desempe- nham um importante papel nas adaptações do treinamento de força, mediando parte da sinalização celular responsável pela hipertrofia. Também sabemos que o uso de esteroides anabo- lizantes em doses promove um aumento de massa muscular que é dose-dependente (o mesmo não ocorre com GH, IGF-1, insulina, pelo menos não de forma isolada). O principal receptor da testosterona e seus derivados sintéticos é receptor androgênico (AR) e é principalmente através desse receptor que os esteroides androgênicos atuam no organismo, promovendo efeitos anabólicos e androgênicos. Mutações do gene do receptor androgênico têm sido as- sociadas a um amplo espectro de anormalidades fenotípicas (características observáveis do indivíduo). Pacientes com in- sensibilidade completa ao androgênio apresentam hermafroditismo caracterizado por um aspecto feminino, com mamas bem desenvolvidas, genitália externa feminina, vagina em fundo de saco cego e ausência de pilificação (pelos) áre- as sensíveis ao androgênio. Alguns pacientes com insensibili- dade parcial ao androgênio apresentam um fenótipo masculi- no e anormalidades leves tais como hipospádia (malformação congênita da genitália masculina), ginecomastia e infertilida- de. Mutações do receptor androgênico também foram descritas em homens inférteis que eram completamente masculinizados e que apresentavam perfis hormonais normais. Pessoas com ca- riótipo 46XY (cromossomos) e mutações do AR apresentam ti-picamente níveis elevados de testosterona, LH e estradiol, mas as proporções séricas de testosterona em relação à DHT e de testosterona em relação ao estradiol são normais. Dessa forma, níveis de testosterona elevados não podem ser garantia de me- lhor potencial genético. Apesar de incomum, essa anormalidade no receptor andro- gênico nos faz acreditar que existe uma grande variabilidade de respostas genéticas em termos de sensibilidade a esse receptor. Isso fica muito claro em indivíduos que desenvolvem músculos muito acima da média da população, apenas com treinamento de hipertrofia. Ou seja, alguns indivíduos têm muito mais facilidade para ganhar massa muscular e queimar gordura, porque são mui- to sensíveis a hormônios anabólicos como testosterona e insulina. Isso fica ainda mais claro quando essas pessoas de maior potencial genético tomam esteroides, pois a evolução delas com as su- prafisiológicas é muito superior a evolução de pessoas comuns. Por outro lado, é de se esperar que alguns indivíduos pos- suam menos sensibilidade aos andrógenos, assim como é bem conhecido diferentes níveis de resistência à insulina o aumento da resistência à insulina está associado ao desenvolvimento de diabetes melitus tipo 2). Nesse caso, um desenvolvimento mus- cular abaixo da média da população é esperado e mesmo com o uso de esteroides androgênicos a evolução não tende a ser satis- fatória, que acaba frustrando essas pessoas (chamada popular- mente no meio underground da musculação de teoria do "shape anticiclo"). É importante lembrar que, em geral, as pessoas po- dem evoluir muito com treinamento e dieta, mesmo não possuin- do um potencial genético fora do comum. Assim como não é tão comum ter uma resposta tão ruim aos androgênios, como visto no estudo citado acima. Mas isso serve de lição para aqueles que pretendem usar esteroides anabolizantes com a justificativa deuma genética ruim, o que muitas vezes não é verdade (pode ser apenas um metabolismo acelerado, que pode ser muito bom na verdade). Tudo depende de seus receptores e ter níveis elevados de testosterona não significa ter uma boa resposta ge- nética aos androgênios; pode ser justamente o contrário. Estou especulando aqui que existam variações na sensibilidade do re- ceptor androgênico, bascado nas síndromes de resistência total e parcial aos androgênios e também me no fato de que esse é principal receptor da testosterona e seus derivados sin- téticos (esteroides anabolizantes). No entanto, está claro hoje que os esteroides androgênicos não atuam apenas pela via do recep- tor androgênico, que é um receptor intracelular, mas também por vias não-genômicas, através de receptores localizados na super- fície da célula. Se você não consegue crescer com dieta e treino acha que isso é uma desculpa para usar hormônios anabólicos - porque acredita que seu corpo não responde mais a dieta e ao treina- mento -, não vai adiantar usar esteroides anabolizantes, pelo simples fato que o ganho de massa muscular está diretamente relacionado às adaptações metabólicas e hormonais. Isso sig- nifica uma resposta mais eficiente aos hormônios anabólicos (principalmente testosterona) conforme você evolui. Mais mas- sa muscular, melhor resposta hormonal anabólica, maior adap- lação, maior otimização metabólica. Se você não evolui assim naturalmente e acha que já de tudo, então isso significa que seu corpo não responde bem aos próprios hormônios anabó- licos (testosterona) e se seus receptores não respondem bem a sua própria testosterona, então não poderá responder bem a nenhum esteroide androgênico. Os receptores são os mesmos! Os fisiculturistas da era pré-esteroides são verdadeiros exemplos de que nosso potencial genético para ganhos de massamuscular e força pode ser muito acima do que esperamos. Nesse sentido, não preciso especular que a quase totalidade das pesso- as, que praticam musculação e iniciam o uso de esteroides, fazem isso de forma muito precipitada e equivocada, achando que já estão no seu limite natural, ou, que podem manter os resultados conquistados pelo uso de esteroides. Acho que todos devem ser livres para fazer suas escolhas, mas é importante ter consciência do preço que você pode pagar por essas escolhas. E quando se trata do uso de esteroides, na grande maioria das vezes o usuário em algum momento vai concluir que não valeu à pena, infeliz- mente por uma decisão precipitada e equivocada. Essa questão problemática é discutida com mais detalhes nos próximos capí- tulos e espero que o presente capítulo também seja uma inspira- ção para quem não deseja usar esteroides e os que pensam em parar o uso. Esse livro é reflexo da minha maturidade e consci- ência crítica em relação ao uso de hormônios para fins estéticos, jamais uma apologia ou crítica extremista contra o uso. Referências bibliográficas BUTT, C. The Weigh Trainer, Your Maximum Muscular Bodyweight and Measure- ments. CORNIER, M. A. et al. Insulin sensitivity determines the effectiveness of dietary ma- cronutrient composition on weight loss in obese women. Obes Res Apr;13(4):703- 9, 2005. HALUCH, D. POTENCIAL GENÉTICO E RESPOSTA HORMONAL. http://www. HALUCH, D. limite natural: Potencial Genético Muscular (DUDU) http://www. HALUCH, D. ESTEROIDES, DIETA E METABOLISMO (DUDU) http://www.du- HELMS, E. What can be achieved as a natural bodybuilder? http://www.alanara- cle.pdf. HUBAL, M. J. et al. Variability in muscle size and strength gain after unilateral resis- tance training. Med Sci Sports Exerc Jun;37(6):964-72, 2005. KAPOOR, D. et al. Testosterone replacement therapy improves insulin resistance, glycaemic control, visceral adiposity and hypercholesterolaemia in hypogonadalmen with type 2 diabetes. Eur J Endocrinol Jun;154(6):899-906, 2006. What's My Genetic Muscular Potential? http://www.bodyrecom- NAHARCI, M. et al. Effect of testosterone on insulin sensitivity in men with idiopa- thic hypogonadotropic hypogonadism. Endocr Pract. Oct;13(6):629-35, 2007. PEDERSEN, (). Genetics of insulin resistance. Exp Clin Endocrinol Diabetes 107(2):113-8, 1999. POLDERMAN, K. 11. al. Induction of insulin resistance by androgens and estro- gens. J Clin Endocrinol Metab Jul;79(1):265-71, 1994. TIMMONS, J.A. Variability in training-induced skeletal muscle adaptation. J Appl Physiol 110:846-853, 2011.3) ESTEROIDES ANDROGÊNICOS E MECANISMOS DE AÇÃO 3.0) INTRODUÇÃO N esse capítulo, pretendo discutir os mecanismos de ação dos esteroides androgênicos no organismo, os efeitos da testosterona em particular, principal esteroide androgênico produzido pelo nosso corpo e do qual todos os outros esteroi- des anabolizantes sintéticos são derivados. Basicamente, os de- mais esteroides androgênicos sintéticos vão atuar pelas mesmas vias de ação da testosterona endógena como dito no final do capítulo anterior, os receptores dos hormônios sintéticos são os mesmos da nossa testosterona endógena. Existem certas parti- cularidades e diferenças nos mecanismos de ação e efeitos dos esteroides, associadas às diferenças na estrutura molecular de cada esteroide. Porém, as principais vias de ação e receptores são os mesmos do nosso principal hormônio androgênico. Além de atuar em vários tecidos do organismo para exercer diversos efeitos anabólicos e androgênicos, mediante sua ligação com o receptor androgênico (AR - androgen receptor), a testostero- na pode exercer parte dos seus efeitos através da sua conversão em estrogênio (aromatização) e também pela sua conversão em di-hidrotestosterona (DHT), um hormônio androgênico que pos- sui o dobro da afinidade da testosterona com o AR. As ações da testosterona são mediadas por esses dois metabólitos em muitos tecidos e muitos dos colaterais dos esteroides anabolizantes são associados ao aumento das concentrações de estrogênio e DHT. Nos homens, quase toda a testosterona (95%) é produzida nos testículos (sintetizada a partir do colesterol), estimuladapela ação do hormônio luteinizante (LH), liberado pela hipófise sob estímulo do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), que por sua vez é liberado de forma pulsátil pelo hipotálamo. A produção de testosterona nos homens funciona pelo mecanismo de feedback negativo, que é discutido com detalhes no capítulo 6. Também falarei sobre a produção e os efeitos da testosterona nas mulheres num capítulo dedicado só para elas (capítulo 7). 3.1) EFEITOS ANABÓLICOS E ANDROGÊNICOS DA TESTOSTERONA A maior parte da testosterona presente na circulação está liga- da a duas proteínas plasmáticas, a globulina de ligação dos hormô- nios sexuais (SHBG) e a albumina. Nos homens cerca de 50-68% da testosterona está ligada à albumina e 30-45% está ligada ao SHBG, sendo que a afinidade da testosterona com essa proteína é quatro vezes maior em magnitude que a afinidade de ligação com a albu- mina. Cerca de 1-3% da testosterona está na forma livre, não ligada às proteínas plasmáticas e por isso é considerada a forma biologica- mente ativa, podendo entrar nos tecidos alvos e exercer seus efeitos metabólicos. Por ter afinidade mais fraca com a albumina, parte da testosterona pode dissociar-se dessa proteína e também entrar nos tecidos-alvo para exercer seus efeitos metabólicos. Portanto, a soma das frações de testosterona ligada às proteínas plasmáticas: (SHBG albumina) 98% mais a "testosterona livre" (~2%) constituem a testosterona total presente na circulação. Enquanto a fração da testos- terona ligada à albumina somada com a "testosterona livre" consti- lui a chamada "testosterona biodisponível". Um ponto importante a se considerar é que a concentração de SHBG aumenta com uso de estrogênios, tamoxifeno e hormônios da tireoide; e diminui pelo uso de androgênios, glicocorticoides, insulina e GH. A redução do aumenta a quantidade de testosterona livre.COLESTEROL PREGNENOLONA 17 OH - PREGNENOLONA PROGESTERONA DHEA 17 OH PROGESTERONA ANDROSTENEDIOL ANDROSTENEDIONA TESTOSTERONA AROMATASE REDUTASE ESTRADIOL DI - HIDROTESTOSTERONA Figura 3.1. Biossíntese da testosterona a partir do colesterol. As duas vias descritas na figura acima ocorrem no testículo, nas células de sob estímulo do hormônio luteinizante (L.H) secretado pela hipófise. A via da esquerda, que passa através da pregnenolona, 17 OH-pregnenolona, DHEA e androstenediol é a que predomina no testículo humano. A testosterona ainda pode como um pró-hormônio e se con- verter cm estrogênio (estradiol) e di-hidrotestosterona (DHT) nos tecidos periféricos. Os efeitos fisiológicos do estradiol e do DHT são descritos no texto. A testosterona controla uma série de efeitos no organismo, como a diferenciação sexual dos ductos de Wolff), a libido (função sexual), o crescimento puberal da laringe (responsável pelo engrossamento da voz), os efeitos anabólicos no músculo, a estimulação da espermatogênese, aumento da den- sidade mineral óssea (DMO). Além disso, a testosterona estimula o metabolismo de repouso (taxa metabólica), a lipólise, aumen- tando o número de receptores e inibe a diferenciação de células precursoras dos adipócitos. O principal motivo pelo qual fisiculturistas usam esteroides anabolizantes épelo seu efeito anabólico no músculo esquelético, aumentando a síntese de proteínas e reduzindo sua degradação. A maioria desses efeitos da testosterona e dos demais es- teroides anabolizantes - incluindo o DHT - são mediados pela sua ligação ao receptor androgênico (AR), receptor localizado no interior da célula. Após se ligar ao AR no citoplasma, a testoste- rona e o receptor formam um complexo hormônio-receptor que se transfere para núcleo da célula, regulando a expressão de genes-alvo no DNA. Esse é o processo de transcrição gênica (sín- tese do RNA mensageiro a partir do DNA), que dá início à síntese de proteínas. A informação contida no RNA mensageiro é trans- ferida até os ribossomos, informando a sequência de aminoáci- dos que deve formar as proteínas. Essa regulação dos genes-alvo pela testosterona e pelos demais androgênios depende do tecido alvo. Sendo assim, no músculo esquelético a testosterona vai ati- var principalmente a região do DNA responsável pela produção de proteínas contráteis, como os filamentos de actina e miosina, que formam as fibras musculares. Há sinais inconclusivos de que alguns efeitos androgênicos podem ser mediados por receptores não-genômicos sobre a membrana celular. Tem sido hipotetizado também que parte dos efeitos ana- bólicos e anticatabólicos dos esteroides androgênicos seriam pela inibição da ação dos hormônios glicocorticoides (cortisol), que são hormônios catabólicos. Os androgênios podem se ligar a esses receptores, impedindo a atividade do cortisol, embora maior parte dos estudos indique que os androgênios têm baixa afinidade com os receptores de glicocorticoides. 3.2) CONVERSÃO DA TESTOSTERONA EM DHT Os efeitos da testosterona sobre a próstata, glândulas sebáceas da pele, cabelo e pelos do corpo ocorrem através da sua conversãoem di-hidrotestosterona (DHT), por meio da enzima Cerca de 80% dessa conversão ocorre nos tecidos periféricos e o DHT tem uma afinidade maior que a testosterona com AR, além de uma meia-vida mais longa quando ligada a esse receptor. DHT tem um importante papel no desenvolvimento de estrutu- ras como escroto, pênis, uretra peniana e também contribui com o crescimento dos pelos faciais e corporais, além de ser o princi- pal responsável pela calvície de padrão masculino em indivíduos com predisposição genética. Cerca de 7-10% da testosterona total se converte em DHT e essa conversão ocorre nas células-alvo que expressam a enzima 5a-redutase. A atividade dessa enzima é mui- to baixa ou ausente no músculo esquelético, de forma que não se deve esperar um efeito anabólico do DHT nos músculos. Além da testosterona, outros esteroides podem sofrer ação da (boldenona, nandrolona, Dianabol) e em doses isso pode ser responsável por uma série de im- portantes efeitos colaterais associados ao DHT. Entre os princi- pais efeitos adversos do DHT estão a acne e a queda de cabelo, e nas mulheres também o hirsutismo (excesso de pelos com pa- drão de distribuição masculina). A finasterida, um medicamento inibidor da enzima 5a-redutase, usada para tratar câncer de prós- tata e a hipertrofia benigna da próstata, também pode ser usada para controlar esses efeitos colaterais, pelo menos parcialmente. Outro inibidor menos conhecido da 5a-redutase é a dutasterida. 3.3) CONVERSÃO DA TESTOSTERONA EM ESTROGÊNIO Uma pequena parte da testosterona também pode se con- verter em nos homens, o estrogênio biologicamente mais potente (comparando com a estrona e o estriol). A conversão da testosterona estradiol (E2) é mediada pela enzima aromata- se, presente nas células de Leydig dos testículos principalmentenos tecidos extragonadais, como tecido adiposo. A expressão da aromatase é diretamente proporcional ao grau de adiposidade e por esse motivo homens obesos podem apresentar níveis de estra- diol elevados e baixa Isso acontece porque o estradiol provoca feedback negativo no hipotálamo e na hipófise, inibindo a secreção de gonadotrofinas (LH FSH), consequentemente, re- duzindo a produção de testosterona. Esse é um ponto que discuto com mais detalhes no capítulo sobre terapia pós-ciclo (capítulo 6). Os efeitos da testosterona sobre lipídeos plasmáticos (co- lesterol), fechamento das epífises, progressão da aterosclerose e diferenciação sexual no cérebro requer sua aromatização em es- tradiol. Cerca de 80% da conversão da testosterona em estradiol ocorre nos tecidos periféricos, sendo o tecido adiposo o princi- pal responsável pela aromatização da testosterona. Além da testosterona, outros esteroides também podem frer aromatização. Entre os principais estão: nandrolona (Deca), Dianabol e boldenona. Os principais efeitos colaterais causados pelo aumento dos níveis de estrogênio são: ganho de gordura, o aumento de retenção hídrica e ginecomastia ("tetas de cadela" na linguagem popular). Por outro lado, existem drogas que po- dem controlar os efeitos do estrogênio, inibindo sua atividade pelo bloqueio dos receptores de estrogênio (tamoxifeno, clomi- feno), ou, inibindo a atividade da enzima aromatase, os chama- dos inibidores de aromatase (anastrozol, letrozol, Os bloqueadores de receptores de estrogênio são chamados de moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (sigla em inglês: SERMs) e podem promover uma série de efeitos distin- no organismo, mas sem redução dos níveis de estradiol. Já os inibidores de aromatase não podem bloquear os efeitos do estradiol diretamente, podem apenas reduzir as concentrações de estrogênio por inibirem a atividade da enzima aromatase e,