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constitucional _ fichamento sobre classificação das constituições

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FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011
Capítulo 1
Conceito e Classificações das Constituições
2. Um ponto de partida: o conceito histórico-universal e a primeira definição de Constituição: a Constituição material como Constituição real
“[...] ‘Em todos os lugares do mundo e em todas as épocas sempre existiu e sempre existirá isso que chamamos de Constituição’.” (p.17)
“Entre vários elementos (matérias) podemos trabalhar com três:
a) Identidade: ideia de “nós e outros” (alteridade), noção de pertencimento. Aquilo que, por exemplo, me permite afirmar que sou cidadão de Esparta e não de Atenas. 
b) Organização social e especialização (hierárquica e de linha sucessória): quem detêm o poder (mando), como manda e como se dá a reprodução social nessa estrutura. 
c) Valores subjacentes (regras): preestabelecidos e naturalizados a partir de um processo construtivo que permitiu, inclusive e, sobretudo, desenvolver um tipo de organização social e especialização de poder bem como possibilitou a construção de uma identidade diferenciando-se de outras identidades. (p.17)”
“[...]Ou seja, essas matérias explicitam como os Estados existem e se reproduzem como tais com os seus respectivos “modos de ser”. E se existem como comunidades, sociedades ou Estados é porque foram constituídos e, portanto, a partir daí eles têm uma determinada Constituição. Nesses termos, a Constituição poderia ser definida a priori como “o modo de ser” de uma comunidade, sociedade ou Estado.[6] Ou seja, como ele (a) é e está constituído (a), formado (a), e, portanto, existe em relação com outras (o) comunidades sociedades ou Estados[...]uma Constituição material (real)” (p.18)
2.1. A Constituição material e o seu sentido jurídico – Normativo. O movimento do Constitucionalismo na Inglaterra do Século XVII. A definição de Constitucionalismo
“[...] a partir dos séculos XVII e XVIII ganha contornos tipicamente jurídico-normativos. Sem dúvida, a ideia de organização constitucional formal (formalizada) [...]a íntima relação com as revoluções americana e francesa. [...]” (p.19)
“A Constituição material passou a ser, a partir da experiência inglesa, entendida como o conjunto de normas juridicamente instituidoras de uma comunidade (tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade) [...] constitucionalismo ou de movimento do Constitucionalismo. ” (p.20)
“[...]dois grandes objetivos do constitucionalismo[...]”
“1) A limitação do poder com a necessária organização e estruturação do Estado (Estados nacionais que já eram, mas a partir daí se afirmam como, não mais absolutos). Em consequência disso, se desenvolveram teorias consubstanciadas na praxis, como a “teoria da separação dos poderes”, além de uma redefinição do funcionamento organizacional do Estado;
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2) A consecução (com o devido reconhecimento) de direitos e garantias fundamentais (num primeiro momento, com a afirmação em termos pelo menos formais da: igualdade, liberdade e propriedade de todos).
Concluindo, com Canotilho, os temas centrais do constitucionalismo se relacionam com a fundação e legitimação do poder político (em contraponto a um poder absoluto) e a constitucionalização das liberdades individuais” (p.21)
2.2. O surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalismo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito
“Nesses termos, concluímos explicitando, mais uma vez, as bases da Constituição formal reduzida à forma (fôrma ou formato), escrita no fim do século XVIII. Essas constituições vão: 1) ordenar em termos jurídicos – políticos o Estado, agora, por meio de um documento (pacto) escrito; 2) declarar nessa carta escrita um conjunto de direitos fundamentais e o respectivo modo de garantia; 3) organizar o poder político segundo esquemas tendentes a tornar um poder limitado e moderado.” (p.22) 
3. Classificações das Constituições: teorias tradicionais e usuais na doutrina pátria 
Quanto ao conteúdo - formais e materiais: 
• Constituição Formal: é aquela dotada de supralegalidade (supremacia), estando sempre acima de todas as outras normas do ordenamento jurídico de um determinado país. Nesse sentido, por ter supralegalidade, só pode ser modificada por procedimentos especiais que ela no seu corpo prevê, na medida em que normas ordinárias não a modificam, estando certo que se contrariarem a constituição serão consideradas inconstitucionais. Portanto, a Constituição formal, sem dúvida, quanto à estabilidade será rígida. 
• Constituição Material: é aquela escrita ou não em um documento constitucional e que contém as normas tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, são as normas fundantes (basilares) que fazem parte do “núcleo ideológico” constitutivo do Estado e da sociedade. Sem dúvida, essas matérias com o advento do constitucionalismo (moderno) vêm sendo definidas como: Organização e estruturação do Estado e Direitos e Garantias Fundamentais.
b) Quanto à estabilidade[15] – Rígida, Flexível, Semirrígida, Fixa e Imutável:
 • Constituição Rígida: é aquela que necessita (requer) de procedimentos especiais, mais difíceis (específicos) para sua modificação. Esses procedimentos são definidos na própria Constituição.
 • Constituição Flexível: é aquela que não requer procedimentos especiais para sua modificação. Ou seja, ela pode ser modificada por procedimentos comuns, os mesmos que produzem e modificam as normas ordinárias, na lógica, por exemplo, tradicional de que lei posterior revoga lei anterior do mesmo nível hierárquico. Na verdade o entendimento se perfaz de forma simples na afirmação de que se a própria Constituição não solicitou procedimentos especiais para sua alteração é porque ela afirma a possibilidade de modificação nos moldes em que se modificam as Leis ordinárias. Um exemplo sempre citado pela doutrina clássica é o da Constituição inglesa.[16]
• Constituição Semirrígida: é aquela que contem, no seu corpo, uma parte rígida e outra flexível. Nesse sentido, parte da Constituição solicita procedimentos especiais para sua modificação e outra não requer procedimentos especiais (diferenciados dos comuns que produzem normas ordinárias) para sua modificação. Chamamos atenção ainda para o fato de que para alguns doutrinadores ela é classificada como semiflexível não mudando em nada sua definição. Um exemplo de constituição semirrígida é a nossa Constituição de 1824.
 • Fixa ou silenciosa: é a Constituição que só pode ser modificada pelo mesmo poder que a criou. (Poder constituinte originário). São as chamadas Constituições silenciosas, por não preverem procedimentos especiais para a sua modificação. Exemplo: Constituição espanhola de 1876.[17] 
• Imutável ou granítica: é a chamada Constituição granítica, pois não prevê nenhum tipo de processo de modificação em seu texto. São, nos dias atuais, relíquias históricas. Sem dúvida, em sociedades extremamente complexas como a nossa (moderna ou para alguns, pós-moderna), constituições graníticas estariam fadadas ao insucesso.
 • Transitoriamente flexível: trata-se da Constituição que traz a previsão de que até determinada data a Constituição poderá ser emendada por procedimentos comuns. Após a data determinada, a Constituição só poderá ser alterada por procedimentos especiais definidos por ela. Exemplo: Constituição de Baden de 1947.[18] 
• Transitoriamente imutável: é a Constituição que durante determinado período não poderá ser alterada. Somente após esse período, ela poderá ser alterada.[19] Como exemplo, a doutrina cita a nossa Constituição brasileira de 1824 (Constituição do Império) que só poderia ser alterada após quatro anos de vigência. Aqui uma crítica pertinente que demonstra a precariedade dessa classificação. Na verdade, o que existe é um limite temporal na Constituição que não permite que seja reformada em um determinado lapso temporal. O exemplo da Constituição do Império de 1824 demonstra justamenteisso, devendo ser considerada como semirrígida, nos moldes acima já salientados.
c) Quanto à forma – escritas e não escritas: • Constituição escrita: é aquela elaborada de forma escrita e sistemática em um documento único, feita de uma vez só (por meio de um processo específico ou procedimento único), de um jato só por um poder, convenção ou assembleia constituinte.[20] • Constituição não escrita: é aquela elaborada e produzida com documentos esparsos no decorrer do tempo paulatinamente desenvolvidos, de forma histórica, fruto de um longo e contínuo processo de sedimentação e consolidação constitucional. Um exemplo clássico e comumente citado é o da Constituição inglesa que é intitulada de não escrita, além de histórica e também costumeira (consuetudinária).
d) Quanto ao modo de elaboração – dogmáticas e históricas:
 • Constituição dogmática: é aquela escrita e sistematizada em um documento que traz as ideias dominantes (dogmas) em uma determinada sociedade num determinado período (contexto) histórico. Ela se equivale à constituição escrita quanto à forma.
 • Constituição histórica: é aquela elaborada de forma esparsa (com documentos e costumes desenvolvidos) no decorrer do tempo, sendo fruto de um contínuo processo de construção e sedimentação do devir histórico. Ela se equivale à Constituição não escrita quanto à forma. O exemplo também comumente citado é o da Constituição inglesa.
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e) Quanto à origem[21] – promulgadas, outorgadas e cesaristas:
 • Constituição Promulgada: é aquela dotada de legitimidade popular, na medida em que o povo participa do seu processo de elaboração, ainda que por meio de seus representantes. Para alguns autores, ela se apresenta para como sinônimo de democrática. Como exemplo, poderíamos citar as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.[22] 
• Constituição Outorgada: é aquela não dotada de legitimidade popular, na medida em que o povo não participa de seu processo de feitura, nem mesmo de forma indireta. Ela também é concebida na doutrina como sinônimo de Constituição autocrática ou mesmo ditatorial. Como exemplos, poderíamos citar as Constituições brasileiras de 1824, 1937 e 1967.[23]
 • Constituição Cesarista: é aquela produzida sem a participação popular (de forma direta ou mediante representantes), mas que, posteriormente a sua elaboração, é submetida a referendum (uma verdadeira consulta plebiscitária) popular para que o povo diga sim ou não sobre o documento. Essas constituições, sem dúvida, se aproximam das Constituições Outorgadas (e se distanciam das Promulgadas), pois os processos de produção (que obviamente, conferem legitimidade ao documento constitucional) não envolvem o povo e sim algo pronto e acabado (“receita de bolo”) que, de forma não raro populista, é submetido para digressão popular. Os exemplos desse tipo de Constituição são as Constituições de Napoleão, na França, e de Pinochet, no Chile, entre outras.
f) Quanto à extensão - analíticas e sintéticas: 
• Constituição Analítica: também chamada de prolixa, é aquela elaborada de forma extensa (formato amplo), com um cunho detalhista, na medida em que desce a pormenores não se preocupando somente em descrever e explicitar matérias constitucionais (tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade). Portanto, acaba por regulamentar outros assuntos que entenda relevantes num dado contexto, estabelecendo princípios e regras e não apenas princípios (ainda que os princípios e a estrutura chamada atualmente de principiológica possam ser dominantes). Como exemplos, podemos citar as atuais Constituições do Brasil (1988), Portugal (1976) e Espanha (1978).
 • Constituição Sintética: é aquela elaborada de forma sucinta (resumida) e que estabelece os princípios fundamentais de organização do Estado e da sociedade preocupando-se em desenvolver no seu bojo apenas as matérias constitucionais típicas (Organização e estruturação do Estado e Direitos Fundamentais). Em regra são Constituições eminentemente principiológicas.[24]
g) Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática) - ortodoxas e ecléticas:
 • Constituição Ortodoxa: é aquela que prevê apenas um tipo de ideologia em seu texto. Exemplos recorrentemente lembrados são as Constituições da China e da ex-União Soviética.
 • Constituição Eclética: é aquela que traz a previsão em seu texto de mais de uma ideologia, na medida em que pelo seu pluralismo e abertura agrupa mais de um viés (linha) ideológico. A atual Constituição brasileira de 1988 é um exemplo.
h) Quanto à unidade documental – orgânicas e inorgânicas: 
• Constituição Orgânica: é aquela que é elaborada em um documento único, num corpo único de uma só vez por um poder competente para tal e que contem uma articulação (interconexão) entre suas normas (títulos, capítulos, seções).[25]
• Constituição Inorgânica: é aquela que não é dotada de uma unidade documental. É elaborada por textos escritos não dotados de uma interconexão que podem ser reunidos posteriormente (e solenemente) em um documento específico e ser intitulado de texto Constitucional. A doutrina cita como exemplos as atuais Constituições de Israel e da Nova Zelândia. Um exemplo interessante é o da Constituição francesa de 1875 da III República, que foi a junção de três documentos legais.
i) Quanto ao sistema[26] – Principiológicas e Preceituais: 
• Constituição Principiológica: é aquela em que predominam os princípios (embora nela possam existir regras) considerados normas (constitucionais) de alto grau de abstração e generalidade para boa parte dos doutrinadores pátrios.[27]Um exemplo seria a atual Constituição brasileira de 1988, que atualmente é entendida, trabalhada e interpretada pelo neoconstitucionalismo como principiológica.[28]
 • Constituição Preceitual: é aquela em que, embora possa conter princípios, predominam-se as regras que, para boa doutrina nacional, possuem um baixo grau de abstração e um alto grau de determinabilidade. Esse tipo de Constituição que enfatiza às regras em detrimento dos princípios tende a ser essencialmente detalhista. Um exemplo citado é a Constituição do México de 1917 (Constituição de Querétaro[29]).
j) Quanto à Finalidade[30] – Garantia, Balanço ou Dirigentes: 
• Constituição garantia, abstencionista ou negativa: ela tem um viés no passado, visando a garantir direitos assegurados, contra possíveis ataques ao Poder Público. Trata-se de Constituição típica de Estado Liberal que caracteriza-se pelo seu abstencionismo e sua atuação negativa (de não interferência ou ingerência na sociedade). Essa Constituição também intitulada por alguns autores de Constituição-quadro foi concebida apenas como um instrumento de governo que deveria trazer a limitação ao Poder com a devida organização do Estado, assim como direitos e garantias fundamentais.
 • Constituição Balanço: visa a trabalhar o presente. Trata-se de constituição típica dos regimes socialistas (constituições de cunho marxista). Essa constituição visa a explicitar as características da atual sociedade, trazendo parâmetros que devem ser observados à luz da realidade econômica, política e social já existente. Ela realiza um balanço das planificações realizadas e explicita à sociedade o novo grau de planificação já em curso. A constituição visa adequar-se à realidade social. É importante salientar que a Constituição de cunho socialista não é uma constituição de dever-ser (Sollen), mas sim uma Constituição típica do mundo do ser (Sein), que traduz juridicamente modificações sociais que já existem na sociedade.[32] Um exemplo são as Constituições soviéticas de 1936 e de 1977.
 • Constituição Dirigente: tem viés de futuro. É uma constituição típica de Estado social e de seu pano de fundo paradigmático (democracias-sociais, sobretudo do pós-Segunda Guerra Mundial). Constituições dirigentes são planificadoras e visam a predefinir uma pauta de vida para a sociedade e estabelecer uma ordem concreta de valores para o Estado e para a sociedade. Ou seja, programas e fins para serem cumpridos pelo Estado e também pela sociedade.[33]Uma das características dessas Constituições, não raro, é a presença de normas programáticas em seu bojo.
4. Classificação ontológica (ou essencialista) das Constituições de Karl Löewenstein 
 Constituições Normativas: são aquelas em que há uma adequação entre o texto constitucional (conteúdo normativo) e a realidade social. Há, portanto, uma simbiose do texto constitucional com a realidade social. Ou seja, a constituição conduz os processos de poder (e é tradutora dos anseios de justiça dos cidadãos), na medida em que detentores e destinatários de poder seguem (respeitam) a constituição. Como exemplos, temos: Constituição Americana de 1.787; Constituição Alemã de 1949; Constituição francesa de 1958, entre outras. 
B) Constituições Nominais: não há adequação do texto constitucional (conteúdo normativo) e a realidade social. Na verdade, os processos de poder é que conduzem a constituição e não o contrário (a constituição não conduz os processos de poder). Não há simbiose do texto constitucional com a realidade social, o que ocorre é um descompasso do texto com a realidade social (econômica, política, educacional, jurisprudencial etc.). Porém, é mister deixar consignado que existe um lado positivo nessas Constituições. Este é o seu caráter educacional, pedagógico. [...] Nesse sentido, Pedro Lenza, em uma das últimas edições de seu manual, a classificou como normativa (o que é em equivoco!) e, posteriormente, na última edição de sua obra (tentando desfazer o equívoco) a classifica como uma constituição que se pretende normativa. Ora toda Constituição se pretende normativa (não só a brasileira), mas uma coisa é pretender outra coisa é ser, ou seja, o que ela realmente é! Ela é, pela lógica loewenstaineana, pelo menos por enquanto, tipicamente nominal! Temos ainda, como exemplo, a Constituição alemã de Weimar de 1919, que, apesar de ser da Alemanha, explicitava um hiato (fosso) entre o seu texto e a realidade de um país arrasado e humilhado em razão da 1ª Guerra Mundial.[58] 
C) Constituições Semânticas: são aquelas que traem o significado de constituição (do termo constituição). Sem dúvida, Constituição, em sua essência, é e deve ser entendida como limitação de poder. A Constituição semântica trai o conceito de constituição, pois legitima (naturaliza) práticas autoritárias de poder, ao invés de limitar o poder. A constituição semântica vem para legitimar o poder autoritário.[59] Exemplos: Constituições brasileiras de 1937 (Getúlio Vargas), 1967-69 (governo militar).

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