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MArx lenin kautsky e chayanov

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Proletário ou Camponês? Uma discussão da natureza social do 
pequeno produtor agrícola inserido no agronegócio brasileiro. 
 
Ronaldo dos Santos Silva1 
 
 
Os indícios de que o mundo do século XXI 
será melhor não são insignificantes. Se o 
mundo conseguir não se destruir (...) a 
probabilidade será bastante forte. 
 
Eric Hobsbawm (2002) 
 
 
 
Resumo 
Discuti-se neste artigo a natureza de classe dos pequenos agricultores, 
familiares ou não, que produzem para as tradings do agronegócio brasileiro. 
Esta discussão, colocada desde princípios do século XX resulta da 
interpretação das modificações produzidas na estrutura de classes no campo, 
a partir da penetração capitalista. Trabalha-se com a hipótese de que essas 
mudanças foram profundas mas não eliminaram a classe camponesa, 
caracterizada pela autoexploração do trabalho. A partir de uma revisão 
conceitual em autores clássicos como Marx, Lenin, Kautsky e Chayanov, 
avaliou-se a situação concreta de um pequeno produtor do município de 
Cristalina e concluiu-se, com base nos autores clássicos, que esse produtor 
pode ser definido como pertencente à classe camponesa, ressalvado que o 
conceito de camponês aqui considerado não é o conceito clássico, ligado ao 
sistema feudal de produção, mas uma nova formação social, parte do modo de 
produção capitalista tal como ele se expressou no campo brasileiro. 
 
Palavras-Chave: Campesinato, proletariado, agronegócio, Marx, Lenin, 
Kautsky, Chayanov 
 
 
Introdução 
 
Travou-se, durante todo o século XX, um intenso debate sobre o futuro 
da classe de pequenos produtores rurais dentro do modo de produção 
capitalista. Tal debate tinha por base a concepção marxista que colocava o 
campesinato como “uma imensa massa (...) incapazes de fazer valer seu 
interesse de classe em seu próprio nome” (MARX, 1988, p. 115), e que, 
portanto, teria seu destino traçado pela dinâmica capitalista, que tendia a 
 
1
 Bacharel em Ciências Contábeis, Especialista em Controladoria, Mestrando do Programa de Pós 
Graduação em Agronegócios – PROPAGA da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da 
Universidade de Brasília - UnB 
Hacker
Realce
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 2 
eliminar todos os resquícios dos modos de produção que lhe haviam 
antecedido (MARX, 1991). 
Essa não era uma polêmica meramente acadêmica. Ela teve reflexos 
práticos muito profundos na forma de atuar dos militantes políticos do século 
XX. Talvez o maior desses reflexos tenha sido a famosa oposição de diversos 
segmentos marxistas à bandeira da reforma agrária, ou ao menos sua 
subestimação, dada a priorização do programa sindical para o campo (PRADO 
JUNIOR, 1999), visto a tendência ao desaparecimento do campesinato. 
Neste início de século XXI esse debate segue vivo e atual. Apesar dos 
prognósticos de Marx. Lênin e outros tantos, um tipo de propriedade rural não 
empresarial e um tipo de trabalhador rural aparentemente não-proletário 
sobrevivem em todo o mundo, suscitando dúvidas entre os militantes políticos 
e os pesquisadores. 
No Brasil estima-se em quase cinco milhões o número de famílias 
identificadas com a agricultura familiar (DEL GROSSI, 2006). Muitas delas 
produzindo comodities para as grandes tradings do capitalismo moderno. 
Para entender esse setor e como ele se integra no moderno sistema de 
produção capitalista este artigo fará, à luz da teoria, um estudo de caso sobre 
um pequeno produtor rural do município de Cristalina (GO), verificando suas 
condições de produção e sobrevivência, avaliando se esse caso pode ser 
generalizado para todo o segmento. 
A hipótese que guia este trabalho é que as transformações ocorridas no 
campo brasileiro, a partir da penetração do capitalismo, provocaram profundas 
modificações na estrutura das classes rurais, mas não eliminaram por 
completo a classe camponesa, sendo possível encontrar produtores que, 
mesmo dentro de conceitos clássicos, enquadram-se nessa conceituação. 
 
 
Revisão Conceitual 
 
O dicionário de economia, preparado pelo professor Paulo Sandroni, 
com a colaboração de Jacob Gorender e outros, assim define campesinato: 
 
O conjunto de grupos sociais de base familiar que, em graus 
diversos de autonomia, se dedica a atividades agrícolas em 
glebas determinadas. Em termos gerais, caracteriza-se por 
produzir baseado no trabalho da família, empregando 
eventualmente mão-de-obra assalariada; possuir a propriedade 
dos meios de trabalho (...) ter autonomia total ou parcial na 
gestão da propriedade; e ser dono de parte ou da totalidade da 
produção. (SANDRONI, 1985, p. 44-45) 
 
 A partir desse conceito passa-se ao levantamento bibliográfico do que 
foi dito por grandes pensadores marxistas dos séculos XIX e XX e por alguns 
de seus opositores, buscando lançar luz sobre o caráter social dos pequenos 
proprietários rurais brasileiros, familiares ou não. 
Hacker
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Produtos
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comércio
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 3 
Para Marx. 
 
Os proprietários de simples força de trabalho, os proprietários 
de capital e os proprietários de terras, cujas respectivas fontes 
de receitas são o salário, o lucro e a renda do solo, ou seja, os 
operários assalariados, os capitalistas e os latifundiários, 
formam as três grandes classes da sociedade moderna, 
baseada no regime capitalista de produção. (MARX, 1988, p. 
99). 
 
Assim se refere Marx, em um de seus textos mais maduros, “O Capital”, 
às classes sociais fundamentais na sociedade capitalista de sua época. Nesse 
texto, como em inúmeros outros, o campesinato é visto como uma 
sobrevivência do modo de produção feudal e, portanto, secundário para o 
estudo em questão, não tendo qualquer papel relevante a cumprir na dinâmica 
do mundo capitalista. 
Em seu artigo “O 18 Brumário” Marx assim analisa a condição de classe 
dos pequenos camponeses franceses: 
 
A grande massa da nação francesa é, assim, formada pela 
simples adição de grandezas homólogas, da mesma maneira 
por que batatas em um saco constituem um saco de batatas. 
Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em 
condições econômicas que as separam umas das outras, e 
opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura 
aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem 
uma classe. Mas, na medida em que existe entre os pequenos 
camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude 
de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, 
ligação nacional alguma nem organização política, nessa exata 
medida não constituem uma classe. (MARX, 1988, P. 115). 
 
Constata-se, portanto, que os critérios utilizados por Marx para definir a 
classe camponesa são: (1) suas condições econômicas diferenciadas do 
restante da população; (2) seu modo de vida; (3) seus interesses e (4) sua 
cultura. Em escritos posteriores Marx irá esclarecer que dentre as condições 
econômicas diferenciadas destaca-se, como definidor de classe, o papel do 
grupo social no processo de produção. 
Ao mesmo tempo, Marx chama a atenção para o fato de que a ausência 
de uma organização política representativa dos interesses de classe do 
campesinato e, entenda-se, a impossibilidade de existência dessa 
representação, dado seu modo de produção isolacionista, impede que esse 
setor se transforme em classe social para si, isto é, em classe capaz de ter um 
projeto político próprio que transforme seus interesses num programa de ação 
e construa um governo e Estado próprios. 
Essa idéia, do caráter politicamente amorfo dos pequenos produtores 
rurais, acompanhou Marx desde seus primeiros escritos. 
Em artigo de meados do século XIX, Marx analisa as classes sociais em 
seu país natal: 
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 4 
 
Por fim, havia a grande classe dos pequenos fazendeiros, dos 
campônios, a qual, com a adição dos lavradores, constituía a 
grande maioria da população nacional (...) Contudo, ao mesmo 
tempo, é evidente e igualmente comprovado pela história de 
todos os países modernos que a população agrícola, devido à 
sua dispersão numa área muito ampla e pela dificuldade de 
elaborar um acordo entre uma boa parte dela, jamais pode 
tentar executar com êxito um movimento por conta própria; 
(MARX, 1988, p. 107-108) 
 
A essa concepção sobre o papel político da classe camponesa, somou-
se, no arcabouço teórico dos marxistas pós-Marx, a correta interpretação 
segundo a qual “A natureza do modo de produção capitalista implica uma 
constante diminuição da população agrícola em relação à população não-
agrícola” (MARX, apud LENIN 1988, p. 15), indicando que, além de não poder 
ser politicamente independente, o campesinato tendia, ademais, a reduzir-se 
drasticamente, talvez até seu completo desaparecimento. 
Dentre os autores marxistas que marcaram o pensamento pós-Marx 
destaca-se, logo no início de século XX, Vladimir Lênin. 
Para Lênin (1988, p. 35) 
 
o processo de decomposição dos pequenos agricultores em 
patrões e operários agrícolas constitui a base sobre a qual se 
forma o mercado interno na produção capitalista. 
 
E, após extensa análise sobre estatísticas da economia russa conclui: 
 
(...) O conjunto de contradições existentes no interior do 
campesinato constitui o que denominamos desintegração do 
campesinato (...) O campesinato antigo não se ‘diferencia’ 
apenas: ele deixa de existir, se destrói, é inteiramente 
substituído por novos tipos de população rural, que constituem 
a base de uma sociedade dominada pela economia mercantil e 
pela produção capitalista. Esses novos tipos são a burguesia 
rural (...) e o proletariado rural – a classe dos produtores de 
mercadorias na agricultura e a classe dos operários agrícolas 
assalariados. (LENIN, 1988, p. 113-114) 
 
Aqui Lênin identifica o início do processo de extinção do campesinato, 
com sua transformação em duas classes que se distinguem pelo seu papel no 
processo produtivo: a classe dos donos dos meios de produção, a burguesia 
rural, e a classe dos despossuidos, que para sobreviver devem vender sua 
força de trabalho à burguesia, o proletariado. 
Aparentemente Lênin esquece-se dos pequenos camponeses que 
sobrevivem a esse processo de desintegração e daqueles que, apesar de 
terem sido expulsos de suas terras, desejam voltar a tê-la. Para Lênin “O 
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 5 
proletariado rural (...) envolve o campesinato pobre, incluído aí o que não 
possui nenhuma terra.”. 
Esse novo ator social do campo russo, que se caracteriza pela venda de 
sua força de trabalho, de forma sistemática ou eventual, e possui metade dos 
estabelecimentos agrícolas é assim caracterizado por Lênin (1988, p.116): 
 
(...) possui estabelecimentos de extensão ínfima, cobrindo 
pedacinhos de terra, e, ademais, em total decadência (cujo 
testemunho patente é a colocação da terra em arrendamento); 
não pode sobreviver sem vender a sua força de trabalho (= 
‘ofícios’ do camponês sem posses); seu nível de vida é 
extremamente baixo (provavelmente inferior ao do operário 
sem terra) 
 
Assim, para Lênin, qualquer camponês que venda, ainda que em tempo 
parcial, sua força de trabalho a outrem, mesmo se conservar suas terras e 
continuar trabalhando nelas no tempo remanescente, é um proletário e não um 
camponês. 
Essa concepção se tornará majoritária no movimento marxista durante 
todo o século XX. Segundo ela, salvo um setor intermediário altamente 
instável, que vive de crise em crise, caminhando para a extinção, o meio rural, 
totalmente integrado à economia capitalista, é formado por apenas duas 
classes sociais: burgueses e proletários. O impacto dessa concepção foi tão 
profundo que um autor como Eric Hobsbawm (2002), já no final do século XX, 
colocou como uma das marcas distintivas do século, a morte do campesinato. 
Dentro do movimento marxista, porém, levantaram-se algumas vozes 
destoantes à corrente leninista, destacando-se Karl Kautsky. 
Para esse teórico polonês: 
 
(...) não devemos pensar que a pequena propriedade territorial 
esteja em vias de desaparecer na sociedade moderna, ou que 
possa ser inteiramente substituída pela grande propriedade. A 
grande propriedade, por mais que rechace os camponeses 
livres, sempre manterá uma parte deles à sua ilharga, uma 
parte que ressuscita como pequenos arrendatários (KAUTSKY, 
1980, p. 178 apud SCHNEIDER, 2003) 
 
Conforme Schneider (2003, p. 105): 
 
Kautsky afirma que o processo de transformação estrutural da 
agricultura sob o capitalismo não elimina, necessariamente, as 
pequenas propriedades desde que elas desenvolvam ‘formas 
de trabalho acessório’ (que podem ou não estar ligadas à 
agricultura) que lhes permitam manter sua reprodução social. 
 
Assim, segundo essa visão, há realmente uma penetração do 
capitalismo no campo, subordinando-o à grande indústria, como mercado 
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 6 
consumidor e como fornecedor de insumos, porém isso não implica no 
aniquilamento da classe camponesa, que sim se pauperiza, mas poderá 
sobreviver com a geração de rendas acessórias que ampliem a renda da terra. 
O que Kautsky percebe é que a penetração do capitalismo no campo é 
capaz de gerar uma combinação de formações sociais muito mais rica do que 
simplesmente burgueses e proletários, pois, mesmo que o novo camponês já 
não seja um camponês feudal, ele ainda é um camponês, porém que exerce 
múltiplas funções e não apenas a de produtor rural. 
Fora da corrente marxista uma visão que teve certa repercussão foi a do 
populista russo Alexander V. Chayanov. 
O centro da teoria de Chayanov está na afirmação de que a unidade de 
produção familiar agrícola rege-se por princípios diferentes da unidade de 
produção capitalista. 
Para Chayanov apud Silva (1981): 
 
Na economia agrícola familiar, a família, equipada com meios 
de produção, emprega sua força de trabalho no cultivo da 
terra, e recebe como resultado de um ano de trabalho certa 
quantidade de bens. Uma simples observação de estrutura 
interna da unidade de trabalho familiar é suficiente para 
compreender que é impossível, sem a categoria salários, impor 
a esta estrutura o lucro líquido, a renda e o juro do capital, 
como categorias econômicas reais, no sentido capitalista da 
palavra. 
 
Portanto, nesse tipo de economia, não é possível distinguir entre renda 
da terra, salário ou remuneração do capital investido, sendo a renda obtida 
pela família um todo indivisível e, portanto, sendo o trabalho desenvolvido pela 
família algo diferente tanto da atividade do capitalista quando da do proletário. 
Conforme observa Abramovay (1998, p.6) 
 
(...) Chayanov elaborou uma teoria do funcionamento das 
unidades produtivas baseadas fundamentalmente no trabalho 
da família. Enquanto a renda dependesse fundamentalmente 
do trabalho familiar haveria um balanço entre a penosidade 
deste trabalho e as necessidades de consumo da família: uma 
vez preenchidas as necessidades, cada unidade adicional de 
trabalho passa a ter, para a família, um valor decrescente. 
 
Assim, estranhamente à lógica do capital, o camponês, ao ser um 
“proprietário que trabalha” (Wanderley, 1989) não está preocupado com o 
entesouramento ou reprodução do “capital”. Ele faz, isto sim, um freqüente 
balanço entre o esforço despendido e a satisfação das necessidades dafamília, condicionando aquele a esta. Sua diferenciação social será dada pelo 
tamanho da família, que determina sua capacidade de exploração da terra. A 
extensão das terras cultivadas, portanto, estará dada, essencialmente, pela 
força de trabalho da família. 
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 7 
O fato de que, para Chayanov, a lógica do camponês diferencie-se da 
lógica de acumulação do capitalista, não faz, segundo o autor, com que o 
camponês seja indiferente aos avanços da técnica, nem que tenda ao 
isolacionismo. Segundo Chayanov apud Wanderley (1989, p. 14): 
 
Mediante o estudo detido da produção camponesa atual, tal 
como é, estudamos principalmente o material a partir do qual, 
em nossa opinião, deverá evoluir historicamente o novo agro 
na próxima década, havendo convertido, por meio de 
cooperativas, uma considerável parte de sua economia em 
formas de produção socialmente organizadas. Deverá ser um 
campo industrializado em todas as esferas do processo 
técnico, mecanizado e eletrificado; um campo que teria 
aproveitado todos os sucessos da ciência e da tecnologia 
agrícola. 
 
Nessa concepção encontramos, inclusive, o germe daquilo que será 
chamado de capital social, aqui entendida a participação nas decisões através 
de organizações próprias, cooperativas, associações e outros grupos. 
(GALVÃO et al, 2005, p. 29) 
Concluindo esta revisão conceitual, a título de síntese, vale ainda a pena 
resgatar os cinco traços característicos das sociedades camponesas, 
elencados por Henri Mendras (1976): 
 
Uma relativa autonomia face à sociedade global; a importância 
estrutural dos grupos domésticos, um sistema econômico de 
autarcia relativa, uma sociedade de interconhecimentos e a 
função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a 
sociedade global (MENDRAS, 1976, apud Wanderley, 1999) 
 
Traços que sinalizam as características fundamentais do modo de 
produção camponês: ser um sistema produtivo diferenciado e ter como objetivo 
a manutenção do patrimônio familiar (Wanderley, 1989, p. 24) 
 
Estudo de Caso 
 
Celso Furtado, em 1957, chamou a atenção para os problemas 
advindos da chamada “tendência à concentração regional de renda” e alertou 
para a necessidade de desenvolverem-se políticas públicas para tentar mitigar 
seus efeitos nocivos sobre a integração da economia nacional, através de um 
processo de “aproveitamento mais racional de recursos e fatores no conjunto 
da economia nacional” (FURTADO, 2007, p. 331-335). 
Apesar da derrota política da corrente representada por Furtado, com a 
instauração do regime militar, em 1964, várias de suas teses encontraram eco 
nos meios empresariais, políticos e acadêmicos e acabaram por influir em 
determinadas políticas do período militar. 
 8 
Uma dessas políticas foi a expansão para oeste da fronteira agrícola 
nacional. Um dos estados afetados por essa política foi Goiás que, a partir de 
fins dos anos de 1970 e durante toda a década de 1980 recebeu forte 
migração vinda do sul do país (GREMAUD, VASCONCELLOS E TONETO 
JUNIOR, 2002, p. 29-47). 
Dentro de Goiás, o município de Cristalina foi um dos que recebeu 
muitos pequenos agricultores familiares, fator que contribuiu decisivamente 
para o desenvolvimento do município. 
Hoje o município de Cristalina (GO) detém o nono PIB agropecuário do 
país, sendo grande produtor de soja e milho, destinados às grandes tradings 
internacionais como a Cargil e a Bunge. 
Segundo dados do Censo Agropecuário 1995/96, do IBGE, disponíveis 
no sitio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o município conta com pelo 
menos 326 propriedades de agricultura familiar, representando praticamente 
50% dos estabelecimentos rurais do município. 
Esses estabelecimentos ocupam aproximadamente 15% da área total 
do município e respondem por 10% da produção rural local. 
Nesta pesquisa foi entrevistado o produtor Edemir Freitag, de 52 anos, 
diretor da Cooperativa Agropecuária do Serrado (COASER) e estudante de 
administração do agronegócio da Faculdade Central de Cristalina. 
A família Freitag, natural de Giruá, Rio Grande do Sul, migrou para 
Cristalina em 1985, adquirindo 125 ha de terras e iniciando o plantio de soja. 
Na época, além do filho Edemir, o pai e um irmão também trabalhavam. Hoje a 
família depende do trabalho apenas do Edemir, pois o pai está muito idoso e o 
outro irmão constituiu família própria. 
Os primeiros anos dos novos produtores de Cristalina foram muito 
difíceis, visto que a terra não era adequada para o tipo de plantio ao qual 
estavam acostumados, determinando uma produtividade muito baixa. Com o 
tempo foram desenvolvidas variedades próprias para a região, com a ajuda 
técnica da Embrapa, e a produtividade melhorou muito. Em alguns anos 
conseguiu-se boa colheita e a renda chegou a superar os custos. Nesse 
período o produtor chegou a adquirir um trator e outros implementos para 
melhorar a produtividade do trabalho da família. 
Contudo, a falta de recursos aliada à instabilidade econômica e política 
dessas décadas, contribuiu fortemente para que boa parte dos produtores 
vindos do Sul quebrasse e perdesse suas terras, após anos de trabalho em 
beneficiamento do solo. Essas terras foram, então, absorvidas por 
propriedades maiores, algumas com dezenas de milhares de hectares. 
Edemir foi um dos pequenos produtores que não conseguiu manter suas 
terras. Face aos baixos preços obtidos em muitas safras, às pragas, à alta dos 
insumos e aos juros bancários, teve de entregar suas terras, em 2000, para 
quitar dívidas, ficando apenas com o trator e alguns outros implementos. 
Desejando continuar na atividade, que já era desenvolvida pela família 
há mais de três gerações, arrendou terras e continuou a plantar soja. 
 9 
Observe-se que esse processo de expropriação de pequenos 
produtores foi generalizado em toda a região e no país, forçando inúmeros 
produtores a voltar para suas regiões de origem ou deslocar-se para outros 
centros urbanos, ou ainda transformar-se em diarista ou assalariado rural. 
Nesses últimos anos Edemir tem arrendado de 200 a 250 há, a cada 
safra, para o plantio de soja, milho e outras culturas, de acordo com os preços 
esperados de mercado. O financiamento da safra é feito através da venda 
antecipada da produção, inclusive uma parte antes do plantio, para insumos e 
sementes. 
O trato da terra, da plantação à semeadura, a aplicação de defensivos 
durante a fase de crescimento e a colheita, são feitos pelo entrevistado com o 
auxilio de um ou dois contratados eventuais, usando os dois tratores que 
possui. 
Dadas as altas taxas de juros da venda antecipada, a produtividade 
apenas mediana das terras e a falta de capital para melhores investimentos, as 
rendas obtidas com as colheitas têm sido insuficientes para garantir a 
manutenção da família e pagar todos os débitos da safra. A opção é 
renegociar as dívidas, empurrando o que for possível para a próxima safra. 
O entrevistado informou ainda que as expectativas de culturas mais 
rentáveis para cada época, formas de combater as pragas, preços passados e 
futuros dos produtos agropecuários e outras tantas informações úteis ele e os 
demais produtores obtém em conversas informais uns com os outros, com 
corretores, vendedores de defensivos, professores e alunos da faculdade e 
técnicos agrícolas da Embrapa e através de jornais, revistas e matérias em 
programas especializados na televisão, além de discussões na cooperativa. 
O caso da família Freitag ilustra bem o processo pelo qual tem passado 
grande número de pequenos agricultores familiares. 
Os que optam por produzir comodities, como a soja, assumem uma 
integração muito maior ao mercado capitalista e uma subordinação muito 
maior. Fazemvenda antecipada da safra e, com isso, quando colhem já não 
são donos da produção. Pela falta de recursos não podem decidir o melhor 
momento de comprar insumos e vender a produção e mesmo o tipo de 
produção que será feita só limitadamente é escolha sua. Nesse sentido sua 
gestão é apenas relativamente independente. Nem por isso, entretanto, seu 
caráter de classe se altera, passando de camponeses a proletários. Não são 
assalariados. 
Após anos dedicados ao preparo da terra e à melhoria da produtividade 
o endividamento bancário e junto às tradings força essas famílias a abrir mão 
de suas posses para quitar dívidas e poder continuar produzindo, agora já em 
terras arrendadas de terceiros. 
Esse mecanismo garante a concentração e a centralização necessárias 
à expansão capitalista no campo e, nessa medida, permite aos grandes 
capitalistas apropriarem-se do trabalho dedicado pelas famílias camponesas, 
ao longo de anos, na melhoria da produtividade da terra, contudo isso, por si 
só, não as transforma em empregados do capital, isto é, proletários. 
 10 
Esses agricultores, expulsos de suas terras, aspiram continuar a 
produzir e, ainda que pensem, eventualmente, em mudar de atividade, em 
geral não o fazem pois a produção agrícola é parte de sua cultura, de seu 
modo de ser. 
Nesse sentido, como ressaltou Marx (1988, p. 115), por suas condições 
econômicas e sociais que “opõem o seu modo de vida, os seus interesses e 
sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem 
uma classe”: a classe camponesa. 
O caso da família Freitag é, ainda, bastante ilustrativo da indivisibilidade 
da renda obtida pela família camponesa, levantada por Chayanov apud Silva 
(1981). Após pagar pelos insumos adquiridos, empréstimos bancários e das 
tradings e pagar a renda da terra ao arrendador, o que sobra não é salário, 
visto que não há um empregador, nem é capital, visto que não será utilizado na 
contratação de trabalhadores para extração da mais-valia e reprodução do 
capital. O que sobra é apenas a renda da família e destina-se ao seu sustento. 
Não é uma renda que encontre expressão no sistema capitalista. Não é juro, 
renda da terra ou salário. Tal fato torna inequívoco que o trabalho que gerou 
essa renda também não pode ser confundido com o trabalho do proletário ou 
com a renda do capitalista. É algo único. É a renda camponesa. 
Observe-se que apesar de contratar um ou dois auxiliares em alguns 
momentos, e pagar-lhes diárias, a renda da produção não se confunde com a 
renda capitalista. As diárias pagas não são salário, no sentido capitalista, não 
servem para gerar mais-valia mas sim para potencializar o trabalho dos 
membros da família, que também participam da produção. 
Outro aspecto relevante é a vinculação do Sr. Edemir com a Coaser, 
seu interesse por uma especialização universitária, o uso de tratores na 
produção, e seu contato com outros produtores, corretores etc, demonstrando 
o interesse em obter acesso ao que há de mas moderno no progresso técnico 
voltado à produção e gestão rural e ter acesso ao capital social necessário 
para enfrentar os desafios da economia capitalista, confirmando as tendências 
apontadas por Chayanov (1989), Schneider (2003) e Galvão (2005). 
Não há, portanto, dúvidas quanto à natureza camponesa da família e de 
sua forma de produção, ainda que perfeitamente integrada à economia 
capitalista, produzindo comodities para grandes tradings internacionais, com 
equipamentos e técnicas relativamente modernas e com financiamento 
capitalista. Sua forma se trabalho, a origem de sua renda, seus interesses, sua 
cultura, tudo a distingue tanto dos capitalistas quanto do proletariado. 
Por outro lado, trata-se de um camponês moderno, que aprecia a 
inovação tecnológica, age coletivamente através de cooperativas, busca 
cultura através de centros universitários e pessoal especializado da área. 
Nesse sentido, também não se confunde com o camponês feudal, 
aproximando-se muito mais ao camponês definido por Chayanov. 
 
 11 
Conclusões 
 
Após uma revisão conceitual sobre o termo camponês, resgatando 
autores clássicos como Marx, Lênin, Kautsky e Chayanov, realizou-se, neste 
trabalho, um estudo de caso com um produtor de soja do município de 
Cristalina (GO). 
Através desse estudo de caso identificaram-se os elementos que 
caracterizam esse produtor familiar como um camponês atingido pelo processo 
de diferencial social descrito por Lenin, sendo alienado de sua terra, mas 
mantendo outros meios de produção. Contudo, por seu modo de vida, sua 
cultura, seus interesses, seu modo de produzir e a natureza de sua renda são 
inegáveis suas características camponesas. 
Ao mesmo tempo, identificou-se o que difere esse camponês moderno 
da concepção clássica de camponês medieval, mostrando que esse novo 
camponês está inserido na economia capitalista, com grau muito menor de 
autonomia, porém com muito maior integração com seus pares, via 
cooperativa e associações e com profundo interesse pela modernização 
tecnológica da produção. 
Este trabalho aponta para a necessidade de um aprofundamento da 
revisão teórica sobre o conceito de camponês e o avanço na discussão de um 
conceito moderno, que incorpore também a dinâmica dessa classe tão 
modificada pelo modo de produção capitalista. 
Novos estudos poderão ser feitos, também, incorporando metodologia 
estatística para refutar e aprofundar os resultados obtidos neste estudo de 
caso. 
 
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