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CONSULTAS JURÍDICAS

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CONSULTAS JURÍDICAS 
Resumo: Em uma primeira plana, faz-se mister distinguir o instituto da herança do assunto em comento. Nesse passo, pode-se assinalar que herança abarca a sucessão legal ou testamentária, compreendendo a universalidades dos bens do de cujus ou, ainda, uma quota-parte ideal deles. Cuida assinalar que, em se tratando de herança, o direito do herdeiro ficará adstrito aos bens que lhe couber, quando da realização da partilha. Dessa maneira, o herdeiro sucederá o auctor sucessionis em seus direitos, obrigações e até mesmo em seus débitos, desde que não sejam superiores às forças da herança. Doutra banda, o legado é o instituto próprio da sucessão testamentária, incidindo, imperiosamente, sobre uma coisa certa e determinada ou mesmo um importe em dinheiro. Trata-se de uma típica sucessão causa mortis a título singular, guardando, inclusive, similitude, com uma doação, diferenciando-se tão somente por ser o legado um ato unilateral e seus efeitos serem produzidos apenas com o óbito do de cujus. Neste passo, o legado constitui uma disposição de última vontade pela qual o testador deixa bens determinados a uma pessoa. Aquilo que alguém transmite a outrem.
Palavras-chaves: Legado. Sucessão Testamentária. Direito Civil.
Sumário: 1 Legado: Conceito e Aspectos Jurídicos; 2 Objeto do Legado; 3 Modalidades de Legado quanto ao Objeto: 3.1 Legado de Coisa Alheia; 3.2. Legado de Coisa Comum; 3.3 Legado de Coisa Singularizada; 3.4 Legado de Coisa Localizada; 3.5 Legado de Crédito; 3.6 Legado de Quitação de Dívida; 3.7 Legado de Alimentos; 3.8 Legado de Usufruto; 3.9 Legado de Imóvel; 4 Espécies de Legado quanto à Modalidade; 5 Os Efeitos do Legado; 6 A Caducidade do Legado: 6.1 Hipóteses de Caducidade do Legado: Modificação da Coisa Legada; 6.2 Hipóteses de Caducidade do Legado: Alienação da Coisa Legada; 6.3 Hipóteses de Caducidade do Legado: Perecimento ou Evicção da Coisa Legada; 6.4 Hipóteses de Caducidade do Legado: Indignidade; 6.5 Hipóteses de Caducidade do Legado: Premoriência do Legatário. 
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1 Legado: Conceito e Aspectos Jurídicos
Em uma primeira plana, faz-se mister distinguir o instituto da herança do assunto em comento. Nesse passo, pode-se assinalar que herança abarca a sucessão legal ou testamentária, compreendendo a universalidades dos bens do de cujus ou, ainda, uma quota-parte ideal deles. Cuida assinalar que, em se tratando de herança, o direito do herdeiro ficará adstrito aos bens que lhe couber, quando da realização da partilha. “Dessa maneira, o herdeiro sucederá o auctor sucessionis em seus direitos, obrigações e até mesmo em seus débitos, desde que não sejam superiores às forças da herança”[1]. 
Doutra banda, o legado é o instituto próprio da sucessão testamentária, incidindo, imperiosamente, sobre uma coisa certa e determinada ou mesmo um importe em dinheiro. Trata-se de uma típica sucessão causa mortis a título singular, guardando, inclusive, similitude, com uma doação, diferenciando-se tão somente por ser o legado um ato unilateral e seus efeitos serem produzidos apenas com o óbito do de cujus. No mais, pode-se ressaltar que o legado configura sucessão, a título singular, diferenciando-se da herança, já que nesta os herdeiros recebem os bens a título universal.
Neste passo, segundo as lições de Gama, o legado constitui uma “disposição de última vontade pela qual o testador deixa bens determinados a uma pessoa. Aquilo que alguém transmite a outrem”[2]. Ao lado disso, Tartuce e Simão assinalam que o legado “trata-se de deixa testamentária pela qual um bem ou certos bens são atribuídos a certa pessoa, seja ela herdeira ou não, em decorrência da vontade do falecido”[3].
Nesse sedimento, cuida frisar, também, que o legado alberga em sua acepção um aspecto negativo a respeito do herdeiro, posto que é manifestação de última vontade que não compreende instituição de herdeiro, mas sim se afigura como liberalidade que acarreta na minoração do quinhão daquele. “Além do mais, o herdeiro representa o defunto, para efeitos patrimoniais; o legatário não, tanto que só responde pelas dívidas quando a herança for insolvável ou distribuída, por inteiro, em legados válidos”[4]. Ao lado disso, vale realçar que quando, explicitamente, o testador determinar que a obrigação de atender ao passivo será do legado.
Ainda nesse diapasão, mister se revela grifar que o legado exige a presença de três pessoas, a saber: a) o testador, denominado legante, que é a pessoa quem outorga o legado; b) o legatário, que adquire o direito legado. Impõe assinalar que qualquer pessoa, parente ou estranha, natural ou jurídica, civil ou comercial, poderá ser nomeada como legatária. Anote-se, por oportuno, que se o beneficiário for também um herdeiro legítimo, já que não há necessidade de o legatário não ser parente do de cujus, nomear-se-á legado precípuo ou prelegado, compreendendo em uma só figura os característicos do legatário e do herdeiro. Em ocorrendo tal situação, o prelegatário, além dos bens que integram a herança, receberá o prelegado, podendo, até mesmo, recebê-los antes da herança, se o legante assim estabelecer; c) o onerado, sobre quem incide o ônus do legado ou, ainda, a quem compete prestar o legado.
Ademais, pode-se gizar que o testador terá a faculdade de nomear a pessoa que ficará responsável por dar cumprimento ao legado estabelecido. É permitido, ainda, ao legatário exigir o legado a todos os herdeiros instituídos ou, em suas ausências, aos demais legatários, se o testador não nomeou aquele (herdeiro ou legatário) que deverá executá-lo. Trata-se de situação em que se observa que todos os herdeiros e legatários serão responsáveis, na proporção do que lhes couber, já que não há que se falar em responsabilidade solidária. Neste alamiré, quadra trazer a lição que “caso o testador não nomeie um herdeiro específico para dar cumprimento ao legado, todos os herdeiros serão responsáveis pelo seu cumprimento”[5]. Colhe-se em sentido similar ao entendimento esposado o seguinte precedente jurisprudencial:
Ementa: Agravo de Instrumento. Inventário. Bens Exclusivamente Legados. Dívidas do Espólio. Os legatários não respondem por dividas do espolio, salvo se o legado absorver a totalidade da herança, como ocorreu no caso concreto. Embora o legado destinado à agravante seja um bem determinado, em sendo todos os herdeiros legatários, todos devem arcar igualitariamente com as despesas inerentes ao legado, na proporção de seu benefício. Agravo desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70023951460/ Relator Desembargador José S. Trindade/ Julgado em 04.07.2008) 
Em ocorrendo a hipótese do testador ter incumbido mais de um herdeiro, ou legatário, de dar cumprimento aos legados, deverão os onerados dividir entre si o ônus, observando a proporcionalidade da herança que receberem. Nesta situação, é admitido ao legatário exigir o cumprimento do legado apenas aos que forem instituídos pelo legante. 
Há que se pontuar que tal nomeação deve ser feita de maneira expressa pelo testador. “A prestação do legado ou a sua execução poderá ser atribuída pelo testador a todos os coerdeiros conjuntamente, devendo cada qual satisfazer o legado na proporção da quota que lhe couber […] ou a qualquer deles”[6], desde que expressamente indicados pelo de cujus. Prima evidenciar que no legado qualquer pessoa que suceda a título universal ao titular da herança poderá ser onerada. No que concerne à instituição de herdeiro não há onerado, já que recebe o patrimônio hereditário em razão de sua condição.
2 Objeto do Legado
Em decorrência da ampla liberdade de testar, conferida pelo Diploma Civilista em vigor, que valora, de modo maciço, o princípio da autonomia da vontade, direcionado, no caso do legado, a capacidade de testar umacoisa singular. Vale salientar que tal objeto deve ser lícito, possível, economicamente apreciável e suscetível de alienação, podendo ser corpóreo (semoventes, móveis e imóveis) ou incorpóreos, presente ou futuro. Ao lado disso, quadra evidenciar que o objeto do legado pode ser determinado, em sua própria individualidade ou somente quanto ao seu gênero, ou ainda determinável.
3 Espécies de Legado quanto ao Objeto
3.1 Legado de Coisa Alheia
 Afigura-se como dogma maciço no Direito Pátrio a premissa que ninguém pode transferir mais direitos do que possui, logo, se o legante contemplar o legatário com um bem alheio, isto é, que não é de propriedade do de cujus, via de regra, tal disposição será considerada ineficaz, não produzindo, deste modo, qualquer efeito jurídico. Aliás, colhe-se como sedimento ao expendido as disposições exaradas no art. 1.912 do Código Civil, a saber: “Art. 1.912. É ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão”[7]. 
 Apresenta-se como exceção à regra colacionada acima, se o bem não pertencia ao testador, quando o testou, mas lhe pertencer no momento da abertura da sucessão. Como é cediço o testamento é descrito como negócio jurídico unilateral, que só se aperfeiçoa após o falecimento do testador, logo, é imperioso que, quando da abertura do testamento, seja verificada a propriedade do bem legado. Consoante assinala Maria Helena Diniz, “essa aquisição ulterior produz efeito retro-operante, convalidando o ato, tornando a válida a liberalidade desde o instante da elaboração da cédula testamentária”[8].
 Outra situação digna de nota, quando o legante/testador determinar ao herdeiro que entregue bem que lhe pertence ao legatário. “É a hipótese de sublegado na qual o beneficiado pela deixa é chamado de sublegatário”[9]. Trata-se de uma disposição modal que impõe ao herdeiro o ônus de adquirir o bem, a fim de entregá-lo ao legatário, sendo, em razão de tal aspecto, válido o legado de coisa alheia, em decorrência de sua licitude. Vale evidenciar que, em razão do princípio da autonomia da vontade das partes, não poderá o herdeiro ser constrangido a entregar o bem que lhe pertence. 
 Em tal hipótese, a liberalidade é acompanhada de um encargo, um ônus incidente sobre o herdeiro. Deste modo, se executado o encargo, o herdeiro receberá a herança; todavia, em sendo o ônus descumprido pela não entrega do bem, tal ato acenará a renúncia à herança. Aliás, a situação ventilada encontra sedimento no artigo 1.913 do Código Civil, o qual dicciona que: “Art. 1.913. Se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado”[10].
 Quadra gizar que o ônus competirá a tão somente o herdeiro nomeado pelo testador para efetuar a entrega do bem, sendo possível que ele cobre, de maneira regressiva, aos demais herdeiros a quota de cada um deles, salvo se o testador fixa disposição em contrário. Diniz assinala, com bastante propriedade, que “em caso de sublegado, cumprir o encargo terá direito ao reembolso do valor do bem legado, pois cada coerdeiro deverá pagar uma quantia em dinheiro, na proporção da quota hereditária, salvo se o testador desobrigá-los de fazer tal reposição”[11].
 A terceira hipótese compreendida no legado de coisa alheia tange à premissa do legado ser coisa genérica, isto é, aquela determinada tão-somente apenas quanto ao seu gênero, qualidade e quantidade, ainda que não mais integre o patrimônio do legante. É clara a redação do artigo 1.915 da Lei Substantiva Civil quando salienta que “Art. 1.915. Se o legado for de coisa que se determine pelo gênero, será o mesmo cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelo testador”[12].
 Trata-se de decorrência do princípio que o gênero não parece, ou seja, genus non perit. Nesta situação, o legado será tido como eficaz, havendo um ônus para o herdeiro, consistente em adquirir o gênero legado. Subsistirá, nesta hipótese, a possibilidade do herdeiro onerado o direito de cobrar dos demais a quantia gasta com a aquisição do gênero, de maneira divisível e não solidária. O testador poderá, entretanto, prever o contrário, isto é, que o direito de regresso não seja exercido pelo herdeiro onerado. O legatário poderá utilizar de meios coercitivos para a execução da obrigação de fazer e para a entrega de coisa em face do herdeiro onerado.
3.2. Legado de Coisa Comum
 Se a coisa objeto do legado pertencer apenas em parte ao legante, ou ao herdeiro ou legatário onerado, o legado só valerá para esta parte, de sorte que a parte que não pertencer ao disponente será o instituto em tela considerado nulo, porquanto incidirá sobre direito de outrem, excetuando a presença de encargo atinente à aquisição. “O mesmo ocorrerá se o testador for condômino da coisa legada, restringindo-se a validade da deixa testamentária somente à parte que realmente pertença ao testador”[13]. 
 Denota-se que vigora o princípio de conservação dos negócios jurídicos, logo, ainda que parcialmente, os efeitos almejados pelo legante serão produzidos. Figura como flâmula a ser observada, a redação do artigo 1.914, com clareza solar, dispõe que “Art. 1.914. Se tão-somente em parte a coisa legada pertencer ao testador, ou, no caso do artigo antecedente, ao herdeiro ou ao legatário, só quanto a essa parte valerá o legado”[14].
 No que concerne às disposições feitas pelo cônjuge consorciado pelo regime da comunhão universal de bens, pode-se assinalar duas situações peculiares. A primeira atina ao fato de em sendo a coisa legada atribuída na partilha atribuída ao consorte sobrevivente, a pedido dele, o legado terá incidido sobre bem alheio, acarretando, em razão disso, a nulidade. Entrementes, se o cônjuge supérstite não apresentar qualquer reclamação, que seja imputada na sua meação, será reputada como válida a disposição testamentária, devendo, destarte, ser cumprida.
3.3 Legado de Coisa Singularizada
 Se porventura o legado recair sobre coisa singularizada, este só terá eficácia se, quando do falecimento, o bem se encontrar entre os bens da herança. Ao lado disso, assinale-se que a coisa singularizada é aquela infungível, que, além de ser especificada quanto à qualidade e a quantidade, é única. Diniz, oportunamente, leciona que “o disponente determina não só o gênero e a espécie, mas também o próprio bem legado, singularizando-o, isto é, separando-o, individualizando-o de todos os outros, mesmo que existam muitos do mesmo gênero ou da mesma espécie”[15].
 Ao lado do expendido, cuida anotar que, quando da abertura da herança, verificar-se que o objeto do legado não mais existir no patrimônio do testador, quer seja em razão de seu perecimento, quer seja em decorrência de sua alienação, ocorrerá a ineficácia. Ao lado do expendido, pode-se trazer à colação o seguinte entendimento jurisprudencial:
Ementa: Legado. Imóvel. Coisa singularizada. Alienação depois de feito o testamento, mas antes da abertura da sucessão. Legado de coisa alheia. Nulidade. Caducidade. Código Civil. Artigo 1.678, 1.682 e 1.708, II. Aplicação. Sub-rogação da coisa legada no preço da alienação. Inocorrência. Código Civil. Artigo 1.677. Aplicação ao caso, por analogia. Inadmissibilidade. É nulo o legado de coisa alheia, considerando-se tal o de imóvel singularizado, que foi alienado, depois de feito o testamento, mas antes da morte do testador, e, que, portanto, já não se encontrava no patrimônio do testador, ao tempo da abertura da sucessão. Caduca o legado se, a qualquer título, a coisa legada foi alienada, antes da abertura da sucessão. Caducando o legado, por ter sido alienada, a qualquer título, a coisa legada não se sub-roga no preço da alienação. Ação declaratória incidental. Declaração da mesma relação jurídica sobre a qual versa a ação originaria. Inadmissibilidade. Código de ProcessoCivil. Artigo 5. e 325. Exegese. Não se admite a propositura de ação declaratória incidental com a finalidade de obter declaração, positiva ou negativa, da existência da mesma relação jurídica sobre a qual versa a ação originaria. Apelação provida. Sentença reformada. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 1998.001.11540/ Relator Desembargador Wilson Marques/ Julgado em 22.02.2000) (destaquei) 
 Tartuce e Simão ponderam que “se o bem não mais estiver no patrimônio do falecido, quando do abertura da sucessão, será ineficaz o legado”[16]. Entretanto, se a coisa legada existir entre os bens do legante em quantidade inferior à disposta, este só incidirá na parte que subsistiu, percebendo o beneficiário a liberalidade minorada, ou seja, apenas o que existir, quando da abertura da sucessão. 
3.4 Legado de Coisa Localizada
 Outra espécie de legado, no que concerne ao objeto, é o de coisa localizada, ocorrente quando, ao invés do legante indicar o bem, menciona, em sua cédula testamentária, o lugar no qual os bens se encontram. “O legado de coisa que deva encontrar-se em determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título transitório”[17]. Trata-se de objeto que deve se encontrar habitualmente e de forma permanente no local nomeado pelo legante, pois assim exige a natureza delas ou mesmo em razão do uso comum ou do testador, em específico. Vale anotar que os bens que, acidentalmente, foram encontrados no local designado pelo legante, não poderão ser incluído no legado em comento. Orozimbo Nonato, ao se manifestar acerca da matéria em comento, obtempera, com bastante propriedade, que
[…] assim como não se deve abranger no legado coisa que casual ou acidentalmente se encontra no lugar indicado, assim se há de nele compreender a coisa que destinada a ser guardar no referido lugar, em outro se encontre ao tempo da abertura da sucessão por um motivo acidental qualquer […][18] 
 Se, porventura, os bens legados tenham sido removidos pelo testador, compreende-se que a deixa se tornou ineficaz, em razão da vontade do de cujus. A regra constante do artigo 1.917 do Código Civil[19], que versa acerca da modalidade em comento, alberga uma exceção, quando os bens não forem removidos em aspecto definitivo, apenas transitoriamente, nesta situação, a deixa surtirá seus efeitos. É fato que, em verificado que a deixa foi removida do lugar indicado por terceiros, o legado produzirá seus efeitos, sendo eficaz, podendo o legatário, na condição de novo proprietário reivindicá-lo daquele que injustamente o possua. 
3.5 Legado de Crédito
 Conquanto o crédito tenha sua essência imaterial, poderá ser ele objeto de legado, sendo denominado de legatum nominis, porquanto é dotado de valor econômico. “O legado de crédito tem por objeto um título de crédito do qual é devedor terceira pessoa, que é transferido pelo testador ao legatário, e que, entretanto, somente valerá até a concorrente quantia do crédito ao tempo da abertura da sucessão”[20]. Em consonância com o expendido, pode-se observar que o Ordenamento Pátrio compreende a possibilidade do de cujus constituir um legado do crédito que tem a receber. 
 Insta assinalar que o legado de crédito se distingue da cessão crédito em razão do ideário do primeiro ser oriundo de um negócio mortis causa, ao passo que esse é advindo de uma relação inter vivos. Quadra emoldurar que se parte do crédito do de cujus foi pago quando do passamento, o legatário terá direito sobre a quantia remanescente. Isto é, o crédito a que o beneficiado deterá será aquele quando da abertura da sucessão.
 Ao lado disso, cuida anotar que, em tal modalidade de legado, o legatário terá direito apenas aos juros vencidos desde a morte do testador, ressalvada a possibilidade do testamento conter disposição em sentido contrário. Nesta trilha, “sendo legado o crédito, estarão abrangidos todos os seus acessórios, tais como juros, multa e garantias, incidindo a regra pela qual o acessório segue o principal”[21]. Prima evidenciar que se o crédito estiver representado por um título executivo, como nota promissória ou cheque, deverá o herdeiro entregá-lo ao legatário, como modo de cumprimento da deixa contida na cédula testamentária. Assim, em sendo entregue o título, o legatário efetuará a cobrança do crédito que recebeu, quer seja amigavelmente, quer seja por meio do Judiciário.
3.6 Legado de Quitação de Dívida
 Uma outra espécie de legado, no que concerne ao objeto, é o de quitação de dívida (legatum liberationis), sendo observável quando o testador, na condição de credor do legatário, em disposição na cédula testamentária, dá-lhe quitação. “Opera-se como se o testador recebesse pagamento”[22]. É uma das espécies de remissão de dívida. Entrementes, se restar configurado que, quando da morte do testador, a dívida fora paga parcialmente, a quitação constante do legado em comento incidirá tão apenas na quantia remanescente. “Nessa hipótese, caso o credor (testador) tenha em seu poder notas promissórias representativas de sua dívida, o herdeiro deverá entregá-las ao devedor, na qualidade de legatário beneficiado”[23].
 Em ocorrendo a hipótese do herdeiro se negar a quitar a dívida, o legatário, este poderá lançar mão de mecanismo idôneo, qual seja: uma declaração judicial que expressamente dê conta do legatário nada mais dever em razão de disposição de última vontade, contida em cédula testamentária. Vale assinalar que o legado de quitação de crédito não tem caráter de liberalidade, apesar de equivaler à assunção do débito, de maneira que a condição de pagar a dívida do legante só valerá como encargo ou ainda condição de outra disposição. Assim, se for inclusa em disposição autônoma, não há que se falar em materialização do instituto do legado.
 Doutro giro, o legado de posição contratual por testamento tem assento na situação quando a substituição da parte no contrato não depender da anuência de outro contratante. Contudo, em subsistindo a necessidade de aquiescência de terceiro, este será considerado como um estranho com relação às disposições testamentárias, não tendo, em decorrência disso, o legado eficácia.
3.7 Legado de Alimentos
 Em ressonância com a Lei Substantiva Civil, poderá o legante instituir em favor do legatário o denominado legado de alimentos, isto é, valores considerados como indispensáveis à subsistência do legatário. Nesta senda de exposição, cuida trazer à colação o entendimento estruturado por Diniz, no qual “o legado de alimentos abrange o indispensável à vida: alimentação, vestuário, medicamentos, habitação, e, se o legatário for menor, educação”[24], devendo a quantia ser arbitrada pelo Juízo, atentando-se para as forças da herança, as necessidades do alimentário e a circunstância de estar o alimentário na dependência do legante, quando em vida. 
 Há que se anotar que o legado de alimentos, quando da disposição da cédula testamentária, não deverá, por imperioso, ser afixado em valores pecuniários, já que, por vezes, tais numerários não revelam a verdadeira necessidade do legatário. Tartuce e Simão sustentam que os valores, a título de alimentos, não pode ser representado pela fixação de montante em quantia pelo testador, devendo este tratar, de modo expresso, do legado para fins alimentares[25]. Salta aos olhos que a dívida oriunda do legado em testilha atina a um valor e não dinheiro. Neste sentido, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais, que coadunam com a ótica esposada:
Ementa: Legado de Alimentos - Disposição testamentária que beneficia herdeira - Valores provenientes de renda de imóvel locado, pertencente ao espólio - Decisão agravada que, em inventário, determina o levantamento das quantias depositadas em juízo em favor da legatária, bem como ordena à inquilina que faça o pagamento da quantia correspondente ao legado dealimentos diretamente à beneficiária da quantia – Correção - Disposição testamentária plena e eficaz - Legado de alimentos devidos desde a morte da testadora (artigo 1926 CC/2002) - Decisão mantida - Recurso desprovido, na parte conhecida. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Primeira Câmara de Direito Privado/ Agravo de Instrumento Nº. 994.09.272937-0/ Relator Desembargador De Santi Ribeiro/ Julgado em 16.03.2010) (destaquei)
Ementa: Legado. Cumprimento. Alimentos. Fixação. A disposição deve ser interpretada em atenção à vontade da testadora, buscando-se sempre atender o desejo de sua volição. Assim, quando determina que a beneficiária tenha casa, sustento, vestuário e saúde, indubitavelmente indicou um legado de alimentos, que são periódicos por natureza, devendo persistir enquanto viva a pessoa indicada e ser cumprido com as forças apreciáveis da herança. Apelações Desprovidas. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70009068198/ Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis/ Julgado em 03.11.2004) (destaquei) 
 Ao lado disso, quadra salientar que os alimentos, segundo entendimento de Diniz, “poderão ser legados in natura, determinando o autor da herança que se forneça ao legatário hospedagem, ou que lhe sejam entregues gêneros necessários à sua subsistência, ou em dinheiro, cuja prestação deverá ser realizada em determinados períodos”[26]. Igualmente, poderá o legante estabelecer que o beneficiado seja educado em determinada escola ou, ainda, tratamento médico em hospital por ele especificado. Cogente se faz arrazoar que, em não havendo valor fixado pelo testador, competirá ao Juízo fixá-lo, observando as necessidades do beneficiado, como também as forças da herança, já que será ela quem suportará o encargo testado pelo legante.
 Vale salientar que o testador poderá, expressamente, colocar como termo final para o percebimento do legado de alimento o óbito do alimentário. Ademais, prima gizar que, em decorrência da natureza do legado de alimento, este possui como aspectos característicos inalienabilidade e a impenhorabilidade, vindo a ser extinguir tão apenas com o falecimento do alimentário. Nesta esteira, cuida expor que há entendimento que o legante poderá estabelecer prazo determinado, quando legar alimentos. Aliás, coadunando com a ótica expendida, no que concerne ao exaurimento das prestações apenas com o óbito do legatário, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já manifestou que:
Ementa: Testamento. Legado de Alimentos. Honorários Advocatícios. 1.Interpretação de Testamentos que conduz a conclusão de que a vontade dos testadores foi no sentido de a legatária de alimentos recebê-los vitaliciamente e não somente enquanto residissem eles em um determinado imóvel. Art.1687 do Código Civil. Inexistência de Legado de Coisa Alheia, pois o Legado Alimentar é dentro e limitado pelas forças da herança. 2.Se condenatória a sentença, incide o Art.20, pár.3, do Código de Processo Civil, e não o pár.4 do mesmo artigo. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 597046481/Relator Desembargador Sérgio Gischkow Pereira/ Julgado em 28.05.1997) (destaquei)
3.8 Legado de Usufruto
 Em uma primeira plana, cuida anotar que usufruto é o direito real conferido a determinada pessoa de retirar, em caráter temporário, de coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz, sem alterar-lhe a substância. Assim, constata-se que o usufruto não se configura como espécie de limitação ao direito de propriedade, mas sim à posse direta, que é concedida a outrem, que poderá desfrutar do bem alheio, dele retirando os frutos e utilidades. Vale assinalar que, em se tratando de usufruto, o proprietário da coisa perde o jus utendi e jus fruendi, que são poderes intrínsecos ao domínio. Todavia, prima gizar que o proprietário não perde a substância, o conteúdo de seu direito de direito, que lhe fica na nua propriedade.
 O legado de usufruto admite duas espécies distintas, uma a termo e a outra a condição. Se porventura a cédula testamentária for silente, considera-se como vitalício o legado de usufruto[27]. “Se o legado de usufruto for em favor de pessoa jurídica, estará limitado ao prazo máximo de 30 anos, por aplicação analógica ao que dispõe o art. 1.410, III, do CC”[28]-[29]. Ao lado disso, há que se registrar que somente aquele que detiver a propriedade poderá instituir legado de usufruto, logo, ao usufrutuário é defeso legar o seu direito de usufruto, porquanto com o seu falecimento extingui-se, também, o usufruto. Deste modo, ao fazer tal ato, estaria o usufrutuário dispondo sobre direito de terceira pessoa, ou seja, do nu-proprietário que terá a propriedade consolidada.
 No mais, cuida expor que não poderá o legante dispor de legado de usufruto sucessivo, isto é, estabelecer o usufruto para determinada pessoa e, após o falecimento desta, para outrem. Todavia, óbice não existe para que o testador estabeleça legado usufruto simultâneo, ou seja, aquele que institui, ao mesmo tempo, dois ou mais usufrutuários, conquanto seu exercício possa ser realizado de forma progressiva. 
3.9 Legado de Imóvel
 Ab initio, o legado de bem imóvel está adstrito ao bem indicado na cédula testamentária, não se permitindo a ampliação por interpretação, mas tão somente por expressa declaração do legante. Deste modo, “se determinada pessoa legar um imóvel, coisa certa, e depois adquirir novos imóveis, mesmo que contíguos, o legado não compreende as novas aquisições”[30]. Tais ensinamentos são colhidos, inclusive, da redação do artigo 1.922 da Lei Substantiva Civil que, de maneira expressa, lança à tona as seguintes ponderações: “Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa declaração em contrário do testador”[31].
 Entretanto, se o testador, após ter legado um terreno fechado, aumenta-lhe o recinto, realizando nas áreas novas construções ou mesmo edificações, a sua intenção é compreender no instituto em comento tudo quanto se acha na área limitada. Deste modo, esse aumento não é encarado como uma nova aquisição. Ao lado disso, valorando o princípio que o acessório segue o principal, pode-se anotar que as benfeitorias necessárias, voluptuárias e úteis no bem legado, estas pertencerão ao legatário.
4 Espécies de Legado quanto à Modalidade 
 No que concerne às modalidades sob que se apresenta o instituto em comento, o legado poder ser, como o testamento, puro e simples, quando produz seus efeitos independentemente de qualquer fato, apesar de o beneficiado, proprietário da coisa certa, existente no acervo, e dos respectivos frutos, desde a abertura da sucessão, não entrar na posse direta do bem legado, por autoridade própria, sendo necessário que peça ao herdeiro. Vale assinalar que tal modalidade comporta como exceção quando o testador, de maneira expressa ou ainda de forma tácita, lhe facultar.
 Será condicional o legado quando seu efeito estiver atrelado a evento futuro e incerto, desde que não seja captatório, situação em que o legado será considerado nulo. De outra banda, o legado a termo tem sua eficácia limitada pelo tempo, isto é, a um evento futuro e certo, aperfeiçoando-se ou extinguindo-se com o advento do prazo estatuído pelo legante. O legado de subcausa ou por certa causa será considerado assim se houver motivo referente ao passado, que deu azo à instituição por parte do legante. É a modalidade de legado, em que no ato de última vontade, o legante declara o motivo de tal liberalidade, motivando-o.
 Por derradeiro, o legado será modal se o legante gravá-lo com encargo ou obrigação, caso em que aceitação acena anuência ao ônus que acompanha a liberalidade, “hipótese em que o legatário será obrigado a prestar caução muciana, se assim o exigirem os interessados no adimplementodo modo. Ao legatário, nos legados com encargo, aplica-se o disposto no art. 533 do Código Civil”[32]. Deste modo, será o legatário obrigado a cumprir o encargo existente, se for a benefício do legante, de terceiro ou de interesse geral. Ao lado disso, cuida anotar que se o encargo não for cumprido pelo legante, a liberalidade será passível de revogação, desde que seja caracterizada a mora.
5 Os Efeitos do Legado
 O primeiro efeito oriundo do legado cinge-se à transmissão da posse e propriedade do bem legado. Com a abertura da sucessão, em decorrência do passamento do de cujus, em atenção ao princípio da saisine, passa o legatário a ser, de maneira imediata, proprietário do bem testado. Excetua-se a tal disposição, quando o bem é legado em condição suspensiva, pois, a exemplo dos demais negócios celebrados em condição suspensiva, não há direito adquirido, ao reverso, trata-se de direito eventual, já que os efeitos estão subordinados a um evento futuro e incerto.
 Em decorrência imediata da transmissão da propriedade, todos os frutos produzidos pelo bem legado, após o óbito do testador, passam a pertencer ao legatário, porquanto se revelam como bens acessórios. Com efeito, “certo é que se o legado for a termo ou sob condição, antes do advento destes os frutos não pertencem ao legatário”[33]. É permitido que o testador estipule um termo inicial para que o legatário passe a receber os frutos. Ao lado disso, mister se faz frisar que, em razão do proprietário assumir, em decorrência da abertura da sucessão, a qualidade de proprietário, a posse exercida será apenas a indireta, permanecendo com o herdeiro a posse direta, até que este o entregue ou até a realização da partilha. Diniz aduz que “enquanto não se julgar a partilha, o legatário não se investe na posse, porque só depois de verificadas as forças da herança, mediante inventário, é que se deve fazer a entrega da coisa legada”[34].
 Outro efeito digno de nota, o legatário detém o direito de pedir o legado, vez que é defeso àquele entrar, por autoridade própria, na posse da coisa legada, ressalvada a hipótese de expressamente ou de maneira tácita, o testador permitir. O Ordenamento Pátrio autoriza tal direito, em decorrência da transferência não se materializar ope legis, devendo pedir aos herdeiros instituídos o que couber, posto que o legado de coisa acervo, existente no acervo hereditário, é de seu pertencimento. “O direito de pedir deverá ser formulado ao testamenteiro ou inventariante (se um deles estiver na posse do bem), a certos herdeiros (se o testador assim determinar) ou a todos os herdeiros conjuntamente”[35].
 Anote-se, por imperioso, que o direito de pedir exposto acima é transmissível aos herdeiros do legatário, se este vier a óbito após a abertura da sucessão. Todavia, se o legatário falecer antes do testador nenhum direito será transmitido a seus herdeiros. “Assim, como se vê, o domínio do bem pode-se transmitir ao legatário ipso iure, desde que o legado seja puro e simples, e infungível a coisa legada, mas não a posse, na qual só será investido quando receber o bem legado”[36]. Ora, há uma propriedade sem posse. 
 Ademais, em consonância com o artigo 1.924 do Código Civil, o direito de pedir do legatário ficará suspenso se ocorrente uma das seguintes hipóteses: (i) quando o legado for sob condição suspensiva, até que se possa verificar a condição; (ii) quando o legado for a termo, até que este seja verificado; e, (iii) quando pender litígio sobre a validade do testamento, fazendo-se imperioso aguardar o desfecho do procedimento em que se discute tal matéria, não sendo aplicável, em contrapartida, se a discussão recair apenas sobre determinada cláusula, que não tem o condão de contaminar as demais. No mais, deverá o legatário deduzir o pedido nos autos de inventário dos bens deixados pelo de cujus. 
 Ainda no que concerne aos efeitos, o legatário terá direito à renda ou às prestações ou pensões, temporárias ou vitalícias, que uma pessoa (herdeiro nomeado pelo testador) deverá pagar à outra (o legatário), após o falecimento do legante, em frutos ou dinheiro. O Diploma Civilista confere ao testador liberdade para estipular a época em que se iniciará a renda, porém se quedar silente, subsiste como presunção que começará a fluir da data do óbito do disponente. Em havendo a demora por parte do legatário, terá o direito de receber a pensão vencida, desde o passamento do legante, salvo se não houver operado a prescrição da pretensão de vindicar tal direito.
 O legatário terá, como efeito do instituto em tela, o direito à escolha do legado, eis que será reputado como nulo aquele que versa sobre coisa indeterminada no gênero ou na espécie. Deste modo, poderá o legante conferir ao herdeiro, ao legatário ou ainda a terceira pessoa a possibilidade de escolha do bem, quando, determinado pelo gênero ou pela espécie, existirem diversos no acervo hereditário. Afigura-se como regra a ser observada no tocante ao efeito em epígrafe, a escolha pertencerá ao herdeiro não somente quando o testamento silenciar, mas também como em situações de legado alternativo, em que lhe compete optar entre duas ou mais coisas de espécies distintas, restando ressalvada disposição em sentido contrário pelo legante. Se vier a perecer parte de uma das coisas legadas, por óbvio, subsistirá o instituto em tela em relação ao remanescente. Em ocorrendo o perecimento de todas, ter-se-á a ineficácia do legado.
 Outra regra existente, no que pertine ao direito à escolha do legado, junges-se à concepção que, em competindo ao herdeiro ou for deixado ao alvitre de terceira pessoa, a escolha deverá ser pautada pelo gênero, atentando-se, contudo, para o meio-termo entre os congêneres da melhor e da pior qualidade. A entrega ao legatário deverá ser orientada pela coisa de valor médio, não subsistindo como imposição a entrega do melhor, sendo-lhe, entretanto, defeso a entrega do pior. Em não podendo o terceiro fazer a escolha, incumbirá ao juiz do inventário, observando, com efeito, para as mesmas cautelas. 
 Em havendo a opção deixada ao legatário, vigorará, como regra, a possibilidade de escolher, do gênero determinado na cédula testamentária, a melhor coisa que houver na herança; em havendo uma única coisa, esta será devida tão somente ao legatário não podendo exigir outra. Ocorrendo o falecimento do herdeiro ou do legatário, a quem couber o direito à escolha, esse poder passará aos seus herdeiros, já que é um direito que integralizou o patrimônio quer seja do primeiro, quer seja do segundo.
 Outro efeito a ser abordado, aos riscos e às despesas com a entrega do legado, que correrão por conta do legatário, exceto se o legante dispôs em contrário, de maneira expressa[37]. Em operada a entrega da coisa legada, o legatário assumirá todos os riscos advindos de força maior ou caso fortuito, logo, em havendo a deterioração, arcará ele com todas as consequências, ressalvadas as situações de mora ou de culpa da pessoa obrigada à entrega. Outrossim, caberá o legatário o pagamento do imposto de transmissão causa mortis, que não é por conta da força da herança, exceto se o legante dispuser em sentido contrário. “Isso porque, com a morte do testador, o legatário se tornou dono do objeto legado, recebendo os seus frutos e arcando com os seus custos”[38].
 Apresenta-se, ainda, como efeito, à entrega da coisa legada, devendo o legatário recebê-la com todos os seus acessórios, incluindo-se os encargos porventura existentes, como é o caso dos direitos reais incidentes. Ao lado do expendido, por derradeiro, o legatário terá direito à aceitação ou à renúncia do legado, já que adquire o legado sem aceitação. Entrementes, se o legatário vier a óbito após o de cujus, mas antes de pronunciar sua aceitação, aos herdeiros daquele será transmitido tal direito, já que o legatário não está obrigado a recebê-lo. De igual maneira, poderá o legatário renunciar a liberalidade,em razão de tal ato não figurar como algo vantajoso, como é o caso, por exemplo, da presença de diversos encargos sobre a coisa. Se for notificado, quando ao direito de pedir o legado, e transcorrer in albis tal prazo, presumir-se-á a recusa. Em feita a renúncia, está será irrevogável, admitindo-se retratação nas hipóteses de erro ou dolo. Ao lado disso, a renúncia deverá ser feita de modo total, não recaindo tão somente sobre parte da coisa legada. Se, porventura, o legatário aceitar a coisa e, posteriormente, recusá-la, ocorrerá a cessão, beneficiando aquele a quem o objeto vier a enriquecer.
6 A Caducidade do Legado
 Em um comentário introdutório, quadra pontuar que o vocábulo caducar estar atrelado ao sentido decair, ou seja, perder a força e a eficácia. “Caducidade, em outro sentido técnico, é sinônimo de decadência, instituto ligado à perda de um direito pelo decurso […] Distingue-se, portanto, da revogação porque esta é ato de última vontade, assim como da nulidade, que apresenta princípios específicos”[39]. As hipóteses albergadas pela redação do artigo 1.939 do Código Civil[40] concernem a situações em que o legado perderá sua força, deixando de produzir os efeitos nele constantes, desaparecendo como deixa testamentária. 
 Vale anotar que o desaparecimento alhures mencionado compreende tanto situações anteriores ou mesmo posteriores à elaboração da cédula testamentária. Ao lado disso, quadra salientar que a caducidade dos legados pode ser adstrita tanto à coisa legada como ao legatário. Logo, infere-se que há questões de ordem objetiva, quando relativa à primeira hipótese, e subjetivo, quando referente à segunda possibilidade. Caducidade não pode ser confundida com a nulidade, já que no primeiro caso existe apenas a perda do vigor da disposição contida no instituto em comento, que, por óbvio, não pode ter eficácia. De outra banda, na segunda hipótese, qual seja: a nulidade, existe um defeito legal que inquina a cláusula de invalidade, de plano. Tal situação, sublinhe-se, torna ineficaz a deixa testamentária.
 Ademais, quando se observar que inexiste o objeto ou o sujeito de direito, no caso em apreço o objeto legado e o legatário, desaparece a razão de ser da relação jurídica. “Um legado sob a condição suspensiva, uma vez frustrado o implemento da condição, está caduco, não mais poderá ser atribuído. Da mesma forma, num legado a termo, o legatário não é titular da coisa, enquanto não ocorrer o advento do termo”[41]. Além disso, se o legatário vier a falecer antes do termo, opera-se, outrossim, a caducidade do instituto.
6.1 Hipóteses de Caducidade do Legado: Modificação da Coisa Legada
 Ao examinar as hipóteses compreendidas na redação do artigo 1.939 do Estatuto Civilista vigente, infere-se que o inciso I traz à tona a possibilidade de, após a constituição da cédula testamentária, o testador modificar a coisa legada, de modo de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía. Segundo Diniz[42], tal atitude demonstra, de modo inequívoco, o intuito em cancelar a liberalidade feita em momento anterior. 
 Verifica-se que a legislação em vigor valora a intenção do testador, ao alterar, de maneira substancial, a deixa testamentária, alterando até mesmo a a nomenclatura a ela dispensada. Ao lado disso, se a modificação se materializar por caso fortuito, ou por terceiro à revelia do testador, podendo ser identificada a coisa, o legado ainda será tido como eficaz. De igual maneira, considera-se eficaz o legado quando o testador introduz, na coisa, melhoramentos ou benfeitorias. Anote-se, por mais uma vez, que o dispositivo em destaque privilegia a manifestação de vontade do testador.
 Além disso, insta evidenciar que há situações em que o legado pode, de forma parcial, chegar ao legatário instituído, em razão de, quando da morte do legante, não mais ser proprietário da coisa legada. Em configurada a situação de que o legado de coisas designadas pelo gênero ou espécie, faz caducar a deixa testamentária se transformação se deu quando estavam na posse do legante. Quadra frisar que obrigação genérica não é passível de caducar, no que se refere ao instituto do legado.
6.2 Hipóteses de Caducidade do Legado: Alienação da Coisa Legada
 Considera-se que restou caducado o legado na situação, segundo o inciso II do dispositivo mencionado algures, quando o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada. Em tal situação, haverá a caducidade até onde a coisa deixou de pertencer ao legante. Ora, vale salientar que o vocábulo coisa, no Direito Pátrio, é empregado de forma genérica, aludindo a qualquer bem passível de transmissão, material ou imaterial. Vigora, no hipótese vertida, a presunção que se o testador alienou a coisa, não desejou que o legado se aperfeiçoasse. “Se, em vida, o testador alienou a coisa e esta não é mais do proprietário, clara está a sua intenção de retirar os efeitos do legado, razão pela qual há caducidade”[43]
 Na situação de promessa de compra e venda, tem-se que restou, de igual forma, atingido pela caducidade o legado, já que o Ordenamento Jurídico em vigor considera tal ato como verdadeira alienação. Ao lado disso, em havendo a venda da coisa pelo testador a outrem e, posteriormente, a compra da coisa, não mais prospera a liberalidade feita. Todavia, se alienação for dada como nula, persistirá o legado, desde que a anulação afete, de modo direto, a vontade do testador em que tornar sem efeito a liberalidade. 
 O mesmo não ocorrerá se houve manifestação volitiva do testador em alienar o bem e a anulação decorreu de outra causa, estando, por conseguinte, esvaziado o legado. Diniz leciona que “se a alienação for compulsória, como na hipótese de desapropriação, não acarreta a caducidade do legado […] pela intenção de revogar a liberalidade”[44]. Tal fato se dá, grife-se, em razão de inexistir, in casu, a manifestação de vontade do testador, já que a alienação compulsória suprime a exteriorização do elemento volitivo.
6.3 Hipóteses de Caducidade do Legado: Perecimento ou Evicção da Coisa Legada
 In primo loco, o inciso III do artigo 1.939 do Código Civil abarca a situação em que a coisa perecer ou for evicta, sem culpa do herdeiro ou legatário, ocorrerá a caducidade do legado. Consiste na aplicação do dogma segundo o qual perecendo o objeto, de igual maneira perece o direito. Na situação ora aventada, deixa de existir legado por ausência do objeto. Se ocorrer sem a culpa do herdeiro, já que, comumente, compete a este a entrega do legado, caducará o instituto em tela. Tais ponderações, inclusive, são extensivas ao legatário, quando a este competir o ato da entrega do legado.
 Ora, por óbvio, se a culpa foi de terceira pessoa pelo perecimento, poderá o legado ingressar com ação de indenização em face daquele, já que houve, de fato, legado. A situação é análoga quando o bem se torna impassível de alienação, ainda que o dispositivo seja silente, neste particular. Cuida expor que o perecimento pode se dar antes ou depois o falecimento do legante, podendo, em ambas as situações, ser aferida a culpa do herdeiro. Em sendo provada a culpa do herdeiro, caberá a ele responder por perdas e danos. “Se a coisa perece após a morte do testador, sem culpa do herdeiro, o legado desaparece quando já na titularidade do legatário”[45].
 Na situação que a coisa perecer por culpa advinda do comportamento do herdeiro, este responderá por perdas e danos. Ao lado disso, gize-se que o herdeiro que se encontra em mora responderá pelos efeitos de tal retardamento, mesmo que por caso fortuito ou força maior. Revela-se como exceção às disposições trazidas acimas, quando puder o herdeiro demonstrar que a coisa perecia, ainda que entregue a tempo. Persistirá em relação ao remanescente, quando houver o perecimento apenas em referência à parte da coisa, sem prejuízo de perdas e danos.
 A segunda situação prevista no incisoIII do artigo mencionado alhures tange à evicção, hipótese em que o herdeiro arcará com as perdas e danos, caso não tenha defendido devidamente os direitos do testador sobre a coisa na ação movida por outrem ou mesmo não tomou medida legal alguma na apreensão administrativa. Vale assinalar que tais argumentos também são aplicáveis ao inventariante e ao testamenteiro, quando ocorrer inventário. Com efeito, a apuração da culpa dar-se-á diante do caso concreto, atentando-se para as peculiaridades e nuances de cada situação. 
 Em argumentos meramente conceituais, a evicção se materializa pela perda da coisa em razão de decisão judicial e administrativa, que a declara pertencente a terceiro, sendo, em decorrência disso, equiparada a coisa alheia. É indiferente que a evicção tenha se dado antes ou após o falecimento do legante. No que concerne à decisão administrativa, revela-se desnecessário um processo judicial, se a coisa, de fato, não pertencer a quem detinha de maneira ilegítima. Se a situação de evicção for decorrente de atuação do herdeiro ou ainda por terceiro, não há que se falar em caducidade.
6.4 Hipóteses de Caducidade do Legado: Indignidade
 Impera assinalar que o excluído da sucessão em decorrência de indignidade não poderá afigurar como herdeiro ou legatário. Ao lado do expendido, qualquer herdeiro que possua interesse na herança poderá ajuizar ação de exclusão por indignidade, com este escopo. De igual forma, o testamenteiro, a quem compete zelar pela correta aplicação das disposições testamentárias, também poderá lançar mão de tal instituto. Subsiste como presunção o ideário de que se o testador não perdoou o indigno, não desejou que o mesmo sucedesse. “Por óbvio, se excluído da sucessão, perde o legatário a legitimidade para suceder o falecido e não poderá ser beneficiado pelo legado”[46].
6.5 Hipóteses de Caducidade do Legado: Premoriência do Legatário
 Por necessário, há que se reconhecer que não há legado, se o legatário morrer antes (premoriência) do legante, já que não se aperfeiçoou a transmissão causa mortis. Trata-se da situação em que não há legado em razão da inexistência de sujeito. Em ocorrendo tal hipótese, o objeto do legado será devolvido ao monte, ressalvado se houve substituto ou direito de acrescer entre os outros colegatários. Por analogia, tal situação também é aplicável a pessoa jurídica, conquanto não possam morrer, são passíveis de extinção, antes que o testador venha a óbito. Doutro giro, se a pessoa jurídica nomeada pelo legante sofreu fusão, cisão ou incorporação, não será fácil aferir a vontade do testador, podendo esvair a deixa testamentária. 
Referências:
BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010 
GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. Campinas: Russel, 2006.
NONATO, Orozimbo. Estudos sobre sucessão testamentária. Rio de Janeiro: Editora Forense: 1957.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06. 3ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.
VENOSA, Sílvio Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
Notas:
________________________________________
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 321.
[2] GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. Campinas: Russel, 2006, p. 239. 
[3] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06. 3ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010, p. 354. 
[4] DINIZ, 2010, p. 321. 
[5] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 354.
[6] DINIZ, 2010, p. 323. 
[7] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012. 
[8] DINIZ, 2010, p. 325. 
[9] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 355. 
[10] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012. 
[11] DINIZ, 2010, p. 326. 
[12] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012. 
[13] DINIZ, 2010, p. 327. 
[14] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012. 
[15] DINIZ, 2010, p. 328. 
[16] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 358. 
[17] DINIZ, 2010, p. 328. 
[18] NONATO, Orozimbo. Estudos sobre sucessão testamentária. Rio de Janeiro: Editora Forense: 1957, p. 54.
[19] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012: Art. 1.917. O legado de coisa que deva encontrar-se em determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título transitório.
[20] DINIZ, 2010, p. 329. 
[21] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 359. 
[22] VENOSA, Sílvio Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 1.731.
[23] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 359. 
[24] DINIZ, 2010, p. 331. 
[25] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 360: “Não se trata de fixação do legado representado por um pagamento mensal de certa quantia ao legatário. Isso porque, se legada certa quantia mensal, não haverá nenhuma relação entre ela e o valor necessário à subsistência. Deve o testador ser expresso no sentido de tratar de legado com fins alimentares”. 
[26] DINIZ, 2010, p. 331-332. 
[27] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012: “Art. 1.921. O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida”.
[28] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 361. 
[29] Neste sentido: DINIZ, 2010, p. 332: “Se o legatário for pessoa jurídica, não tendo o tesador fixado prazo para o exercício do direito real de fruição sobre coisa alheia, o legado de usufruto se extinguirá com ela, ou no caso de subsistência, aos trintas ano da data em que se o começou a exercer.” 
[30] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 362. 
[31] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012. 
[32] DINIZ, 2010, p. 325. 
[33] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 363. 
[34] DINIZ, 2010, p. 335. 
[35] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 364. 
[36] DINIZ, 2010, p. 336. 
[37] Neste sentido: DINIZ, 2010, p. 341. 
[38] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 369. 
[39] VENOSA, 2010, p. 1.741. 
[40] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 abr. 2012: “Art. 1.939. Caducará o legado: I - se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía; II - se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada; nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador; III - se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento; IV - se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815;V - se o legatário falecer antes do testador”.
[41] VENOSA, 2010, p. 1.741. 
[42] DINIZ, 2010, p. 344. 
[43] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 370. 
[44] DINIZ, 2010, p. 344. 
[45] VENOSA, 2010, p. 1.743. 
[46] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 371.

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