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Q Obras uartier Latin www. quartierlatin. art .br Noções Preliminares de Direito Previdenciário Wagner Balera Contribuições Sociais - Doutrina e Jurisprudência Nicolau KonkelJunior Direito Previdenciário - 5a Edição Miguel Horvath Júnior Comentários à Legislação da Cofins Achiles Augustus Cavallo Pis-Cofins - Questões Atuais e Polêmicas Coordenação: Octavio Campos Fischer e Marcelo Magalhães Peixoto Lógica: Pensamento Formal e Argumentação - 3a edição Alaôr Caffé Alves Abuso do Direito e Concorrência Desleal Marcus Elidius Michelli de Almeida A nova Lei de Falências Legislação Quartier ISS - do texto à norma Marcelo Caron Baptista Manual de Previdência Social /Irthur Bragança Vasconcellos Weintrauh P revidência P rivada ABERTA Qu artier La tin I ,co do Amaral Filho A In/rc cm Direito Previdenciário pela PUC/SP I1.'sjnxialista em Direito Tributário pela PUC/SP Membro Efetivo do M SP Professor Universitário em São Paulo Advogado de Pinheiro Neto Advogados PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo, verão de 2005 quartierlatin@quartierlatin.art.br www. quartierlatin. art.br Editora Quartier Latiu do Brasil Rua Santo Amaro, 349 - Centro - Sã o Paulo Editor: Vinicius Vieira Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas — FG V-SP Editora de Texto: PriscilaTanaca Mestranda em Direito na PU C-SP Produção Editorial: Mônica A. Guedes Formada em Letras pela FFLC H -U SP Arte: Wildiney Di Masi Designer Gráfico pela Fac. Oswaldo Cruz Amaral Filho, Léo do — Previdência Privada Aberta — São Paulo : Quartier Latin, 2005. í . Previdenciário 2. Direito índice para catálogo sistemático: 1. B ra sil: Direito Previdenciário Contato: editora@quartierlatin.art.br www. quartieríatin. art. br S u m á r i o Agradecimentos...............................................................................15 Prefácio............................................................................................. 19 Introdução........................................................................................ 23 Capítulo I - CONCEITO E EXTENSÃO DA SEGURIDADE Social como Base do E studo, 31 1.1 Constituição Federal, Proteção e Direitos Sociais.............33 1.1.1 Considerações sobre os direitos sociais..............................33 1.1.2 O conceito de direito social na doutrina........................... 38 1.1.3 Os direitos sociais no universo do direito..........................44 1.1.4 A Constituição Federal como lei fundante de outra legislação e a implementação dos direitos sociais.................................................................................. 48 1.1.5 Os direitos sociais, os direitos e garantias fundamentais e a aplicabilidade das normas constitucionais.................................................................................. 53 1.1.6 A posição do ST F sobre o exercício dos direitos sociais.................................................................................. 61 1.2 A Seguridade Social na Constituição Federal de 1988.............................................................................................. 68 1.2.1 Organização......................................................................... 68 1.2.2 Os princípios gerais e específicos.......................................79 1.2.3 Os princípios específicos da seguridade social.................. 86 1.2.4 A regra da contrapartida - conseqüência da aplicação dos princípios.........................................................100 1.2.5 O equilíbrio na visão da seguridade social.....................104 1.2.6 A previdência social.........................................................106 1.2.7 A saúde.............................................................................. 122 1.2.8 A assistência social..........................................................126 1.2.9 A previdência privada inserida na seguridade social ................................................. 132 Capítulo II - A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A PREVIDÊNCIA PRIVADA, 139 2.1 A Previdência Privada na Constituição Federal de 1988............................................................................141 2.1.1 O texto original e as modificações da Emenda Constitucional n° 20/98 ............................................................. 141 2.1.2 Natureza das entidades.................................................... 144 2.1.3 Características.....................................................................148 i > 2.1.4 Função das entidades de previdência privada...............152 2.1.5 Finalidade das entidades de previdência privada............................................................................................. 155 2.1.6 Da previdência estatal à previdência privada..................158 2.2 As Entidades Abertas de Previdência Privada na Constituição Federal de 1988 - Campo de Abrangência.................................................................................. 163 2.2.1 Os arts. 193, 201 e 202 da Constituição Federal........... 163 2.2.2 Limiar entre sistema financeiro nacional (art. 192 CF/88) e sistema previdenciário (art. 201 e 202 C F /8 8 ) ................................................................. 167 2.2.3 Divisão didática e integração de sistemas...................... 174 2.2.4 Perspectiva bifronte............................................................177 2.2.5 A divisão da previdência privada: entidades abertas e fechadas............................................................................. ISO 2.2.6 Sujeitos.................................................................................183 2.2.6.1 Sujeitos operadores................................................186 2.2.6.2 Sujeitos promotores.............................................. 187 2.2.6.3 Sujeitos que efetuam contribuições....................189 2.2.7 Abrangência.......... ............................................................. 192 2.2.8 Espécies de planos.............................................................194 2.2.9 Finalidade das entidades de previdência privada......... 205 2.2.10 Finalidade dos planos......................................................209 2.3 Os Benefícios das Entidades Abertas de Previdência Privada...................................................................... 212 2.3.1 A relação jurídica contratual da previdência privada....................................................................... 212 2.3.2 O conceito de benefício contratado............................... 227 2.3.3 Previdência privada e relação de consumo.................... 229 2.4 A Possibilidade de Insolvência e seus Efeitos nos Planos das Entidades Abertas de Previdência Privada .......................................................................243 2.4.1 Conseqüências................................................................... 243 2.4.2 As sanções previstas pelas leis......................................... 247 2.4.3 Formas de solução ............................................................ 253 2.4.4 Competência regulatória................................................. 25S 2.4.5 Responsabilidade do órgão fiscalizador........................ 273 2.4.6 Prescrição (legislação específica e Código Civil)................................................. .......................... 281 Conclusões.... ......................................... ..................................291 Bibliografia................................................................................307 PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA A g r a d e c i m e n t o s Agradeço aos meus pais, por tudo o queme trouxeram de bom. À minha avó Leonor, por sempre perguntar de mim. Ao meu avô Wilson, pelo ânimo de viver. Sigo a linha de Roberto Quiroga Mosquera, que em seu livro Tributação no M ercado F i nanceiro e de C ap ita is , torna enfático o agradecimento a quem lhe deu a oportunidade. Assim o faço ao meu orientador, Prof. Dr. Wagner Balera, pela chance que me deu de cursar o programa de Mestrado, por ter me recebido sempre que solicitei e pelo incen tivo constante e enérgico. Agradeço à amiga Profa. Dra. Heloíza Derzi, pela especial maneira de incentivar o início, a continuida de, o término do trabalho e as observações no dia da Banca. Cur sar o Mestrado em Direito na PU C/SP é lembrar-se daTherezinha e da Aline da Secretaria: que pessoas pacientes! Agradeço ao Marcelo e ao Sidão pelo pontapé inicial. Patrícia Medeiros Bar boza c Carina Abud pela ajuda. Ao bom e velho Rogério Dome ne. Cláudia Vit pela força. Ao amigo Gal Moreira Dini, que ao longo de meu curso de Mestrado esteve às voltas com sua tese de L éo d o A m a r a l F ilh o Doutorado em Medicina, e que com seu ânimo sem fim, várias vezes me acalmou dizendo: "... éassim , velho, não esquenta. Parece que não, m as um a d ia acab a”. Ao Edgard Xavier, um daqueles pou cos e raros amigos das “ocasiões submersas” que a vida traz. Dió- genes M endes G onçalves Neto e R ogério P. Pasqua pela transmissão dos conhecimentos que tiveram na pós-graduação na USP, pela ajuda desinteressada, pela revisão do trabalho, pelas su gestões, dicas e a preocupação em apoiar um amigo. Como não agradecer ao Affonso Heleno de Oliveira Fausto, pelos vários almoços, encontros, dicas, risadas, ironia refinada, histórias, pa ciência, seriedade e sensatez? Ao Nilton Molina, pela luz que me deu em relação ao foco de preocupações. Paulo Cavezzale pela forma de ver a Previdência Privada. Agradeço aos meus sogros Dr. Aurélio e D. Lúcia, pelas boas pessoas que são e pelo emprés timo de um conjunto na Avenida Lavandisca - gentilmente cha mado por meus amigos de “Cafofo Acadêmico” - lugar onde durante todo o ano de 2003 me dediquei à fase final de elabora ção deste trabalho. À Profa. Dra. Elizabeth Carrazza, pelo pri meiro crédito cursado. Ao Prof. Dr. Renato Becho pelo exemplo. Ao Octávio Bulcão e à M aria Rita Ferragut, pela disponibilidade e amizade. Ao Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho pelo conselho na primeira aula de Lógica Ju ríd ica : “N ão desistam. ” Ao Paulo Ayres Barretto pela dica ainda no Curso de Especialização: “Q uando a lu no d a graduação, eu escutei do Prof. Geraldo A ta lib a , e agora repito: leiam a Constituição F ed era l”. Agradeço pelos diversos e importantes estímulos recebidos por José Roberto Pisani, Eduardo Carvalho Caiuby e Raphael Di Cunto ao longo do curso. Agradeço à minha mulher, Denise, pelo carinho, incentivo e paciência em aguardar o término deste trabalho. Ao Benê, ao Jere mias e à Madalena pela alegria com que me recebiam quando eu retornava do Cafofo Acadêmico. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta Assim como faziam os romanos em relação a seus Deuses, deixo um local reservado a quem por esquecimento não men cionei. O brigado a todos pelo tempo gasto comigo! P r e fá c io por Wagner Balera PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA P r e f á c i o Um dos mais importantes campos de investigação científica na área do Direito Previdenciário é o da previdência privada aberta, com especial atenção para os direitos dos beneficiários dessa rede com plementar de proteção social. Os interesses dos participantes devem merecer toda a atenção do estudioso, porque, afinal, é para eles que se estrutura a seguridade social. A Constituição inovou, notadamente após a promulgação da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, trazendo para tal terreno conceitos fundamentais, modernos e relevantes. A partir desse cenário LÉO DO AMARAL FlLHO elaborou seu tra balho no qual alia o rigor científico a uma já intensa atividade profis sional. Em síntese feliz, situa a problemática que estuda nos marcos abrangentes do Direito Social e daí se estende para questões previ denciárias de grande relevância, como a natureza contratual da aven ça e os problemas concernentes ao descumprimento da obrigação por parte da entidade de previdência privada. Quanto a este último aspecto, aponta com claridade o arsenal jurídico de que sc acham L éo d o A m a r a l F ilh o investidos os interessados para porem cobro a tal grave ofensa ao pactuado. Finalmente, o autor não deixa de refletir sobre o descumpri- mento da obrigação, assim como o instrumental para que se coíba tal procedimento. Trata-se, em suma, de obra fundamental para a compreensão do assunto. Algumas das teses de previdência privada complementar surgirão a partir da nova disciplina constitucional e legal a respeito do tema. Nada melhor do que já dispormos de boa doutrina, como este estudo, para tomar posição em torno delas. W agner Balera Professor Titular da Faculdade de Direito da P U C -SP Acadêmico Catedrático de Direito Previdenciário da Academia Nacional de Seguros e Previdência INTRODUÇÃO PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA In t r o d u ç ã o O presente trabalho foi apresentado como requisito para a ob tenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais - em sua subárea de Direito Previdenciário - no Programa de Pós-Graduação promovido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Seu objetivo é investigar as garantias que o ordenamento jurídico dispõe para os planos de previdência privada1 aberta, a fim de que fique assegurado o pagamento de benefícios previdenciários complemen tares aos suportados pelo Estado, conforme premissa existente no caput do art. 202 da Constituição Federal. Esse é o problema objeto deste estudo. Para que esse objetivo fosse alcançado, foi necessário desenvol ver este texto para situar a Constituição Federal de 1988 no universo jurídico e ao mesmo tempo caracterizar a natureza e essência dos Esclarece-se que em diversos trabalhos as expressões "previdência privada" e "previ dência complementar" são utilizadas como sinônimas. A Constituição Federal <le 1988 se refere à primeira enquanto que a l ei Complementar nü 109 utiliza as duas expies sões ao longo de seu taxlo. ( )ptamos por utilizar a expressão "previdência privada", tal qual mencionada no art. '/()'/ da ( onsliluição Federal L éo d o A m a r a l F ilh o chamados “direitos sociais”. Posteriormente a essa etapa inicial, foi preciso definir e situar a seguridade social na Constituição Federal de 1988 e apontar a posição da previdência privada nesse contexto, para então verificar sua extensão, determinar seus entes gestores, os planos que proporcionam e seus benefícios, além dos efeitos de pos sível insolvência e, por fim, os subsídios que outros ramos do conhe cimento ofertam para a matéria. Após esse procedimento é que foram reunidos os elementos para a conclusão acerca do conteúdo necessário e limites das normas que decorrem do art. 202 da Constituição Federal de 1988. Ainda que exista o risco de se deixarem pontos importantes e ângulos de observação de lado, a delimitação do campo do estudo foi necessária para que assim não perdêssemos o rumo do objetivo des crito nos parágrafos acima, especialmente porque “(...) não se pode conceber, a não ser depois de amadureci do o raciocínio, a elaboração de um trabalho científico ao sabor da inspiração intuitiva e espontânea, sem obediência a um plano e aplicação de um método. (...) O raciocínio — parte essencial de um trabalho científico - não se desenca deia quando não se estabelece devidamente um problema. Em outras palavras, o tema deve ser problematizado. Toda argumentação, todo raciocínio desenvolvido num trabalho logicamente construídoé uma demonstração que visa so lucionar um determinado problema.”2 A forma escolhida para esta reflexão foi abordar a questão a par tir da Constituição Federal e dos direitos sociais, por meio de refe rências doutrinárias e alguns registros históricos, para então adentrar as disposições do direito brasileiro sobre seguridade social e, por meio de raciocínio dedutivo, chegar ao cerne da questão, de modo a buscar Antônio Joaquim Severino. Metodologia do habalho científico/ p. 73 e 75 PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA uma forma de solução para a sua implementação, equivalente a se dizer, como pode a sociedade exigir que o Estado3 tome realidade o comando hipotético da disposição constitucional elementar sobre o assunto. Em virtude das premissas que acima ficaram estabelecidas, a seqüência em que a questão é tratada passa pela abordagem histórica do tema, pela análise de conceitos doutrinários, independentemcnli de sua origem (nacional ou estrangeira). Em seguida, a observação recai sobre a localização dos direitos sociais e da seguridade social no universo do ordenamento jurídico brasileiro, a constatação de sua referência máxima na Constituição Federal de 1988 e os diversos significados dessa disposição no altiplano das normas jurídicas. A isso se segue de imediato a determinação da essência dos direitos sociais, para que daí se enfrente o problema e se apontem formas para sua solução. Trata-se, pois, de demonstrar a inserção da seguridade social no contexto dos direitos sociais; verificar a inserção da previdência social como elemento integrante da seguridade social, para delineai sua natureza e limites, investigar acerca da previdência privada e d a s entidades que a exercem, para daí fixar sua finalidade, caracterísi i< as, limites de abrangência e garantias oferecidas a quem dela rccone como instrumento apto a proporcionar uma melhoria de condições no futuro. Para tanto, foi necessário demonstrar a característica con tratual da previdência privada, seus impactos e relações com o siste ma financeiro nacional. 3 No livro Introdução ao direito financeiro, p. 9 e 10, José Souto Maior Borges a d v e i ie para a ambigüidade do termo "Estado" e os problemas decorrentes de sen uso I v.is termo é aplicado neste trabalho com o sentido adotado por aquele Professor "(...)<<» munidade jurídica total ou nacional e uma organização pré-ordenada à realiza<tao de certos fins, no exercício de suas atribuições desenvolve, através de seus agenies e <>i gàos, atividades do nalureza diversa (políticas, sociais, administrativas, e< < >nómi< .r. is linaiu eiras, e I< .)". L éo d o A m a r a l F ilh o Ainda que a doutrina não tenha produzido uma quantidade subs tancial de trabalhos relacionados à previdência privada, entendemos que o material até agora existente permite o desenvolvimento e a solução do problema posto. Essa percepção instigou o trabalho de pesquisa, compilação e reunião de dados, típicos das dissertações de mestrado, bem como a produção de um trabalho acadêmico que não ultrapasse seus limites pré-concebidos a ponto de adentrar na esfera da originalidade, típica das teses de doutorado. Essa limitação inse- re-se no contexto da evolução que se pretende em qualquer trabalho > realizado no campo do conhecimento, especialmente se tivermos em mente que “a educação é um processo contínuo> no qual o estudante deve adotar um a atitude ativ a e não apenas reativa às proposições teóricas e práticas em torno do conhecimento que lhe é apresentado como válido em sua área de form ação”.A Com todos esses limites e premissas, pretendemos obter um roteiro, de conteúdo científico, destinado a avaliar a essência da pre-' vidência privada, desde o seu primeiro fundamento de validade até situações que envolvam sua aplicação e alcance de finalidade. Para tanto, e na medida do possível, limitou-se a exposição a abstrair con ceitos e transpô-los para o trabalho, de forma a trabalhar num plano um pouco distante do mundo empírico, ciente que aoprocesso de abs tração e reprodução da realidade numa linguagem compreensível certa mente apresentará deformidades, posto que o mundo real jam ais apresentarei a sua essência quando representado sim bolicam ente5 Esclarecemos que a limitação de abrangência admitida neste estudo fez com que excluíssemos a análise dos fundos complementa res estatais, referidos no art. 40, §§ 14 e 15 da Constituição Federal 4 Loussia Penha Musse Félix. Apontamentos sobre a iniciação científica em direito: a formação das habilidades para pós-graduação e carreiras jurídicas. In: Iniciação cien tifica em direito: A experiência da Faculdade de Direito da UNB, v. 1, p. 15. 5 Giovanni Martins Seabra. Pesquisa científica: o método em questão, p. 13. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA de 1988, bem como as entidades mencionadas na Lei Complemen tar n° 108, de 29/5/2OO1, que dispõe sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, funda ções, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. A previdência privada, como se verá, é implementada por meio das entidades fe chadas e abertas. Interessa-nos o estudo destas últimas. Referências às primeiras somente são feitas quando se tratar de abordagens ge néricas ou quando se fizer necessária uma alusão comparativa. Capítulo I C o n c e it o e E x t e n s ã o d a S e g u r id a d e S o c ia l c o m o B a s e d o E s t u d o PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA 1.1 C o n st it u iç ã o F ed eral , P r o teç ã o e D ireitos SOCIAIS 1.1.1 C onsiderações sobre os direitos sociais A história passada e recente são recheadas de exemplos que de monstram que os fatos e eventos dotados de grandeza são os verda deiros formadores das grandes escolas de pensamento nas mais diversas áreas do conhecimento. O estudo da história ocidental contemporânea demonstra que as manifestações políticas, econômicas e sociais de relevo são pro dutos de uma determinada estrutura social, nas suas diversas con junturas. O que nos importa é chamar a atenção para o fato de que, 11o mais das vezes, a sociedade no seu processo histórico usa dos meios que lhe estão disponíveis, produzindo alterações capazes de determi nar mudanças no direito, para o fim de satisfazer seus anseios e nc cessidades. Isso pode ser verificado em diversos episódios da história, tais como a promulgação da Carta de João-Sem-Terra em 1215, a Revolução Francesa de 1789, dentre outros. L éo d o A m a r a l F ilh o Embora o tema pudesse ser objeto de maior detalhamento, é necessário tratarmos de questões presentes para que assim possamos alcançar, de maneira mais rápida, o ponto central da discussão. Nos tempos mais recentes, as alterações de cunho social têm ganho signi ficado de maior abrangência, fruto de um longo caminho percorrido pela humanidade com incontáveis lutas travadas. O século XX foi o século da questão social, dadas as inúmeras e intensas mudanças ocor ridas com vistas à melhoria das condições de vida e de trabalho. Sa lienta-se que desse ponto em diante se verá que em nosso entendimento o chamado direito social nos dias de hoje — não só no âmbito do direito brasileiro, mas também em sua concepção mais ampla - abrange uma imensa gama de outros direitos. Todavia, o direito ao trabalho, assim entendido como o conjunto de princípios e normas que regem as relações laborais, foi e continua sendo o grande fator de impulso desse conjunto denominado “direito social”. Como alterações ocorridas em nível internacional, destacamos a publicação da Constituição mexicana em 1917, a Constituição de Weimar em 19196, o “Informe Beveridge” na Inglaterra (1942) e os feitos de Bismarck no século anterior (1881); estes dois últimosno plano de constituir um embrião de sistema de seguridade social (ma téria tratada no item 1.3), além da Lei Americana de Seguridade Social, em 1935.7 6 Celso Antonio Bandeira de Mello. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In: Revista d e Direito S o c ia l n9 7, p. 139. 7 Paul Durand. La política contem porânea de seguridad social, recentemente traduzida do francês para o espanhol pelo professor José Vida Soria, da Universidad de Grana da e publicada pelo Ministério de Trabalho y Seguridad Social de Espana, em 1991. Apesar de escrita e editada originalmente em 1953, a obra é muito atual, vasta e tem ampla utilidade no que diz respeito a aspectos técnicos, conceituais e históricos da seguridade social no mundo. Tem, ainda, a virtude de explicar e demonstrar com clareza ímpar os diversos contextos que determinaram os. motivos das diversas Irans- formações ocorridas. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Um breve e despretensioso esforço de reconstituição histórica faz ver que nossas Constituições anteriores já tiveram, ainda que sti cintamente, a preocupação de tratar da matéria. Como exemplo, a Constituição de 1824 garantiu os “socorros públicos” (art. 179) e a de 1891 garantiu o direito de associação e reunião (art. 72, § 8°); a de 1934 foi a primeira a tratar da Ordem Econômica e Social, além de outorgar ao Congresso Nacional a tarefa de legislar sobre o trabalho (art. 121).8 Mas é bem verdade que em termos de proporção nas mudanças, talvez nunca tenha se visto alteração e evolução tão significativas como na promulgação da Constituição Federal de 1988, especialmente em relação ao seu art. 6o9, cujo teor pode ter ultrapassado os direi t<>s postos até mesmo pela Declaração Internacional dos Direitos do Homem, editada em 194810 11, na cidade de Nova York. P a u lo Bonavides, em sua clássica obra Curso de direito conslilu cionai, trata da Declaração Universal dos Direitos do Homem sob o prisma de seu conteúdo, para chegar em seus efeitos e incluí-la no altiplano dos direitos humanos: “Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, o humanismo político da liberdade 8 Histórico extraído da obra de José Martins Catharino. Direito constituc.ion.il r diiciln histórico do trabalho, p. 49/50. 9 "Art. 6e. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o la/cr, ,i segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistam í.i aos desamparados, na forma desta Constituição." (Redação dada pela Emenda C onsii tucional n2 26, de 14/02/2000). 10 "Resolução na 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de de/embio de 1948: Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança soi ial e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo < om a organização e recursos de cada estado, dos direitos econômicos, sociais e i iilturaK indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade." 11 Armando de Assis afirma que a idéia ganhou "amplitude universal". Lm busca de unia concepção moderna de "risco social". In: Revista dos Industriiírios n“ lí), p. 1.’ . < ) referido aulor apenas menciona o direito de os cidadãos poderem exigii do I siad..... . modalidade de pioleçíiíi, sem contudo afirmar quaI o meio disponível para ianlo. L éo d o A m a r a l F il h o alcançou seu ponto mais alto neste século. Trata-se de um documento de convergência e ao mesmo tempo de uma síntese. (...) Erra todo aquele que vislumbra no valor das Declarações dos Direitos Humanos uma noção abstrata, metafísica, pu ramente ideal, produto da ilusão ou do otimismo ideológico. (-) Se bem examinarmos a evolução dos documentos deçlaratórios dos direitos humanos desde o século XVIII aos nossos dias, verificaremos talvez, com certa surpresa e júbilo, que há uma constante e uma lógica nos sucessivos graus históricos de sua qualificação. Do campo filosófico ao campo jurídico, do direito natural ao direito positivo, das abstrações do contrato social aos códigos, às constituições e aos tratados, depois de cursar a via revolucionária, essas declarações fizeram vingar um gê nero de sociedade democrática e consensual, que reconhe ce a participação dos governados na formação da vontade geral e governante. (-) Os direitos humanos, tomados pelas .bases de sua existencialidade primária, são assim os aferidores da legitimação dejodos os poderes sociais, políticos^ e indivi- duais. Onde quer que eles padeçam lesão, a Sociedade se acha enferma. Uma crise desses direitos acaba sendo tam- 1 ---------------------—— —----------- '— — ----------------— V bém uma crise do poder em toda a sociedade dcmocratica- mente organizada”.12 12 Curso de direito constitucional, p. 527/528. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta Assim, entendemos que uma maior clareza deste preâmbulo sei a obtida com a análise dos direitos sociais também sob um conceito metajurídico desse termo, no sentido de utilizar a história como ele mento determinador de sua essência. Mais adiante, o conceito será restrito à ótica de observação do direito positivo atual. Nesse passo, cita-se a conclusão do filósofo J a c q u e s M a r i t a i n quando estudou os diversos direitos do homem no plano de sua cicn cia e já em 1943 afirmava a existência de três espécies de diçeitos^Q) direitos da pessoa humana como tal/fii) direitos da pessoa cívica e @L direitos da pessoa social, e mais particularmente da pessoa ope rária (destaque nosso). A esta última espécie, que engloba alguns dos direitos considerados como “sociais”, fez os seguintes comentários: “Direitos da pessoa social\ e maisparticularmente da pessoa ope rária — Direito de escolher livremente seu trabalho - Direi to de se agrupar livremente em reuniões profissionais ou sindicatos. - Direito do trabalhador a ser tratado social mente como uma pessoa maior. — Direito dos grupos eco nômicos (sindicatos e comunidades de trabalho) e dos ou tros agrupamentos sociais à liberdade e autonomia. — Di reito ao justo salário; e, onde o regime do salariado puder ser substituído por um regime societário, direito à co-pro- priedade e à co-gestão da empresa (sic) e ao ‘título do tra balho’. - Direito à assistência da comunidade na miséria c no desemprego, na doença e na velhice. - Direito a usu fruir gratuitamente, segundo as possibilidades da comu nidade, os benefícios elementares, materiais e espirituais, da civilização”.13 (destaques nossos) 13 Os direitos do homem, p. 98. Celso Antonio Bandeira de Mello afirmou de modo simi lar, no sentido de que é direito dos cidadãos exigir os serviços sociais com base n,i Constituição Federal. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In: l-v vista de direito social na 7, p. 148 e 161. Wagner Batera faz importanie afirmação cm sentido similar. Aponla como fundamento último do Sistema, que desenha o respei llvo ambienlc, o princípio insculpido no art. XXII da Declaração l )niversal dos Direitos d< t I lomem, da qual o llrasil é um dos signat/inos. Sistema de seguridade social, p. I /. L éo d o A m aral F ilh o Têm-se, pois, os direitos sociais como aqueles colocados pelo Estado à disposição da sociedade, com o objetivo de garantir bem- estar ao homem. 1 .1 .2 0 C O N C E IT O D E D IR E IT O S O C IA L N A D O U T R IN A Como dito acima, a noção de direitos sociais passa por uma tra jetória histórica que lhes atribui conceitos diversos. Antes de ingres sarmos na análise dos direitos sociais, sob a ótica do direito positivo brasileiro atual, procuraremos mencionar algumas citações da dou trina, a fim de trazer uma consideração mais ampla e melhor arqui tetar nosso raciocínio. Em termos histórico-jurídicos, a primeira referência ao termo“direito social” foi feita por GEORGE G q uRYITCH, conforme menção feita pela densa obra italiana denominada Enciclopédia del d ir e to. O trecho daquela obra escrito por MANLIO MAZZIOTTI faz uma inte ressante abordagem sobre a questão, especialmente por se preocupar com a relação jurídica que une Estado e sociedade e exemplificar o que se pode ter como alguns dos direitos sociais: (...) Característica do Estado de direito, assim como está, nasce nos princípios do século XIX, não é já a ausência de uma função social, mas sim que esta função, ao invés de manifestação de um poder público meramente discricioná rio — como ocorria nos regimes de despotismo iluminado — seja considerada e se desenvolva como um objeto de um direito dos cidadãos, derivante da fundamental igualdade. Posto de fato o princípio de que os cidadãos são iguais,nos direitos, esses devem poder participar igualmente dijis van tagens que oferece a sua sociedadex£_éobrig^ão_dj^Estado fazer com que esse direito seja respeitado, evitando que os mais fortes oprimam os mais fracos e que_a desigualdade de fato destrua a igualdade jurídica. E esse o conceito que, ao início da Revolução Francesa, exprimia SlEYÈs no seu projeto de declaração dos direitos (2), afirmando que o escopo da união social é o bem co mum, e que os benefícios derivantes da vida associada não se limitam à proteção da liberdade individual. mas ^con sistem, outrossim, no direito de todos os cidadãos^de go zar das vantagens que a associação podg dar (v. Declara ção dos Direitos). E é o conceito que se reencontra em um texto um pouco posterior (relação do deputado Romme na Convenção de 17 de abril, 1793) (3), no qual, como notou G o u r v i t c h , a expressão ‘direitos sociais’ é usada pela primeira vez no seu sentido moderno, e em que é dito que os direitos sociais civis representam a parte que diz respeito a cada um na provisão de recursos indi viduais em sociedade, e se consideram como tais, entre outros, os direitos à instrução, à assistência, e ao traba lho em caso de necessidade”.14 PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA 14 Enciclopédia del diritto, p. 803/804. - tradução livre de Diógenes Mendes Gonçalves Neto. O texto original em italiano é o seguinte: "Caratteristica del Io Stato di diritto, cosi com'esso nasce ai principi Del secolo XIX, non è giá 1'assenza di uma funzione socialr, bensi che questa funzione, anziché come manifestazione di um potere pubblico meia mente discrizionale - come aw en iva nei regime di despotismo iluminato m i considerata e si svolga come oggetto di um diritto dei cittadini, derivante dalta loio fondamentale eguaglianza. Posto infatti il principio che i cittadini sono eguali nei diritti, essi debbono poter partecipare egualmente ai vantaggi che offre aloro Ia società, ed r compito dello Stato far si che questo loro diritto sia rispetatto, evitando che i piíi foili opprimano i piu deboli e che ladisuguaglianzadi fatto distrugga l'eguaglianza giuridii ,i. È questo il concetto che, all'inizio delia rivoluzione francese, esprimeva il Siüyís nel suo progetto di dichiarazione dei diritti (2), affermando che scopo dell'unione sociale è il bene comune, e che i benefici derivanti dal Ia vita associata non si limitano alia prole/ione delia liberta individuale, ma consistono altresi nel diritto di tutti i cittadini a godere dei vantaggi che l'associazione può dare (v. D ichiarazioni dei D iritti). Ed è il conceito che m ritrova in un testo di poco posteriore (relazione del deputato Romme alia Conven/ionc del 17 aprile 1793) (3), nel quale, come notò il Gourvitch, l'espressione "dirilli so< i.ilc" é usata per Ia prima volta nel suo senso moderno, e in cui è detto che i dirilli soi i.ili civili rappresentano Ia parte che spetta a ciascuno nel conferimenlo delle lisor.c individuali in soi iclíi e si, considerano come lali, fra gli allri, i dirilli all'islm/ionc, alTassisien/a, e al lavorn in caso di bisogno". Km diversas obras da doutrina estrangeira e no Brasil é costu meiro ver os direitos sociais relacionados aos direitos relativos ao tra balho. Se por um lado esse contexto é verdadeiro, por outro pode ser atualmente tido como um pouco restrito, tendo em vista a amplitude que hoje se dá aos direitos dos cidadãos relativos ao bem comum. A questão não passou despercebida por um dos maiores mestres do direito trabalhista brasileiro, A. F. C esarinq Tr., que ao abordar o aspecto social e o valor do trabalho dedicou um item de sua obra para a definição de direito social: “Definição de Direito Social — Análise - AJsim sendo,pare ce-nos que se poderá definir.|T)ireito Social é o complexo de princípios e leis imperativas, cujo objetivo imediato é, ten do em vista o bem comum, auxiliar a satisfazer convenien temente às necessidades vitais próprias e de suas famílias, às pessoas físicas para tanto dependentes do produto de seu trabalho’.”15 (negrito e itálico do original) Como exemplo do direito estrangeiro, na doutrina espanhola moderna podemos encontrar um conceito que muito se assemelha ao que se extrai da Constituição Federal de 1988: “Podemos caracterizar los derechos sociales, entre otros, por los siguientes rasgos: son derechos de carácter prestacional, protegen situaciones o condiciones del hombre contextualizado o situado; tienen uma marcada dimensión objetiva frente a las titularidades subjetivas; y articulan las posibilidades de hablar de igualdad real o material”.16 (des taque nosso) Esse conceito tem o mérito de aprofundar a essência da questão, visto que se refere à existência e aplicação dos direitos sociais como I íi Direito social brasileiro, p. 57. I (. Maria José Anon Roig e José Garcia Anon, Lecciones de Derechos Sociales, p. 96. forma de redução de desigualdades. Dessa forma, pode-se ter as pres tações de direito social como instrumentos niveladores de condições sociais e uma nítida manifestação de solidariedade e eqüidade. E o que entende A ndré Ramos TAVARES: “Os direitos de ordem social, elencados na Constituição Federal, não excluem outros, que se agreguem ao ordenamento pátrio, seja pela via legislativa ordinária, seja por força da adoção de tratados internacionais. Assim, como primeira nota dos direitos sociais, há que acen tuar sua abertura (não são numeruJ clauJuJ). É o que se depreende do próprio caput do art. 7o, que declara não esta rem excluídos outros direitos sociais que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. Uma outra característica desses direitos, comumente apon tada pelos doutrinadores, é a denominada irrenuncia- bilidade. Os direitos sociais são, nesse sentido, considera- dos normas cogentes, vale dizer, de ordem pública, não anu- l^ veis por força da vontade dos interessados ou, no caso das relações trabalhistas, pela vontade das partes contratantes. Neste caso, ao trabalhador, por se tratar de parte hipossuficiente, sempre em posição de desvantagem em relação ao empregador, não é dado abrir mão ou dispor dos direitos anotados pela Constituição.”17 Modernamente, M am a LIelena D iniz, autora da prestigiada obra Dicionário jurídico, diferencia os termos “direito social” e “direi tos sociais” e traz as variações semânticas que encontrou: “DIREITO SOCIAL. Teoria geral do direito. Conjunto de normas que disciplinam o organismo social com o escopo de obter o equilíbrio da vida em sociedade. 17 Curso de Direito Constitucional, p. 557. 41 L éo d o A m a r a l F ilh o 2. O que brota de modo espontâneo no grupo social, como as normas consuetudinárias. 3. Aquele que rege as relações trabalhistas, resolvendo a questão social ao procurar resta belecer o equilíbrio social através da proteção ao trabalha dor e de seus dependentes (Cesarino Jr.)18. 4. Aquele que visa à exteriorização jurídica de corpos sociais autônomos, como os sindicatos”.19“DIREITOS SOCIAIS. Teoria Geral do Direito. São os que abrangem: 1. Os direitos do trabalho, que incluem: o direi to ao trabalho; o direito a uma remuneração justa; o direito de sindicalização; o direito ao repouso e ao lazer; 2. O di reito ao bem-estar e à previdência social, que se desdobra em: direito à seguridade social; direitos especiais da infân cia e maternidade; 3. O direito à educação e cultura, que abarca: o direito à instrução; o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito à vida cultural; 4. Os direitos relativos à família, como: direitos à proteção do Estado; di reito ao casamento; direito de orientar a educação dos fi lhos; 5. Os direitos em relação ao Estado, como: direito de participar no governo; direito de acesso ao serviço público e direito de voto (A. Franco Montoro)20 ”.21 Não obstante os limites que a Constituição Federal de 1988 e a doutrina traçam, os direitos sociais podem ser ampliados pelo legis lador infraconstitucional, já que, quanto a estes, a Constituiçãp Fe- deral traçou limites mínimos. Colocadas essas referências, é conveniente que se traga um con ceito de direitos sociais a ser de agora em diante adotado neste traba lho. A doutrina brasileira é rica na abordagem desse tema. Por tal 18 Direito social brasileiro, p. 57. 19 Dicionário jurídico, v. 2, p. 181. 20 André Franco Montoro, Introdução ao estudo do direito, p. 548. 21 Dicionário jurídico, v. 2, p. 183. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta razão, sem detrimento da importância de qualquer outra doutrina, optamos por adotar a lição de ANDrÉ Ramos TAVARES, que se utiliza dos ensinamentos de J osé A fonso DA S ilva para iniciar capítulo de seu livro sobre a ordem constitucional: “Os direitos sociais, como direitos de segunda dimensão, convém relembrar, são aqueles que exigem do Poder Pu blico uma atuação positiva, uma forma atuante'na implementação da igualdade social dos hipossuficientes. O art. 6o da Constituição refere-se de maneira bastante genérica aos direitos sociais por excelência, como o direito à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, à assis tência aos desamparados. É nesse sentido que propõe JosÉ Afonso DA Silva um con ceito, caracterizando os direitos sociais como prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indireta mente, enunciadas em normas constitucionais, que possi bilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direi tos que tendem a realizar a igualização de situações desi guais. São, portanto, direitos que se ligam ao direitos dc igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exer cício efetivo da liberdade”.22 (destaques nossos) Apenas em atenção e prestígio à dialética, deve-se dizer que OcTÁvio B ueno M agano23 rejeita o acerto da expressão “Direitos Sociais”, por entender que tudo o que é Direito, é necessariamente Social. 22 Curso de direito constitucional, p. 555. O texto de )osé Afonso da Silv.i consta da olna ( 'urso de direito constitucional positivo, p. 289. 2 1 Manual de direito do trabalho, v.1, p. 49. L éo d o A m aral F ilh o Temos, pois, que a doutrina conceitua os direitos sociais como concernentes ao bem-estar do ser humano, cujo fundamento de exis tência pode ser buscado na Declaração Universal de Direitos do Homem e na Constituição Federal de 1988. 1 .1 .3 O S DIREITOS SOCIAIS NO UNIVERSO DO DIREITO Destaca-se o foco que se pretendeu dar ao teor do art. 6o da Constituição Federal de 1988, justamente por dedicar-se aquele dis positivo ao tratamento dos direitos sociais, a par da existência da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Porém, essa afirma ção feita de maneira isolada seria omissa, e pouco valor teria se não estivesse ao menos acompanhada de uma sucinta explicação, como, por exemplo, de que a Constituição Federal é a “lei” das “leis”. O sistema jurídico brasileiro é disposto de forma escalonada, de forma que as normas de maior hierarquia dão fundamento de validade para a edição das normas de menor hierarquia. Essa é a concepção doutrinária de H an s KELSEN,24 que criou a “pirâm ide das leis", modelo hipotético representativo, em cujo ápice se encon tra a “ norma hipotética fu n d a m e n ta r , que dá origem à Constituição, fonte e matriz das demais normas. Ao conjunto das normas jurídi cas, que aglutinadas formam um sistema, determina-se o “sistema jurídico”, assim definido por P au lo de B a r r o s C a rv a lh o de ma neira ímpar: “Se pudermos reunir todos os textos do direito positivo em vigor no Brasil, desde a Constituição Federal até os mais singelos atos infralegais, teremos diante de nós um conjun to integrado por elementos que se inter-relacionam, for mando um sistema. As unidades desse sistema são as nor mas jurídicas que se despregam dos textos e se interligam 24 Teoria pura do direito, p. 221 - 224. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA mediante vínculos horizontais (relações de coordenação) e liames verticais (relações de subordinação-hierarquia)”.25 A esses ensinamentos são acrescidas as palavras de W a g ner B ai .is RA, que cuida de analisar as normas existentes, sua mecânica e interaçãt >, de forma a inseri-las no verdadeiro contexto de sistema. Explica o jurist a que em seu interior "convivem: o conjunto normativo expresso pela Consh tuição; a legislação e, segundo hierarquização form al e substancial contida na L ei ãas leis, a infinidade de normas individuais que a v ida juríd ica vai introduzindo e integrando ao mundo do Direito”.26 Assim, para utilizarmos um comando da Constituição Federal de 1988 como objeto de estudo, é necessário que antes de analisar mos seu conteúdo possamos situá-lo na posição (patamar) que lhe e designada pela teoria geral do direito; é preciso encontrar no próprio sistema jurídico a natureza e essência da Constituição Federal. So mente após esse exercício é que será possível saber (i) o que é a Cons tituição Federal; (ii) o que ela pode estabelecer; (iii) quais são os efcitos das normas que contém; (iv) o que dela poderá se originar? Esse es tudo acaba por encontrar luz no estudo do tema das fontes do direi to, ocupado especialmente nos meios e formas de produção das n< >rmas jurídicas. Em estudo denominado Fontes do Direito Tributário , Wa< ;nku BALERA abordou em poucos parágrafos esses questionamentos tidos por nós como importantes para a solução do problema da natureza da norma constitucional. Diz aquele autor: “Para Kelsen27, o objeto possível do conhecimento jurídico é o Direito Positivo. E , a investigação a respeito do direito posi tivo se dá com o estudo dos métodos de criação do direito. 25 Curso de Direito Tributário, p. 10. 2f> O autor assume que o sistema é um todo harmônico, no qual as normas convivem sem conflitos. Processo administrativo previdenciário - benefícios, p. 105. 27 teoria puni do direito, p. I (>. L éo d o A m a r a l F il h o Na doutrina do Mestre de Viena, o Direito é uma ordem normativa destinada a regular a conduta humana e seus comandos estabelecem sanções a todos aqueles que contra riem comportamentos prescritos como obrigatórios. O ato produtor de cada norma jurídica só é considerado como tal se outra norma confere competência ao órgão produtor para a sua prática. Resulta, assim, que Kelsen considera a norma jurídica como a fonte do Direito. E, por conseguinte, cada norma é fonte de outra norma. Ê o que leciona nessa passagem: ‘A fonte do Direito não é outra entidade diversa do Direi to, dotada de existência independente frente a este; por si mesma, a fonte é, em todo o caso, Direito; uma norma ju rídica superior em relação com outra inferior,ou seja, o método de criação de uma norma inferior determinado por outra, o qual constitui o conteúdo específico do Direito.’ A ordem jurídica possui regras que disciplinam a produ ção de suas normas. A norma fundamental (Grundnorm) situada no ápice da estrutura normativa é pressuposta. Por isso Kelsen designa essa norma como sendo a Constitui ção, num sentido lógico-jurídico. (...) A consideração a respeito das fontes do Direito parte, por conseguinte, de um dado de realidade que é Direito Positi vo: a Constituição. Esta, por seu turno, encontra funda mento de validade em dado que lhe é pressuposto: a norma fundamental. Promulgada a Constituição Brasileira, no dia 05 de outubro de 1988, os limites da investigação positivista só se situam na pressuposta norma fundamental”.28 (destaques do original) 28 In: Revista do Advogado n!! 32, p. 42. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta Posta então a Constituição Federal no plano de sobreposição em relação às demais normas jurídicas, das quais será o fundamento de validade ou o anteparo na recepção das normas infraconstitucio nais anteriores à sua edição, citamos uma vez mais o teor do art. 6° da Constituição Federal de 1988 sobre o que ora nos interessa: “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na for ma desta Constituição”.29 Luís ROBERTO B arrq sp utiliza a expressão Norm as Constitucio nais D efinidoras de D ireito ' para designar os direitos que vêm prescri tos pela Constituição. Agrupa-os e subdivide-os em três grupos distintos, nos seguintes termos: “Alem de organizar o exercício do poder político, todas as Constituições modernas definem os direitos fundamentais dos indivíduos submetidos à soberania estatal. Em bora exis tam dissensões doutrinárias, fulcradas, sobretudo, em suti lezas semânticas, e haja discrepância na linguagem do D i reito Constitucional positivo, é possível agrupar os direitos fundamentais em três grandes categorias, que os repartem em: direitos políticos, direitos ind iv idua is e direitos sociais.”311 Vê-se, pois, que a Constituição Federal de 1988 condensou, em um dispositivo, diversos termos aos quais pretendeu qualificar de “di reitos sociais”, com todas as implicações e efeitos decorrentes de uma análise sistemática de seus comandos. Assim, a Educação deve ser vista como direito social, de acordo com a amplitude que este tem em nível constitucional, além das dis 29 Apenas para esclarecimento, destaca-se que o art. 6a da Constituição Federal, ram .1 redação transcrita acima, é resultado da alteração da Emenda Constitucional n" . (EC 26/2002), que acrescentou o termo "moradia" ao rol dos direilos sociais nntriioi mente previstos. 30 O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 97. L éo d o A m a r a l F ilh o posições dos arts. 7o, inciso IV, 23, inciso V, 24, inciso IX, 205 a 215, dentre, outros (p.ex.: ensino da história do Brasil - art. 242, §1°); a Saúde nos arts. 196 a 220, dentre outros; o Trabalho, nos arts. I o, inciso IV, 5o, inciso XIII, 7o, 10, dentre outros; a Moradia, nos arts. 21, inciso XX, 23, inciso IX, 187, inciso VIII; o Lazer, no art. 5o, incisos XVI e XVII, a Segurança, nos arts. 21, 22, 24 e 144, a Pre vidência Social, nos arts. 194 e 201, a Proteção à maternidade, arts. 201, inciso II, 203, inciso I e a Assistência aos desamparados, tratada no art. 203. Tudo isso dará fundamento de validade às prescrições normativas anteriores ou futuras do legislador infraconstitucional. Entretanto, deve-se desde já dizer que a se guridade social é um todo que se encontra objetivamente dividido em 3 partes: previdência social, saúde e assistência social. Confor me se verá adiante, elementos outros que não abrangidos pelos con ceitos mencionados anteriormente podem ser fundamentais ao conceito de Estado de Bem-Estar Social e estão abrigados pelo con ceito mais amplo de proteção social. 1 .1 .4 A C o n st it u iç ã o F ederal c o m o lei fu n d a n te de o u tra LEGISLAÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS De nada adiantaria o disposto no art. 6o da Constituição Fe deral se o comando ali contido permanecer restrito à tinta que se sobrepõe ao papel e serve como suporte físico para o texto legal. A norma jurídica, assim entendida como o resultado do exercício de interpretação que o intérprete faz do texto da lei, e “ unidade m íni m a e irredutível de significação do deôntico”31, por si só não produz efeitos no mundo dos fatos: o direito não toca os objetos, senão como instrumento colocado à disposição do homem para regrar as relações sociais. 31 Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, p. 18. Para que esse ponto possa ser bem explicado, é interessai11e mc cionar como ALFREDO AUGUSTO B e c k e r consegue condensar < poucas linhas sua preocupação com a função do direito na mot ivaç da atuação do Estado e da forma com que ela se apresenta. A sen v é relevante a característica instrumental do direito: “A finalidade do Direito não é atingir a realidade ou alcan çar a verdade. A procura da realidade ou da verdade c o objeto das Ciências. A Ciência faz a colheita e a análise dos fatos metafísicos, físicos, biológicos, psicológicos, econô micos, financeiros, sociais, morais e inclusive fatos jurídi cos. Com o auxílio destes fatos (colhidos e analisados pelas Ciências) ou contra estes fatos o Estado age. Por que age o Estado? O Estado age para obter, manter e desenvolver o Bem Ço mum (autêntico ou falso) e o conteúdo deste depende da f i losofia moral e social adotada por cada Estado. Em sínte se: a resposta a esta pergunta cabe à Ciência Política c o va lo r da resposta será medido pela Filosofia do Direito. O problema desta resposta e do seu valor está completamente f o r a do campo da Teoria Geral do Direito. Com que age o Estado? A natureza essencial do Direito - não está nos comandos c proibições — mas está no in strum ento que atua mediante regras d e conduta (regras jurídicas), segundo as quais o fazer ou não fazer do homem deve sujeitar-se”.32 (destaques do original). Por esse motivo, se a única razão de existir do Estado c impla tar e manter o bem comum em prol da sociedade, e, con sequem mente do indivíduo, há interesse social que os comandos n orm aliv PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 32 Teoria geral do direito tributário, p. 62/63. sejam levados à realidade empírica, por meio da atuação estatal que L éo d o A m aral F ilh o transforme o meio social. Atento a essa problemática, FERDINAND L a sa lle , cuja história de vida foi marcada por lutas e combativa atuação em movimentos sociais na Alemanha do início do século passado, já naquele tempo apresen tou o problema da existência da norma e sua não-aplicação, bem como advertiu para os efeitos decorrentes desse fato ao afirmar que: “Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura? A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos: quando essa constituição escrita corresponder à constitui- ção real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o l país. Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é possível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do pafs”.33 W agn er B a le ra , por sua vez, preocupado com a força e essên cia dos comandos iniciais e elementares da Constituição Federal, considera-os como marcos fundamentais para que se possa observar e cumprir seu conteúdo: “E do conceito de justiça - fim da Ordem Social,conforme comanda o art. 193 da Superlei -, que devemos partir para compreendermos a estrutura e o funcionamento dos meca nismos que integram nosso sistema jurídico. A Ordem Social alcançará a justiça se e quando a redução das desigualdades sociais e regionais, a erradicação da po 33 A essência da constituição, p. 47. Essa doutrina não segue a premissa da supremacia da norma em relação aos fatos e aos valores, adotada por Hans Kelsen. breza e da marginalização - objetivos da República, defini dos no art. 3o, III, da Lei M agna - forem postas em ato”.14 Considerada, neste trabalho a preocupação com a afirmação do direitos sociais (especialmente por força de disposição constitui io' nal, como se viu acima), e a atenção dada à necessidade de tornar ; realidade da norma constitucional aplicável ao mundo dos fatos, < previsível que agora surja o questionamento sobre o que irá garanti esse direito, a saber: a existência de uma relação jurídica e os elcmen tos que a integram. Para H ans KELSEN, a afirmação de um dadc direito deve corresponder à existência de um dever correspondente O Estado age nas relações sociais utilizando-se do direito conu> iiis trumento, de modo que onde houver fatos sociais relevantes pata < mundo jurídico, ali nascerá uma relação jurídipa.35 Diante dessa afirmativa, a completude do raciocínio pede um;i explicação do que se quer designar por “relação jurídica”. Por Ia! motivo, é conveniente citar mais uma vez o entendimento de Pai ii < j DE BARROS C arv a lh o , que trata do tema com simplicidade e pm j fundidade marcantes, e define a relação jurídica “como o vínculo aln J trato, segundo o qual, p o r força de imputação norm ativa, uma jwwoX chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, tlcno J m inada sujeito passivo, o cumprimento de certaprestação”,36 Naquela mesma passagem, PAULO DE B arros C arvau io s u b mete a questão a uma análise lógica e revela a bilateralidade dos el ei tos da relação jurídica: PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 34 Da Proteção social à família. In: Revista do Instituto dos Advogados de São Pauto n" p. 213. 35 Paulo de Barros Carvalho, Sobre os princípios constitucionais tributários. In: Revista </<• direito tributário ns 55, p. 143. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na ( "onstituii, ,)i i de 1988, p.l 14. Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 105. Renato I opci Becho, Tributação das cooperativas, p. 17. Maria Rita Ferragut, Presunçfícs no durítn tributário, p. 09. 3f> Roque Antonio Carrazza, Curso do direito constitucional tributário, p. 10. Léo d o A m a r a l F ilh o “Tenhamos presente que a linguagem do direito positivo não fornece a compostura verbal completa das relações jurídicas, salientando a relação entre sujeito ativo e sujeito passivo, e a relação conversa, entre sujeito passivo e sujeito ativo”.37 A leitura e a interpretação sistemática da Constituição Federal e seus dispositivos38 faz concluir que são os brasileiros e os estrangeiros residentes no País os grandes destinatários do art. 6° da Constituição Federal de 1988. Em outras palavras, é a própria sociedade brasileira. E se assim é, por que não procurar saber quem é a tal “sociedade” que se apresenta como “credora” nessa relação jurídica com o Estado? Com certeza, isso é mais que situar e apontar seus sujeitos ativos e passivos. E saber quais são os grupos de pessoas (ou o maior deles), que em sua grande expressão necessita da implementação dos direitos sociais, dos quais derivam os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Diante dessa preocupação, e apenas como ilustração da questão, impossível não se despegar momentaneamente do aspecto jurídico da análise e adentrar no campo político (sem pretender “fazer política”); quer por que distante de nossos anseios e preocupações, quer porque imperti nente com o critério pretendido desde o início. Nesse ponto, parece-nos que RlCARDO ANTUNES procura rela cionar ao direito social “Trabalho” e ao seu valor uma gama imensa de pessoas. Vejamos os seus conceitos: “(...) a caracterização da classe trabalhadora hoje deve ser; em nosso entendimento, mais abrangente do que a noção que o res tringe exclusivamente ao trabalho industrial, ao proletariado industrial ou ainda à versão que restringe o trabalho produ tivo exclusivamente ao trabalho fabril. O trabalho produti vo, fabril e extrafabril, constitui-se, tal como o concebemos, 37 Curso de direito tributário, p. 281. 38 Considerada a totalidade do texto constitucional independentemente de sua disposi ção na estrutura do texto. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA no núcleo fundamental da classe trabalhadora que, entre tanto, enquanto classe, é mais abrangente e compreende, também, os trabalhadores que são assalariados, mas que não são d iretam en tep rodu tivo s P 9 (destaques do original) E em se tratando de apontar os destinatários dessa norma cons< titucional, mais uma vez A n d r é R a m o s T avares elucida com pro« priedade a questão: “O oferecimento de direitos de cunho social tem como destina tários todos os indivíduos, mas pretendem, em especial, alcan çar aqueles que necessitam de um amparo maior do Estado”.40 Definida assim a existência de uma relação jurídica de direitos sociais entre o Estado e os membros da sociedade, é necessário vet] como e de que forma poderá seu objeto ser exigido. 1 .1.5 Os DIREITOS SOCIAIS, OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A nosso ver, a análise dos direitos sociais deve ser iniciahnenld focada na preocupação de se constatar se e como os direitos soi iaei (ou alguns deles previstos no art. 6o da Constituição Federal) se inse rem no contexto dos direitos fundamentais. Essa questão é impoi ■ tante, pois, se sua resposta for positiva, deve haver a conseqüência estabelecida no art. 5o, § I o da Constituição Federal de 1988: “Art. 5o Iodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residen tes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual dade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 39 O desenho multifacetado do trabalho hoje e sua nova morfologia. In: R<'visl.i •.<-/v /\. i social e sociedade nB 69, p. 111. 40 Curso de direito constitucional, p. 556. L éo d o A m a r a l F ilh o § Io - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamen tais têm aplicação imediata”. Dessa forma, se um determinado termo configurado pelo art. 6o da Constituição Federal como direito social vier a se inserir em um dos elementos do rol dos direitos e garantias fundamentais, a própria C onstituição lhe atribui a qualidade da aplicabilidade imediata. Sendo assim, imaginemos que uma determinada norma infrale- gal venha, por qualquer motivo aleatório, determinar que uma pes soa seja proibida ou deixe de exercer ofício para o qual esteja legalmente qualificada. Melhor explicando: tal pessoa reúne os re quisitos previstos em lei para exercer um determinado trabalho, não tem qualquer impeditivo de ordem corporativa ou disciplinar, mas encontra-se impedida por um comando legal meramente limitador. Nesse ponto, por ser o livre exercício profissional um direito funda mental estabelecido no art. 5o, inciso XIII, da Constituição Federal de 198 841, aquele que se sentir lesado pela norma impeditiva do exer cício da profissão poderia reclamar sua aplicação imediata, sem que haja a necessidade de edição por parte do Poder Legislativo de texto legal que regulamente essa garantia. Mas, em linhas gerais, é preciso saber: quando se pode aplicar ou não uma norma constitucional de imediato? Quais são os parâ metros que permitem concluir os limites dessa aplicação? Parece-nos que uma boa maneira de responder aessas questões é recorrer à doutrina de JOSÉ A fo n so DA SlLVA, que, preocupado com a questão da eficácia das normas constitucionais, dividiu-as em três grupos distintos, de acordo com sua aptidão para a produção de efei tos ou de serem ou não aplicáveis.42 Destaca-se, momentaneamente, 41 "XIII -é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualifi cações profissionais que a lei estabelecer;". 42 Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 68. P r ev id ên c ia P r iva d a A berta que o ato de classificar, aqui, é entendido como “oprocedimento !o co de d iv id ir um conjunto de seres (de objetos, de coisas) em cate,gari mediante critérios preestabelecidos'^; importa que seu resultado s sempre certo, desde que atenda às premissas estabelecidas antes seu início. A classificação poderá ser mais ou menos útil, de aeoi' com o objeto estudado. Na doutrina constitucional ora em comento, a classificação < normas constitucionais de acordo com sua aplicabilidade resulti nas seguintes categorias: (i) Normas constitucionais de eficácia plena: dotadas aplicabilidade imediata sem a necessidade do trahal do legislador infraconstitucional, que, não obstante, |i derá aperfeiçoá-la; (ii) Normas constitucionais de eficácia contida: que possua aplicabilidade imediata, mas que podem ter sua efieaJ restringida pelo legislador infraconstitucional; (iii) Normas constitucionais de eficácia limitada: aquel-e. i dependem do trabalho do legislador infraconstitnei< >n para que tenham sua maior eficácia após a edição de ll Têm eficácia, ainda que restrita, pois impedem que < > ( gislador edite normas em sentido contrário. Essa última categoria é dividida pelo referido autor em dn subespécies: (i) normas de principio institutivo e (ii) normas de f>rim p io program ático. Interessa-nos tratar das últimas (ii), também denominadas “| >r gramáticas”, assim entendidas como “as que estabelecem u m p rogint constitucional a ser desenvolvido mediante legislação in tegra/iva dn vo tade constituinte”.44 43 Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional trihutArio, p. 348. 44 Michel Temer, Elementos de direito constitucional, p. 2r>. L éo d o A m a r a l F ilh o Não fica difícil constatar que alguns dos direitos sociais se cons- tituem, sem dúvida, em normas programáticas, fruto da intenção do legislador constituinte de estabelecer rumos, diretrizes e fins que ve- inham a ser posteriormente desenvolvidos em minúcias pelo legisla dor infraconstitucional. Essas diretrizes são colocadas na Constituição como “guias” de uma política social, tal qual desejada e idealizada por quem as redigiu e votou. Adepto de classificação que porta distinções, mencionamos a posição contrária de Luís R o berto B a r r o so , que traz as seguintes considerações sobre as normas que portam a qualidade descrita: “(...) Por fim, as normas constitucionais atributivas de direi tos sociais, muitas vezes: (c) contemplam interesses cuja realização depende de edição de norma infraconstitucional integradora. A natureza concisa da Constituição faz com que ela transfira ao legislador ordinário, em múltiplos casos, a competência para regular o exercício de determinados direitos capitulados em seu texto. (...) Em resumo do que vem de ser exposto, os direitos sociais, nas hipóteses em que não são prontamente desfrutáveis, de pendem, em geral, de prestações positivas do Poder Executi vo ou de providências normativas do Poder Legislativo”.45 Se assim é, mencionam-se os instrumentos que são colocados à disposição dos membros da sociedade para que possam exercer os direitos sociais. Parece-nos que MlCHEL TEMER esclarece a questão: 45 O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 107-108. Essa teoria não admite a auto-aplicabilidade, mas sim condiciona a ação ao trabalho do legislador infraconstitucional. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA “È interessante notar que as normas constitucionais de efi cácia limitada de princípio programático trazem consigo, algumas, a idéia de instituição. Çom efeito, não se pode pensar em educação senão median- te a instituição, a organização, a formação de organismos ou órgãos que realizem tais misteres. E importante observar que os direitos e garantias funda mentais previstos nos art. 5o têm aplicação imediata, se gundo o comando expresso no § Io do aludido dispositivo. Significa, a nosso ver, que os princípios fundamentais ali estabelecidos podem ser invocados até sua plenitude, até que sobrevenha legislação regulamentadora, quando for o caso, de sua utilização. Caso típico é o do Mandado de Se gurança Coletivo, o do Habeas D ata e do Mandado de Injunção, que podem ser utilizados independentemente de qualquer regulamentação”.46 (destaque no original) Nesse particular, destacamos a grandiosidade do mandado de in junção como instrumento para a garantia do exercício dos direitos, em especial dos constitucionais. Diz o caput do art. 5o, inciso LXX11, que: “... conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;” (des taques nossos) TÉRCIO Sampaio F e rra z Jr., em sua obra Interpretação e ] <',sliiilo\ da Constituição de 1988 , tece comentários paralelos aos de JosÉ Ai 'i i n s < > DA SlLVA, utilizando-se dos termos função de “bloqueio”, “resgu.u do” e “programa” para designar a “função eficacial” das normas c<>ns titucionais. Nesse ponto, aborda os direitos sociais sob outra 4(> Elementos de direito constitucional, p. 25 L é o d o A m a r a l F ilh o perspectiva, atribuindo às normas que deles tratam uma aplicabilida de imediata, sem descartar a necessidade de edição de outros textos. São estes os seus comentários: “Muitas das normas que compõem o rol dos direitos sociais têm uma função eficacial de resguardo. Em princípio, tais normas admitem uma aplicabilidade imediata, embora a com petência legislativa positivamente vinculada no referente aos meios não possa ser esquecida. Assim, diante da impossibili dade de aplicação imediata, o próprio constituinte prevê o meio adequado à solidariedade postulada entre o fim já arti culado e o meio que lhe é complementar: o mandado de injunção. Só assim se entende, sem contradição, o disposto no artigo 5o, § Io, da Constituição Federal”.47 Desde logo afasta-se a equiparação possível entre a hipótese de cabimento do mandado de injunção (falta de norma regulamentado ra que torne inviável o exercício de direitos), com a hipótese de con trole de constitucionalidade por omissão, o que, conforme salienta M ich e l Tem er48 , não é a posição do STF. Esta última produz um resultado que consiste em um meio de dar ciência da existência de uma determinada omissão a determinado Poder, para que este adote medidas necessárias. O mandado de injunção é ação que tem por objeto a declaração de um direito independentemente da inexistência de norma regula mentadora, para que o postulante possa exercê-lo apesar disso. 47 Interpretação e estudos da Constituição de 1988, p. 17. 48 Não tem sido esse, no entanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Assen tou esse Tribunal que o mandado de injunção é: "... ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade por omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finali dade de que se lhe dê ciência dessa declaração para que adote as providências ne cessárias" (Mandado de Injunção nQ 107,rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça de 02/8/1991). PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Ocorre que é equivocado pensar que a simples falta de norma regulamentadora possa ensejar a impetração de mandado de in jun ção. Para que tal possa existir é necessário que, além da inexistência de norma complementar ou ordinária, a norma constitucional traga “os con to rn o s m ín im o s ensejadores da declaração do d ire ito e, em segundo lu g ar, se já se ca ra cterizo u a omissão do P o d e r competente p a ra p ro d11z 11 a regulam entação” ,49 (destaque nosso) Diante disso, o mandado de injunção pode ser utilizado como meio para o exercício de um determinado direito social, desde que as previsões constitucionais a seu respeito (aí não só a letra do art. 6") sejam extensas a ponto de fornecer as linhas essenciais da legitimida de do exercício desse direito (como e de que forma se dará seu cxci cício) e quais serão seus limites. Embora outras soluções possam surgir como possíveis, é in t e ressante lembrar outro modo de exercício dos direitos sociais (ou ao menos uma tentativa), ainda que de efeitos não tão imediatos: é a pouco lembrada forma de produção legislativa denominada “inicia tiva popular”, descrita pela própria Constituição Federal de 1988 como meio para o exercício da soberania popular: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) III - iniciativa popular.” “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da Re pública, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. 49 Michel Temer, Elementos de direito constitucional, p. 207. L éo d o A m a r a l F il h o (...) § 2o - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no míni mo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.” (destaques nossos) A norma constitucional é clara a ponto de permitir a conclusão de que se a iniciativa popular é forma de exercício da soberania po pular (fundamento da República, a teor do art. I o, §1° da Constitui ção Federal de 1988) e uma forma legítima de produção legislativa, parece razoável concluir que pode ser utilizada para a regulamenta ção dos direitos sociais. Sob essa ótica, surgirá a questão de como enfrentar a situação na qual há um determinado projeto de iniciativa popular, para tra tar de um dos direitos sociais, que acabe a ingressar no campo de iniciativa de produção legislativa privativa. Temos a impressão que a Constituição Federal de 1988, ao criar campos de competência exclusiva para iniciativa legislativa, não abrangeu as hipóteses pos tas do alcance dos membros excluídos. Por esse motivo a iniciativa popular deve respeitar os outros limites postos pela Constituição Federal. De qualquer forma, não há que se cogitar choque (antino mia) entre disposições constitucionais originárias; havendo um cho que de princípios, este será aparente; um princípio cederá passo ao outro de acordo com os próprios valores constitucionais envolvidos na questão.50 50 Sobre esse interessante tema, vide decisão do Supremo Tribunal Federal ao analisar um possível choque entre o direito à intimidade e a honra e dignidade do funcionalismo público (Habeas Corpus nQ 81585, rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça de 04.02.2002). 1.1.6 A posição d o STF sobre o exercício d os d ire itos SOCIAIS Dadas as considerações que foram postas neste trabalho, ter como interessante verificar como o Supremo Tribunal Federal qualidade de órgão máximo do Poder Judiciário e guardião da (.’< > tituição - já interpretou questões que envolvam o exercício de díi tos sociais. E conveniente dizer que o entendimento daquele Tribu não é necessariamente determinante para fins acadêmicos, mas p< servir como material de referência quando o produto da atividi jurisdicional puder ser analisado por critérios científicos. Com esse propósito, selecionamos dois acórdãos proferidos p Supremo Tribunal Federal, com base na Constituição Federal de 19 que se relacionam a processos judiciais movidos por membros da 1 ciedade, nos quais se invocava a tutela judicial como instrumer para o exercício de direitos sociais que entendiam possuir e, de forma, pretendiam fazer valer. A intenção tem cunho demonstrativo, de forma que com menções seguintes, pretende-se apenas ilustrar as considcraçi >cs | >< >•) na parte anterior do trabalho. Nesse ponto, embora a jurispt tulend a nosso ver, não seja necessariamente parte da ciência, na acepu estrita do termo, pode com ela contribuir todas as vezes em que s produto estiver calcado em premissas consistentes e métodos s'is| máticos de trabalho. Do primeiro julgado citado, extraiu-se o seguinte texto: “Servidor público. Adicional de remuneração para as a ti vidades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. A rt. 7o, X X III, da Constituição Federal. - O artigo 39, § 3o, da Constituição Federal apenas estendeu aos servi dores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos M unicípios alguns dos direitos sociais por PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA L éo d o A m a r a l F ilh o seus enunciados, mas com isso não quis significar que, quando algum deles dependesse de legislação infraconstitucional para ter eficácia, essa seria, no âmbito federal, estadual ou municipal, a trabalhista. Com efeito, por força da Carta Magna Federal, esses direitos sociais integrarão necessariamente o regime jurídico dos servi dores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas, quando dependem de lei que os regulamente para dar eficácia plena aos dispositi vos constitucionais de que eles decorrem, essa legislação infraconstitucional terá de ser, conforme o âmbito a que pertence o servidor público, da competência dos men cionados entes públicos que constituem a Federação. Re curso extraordinário conhecido, mas não provido”.31 (des taque nosso) Nesse primeiro caso, tem-se uma hipótese de clara constatação pelo ST F da existência de norma programática, cujos limites míni mos para sua implementação devem necessariamente ser extraídos de outra norma (infralegal) a ser futuramente editada de acordo com a competência legislativa prevista na Constituição Federal de 1988. Por tal motivo, vê-se que os direitos sociais discutidos foram reconhecidos pelo STF, em razão de extensão constante do art. 39, § 3o, da Constituição Federal52; o que deixou de ser afirmado foi o reconhecimento de sua eficácia, seja ela plena ou contida. 51 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n9 169173, rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça de 16/5/1997. 52 "Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designa dos pelos respectivos Poderes." (...) "§ 3e Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7 ° IV, VII, V III, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir." PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Ao analisar situação bastante diversa, mas ainda tratando de ( reitos sociais, o acórdão abaixo surpreende pela densidade com qu analisa a questão levada ao Supremo Tribunal Federal, em virtude gama de princípios e de valores que envolve, alémdos elementos qu traz para a solução da controvérsia: “PACIENTE COM HIV1AIDS - PESSOA DESTITUÍ DA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO A VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUI TO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITU CIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5», CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECUR SO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO A SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONS TITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO A VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generali dade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tu telado, por cuja integridade deve velar, de maneira res ponsável, o Poder Público, a quem incumbe formular <• implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portado res do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assis tência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saú de - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência cons titucional indissociável do direito à vida. O Poder Públ i co, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da popula ção, sob pena de incidir, ainda que por censurável omis são, em grave comportamento inconstitucional. A IN TERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTIC A. NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA L éo d o A m a r a l F ilh o C O N S T IT U C IO N A L IN C O N S E Q Ü E N T E. - O ca ráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políti cos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode: converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele de- positadas pela coletividade, substitiiir, de maneira ilegí- tinia, o cumprimento de seu impostergàvel dever,_por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. D IS- T R IB Ü IÇ Ã O G R A T U IT A D E M E D IC A M E N T O S A P E S S O A S C A R E N T E S . - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas por tadoras do vírus H IV /A ID S, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5o, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pesso as, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do S T F ”.53 (desta ques nossos) Vê-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi extraído de uma interpretação sistemática de princípios e garantias, analisados sob a ótica de relações de hierarquia e coordenação. O reconhecimento do direito à saúde, como manifestação de direito social, foi colocado como “meio”, no sentido de se garantir o direito fundamental e inalienável à vida. 53 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n° 271286, rel. Min. Celso de Mello, Diário da justiça 24/11/2000. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Do voto do Ministro Relator extraem-se importantes consi derações, todas com o especial sentido de tornarem exeqüíveis oh exercícios de comandos que garantam direitos elementares e indis poníveis. Nesse aspecto, quis o ST F demonstrar que o reconheci mento da ineficácia do comando constitucional, sob a imputação da qualidade de norma programática, acabaria por negar o exerci cio de direito de particular e a negativa da prestação de dever a que o Estado está imbuído: “Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao pro cesso de sua afirmação constitucional e que atua como pres suposto indispensável à sua eficácia jurídica QosÉ A fonso DA SlLVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permi tir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das entidades governamentais, da ta refa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclamç o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencialfiuc, para além da simples declaração constitucional dgsse_direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como 6 di reito à saúde — se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo pró- prio ordenamento constitucional.” (destaques do original) A nosso ver, ao formular esse exercício de interpretação, oSn premo Tribunal Federal alcançou a essência desse termo, de acordo com a concepção de C a rlo s M a x im ilia n o , para quem: L éo d o A m a r a l F ilh o “Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vo cábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém. Pode-se procurar e definir a significação de conceitos e in- tencões. fatos e indícios: porque tudo se interpreta: inclusi ve o silênció?’.54 Ainda esse mesmo saudoso autor, ao dedicar um capítulo para tratar e ensinar sobre modos de interpretação dos textos constitucio nais, faz algumas advertências que não devem ser esquecidas por aque les que se ocupam do estudo dos direitos sociais, e que devem, sobretudo, ser consideradas, nos dias atuais. Dessas lições destaca mos os seguintes trechos: “374 - XI. Quando a Constituição confere poder geral ou prescreve dever franqueia também, implicitamente, todos os poderes particulares, necessários para o exercício de um, ou cumprimento do outro. É força não seja a lei fundamental casuística, não desça a minúcias, catalogando poderes especiais, esmerilhando pro vidências. Seja entendida inteligentemente: se teve em mira os fins, forneceu meios para os atingir. Variam estes com o tempo e as circunstâncias: descobri-los e aplicá-los é a ta refa complexa dos que administram”.55 (destaque nosso) “377 — XIV. Interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Consti tuição. Assim se entendem os que favorecem algumas pro fissões, classes, ou indivíduos, excluem outros, estabelecem incompatibilidades, asseguram prerrogativas, ou cerceiam, 54 Hermenêutica e aplicação do direito, p. 9. 55 Hermenêutica e aplicação do direito, p. 312. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA embora temporariamente, a liberdade, ou as garantias da propriedade. Na dúvida, siga-se a regra geral. Entretanto, em Direito Público esse preceito não pode ser aplicado à risca: o fim para que foi inserto o artigo na lei, sob releva a tudo. Não se admite interpretação estrita que entrave a realização plena do escopo visado pelo texto. Dentre a letra rigorosa dele procure-se o objetivo da nor ma suprema; seja este atingido, e será perfeita a exegese”.56 (destaque nosso) Por fim, resta dizer que a linha que separa as formas de interpre tação, por diversas vezes, varia de acordo com o caso em destaque e a matéria posta em análise. No segundo caso tratado, vê-se que o futi buscado pelo Supremo Tribunal Federal é a proteçãodo bem jurídi co “vida”; tendo essa premissa em destaque, todo o raciocínio foi cons truído com vistas à sua proteção. Na ementa de acórdão abaixo transcrita, o ST F cuidou de esta belecer como critério limitador de sua atuação o campo de cotnpe tência de outro Poder, qual seja, o Legislativo. Dessa forma, col< >n >u como obstáculo à sua competência a possível tutela jurisdicional que permitisse interferência nas matérias de competência alheia, com vistas a manter a integridade do preceito da separação dos Poderes: “Constitucional. Lei Federal. Restrições ao uso e à propa ganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, etc. Impugnação do dispositivo que define o que é bebida alcoó lica para os fins de propaganda. Alegada discriminação le gal quanto às bebidas com teor alcoólico inferior a treze graus Gay Lussac. A subtração da norma do corpo da lei implica em atuar este tribunal como legislador positivo, o que lhe é vedado. Matéria para ser dirimida no âmbito do r>(> Ihitlcm, |>. 3 13-3 14. LÉO d o A m a r a l F ilh o Congresso Nacional. Precedentes. Ação não conhecida”.57 (destaque nosso) Pensamos que a análise relativa à possibilidade jurídica de uma medida judicial dessa natureza deva também passar pelo campo da pragmática. Seu sucesso dependerá de uma tese firme e consistente que conjugue todos os princípios postos, lembrando-se que o siste ma jurídico brasileiro coloca à disposição dos juizes (de qualquer ins tância) e aos jurisdicionados, como garantia da universalidade de jurisdição, a possibilidade da conjugação dos princípios da analogia, costumes e princípios gerais de direito, conforme disposto nos art. 4o da Lei de Introdução do Código Civil (“L IC C ”)58, art. 126 do Códi go de Processo Civil (“C P C ”)59 e art. 8o caput da Consolidação das Leis do Trabalho (“C LT ”).60 1.2 A S eg u r id a d e S o c ia l n a C o n st it u iç ã o F ed eral de 1988 1.2.1 O rg a n iz ação O trato das questões relativas à previdência privada deve neces sariamente passar pela análise da seguridade social. Isso porque a previdência privada é parte integrante do todo que é a seguridade sociajL Sendo assim, é indispensável conceituá-la e defini-la para que 57 Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.755, rel. Min. Nel son Jobim, Diário da Justiça 18/5/2001, p. 431. 58 "Art. 4a - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito." 59 "Art. 126. - O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscu ridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as ha vendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito." 60 "Art. 8a - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do traba lho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mns sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público." P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta assim se possa localizar a inserção da previdência privada no todo, e então estudá-la nos limites de interesse do trabalho. Aqui se pretende demonstrar que a seguridade social e seus ele mentos são verdadeiros direitos sociais. Essa tarefa deve passar pela verificação do tema na Constituição Federal, que se ocupa de estabc lecer os componentes e diretrizes do sistema previdenciário, confor me ensina WAGNER BALERA, com peculiar concisão: “(...) pretendemos, aqui, analisar o Sistema Nacional de Seguridade Social, definido pela Constituição de 5 de ou tubro de 1988 como instrumental apto a garantir as finali dades de bem-estar e justiça sociais a que se acha pré-orde- nado o Estado brasileiro”.61 A referência constitucional elementar acerca da seguridade so ciai encontra-se disposta no caput do art. 194 da Constituição Fede ral de 1988, cujo texto dispõe: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integra do de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, des tinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Esta disposição constitucional é imprescindível para que se p< >s sa compreender a dimensão dada pelo legislador constituinte à ma téria. A seguridade social é. sem dúvida, um meio de alcance do bem-estar e da justiça social, objetivos da ordem social (art. 193),\le forma a cumprir os objetivos fundamentais da República prcvi..^ < >s no art. 3?. além de instrumento garantidor dos fundamentos tia so berania. da cidadania e da dignidade da pessoa humana. E assim quc W a g n e r BALERA encarou a questão quando investigou a efetividade do sistema de seguridade social brasileiro: M Sistema de seguridade soci.il, p. 9. L éo d o A m a r a l F ilh o “Examinaremos se a configuração formal do Sistema N a cional de Seguridade Social, do ponto de vista sistemático, está aparelhada a implementar, na sociedade pátria, o ideal estágio do bem-estar e da justiça sociais que exige e justifi ca a configuração desse complexo e abrangente arcabouço”.62 A leitura do caput do art. 194 permite concluir que a seguridade social é formada por um conjunto de ações que envolve Estado e socie dade, voltado à garantia de serviços de saúde, previdência e assistências sociais. É a própria norma constitucional que determina os elementos integrantes da seguridade social e a eles atribui a característica de inte gração. Em outras palavras, isso significa dizer que a seguridade social pressupõe não só a existência dos três serviços de maneira concomi tante, como também determina sua integração. Portanto, somente ha verá Seguridade Social se houver a prestação dos três serviços de maneira continuada, concomitante e integrada. Isso não implica dizer que há um impedimento à descentralização física e administrativa, mas sim que há a necessidade de ação planejada conjunta. Desde já, é preciso afirmar que essa disposição constitucional impõe a existência de um verdadeiro sistema, no qual os elementos que o integram (saúde, previdência social e assistência social) s.e en contram indissociavelmente relacionados. Nesse sentido, parece-nos que a análise do conceito de seguridade social trazido pela Consti tuição Federal de 1988 deve ser feita de forma a levar em considera ção a noção de sistema como elemento de base do raciocínio. Seguindo esse contexto, encontramos a brilhante definição exposta por P au lo DE BARROS C arv a lh o , que afirma ser o sistema: “(...) o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjun 62 Sistema de seguridade social, p. 11 P r ev id ên c ia P r iva d a A berta to de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema”.63 64 Definido o que vem a ser “sistema” em sua concepção abstrata, e necessário partir para uma aplicação específica desse conceito cm relação à matéria estudada. É preciso dizer que o termo seguridade social é freqüentemente confundido com previdência social e tem uma forte carga de imprecisão que o torna distante da univocidade, confor me ensina o estudioso CELSO B arro so L e ite .65 Aquele mesmo autoi afirma que alguns países tratam como seguridade social aquilo que o nosso ordenamento jurídico prescreve como previdência social e que a expressão surgiu nos Estados Unidos da América, com a edição do Social Secutiry Act (Lei de Seguridade Social de 1935).66 Ao se apro fundar no tema, o autor desenvolve seuraciocínio no sentido de que o termo “seguridade”, “traduz a idéia de tranqüilidade, sobretudo no futuro, que a sociedade deve garantir aos seus membros”, para ao final alcançar a seguinte definição de seguridade social: “Em última análise, a seguridade social deve ser entendida e conceituada como o conjunto das medidas com as quais o Estado, agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de segurança na adversidade, de tran qüilidade quanto ao dia de amanhã. A capacidade de pen- sar é uma das características mais marcantes do homerri; e pensar no futuro é uma forma ao mesmo tempo natural^e avançada de exercer essa capacidade”.67 63 Curso de direito tributário, p. 129. 64 Roque Antonio Carrazza ensina que sistema "é a reunião ordenada das várias |».ul< que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e ns úllim.r. explicam-se pelas primeiras." Curso de direito constitucional tributário, p. 30. ( ) leni.i dos princípios será tratado com maior profundidade no subitem 1.3.2. 65 Celso Barroso Leite, Conceito de seguridade social. In: Curso de Direito Previdenciário, p, 17, 66 Conceito de seguridade social. In: Curso de Direito Previdenciário, p. 16. 67 Ibidem, p. 17-18. L éo d o A m a r a l F ilh o A construção acima realizada deixa claro que a preocupação de segurança para eventos futuros e incertos que possam vir a acometer os seres humanos ganhou a preocupação do legislador constituinte, que anteviu essa possibilidade empírica e tratou de prever mecanis mo de tutela preventiva e de reparação. De outro modo, na lição de C el so B a r ro so L e ite, a noção de risco vem expressa quando afirma que a seguridade social se destina, ou ao menos aspira, a garan tir o ser humano contra o perigo depassar privações".68 H e lo ísa H ern an dez D erzi teceu uma interessante considera ção sobre a noção de risco e a necessidade de que tal conceito fosse e continuasse a ser ampliado. Após um apanhado evolutivo de riscos fisiológicos e econômicos cobertos pelo Seguro Social, acaba por con cluir que esse conceito tende a superar a aspecto unicamente contri butivo, de proteção individual do trabalhador, para atingir um contexto de proteção ao ser humano. Nesse sentido, conclui: “Delineadas essas características, pode-se afirmar que o con ceito ‘Bismarckiano’ de Seguro Social se desenvolveu com ten dências a irm anar-se progressivamente com o sistem a ‘beveredgiano’ de Seguridade Social, conciliando a noção origi nária de proteção individual do trabalhador num contexto social mais abrangente de valoriz.ação do indivíduo enquanto pessoa. A partir do nascimento da Seguridade Social como modelo de proteção integral, em meados do século XX, do ponto de vista teórico, houve mudanças nos conceitos jurídicos dos modelos previdenciários. Assim, os três elementos risco-evm- to-dano passaram a buscar novos conceitos para sua compatibilização com os fundamentos do novo modelo pro tetor, voltado para a proteção das necessidades sociais, consoante veremos a seguir”.69 68 Ibidem, p. 23. 69 A morte e seus beneficiários no regime geral de previdência social, Tese de Doutorado na PUC/SP. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta WAGNER BALERA, por sua vez, parte dessa mesma premissa para realçar a importância que o texto constitucional terá no estudo da matéria, dada a extensão de que se ocupou o legislador constitucio nal quando cuidou das linhas mestras que darão ensejo à edição da legislação infraconstitucional prescritora dos direitos e deveres do Estado e dos membros da sociedade: “Porém, as linhas mestras da organização e do custeio, as sim como a descrição dos mais importantes dentre os be nefícios e serviços de seguridade já vinham reguladas, com riqueza de detalhes, pela própria Lei Fundamental”.70 O trato da questão em âmbito constitucional tem sua razão de existir. Independentemente da melhor técnica de construção do texto constitucional, com vistas à sua eficácia e melhor compreensão, cerl < > é que o legislador previu que a necessidade de reparação de riscos individuais mínimos é necessária para a garantia do bem-estaf so ciai como ura todo. Com essa preocupação transformada em prc missa, vista sob a ótica sócio-jurídica, a Constituição cria .411)1 mecanismo de tornar o E stado e a sociedade como responsáveis pela garantia de um padrão mínimo de subsistência. É o que afirma C e lso B a r ro so L eite : “A s necessidades essenciais de cada indivíduo, a que a socie dade deve atender, tornam-se na realidade necessidades so ciais, pois quando não são atendidas repercutem sobre os demais indivíduos e sobre a sociedade inteira. Esta, então, prepara-se com antecedência para, na medida do possível, fazer de maneira racional o que teria de acabar fazendo de improviso, desordenadamente, em condições desfavoráveis”/ 1 Adiante o autor conclui: 70 A organização e o custeio da seguridade social. In: Curso da direito previdcm i.uit p. 1 7 . 7 1 Conceito de seguridade social. In: Curso de Direito Previdenciário, p. 2 I - L éo d o A m a r a l F ilh o “Vimos que a seguridade social consiste basicamente no meio ou meios de atender na medida do possível às neces sidades essenciais dos indivíduos que têm ao mesmo tem po caráter social, porque quando não atendidas normalmen te recaem sobre a sociedade, sobre os demais indivíduos. É importante salientar que essas possíveis repercussões não lhes retiram a natureza intrinsecamente individual; são ne cessidades dos ser humano, são problemas pessoais que têm de ser resolvidos; é o lado negativo da vida de cada um. As soluções é que são sociais - e é nesse sentido que as neces sidades se tornam sociais também. (-) N o rm alm ente as necessidades individuais a cargo da seguridade social têm raízes econômicas: insuficiência de meios de vida acarretadas pela ausência ou escassez de re cursos, isto é. de rendimentos^ ^ so lu ção está, portanto, e m suprir essa privação mediante a garantia pelo menos jdos recursos mínimos indispensáveis, isto é. dos recursos^-eco- nômicos”.72 E interessante notar que a Constituição Federal de 1988 tratou de implementar um vetor dirigido para o legislador infraconstitucio- nal: o conjunto da seguridade social é constituído de um sistema in tegrado, garantidor destes elementos: previdência social, saúde e assistência social. De acordo com o arquétipo constitucional de 1988, as partes desse todo são apenas as três mencionadas. Portanto, incluir outros programas estatais destinados ao bem-estar e justiça sociais - tais como educação, transporte e outros - pode caracterizar em erro conceituai. Entretanto, a idéia de Estado de Bem-Estar pressupõe algo bept mais abrangente que o conceito de seguridadejocial. Todas as de 72 Ihidem, p. 2 S. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA mais ações e serviços que vierem a se juntar à seguridade social com esse propósito estarão fundadas no campo da proteção social. A con trario sensu, isso implica dizer que a seguridade social é parte de um outro todo que é a proteção social, tal como afirma CELSO BARROS() L eite : “Sabe-se, e foi aqui repetido, que a Constituição, ao definir seguridade social, estabelecendo que ela compreende saú de, previdência e assistência social, caracterizou estas como partes do todo que aquela constitui. Fez mais do que isso. Ao cogitar de medidas congêneres, no mesmo capítulo ou cm outros, especialmente no dos direitos sociais, deixou implícito que para além da seguridade social existe uma área idêntica ou muito próxima. Trata-se, naturalmente, da proteção social; e de acordo com esse en- tendimento o todo formado pela seguridade social, com suas três partes bem especificadas, passa, por sua vez, a ser parte do todo mais amplo da proteção social”.73A essa conclusão, pode ser acrescida a afirmação de W acnkn B a ler a , alinhavada por meio de uma análise macroscópica da matéria, tendente a uma concepção de maior abrangência no campo social: “Tendem ao objetivo último da Justiça Social todas as polí ticas sociais que, com o instrumental da seguridade social, o Estado e a sociedade implementarão, em obediência do Estatuto Fundamental.”74 Diante disso, concluímos de início que a Constituição Federal de 1988 prescreve um sistema de seguridade social, que é formado de apenas três partes: a previdência social, a saúde e a assistência sociaI, destinadas a alcançar, em conjunto com outras ações e serviços in te 73 Conceito de seguridade social. In: Curso de Direito Previdenciário, p. 30 e 3 I 74 Sistema de seguridade social, p. I rL grantes da proteção social estatal, o ideário do Estado de Bem-Estar Social e justiça social. Essa afirmação se enriquece, se analisada sob o prisma das idéias fundamentais nas quais a seguridade social tem base. Em sua tese de doutorado, H ELO ÍSA HERNANDES D e r z i cuidou desse tema com pre cisão e, após extrair a essência de diretrizes prescritas na Constitui ção Federal de 1988, concluiu: “Observa-se, pois, o caráter nitidamente publicista do direi to à seguridade social, contido nos arts. 193 e 194 parágrafo único, da Carta Magna, que atribui ao Poder Público o de ver de organizar o sistema integrado de proteção, o qual, den tre outros princípios específicos, deverá ter como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça so ciais. Assim, a Seguridade Social, concebida pelo constituinte de 1988, apóia-se em três idéias fundamentais: Ia. — a valorização do trabalho e, por conseguinte, o alcance do 'pleno emprego’; 2a. — a busca do bem-estar e, para tanto, a integração dos mecanismos jurídicos preventivos e reparadores das necessi dades vitais do ser humano; e 3a. — a realização dajustiça social, a se perfazer por meio de um sistema equânime de repartição da renda nacional. ”75 (des taques do original) Mais adiante deixaremos claro que a previdência privada tam bém faz parte desse todo como elemento que a ele é agregado e per mite que as limitações existentes sejam reduzidas. Por ora, em atenção à boa técnica - em especial à observação ao princípio da não-contra- dição, que deve reger todo trabalho que pretenda ser científico - es- L éo d o A m a r a l F ilh o 75 A morte e seus beneficiários no regime geral dn previdência social, |>. (> P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta clarecemos que os ilustres autores WAGNER B a le r a e CELSO B au ROSO LEITE têm posição conflitante a respeito dessa questão. Isto porque o segundo, ao contrário do primeiro76, entende que a previ dência privada não faz parte do sistema, daí a imprecisão de denon 1 i nar suas entidades de “fundações de seguridarfe. ’V1 Ressalta-se que as citações acima referidas podem ser utilizadas e concatenadas da for ma como posta, desde que observada essa ressalva. Ademais, é preciso dizer, em um breve resgate histórico, que da proteção comum e rudimentar das comunidades, impulsionadas pelo sentimento de solidariedade entre seus membros, brotou a existência do mutualismo, consistente em um sistema muito simplório de arre cadacão de contribuições para o provimento de auxílio a quem ne cessitasse. Posteriormente, surgiu o “seguro social”, cujo modelo foi copiado do “seguro privado”, por meio do qual se garantia o indi ví duo contra infortúnios, mediante o pagamento de parcela específica (prêmio). A formação do conceito de “seguridade social” decorre da necessidade de inserção de benefícios e serviços por parte do Esta'l< > a todos que não possuíam condições de fazê-lo. É a inserção do c<>i 1 , ceito de assistencialismo no âmbito da proteção social. A r m a n i ><) t >i- Assis explica esse fenômeno ao tempo que afirma sua concepção de “seguridade social”: “(...) em todo o mundo, se nota um movimento no sentido de dar ao seguro social maior profundidade. Esse tendência vem se manifestando mediante o emprego da nova expres são ‘seguridade social’, idéia que se inspira no conceito fun damental da obrigação que tem a sociedade de assegurar o bem-estar presente e futuro de seus membros, abolindo a miséria e garantindo a conquista digna e suficiente dos meios de vida”. 7() Sistema dc seguridade social, p. 14. 77 Conceito de seguridade social. In: Curso de Direito Previdenciário, p. I í>, L éo d o A m a r a l F ilh o Explica esse precursor da doutrina previdenciária brasileira que a intelecção da questão relacionada ao ponto está na conjugação dos elementos: indivíduo e sociedade.78 E interessante que para estabe lecer uma concepção de risco social, aquele estudioso descartava a exis tência de diversos riscos, mas a restringia à existência de um único risco, descrito como aquele que sofre “o trabalhador, isto é, uma pessoa economicamente fraca, perder o seu salário, ou melhor, ver-se impossibili tada de o ganhar por motivo de certas eventualidades que são inerentes à vida do homem 'P Trata-se de um interesse da sociedade em manter e prover-con dições mínimas de subsistência para seus membros hipossuficientes, mediante a transferência indireta de recursos por parte daqueles que têm condições de honrar com tais compromissos. Existem, pois, re- lações j urídicas bilaterais entre indivíduos e sociedade; os primeiros participam mediante o cumprimento de deveres que lhes são im postos por lei, a segunda, mediante o desempenho desse papel pro- tptor que lhe é típico80. Explica aquele estudioso que em sua concepção “(...) o risco se torna socializado, ameaça igualmente o indi víduo e a sociedade, ou quiçá, mais a esta do que aquele”.81 A R M A N D O D E Assis adverte que há limites para a prestação da sociedade em relação aos riscos. Afirma que a sociedade é limitada a atuar na prevenção do risco social, assim entendido como aquele decorrente do que esta considerar como “necessidade social”.82 M o a c y r C a r - d o s o D E O l i v e i r a , por sua vez, afirma que há situações nas quais a sociedade não pode atuar porque dependem da formação do ser humano, em seu aspecto interior.83 78 Em busca de Lima concepção moderna de "risco social". In: Revista dos Industriários ne 18, p. 26. 79 Em busca de uma concepção moderna de "risco social", p. 26. 80 Ibidem, p. 27. 81 Ibidem, p. 28. 82 Em busca de uma concepção moderna de "risco social", p. 30. 83 Política Social e Seguridade Social. In: Debates Sociais nH 32, p. 39. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Daí a conclusão alcançada por A RMANDO DE Assis de que a so ciedade presta essa proteção, espécie de garantia contra risco soe i a I, aos indivíduos pelo simples fato de serem seus membros e, por essa razão, a atuação da sociedade estará limitada aos recursos que p o ssu i e à organização de cada Estado. Portanto, o risco protegido será aquele capaz de atingir toda a sociedade.84 Necessário dizer que a Medida Provisória n° 103, de 01/1/2003, convertida na Lei n° 10.683, de 28/5/2003, alterou a atribuição dos ministérios que abrangem os elementos integrantes da seguridade social. Assim, as tarefas de previdência social e assistência social ío ram desmembradas do Ministério da Previdência e Assistência So ciai em dois ministérios distintos - Ministério da Previdência Social e Secretaria da Promoção Social, além do Ministério da Saúde, já existente. Posteriormente, a Medida Provisória 163, de 23/1/2004, que alterou a Lei n° 10.683, de 28/5/2003, reformulou a organização d< >s chamados “Ministérios da Área Social” e criou o Ministério do I V senvolvimento Sociale Combate à Fome, a quem incumbe as atividades de assistência social. Posteriormente, essa medida provisória foi con vertida na Lei n° 10.869,de 13.5.2004. 1 .2.2 Os PRINCÍPIOS GERAIS E ESPECÍFICOS Antes de tratarmos dos princípios que estabelecem as premissas elementares do conjunto indissociável de ações formado pela previ dência social, saúde e assistência social, entendemos que é pertinente abordar a concepção de princípio que se adota, para depois analisai princípios específicos e, em função da conclusão alcançada, estabele 84 Fm busca de uma concepção moderna de "risco social". In: Revista (los Industr/.i/to’. nu 18, p. 32. Nesse sentido, em outra obra, o autor aborda a previsibilidade'de (x oii('n cia de riscos e meios de redução por meio de "economia coletiva". Coinftfliulio de segu/o social, p. 14. L éo d o A m a r a l F il h o cer uma escala de valores entre esses princípios. A opção feita passa pelo estabelecimento de um conceito de princípio, para depois abor dar princípios gerais que devem reger a seguridade social e, daí, pas sar pela análise dos princípios específicos colocados pelo legislador constituinte. Em nossa opinião, a adoção da idéia de princípio deve ser sempre precedida de um entendimento pessoal a respeito de uma escala de valores das normas contidas nas prescrições dos textos normativos. A doutrina nacional menciona exaustivamente que o term o p rin cípio é ambíguo.85 Entretanto, essa dissonância não pode ganhar pro porção indevida a ponto de permitir que nos furtemos à fixação de um conceito. Do ponto de vista pragmático e leigo, o princípio traz uma idéia de começo ou origem; um ponto de partida ou fundamento para um processo.86 R OQUE A n to n iq CARRAZZA, após admitir o universo ju rídico concebido sob a forma de sistema, compara os princípios às vigas mestras de um edifício, no sentido de partes integrantes que lhe sustentam. Em seu entendimento: “Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posi ção de preeminência nos vastos quadrantes do Dirçito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendi mento e a aplicação das normas jurídicas que a ele se conectam’.’.87 85 Paulo de Barros Carvalho, O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. In: Revista de direito tributário, p. 74. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Consti tuição de 1988, p.114. Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 105. Renato Lopes Becho, Tributação das cooperativas, p. 17. Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 89. 86 Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 30. 87 ibidem, p.32. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta P au lo de B a r ro s C arv a lh o inicia a análise do tema com a constatação de que toda norma jurídica está impregnada dc valor, para em seqüência afirmar que existem preceitos fortemente carrc gados de valor, a ponto de exercer papel diretivo no ordenamento. Necessário dizer que para aquele autor, a locução norma jurídica I raz a idéia do produto obtido pelo jurista em decorrência de processo de interpretação de texto legal.88 Segundo aquele autor: “Em Direito, utilizamos o termo ‘princípio’ para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, inde pendentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma”. “(...) ‘princípios’ são ‘normas jurídicas’ carregadas de forte conotação axiológica. E o nome que se dá a regras do direi to positivo que introduzem valores relevantes para o siste- ijia, influindo vigorosamente sobre o orientação de setores da ordem jurídica”.89 Partindo dessa premissa, afirma a existência de quatro acepçi >es para o termo princípio'. “Assim, nessa breve reflexão semântica, já divisamos quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegia da e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição pri vilegiada, mas considerados independentemente das estru turas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar cm conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos ‘prin íiít n<> Curso de direito tributário, p. 8. < > princípio d.i segurança jurídica em matéria tributária, p. 78. L éo d o A m a r a l F íl h o cípio’ como norma’; enquanto nos dois últimos, ‘princípio’ como ‘valor’ ou como critério objetivo.”90 Ao analisar a aplicação de princípios constitucionais à luz do processo, WAGNER BALERA aborda a aplicação de princípios e sobre- princípios, de forma a criar um verdadeiro elo entre eles, de modo a condicionar sua aplicação à eficácia dos demais: “O fenômeno processual vive em busca da isonomia, que nele (processo) acaba por ganhar expressão superior, por estar dotada de sentido formal quase absoluto. Entretanto, o triunfo da isonomia só terá lugar com a efeti va concretização do bem-estar e da justiça em favor dos que fazem jus às prestações de seguridade social. Enquanto tal, o processo não é mais que pura forma”.91 RoQUE ANTONIO CARRAZZA trata da abrangência dos princípios de modo a afastar a sobreposição de um em relação ao outro em razão de sua existência implícita ou explícita: “Não importa se o princípio é implícito ou explícito, mas sim, se existe ou não existe. Se existe, o jurista, com o ins trumental teórico que a Ciência do Direito coloca à sua disposição, tem condições de discerni-lo. (...) Aliás, as nor mas jurídicas não trazem sequer expressa sua condição de princípios ou regras. É o jurista que, ao debruçar-se sobre elas, as identifica e as hierarquiza”.92 90 Curso de direito tributário, p. 142. Eros Roberto Grau afirma: "Cada conjunção ou jogo de princípios será informada por determinações da mais variada ordem: é necessário insistir, neste ponto, em que o fenômeno jurídico não é uma questão científica, porém uma questão política e, de outra parte, a aplicação do direito é uma prudência e não uma ciência. 38. Tanto o aplicador quanto o intérprete do direito, ao comporem tais jogos de princípios, atuam sob impacto, também, de valores ideológicos. Há aí, definidamente, uma escolha entre princípios (Jean Boulanger, ob. cit., p. 74)." A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 106. 91 Processo administrativo previdenciário - benefícios, p. 107. 92 Curso de direito constitucional tributário, p. 32. - É interessante notar que o autor afir ma que "(...) para que se possa sustentar a validade de uma argtimenlação, o priiieíjiio P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta Paulo de B arros C arvalho, ao concluir sua posição consoli dada sobre os princípios, conclui pela existência de um caráter agre gador em relação às normas, e conclui de maneira essencialmente igual: “Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, im primindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fa tor de agregação de um dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurí- dicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de fei- tio-intuitivo para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que repre sentam para a ideologia do intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e sofcre- princípios . Encontramos um caso interessante para estudo na jurisprudén cia nacional. O Supremo Tribunal Federal enfrentou uma q u e s t ão peculiar que envolvia uma antinomia de princípios. O meio cncon trado para a solução foi acolher a aplicação do princípio que presct vava a maior garantia ao cumprimento de interesses prestigiados pela Constituição Federal. Dessa forma, aquele Tribunal afirmou a ex is tência de uma hierarquia de princípios.94 E ros R oberto G rau cui deve ser verdadeiro ou, pelo menos, pressuposto verdadeiro". (Curso..., p. 30, nol.i 1 1<■ rodapé 8) Eros Roberto Grau, por sua vez, não admite a atribuição do valor verdadcim a um princípio, por entender que a eles se aplica a valoração de vigentes/eíic a/cs <• não-vigentes e não-eficazes. 93 Curso de direito tributário, p. 145. 94 Supremo Tribunal Federal, Habeas CorpusríJ 81.442, rel. Min. Maurício Corrêa, I liáiín da justiça de 08.11.2001. Nesse caso, a questão estava resumida em impedir a rcali/.i ção de exame de ONA para efeito de identificação do pai biológico de nascitnro, gcia do quando da pcrmanênrin ria m3e em regime fechado. A acusação d.i m.lc cia no L éo d o A m a r a l F ilh o dou da questão com particular propriedade, no momento em que deixou clara a possibilidade dada ao intérprete de optar pelo princí pio a ser aplicado: “Refere a doutrina ainda, no entanto, an tin om ia s j u r í d i cas im próp ria s. Aqui, porém, o conflito alinhado entre normas não conduz à necessidade de uma delas ser eli m inada do sistema. O conflito se m anifesta - há incom p atib ilid ad e entre am bas — porém não resu lta em antinom ia jurídica. Desse tipo, os conflitos entre princípios: a opção do aplicador do direito ou do intérprete por um deles - em detrimento do que a ele se opõe - não implica desobediência do outro”.95 É interessante notar que P au lo de B a r ro s C a rv a lh o e E ro s R o b erto G ra u admitem a existência de princípios que se sobre põem aos demais como normas abstratas, não necessariamente po sitivadas, de forma a regrá-los como diretrizes das diretrizes. O primeiro autor os denomina sobreprincípios e o segundo princípios gerais: “H á ‘princípios’ e ‘sobreprincípios’, isto é, normas jurídicas que portam valores importantes e outras que aparecem pela conjunção das primeiras. (...) sentido de que fora estuprada por funcionário público federal com acesso à carceragem. Por outro lado, esta se negava a permitir a coleta de material biológico (placenta) para realização de exame de DNA, por alegação do princípio da preservação da intimida de. No momento em que a mãe não apontou o autor do suposto estupro, tornou-se o agente indefinido, sabendo-se apenas que, por sua acusação, seria ele policial federal. Encontravam-se em choque dois princípios: o da preservação da intimidade e o pu blicidade, necessária para a manutenção da dignidade dos membros da instituição policial, que se encontrava questionada pela acusação. O Tribunal entendeu que a retirada de material biológico não se configurava agressão à intimidade e que ainda que assim não fosse, a preservação da imagem da instituição se sobrepunha ao suposto dano sofrido pela coleta do material, que não necessitava de procedimento invasivo. O caso posto revela um conflito de princípios, a nosso ver, aparente. 95 A ordem econômica e a Constituição de 1988, p. 106. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Em erge pelo reconhecimento de outras normas que, ten do a dignidade de princípios, pelo quantum de valor que carregam consigo, fazem dele um ‘sobreprincípio’. Reali za-se pela atuação de outros princípios. (...) 11. Conclusões (...) 10a) T odo princípio atua para implantar seus valores. H á, con tudo, conjuntos de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia, aos quais chamaremos de ‘sobreprincípios’. Entre esses está o da ‘segurança jurídica.’”96 “(...) Já os p r in c íp io s g era is do d ir e ito pertencem à lingua gem dos ju ristas. São proposições descritivas (e não normativas), através das quais os juristas referem, de m a neira sintética, o conteúdo e as grandes tendências do di reito positivo.”97 Os princípios devem ser admitidos de maneira conjunta, ja mais isolada, e cuja importância é equilibrada e afirmada por un tros princípios e normas.98 Assim, admitindo-os como valores <> limites^objetivos que dão sustentação e diretrizes ao sistenia, espe cialmente no que diz respeito à edição de novos preceitos, passa mos a enfrentar o tema dos princípios específicos da seguridad social. 96 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, p. 89. 97 A ordem econômica e a Constituição de 1988, p. 85. Para a fixação do lermo "prin< l|>l< gerais" o autor toma como base a doutrina do jurista francês Antoine Jcnmm.uul < ilai na Revista droit social, ní!s 9-10, set.-out. 1982, p. 618. Afirma ainda, quo os pi iix íjili gerais do direito estao referidos no art. 4” da Lei de Introdução do Código ( ivil." 98 Roque Anlonio C arra//a, Curso dc direito constitucional tributário, p. i I . L éo d o A m a r a l F ilh o 1.2.3 Os PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DA SEGURIDADE SOCIAL Estabelecida a premissa como na forma acima, deve-se verificar quais são os objetivos da seguridade social o que ela deve buscar e atender. E preciso apontar isso antes de verificarmos seus princípios. No caso do sistema positivo brasileiro, a matéria relativa à segu ridade social tem status constitucional. Por esse motivo, devemos en contrar na Constituição Federal de 1988 os textos que tratam do tema e conjugá-los com as diretrizes maiores; dessa forma, podemos encontrar um entendimento seguro sobre a extensão de cada um dos princípios encontrados. Mantemos, ainda, a premissa colocada por WAGNER B alera no sentido de que a diretriz expressa no art. 193 dessa Constituição é critério de interpretação de todas as normas previdenciárias ." Da leitura do art. 194 da Constituição Feder,al, podemos extrair diversas normas que estabelecem diretrizes e contornos para a segu ridade social. Basta iniciar pelos incisos de seu parágrafo único, que determinam as premissas a serem adotadas pelo Estado na or^ ganiza- ção da seguridade social: “Art. 194. (...) Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às po pulações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; 99 Processo administrativo previdenciário - benefícios, p. 107. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhado res, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”. Com finalidade de atender ao pressuposto deste subitem, passa remos a dissertar sobre cada um dos incisos mencionados, tendo sem pre em mente que das conclusões obtidas resultarão as normas que nos fornecerão condições de verificar a validade de prescrições jun' dicas editadas pelo legislador ordinário. Da locução “Universalidade da cobertura e atendimento” extrai se desde logo a característica de abrangência que o sistema deve em pregar, de modo a atender a uma concepção moderna de seguridade i social, no mesmo ideário que estimulou o Relatório Beveridge, port < > de partida do atual sistema inglês. E pressuposto do sistema de scgu ridade social proporcionar a extensão de seus serviços a um maioi número possível de assistidos. Esse número diz respeito não so a quantidade de pessoas, mas sobretudo às diferentes classes de individuos que vierem a ser atendidos. Sob a ótica de intérprete da ( \>ns tituição Federal de 1988, cremos que o sistema deve estar sempre direcionado a incluir o maior número de indivíduos, das mais dilc rentes classes sociais e prestar-lhes o maior número de serviços des tinados a minimizar, senão impedir a ocorrência de danos decorrentes de riscos que os afetam e às suas famílias. Um sistema tão melhor, quanto maior for sua capacidade e eficácia de abrangência. Há 111 u i t o tempo, explicava ARMANDO DE Assis que “num sistema moderno de seguridade social, todo mundo nele deve estar incluído, sem distinção da ■posição social e econômica de cada um f.. .) ”.100 100 I m busca de umn ronre/JÇ.To modtwia de "risco social'1, p. 20. L é o d o A m a r a l F ilh o O conceito de “universalidade” passa por uma divisão dicotômi ca na ótica de M arcos O rione G onçalves C orreia e É rica Paula B archa CORREIA, da qual resultarão a universalidade objetiva e sub jetiva., para daí atribuir a amplitude de conceitos que mencionamos: “Cumpre ressaltar que referido princípio divide-se em prin cípio da universalidade subjetiva e princípio da universali dade objetiva. Senão vejamos: U niversalidade sub jetiva - Enquanto na Previdência Social a proteção dava-se apenas aos trabalhadores assalariados, a seguridade social estende-se a todos os cidadãos de dado território, tenham ou não eles vínculo empregatício. U niversalidade ob je tiva — N a Previdência Social a cobertura era apenas para os riscos predeterminados, havendo neces sidade de concreção individual destes e de possível avalia ção econômica. Já na seguridade social protege-se tanto a necessidade anteriormente prevista e assegurada como tam bém a necessidade ocorrida sem previsão e, ainda, necessi dades coletivas - v.g., a profilaxia epidemiológica. (...) Dessarte, com o fim de eliminar a miséria, o princípio da universalidade, na seguridade jjqcial, agasalha todas as pes- so^s que dela necessitam (universalidade subjetiva) ou que pogsam vir a necessitá-la nas situações socialmente danosas (universalidade objetiva), ou seja, eventualidades que afe- taqj a integridade física ou mental dos indivíduos, bem como aquelas que atinjam a capacidade de satisfação de suas ne cessidades individuais e de sua família pelo trabalho”.101 WAGNER B ALERA afirma que a universalidade se constitui na espe cífica dimensão do princípio da isonomia”, por ser igual proteção a todos. 101 Curso de direito da seguridade social, p. 60-61 Vê, no comando constitucional, a subdivisão do conceito em duas subes pécies, determinadas pelos vetores “cobertura” e “atendimento”: “A universalidade da ‘cobertura’ refere-se às situações da vida que serão protegidas. Quais sejam: todas e quaisquer con tingências que possam gerar necessidades. Já a universalidade do ‘atendimento’ diz respeito aos titula res do direito à proteção social. Todas as pessoas possuem tal direito”.102 Outro princípio que atende ao princípio maior da isonomia c o que trata da “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às popu lações urbanas e rurais ”. Esse comando é louvável do ponto de vista da evolução em direção ao ideal da seguridade social. Sua raiz é sobretudo histórica e recente: até a edição da Constituição Federal de 1988 t>s trabalhadores rurais recebiam tratamento diferenciado em relaçt\t > aos trabalhadores urbanos. Seu sistema de proteção era gerido pelo I' U N RURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, posterionnen I e substituído pelo Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. A dis tinção no tratamento não encontrava suporte em critério razoável de qualquer espécie, seja social, econômica, jurídica, dentre outras. A problemática é bem examinada por JARBAS Passarinik > em recente artigo de sua autoria: “O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), criado pela Lei n. 4.214*, de 2 de março de 1963, arrecadava recursos parcos, derivados de um princípio de justiça distributivista. A contribuição fazia-se na razão direta da renda de cada estado da Federação e a repartição a eles na razão inversa da renda. Assim, o maior contribuinte era São Pau lo e o maior beneficiário o Piauí. Pequenos, porém, os be nefícios, quase simbólicos, eram distribuídos pelos estados. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 102 Sistema cie seguridade social, p. 19, * I oi 4.2 14/6.1 - revogada pela I ei 5.009/73. L éo d o A m a ra l F ilh o O Plano Básico - que integrava a Previdência Social - foi substituído pelo Programa de Assistência do Trabalhador Rural, pela Lei Complementar n. 11, 25 de maio de 1971, o Pro-Rural, concedendo aposentadoria ao rurícola no va lor de metade do maior salário mínimo entre os vigentes do Brasil”.103 WAGNER BALERA afirma o caráter restritivo do regime rural anterior para afirmar que a “base estrutural lançada pelo constituinte exige igual sistema de proteção social, vale dizer, o mesmo elenco de prestações, com critérios idênticos de apuração do respectivo valor, contemplará as sim os trabalhadores do campo como os que laboram na cidade”.104 O comando do inciso III do art. 194, que trata de “seletividade e distributivida.de na prestação dos benefícios e serviços”, também se aplica à concretização de valores constitucionais de primeira magnitude. A seletividade imporá ao legislador que avalie as prestações destinadas a cobrir riscos diversos, com a finalidade de torná-las objeto de positiva- ção e, portanto, obrigatórias. Por sua vez, a distributividade atribui ao legislador a tarefa de verificar prestações que, em conjunto, atinjam as pessoas que se encontrarem em maior estado de necessidade.105 Ao comentar esse princípio, WAGNER BALERA afirma que “no vas circunstâncias poderão exigir a definição de outras prestações, com valores diferenciados, a fim de que se realize, em plenitude, a igualdade de cobertura e do atendimento”.106 Por essa interpretação, entendemos que as prescrições (textos legais) relativas à seletividade e à distributividade na prestação dos benefícios é dos serviços podem sofrer mutações, com vistas a se estabelecer novos alvos situados dentro do possível campo de cobertura e atendimen,to. Nesse sentido: 103 Saudades de Cetúlio Vargas. In: Reforma da Previdência em Questão, p. 77-78. 104 Sistema de seguridade social, p. 20. 105 Sistema de seguridade social, p. 20. 106 Ibidem, p. 20. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta “Essa base estrutural exige que o sistema de seguridade so cial implante a justiça distributiva, proporcional, geométri ca que permita maior amparo à parcela da população cujas necessidades são maiores. Nada mais conforme com os ter mos do art. 3o da Lei das Leis, que quer a construção dum a sociedade livre, ju s ta e solidaria (inciso I), com erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais (II), e. prom oção do bem d e todos (III)” .107 (destaques do original) O princípio da irredutibilidade do va lor dos benefícios tem por premissa a garantia ao direito adquirido108. Essa garantia será itn plementada de modo a impedir a modificação unilateral do obje to da relação entre segurado e gestor da seguridade social, quer em valor monetário (critério quantitativo), quer em valor real (cri tério qualitativo). Para tanto, devem ser positivados critérios que permitam a aferição periódica do valor real do benefício e meios de correção.109 Em pesquisa na jurisprudência, verificamos que o Tribunal Re gional Federal da 5a Região havia determinado a recomposição de benefício já concedido decorrente da alteração de limite dc salai n > de-benefício, sob o entendimento de que existe o direito adquii ido ao benefício tal e qual fora iniciado, em decorrência do efetivo paga mento de contribuição correspondente: “(...) 2. Tendo os autores contribuídopara a previdência sobre 20 salários mínimos, e tendo os mesmos iniciado os respectivos benefícios à época em que ainda vigorava o D e creto n° 89.312184, que previa tal limite, não pode o IN SS, sob o argumento de revisão de benefício sob a égide da nova lei, reduzir aquele para 10 salários mínimos quando da fixa 107 Ihidem, p. 20. 108 Ibiilcm, p. 20. 109 Sistema dc seguridade social, p. 2 I L éo d o A m a r a l F il h o ção da nova RM I, visto que o autor tem direito adquirido a permanecer com o teto anteriormente fixado”.110 No inciso V do art. 194, encontra-se o princípio que determina a “eqüidade na forma âe participação no custeio”. De igual forma, esse princípio determina que o legislador deve “definir a iusta proporção entre as quotas com que cada um dos atores sociais há de contribuirpçira a satisfação da seguridade social ”.111 Esse valor é particularmente importante porque devemos aten tar para a seguridade social direcionada a atender a todos, da maneira mais abrangente possível, sempre voltada para a preocupação na evo lução dos limites de sua atuação. Disso concluímos que os efeitos do princípio da eqüidade se projetam como meio de redução de desi gualdades: exige que quem pode mais, pague mais.112 Não há, de outra forma, como dissociá-lo do princípio da isono- mia, pois sua atuação conjunta permitirá que se implemente um siste ma que atenda ao sobreprincípio da justiça social: o sistema oferecerá tratamento igualitário a todos, mediante a cobrança de contribuições que devem ser desiguais, na proporção da capacidade de pagamento dos cidadãos, mediante a aplicação de critérios pré-fixados poj: lei. 110 Processo ns 98.05.33107-5. Entretanto, esse decisão foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Espe cial nQ 270.424 - Relator Min. Fontes de Alencar - Diário de Justiça da União 09.12.2002) que entendeu válida a limitação, por tratar do valor do benefício prevista pela própria Lei. Com a devida vênia, não nos parece correto esse entendimento, uma vez que a relação de pagamento de benefícios estava validamente constituída e foi precedida do - pagamento de contribuições destinadas ao benefício de 20 salários mínimos. A nova regra não poderia ser aplicada aos novos benefícios. Em julgamento do Supremo Tribu nal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nQ 1.441, rel. Min. Octávio Gallotti, Diário da Justiça de 06/3/1998. 111 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 21. 112 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a fixação em lei estadual de alíquotas diferenciadas de acordo com a remuneração dos servidores, à razão de 8 % e 16% dos vencimentos, de além da limitação da participação do Estado e dos Municípios com os gastos de pessoal não ofende o princípio da eqüidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade n91.425, rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça de 00/9/1999. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA WAGNER BALERA, com propriedade ímpar, consegue delinear a questão e descrevê-la em poucas linhas, sem deixar passar despercc bida a necessidade de que a gradação contributiva deva ser estabelc cida por lei: “A necessária congruência estrutural entre isonomia e eqüida de exige o ponto de equilíbrio entre a capacidade econômica do contribuinte e o esforço financeiro que dele será cobrado para a constituição do fondo comum de proteção social. Aplicado o critério em comento, esse meio indispensável para a concretização da seguridade, que é a forma de parti cipação do custeio, não se constituirá em outro elemento apto a propulsionar ou agravar as desigualdades sociais que, como fatores de risco, a ordem econômica acaba criando. E m suma, a regra ordena que o legislador, ao produziria norma de custeio, atue com o propósito indireto de reduzir ag. desigualdades, mediante a p.rudente_ej^_quada_reparti- ção dos encargos sociais”.113 Em outro trabalho no qual abordou o mesmo assunto, dessa vez descendo a detalhes específicos sob a ótica da contribuição do cm pregador, aquele autor traçou um paralelo entre a medida da capaci dade econômica e o limite de fixação de percentual de cobrança, do que resultou uma interpretação clara e precisa do comando dirigido ao legislador infraconstitucional: “A medida da capacidade econômica de certa empresa, e a carga fiscal que lhe incumbe suportar, estará relacionada, necessariamente, com o_lugar social que a mesma ocupa c com as repercussões da respectiva atividade no universo.da. seguridade social- 113 Sistema de seguridade soci.il, p. 21 L éo d o A m a r a l F il h o O legislador deverá, sempre e necessariamente, em nosso entender, encontrar técnicas de tributação que não apenas revelem as riquezas existentes mas, além disso, identifiquem nelas parcelas que, excedendo o necessário, devem ser repar tidas com a comunidade na qual se insere o contribuinte. (...) Será compatível com a eqüidade a tributação que não iniba o desenvolvimento natural das atividades empresariais e que, no interesse social, imponha ao empregador ônus compatível com o respectivo status nos cenários da relações econômicas”.114 Por sua vez, a contribuição do empregado tem como base o pres suposto que o salário pago pelo empregador contemple uma parcela destinada ao “seguro” que se destine a reparar os efeitos da perda não desejada da capacidade de ganhar.115 M arcos O rione G onçalves C orreia e É rica Paula B archa C orreia condensam os princípios da eqüidade e diversidade de bases de financiam ento, partindo da premissa da utilização da eqüidade como instrumento de promoção da redistribuição de renda por meio da seguridade social, e construindo analogia similar ao preceito encon trado no direito tributário: “Por esse princípio, semelhante ao existente no direito tri butário, cada um irá contribuir para a manutenção do siste ma, segundo a sua capacidade econômica. D aí a existência de faixas contributivas para assalariados, que aumentam à medida que há alteração do valor da faixa con siderada. D o mesmo modo, há diversidade, por exemplo, na forma de contribuição da empresa e de seu empregado. 114 Wagner Balera. A contribuição social sobre o lucro. In: Revista de direito tributário ne 67, p. 294/295. 115 Armando de O liveira Assis. Em busca de uma concepção moderna de "risco social". In: Revista dos industriários nQ 18, p. 25. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Esse princípio corresponde à necessidade, já anunciada an teriormente, de que se promova à redistribuição de renda por meio da seguridade social”.116 O princípio da eqüidade pode ser encontrado na criação do legisla dor constituinte, que consignou, na redação da Emenda Constitucional n° 2011998, a introdução do § 9o do art. 195, cujo texto atribui a reduçiú >, por lei, das contribuições dos empregadores em razão do grau de utiliza ção da mão-de-obra ou da atividade econômica desenvolvida.117 Vale dizer, que a aplicação desse princípio também é encontrada- no subsistema da assistência social. Isto porque, embora os que dela se valham não necessitem contribuir para o sistema, é pressuposto que não o façam (ou não o fizeram) por absoluta falta de condições. Dessa forma, aqueles que podem contribuir o fazem em retribuição aos mais necessitados. Destacamos que alguns autores encontram implícito no in te ri (>r desses princípios o da solidariedade,118 Ele se manifesta pela idéia do sistema previdenciário, que admite a existência de geraçõcs aluais sustentando gerações pagsadas, e de gerações futuras dando su por1 e às gerações atuais. Se assim admitirmos, veremos a solidariedade com o valor decorrente da conjugação da isonomia, eqüidade, seldividuti■ <• distributividade, de tal modo a admitir como decorrente da propi ia concepção de seguridade social, destinada a “abranger toda uma coleii vidade, tendopor contribuintes aqueles que, com capacidade contributivn, contribuem em favo r daqueles desprovidos de renda”.119 Para Andkk Ramos Tavares, há ainda implícita a obrigatoriedade da filiação e par 116 Curso de direito da seguridade social, p. 64. 1 17 Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional n °20 , de 15.12.1998: "§ 9a. As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ler alí(|iiol.r. ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilizai, .n > inlensiva de mão-de-obra". I líl Marcos Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia, Curso dc (lircilo </.i seguridade social, p. 62-64. I I9 Ihitlciu, p. (> i , Léo d o A m a ra l F i lh o ticipação no custeio, de forma que é o próprio sistema que, mediante a compulsoriedade, admite e determina a solidariedade: “A doutrina assinala o princípio da solidariedade entre as gerações como um dos pilares da seguridade social. Esse princípio é uma decorrência da obrigatoriedade de filiação à seguridade social, implicando a respectiva obrigatoriedade de participação no seu custeio, independentemente da von tade individual de filiação e contribuição”.120 O inciso VI do art. 194 informa que a seguridade social deve ser informada pela diversidade das bases de financiamento. Ela é uma de terminação constitucional composta dos elementos objetivo e subje tivo. Esse primeiro elemento “implica a diversificação dos fatos rque gerarão contribuições sociais”', o segundo “exige consideração das pessoas naturais ou jurídicas que verterão contribuições" } 21 Ao examinarmos o art. 195, e respectivos incisos, I, II, III e IV, veremos que a Constituição Federal de 1988 cuidou de prever três figu ras determinantes no custeio da previdência social (Estado, trabalhado res e empregadores)122, bem como prescreve condutas cuja ocorrência no mundo fático desencadearão a obrigatoriedade do pagamento de contribuições à seguridade social (pagamento de salário ou remunera ção, percepção de receita, obtenção de lucro, receber salário ou remu neração, além da parcela do montante arrecadado pelos jogos admitidos por lei - contribuição sobre a receita de prognósticos —, a contribuição da União e importação de bens e serviços do exterior); demais disso, abre campo para que o legislador complementar inclua nesse campo outras condutas ainda não previstas. 120 Curso de Direito constitucional, p. 560. 121 Wagner Balera, Sistema de seguridade social, p. 22. 122 Wagner Balera adverte que apesar da existência de parcelas advindas das pessoas políticas, os trabalhadores e empregadores continuam sendo os maiores responsáveis pelo custeio do sistema. A organização e o custeio da seguridade social. In: Curso de direito previdenciário, p. 47. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Em verdade, esse princípio é um desdobramento do caput do art. 195 da Constituição Federal, que determina que o custeio da seguridade social será feito por toda sociedade. Funciona como ver dadeira diretriz do sistema, com a finalidade de determinar hipóte ses em que determinadas pessoas estarão sujeitas ao pagamento de contribuições, bem como coloca ao legislador a possibilidade, de estender, por meio de lei complementar, o rol de hipóteses de co brança de contribuições, de acordo com os critérios de política t ri butária que adotar, sempre submetidos aos princípios gerais.! Significa, em outras palavras, a faculdade colocada ao legislador in fraconstitucional de “explorar e identificar, com base no art. 195, § •/", combinado com o art. 154, Inciso I, da Constituição, outros sinais dA riqueza que poderão ensejar a cobrança de novas contribuições sociais, n f im de que fiq u e garan tid a a manutenção ou expansão da seguridade social’’.123 Por sua vez, o princípio que consagra o “caráter democrático c d cs centralizado da adm inistração'c u idou de exigir a participação dos 11 a balhadores, empregadores, aposentados e governo na gestão das aeoes de seguridade social, como forma de implementar, na própria Cons tituição Federal de 1988, a norma superior que “definiu o B rasilçtinnn Estado Democrático de D ireito”.124 É conveniente dizer que a redação atual desse dispositivo foi t razi da pela Emenda Constitucional n° 20/1998, que alterou seu conteúdo para o fim de alargar a participação da sociedade.125 Sobre essa extensiu >, encontramos uma explicação que a explana com propriedade: I 2 i Sistema de seguridade social, p. 22. 124 Ibidem, p. 22. 125 Redação dada pela Emenda Constitucional nQ 20, de 15/12/98: "V II - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gosino quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposcnl.i dos e do ( ioverno nos órgãos colegiados". L é o d o A m a r a l F ilh o “A nova redação, portanto, visou aprofundar a participação da sociedade na gestão da seguridade social, mantendo como objetivos primordiais o caráter democrático e descentrali zado da administração. Tal concepção, contudo, há de referenciar-se aos termos da lei que deverá organizar a seguridade social, observados os objetivos elencados no pa rágrafo único do art. 194 da Carta M agna. N ão são, por tanto, dispositivos de aplicação automática, mas cuja eficá cia plena requer integração por meio de lei ordinária”.126 Segundo ensina W agner B alera, a finalidade dessa distribui ção é “(...) dar consistência prática à estrutura que idealizou, permi tindo que a mesma se aproxime dos destinatários das medidas de proteção social (...) para tanto, o constituinte determinou a descen tralização da gestão da seguridade social”. Além disso, o referido au tor vê a descentralização como diretriz que “(...) transfere para a periferia do sistema o poder de decisão, permitindo que os conselhos estaduais e municipais discutam e proponham - a partir da situação local, sempre peculiar, da necessidade particular daquela população assistida - diretivas e planos de ação”.127 Ao imaginarmos essa concepção, surge a constatação de que exis tirão órgãos dotados de capacidade decisória, destinados a avaliar e conduzir a implantação de programas de benefícios de previdência social, saúde e assistência social.128 126 Ação Direta de Inconstitucionalidade na 2.634-8 movida pelo Partido dos Trabalhado res, tendo como requerido o Sr. Presidente da República, protocolo em 01.12.2002. A petição inicial foi obtida por meio de acesso à rede mundial de computadores (Internet), no endereço: (http:llgemini.stf.gov.brlcgi-binlnph-brs?d=ADIN&s1 =2634&u=http:llwww. stf.gov. brlProcessosl adi.asp&Sectl =IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=ADINN&p=1 &r=1 &f=G&n=&l=20) 127 Sistema de seguridade social, p. 23. 128 Na referência anterior, Wagner Balera afirma que a Medida Provisória nD 1.999-16, de 10/3/2000 foi em sentido contrário a tal princípio, uma vez que suprimiu comando da Lei n ° 8.213 (art. 7°), que criava os Conselhos Estaduais e Municipais. Entretanto, a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal, para conhecimento e análise no âm bito do controle concentrado de constitucionalidade, por meio de Açíio l i irei a de PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Da forma como colocado e com auxílio das lições expostas, entendemos que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu dirc trizes ao sistema integrado de ações de previdência social, saúde e assistência social. Essas normas informadoras do sistema guiam <> legislador infraconstitucional para que este paute sua produção le gislativa na cobertura mais abrangente possível dos riscos a que estão expostos todos os seres humanos, de forma a: criar benefícios uniformes e equivalentes para os cidadãos das zonas urbanas e ru rais; atender à seleção de benefícios e serviços que concretizem as finalidades da Ordem Social, os quais devem atender a todos de maneirauniforme, focados na constatação da maior necessidade; fazer valer desde a criação dos benefícios critérios que permitam a manutenção do valor real e nominal do benefício; determinar uma J participação equânime e ampla em termos de custeio, nos moldes das previsões constitucionais preestabelecidas e de competência rc sidual; mediante gestão pelos trabalhadores, empregadores, apo sentados e governo de índole democrática e descentralizada. I Jcssa forma, é perfeitamente admissível a estrutura administrativa que atribua a ministérios distintos, de forma individual, cada uma das tarefas relativas à previdência social, à saúde e à assistência social, desde que suas ações sejam administrativamente separadas, m.is conjuntas e coordenadas. Inconstitucionalidade 2.634. Entretanto, aquele Tribunal não conheceu da ação |><>i entender que, ao julgar Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, o Podei Judiciário não pode adentrar na esfera de competência dos atos administrativos di Poder Executivo, mas somente dos atos normativos. Além disso, entendeu-se que n.li há norma constitucional que determine a existência de órgão de seguridade social, ili modo que a atribuição de competência ao Conselho Nacional de Previdência So< i.il < medida revestida de caráter jurídico. Foi citada como precedente a Ação Direi,i d< Inconstitucionalidade: (...) não é de ser proposta para que seja praticado determinai li ato administrativo em caso concreto, mas sim visa a que seja expedido ato normalivi que se torne necessário para o cumprimento de preceito constitucional que, sem ele não poderia ser aplicado". (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 19, rel. Min. Aldii Passarinho, Diário da Justiça de 14.04.89). L éo d o A m a r a l F ilh o 1 .2.4 A REGRA DA CONTRAPARTIDA - CONSEQÜÊNCIA DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS O sistema de seguridade social é desenhado pela Constituição Federal de 1988 não apenas no que diz respeito à sua natureza e extensão, mas também no que diz respeito aos princípios que infor mam suas características financeiras, como ensina W agner BALERA: “(...) as linhas mestras da organização e do custeio, assim como a descrição dos mais importantes dentre os benefícios e serviços de seguridade já vinham reguladas, com riqueza de detalhes, pela própria Lei Fundamental.”129 Nesse sentido, destacam-se o art. 165, incisos I, II e III, que con ferem ao Poder Executivo a competência para a iniciativa de leis que estabeleçam o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orça mentos, dentre os quais se inclui o da seguridade social. O parágrafo 2o prescreve o conteúdo a ser exigido da lei de diretrizes orçamentárias, enumerando as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüen te e dá orientação à elaboração da lei orçamentária anual, dispondo sobre as alterações na legislação tributária e estabelecendo a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. O parágrafo 5o, inciso III, determina que essa lei orçamentária contenha o orçamento da seguridade social como parte integrante, que abranja todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da adminis- tração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituí dos e mantidos pelo Poder Público. Se assim é, podemos concluir que a lei orçamentária deve tratar do orçamento fiscal - referente aos Poderes da União, seus fundos, 129 A organização e o custeio da Seguridade Social. In: Curso de direito previdenciário, p. 37. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA órgãos e entidades da adm inistração direta e indireta, inclusive fun dações instituídas e m antidas pelo Poder Público — (art. 165, § 5", inciso I); do orçam ento de investim ento em em presas - nas quais “/ União, direta ou indiretamente, detenha a m aioria do capital social com direito a voto - (art. 165, §5°, inciso II), bem com o do orçamento dn Seguridade Social — que abrangerá todas as entidades e órgãos a cla vinculados, da administração direta ou indireta, bem como osfundos e fu n dações instituídos e maiitidos pelo Poder Público”, deverá atender aos prcs supostos da lei de diretrizes orçam entárias, bem com o aos pressupostos do plano plurianual, instrum ento legislativo destinado a avaliar e dis tribuir, “de fo rm a regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da adrni nistraçãopúblicafederal p a ra as despesas de capital e outras delas decorrentes ep ara as relativas aos program as de duração continuada”. WAGNER BALERA afirm a que a “lei orçamentária, da qual f a r á p arte integrante o orçamento da seguridade, deve ser exam inada, necessária mente, com base no art. 96 da L e i n° 8.212/9 1 ”: “Art. 9 6 - 0 Poder Executivo enviará ao Congressô Nacional, anualmente, acompanhando a Proposta Orçamentária da Seguridade Social, projeções, atuariais relativas à Seguridade S<> ciai, abrangendo um horizonte temporal de, no mínimo, 20 (viu te) anos, considerando hipóteses alternativas quanto às variáveis demográficas, econômicas e institucionais relevantes.” A lém disso, o art. 195, § 5o, prevê que “nenhum benefício, ou serviço d a seguridade social poderá ser criado, m aiorado ou estendi do sem a correspondente fonte de custeio to tal” . R eferidas previsões constitucionais têm por escopo servir com o um a referência e gu ia ao legislador in fraconstitucional. T ê m a fin ali dade suprem a de garantir o funcionam ento e continuidade do siste m ia de seguridade social. É o que extrai a lição de W agnkk B a i .kuA: “A seguridade, assim como a segurança e a certeza, formam |ia,rte do patrimônio jurídico dos segurados, de seus depen dentes e, também, do contribuinte. Só existe verdadeira LÉO DO A m a r a l F ilh o seguridade quando se sabe que o dia de amanhã está cober to pelo plano protetivo”.130 Portanto, a C on stitu ição Federal de 1988 coloca obstáculos à im plantação de políticas sociais que não estejam pautadas em crité rios técnicos e cuja solvência seja duvidosa. D essa form a, o sistem a deverá se expandir na razão de sua capacidade financeira, o que eqüi vale dizer que o governo deve basear suas ações em um a constante busca de m eios de obtenção de recursos. R eflexos desses com andos serão sentidos em todo ao âm bito da seguridade social, em especial no âm bito da cobrança de contribui ções, de m odo que ainda que de modo sutil, o esquema em que se calca o financiam ento da seguridade social guarda relação com o arquétipo do ve tusto contrato de seguro que, como sabemos, inspirou o modelo de proteção social”.131 WAGNER BALERA afirm a que a relação de seguridade social tem com o prem issa a relação “sinistro/prêmio segundo a qual: quanto m ajor venha a ser estimado o risco de sinistro tanto maior será oprêm io vertido p elo tomador ( . . . ) ”.132 A ssim , adm ite a existência de um dístico na re lação de seguridade social - ao qual atribui o nom e de “regra da con tra p a r tid a "- externado pela relação contribuição/prestação e que em sua concepção possu i a finalidade de lim itação constitucional aos li m ites de criação de contribuições para a seguridade social. A ssim , em bora tenha o escopo de solidariedade e extensão, a atuação da seguridade social e seu desenho infraconstitucional d evem ter com o pressuposto o planej am ento e a existência de recursos, deli- neados por critérios seguros de estim ativa e controle. A preocupação 130 A organização e o custeio da Seguridade Social. In: Curso de direito previdenciário, p. 46. 131 A organização e o custeio da Seguridade Social, in: Curso de direito previdenciário, p. 43. 132 Ibidem, p. 43. PREVIDÊNCIA PRIVADA ÀBERTA colhida do m undo dos fatos e jurisdicizada não é novae já fora tratada com peculiaridade por M o zart V icto r R u sso m a n o , ao com entar o art. 103 do D ecreto 77.077, de 2 4 /1 /1976 (D ecreto 7 7 .0 7 7 /7 6 )m : “Essa norma é uma projeção prática do princípio da neces sidade absoluta de planejamento da Previdência Social. A criação demagógica de novas prestações, sem o corres pondente respaldo orçamentário, pode pôr em risco o siste ma inteiro. Assim, a criação de qualquer outra prestação previdencial, além daquelas que estão enumeradas, expressamente, na legislação em vigor, ficará, sempre, condicionada à existên cia de fonte de receita j w a o custeio total da iniciativa. Não, apenas, quanto à criação de novas prestações, mas, igualmente, como se vê do artigo supra, para melhoria ou extensão das prestações, exige-se a prévia existência de re cursos que cubram a totalidade dos gastos previstos”.11' A o fazer tal com entário, o ju rista rem eteu aos com entários le i tos em relação ao art. 23 daquele decreto, que determ inava o ro l d o s benefícios oferecidos pela previdência social. N aquele trecho da < >1 >i a encontra-se m encionado que “(...) é em função das disponibilidades <» çam entárias áo Instituto que pode ser planejado e cumprido o program a dc\ distribuição de benefícios efuncionamento dos serviços”.135 E de se afirm ar que a “regra da contrapartida” é um lim itador da criação de novas contribuições para a seguridade social, ao m esm o 1 33 Prescreveu a Consolidação das Leis da Previdência Social: "Art. 103. Nenhuma | m sl.1 ção da previdência social será criada, majorada ou estendida sem a corres|>ondeiih fonte de custeio total". [Decreto 77.077/76 - revogado pelo Dec. 89.3 I 7/84] I 34 Comentários à consolidação das leis da previdência social, p. 278. Os comentados 11< > autor foram produzidos sob a vigência da Constituição Federal do I 967 o suas onion das posteriores, especialmente as de números 1 e 7, do 1969 e 1977, rospei livamonlo I ntendemos, entretanto, que subsistem à edição da atual ( 'onsliluição I odoial. 135 Comentários .1 consolidaçílo rins leis c/a previdência social p. 92. LÉO d o A m a r a l F ilh o tem po em que condiciona a expansão e abrangência desse sistem a à existência de recursos disponíveis e suas projeções. 1 . 2 . 5 O E Q U IL ÍB R IO N A V ISà O D A SEG U R ID A D E S O C IA L Feitas essas ponderações, tem os que a C on stitu ição Federal de 1988 criou o sistem a de seguridade social e condicionou sua-exten- são e abrangência a critérios de solvabilidade e d isponibilidade fi nanceira. O equilíbrio tem p or finalidade a obtenção de um sistem a de seguridade social eficaz, extenso e ao m esm o tem po su stentável do ponto_de vista financeiro, de m odo que as obrigações a ssum idas se jam cum pridas, criando a sensação de O rdem Socia l dese jada e pro piciando o sentim ento de segurança jurídica136. E ssa reunião de fatores faz pensar no conceito de equilíbrio, assim entendido com o a relação positiva ou neutra existente entre as quantias arrecadadas/estim adas e os gastos com os benefícios criados. A descrição do parágrafo anterior encontra suporte de interpreta ção no art. 201 da C onstitu ição Federal, que prescreve a obrigatorie dade de contribuição e filiação ao regim e geral, m ediante a observância de “cr itér io s qu e p r e s e r v em o eq u ilíb r io f in a n c e ir o e a tu a r ia l N esse sentido, após traçar um a retrospectiva h istórica dos siste m as de proteção no Brasil, abordar questões relacionadas à existência da contributividade e alterações constitucionais in troduzidas pela E m en d a C on stitu cion al n ° 2 0 /9 8 , FLÁVIO MARTINS RODRIGUES sin tetiza a d im ensão a ser dada à necessidade de equilíbrio nas contas: 136 Paulo de Barros Carvalho afirma que o princípio da segurança jurídica é um sobreprincípio jmglícito, indissociável ao valor justiça, formado pela junção de outros princípios. Entende o autor que "ta l sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espa ço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confian tes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se rejliza". ( urso de direito tributário, p. 278. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA “ O com p ro m isso prim eiro de qu alq u er regim e previdenciário é manter-se ^ujlibrado_no curto, médio e longo prazos, a fim de poder saldar sempre seus compro missos para com aposentados e pensionistas. (-) O regime de repartição, ainda que funcione como um sis tema de caixa, pode (e deve) possuir equilíbrio atuarial para que não apresente problemas no futuro”.137 N o que d iz respeito à saúde, o art. 196 da C on stitu ição Federal prescreve que a saúde “é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas além de prever outros me can ism os financeiros nos parágrafos 2 o, incisos I, II e III , § 3o, inci sos I, II, III e IV do art. 198. A inda, encontra-se m ecanism o financeiro no caput do art. 2 0 4 da A ssistência Social. N ão há dúvidas de que as m odificações trazidas pela E m en da C onstitucional n ° 2 0 /9 8 introduziram um a form a capitalizada de eus teio_dos benefícios previdenciários.138 O sentido dessa afirm ação c alcançado pela análise sucinta das form as elem entares de custeio exis tentes nos regim es previdenciários: repartição e capitalização. O m odelo atual da Previdência Social brasileira, da qual a pre vidência privada encontra razão de existir, é baseado no regim e de rc partição que se caracteriza por apresentar “custeio em regime de caixa, pelo qual o que se arrecada é imediatamente gasto, sem que haja, obrigatoriamenlt \ uni processo de acumulação e pode ser utilizado com muito êxito quiiiult) há expressivo grupo de jovens trabalhadores ativos epoucos trabalhadores aposentados, além de adm itir que outros setores da sociedade custeiem o\ benefícios, p o r meio de tributos afetados ou não a esta finalidade .' i‘> I ’or I \7 I lindos de Pensão de Servidores Públicos, p. 1 (>. 1,'iíi Ihidcm, p. 9. I 19 I tinilos do Pcnsiio (le Seividores Públicos, p. 10. L éo d o A m a r a l F ilh o su a vez, o reg im e de c ap ita lização , “pressupõe a acum ulação de v a lores durante a f ase a t iv a do trab a lhador, p ara que esse m on tante possa suportar os custos de seu benefício f uturo”. A in d a seg u n d o F l á - VIO MARTINS R o d rigues, esse reg im e tem a v a n tag e m de ev itar o d ife r im en to d o p rin c ip a l custo dos b en e fíc io s ap ó s su a co n c e ssã o .140 A lia d o a fa to res com o a m o d ificação d a estru tu ra de- m o g rá fica e p ro g re sso s da c iên cia re fle tid o s na v id a do§ seres h u m an o s, o reg im e de re p a rtição s im p les p o d e ge rar sé r io s p ro - b lem as de c a ix a . N esse m om ento, vê-se que o direito positivado na Constituição Federal de 1988 estabelece critérios genéricos para a preservação do bem jurídico que pretende tutelar. A ssim , recorre a outros ram os do conheci m ento para alcançar o resultado pretendido. Caberá, pois, aos técnicos em ciências econôm icas e atuariais, com as balizas postas pelo direito positivo, a fixação de critérios que visem a garantir a ju sta proporção receita/gastos. 1 .2 .6 A P R E V ID Ê N C IA S O C IA L A n tes de tratarm os da previdência social tal qual se apresenta hoje no direito positivo141, é pertinente que se faça um a breve abor dagem histórica sobre a trajetória da proteção social no B rasil.142 140 Ibidem, p. 11. 141 Paulo de Barros Carvalho define direito positivo como "Se pudermos reunir todos os textos do direito positivo em vigor no Brasil, desde a ConstituiçãoFederal até os mais singelos atos infralegais, teremos diante de nós um conjunto integrado por elementos que se inter-relacionam, formando um sistema. (...) o plexo das normas jurídicas váli das está posto num corpo de linguagem prescritiva, que fala do comportamento do homem na comunidade social. Essa rede de construções lingüísticas é o que chama mos de sistema empírico do direito positivo, justamente porque está voltado para uma específica região material: certa sociedade, historicamente determinada no espaço e no tempo", Curso de direito tributário, p. 8. 142 Referências históricas extraídas de Marcos Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia, Curso de direito da seguridade social, p. 11-14. Excetuam se as men ções aos militares. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA A prim eira referência constitucional constou da Constituição I 'c deral de 1891, que, em seu artigo 75, garantia aposentadoria aos fund o nários públicos em caso de invalidez a serviço da nação.143 Por sua vez, a C onstitu ição Federal de 1934 prescrevia que com petia à U nião a fixação de regras de assistência social144, bem com o aos estados-m cm bros a saúde, assistência pública e fiscalização das leis sociais.145 A lem disso , previa a assistência m édica e san itária ao trabalhador e prote ção à ge stan te .146 E ra prevista ap o sen tad oria c o m p u lsó r ia p a ra o s fu n c io n ário s p ú b lico s ao s se sse n ta e o ito an o s de id a d e 147, bem c o m o p rev isto s c r ité r io s de m en su ração de b e n e fíc io s148, bem 143 Constituição Federal de 24/11/1891: "Art. 75 - A aposentadoria só poderá ser dada nos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação". 144 Constituição Federal de 1 6/7/1 934: "Art. 5° - Compete privativamente à União: (...) Inciso XIX: (...) c) normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da arbitragem co mercial, da assistência social, da assistência judiciária e das estatísticas de interesse coletivo;" 145 "Art. 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...) II - cuidar da saúde e assistência públicas; (...) V - fiscalizar a aplicação das leis sociais;" 146 "Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condiçòes dn trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhai ............ interesses econômicos do País. § 19 - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de oiilros c|iic colimem melhorar as condições do trabalhador: (...) h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esla d<". canso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de ti abai In um de morte;" 147 "Art. 1 70 - O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedei en do às seguintes normas, desde já em vigor: (...) 3a) salvo os casos previstos na Constituição, serão aposentados, compulsoriamenle i >■. funcionários que atingirei 68 anos de idade; " 148 "Art. 1 70 (...) 4-) a invalidez para o exercício do cargo ou posto determinará a aposenladoiia ou reforma, que, nesse caso, se contar o funcionário mais de trinta anos de serviço púl >1 i< o efetivo, nos termos da lei, será concedida com os vencimentos integrais; 5") o prazo para a concessão da aposentadoria com vencimentos integrais, por invalide/, poderá ser excepcionalmente reduzido nos casos que a lei determinar; <>') o funcionário que se invalidar em conseqüência de acidente ocorrido no serviço será aposentado com vencimentos integrais, qualquer que seja o seu tempo de sei viço; como vencimento não superiores da atividade aos militares re formados149 . A Constituição de 1937, em artigo que tratava da legislação do trabalho, previa que nela deveriam estar previstas “assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante”, à qual se assegurava um dkeito similar à licença-maternidade.150 Naquela legislação deveriam estar previstas a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida epara os casos de acidentes do trabalho”. Tal Constituição outorgou às associações de trabalhadores “(...) o dever de prestar aos seus associados auxilio ou assistência, no referente às práticas adm inistrativas ou ju d ic ia is relativas aos seguros de acidentes do trabalho e aos seguros sociais”. Essa Constitui ção ainda previa a possibilidade de aposentação ou reforma, de acor do coma legislação em vigor, de servidores civis e militares “cujo afastajnento se impuser, a ju íz o exclusivo ão Governo, no interesse do serviçp público ou por conveniência do regime 451. A Constituição Federal de 1946 tratou no art. 157 das questões que ora interessam, quando outorgou competência legislativa e deli L éo d o A m a r a l F ilh o serão também aposentados os atacados de doença contagiosa ou incurável, que os inabilite para o exercício do cargo; 7a) os proventos da aposentadoria ou jubilação não poderão exceder os vencimentos da atividade;" 149 "Art. 165 - As patentes e os postos são garantidos em toda a plenitude aos oficiais da ativa, da reserva e aos reformados do Exército e da Armada. (...) § 4a - Aplica-se aos militares reformados o preceito do art. 1 70, § 7a". 150 Constituição Federal de 1937: "Art. I 37 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitost...) I) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto; m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de aciden tes do trabalho; n) as associações de trabalhadores têm o dever de prestar aos seus associados auxílio ou assistência, no referente às práticas administrativas ou judiciais relativas aos seguros de acidentes do trabalho e aos seguros sociais". 151 "Art. 177 - Dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data desta Constituição, poderão ser aposentados ou reformados de acordo com a legislação em vigor os funcionários civis e militares cujo afastamento se impuser, a juízo exclusivo do ( iover- no, no interesse do serviço público ou por conveniência do regime". PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA neou parâmetros, tais como licença-maternidade, a assistência sani tária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gcs t a n t e a assistência aos desempregados; o direito à previdência, mediante contribuição tripartite (União, empregador e empregado), para os riscos relativos à maternidade e “contra as conseqüências da doença, da velhice, da i?ivalidez e da morte”, além da obrigatoriedade de seguro contra acidentes do trabalho. 15^ jAdém disso, dispunha s<> bre aposentadoria dos servidores civis153 e militares154. Segundo afirmam MARCOS ORIONE GONÇALVES CORREIA e É rica P a u la B a r c h a C o rreia , a “(...) Constituição Federal de 24.1.1967 e sua Em enda n .l, de 1969, pouco acrescentaram à matéria em face do dispos- , to na anterior Constituição de 1946. A Em enda apenas te ria disposto de forma um pouco mais minuciosa a respeito 1 52 Constituição Federal de 1946: "Art. 157 - A legislação do trabalho e a da previdom ia social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: X - direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuí/o do empirgii nem do salário; (...) X IV - assistência sanitária, inclusive hospitalare médica preventiva, ao trabalhadoi r a gestante; XV - assistência aos desempregados; XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em lavoi da maternidade e contra as conseqüências da doença, davelhice, da invalidez e da moilc; XVII - obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os a< idrnlrs < li. trabalho. (...)" 153 "Art. 191 - O funcionário será aposentado: I - por invalidez; II - compulsoriamente, aos 70 anos de idade. § 1 s - Será aposentado, se o requerer, o funcionário que contar 35 anos de serviço. § 2 3 - Os vencimentos da aposentadoria serão integrais, se o funcionário < onlar II) anos de serviço; e proporcionais, se contar tempo menor. § 3 0 - Serão integrais os vencimentos da aposentadoria, quando o funcionário, invalidar por acidente ocorrido no serviço, por moléstia profissional ou por doença grave contagiosa ou incurável especificada em lei. § 4 " - Atendendo à natureza especial do serviço, poderá a lei reduzir os limites teícn dos em o n'! II e no § 2" deste artigo". 154 "Art. 182 - As patentes, com as vantagens, regalias e prerrogativas a elas inerenles, são garan lidas em toda a plenitude, assim aos oficiais da ativa e da reserva, como aos rclormadi >s". L éo d o A m a r a l F ilh o de vários benefícios previdenciários (salário-família, prote ção à gestante após o parto, proteção à velhice, invalidez, em casos de morte e desemprego etc.”155 Ao tratar da atual Constituição, aqueles autores mencionam que a Constituição de 1988 (...) “fo i bastante minuciosa no tratamento da questão da seguridade social”; e que, (...) “significativas alterações foram prom ovidas no tema pela Em enda Constitucional n. 20, de 1 9 9 8 ”. Afir mam, ainda, que essa emenda teve “o intento explicito de se buscar sa n ar o anunciado (...) déficit previdenciário”, por meio do cômpujo da aposentadoria por meio de tempo de contribuição em vez de-tempo de serviço.156 Foi, pois, imposta a condição da contributividade em substituição à simples comprovação de exercício profissional. No plano infraconstitucional foram implementadas a institui ção da Caixa de Socorros das estradas de ferro157, o Fundo de Ben- sões do Pessoal das O ficinas da Imprensa N acional158, e a aposentadoria dos empregados da Estrada de Ferro do Brasil159 160 , 155 Curso de direito da seguridade social, p. 12. Os autores remetem o leitor ao art. 65 daquela Constituição. 156 Curso de direito da seguridade social, p. 1 3. 157 Decreto 3.397, de 24/11/1888. Marcos Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia mencionam a "Lei 3.397" de 1888. Curso de direito da seguridade social, p. 1 3. Nas pesquisas realizadas no endereço eletrônico do Senado Federal encontramos a menção a "Decreto" com a descrição "fixa a despesa geral do império para o exercí cio de 1889 e dá outras providências". (http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe?sect 1 = N JURLEG BR AS_S EM ICO NE &sl =@docn=000184525&l=20&u=/www1/legbras/&p=1 &r=1 &f=G&d=NJUR) 158 Decreto 10.629, de 20/7/1889, que alterou o Regulamento da Imprensa Nacional e Diário Oficial. 159 Decreto 221, de 26/2/1890, que concedeu aos empregados da estrada de ferro central do Brasil o direito à aposentadoria. Dados colhidos junto ao endereço eletrônico do Senado Federal informam que referido Decreto foi revogado pelo Decreto "sem núme ro", seqüência 2, de 1 5/2/1991 e consta de relação publicada em Diário Oficial suple m entar de 18/2/1991. (http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exeisect1 = N |U RL E C B R A S _ S E M IC O N E & s 1 = @ d o c n = 000 1 8 3 9 9 1 & I = 2 0 & u =/w w w 1 / le g b ra s / &p=1&r=1&f=L3;1;(DEC+"000000").key.+e+(DOFC+"18"+"02"+"l991V'003056,,+"Vl).font.;;NJUR&d=NJUR). Esta informação tem apensa cunho histórico, uma vez que os trabalhadores menciona dos no Decreto 221/1890 já estavam abrigados pelo atual regime geral. 160 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro. Rio de Janeiro, Ed. Traba lhistas, 1996, p. 38. além da Lei Elói Chaves, que em 1923 instituiu a primeira Caixa d Aposentadorias e Pensões para os trabalhadores da iniciativa priva da161 e o Decreto n. 5.109, que em 20112/1926 estendeu o rcginn da Caixa de Aposentadorias e Pensões de 1923162, anteriormcnti restrito aos empregados das empresas ferroviárias aos empregado das empresas de navegação e portuários.163 Mencionou JOSÉ DOS Re is F eijÓ COIMBRA que com a edição d< Decreto 19.433*, de 26/11/1930 surgiram institutos de amparo ao pes soai de determinada categoria profissional164, em todo o território na cional e que somente com a edição da Lei 3.807, de 26/8/1960, qui dispôs sobre a Lei Orgânica da Previdência Social, à qual se seguiu < Deícreto-Lei n° 72, de 21/11/1966, unificaram-se “os Institutos deAjw sentadoria e Pensões e criou o Instituto N acional de Previdência S ocial". Entendemos importante mencionar que a Lei 6.243, de 24/7/1971 outorgou autorização legislativa para que o Poder Executivo apto vasse por decreto o texto chamado de Consolidação das Leis dn PrcvA PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA 161 Decreto 4.682, de 24/1/1923, que criou, em cada uma das empresas dr (-.li.id.r. di ferro existentes no pafs, uma caixa de aposentadoria e pensões para os icspcc livu empregados. 162 "Art. 1 °Todas as estradas de ferro do país, a cargo da União, dos Estados, dos Muim Ipii p-í ou de particulares, terão Caixas de Aposentadoria e Pensões para os seus ferreiviários, 1< 'gii 1.1] pelas disposições da presente lei. § 1a Os dispositivos da presente lei são extensivos a todas as empresas de navegação mai( timaou fluvial e as de exploração de portos pertencentes a União, aos Estados, aos munii í pios e a particulares, em tudo quanto lhes possa ser aplicável(...)." Referido DecreU> I cgisl,iiiv< previa mecanismos de custeio por parte dos ferroviários e estradas de ferro, bem < om( critérios de cálculo de benefícios. Transcrição sem alterações da ortografia da épc >< a. 163 Marcos Orione Gonçalves Correira e Érica Paula Barcha Correia, Curso <lc iliivilo 11, seguridade social, p. 1 3. * Decreto 1 9.433/30 - revogado pelo Dec. s/ns de 1991. 164 Nas pesquisas realizadas junto no endereço eletrônico do Senado Federal, v c iíIm amo que, por meio do mencionado decreto, o Chefe do Governo Provisório da Kepíiblii a < 1.1 Estados Unidos do Brasil determinou a criação de uma Secretaria de I sl.itIo < um a drin > minação de Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Nesse Der reto, a ímii a iHn rência encontrada em relação ao objeto de estudo foi o art. !>", com o seguinte leo i: "Ai| !>“ Ficarão pertencendo ao novo Ministério as seguintes instituições e reparliçiV', publl cas: (...) Da Secretaria da Fazenda: Estatística Comercial, Instituto de PreviilÍMK ia • • < al xas Fconómii as". L éo d o A m a r a l F ilh o dência Social, o que foi feito pelo Decreto 77 .077*, de 24/1/1976165. Posteriormente a isso, a Lei 6.887, de 10/12/1980, alterou parte da legislação relativa à previdência social urbana, cuja eficácia se deu a partir de 01/1/1981.166 Toda essa evolução legislativa foi decorrente da necessidade de o di reito positivo criar melhores condições exigidas por uma forte demanda social. É o que constatou L. G. NASCIMENTO e Silva, então Ministro da Previdência e Assistência Social, ao elaborar a exposição de motivos da Consolidação das Leis da Previdência Social (Decreto n. 77.077/76)*: “A partir da Primeira Grande Guerra as Constituições pas saram a dar relevo especial à ordem econômico-social, e a legislação a ocupar-se cada vez mais com a regulamentação desse setor. Sob a pressão dos interesses das massas, o Estado começou a intervir na vida da sociedade, visando a estimulá- la e dar-lhe direção. Dinamizando o processo de desenvolvi mento econômico, preocupou-se crescentemente com o aten dimento das necessidades vitais da população. O conteúdo dos direitos individuais deixou de ter conotação meramente política, a fim de abranger as exigências básicas da pessoa, * Decreto 77.077/76 - revogado peloDec. 89.312/84. 165 Mozart Victor Russomano, Comentários à consolidação das leis da previdência social, p. XIII. 166 Recorremos às lições de Mozart Victor Russomano, ob. citada, p. XIII, para elucidar esse transcurso da evolução legislativa: "1. A Lei n. 6.887, de 10 de dezembro de 1980, alterou, em parte, a legislação da Previdência Social Urbana.(...) 2. Antes de tudo, parece-nos importante lembrar que a CLPS foi aprovada mediante decreto do Poder Executivo, por via de autorização legislativa, constante do art. 6fi, da Lei n. 6.243, de 24 de setembro de 1 975. (Cfr., a propósito, o Decreto n. 77.077, de 24 de janeiro de 1976, indicado na Nota Explicativa deste livro, bem como os comentários ao art. 238, da CLPS). Muito embora, a partir da promulgação da CLPS, a regra geral seja a referência ao seu texto, a verdade é que o legislador ordinário continuou referindo-se ao direito anterior. Isso decorreu, sobretudo, do fato de que, sendo seu trabalho aprovado mediante sim ples decreto, o consolidador se viu na contingência de desempenhar o papel de consolidador autêntico: não modificou um milímetro sequer o decreto vigente. Essa a razão pela qual se tornou possível aprovar a CLPS por simples decreto; igualmente, essa é a razão pela qual a Lei n. 6.887/80 não se refere à CLPS, mas sim a algumas leis anteriores, agora consolidadas." PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA con!o o trabalho e a remuneração, a educação e a saúde, en fim, a ampla área coberta pela seguridade social. E_em todos os países a preocupação principal do legislador voltou-se para a solução e regulamentação dos problemas político-sqcjais”.167 R o n a ld o P o rto M a ced o JÚNIOR traz uma interessante rctros pectiva sobre a evolução da legislação da seguridade social, que de semboca em raciocínio abrangente, ligado à idéia maior de sua inserção no direito social: “O desenvolvimento da legislação de seguridade social a partir da segunda metade do século XX esteve diretamente ligado à implementação de políticas keynesianas e de bem- estar social nas principais economias ocidentais. Fato im portante a ser notado é que o seguro social concebido como um direito do cidadão, e não como altruísmo ou liberdade do Estado ou do empresário, é fenômeno relativamente recen te na história mundial, que nasce juntamente com o adven to da idéia do Estado do Bem-Estar Social e de ideais welfaristas de justiça e igualdade e solidariedade. Em outras palavras, é apenas no contexto do Direito Social que se f<>r- ma a moderna idéia de Previdência”.168 (negrito nosso) Feita tal retrospectiva histórica, é necessário dizer que a previ dência social, analisada sob o ponto de vista da proteção social, está prevista na Constituição Federal de 1988 especialmente nos art. 6o"1'1 (como Direito Social) e ^ OL de seguinte teor: “Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na fo r ma desta Constituição.” 167 Mozart Victor Russomano. Comentários à consolidação das leis da previdência social, p. 2. I 68 Contratos relacionais e defesa cio consumidor, 310-311. 169 Com redação dada pela Emenda Constitucional n. 26, de 14/2/2000, que inclui .i 'mo radia' no rol dos diieilos so< iais. L éo d o A m a r a l F ilh o “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, ob servados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...)”.170 F lávio M artins Rodrigues faz uma alusão interessante à pre vidência social ao estabelecer uma conceituação de cunho jurídico- social, que nos parece bastante adequada do ponto de vista da norma jurídica advinda do texto constitucional171: “Ainda que se observem modelos diferenciados de custeio e prestações, a previdência social passa a acolher o conceito de que a sociedade (incluindo os empregadores) se solida riza com o indivíduo trabalhador. Assim, quando colocado eqi dificuldades tais que não consiga prover o seu sustento e o de sua família, a situação deixa de ser problema mera mente individual, passando a constituir uma responsabili- dade social, pública”.172 No plano infraconstitucional, destaca-se neste momento a Lei n° 8.212, de 24/7/1991, que prescreve sobre a organização da segu ridade social e descreve seu plano de custeio, e a Lei n° 8.213, de 24/7/2001, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social. A base do Regime de Previdência Social se assenta nas bases técnicas amoldadas pelo seguro privado.173 170 Os incisos e parágrafos da Constituição Federal desceram a detalhes a ponto de enu merar benefícios, critérios, requisitos e limites da Previdência Social. 171 Adota-se neste trabalho o conceito de norma jurídica de Paulo de Barros Carvalho "significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo". Curso de direito tributário, p. 8. 172 Fundos de pensão de servidores públicos, p. 2. 173 Armando de O liveira Assis, Em busca de uma concepção moderna de "risco social", p. 34. A afirmação é válida até os dias de hoje, devido ao fato de o regime financeiro da Previdência Social não ter sido alterado. Por "regime financeiro" entende-se a "forma de custeio dos encargos financeiros decorrentes de plano" adotado. "João Lyra M adei ra, Os regimes financeiros do Brasil. In: Revista dos industriários ns 26, p. 17. Explica o autor que os regimes financeiros se baseiam em uma infinidade de formas, nílo apenas na concepção de repartição e capitalização, como afirma Armando de ( )liveira Assis, A análise do referido regime deve ter sempre como premissa o conteúdo semântico dessa expressão, avaliado de acordo com a época em que se vive e as disposições legais aplicáveis.174 Atualmente, diva sas premissas»relativas às características e diretrizes também podem sei verificadas nos primeiros dispositivos das Leis n° 8.212 e 8.213/91, muito embora esta tenha tratado de repetir os dispositivos.175 PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA ob. citada, p. 34. De qualquer forma, João Lyra Madeira afirma que o segundo ndmilr a obtenção de uma contribuição nivelada, destinada à composição de um fundo, en quanto que o primeiro tem uma contribuição variável e incidente sobre o salário, ren dimentos e tributos. Trata-se de um sistema que "(...) se caracteriza por uma contribui ção direta (variável) inicialmente baixa e finalmente muito alta'', p. 17. 174 John Ray Campbell. In: Revista dos industriários na 9, p. 7. 175 Lei 8.213: "Art. 1- A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim asseguiai aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapai i dade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos íamilin res e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente". "Art. 2- A Previdência Social rege-se pelos seguintes princfpios e objetivos: I - universalidade de participação nos planos previdenciários; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e miais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios; IV - cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição corrigidos im> netariamente; V - irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisilivn; VI - valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuiç.V) ou d<. rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo; VII - previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional; VIII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a parlit ip.i ção do governo e da comunidade, em especial de trabalhadores em atividade, empie gadores e aposentados.Parágrafo único. A participação referida no inciso VIII deste artigo será efetivada a nível federal, estadual e municipal." Lei 8.212: "Art. 3S A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneík i.'ui<>-. meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou moilc daqueles de quem dependiam economicamente. Parágrafo único. A organização da Previdência Social obedecerá aos seguintes prim i pios e diretrizes: a) universalidade de participação nos planos previdenciários, mediante coniribuiçao; b) valor da renda mensal dos benefícios, substitutos do salário-de-contribuição ou < l<> rendimento do trabalho do segurado, não inferior ao do salário mínimo; c) cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição, corrigidos mo netariamente; d) preservação do valor real dos benefícios; e) previdência complementar facullaliva, custeada por contribuição adie ional". É conveniente dizer que a Previdência Social é destinada aos trabalhadores da iniciativa privada, aos que a lei oferece a faculdade de filiação176 e aos servidores públicos sem direito à opção pelo Re- gime Próprio177 (art. 40, § 13, da Constituição Federal), oucujo ente federativo (Estado ou Município) não o tenha instituído. Pois bem, a Previdência Social oferece benefícios, que podem ser entendidos como “prestações pecuniárias, devidas pela Previdência Social a pessoas por ela protegidas, destinadas a prover-lhes a subsistência, nas even tualidades que as impossibilitem de, por seu esforço, auferir recursos p ara isto, ou a reforçar-lhes os ganhos p a ra enfrentar encargos defam ília, ou am parar, em caso de morte, os que dela dependiam economicamente”.178 A de finição nos parece adequada para fins acadêmicos, porque elaborada mediante atividade interpretativa de textos legais vigentes, dos quais extraiu e reuniu essência e amplitude e porque é seguida da afirma ção que por “meio dos benefícios, Previdência Social cumpre a sua f in a l i dade protetiva Se "seguridade" traduz a idéia de tranqüilidade, sobretudo nçfu tu - ro, que a sociedade deve garan tir a seus membrosm , é necessário dizer que sua implementação se dá de forma a reparar danos decorrentes L é o d o A m a r a l F ilh o 176 "Art. 13 É segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluído nas dis posições do art. 11." O art. 11 indica os segurados obrigatórios. 177 "Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regi me de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do res pectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo". (Redação dada pela Emenda Constitucional nfi41, 19.12.2003) ( . ..) "§ 13. Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social". 178 Antonio Carlos de Oliveira, Os benefícios, Curso de direito previdenciário, p. 81. 179 Celso Barroso Leite, Conceito de Seguridade Social, in: Curso de direito previdenciário, p. 15. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA dos riscos sociais a que estão sujeitos os cidadãos. Essa reparação e feita por meio dos benefícios, definidos por A ntonio C arlos df: O liveira com particular clareza: “Benefícios são prestações pecuniárias, devidas pela Previ dência Social a pessoas por ela protegidas, destinadas a pro ver-lhes a subsistência, nas eventualidades que as impossi bilitem de, por seu esforço, auferir recursos para isto, ou a reforçar-lhes os ganhos para enfrentar encargos de família, ou amparar, em caso de morte, os que delas dependiam eco nomicamente. Por meio dos benefícios, a Previdência Social cumpre a fi nalidade protetiva, que é de sua essência. Representam eles direitos subjetivos, cuja titularidade compete aos segurados e seus dependentes, direitos subjetivos que nascem da relação de proteção decorrente da lei e que vincula essas pessoas ao órgão previdenciário incumbido de conceder tais presta ções, satisfazendo imposição, que as assegura.”180 (desta ques do original) Portanto, encontrando-se o segurado ou seu dependente cm si tuação reconhecida pela legislação previdenciária como dc risco s<> ciai e, tendo cumprido requisitos postos por esta última181, terá di rcit < > a requerer o pagamento de benefícios.182. A base que dá sustentação ao pleito do segurado é a relação jurídica que se instaura em relação entre ele e a Previdência Social.183 180 Os benefícios, Curso d e direito previdenciário, p. 81. Nessa passagem, o atilor deixa evidente a obrigatoriedade de que se reveste a filiação. 181 Por exemplo, período de carência, tempo de filiação, inexistência de determinad.i\ condições. 182 Antonio Carlos de Oliveira traz três classificações de benefícios: (i) de acordo eom .i existência de pagamento único ou duração estendida: benefícios de (l . l) pr<*sla<,;v> instantânea ou (i.2) contínua; (ii) de acordo com o beneficiário: (ii. I) segurado ou (ii..1) dependente e (iii) de acordo com a origem do risco que ensejou o direito aos beneli- cios: (iii. I) benefícios comuns e (iii.2) benefícios acidentários. ob. cilada, p. B I. 183 Antonio < ai los de ( iliveira, Os benefícios, Curso d e direito previdenciário, p. 81 112. L éo d o A m a r a l F ilh o M aria da G lória C hagas A rruda, em dissertação de mestra do, concluiu que as relações jurídicas encontradas na Previdência Social podem ser classificadas em dois grupos: relações “concessivas de prestações e relações contributivas”,WA De acordo com aquela autora: “Na previdência social existem duas modalidades de rela ções jurídicas classificadas principalmente em relação ao objeto. A primeira delas confere a determinados sujeitos o direito à prestação previdenciária. São as relações jurídicas concessivas de prestações previdenciárias. A segunda relação impõe a determinada categoria de sujei tos o dever de contribuir para a formação dos recursos fi- nanceiros que possibilitarão o pagamento das prestações devidas aos beneficiários (segurados e dependentes). São as relações contributivas”.185 Temos essa classificação por adequada e pertinente porque ana lisa, de maneira dicotômica, os pólos existentes nas relações de previ dência social, atentando para sua essência, de modo a atender, com precisão, ao que requer este trabalho. Salienta-se que uma classifica ção - assim entendida como o procedimento de ordenar um grupo de seres, objetos e coisas em categorias mediante critérios previa mente estabelecidos - será mais ou menos útil, dependendo da utili dade pragmática que trouxer.186 No Brasil, na relação previdenciária temos o Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia federal criada pelo Decreto n° 99.350, de 27/6/1990, que criou o Instituto Nacional do Seguro Social (IN SS)187, a quem incumbe a administração dos benefícios; a em 184 A Previdência privada aberta com o relação de consum o, p. 49. Dissertação de Mestrado apresentada na PUC/SP. 185 Ibidem. 186 Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional previdenciário, p. Í40. 187 Com base no art. 17 da Lei n° 8.029, de 12/4/1990: P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta presa ou empregador, a quem incumbe a inscrição e os segurados, divididos em trabalhadores: empregados, contribuintes individuais e avulsos.188 Aos dois últimos incumbe o pagamento de contribuições, cuja característica se reveste de naturezatributária, entendida a con tribuição a cargo do empregador como tributo não-vinculado1K'’ , de subespécie imposto e do trabalhador como tributo vinculado a uma prestação estatal, da subespécie das taxas. O exame dessas conclusões aliadas à legislação existente leva nos a alguns conceitos importantes no estudo do tema: (i) salário de-benefício, assim entendido como “o valor básico p a r a se calcula/ a renda m ensal dos benefícios de prestação continuada, com exceção dn sala rio-fam ília, do salário-maternidade, da pensão p o r morte e dos dan ais benefícios da legislação especial ”.190 Esses conceitos são determinantes para a aplicação do ideário da Previdência Social e garantia do cum primento dos objetivos a que se destina. A previdência social brasileira tem seu rol de benefícios listados na Constituição Federal e Lei n° 8.21,3/91. A criação de novos bc.ie fícios esperada da Previdência Social, da qual se espera sempre que amplie seu rol de benefícios e abranja o maior número de situações "Art. 17. É o Poder Executivo autorizado a instituir o Instituto Nacional do Se|;uio Social (INSS), como autarquia federal, mediante fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social (IAPAS), com o Instituto Nacional de Previdèm in Social (INPS), observado o disposto nos §§ 2- e 4a do art. 2 desta lei." (Aili|;o renumerado pela Lei ns 8.154, de 28/12/1990) 188 André Ramos Tavares explica o conceito de universalização para fins de Previdèm in Social: "significa que qualquer pessoa (atendida a idade mínima de filiação) possa participar do regime geral". Daí a razão para a Lei n2 8.212/91 possibilitar a inscrição de donas-de-casa e estudantes como segurados facultativos. Curso de direito conslitu cional, p. 575. 189 O mestre Geraldo Ataliba, a quem tanto deve o direito tributário, classificou os tribulo'. nas espécies vinculados e não-vinculados, cujo pagamento está ou não, vinculndo n uma prestação estatal diretamente referida. Hipótese de incidência tributária, p, 11. A classificação adotada para fins de determinações das subespécies de tributos, .ifirinn n existência de três espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria e paile dn premissa que a natureza jurídica do tributo deve passar pelas respostas às perguntas; (I) qual n hipótese de incidência dn obrigação? e (ii) qual sua base de cál< uloí 190 Antonio Carlos de ( )liveira, Os benefícios. In: Curso de direito previdenciário, p. 0(>, Léo d o A m a r a l F ilh o de riscQ_s.ocial, depende de fonte de custeio respectiva, por .expressa determinação do art. 195, inciso 5°, repetido pelo art. 125191 da Lei n° 8.213/91. Na data em que está sendo elaborado este trabalho, as espécies de benefícios são: (i) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contri buição; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f ) auxílio-família; g) salário-maternidade; h) pensão por morte; i) auxílio-acidente; j) auxílio-reclusão e 1) abono anual.192 E interessante mencionar uma conclusão alcançada por Pa recer do Ministério da Previdência, aprovado pelo Sr. Ministro da Previdência — e, portanto, vinculativo aos demais escalões da A d ministração Pública, de acordo com o art. 42 da Lei Complemen tar n° 73, de 10/2/1993193 - que traz um importante resumo da relação de Previdência Social, especialmente no que diz respeito à diferenciação da relação jurídica que se instaura por meio da filiação ao Regime Geral: 7. No direito civil, tudo o que não é proibido pela lei, é lícito aos particulares. Podem estes contratar, distratar, alienar ou dispor. Agem fora da margem mínima de vedação legal. 8. No direito previdenciário, a situação é justamente a in versa. A Autarquia Previdenciária somente pode proceder dentro do que lhe determina a legislação específica. (...) 191 "Art. 125. Nenhum benefício ou serviço da Previdência Social poderá ser criado, majorado ou estendido, sem a correspondente fonte de custeio total." 192 Ibidem, p. 83. 193 "Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Ceral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da Repú blica ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os res pectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas". PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 10. (...) A relação jurídica é de índole publicista, porquanto a pessoa ficta do estado assume obrigações perante o parti cular, gerando outrossim o paralelo direito subjetivo do Estado receber contribuição do segurado”.194 À título de conclusão, é preciso deixar claro que exceção feita ao salário-maternidade, os benefícios pagos pela Previdência Social cs tão limitados ao teto do salário-de-contribuição195, assim entendido como remuneração auferida em uma ou mais empresas. Essa limit;i ção é perfeitamente admissível e compatível com o ideário de §egtni dade social, posto que deve o Estado garantir condições mínimas de subsistência e ao segurado que necessitar de cobertura adicional pro curar fórmulas. É nesse contexto que a previdência privada será inse rida, conforme tratado no item 1.2.9. A constatação da insuficiência dos benefícios no mundo não pode contaminar a análise jurídica do tema. Entretanto, parece-nos conveniente, a título de registro da época atual, mencionar a consta tação de JOÃO A lves Filho, governador de estado da Federação, para quem “N o B rasil, cobram-se impostos escandinavos em troca de assis/en cia do n ível de países africanos”.196 A Previdência Social, contudo, não deixa de ter papel detei mi nante no cumprimento dos desígnios postos pela Constituição l ’e deral de 1988 para estabelecimento da proteção social e bem estai dos cidadãos. Encontra-se em crescente e constante evolução, e deve se tornar alvo de permanente preocupação da sociedade. 194 Parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência ("Parecer/CJ nu 2.99 1/ 2003") de autoria de Fábio Lucas de Albuquerque Lima, texto disponível na Internei no endereço: http://www81 .dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/2003/2991 .htm. 195 Art. 29, § 2°, da Lei n. 8.213/91: "§2a O valor do salário-de-benefício não será inl<-i i< >i ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de conli ibni ção na data de início do benefício" e art. 33: "Art. 33. A renda mensal do benelíc io de prestação continuada que substituir o salário-de-contribuição ou o rendimenlo do li.i balFio do segurado não terá valor inferior ao do salário-mínimo, nem superior .io do limite máximo do salário-de-contribuição, ressalvado o disposto no art. 45 desla I ei". 19(> rollni (/c 5. I’.nili>, tendências/l lebales, 17/0/2003, p. A3. L éo d o A m a r a l F ilh o 1 .2.7 A SAÚDE As disposições constitucionais dos arts. 196 a 200 têm relevante importância na conceituação da seguridade social.197 Isto porque o legislador constitucional fez questão de consignar no texto maior do ordenamento jurídico a preocupação em estabelecer uma relação ju rídica entre brasileiros e residentes no País em face do Estado, se gundo a qual os primeiros têm a exigir do Estado que lhes preste ou forneça serviços de saúde, bem como atribuir expressamente o cará ter de relevância pública, que envolve as esferas federal, estadual e municipal de governo. Por outro lado, o Estado tem a obrigação de efetivar ditas prestações, o que se constitui um seu dever jurídico. Em verdade, o texto constitucional vai além do estabelecimento de direitos e deveres, para possibilitar ao Estado determinar a reali zação de políticas de promoção, proteção, prevenção e recuperação. Trata-se, pois de conceito muito mais amplo e abrangente, que en volve “prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos dos ser viços assistenciais”19* . Existe,assim, uma clara determinação de coexistência das atividades destinadas a estabelecer estratégias que se destinem a prevenir eventos e reduzir/neutralizar os ocorridos. Da mesma forma como os elementos do sistema de seguridade social devem ser integrados e interligados, os serviços do subsistema da saúde também devem ser concebidos por meio de umarede.regionaliza da e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as diretrizes da descentralização, do atendimento inte gral e participação da comunidade. Ainda que, com toda essa gama de entendimento, a Constitui ção Federal de 1988 tenha diferenciado ações e serviços públicos de 197 A Lei 8.212/91, dedica seu art. 2B para repetir princípios relacionados à saúde. 198 Celso Barroso Leite, Conceito de seguridade social. In: Curso ele direito previdenciário, p. 29. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA sailde de assistência à saúde’n" , prevista no art. 199, estes são, sen sobra de dúvidas, conceitos diferentes. Este último conceito traz possibilidade de participação de instituições privadas participa rei i do sistema único de saúde, de maneira complementar às atividade a que está obrigado o Estado, mediante contratação no âmbito d< direito público ou convênio, com preferência às entidades filantro picas e sem fins lucrativos (art. 199, § I o). Entende A n d r k R a m< > TAVARES que estão compreendidas como de monopólio estatal so mente as atividades encampadas pelo conceito de “ações e sem i (o públicos de saúde”10®. A Constituição Federal vigente proíbe o eus teio da assistência à saúde com recursos públicos destinados a auxí1 lio ou subvenção às instituições privadas com fins lucrativos (art 199, § 2o). No § 4o daquele artigo o legislador constitucional alii buiu competência ao legislador ordinário para prescrever requisito que “facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas />ai\ fins de transplante,pesquisa e tratamento201, bem como a coleta, processa\ mento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado o libo d< conservação”. Não resta dúvida que essa atribuição de competência s< trata de campo tradicionalmente reservado ao legislador ordiiiano mas que por motivos de política legislativa, o legislador constiluintJ optou por inserir no Texto Maior. Há, ainda, uma consideração a ser feita em relação ao § 3" d<! art. 199, que “proíbe a participação direta ou indireta de empresas oi capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previs • to em lei”. Há discussão na doutrina sobre a norma jurídica que s< extrai da leitura desse texto. Isto porque há o entendimento de que í lei a ser editada não pode admitir regra genérica, de modo a pcrimt ii a participação das empresas ou capitais estrangeiros em qualquer In 199 André Ramos Tavares, Curso rlc direito constitucional, p. r>72. 200 ibidem, p. 572. 201 D iscip linado pela I ei n« 9.434, de 04/2/1997, com alterações da I ei 10.21 I, d< 2 1/ 1/ 2001. L éo d o A m a r a l F ilh o pótese, o que implicaria a neutralização do texto constitucional e, por conseguinte, sua violação202. Os serviços públicos de saúde podem ainda ser analisados por uma ótica macroscópica, mediante a análise da saúde sob a perspec tiva de direito social (a teor do art. 6o da Constituição Federal) e seu caráter de incentivo ao sentimento de cidadania (art. I o, inciso II), dignidade da pessoa humana (art. I o, inciso III), erradicação da po breza e redução das desigualdades (art. 3o, inciso III) e promoção coletiva do bem aos cidadãos (art. 3o, inciso IV). E, sem dúvida, fator de integração e formação do conceito jurídico de nação. O sistem a que rege as “ações e serviços públicos de saúde” deve ser regionalizado, hierarquizado e integrado e tem um âmbito excessi vamente abrangente, que transcende as visões preventiva e assistên cia!. Trata-se de adentrar a fundo essas previsões e estabelecer uma política de estratégia de ação, planejamento, controle, supervisão e execução, conforme exemplifica A n d r é R a m o s T avares: “O sistema único de saúde deve, consoante o disposto no art. 200 da Constituição Federal, controlar e fiscalizar pro cedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saú de pública e, igualmente, participar da produção de medi camentos, equipamentos e insumos. Deve fiscalizar e ins- pecionar alimentos e bebidas, compreendendo-se aí seu teor nutricional. Cumpre também ao sistema único executar ações de vigilância sanitária, epidemiológica e de saúde do trabalhador. O sistema único deve participar da formula ção da política e execução das ações de saneamento básico, neste caso, conjuntamente com os demais órgãos (públicos ou privados) específicos desse setor”.203 202 André Ramos Tavares, Curso de direito constitucional, p. 572. 20.3 André Ramos Tavares, Curso dc direito constitucional, p. 57 I . PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Nesse contexto de abrangência dos serviços, por assim dizer, o direito de os indivíduos exigirem do Estado as atividades preventivas e os serviços assistenciais fará com que tais atividades e serviços sc jam prestados de forma direta, por meio das ações e serviços de saúde do Estado e indireta, por meio da assistência à saúde, prestada pelas entidades particulares, mencionadas no art. 199, § I o, da Constitui ção Federal de 1988. Se é assim, nada mais natural que esperar do Estado a edi ção de leis que se destinem a regrar as relações que surgirão das atividades públicas e privadas. Foram, pois, criadas autarquias especiais, cujas atribuições e competência funcionam como ver dadeiro sistema de controle e regulação do setor. A Lei 9.78220'1, de 26/1/1999, estabeleceu diretrizes, fixou competências e trouxe definições sobre o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, além de criar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVTSA), autarquia especial da administração pública federal, vinculada ao Ministério da Saúde. Por sua vez, a Lei 9.961, de 28/1/2000, cri< >u a Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia especial da Administração Federal também ligada ao Ministério da Saúde, cuja finalidade específica é atuar “como órgão de regulação, norma tização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assis tência suplementar à saúde”, mediante o rol de funções que lhe sao inerentes.205 204 "Art. 1®. O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária compreende o conjunlo de ações definido pelo § 12do art. 6a e pelos arts. 1 5 a 18 da Lei ne 8.080, de 1 9 de setembro de 1990, executado por instituições da Administração Pública direta e indirel.i da IJm.to, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que exerçam atividades de regulação, normatização, controle e fiscalização na área de vigilância sanitária". 205 É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de lanei ro - K|, prazo de duração indeterminado e atuação cm todo o território na< ional, t innn órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que gnian Iam a assistência suplementar à saúde. L éo d o A m a r a l F ilh o Estas são as linhas mestras que a nosso ver permitem fornecer ele mentos indispensáveis a respeito do segundo pilar da Seguridade Social. 1 .2.8 A A SS IST ÊN C IA SO C IA L O terceiro pilar sobre o qual se funda a seguridade social, de acordo com a concepção posta pela Constituição Federal de 1988, é a assistência social. Antes de efetuar as considerações necessárias e enfatizar ao menos um ponto polêmico em relação à sua natureza, é preciso dizer que sua característica marcante é a gratuidade e a amplitude de sua cobertura. Isso se colhe da leitura dos art. 203 e 204 da Constituição Federal: “Art. 203. A assistência socialserá prestada a quem dela necessi tar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiên cia e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordena ção e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execu ção dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; P rev id ên c ia P r iv a d a A berta II - participação da população, por meio de organizações repre sentativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. Vê-se que o legislador constitucional cuidou de reservar um can i po da seguridade social, inclusive no que diz respeito ao seu orça mento, para criar um sistema protetivo aos necessitados, que por quaisquer motivos não puderem contar com o atendimento e a co bertura do sistema contributivo. No plano infralegal, as linhas mestras da assistência social estíto, fixadas ^na Lei 8.742, de 07/12/1993, cujos art. I o e 2o tratam de seguir as diretrizes e aprofundar um pouco as principais linhas postas pela Constituição Federal de 1988: “Art. Io A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendi mento às necessidades básicas. Art. 2o A assistência social tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiên cia e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Parágrafo único. A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à ga rantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atcn der contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. L éo d o A m a r a l F ilh o Art. 3o Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos”. Da mesma forma como ocorre na previdência social e na saúde, a assistência social também compreende um conjunto de ações inte gradas por sistema, cuja prestação se dá pelas iniciativas pública e privada, a fim de oferecer o mínimo e indispensável para aqueles que não se encontram protegidos por outros campos do sistema. MlGUEL HoRVATH JÚNIOR, conceitua a assistência social: “(...) direi to do cidadão e dever do Estado, épolítica de seguridade social não contributi- va que provê os mínimos sociais".206 Cuida o referido autor de descrever como sujeitos dessa relação mantida com o Estado “(...) aqueles que não têm renda p a ra fa z e r frente a sua própria subsistência, nem fa m ília que o ampare, ou seja, pobre na acepção ju ríd ica do termo”^ O interessante dessa passagem é que o autor pratica sua análise interpretativa com base na leitura seccionada dos incisos do § 4o da Lei 8.742/93. Extrai-se, de seus comentários, algumas características que bem ilustram o sistema pretendido pelo legislador: (i) são ações sociais que visam ao tratamento prioritário das necessidades sociais e que devem estar sobrepostas às exigências da ordem econômica; (ii) tem como diretriz o princípio da universalidade dos direitos sociais, que visa proporcionar recuperação e eliminação das necessidades sociais, por meio de ações que visem a reintegração à comunidade; (iii) pretende imple mentar uma parte da política de direitos humanos, proibindo qualquer demonstração vexatória da comprovação de necessidade; (iv) tratamento igualitário às populações urbanas e rurais (desdobramento do princí pio da isonomia), que pretende eliminar a distinção histórica entre as populações urbanas e rurais e (v) estabelecimento de uma política de 206 Direito previdenciário, p. 77. 207 ibidem , p. 77. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA resgate de cidadania, por meio do oferecimento de benefícios assisten ciais amplamente divulgados.208 Ainda com M iguel H orvath Júnior, parece-nos importante mencionar que a Lei 8.742/93 trouxe elementos que permitem a implementação das ações de assistência social por meio de benefícios continuados e eventuais, que não podem ser cumulados com bcncl i cios previdenciários■209 Anteriormente, referimo-nos à extensão do conceito de seguri dade social estatuído pela Constituição Federal de 1988, constante do texto de seu art. 194. Seu art. 203 descreve a assistência social como de caráter universal e disponível aos que dela necessitarem, independentemente do pagamento de contribuições. Ao tratar da assistência social como “terceiroprograma de ação dn seguridade social”, WAGNER B alera encontra o fundamento da sua existência não apenas no art. 203 da Constituição Federal de 198S, mas também nos “sobreprincípios” que a informam, para ao fim con cluir pela sua natureza protetiva cabível nas hipóteses em que não se der a previdência social: “Dentre os objetivos fundamentais da República Federat i va do Brasil vamos encontrar aqueles que se encontram es tampados no art. 3o, I, II e III, da Constituição de 1988. Quer a Constituição que a República do Brasil construa uma sociedade livre, justa e solidária; que erradique a po breza e a marginalização e que reduza as desigualdades so ciais e regionais. Para atingir esses superiores objetivos, a Lei M agna se vale da assistência social, política social e econômica que bene ficia os desamparados. 208 Direito previdenciário, p. 78-79. 209 Ibidem, p. 79. L éo d o A m a r a l F ilh o ( • • • ) Onde não é devida a proteção previdenciária, é de ser ofe recida alguma espécie de cobertura sanitária ou assistencial, tudo em prol do devir da universalidade da cobertura e do atendimento”.210 Questão tormentosa, que a nosso ver não pode ser sublimada, diz respeito à possibilidade (ou não) de atribuição de similaridade da assistência social do art. 203 da Constituição Federal de 1988 àquela prestada pelos entes privados. Em outras palavras, importa saber se o conceito de assistência social é uniforme. Diriam alguns que as atividades desempenhadas por entidades de previdência privada não abarcariam o conceito de assistência social contido na Constituição, uma vez que podem cobrar pelo forneci mento dos planos que lhe são afetos. A nosso ver, os conceitos de liberalidade e gratuidade são irrele vantes para a caracterização das entidades, apesar de que devam ser considerados os conceitos de instituição de assistência social de na tureza privada, até porque não se poderiaadmitir a substituição ou supressão da participação do Estado, ao menos nesse aspecto. A crítica de ALBERTO X avier211 explicita o que acabamos de ar gumentar, estabelecendo um paralelo entre as duas hipóteses, termi nando por exaurir eventuais dúvidas que pudessem figurar a respeito: “Tal vício consiste em pretender aplicar às entidades priva das os conceitos de previdência social e assistência social, consagrados nos arts. 201 e 203 da Constituição Federal que, como adiante mais detidamente se demonstrará, são 210 Da proteção social à família. In: Revista do Instituto dos A d vogad os d e São Paulo ns 7, p. 240-241. 211 As entidades fechadas de previdência social como instituições de assistência social. In: Revista d ialética d e direito tributário n0 52, p. 23. privativos das pessoas de direito público, tendo em vista serem funções de exercício obrigatório e assentarem nos métodos tributários de seu financiamento”. Da mesma forma, seria simplista afirmar que tais instituições n;n podem ser consideradas de assistência social, tendo em vista não possuí rem o caráter de gratuidade e generalidade (extensão universal) a que s refere o art. 203 da Constituição Federal de 1988. Uma vez mais rei tci a se que a acepção a ser dada às instituições de assistência social é aquel adstrita ao direito privado. A instituição e a manutenção de tais entidíT des decorrem da liberalidade e preocupação dos particulares, na busca < anseio de propiciar melhores condições a quem delas necessite. O doutrinador acima citado ainda registrou o entendimento <l< Ministro do Supremo Tribunal Federal, M A rco A urélio F arias i >i MELLO, que adentrou na questão, procurando observar tanto o con 1 ceito de assistência social de interesse para o caso, quanto alcançar; natureza das instituições ali mencionadas: “Na espécie, descabe emprestar à referência contida na alínea ‘c’ do inciso VI do artigo 150 interpretação no sentido de que a assistência social em tela é aquela mencionada no artigo 203 da Carta da República, ou seja, a prestada pela seguridade ofi cial. Entendimento contrário implica a total inutilidade do preceito. É que a seguridade social decorre da atuação de autarquia e, portanto, de pessoa jurídica da administração in direta, resultando a imunidade do disposto na alínea c’, mas na alínea a’ do inciso VI do artigo 150 da Carta em vigor, regra também inserta na Constituição anterior (alínea a’ do inciso III do artigo 1°). Logo, cumpre assentar a premissa de que a imunidade da alínea ‘c’, relativamente às instituições de assis tência social, alcança pessoas jurídicas de direito privado.”212 PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 212 As entidades fechadas de previdência social como instituições de assistência s<>< ial. In Revista dialética de direito tributário ny 52, p. 24. (Supremo Tribunal Federal, Re< uíso Fxlraordinário nu ) 19>43r>-(>, rel. Min. Man o Aurélio, I )iário da Justiça de 13/11/1999). L éo d o A m a r a l F il h o A leitura do texto constitucional ainda permite que se rechace tal argumento pela existência de previsão no sentido de que os es tados e municípios poderão instituir contribuições sociais para cus teio de programas de previdência e assistência social voltadas para estes. Há assim a designação de competência para que os legislado res estaduais e municipais instituam tributos para custeio de pro gramas de assistência social em benefício dos próprios servidores prevista no art. 149, § Io da Constituição Federal de 1988.213 Portanto, é possível concluir que esta Constituição não traz um conceito uniforme, universal e absoluto de assistência social, a teor do que se verifica do cotejo e análise sistemática de seus arts. 149, § I o, 150, VI, “c” e 203. De outro lado, entendemos que a libe ralidade e a gratuidade são traços determinantes na assistência social prestada pelo Estado mas não o são em relação aos particulares, no âmbito do conjunto de ações previsto no art. 203 dessa Constituição Federal. 1 .2 .9 A PREVIDÊNCIA PRIVADA INSERIDA NA SEGURIDADE SOCIAL As entidades de previdência privada, adiante estudadas com ênfase em sua modalidade aberta (item 2.2.5 - trata das espécies de entidades), possuem a característica de serem complementares à pre- vidência social prestada pelo Estado, não podendo em momento al- gum serem com ela confundidas. A legislação atual deixa extreme de dúvidas que as entidades são complementares ao sistema oficial. Desta feita, há uma previsão le gal que coaduna as duas hipóteses sem qualquer contradição possí 213 "Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de inter venção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômi cas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150,1 e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6", relativamente às contribuições a que alude o dispositivo". PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA vel. Ou seja, o caráter complementar que suas atividades possuem se faz presente, nada importando para tal fim se há ou não aporte de contribuições por parte dos participantes dos planos.214 Não bastasse isso, o atual texto do art. 202215 da Constituição Federal de 1988, recentemente alterado pela Emenda Constitucio nal n° 20, de 15/12/1998, determina que o regime de previdência privada deva ser instituído de maneira autônoma ao regime de p revi dência social, de forma facultativa e baseado na constituição de re servas satisfatórias para sua manutenção, mediante o que dispuser lei complementar.216 Também a Lei de Benefícios (Lei 8.213/91) dispõe expressa mente sobre um Regime Facultativo Complementar de Prc.vidèn cia privada, até hoje não regulamentado.217 Esse regime tem os mesmos objetivos do regime aplicável pelas entidades de prcvi dência privada^ porém gerido pelo próprio sistema oficial. ERNESTO JOSÉ P ereira DOS Re is , em artigo denominado "/’/<• vidência p r iv ad a aberta”, tece considerações sobre as entidades abei tas de previdência privada, das quais extrai algumas conclusões que § 1a -O s Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir coniribuiçiu, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de pievl dência e assistência social". 214 Assunto tratado no subitem 2.2.6 215 "Art. 202 - O regime de previdência privada, de caráter complementar e orgnni/.ido de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será fa< ulialivo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar". 216 Lei Complementar na 109, 29/5/2001. 217 "Art. 9a A Previdência Social compreende: I - o Regime Geral de Previdência Social; II - o Regime Facultativo Complementar de Previdência Social. § 1a O Regime Geral de Previdência Social-RGPS garante a cobertura de tod.i'. .r. situações expressas no art. 1a desta Lei, exceto a de desemprego involuntário, objrln de lei específica. § 2o O Regime I ,tc ulialivo Complementar de Previdência Social será objeto do lei pecfíú a." L éo d o A m a r a l F ilh o endossam nossas afirmações no sentido de estarmos diante de um regime ligado à previdência oficial: “28. A Previdência Complementar regulada pela Lei Com plementar n. 109/2001 tem o regime complementar, mas autônomo e independente do Regime Geral da Previdên cia Social.”218 (destaques nossos) De acordo com as lições daquele autor, o caráter de autonomia e independência complementar não afasta a independência e autono mia do Regime Geral de Previdência Social. Soma-se a essa afirma ção a característica da facultatividade, também mencionada na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar n° 109, de 29/5/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Privada.O art. I o dessa lei prescreve: “Art. I2 O regime de previdência privada, de caráter complemen tar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de re servas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Comple mentar”. Acerca das características do regime da previdência privada, es pecialmente seu relacionamento com a Previdência Oficial e os limi tes de cada uma delas, ARTHUR B ragança DE VASCONCELLOS WEINTRAUB, descreve os motivos da indissociação de ambas, para fins de estudo: “E essencial enquadrar o Regime Geral da Previdência Social e o Regime da Previdência Privada dentro de um mesmo estudo, para abordar não somente a perspectiva da possibilidade de coexistência de ambos os regimes, ou a substituição total do regime de repartição pelo de capita 218 Curso de direito previdenciário, p. 1 65. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA lização. Deve-se focalizar também qual o contexto encon trado pelo trabalhador ao promover a iniciativa de com plementar sua aposentadoria do regime oficial. Nossa Constituição Federal, em seu art. 202, caput, determi na que o ‘regime de previdência privada, de caráter comple mentar e organizado de forma autônoma em relação ao regi me geral de previdência social, será facultativo.’ A própria Constituição da República já promoveu o enquadramento entre os dois regimes, demonstrando a preocupação do le gislador constituinte em enfocar as matérias”.219 O referido autor parte, pois, da filiação obrigatória ao Regime Geral de Previdência Social, para alcançar o Regime C omplementai corgo facultativo, colocado à disposição do trabalhador que desejar cpmglementar os rendimentos que recebe do Regime Geral de I Ve vidência Social. W agner B alera divide o Sistema de Seguridade Social em dois níveis e arremata com precisão a inserção da previdência pri vada como elemento complementar do Regime Geral, que encon tra fundamento nos princípios gerais da Constituição Federal de 1988: “Seguem existindo dois programas de seguridade social no Brasil. O que ampara os trabalhadores em geral, sob exame aqui, e o que cuida dos agentes públicos. Todavia, são atraídos para o interior do sistema em estudo, segundo entendemos, os regimes privados de proteção social. (...) A tríplice finalidade do Sistema de Seguridade Social bra sileiro se configura em diversas vertentes. 2 19 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime ge/a/ da previdôncia so< iiil, p. 2-3. L éo d o A m a r a l F ilh o De um lado, vigora o regime geral de previdência, regu lado pelas Leis n. 8.212/91 e 8.213, de julho de 1991, e cuja vocação é fornecer cobertura das contingências so ciais básicas. De outro, temos o regime próprio dos servidores dos Pode res Públicos, cujas regras gerais são estabelecidas pela Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998. E, finalmente, o regime supletivo que serve para comple mentar as prestações devidas assim pelo regime geral como pelos regimes próprios. (...) Ao regime complementar, por seu turno, compete propor cionar planos de proteção que atendam à demanda daque la parcela da comunidade cujas rendas se situem acima dos limites de proteção estabelecidos pelo regime geral e pelo regime próprio(...)”.220 (destaques no original) Feitas essas ponderações que embasam a conclusão de que o regime de previdência privada é integrante do regime geral, mantida sua característica autônoma, e sempre objeto de opção por parte de quem a ele aderir, menciona-se a lição de WAGNER BALERA sobre os dois fatores que informam o substrato do art. 202 da Constituição Federal de 1988: “Consagra, o comando constitucional, o binômio caracte rístico da previdência privada, que, segundo a ordem lógi ca com que o fenômeno jurídico deve ser analisado, é com posto da: a) contratualidade; e b) da facultatividade”.221 (destaques nossos) 220 Sistema de seguridade social, p. 14-15. 221 Sistema de seguridade social, p. 62. A questão da natureza contratual da previdência privada será explorada no subitem 2.3.1. P r fv id fn c ia P r iv ad a A berta O tema da contratualidade também é explorado nos itens 2..' e seguintes, que tratam da Previdência Privada Aberta e as relaçc com participantes dos planos. Capítulo II A P r e v id ê n c ia S o c i a l e a P r e v id ê n c ia P r iv a d a PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 2.1 A Previdência P rivad a na C o n s titu içã o Federal de 1 9 8 8 2.1.1 O TEXTO ORIGINAL E AS MODIFICAÇÕES DA EMENDA C onstitucional nq 20/98 Ao adentrar o estudo da previdência privada é indispensável alii mar que seu fundamento está previsto_na Constituição Federal de 1988. O legislador constitucional dedicou preocupação especial ao tema. A redação atual do art. 202 dessa Constituição Federal, que trata esse Regime como compleme_ntar_e facultativo, foi trazida pela Emenda Constitucional n° 20, de 15/12/1998, e estabeleceu uma nova sistemática constitucional da previdência privada, conforme se verifica no texto abaixo: “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter comple mentar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constitui ção de reservas que garantam o benefício contratado, c regulado por lei complementar. § 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao p;u'lii'i|>anlc de planos de benefícios de entidades de previdência L èo d o A m a r a l F ilh o privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. § 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de be nefícios das entidades de previdência privada não integram o con trato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos partici pantes, nos termos da lei”.222 De acordo com a nova redação do art. 202 da Constituição Fe deral de 1988, o regime de previdência privada de caráter comple mentar deve ser regulamentado por intermédio de lei complementar a ser expedida pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presiden te da República. WAGNER BALERA ressalta a importância dessa op ção do legislador constitucional, ao compará-lo com o Regime Geral e afirma que a exigência não é formulada em matérias conexas: “Enquanto para as prestações concedidas a título univer sal — saúde, previdência social e assistência social — a disci plina normativa será a da legislação ordinária (...) o regime complementar de seguridade social será regulado mediante lei complementar. A opção política, provavelmente, norteou os autores da Lei das Leis”.223 . 222 A redação anterior do art. 202 nao tratava do Regime Complementar: "Art. 202 - É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetaria mente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribui ção de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições: I - aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal; II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saú de ou a integridade física, definidas em lei; III - após trinta anos, ao professor,e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exer cício de função de magistério." 223 Sistema de seguridade social, p. 61. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Nesse sentido, foi sancionada a Lei Complementar n° 109, de 29/5/2001 (“LC 109/2001”), segundo a qual o regime de previdên cia privada será operado por entidades de previdência privada que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário.224 Explica A rthur B ragança de Vasconcellos W eintrauh que até 23/1/1923, não havia uma previdência privada, porque sequei uma previdência básica existia e que a primeira sistematização lcgis lativa somente se deu em 1977, pois, até então, as entidades privadas destinadas à complementação dos benefícios oficiais “acabavam submetendo ao Código Civil ou a outras normas comerciais ou de seguro privado”.22S Não bastasse isso, o atual texto do já mencionado art. 202 da Constituição Federal de 1988, determina que o Regime de Previ dência Privada deve ser instituído de maneira autônoma ao Regime Geral da Previdência Social, de forma facultativa e baseado na cons tituição de reservas satisfatórias para sua manutenção, mediante <> que dispuser lei complementar.226 Explica F lávto M artins Rodrigues que a “par das polêmicas envolvendo as alterações introduzidas, a Emenda n° 20 teve o inegável mérito de constitucionalizar o financiamento da previdência via regime de capitaliza ção, tanto para o regime da previdência complementar pri vada, como para os regimes previdenciários públicos, espe cialmente aqueles destinados aos servidores da União, Es tados Federados, Distrito Federal e Municípios”. Segundo esse autor, sobreveio “nova redação ao art. 202, cristalizan 224 Até então vigia a Lei n ° 6.435, de 15.7.1977 ("Lei 6.435/77"). 225 Previdência privada, aluai conjuntura e sua função complementar ao /cg/me gr/a/ da prcvidôiu ia social/ p. 10. 22(> I ei ( omplementain" I09# 29/5/2001. L éo d o A m a r a l F ilh o do, em sede constitucional, a previdência complementar (aberta e fechada) e voltada para os funcionários da inicia tiva privada”.227 Assim, temos que a E C 20/98 representa um marco na evolu ção legislativa da previdência privada, especialmente porque, quer a partir de sua edição, quer a partir da legislação infraconstitucional editada com fundamento em seu texto, o braço facultativo do siste ma de seguridade social teve contornos mais nítidos e específicos. 2.1.2 N a tu re z a das entidades Admitido o sistema de previdência privada como parte inte grante e autônoma do regime geral, parece-nos adequado dizer que as entidades de previdência privada são destinadas a implementar os planos que atenderão à finalidade de complementar os rendimentos daqueles que buscam a forma alternativa e facultativa dç comple- mentação dos benefícios pagos pelo Estado, por meio do Regime Geral de Previdência Social. Em primeiro, parece-nos adequado afirmar que as entidades de previdência privada têm um nítido caráter privado. Essa afirmação é decorrente da análise sistemática do art. 2o com os arts. 31, § I o, 36 e 77 todos da L C 109/2001; o primeiro, estabelece que o “regime de previdência complementar é operado p o r entidades de previdência com plem entar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na fo rm a desta L e i Complementar”, enquanto que o art. 31, § I o, dispõe que as “(...) entidades fechadas organizar-se-ão sob a form a de fu n d a ção ou sociedade civil\ sem fin s lu crativos" e. o art. 36 determina que as entidades abertas “são constituí das unicamente sob a fo rm a de sociedades anônim as e têm p o r objetivo instituir e op erar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos 227 Fundos de pensão de servidores públicos, p. 14. ern forma de renda continuada ou p agamento único, acessíveis a quaisqm' i pessoas físicas”.228 Além disso, o art. 77 da mesma Lei prescreve que “as entidades abertas sem fins lucrativos e as sociedades seguradoras auto rizadas a funcionar em conformidade com a Lei n- 6.435, de 15 de julho de 1977, terão o prazo de dois anos para se adaptar ao disposto nesta Lei Complementar”. SÉRGIO DE A ndréa F erreira tratou do tema ainda sob a égide da Lei n° 6.435/77 e restrito às entidades fundacionais. Entretanto, temos que a essência de seu entendimento pode ser transportada para uma ótica mais ampla, a saber, a das entidades privadas como um todo. Ensina o referido autor que “(...) as fundações de seguridade suo fundações de direito privado, de direito civil, particulares” e que “após o advento da Lei n° 6.435/77, as entidades fundacionais de previdência complementar passaram a ser colaboradoras do poder público, mas sempre de direito privado, de direito civil, particulares, apenas com derrogação dn incidência das disposições do Código Civil e do CPC f...J229 A dicotomia entre entidades abertas e fechadas (item 2.2.5), para fins de fixação de sua natureza, não escapou da lição de F r a n c i s c o M anoel X avier de A lbuquerque, que chegou às mesmas conclus< >es do autor anteriormente citado. Deixou claro que a complementaridade que emprega ao Regime Geral não transfigura sua natureza privada: “6. !Qa entidade aberta, a natureza privada é inquestionável. Mas, não é só. Seja qual for a índole da chamada patrocina dora — empresa privada Jtricto sensu, ou entidade governa- PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 228 Lei 4.595, de 31.12.1964. "Art. 25. As instituições financeiras privadas, exceto ns coo perativas de crédito, constituir-se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima, devendo a totalidade de seu capital com direito a voto ser representada por açóc. nominativas". (Redação dada pela Lei ne 5.710, de 07/10/71) A referência é feita ape nas com a finalidade de mencionar dispositivos correlatos no ordenamento jundii o. Por se tratar de lei geral e anterior, cremos que o fundamento legal da exigência da forma de sociedade anônima decorra da LC 109/2001. 229 Aspei los básicos do moderno direito das fundações de previdência suplementai, in: Revisla de direílo admlnislralivo nu I 72, p. 23. L éo d o A m a r a l F ilh o mental —, a en tidade fe ch ada também guarda naturexa es tr i tam en te p r ivada . Sob esse aspecto, m ostra-se in d iferen te a d is tinção en tr e uma e outra, em fu n çã o da sua relação com os p a r ticipan tes dos p lanos d e benefícios ”.230 XA V IER D E A LBU Q U ER Q U E, na lição acima, menciona citação de D i o g o D E F i g u e i r e d o M o r e i r a N e t o , que igualmente estudou o tema após a edição da Constituição Federal de 1988 e anteriormente à edição da LC 109/2001, tendo deixado afirmado categoricamente o papel complementar das entidades e sua natureza privada: “ É concordante o opinamento de D io g o (...), manifestado em parecer de 10.1.91, que nos foi dado conhecer pela consulente. Nesse importante ensaio, depois de enquadrar a atividade administrativa reguladora da p r ev id ên cia socia l no sistema do ordenam ento socia l objeto da Seção III do Capítulo I do Título VIII da Constituição, escreve o repu tado administrativista: ‘Nesse ordenamento, a atividade p rev id en c iária , con stitu c io n alm en te b a liz ad a , está precipuamente cometida ao Estado (art. 194) e, comple- mentarmente, é deixada à execução pela sociedade (art. 194, 201, § 8o, e, ainda, o art. 21, VIII). As diretrizes básicas, todavia, são comuns, sendo que ao Estado cabe a execução de sua parte, prestada como um serv iço público , e à socieda de, a complementar, prestada como um serv iço p r iv a d o de interesse público, daí justificar-se a regulação e fiscalização do Poder Público nos aspectos p rev id en ciá rio s específicos — e apenas sobreeles.’ Para concluir, logo adiante: A sociedade (...) se v a le d e en tidades de d ireito p r iv a d o pa ra executar os ser - viçp s d e p rev id ên cia privada. Essas entidades, todav ia , não f a - 230 Previdência privada - Pretendida submissão de entidades fechadas a controle externo dos Tribunais de Contas - Inadmissibilidade". In: Textos de direito público, p. 230. Os comentários foram feitos tendo como referência a Lei n. 6.435/77, revogada expressa mente pela LC 109/2001. Entendemos que a lição doutrinária continua aplicável à época atual, porque há compatibilidade entre a legislação pretérita e a nova sobre a matéria. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta zejn p a r te do sistema adm in istrativo, se não que con form am um sistem a p rivado d e colaboração (., . )”231 O art. 36 da L C 109/2001 determina a forma de constituição das entidades abertas de previdência privada e excetua a operação por parte de seguradora, nas condições que prevê: “Art. 36. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e ope rar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quais quer pessoas físicas. Parágrafo único. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo vida poderão ser autorizadas a operar os planos de benefícios a que se refere o caput, a elas se aplicando as disposições desta Lei Complementar”. Além disso, a LC 109/2001 determinou que as entidades abcr tas estabelecidas de acordo com a Lei 6.435/77 teriam o prazo de 2 (dois) anos para adequar-se às suas prescrições legais. Mais uma vez, foi trazida pela L C 109/2001 uma exceção para os casos das en t ida des sem fins lucrativos e sociedades de capitalização: “Art. 77. As entidades abertas sem fins lucrativos e as sociedades seguradoras autorizadas a funcionar em conformidade com a I ,ei n° 6.435, de 15 de julho de 1977, terão o prazo de dois anos para se adaptar ao disposto nesta Lei Complementar. § l s No caso das entidades abertas sem fins lucrativos já autoriza das a funcionar, é permitida a manutenção de sua organização ju rídica como sociedade civil, sendo-lhes vedado participar, direta ou indiretamente, de pessoas jurídicas, exceto quando tiverem par ticipação acionária: 231 Citado por Xavier de Albuquerque no lexto mencionado na citação anterior. A citaç.lo se deu por vi.i retlexa porque se iraia de doutrina firmada em parecei privado, não publicado e cuja divulgação <5 restrita. L éo d o A m a r a l F ilh o I - minoritária, em sociedades anônimas de capital aberto, na for ma regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional, para apli cação de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões; I I - em sociedade seguradora el ou de capitalização.” Admitimos, pois, as entidades de previdência privada como pes- soas jurídicas destinadas a gerir e administrar planos, de maneira autônoma ao Regime Geral da Previdência Social. Esses planps têm a finalidade de complementar os benefícios de caráter previdenciário pagos pelo Estado. 2 .1 .3 C a r a c t er íst ic a s A previdência privada é um regime supletivo de previdência, eminentemente privado e facultativo, no dizer de WAGNER B a le r a . O mesmo autor frisa a característica da facultatividade, sem disso ciá-la do contexto de complementaridade em relação ao Regime Geral: “Ao regime complementar, por seu turno, compete pr-opor- cionar planos de proteção que atendam à demanda daquela parcela da comunidade cujas rendas se situem acima dos limites de proteção estabelecidos pelo regime geral e pelo regime próprio. A s entidades que poderão compô-lo clas- sificam-se em fechadas e abertas. A adesão a esse rede de proteção supletiva, a dos planos com plementares, não é compulsória, como a que vincula as pes soas aos regimes básicos. É livre a adesão dos trabalhadores, individual ou coletivamente, aos planos complementares”.232 O aspecto de complementaridade decorre da insuficiência do sistema oficial. .Explica-se, desde logo, que o sistema oficial de previ dência tem como finalidade prover condições mínimas para os que a 232 Sistema de seguridade social, p. 15. P r ev id ên c ia P r iva d a A berta ela estão filiados, facultativa ou obrigatoriamente. Esses limites se rão aferíveis por meio dos parâmetros que a lei fixar. Por certo, os benefícios que a previdência social proporcionar deixarão uma parcela da população com restrições à época do pagamento de benefícios, em relação àqueles auferidos quando em atividade. Aquele segurado que em atividade extrapolar o limite J^ tetxO de benefícios pagos pela Prc vidência Social233 terá seus rendimentos sensivelmente reduzidos por ocasião da aposentadoria. É n o exam e d esse co n texto que se v erifica a característica niti d am e n te co m p lem e n tar do regim e que ora tra tam o s. P a u l o M e n tk , em texto co n stan te d a o b ra Curso de direito previdenciário, explica con 1 p ecu lia r c lareza o fen ô m en o da lim itação d o re g im e oficial: “A incapacidade da sociedade em dotar recursos para o financiamento dos programas previdenciários determina aos administradores públicos um outro foco de atenção na busca da justiça social. Quando ao Estado não fluem os recursos necessários ao pleno atendimento, nos melho res níveis, na demanda por benefícios, cabe ao Estado fi- xar prioridades, através de patamares mínimos e máximos, compatíveis com as características e necessidades dos gru pos componentes da população. Os benefícios, nesse caso, serão limitados ao atendimento dos programas dç.base, com sacrifício_de interesse dos grupos situados nas fak as dejrendas mais altçis. Esses limites é que são responsáveis pelo surgimento de programas complementares, alternativos, de iniciativa;pn vada, voltados ao atendimento dos interesses dessas cama- das mais bem situadas na pirâmide soc k l”.234 233 O limite é fixado por Portaria ns 1 2, de 08/1/2004, do Ministro da Previdôneia So< íal Na data de conclusão deste trabalho, o limite é de R$ 2.400,00 - decorrente de aprova ção da Emenda Constitucional nü 41, de 31/12/2003. 234 A Previdêm ia privada fechada. In: Curso d e direito previdenciário, p. I 77. L éo d o A m a r a l F ilh o Outra característica, além da operação por entes privados (vide subitem anterior), é a submissão quase que total a regime de çapita- lização. É bom que se explique que no passado os planos de previdência pr;ivada quase sempre garantiam o pagamento de valores previamen- te fixados ou estabelecidos, ou, pagavam benefícios cujo valor estava baseado nos vencimentos obtidos quando em atividade, antes da apo sentadoria. O mecanismo anteriormente adotado gerou sérios problemas de caixa, decorrentes da impossibilidade de as entidades honrarem seus compromissos e, ao mesmo, tempo, manterem suas contas equi libradas. Essa circunstância ocorreu em diversos países por força de diversas alterações, sobretudo de ordem social e econômica. E o que explica A r n o l d o W a l d : “O problema da adequada garantia das aposentadorias pela previdência complementar existe em todos os países. À medida que a duração da vida aumentou, o tempo de traba lho foi diminuído e se reduziu o crescimento da população, uma nova realidade social e econômica foi obrigando o le gislador a intervir para assegurar os pagamentos futuros devidos pelo sistema”.235 Nos dias atuáis, a quase totalidade dos planos oferecidos n£o fixa valores de benefícios a serem recebidos no futuro. Eles apenas constituem uma reserva cujo montante arrecadado será utilizado no futuro para pagamento dos benefícios. Essa característica também é marcante para distinguir osplanos de previdência privada do sistema de repartição, tradicionalmente adotados em épocas passadas. Nova mente P a u l o M e n t e explica o ponto: 235 A Reforma da Previdência Privada (A Constitucionalidade do Decreto 3.721, de 08.01.2001). In: Revista dos Tribunais nB 791, p. 12. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta “Ao contrário da previdência pública, assentada no regime de repartição, com orçamentação anual ou periódica, a pre vidência complementar adota, por exigência legal, na quase totalidade dos benefícios prometidos, o regime de capitali zação. Em definição simplória, isso significa que as contri buições vertidas, por patrocinadores e por participantes, gão guardadas e aplicadas par% o sustento dos benefícios futu ros. Portanto, os benefícios futuros das entidades fechadas serão pagos com o resultados das contribuições recolhidas durante a fase de vida ativa, acrescidas dos respectivos, ren dimentos financeiros obtidos”.236 Ocorre que dessa afirmação surge uma questão que deve sei imediatamente sanada: como pode o participante do plano prever seus rendimentos futuros, se eles estão condicionados às reservas tiuc acumularam, bem como ao resultado dos rendimentos financeiro", j que podem ser positivos ou negativos? Pois bem, pensamos que é imperioso desde já estabelecer c o m o premissa que a previdência privada assim posta não se destina a, ne cessariamente, fixar a garantia de um rendimento futuro determina do, mas sim de um rendimento condicionado a fatores externos c< uno os aportes èfetuados e o desempenho do plano. Assegura-se o rendi mento futuro, sem dimensioná-lo. Há uma nítida transferência de responsabilidade ao participante, no que diz respeito à escolha e ujei< > utilizado para garantir seu futuro. Esse contexto nos parece coerente com a facultatividade mencionada no art. 202 da Constituição Fede ral de 1988. A contratação e sua modalidade estarão sujeitas inicial mente ao livre-arbítrio do participante. A rthur B raganc, a ui VASCONCELLOS WEINTRAUB ao tratar das várias espécies de planos de previdência privada237 , assim admite essa característica: 2 \(> A Previdên< ia ptivada let liada. In: Curso dc direilo previdenciário, p. 18/. 2'\7 ( ) tema e cvp lo tado E',pe( ific.uuenle no snhitem L éo d o A m a r a l F ilh o “Podemos perceber que os riscos inerentes ao plano de be nefício definido (quanto ao pagamento de benefícios) não se manifestam em relação ao Plano de Contribuição D efi nida. Isto porque não existe uma renda programada a ser atendida, mas sim uma expectativa de renda”.238 (destaque do original) E ssa afirmação é de extrema importância para verificação da preservação do direito dos participantes. O problema da atualização monetária H q s .benefícios passa a ser deixado de lado, pois que ine rente a um plano financeiro cuja capitalização é a característica mar- cante (2.2). Existirá, apenas, relativamente àqueles contratos que envolvem o pagam ento de benefícios contratados em regime de va lor fixo, que se constituem exceção à regra. F icam assim admitidas como características principais a contra- tualidade e a facultatividade de contratação, inseridas na autonomia própria em relação ao Regim e Geral. 2 .1 .4 F u n ç ã o d a s en t id a d es d e p r e v id ê n c ia pr iv a d a A s entidades de previdência privada têm como objetivo princi pal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, em complementação ao Regime G eral de Previdência Social. Para a consecução de seu objeto social, tais entidades necessitam de recur- sos que podem ser aportados pelos próprios participantes, por patro- cinadores e/ou instituidores, ou por ambos em conjunto. Q uestão de sum a im portância é a determ inação da titularida de dos recursos vertidos para as entidades de previdência privada. Por essa razão, vale investigar o funcionam ento dos planos de be nefícios. 238 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao rcyjme geral da previdência social, p. 82. r PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Por ocasião da adesão aos planos de previdência privada, os par ticipantes e os patrocinadores e/ou instituidores assumem a obriga ção de contribuir com recursos para a form ação de reservas que futuramente serão destinadas a custear os benefícios de previdência privada de participantes e assistidos. E m contrapartida, a entidade fechada de previdência priva da assu m e a obrigação de g erir recursos e ad m inistrar planos, com a fm alidade_de pagar os benefícios prev iden ciário s dos p;ir t ic ipantes e/ou dos assistid os conform e estabelecido no plano de_ benefícios. A consecução do objeto social das entidades de previdência privada envolve a ge stão dos recursos vertidos poi p a tro c in ad o res/ in stitu idores e/ou p artic ip an tes, conform e se depreende do § I o do art. 202 da C onstitu ição Federal, com a redação dada pela E C 20/98 . O conceito de gestão pode ser exposto sob o prism a estritamcn te jurídico expressado por JosÉ CRETELLA JÚNIOR: “A gestão, concretizada mediante a prática do ato conhe cido pelo nome àejuregestionis, assemelha-se à ‘gestão pri v a d a ’, a tiv id ad e que o poder pú b lico desem pen h a analogamente ao particular, pessoa física ou empresa, ao gerir os próprios negócios. Todo ato de gestão tem por ob jetivo a conservação, a dim inuição ou o aum ento do ,._pã.tamôll.ia Ora, não há patrimônio sem dominus, sem pro prietário.”239 (destaque nosso). A citação transcrita acima demonstra que a atividade de gestão praticada pelas entidades fechadas de previdência privada envolve, na verdade, a adm inistração dos recursos transferidos por patrocina dores/instituidores e/ou participantes. 239 Imlndo t b tlhvilo .itlmiuislnitivo, v. II, |>. 53. E m nosso entendimento, a atividade administrativa desenvolvi da por tais entidades compreende, na verdade, elemento similar à administração de bens de terceiros. N a m edida em que os recursos administrados são alheios, os serviços são prestados de form a habi- t u a l e o objetivo é o alcance de superávit. Corroborando esse entendimento sobre a administração de bens alheios, lembramos as lições de B ernardo R ibeiro DE MoRAES: “Administrar quer dizer gerir, governar, dirigir. Serviços de administração são os relacionados com a gestão de interes ses de alguém. Quem administra para terceiros presta ser viços através de vários atos concretos e executórios, para a consecução direta de um fim. N a administração encontra mos a coordenação, a supervisão e o controle de trabalhos, com o fim de produzir um resultado. (...) Administrar bens é gerir coisas materiais ou imateriais que compõem o patrimônio de uma pessoa, (...) Os serviços de administração de bens ou negócios se refe rem à gerência de coisas materiais ou imateriais, mas sem pre de terceiros.” 240 (destaques nossos). Os atos de gestão praticados pelas entidades de previdência pri vada têm por objetivo gerir e aumentar o montante dos recursos que se encontram em seu poder. É condição para que a atividade desen volvida por essas entidades seja considerada como administração de bens de terceiros que tais recursos não representem patrimônio pró prio dessas entidades. L éo d o A m a r a l F ilh o 240 Doutrina e prática do imposto sobre serviços, p. 21 .S. PREVIDÊNCIA PRIVADA ÀBERTA 2.1.5 F ina lid ad e das entidades de previdência p rivada E m termos sucintos, pode-se dizer que as entidades de prcvi dçncia privada foram criadas em decorrência da existência no niiin do prático de planos de benefícios administrados, quer por instituições regulamentadas para tal fim, quer por empregadores que buscavam implementar um a melhor situação a seus em pregados quando da aposentaçãoou em caso de infortúnios. Parece-nos que a L C 109/2001 foi taxativa ao prescrever as en tidades abertas de previdência privada como instituidoras e operado ras de p lanos de benefícios previdenciários, cujo pagam ento de benefícios se dará de forma instantânea ou continuada, portanto aces síveis, do ponto de vista da autonomia da vontade e à dis_po.slção de quaisquer pessoas físicas. “Art. 36. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas c têm por objetivo instituir e ope rar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos cm forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quais quer pessoas físicas”. M ais uma vez somos enfáticos ao afirmar que essa atribuiçac > < le competência suplem entarem relação ao Regime Geral de Previdciu ia S ocial decorre da necessidade de oferecer aos cidadãos urna alteri iat iva gm relação às limitações inerentes ao sistema oficial. F rancisco M a NOEL X avier DE A lbuquerque narra com supremacia a questão: “Desnecessário e inoportuno formular aqui um discurso demagógico e crítico sobre o parco e insuficiente sistema de benefícios oferecidos pelo sistema de seguridade social brasileiro, seja nos dias de hoje, seja no passado. Fato é que o legislador viu a necessidade de tratá-lo e regrá-lo com. o fito de disciplinar as situações decorrentes de tais formas de proteção. Por tais razões, foi editada a Lei n” 6.435/77, que trata tia instituição das entidades fechadas de prcvi dência privada, delmindo-ás e, de um modo geral, discipli nando as matérias a elas atinentes. Assim sendo, foram criadas as entidades fechadas e abertas de previdência pri vada, com objetivos similares e finalidades distintas. (...) A previdência privada, entre nós, já havia se constituído e desenvolvido, antes que dela se desse conta, como tal, e cui dasse de regulá-la o legislador. Suas primeiras mfuiifesta- ções remontam, com efeito, a bem dizer, a fase anterior dos primórdios da j3rópria_previdência social chamada oficial ou pública”.241 W agner B alera dá à questão sua concisa e precisa interpreta ção, para o fim de informar a coexistência do Regim e G eral com o Regime Com plem entar e dessa forma deixar margem para que real cemos o papel das entidades privadas: “Por outra parte, ainda ali onde o diploma constitucional deverá inovar, há estruturas adrede definidas pelo Estatuto Supremo. O móvel justificativo da existência desse componentç do sistema é o de proporcionar, aos participantes, adequado padrão de vida. Esse padrão de vida deve ser tanto quanto possível, compa tível com a posição social que cada trabalhador granjeou durante o período em que integrou a força do trabalho. De todo modo, sem contrariar a diretriz maior da universa lidade da cobertura e do atendimento (que aponta para a redução das desigualdades entre beneficiários e entre regi mes) e a essência mesma da previdência supletiva,, nenhu- ma lei poderá invadir a esfera da livre dÍ£posi_ção_eritre instituidores e participantes dos planos privados. 24 I Textos de direito público, p. 228.0 texto foi redigido durante a vigência da Lei n9 6.435/77. 156 (...) E a im possibilidade, financeira e política, de o regime básico conferir, a todos os filiados, a m anutenção do m esm o padrão de vida que a atividade laborativa pro porciona que justifica a institucionalização dos planos com plem entares”.242 Adiante se verá (subitens 2 .2 .2 ,2 .2 .3 e 2.2.4) que o sistema com plementar formará um elo importante com o sistema financeiro. Dessa associação de fatores, certamente surgirá o interesse (no sentido eco- nôrpico e financeiro) de diversos agentes sociais. D isso não pode re sultar a perda de foco do sistem a de previdência privada, que é o pagam ento de benefícios. A ordem econômica não pode ficar atrás das preocupações sociais do Estado: existindo conflito entre o inte resse da previdência privada e o interesse financeiro, prevalecerá a primeiraJ E o que ARTHUR B ragança DE VASCONCELLOS W eINTRAUB explica com simplicidade e precisão: “Vale ressaltar que o fundamento dos planos de Previdência Privada não é o enriquecimento da pessoa por meio de apli cações. Se o indivíduo quiser auferir riqueza descomunal, que aplique na Bolsa de Valores, onde as chances de enriquecer são tão grandes quanto as chances de perder tudo. O s planos previdenciários têm por ponto principal permitir uma conti nuidade no padrão de vida da pessoa, numa fase madura da vida, complementando uma aposentadoria oficial”.243 Fica, pois, admitida a previdência privada, por meio das entidades criadas com o propósito de implementá-la, com a finalidade de suprir limitações das prestações estatais, decorrentes da capacidade (limita da) do Estado e da forma com que foi concebido o Regime Geral. 242 Sistema de seguridade social, p. 67. 243 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime geral da previdência social, p. 6. 157 Léo d o A m a ra l F i lh o 2.1 .6 D a PREVIDÊNCIA ESTATAL À PREVIDÊNCIA PRIVADA A necessidade de que o direito viesse a regrar essas novas situa ções decorre de uma circunstância histórica, qual seja, a proteção à manutenção do nível de vida daqueles cujo padrão de vida não pode ria ser protegido pelo Regime Geral. PAULO MENTE narra com cla reza essa evolução: “No Brasil, os regimes complementares de previdência da tam das primeiras décadas do século passado, originados em algum as organizações mais ativas de profissionais especializados, cujas rendas laborais não poderiarr\ ser atendidas por um programa de abrangência g eneralizada à população brasileira. Aliás, as primeiras iniciativas são anteriores ao regime estatal”.244 PAULO MENTE continua seu raciocínio mencionando que o ano de 1977 foi o grande marco para o sistema privado de previdência, quando ocorreu a edição da Lei 6.435/77. Essa constatação é mais uma daquelas que permitem verificar a clara hipótese do direito sen do criado posteriormente à necessidade de regramento advinda do mundo dos fatos. Como fatores impulsionadores da edição daJLci 6.435/77, o autor menciona a falta de segurança dos partiçipantes dos planos e o crescimento dos planos oferecidos pelas ejnpresas: “D ois fenômenos impulsionaram os poderes executivo e legislação à instituição de uma legislação reguladora para o sistema privado de previdência em 1977. O primeiro identificado com a proteção dos beneficiários, que àquela época não contavam com um Código de D efe sa,, c viam-se nas entrelinhas de contratos obscuros, vendi- d ° s de porta em porta, prometendo benefícios aó final cor- roídos por uma inflação crescente (...). 244 A previdência privada fechada. In: Curso de direito previdenciário, |>. 178. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta Outro fenômeno, de impacto menos generalizado, foi o crescimento repentino dos planos empresariais, especial mente nas empresas no eixo Rio-São Paulo. Para regulamentar a atividade nesse setor, cada vez mais expressivo em termos previdenciários e econômicos, foi editada a Lei n. 6.435 em 15 de julho de 1977, depois regu lamentada pelo Decreto n. 81.240. Tais diplomas inovado res dividiram a atividade previdencial privada em dois gran des segmentos: — a previdência aberta, oferecida a qualquer cidadão que tivesse por intenção complementar suas rendas futuras, nas mãos de entidades concorrentes no mercado, especialmen te em bancos e seguradoras, com finalidades lucrativas, além das que já existiam anteriormente; e - previdência fechada, criada no âmbito de empresas ou grupos delas, voltadas especificamente para o benefício de seus funcionários e dependentes, organizadas sob a forma de entidades não lucrativas”.245 (destaques nossos) Como referência à experiência ediplomas anteriores, Artii iik B ra g a n ç a de V a sc o n c e llo s W eintrauh menciona a criação do “M O N G E R A L - Montepio Geral de Economia dos Servidõ es (l< > Estado, em 10 de janeiro de 1835Tonde se esboçava um início de idéia de complementação de recursos pessoais, foi a primeira insti tuição modelada de forma a complementar a renda dos traíra 1 b a d o res quando da inatividade”.246 O referido autor igualmente vincula a previdência a determinadas espécies de seguro e deixa os modelos anteriores inteiramente ligados àquela figura, originalmente pcrtcn cente ao direito civil: 245 A previdência privada fechada. In: Curso de direito previdenciário, p. 179-180 24f> Previdênci.i priv.ul.i, atual conjuntura e sua função complementar ao regime )\eral d,i previdência sot i.il, p. r>. L éo d o A m a r a l F ilh o “Com o a Previdência Privada encontra-se num campo in trínseco à temática dos seguros, o próprio Código Com er cial de 1850 constitui marco histórico, ao disciplinar nos arts. 666/684 o seguro garantidor de viagens marítimas (nes se cenário há a abertura de espaço para outros tipos de se guros privados). O Decreto n. 2.679, de 2 de novembro de 1860, tratou do funcionamento das empresas de seguro, sendo complementado pelo Decreto n. 2.711, de 19 de de zembro de 1860. D e cunho fiscalizatório sobre entidades seguradoras, é im portante citar a Lei n. 294, de 5 de setembro de 1895, que foi regulamentada pelo Decreto n. 2.153, de I o de setem bro de 1895. O Decreto n. 4.270, de 10 de dezembro de 1901, conhecido como “Regulamento M urtinho”, regulou em termos gerais os mecanismos de seguros do Brasil. E s sas foram, em linhas amplas, as bases da criação da Previ dência Privada, pois permitiram a solidificação de um ali- cerce de securitização privada. Realmente, até 1977 não há previsões legais específicas sobre Previdência Priyada no . Brasil. A falta de legislação refletia a existência exígua de mercado. N ão houve, até 1977, a necessidade do legislador de se preocupar com a regulamentação de um sistema mi nimamente difundido, e por isso deixou-se pairar sobre o tema a normatização de seguros privados”.247 O autor prossegue com o mérito de sucintamente demonstrar a evolução legislativa desde o marco de 1977. Seu discurso deixou evi dente, o quão jovem é o regramento da previdência privada, e, conse qüentemente, o quão escassa é a experiência a esse respeito: “A Previdência Privada estava submetida à L ei n. 6 .435/ 77 (que sofreu alterações com a L ei n. 6 .462/77, com o 247 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime geral ila previdência social, p. 5. Decreto-lei n. 2.053/3*, com a Lei n. 8.020/90, e com os Decretos 81.240/78 (entidades fechadas) e n. 81.402/78 (en tidades abertas), onde os arts. 8/33 referiam-se à Previdência Privada aberta, e os arts. 34/50 referiam-se à fechada. O utra norma significativa consiste no D ecreto-lei n. 73/ 66, regulamentado pelo Decreto n. 60.459/67, e alterado pelos Decretos-leis n. 168/67 e 296/67. O Decreto-lei n. 73/66, em seu art. 3o, parágrafo único, dentro das disposi ções sobre o Sistema Nacional de Seguros privados, exclui taxativamente o Regime Geral da Previdência Social de suas previsões. Hoje, o regime de Previdência Privada é previsto pelo art. 202 da Constituição, previsão derivada da Em enda Cons titucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998. D e caráter complementar e organizado de forma autônoma em rela ção ao Regime Geral de Previdência Social, o regime da Previdência Privada é facultativo. O art. 68, § 2o, da Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001 (...), deter minou que a concessão de benefício pela previdência com plementar não depende da concessão de benefício pelo Regime Geral da Previdência Social, ilustrando bem a au tonomia de organização complementar”.248 A existência fática anterior das entidades e contratos de previdência privada, levou A rion Sayão RoMITA a afirmar que “(■•■) ci L e i n ° 6 .4 3 5 /7 7 não in stitu iu a p rev id ên cia socia l priv^dn entre nós. E ste d ip lom a le g a l apen as dispõe sobre a s e n tid ad es de p re v id ê n c ia p r iv a d a , m u itas d as qu ais j á ex istiam anteriorm ente a su a p ro m u lgação",249 PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA * Na verdade, o Decreto-lei que alterou a Lei nQ 6.435/77 é o Dec.-lei n ° 2.0(>4/8 3. 248 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime gerah la previdência social, p. !>-(>. 249 cn)tis d<' l)ih'ilo So( ial, \). 2'K). L éo d o A m a r a l F ilh o Pensamos ser correto afirmar que a previdência privada desen volveu-se em razão da necessidade social de sua implementação, de corrente de um clamor dos trabalhadores de faixa mais elevada de renda, consistente na manutenção do nível de vida após a aposenta doria, ou na redução da desproporção entre os rendimentos obtidos quahdo na ativa e na aposentadoria, por vezes reduzida em virtude das limitações do Regime G eral. O regramento veio posteriormente à necessidade de edição de normas específicas, de modo que a evolu ção legislativa se deu após a constatação da necessidade. Portanto, a previdência privada é um caminho pelo qual pode ocorrer a expansão do sistema de proteção social: se a previdência social é parte dele, e se a previdência privada é parte integrante desta última, logo a previ- dência privada também cumpre seu papel de agente integrante do sistema, ainda que de forma autônoma. Essa análise permite invo carmos a lição de MANOEL S oares PÓVOAS, sobre uma suposta “pres são comunitária” que estimula o desenvolvimento da previdência privada: “(...) Poderia por isso, dizer-se, que a causa da pressão da sociedade, para a in stitucionalização de um sistem a previdenciário integrado, é a insuportabilidade desta situa ção que vai comprometer desta situação o futuro das novas gerações de brasileiros!”250 250 Na Rota das Instituições do Bem-Estar - Seguro e Previdência, p. 268. Ao referir-se à Lei 6.435/77, o autor esclarece que ao "... tempo da sua promulgação, a cultura previdenciária não ia além da concepção filosófica do pacto de gerações, sem dúvi da uma expressão de efeito, mas praticamente sem conteúdo prático...", ob. citada, p. 266. 2.2 As Entidades Abertas de Previdência P r ivad a na C o n s titu içã o Federal de 1988 - Campo de A b rang ênc ia 2.2.1 Os arts. 193, 201 e 202 da Constitu ição Federai ARNOLDO W ald também afirma que os regimes da previdcm ia social e da previdência privada defluem das normas constitucionais referentes à ordem social251. Para acompanharmos a afirmação, de vemos buscar o texto dos arts. 193,201 e 202 da Constituição Fede ral de 1988: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. (...) “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma dc regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, ob servados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei (...)”. (...) “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter comple mentar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constitui ção de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”. Vemos que o bem-estar e a justiça social, ao lado do primado do trabalho, são expressões postas pelo legislador constitucional com bases para a implementação da ordem social. Portanto, seja uma de terminada forma de incentivo a qualquer dos elementos acima, lia P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta 251 A Reforma d.i Picvid^nt ia Privada (A Constitucionalidade do Decrcto 3.721, dc 0ÍS.01.2001). In: Weir.fa </<>s Iribtin.iisn ° 7<)1, p. 23. Léo d o A m a ra l F i lh o verá, então, sido encontrado um caminho direcionado à satisfação da ordem social buscada pelo legislador constituinte. Pensamos que a melhor forma de buscar o conteúdo dessas dis posições constitucionais se dará por meio da atividade interpretativa, consistente na atividade de aplicação do direito. Trata-se da indisso ciável relação entre a interpretação e a aplicação, explicada com su premacia por E ros R oberto G rau: “Quem interpreta, aplica; e só: nada interpreta, no mundo do jurí dico, senão para que o resultado da interpretação (= a norma jurí dica) se aplique a determinada situação de conflito, efetiva ou po tencial.” (...) “Esse trabalho será mais e mais preciso e individualizado quanto menor for a situação de abstração do trabalho do jurista. Entre tanto, quem faz um, certamente fará o outro. A questão cinge-se em saber se o jurista encontrou a solução mais adequada para a situação que lhe foi referida.” (•••) “(...) tenho insistentemente afirmado inexistirem soluções previamente estruturadas, como produtos semi-industria- lizados em uma linha de montagem, para os problemas ju rídicos. O trabalho jurídico de construção da norma aplicá vel a cada caso é trabalho artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sempre, renovadamente, uma nova so lução. Por isso mesmo — e tal deve ser enfatizado — a inter pretação do direito se realiza não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o que, repito-o, bastaria ao intérprete ser alfabetizado”.252 252 Pareceres, juristas e apedeutas. In: Revista da Faculdade dc Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, v. 10, p. 93-96. M o acyr CARDOSO DE OLIVEIRA afirmou que a noção de bem estar social está contida dentro do conceito de política social e tem como definição “(...) o atendimento das necessidades básicas da pessoa c, dentro das suas possibilidades e aptidões, o de outras necessidades; umas dc origem fisiológica e outras de ordem sociológica (...).253 A questão da seguridade social como elemento concretizadoi de objetivos da Constituição Federal de 1988 foi abordada com pe culiaridade por MlSABEL ABREU M a ch a d o D e r z i . Admitido, como aqui posto, que a previdência privada é integrante do sistema de se guridade social, aplicam-se-lhes os conceitos da autora, porquanto do raciocínio não resulta digressão incoerente: “O art. 3o da Constituição Federal estabelece, coerentemen te, entre os objetivos fundamentais a serem perseguidos, tan to o desenvolvimento nacional como a construção de uma sociedade justa, solidária e a erradicação da pobreza e marginalização. Tais objetivos não se aperfeiçoam apenas por serem imperativos de justiça, mas por razões desenvolvi- mentistas. A miséria de u’a massa considerável de brasileiro limita o crescimento econômico e a riqueza da nação. (...) A opção da Constituição Federal pela Seguridade Social, pública, universal e redistributiva é a única coerente com os objetivos de edificação de uma so cied ad e j^ ^ e jso lid ária , com a igualdade de oportunidades e a erradicação da_pobre- za' LHdèntemente ela não é inconciliável com o seguro com PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA plementar privado, seu estímulo e desenvolvimento”.254 253 Política Social e Seguridade Social. In: Debates Sociais n ° 32, p. 39. 254 Seguridade Social. Problemas Financeiros e Soluções na Constituição de 1900. In: AV vista trimcslr.il dc direito público n® 2 p. 21-22 e 30. A Autora uiiliza o termo "Sc^iimi complementai |iiivado", <|ue utilizamos como previdência privada de índole m m plr mental, autônoma e la< nllaliva. L éo d o A m a r a l F ilh o D as diversas form as encontradas, quer explícita, quer im plicita m ente ditadas pelo ordenam ento jurídico, a previdência privada se apre sentará com o elem ento integrante. Portanto, quando o E stado incentiva a previdência privada, das m ais variadas form as (aperfeiçoam ento le gislativo, incentivos fiscais, divulgação, regulação e fiscalização) está, /por via reflexa, buscando um a form a de m elhorar a ordem so.cial. E ssa concepção abstrata tem a assinatura de WAGNER BALERA, para quem: “Tendem ao objetivo último da Justiça Social todas as polí ticas sociais que, com o instrumental da seguridade social, o Estado e a sociedade implementarão, em obediência aos comandos do Estatuto Fundamental”.255 C on clu ím os, nesta etapa intercalar, que a im plem en tação de políticas relacionadas à previdência privada estará destinada a aten der os fins ú ltim os da ordem social, desde que se tom e por finalidade atender ao escopo que a C on stitu ição Federal de 1988 atribuiu e conferiu a si, conform e disposição de seu art. 202 . A ssim , a im ple m entação d e po líticas de incentivo, a positivação de com an dos legais e infralegais, a preocupação em relação à solvabilidade e à criação de m ecanism os de proteção aos_direitos de quem adere a seu s,p lan os serão m eios de aten der in diretam ente o com ando d o art. 193 da C o n stituição Federal. A ssim é que tem os por indispensável verificar o conteúdo do art. 201 da C on stitu ição Federal para que se torne possível verificar em que lim ites poderá a previdência privada repre sentar seu papel. M ais um a vez, para que a afirm ação tenha valor será necessário adm itir a previdência social com o direito social espécie do gênero seguridade social e, de igual m odo, adm itir a previdência priva da com o elem ento de suplem entação da previdência social, a ser exer cido pelas pessoas por m eio de vontade própria (facultatividade) e encontro de vontades com a entidade que o institui (contratualidade). 255 Sistema de seguridade social, p. 15. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 2.2.2 L im ia r e n tr e s ist e m a f in a n c e ir o n a c io n a l (a r t . 192 CF188) E SISTEMA PREVIDENCIÁRIO (a r t . 201 E 202 CF/88) O Regim e G eral do art. 201 e o sistema complementar do art. 202 da Constituição Federal devem ser analisados em conjunto com o art. 192, inserto no Capítulo IV da Constituição Federal - que trata do sistem a financeiro nacional. Isto porque, quer se trate do regime oficial, quer se trate do sistema complementar, será sempre necessário ter presente a idéia elementar de que a constituição de reservas (ou sua insuficiência) serão elementos de impacto detcnni nante no sistem a financeiro. Antes de efetuarmos as considerações específicas, é preciso dizer que a Ordem Econômica da Constituição Federal de 1988 “definiit por opção um sistema, o sistema capitalista. ”25b Nesse sentido, o art. 192 da Constituição Federal foi alterado, para o fim de ampliar os ditames anteriormente trazidos. Sua nova redação tem o seguinte teor: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis com plementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capi tal estrangeiro nas instituições que o integram”.257 A ssim , os incisos e parágrafos do texto anterior foram revoga dos258 , para o fim de se condensarem as idéias em um único texto. 256 Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de / 988, p. 368. 257 Redação dada ao artigo pela Emenda Constitucional ne 40, de 29/5/2003. 258 Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvi >l vimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado ,v. in-, tituições bancárias oficiais e privadasacesso a todos os instrumentos do mcri ado li nanceiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividade. nã> i previstas na aulori/ação de que trata este inciso; (Revogado pela Emenda Omslilm in nal n ° 40, de 2,J/,./.'(>( í.t) L éo d o A m a r a l F ilh o Manteve-se, entretanto, a principal característica formal, que é a ne cessidade de lei complementar para sua regulamentação infraconsti- tucional.259 (*) II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; (*) Redação dada pela Emenda Constitucional na 13, de 22/08/96: "II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previ dência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador." (Revogadojpela Emenda Constitucional n° 40, de 29/5/2003) III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente: (Revogado pela Emenda Constitucional n‘J 40, de 29/5/2003) a) os interesses nacionais; (Revogado pela Emenda Constitucional na 40, de 29/5/2003) b) os acordos internacionais (Revogado pela Emenda Constitucional na40, de 29/5/2003) IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais insti tuições financeiras públicas e privadas; (Revogado pela Emenda Constitucional na 40, de 29/5/2003) V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do Banco Central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo; (Re vogado pela Emenda Constitucional ns 40, de 29/5/2003) VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participa ção de recursos da União; (Revogado pela Emenda Constitucional n240, de 29/5/2003) VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento; (Revogado pela Emenda Cons titucional nQ 40, de 29/5/2003) VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras. (Revogado pela Emenda Constitucional na 40, de 29/5/2003) § 1a - A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capa cidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento. (Revogado pela Emenda Constitucional na 40, de 29/5/2003) § 2a - Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados. (Revogado pela Emenda Constitucional nB 40, de 29/5/2003) § 3a - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunera ções direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superi ores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determi nar. (Revogado pela Emenda Constitucional na 40, de 29/5/2003) 259 A Lei ns 9.932, de 20/12/1999, previa a transferência de atribuições do IRB - Brasil Resseguros S.A. para a Superintendência de Seguros Privados. O Supremo Tribunal Federal acolheu a tese de vício formal da lei ordinária para tratar dessa matéria (Ação Direta de Inconstitucionalidade ne 2.223, rel. Min. Maurício Correa, Diário da Justiça de 05/12/2003. Segundo A rnoldo W ald , a alteração constitucional trazida pela Emenda Constitucionalji° 40, admite “que diversos sistemas sejam rc g idospor legislação própria ”.260 Essa constatação decorre do entendi mento de que a nova redação do art. 192 da Constituição Federal, no trecho em que se refere a “será regulado por leis complementares”, permite que os diversos segmentos nos quais se divide o sistema financei r< > nacional sejam tratados pelo legislador complementar de maneira seg mentada, p que lhes confere caráter de especificidade e melhor técnica legislativa. M anoel Soares P óvoas, anteriormente à alteração do art. 192 da Constituição Federal, afirmou que a futura regulamentação desse artigo da Constituição Federal poderá se consubstanciar em ele mento determinante na reforma do sistema financeiro.261 Ê nossa opinião que, ao tratarmos do sistema financeiro nacio nal262 , devamos fazer uma breve explanação sobre o dito mercado li nanceiro, ambiente no qual serão aplicados os recursos captados pelas entidades abertas de previdência privada, conforme adiante se verá. Sobre esse assunto, encontramos a lição de ROBERTO Qutut > GA M o sq u e ra , cujos termos têm importância para o presente eslti do. Ensina o autor que a expressão “mercado financeiro e de ca|titais" é ambígua e comporta distinção necessária, em razão dos agentes envolvidos: PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 260 A interpretação do artigo 192 da Constituição Federal pelo Professor Celso Bastos. In; Estudos de Direito Constitucional em homenagem a Celso Ribeiro Bastos, Revist.i i/<> A dvogado na 73, p. 39-41. 261 N a Rota d as Instituições do Bem-Estar - Seguro e Previdência, p. 37. 262 Nas pesquisas realizadas, encontramos uma interessante definição de Sistema I inaii ceiro Nacional: "7. Por "sistema financeiro nacional", entende-se um complexo de regras e norma1., coordenadas entre si, que disciplinem o conjunto de operações praticadas no nu-K ad< > financeiro do País, bem assim o conjunto de instituições públicas e privadas qu<- ope rem em tal mercado. Compõem o sistema uma estrutura (as instituições ou entidades) <■ um processo (as operações)." Parecer emitido pelo então Procurador-Geral da l a/cnda Nacional, Dr. Cid Heráclito de Queiroz no Processo nu 10168.008673/08-19,1'aii■< n n" 004, de 20/11/1908, Revisla de Direito Público n* 89, 1989, p. 247. L éo d o A m a r a l F ilh o “No mercado financeiro, a instituição financeira se intro mete entre o cedente e o cessionário do crédito, viabilizapdo a mobilização na economia da poupança nacional. C-) Diferentemente do mercado financeiro, no mercado de ca pitais a mobilização da poupança se realiza, em regra, dire tamente (sic), isto e, detentor e tomador de recursos se relacio nam diretamenten.263 (destaques do original) Sem destoar das premissas adotadas no presente trabalho, to mamos emprestada do autor a definição de “direito do mercado de f i nanceiro e de capitais” para designar “o conjunto de prescrições juríd icas que disciplinam as operações intersubjetivas realizadas nesses mercados”? bA Explica o autor que o “... o Direito houve por bem regrar as condutas humanas que se realizam no mercado de crédito e no mercado de valores mobiliários, com o f im específico de v iab ilizar a realidade econômica que se revela em tais atividades, qual seja, a mobilização de poupança”.2hS Mas as lições do autor para a matéria ora tratada não se esgotam nessas afirmações. Admitindo a concepção de estruturação piramidal do ordenamento jurídico posta por H ans Kelsen , na qual as normas de maior hierarquia dão fundamento à norma de menor hierarquia, o autor afirma que o art. 192 da Constituição Federal “...é o comando norm ativo de m aior relevância no trato da m atéria atin ente ao, merca- do financeiro e de cap itais”, além de enumerar as Leis n°s 4.595/64, 4.728/65 e 6.385/76 como as leis que ditam as regras elementares da atividade bancária no Brasil.266 263 Os princípios informadores do direito do mercado financeiroedecapitais. In: Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e do mercado de capitais, p. 257-258. 264 Ibidem, p. 261. 265 Ibidem, p. 261. 266 Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. In: Aspectos aluais do direito do mercado financeiro e do mercado de chpitais, p. 262. A época da publicação do texto, não haviam sido publicadas a Lei Complementar n" 105/2001 a LC 109/2001. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Mas é importante que se extraia como substrato do texto co mentado a consolidação dos cinco princípios que o autor retira de sua atividade interpretativa em face do art. 192 da Constituição l'c deral de 1988, cujas diretrizes informarão diretamente os recursos geridos pelas entidades abertas de previdência privada: “(...) g) são princípios do mercado financeiro e de capi tais: a) princípio da proteção da mobilização da poupan ça nacional; b) o princípio da proteção da economia po pular; c) princípio da proteção da estabilidade das enti dades financeiras; d) princípio da proteção do sigilo ban cário; e) princípio da proteção da transparência das in formações”.267 Convém lembrar que a Lei n° 4.595, de 31/12/1964, formal mente ordinária, mas materialmente complementar, traz uma deli nição para a expressão “instituições finan ceiras”, que pensamos seja aplicável às entidades abertas. Parece-nos que a natureza dessas últi mas se subsume à imputação da norma: “Art. 17. Consideram-se instituições financeiras^ para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou dc terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia dc valor de propriedade de Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exer çam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma per manente ou eventual”. L a w r e n c e THOMPSON, referência na literatura estrangeira so bre sistemas previdenciários, afirma que: terceiros. .H>7 Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. In: As/ici l< .itu.iis d o direito do m ercado financeiro c do m erendo d e capitais, p. 2 7 1. L éo d o A m a r a l F ilh o “As críticas mais comuns aos benefícios em regime de re partição envolvem seu impacto econômico, e esse particu lar conjunto de preocupações é examinado nos primeiros cinco capítulos. Entretanto, os sistemas previdenciários não são criados por motivo do impacto que possam ter sobce a macroeconomia. Destinam-se, acima de tudo, a ser meca nismos que garantem aposentadoria à população.idosa. (...) O papel da previdência social na garantia de coesão numa sociedade moderna pode ser tão importante como qual quer dos seus possíveis efeitos econômicos”.268 Se adotamos a poupança nacional como inserida no art. 192 da Constituição Federal de 1988, pensamos que esta por certo gerará reflexos no âmbito das políticas do governo. Assim, é necessário si tuarmos a poupança decorrente da captação de recursos das entida des abertas de previdência privada, bem como a dinâmica a ela inerente. A ndré F ranco M ontoro F ilho e C ornélia N ogueira P orto explicam com clareza esse gênese: “As contribuições para os planos são realizadas tanto por / empresas como por empregados que podem ser utilizadas para o financiamento, seja do setor público, seja do setor privado. Este financiamento para o setor público se dá quando se com pram títulos governamentais. Para o setor privado, quando se fazem aplicações financeiras em ações, debêntures e mesmo junto aos intermediários financeiros. Caso o país necessite de poupanças, os programas de aposentadoria complementar se apresentam como excelente mecanismo de captação. 268 Mais velha e mais sábia: A Economia do Sistema Previdenciário. In: Conjuntura Social, v. 10, Brasília: Ministério da Previdência e Assistência Social, 1999, p. 50. O autor refere-se a sistema oficial de previdência social, equiparável ao regime geral. Pensa mos que por se referir à formação de poupança, a lição pode ser aproveitada para o contexto da previdência privada. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA Em países onde estes programas são bastante desenvolvi dos, os fundos de pensão, ao lado de outras modalidades de programa de aposentadoria se constituem nos mais impor- tantes investidores institucionais do mercado de capitais. Mesmo no Brasil onde a previdência complementar é incipiente, já se nota a sua crescente importância em nosso mercado de capitais”.269 Em 1963, J oão L yra M adeira, atuário-chefe do extinto Inst i tuto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), afirmava que as aplicações financeiras do Instituto apresentavam problemas de diversos aspectos, dada a enorme quantidade de dinheiro envçlvida. O | reflexos desses investimentos eràm sentidos no mercado financci ro, influindo em sua dinâmica. Os comentários do autor, desde já lei tos com a reserva de que realizados em época passada e por técnico d< > seguro, dão conta da dimensão que o problema provocava. O escopo do comentário, entretanto, é perfeitamente aplicável nos dias de hoje: “Na realidade as sociedades de seguros e as instituições de Previdência Social influem, não só sobre a oferta de dinhei ro, na medida em que concedem empréstimos, mas também sobre a procura de imóveis, títulos, etc., e ainda sobre o sistema bancário em seu conjunto, em virtude das importâncias deposi tadas nos bancos, que constituem base para a ampliação dos créditos concedidos por esses estabelecimentos”.270 “ (...) constitui uma característica fundamental e exclusiva das instituições de seguro social, criando para elas um tipo especial de riscos a que não estão sujeitas as sociedades dc ” 771seguros . 1 2(>') Previdênci:i so c ia l e previdência complem entar, p. 53. 270 As reservas técnicas no seguro. In: Revista dos Industriários nu f>, |>. 2 1 271 Ihidcm, p. 24. L éo d o A m a r a l F ilh o A nosso ver, o cotejo das idéias acima leva a concluir que a forma ção de poupança por parte das reservas acumuladas pelas entidades abertas de previdência privada terá relação direta com as normas relativas ao direito do mercado financeiro e do mercado de capitais (subsunção). A clara noção do impacto que a acumulação, a formação e o uso das reser- vas poderão causar no mercado financeiro e de capitais (conseqüente mente na economia), tanto em decorrência de sua disponibilização ou não,, serve de elemento caracterizador da necessidade de convivência harmônica dos sistemas. Sendo assim, não será possível dissociar o regi me da previdência privada do regime do sistema financeiro. 2.2.3 DlVISÃO DIDÁTICA E INTEGRAÇÃO DE SISTEMAS A divisão posta acima pode ensejar a dúvida no que diz respeito à possível autonomia do direito previdenciário em relação ao direito do mercado financeiro e do mercado de capitais ou outros ramps do direito que possam ser invocados na atividade interpretativa. Se par tirmos da premissa de que o ordenamento jurídico é um feixe de normas inter-relacionadas (relações de subordinação e coordenação), devemos admitir que esse todo que o integra não pode ser fragmen tado, senão para efeito de estudos, e ainda assim, com limitações. O ponto ora salientado não passou despercebido a ALFREDO AUGUSTO B ecker , que em sua clássica obra Teoria gera l do direito tributário, assinalou algumas ressalvas em relação a uma suposta “au tonomia”272 de qualquer ramo do direito: “A autonomia do Direito Tributário é um problema falso e falsa é a autonomia de qualquer outro ramo do direito po sitivo.”273 (...) 272 O termo autonomia foi transcrito entre aspas porque não adotado pelo autor, senão paraefeito de crítica. O autor repudiava o uso da expressão no Direito. 273 As reservas técnicas no seguro, p. 27. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA “... o Direito Tributário pode ou não fazer certas coisas (não porque é um ramo ‘autônomo’ do direito) mas, pura e simples mente, porque é direito positivo. Para que o Direito Tributário possa criar princípios e conceitos próprios e específicos, não é necessário recorrer a uma autonomia’, basta continuar a ser o que sempre foi: jurídico, pois a criação e a incidência de toda e qualquer regra jurídica necessariamente deforma a realidade (esta realidade pode ser fato econômico ou fato jurídico) e impõe um determinismo artificial à conduta humana”.274 Após tecer essas lúcidas considerações, o autor avalia o car.ilei eminentemente didático com que deve ser empregada uma determi nada divisão do direito, bem como oferece o desafio de o jurista est ;i belecer novas e adequadas divisões, de acordo com as necessidades que a vida apresentar. Afirma ele que a “autonomia” “é sempre e u/iim mente didática p ara , identificando-se os efeitos juríd icos resultantes <lii incidência de determinado número de regras juríd icas, descobrir a cancn tenação lógica que a reúne num grupo orgânico e que une este grufoo n totalidade do sistem ajurídico . Ao fim daquele tópico, o autor afirma: “A evolução econômica e social da humanidade dentro do ritmo vertiginoso da aceleração da História, quebrou todos os ramos clássicos do direito, de modo que uma das gran des tarefas do jurista contemporâneo é estabelecer a nova c racional divisão (‘autonomia’) didática do direito”.27S PAULO DE Barros C arvalho adota idêntico entendimento no que diz respeito à pseudo-autonomia dos ramos do direito, e até ehe ga a ir além, no momento em que traça um questionamento sobre a existência da própria autonomia para fins didáticos. O entendimen to admite a concepção unitária (fechada) do sistema jurídico, do qual são integrantes normas permanentemente relacionadas entre si: 274 Iroria geral do direito tributário, p. 28. 27'.) Teoria gera! do direito tributado, p. 12. Léo d o A m a ra l F i lh o “É missão penosa aquela de tracejar os limites da área que interessa ao estudo do Direito Tributário, ainda que a pro posta seja fazê-lo para efeitos meramente didáticos. E o motivo desse embaraço está na necessidade de reconhecer mos o caráter absoluto da unidade do sistema jurídico. Mesmo em obséquio a finalidades didáticas, não deixaria de ser a cisão do incindível, a seção do inseccionável. Com efeito, a ordenação jurídica é uma e indecomponível. Seus elementos - as unidades normativas - se acham irremediavel mente entrelaçados pelos vínculos de hierarquia e pelas relações de coordenação, de tal modo que tentar conhecer regras jurídi cas isoladas, como se prescindissem da totalidade do conjunto, seria ignorá-lo, enquanto sistema de proposições prescritivas. Uma coisa é certa: qualquer definição que se pretenda há de respeitar o princípio da unidade sistemática e, sobretudo, parti# dele, isto é, dar como pressuposto que um número imenso de preceitos jurídicos, dos mais variados níveis e dos múltiplojs setores, se aglutinam para formar essa mancha normativa cuja demarcação rigorosa e definitiva é algo impossível”.276 Resta, pois, como elemento solucionador, a indicação de crité rios para que a autonomia ou “separação” possa ser efetuada para fins didáticos. É sobre esse aspecto que R oberto Q uiroga M osquera aponta relevância, para fins de obtenção de um trabalho jurídico de maior quilate: “(...) A autonomia tem caráter apenas científico. O cientista do Direito com o intuito de melhor apreender o objeto de seu estudo, faz um corte metodológico na área a ser investigada, a fim de desenvolver com maior precisão o detalhamento do tema. Assim procedendo, o trabalho científico devidamente delimitado viabiliza o estudo aprofundado do conjunto de 276 Curso de direito tributário, p. 13-14. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA normas jurídicas a ele referidas. A pesquisa intelectual aca ba por ser mais precisa e o conhecimento desenvolve-se com maior clareza”.-277 Feitas essas considerações de caráter metodológico, assumi mos que o direito previdenciário, ou, mais especificamente, o di reito da previdência privada, não é autônomo em relação aos demais ramos do direito, exatamente porque submetido a relações de coordenação e hierarquia com as demais unidades normativas do sistema jurídico. Admitiremos, por questão de conveniência aea dêmica, a delimitação do campo de estudo, de acordo com o propó sito buscado em cada problema que se propõe solucionar. Em decorrência dessas premissas, divergimos da opinião de juristas, como M iguel H orvath J únior278 e M arcos O rione G onçalvks C orreia e É rica Paula B archa C orreia279 , que admitem a auto nomia do direito previdenciário. 2 .2 .4 P erspectiva bifronte Admitido o inter-relacionamento dos demais ramos do di reito, em específico, nas normas relativas à previdência privada e aquelas afetas ao sistema financeiro nacional, e sua subdivisão, as normas diretamente aplicáveis ao mercado financeiro e ao mercado de capitais, resta demonstrar que as premissas de planejamento da pi i meira de ambas devem seguir em consonância com os ditames pró prios das normas de mercado. Corrobora com essa afirmação a l ição de R oberto Q uiroga M osquera: “O desenvolvimento equilibrado do País será alcançado, dentre outros fatores, caso se concretize uma mobilização 277 Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. In: Aspei hn atuais do direito do mercado financeiro e do mercado de capitais, p. 258. 2711 Direito previdenciário, p. 89. 27'» ( 'urso de direito da seguridade social, p. 30. L éo d o A m a r a l F i^ h o do País de recursos financeiros. Tal trânsito de recursos pro piciará o fomento e o desenvolvimento de determinadas atividades”.280 Ao restringir o espectro de afirmação de natureza idêntica, bem como trazer delimitação a um espectro amplo, A ndré F ranco M on- TORO F ilho e CoRNÉLIA N ogueira P orto demonstram a nítida correlação que pode existir entre a acumulação de recursos com a finalidade de pagamento de benefícios futuros (1 i am e p revidenciá- rio), com a aplicação desses recursos (liame financeiro). A lição ad vêm da comparação dos sistemas de capitalização e repartição simples, mas tem substrato cujo aproveitamento é possível para o que ora se pretende demonstrar: “(...) No outro esquema, capitalização, os recursps das contri buições são aplicados e capitalizados, criando-se um fundo financeiro que garanta o pagamento das aposentadorias”. Se a relação é assim indissociável, devem ser ditos todos os des dobramentos que puderem ser decorrentes dessa troca de elementos comuns. Por esse motivo, a garantia de benefício dependerá das cir- cunstâncias futuras281 e será decorrente da solvabilidade do sistema financeiro,. O sistema jurídico não tem meios de contornar essa pers pectiva temerária, senão por meio de instrumentos como a regula ção. a fiscalização, a sanção e até mesmo, em hipótese, do oferecimento de sua garantia (inexistente no ordenamento jurídico brasileiro, por ausência de concepção de Estado protetor). A o tratar d a aposen tadoria por m eio de regim e de capitalização, A n d r é F r a n c o M ONTOrO F i lh o e C o rN É LIA NO GUEirA PORTO são 280 Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. In: Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e do mercado de capitais, p. 264. 281 Ainda os autores, em sentido similar, ao tratar da solidariedade entre gerações. PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA incisivos ao mencionar a relação direta que o pagamento dos benef í cios terá com a existência derecursos advindos do mercado financci ro. Isto porque, nos dias de hoje, diversos fatores de ordem extrajurídica não permitem a simples acumulação física de riquezas, mas sim necessitam da inversão desses recursos em papéis que reú nam: taxas de rendimentos adequadas à preservação e incremento do capital (valor da moeda e remuneração do capital) e segurança dc retorno do investimento: “O financiamento da aposentadoria através do regime de capitalização, incorpora por sua vez todos os riscos do mer cado financeiro. Se fosse possível adquirir um título que representasse toda a atividade econômica no país e esse pa pel fosse usado para a constituição de fundos para aposen tadoria, o único risco seria o risco geral do mau desempe nho econômico. Caso existisse uma ação do Brasil S.A., o trabalho dos gestores dos fundos de seguridade seriam minimizados. Infelizmente isso não é possível, A capitalização é feita atra vés de títulos públicos e privados, alguns rendendo mais c com mais risco, outros rendendo menos e com menos risco. E função dos administradores financeiros compor uma car teira que forneça o rendimento necessário, com o menor risco possível. Mas este risco sempre existirá.” (...) “Mesmo com o comportamento mais conservador emjcla- ção aos investimentos ainda permanece o risco_damájipli- cação dos recursos e portanto retorno insatisfatório”.282 282 Previdência social e previdência complementar, p. 65. Nesta parte da discussão soliic riscos consideramos que o programa de aposentadoria não é oficial ou totalmcnli' ga rantido pelo setor público. Apesar disso a discussão se aplica "mutatis mutandis" paia programas públicos sob o regime de capitalização. L éo d o A m a r a l F ilh o Afirmamos, portanto, que, tal como no regime de previdência social, independentemente do modelo adotado (repartição ou capitalização), o regime da previdência privada estará intimamente relacionado com o mercado financeiro e o de capitais. Dada a importância que conferimos à previdência privada como integrante do sistema de seguridade social, pensamos que a todo aquele que aderir a qualquer modalidade de planos deverá ser prestado o alerta do risco inerente a determinadas operações dó mercado de capitais. Em linhas gerais, o Estado protege, o sistema, mas não garante sua solvência, de modo que aquele que aderiu a um determinado plano posteriormente insolvente não poderá reclanaar que o Estado seja solidário com as obrigações a que teria direito. 2.2.5 A DIVISÃO DA PREVIDÊNCIA PRIVADA: ENTIDADES ABERTAS E FECHADAS As entidades de previdência privada podem ser divididas em fechadas e abertas (art. 4o283 da L C 109/2001). São entidades fecha das aquelas entidades acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamejite: (i) aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Esta dos, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados pa trocinadores; e (ii) aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituido res. As entidades fechadas devem se constituir sob a forma de funda ções ou sociedades civis sem fins lucrativos.284 Têm por objeto a 283 "Art. 4S As entidades de previdência complementar são classificadas em fechadas e abertas, conforme definido nesta Lei Complementar". 284 "Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores. § 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos". administração e execução de planos de benefícios de natureza prcvi denciária, sendo vedada a prestação de quaisquer serviços que não estejam nesse âmbito, exceção feita às entidades que, na data da pu blicação da L C 109/01, encontravam-se prestando a seus participai i tes e assistidos serviços assistenciais à saúde. São entidades abertas as constituídas unicam ente sob a form a de sociedades por ações285 e têm por objetivo instituir e operar planos dc benefíciosde caráter previdenciário concedidos em form a de renda continuada ou pagam ento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas. P a u lo M e n te , em artigo publicado na obra C urso d e d ir e ito p r c v id en c iá r io , subdivide e descreve as entidades de previdência privada com o m esm o critério da L C 109/2001 , dando destaques ao espcct n > am plo e ilim itado das entidades abertas: “ENTIDADES ABERT/^S - aquelas criadas como socie dades anônimas, de fins lucrativos, cujos planos são destina dos ao público em geral, com características individualistas. ENTIDADES FECHADAS - aquelas criadas sem fina ÍIHãdes lucrativas, no âmbito de empresas, voltadas a seus trabalhadores, e organizadas sob a forma de sociedades ci vis ou fundações”.286 “A legislação estabeleceu estruturas distintas de normatização e controle para tais grupos, subordinando as entidades aber tas inicialmente ao Ministério da Indústria e Comércio, trans ferindo-as posteriormente à tutela do Ministério da Econo mia, Fazenda e Planejamento, enquanto as entidades fecha das ficaram vinculadas ao Ministério da Previdência Social. Essa estrutura dá uma mostra bem clara do espírito do legis- 285 A LC 109/2001 faz exceção às entidades anteriormente existentes à edição da I • -i, • |<i estiverem organizadas sob a forma sociedades sem fins lucrativos (Montepios), alem d permitir que determinadas seguradoras operem planos de previdência privada alicil| 28f> A previdência privada fechada. In: Curso de direito previdenciário, p. I í>7. L éo d o A m a r a l F ilh o lador: atividade lucrativa sob a área econômica e a atividade não lucrativa sob a área social do Governo”.287 A rthur B ragança de Vasconcellos W eintraub faz um pa ralelo comparativo entre as diferenças na Lei 6.435/77 e L C 109/ 2001 no que tange às espécies de entidades. Para tanto, salienta que estas eram classificadas por exclusão e em decorrência da existência ou não de fins lucrativos, no que diz respeito aos seus objetivos: “A Lei n. 6.435/77, em seu art. 4o classificava as entidades de previdência privada de acordo com a relação entre a en tidade e os participantes dos planos de benefícios: a) fechadas, quando acessíveis exclusivamente aos empre gados de uma só empresa ou de um grupo de empresas, as quais, para os efeitos desta Lei, serão denominadas patro cinadoras; b) abertas, as demais.’”288 Sobre as entidades abertas de previdência privada, pensamos que a lição de ERNESTO JOSÉ PEREIRA dos Reis consegue reunir todos ele mentos decorrentes da dicção do art. 202 da Constituição Federal: “As Entidades Abertas são acessíveis a quaisquer pessoas fí sicas e serão constituídas e organizadas unicamente sob a forma de sociedades anônimas, ressalvadas as continuidades das entidades sem fins lucrativos anteriores à L C n. 109/ 2001, sendo facultado às sociedades seguradoras, do ramo vida, operar, também, plano de benefício previdenciário, como as entidades abertas, em forma de renda continuada ou pa gamento único, previamente aprovado pelo Órgão Estatal”.289 287 A previdência privada fechada. In: Curso de direito previdenciário, p.180. Distinção feita ainda sob a égide da Lei 6.435/77. 288 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime geral il.i previdência social, p. 32. 289 Previdência privada aberta. In: Curso de direito previdenciário, p. 167. Outro destaque que se nosafigura importante é afirmar que as entidades de previdência privada, nas quais se incluem as abertas, estão desvinculadas da concessão anterior de benefício pela prcvi dência oficial, exceção à previsão contratual feita por vontade das partes. Pensamos que esta faculdade é uma afirmação da indepcn dência com relação ao contrato de trabalho. Assim, as entidades abei tas e fechadas atendem ao requisito da autonomia: “A s regras para a concessão de benefícios oferecidos pelas entidades (fechadas ou abertas) de previdência complemen tar não dependem da concessão do benefício do regime geral de previdência social, pois tais regimes organizam-se dc forma autônoma. O benefício complementar só dependerá do benefício oficial se tal exigência estiver convencionada no regulamento do plano de benefícios.”290 Fica, portanto, admitida a distinção das entidades entre abertas e fechadas, cuja diferenciação se dá por força da lei específica, .que leva em consideração a possibilidade de filiação (relação com osnai ticipantes) ampla ou restrita, e a finalidade a que se propõem (obten çao'õünãõctê fins lucrativos), admitida a exceção mencionada em relação a esse último aspecto quanto às entidades já existentes. 2 . 2 . 6 S ujeitos Partimos do pressuposto de que toda relação jurídica envolve dois ou mais sujeitos que dela fazem parte, aos quais poderão sei atribuídos direitos e deveres. Uma visão preliminar da idéia de rela ção jurídica de previdência privada importa concluir pela existência de, necessariamente, dois sujeitos elementares: o participante, assjjn entendida a pessoa física que adere ao sistema complementar, visan PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA 200 Temas centrais da nova legislação. In: Fundos dc pensão em debate, p. I !!. I m rel.ii.ai ao último ponto, o autor excepciona a hipótese de entidades fechadas palroí iii.td.r pela Administração Pública, regidas pela Lei ( omplomentat n" I Oít, de o o I L éo d o A m a r a l F il h o do a auferir benefícios no futuro; e a entidade, administradora e ges tora dos planos (figura tratada nos itens 2.2.5 e 2.2.9). Entretanto, ao examinarmos o texto da lei, verificamos que outras espécies de sujeitos da relação podem surgir. São elas:_o as- sistido, assim entendido o participante ao sair da fase de acumula- ção (formação de reserva) e adentrar a fase de fruição291 dos benefícios e a figura do proponente, assim entendido o empregador ou o equi valente que proporcionam a oportunidade de o participante adejir a determinado plano, subvencionado total ou parcialmente ou não por ele. A LC 109/2001 cuidou de descrever os sujeitos da relação de previdência privada complementar que podem aderir aos planos das entidades de previdência privada: “Art. 82 Para efeito desta Lei Complementar, considera-se: I - participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e II - assistido, o participante otí seu beneficiário em gozo de bene fício de prestação continuada”. 291 Aqui cabe uma explicação relativa ao termo "fruição" de benefícios. Dissemos linhas atrás, que a concessão dos benefícios das entidades abertas está desvinculada da con cessão pelo Regime Geral de Previdência Social. Assim, o contrato firmado pelo parti cipante com a entidade, instrumento que torna formal sua adesão ao plano, poderá prever uma determinada idade (termo) para que o participante encerre a fase de acu mulação de benefícios e possa optar por: resgatar o montante acumulado ou contratar uma renda mensal. Entendemos que a primeira hipótese, o resgate, não se configura benefício previdenciário, porque, a nosso ver, o pagamento único, de forma instantâ nea, não traz inerente a característica de prestação continuada que servirá de meio suplementar de subsistência, e que é própria de um sistema de previdência. No mo mento em que a opção pelo resgate é feita, relativamente àquele contrato, o caráter previdenciário se esvai. Na segunda hipótese (fruição), fica acertado o pagamento de rendimento mensal, permanente e continuado. Nesse sentido, encontramos um julga do do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatado pelo Professor e Ministro Luiz Fux, de cuja ementa se extrai a afirmação "Fruição é resultado de tirar proveito de alguma coisa; resgate é o retorno das contribuições em forma de complementação de proventos." (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nQ 472.001-DF, julgado pela Primeira Turma em 14/4/2003 - Fonte: Boletim de Jurisprudência da Associação dos Advogados de São Paulo nQ 2.347, período de 29/1 2/2003 a 04/1/2004). PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Em se tratando de previdência privada aberta, objeto específico de nosso estudo, as figuras do participante, da entidade e do assistido são explicitadas sinteticamente por ERNESTO J osé PEREIRA DOS R k i s como: 22.2. Pessoas do Ajuste: As partes, sujeitos da obrigação contratual, são o contratante, que é o participante, pessoa física; a contratada, entidade de previdência complementar, pessoa jurídica de direito privado, e o assistido que gozará do benefício, seja o próprio participante ou seu beneficiário”.292 E importante lembrar, com ORLANDO GOMES, que a rclaçao que liga o participante à previdência privada estabelece seu ponto de fixação no “plano” a que este aderiu. A lição, escrita em 1981, portanto aproximadamente 4 anos após a edição da Lei 6.435/77, parece-nos aplicável ao tópico ainda atualmente. Em se tratando de sujeito de obrigação, foi mantida pela legislação posterior (LC 109/2001). Surge a figura jurídica a que o autor se refere como “simples participante”: “A primeira observação que cabe a respeito dessa figura < > participante — é que ele é associado do plano, alheio por con seguinte, a outros planos que a entidade porventura haja instituído.”293 Temos, pois, como figuras elementares da relação jurídica o pai ticipante e a entidade. É esperado que exista a figura do participante; assistido ou de seu beneficiário. 292 Previdência privada aberta. In: Curso de direito previdenciário, p. 161. Lss.i aíimi.M,.! reitera a natureza contratual da relação previdenciária privada. 29 t Escritos Menores, p. 200. L éo d o A m a r a l F ilh o 2.2.6.1 S ujeitos operadores Reside neste subtópico uma importante consideração a ser feita. Como já mencionado, o fundamento de validade para encontrar mos quem será o sujeito administrador e gestor dos planos de pre vidência privada é o art. 202 da Constituição Federal. Note-se que o texto completo desse artigo faz menção aos termos entidades de previdência privada (§ I o) e entidades fechadas de previdência pri vada (§§ 4o, 5o e 6o), sem se referir explicitamente às entidades aber tas. Entretanto, pensamos que a própria referência explícita ao termo entidades fechadas de previdência privada, em distinção ào termo entidade de previdência privada, leva a crer ser uma subespécic do gênero (entidade de previdência privada). Por essa razão, torna-se perfeitamente válida a criação, por meio de lei complementar, da fi gura (subespécie) entidade aberta. Assim, tem validade jurídiça o art. 4° da LC 109/2001. Além disso, existe a autorização de continuidade de funciona mento das entidades abertas sem fins lucrativos, criadas anterior mente à edição da L C 109/2001. Como exemplo, mencionamos a secular instituição Mongeral, criada por decreto da Regência Tri- na, em 1835, cujo idealizador foi o Visconde de Sepetiba.294 A Lei n° 6.435/77 prescrevia em seu art. 80 como conduta típi ca criminosa contra a economia popular: "Qualquer pessoa que atue como entidade de previdência privada, sem estar devidamente autoriza- da, fica sujeita à multa, nos termos do artigo 78 desta L e i, e 4 pena de detenção de 1 (um ) a 2 (dois) an os”.295 Com a revogação expressa da 294 A Mongeral conta a sua história desde 1835, publicaçãode Mongeral Previdência e Seguros, Rio de Janeiro, 2000. 295 "Art. 80 Qualquer pessoa que atue como entidade de previdência privada, sem estar devidamente autorizada, fica sujeita à multa, nos termos do artigo 78 desta Lei, e ft pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos. Se se tratar de pessoa jurídica, seus direto res e administradores incorrerão na mesma pena. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA Lei 6.435/77 pela LC 109/2001, bem como pelo fato de esta última deixar de fazer previsão expressa sobre a conduta, a punibilidade cri minai deixou de existir. 2.2.6.2 S ujeitos promotores Entendemos que a expressão facultativa, inserta no caput do art. 202 da Constituição Federal de 1988, afasta qualquer afirmação que admita a opção de adesão a cargo da vontade de outra pessoa que nã< > seja o próprio participante (ou seu bastante mandatário). Dessa for ^m a, somente o participante poderá optar por manter um plano de previdência privada em seu nome, ainda que as contribuições seja111 ^ inteiramente vertidas por outra pessoa. Nesse sentido: “No âmbito do regime de previdência privada, operado por entidades fechadas ou entidades abertas, há planos que con tam apenas com contribuições dos participantes, planos fi nanciados exclusivamente com as contribuições dos patro cinadores e planos que recebem tanto contribuições dos participantes como também dos patrocinadores”.296 Pode, entretanto, haver a contratação de plano coletivo (item 2.2.S) por parte de entidade representativa de pessoas jurídicas (art. 26, § § 2,' ’ e 3o da LC 109/2001). Essa forma de contratação não inclui o partici pante, senão por sua própria manifestação de vontade, mas torna possí vel a inclusão na viaprotetiva complementar e incentiva sua adesão. S< >bre o tema, explica A r t h u r B r a g a n ç a d e V a s c o n c e l l o s W e in t r a i nt: § 1a. A pena de detenção, a que se refere este artigo, será aplicada nos casos dc rcin cidência ou quando, recebida notificação do órgão fiscalizador, os responsáveis não cessarem imediatamente suas atividades. § 2a. Na hipótese do parágrafo anterior, o órgão fiscalizador comunicará a ocorrem ia .1 autoridade policial, para interdição do local, e ao Ministério Público, para as mcdid.r. de sua competência, dando publicidade a essas providências, para conhecimento de terceiros interessados". Adacir Reis, Femas centrais da nova legislação. In: Fundos dc pensão cm l p. 1 *1 . L éo d o A m a r a l F ilh o “Em relação aos planos abertos coletivos (que poderão ser contratados por uma ou várias pessoas jurídicas, o vínculo indireto exposto acima se refere aos casos em que uma en tidade representativa de pessoas jurídicas contrate plano previdenciário coletivo para grupos de pessoas físicas vin culadas a suas filiadas. Esses grupos de pessoas podem ser formados por uma ou mais categorias específicas de em pregados de um mesmo empregador, podendo abranger empresas coligadas, controladas ou subsidiárias, e por mem bros de associações legalmente constituídas,: de caráter pro fissional ou classista, e seus cônjuges ou companheiros e dependentes econômicos (art. 26, §§ Io, 2°xe 3o, da Lei Complementar n. 109). Para a Lei Complementar n. 109, são equiparáveis aos em pregados e associados: os diretores, conselheiros ocupantes de cargos eletivos e outros dirigentes ou gerentes da pessoa jurídica contratante. A implementação de um plano coleti vo será celebrada mediante contrato (cuja forma, critérios, condições e requisitos mínimos ainda necessitam de regu lamentação, reforçandó o intuito do legislador de criar nor mas gerais no corpo da Lei Complementar”.297 Disso se conclui que as pessoas físicas poderão aderir aos planos de previdência privada, por sua vontade própria, sendo irrelevante a existência ou não de contrato de trabalho com instituidora (2.2.6.3). Pessoas jurídicas poderão contratar planos coletivos com a finalidade de agrupar um maior número de pessoas e implementar melhores condições de contratação para os participantes. 297 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime geral da previdência social, p. 34. O autor continua a afirmação com menção à advertência do art. 26, § 4a, 5S e 6e, no sentido de que a contratação de plano coletivo com pessoa jurídica cujo principal objetivo seja estipular planos de benefícios coletivos em nome de terceiros é vedada. 2.2.6.3 S ujeitos q ue efetuam contribuições Nas entidades abertas de previdência privada, poderão efetuar aportes de contribuição os participantes e os estipujantes. Parece nos que a maior importância a ser dada ao aporte (pagamento dos recursos) recai sobre dois aspectos: patrimonial (direito de proprie dade) e fiscal. Isto porque os recursos aportados pelos participantes serão sempre de sua propriedade, descontadas as parcelas que a LC 109/. 2001 admite. Já as parcelas pagas por estipulante, por exemplo, poderão ter um prazo estabelecido em contrato para que se tor nem disponíveis ao participante, antes do período de concessão de benefícios. O art. 202, § 3o, da Constituição Federal de 1988, veda o aporte de contribuições “...a entidade de previdência priva da pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autar quias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista c outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situa ção na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado". De outro lado, o art. 69 da LC 109/2001 dispõe: “Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previ dência complementar, destinadas ao custeio dos planos de bene fícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de in cidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei. § l 2 Sobre as contribuições de que trata o caput não incidem tri butação e contribuições de qualquer natureza. § 2- Sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fun dos e provisões entre planos de benefícios de entidades de previ dência complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza”. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta L éo d o A m a r a l F ilh o Anteriormente à publicação do mencionado artigo, a Lei n° 9.2^50, de 26/12/1995298, que alterou a legislação do imposto de ren- da e deu outras providências, conferiu tratamento diferenciado às contribuições aportadas aos planos de previdência privada, no mo- mçnto em que permitiu sua dedutibilidade, além de determinar a tributação de benefícios e parcela de resgate. A Lei 11.053, de 29 dezembro de 2004, fruto de ajustes pro movidos pela M P 209/04, trouxe novos regramentos quanto à tri butação dos planos de benefícios de caráter previdenciário àqueles que participam e vierem a participar da Previdência Privada. Para quem já investia na previdência privada a principal mudança reside no fato de que agora não máis é possível evitar o recolhimento do imposto de rendá na fonte no saque de benefícios dos planos. / Segundo o antigo regime, quem fizesse o saque abaixo do teto de isenção previsto na tabela do imposto de renda, poderia evitar o recolhimento do imposto na fonte, deixando para fazê-lo na Declaração de Ajuste Anual. 298 "Art. 4a. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas: (...) V - as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;" "Art. 8a A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: (...) II - das deduções relativas: ( . . . ) e) às contribuições para as entidades de previdênciaprivada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares asse melhados aos da Previdência Social;" "Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições". PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA O participante de Previdência Privada isento da entrega de declaração anual de imposto de renda terá que pagar o imposto sem aguardar a restituição. Para quem não participava do regime de Previdência Privada a partir de 2005 o tratamento será distinto. Serão adotadas alíquotas regressivas de acordo com o prazo em que for mantida a aplicação conforme art. I o da Lei 11.053/04, assim: Art. I o. E facultada aos participantes que ingressarem a partir de lo de janeiro de 2005 em planos de benefícios de caráter previdenciário, estruturados nas modalidades de contribuição definida ou contribuição variável, das entidades de previdência complementar e das sociedades seguradoras, a opção por regi me de tributação no qual os valores pagos aos próprios partici pantes ou aos assistidos, a título de benefícios ou resgates de valores acumulados, sujeitam-se à incidência de imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas: I - 35% (trinta e cinco por cento), para recursos com prazo de acumulação inferior ou igual a 2 (dois) anos; II - 30% (trinta por cento), para recursos com prazo de acunm lação superior a 2 (dois) anos e inferior ou igual a 4 (quatro) anos; III - 25% (vinte e cinco por cento), para recursos com prazo dc- acumulação superior a 4 (quatro) anos e inferior ou igual a 6 (seis) anos; IV - 20% (vinte por cento), para recursos com prazo de acu mulação superior a 6 (seis) anos e inferior ou igual a 8 (oito) anos; V - 15% (quinze por cento), para recursos com prazo de acu mulação superior a 8 (oito) anos e inferior ou igual a 10 (dez) anos; e ' VI - 10% (dez por cento), para recursos com prazo de acumu lação superior a 10 (dez) anos. § 1°. O disjiosto neste artigo aplica-se: L éo d o A m a r a l F ilh o I - aos quotistas que ingressarem em Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI a partir de lo de janeiro de 2005; II - aos segurados que ingressarem a partir de lo de janeiro de 2005 em planos de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qual quer título pelo beneficiário. O art. 2o da Lei traz uma novidade: a possibilidade de os participantes que ingressaram até I o de janeiro de 2005 em pla nos de benefícios de caráter previdenciário estruturados nas mo- dalidades de contribuição definida ou variável optarem pela escolha entre os dois regimes. Ao contrário do regime de previdência oficial, no sistema pri vado complementar o problema da contribuição pode deixar de ter o caráter de requisito para continuidade de filiação e cobertura para assumir natureza de cumprimento de obrigação contratual. Aos çon- tratantes dos planos é dada a possibilidade de estabelecer contri buições periódicas, regulares. facultativas, esporádicas ou adicionais. N ão há, portanto, o caráter obrigacional ex lege, mas decorrente de contrato. A contribuição aos planos não é tributo, mas parcela des- tinada à formação de patrimônio do participante. 2.2.7 A brangência A abrangência da previdência privada aberta é a mais ampla possível. Isto se dá pela possibilidade de adesão, independentemente de existência de vínculo de trabalho ou profissional com qualquer entidade. Basta que a pessoa física reúna os requisitos da capacida de civil, e que a entidade tenha autorização para funcionar e plano aprovado, para que a contratação tenha validade jurídica. De certo, essa afirmação está condicionada à verificação de pressupostos in dividuais de conveniência das pessoas físicas. Como exemplo, uma pessoa de 90 anos pode não ter interesse na contratação de plano de PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA previdência, dado que a estimativa de vida é geralmente inferior a essa idade. Entretanto, não há qualquer dispositivo legal que impeça a contratação de plano de previdência aberta por parte dessa pessoa, até porque a certeza do fim da vida não está limitada a um determi nado critério objetivo. A finalidade dessa espécie de entidade é pro porcionar a toda e qualquer pessoa física a possibilidade de aderir ao sistema complementar. No que se refere aos planos coletivos, há a obrigatoriedade de oferecimento do plano a todos os que se encontrem em determina da situação, o que eqüivale à concepção mais elementar de princí pio da igualdade. Explica Arti-iur B ra g a n ç a de V a sc o n c e llo s W ein traub , que “o plano previdenciário coletivo deverá estar disponi vel, obrigatoriamente, a todos componentes do grupo elegíveis ao plano, conforme estabelecido no contrato de adesão, e que mantenham vínculo jurídico da mesma natureza com a In stituidora ouA verbadorq”.299 (des taques do autor). Porém, pensamos que qualquer do povo poderá, individualmente, buscar a contratação de plano, desde que esta (e nha a característica de universalidade em relação à admissão de participantes. E importante destacar que os termos instituidora e avcrlnuhmt não foram instituídos pela LC 109/2001 ou qualquer outra lei, mas decorrem de texto de Circular emitida pela Superintendência de Se guros Privados.300 As definições para tais termos constam do art. I" c são as seguintes: 299 Previdência privada, atual conjuntura e sua função complementar ao regime gor.it d,i previdência social, p. 35. 300 Circular na 8&> de 11/3/1999. No presente trabalho, evitamos a transcrição dc texto*, infralegais. Exceção foi aberta quando indispensável para a explicação de delermi nado tema. É comum, no Brasil, que textos infralegais extrapolem os limites da lei que lhe confere fundamento. Paulo de Barros Carvalho analisa o problema com precisão: "Os instrumentos secundários são todos os atos normativos que estão subordinado'. :< lei. Não obrigam os particulares e, quanto aos funcionários públicos, (levem lhe obedl Alicia não propriamente em visla de seu conteúdo, mas por obra da lei que delermina L éo d o A m a r a l F ilh o “Art. 4o - Denomina-se: I - Instituidora: a pessoa jurídica contratante que partici pa, p arc ia l ou in tegralm en te, do custeio do plano previdenciário; II — Averbadora: a pessoa jurídica contratante que não efe tua contribuições para o plano previdenciário” . Portanto, as figuras da instituidora e da averbadora devem ser vistas como sujeitos que implementarão condições para o in gresso de participantes em determinados planos, mas, assim como o proponente, não devem \obrigatoriamente existir. As pessoas físicas poderão contratar planos diretamente com as entidades- ---------------—k abertas, que tenham previamente recebido autorização para ope rá-los (2 .4 .4 ) . 2 .2 .8 E spéc ies d e p l a n o s O Glossário de Termos de Previdência Aberta da SU SEP con ceitua “plano” nos seguintes termos: “Plano: o conjunto de direitos e obrigações, conforme des crito no Regulamento e na respectiva Nota Técnica Atuarial”.301 Na presente etapa do trabalho, é preciso afirmar que as espé cies de planos são aquelas previstas pela lei e que poderão sofrer alterações exclusivamente para efeito de adequação financeira, sejam observados os mandamentos superiores da Administração." (Curso de direito tributário, p. 73) Sobre os textos legais (instrumentos secundários) "Circulares" afirma o autor: " (...) encerram normas jurídicas de caráter infralegal e visam à ordenação uniforme do serviço administrativo. Seu campo de validade, porém, é restrito a seto res específicos, destinando-se a orientar determinadosagentes acometidos de atri buições especiais. (Curso de direito tributário, p. 74). [A Circular n ° 86 foi revogada pela Circular Susep 138/2000, que, por sua vez, foi revogada pela Circular Susep 213/02] 301 Informação obtida no endereço da SUSEP na Internet: (http://www.susep.gov.br/menuatendimenlo/previdencia aberta consumidor.as|>//deíbas) PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA atuarial e econômica, destinada a atender determinado interesse contratual.302 Ao verificarmos o Glossário mencionado acima, no tamos que a variação de planos criada pelo mercado é tamanha, que chega a incluir a conjugação de elementos previdenciários comple mentares e securitários e planos destinados à fruição exclusivamente por terceiros.303 Devemos, todavia, verificar de que trata a lei a esse respeito. O art. 7o da LC 109/2001, inserto na Seção que cuida das disposições comuns sobre planos de benefícios, cuida dessa matéria para o fim de atribuir ao órgão regulador e fiscalizador a fixação de padrões mínimos, destinados a assegurar transparência, sol vência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro-atuarial. Mas é em seu parágrafo único que encontramos a menção relativa às espécies de planos: “Art. 7a Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de as segurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico- financeiro e atuarial. Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, con tribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e 302 Pensamos não caber no escopo do presente trabalho traçar as variáveis quo a dinânm a do mercado cria. A delimitação do trabalho admitida no início não permite a incursa. > no campo das fórmulas praticadas pelo mercado. 303 Do glossário da SUSEP: "Regime Financeiro de Capitalização: a estrutura técnica em que as contribuições > determinadas de modo a gerar receitas capazes de, capitalizadas durante o peiíodo dr cobertura, produzir montantes equivalentes aos valores atuais dos benefícios a sciem pagos aos beneficiários no respectivo período. Regime Financeiro de Repartição de Capitais de Cobertura: a estrutura técnica em que as contribuições pagas por todos os Participantes do Plano, em um determinado pcrio do, deverão ser suficientes para constituir as Provisões Matemáticas de Benefícios Con cedidos, decorrentes dos eventos ocorridos neste período. Regime Financeiro de Repartição Simples: a estrutura técnica em que as contribuições pagas por todos os participantes do Plano, em um determinado período, dever,lo mm suficientes |>ara pagar os benefícios decorrentes dos eventos ocorridos nesse período." L éo d o A m a r a l F ilh o possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complemen tar”. (destaques nossos) D e início, pensamos que a questão deve ser tratada de maneira restrita, com o apoio de conceitos previdenciários elementares. O ponto reside em, primeiramente, buscar a forma de custeio dos pla nos e, posteriormente, verificar suas espécies. Uma lição que nos pa rece bem “dissecar” o problema, restrita a essa concepção elementar, é a de PAUL DuRAND: “El funcionamiento fmanciero de las instituciones de Seguridad Social ha hecho necesario el empleo de delica das técnicas 'actuariales, que en la práctica, se han ido reconduciendo a dos tipos fundamentales: la de Capitalización y la de Reparto. (...) En el sistema de Reparto la financiación de la Seguridad Social se organiza ano por ano: la cuantía global de las cotizaciones que se ingresan en el curso del ano, se reparte entre los beneficiários del sistema, de esse mismo ano; de modo que el total de ingresos cubre la totalidad delas cargas del sistema. El sistema de capitalización es más complejo. Consiste en poner a reserva las cotizaciones de los asegurados durante un período bastante largo, a fin de que se acumule un capi tal. Este capital, aumentado por el juego del interés compuesto, debe permitir un determinado dia el pago de las correspondientes prestaciones. El sistema de capitalización se inspira en técnicas propias del ahorro, acentuando así el carácter individual del seguro; cada asegurado obtiene su correspondiente protección por medio de su propio esfuerzo”.304 (itálicos do original) 304 La política contemporânea de seguridad social, p. 306-307. P r ev id ên c ia P r iva d a A berta A capitalização é característica marcante que os planos das enti dades abertas ganharam no mundo empírico. Estas podem, entre tanto, criar planos destinados ao pagamento de benefícios definidos (predeterminados), cuja característica é a repartição. A dinâmica do mercado atual dirige para a formação de planos de capitalização. Ta 1 se deve ao alto custo que a repartição acarreta, e que cada vez mais se acentua, em decorrência, sobretudo, de redução do crescimento po pulacional. Sobre a capitalização, parece-nos ser elucidativa a lição de PAULO CÉSAR DOS Santos, do então Ministério da Previdência e Assistência Social: “Formal e informalmente, as relações de trabalho e empre go têm se alterado, tendo a economia brasileira se moder nizado e evoluído no sentido da chamada globalização. Isto trouxe influências muito marcantes e significativas para as empresas, para òs trabalhadores, para o governo e, conse qüentemente, para a ‘Indústria de Fundos de pensão’. Porém, um componente muito importante desse Siste ma, aliás, o meio pelo qual o seu principal objetivo é atin gido — os planos de benefícios — quase não sofreu altera ções significativas. Convivemos cerca de uma década com a existência de apenas planos do tipo Benefício Definido, embora outros tipos de planos já existissem há muito tem po nos sistemas de previdência privada dos países mais desenvolvidos em termos de Previdência Complementar.” (...) “O limitado ritmo de crescimento, no entanto, não foi privilé gio das EFPPs, mas também no Sistema de Previdência Pri vada Aberta, em que as Entidades Abertas de Previdência Pri vada (EAPPs), criadas pela mesma legislação que instituiu as EFPPs, conviveram com níveis de crescimento insignificantes e com planos do tipo Benefício Definido por muito tempo.” L éo d o A m a r a l F ilh o “O crescimento vivido pelas EAPPs, principalmente, de pois do PG BL305 , se deve à quantidade de arranjos possí veis de serem implementados e que dão maior flexibilida- planos sobre outros. ‘Planos do tipo Contribuição defini da - CD são melhores do que os do tipo benefício Defini do — BD’, é a máxima que se tem visto e ouvido nos últi mos 5 anos. Mais uma vez, para justificarem essa postura, utilizam o crescimento desse tipo de plano no mercado dos Estados Unidos omitindo, porém, que esse tipo de plano, na grande maioria das vezes, tem a finalidade de proporcio nar uma melhoria nos benefícios já oferecidos aos planos do tipo BD e não substituí-los.” “No entanto, a superioridade apresentada não é justificada como uma forma mais eficiente de atingir aos objetivos do sistema, ou seja, a real capacidade de proporcionar ao empregado uma renda adicional no período de inativida de dentro de suas expectativas, e sim, se o percurso para atingir esse objetivo irá ser mais ou menos tranqüilo para a empresa que patrocina o plano. Raramente' é explicitado que, mesmo em planos do tipo contribuição definida, irá existir, por parte dos emforega- dos, associações, organizações sindicais e comunidade, a 305 PG BL é a sigla utilizada para designar "Plano Gerador de Benefícios Livre", definido pela SU SEP como: "O s planos denominados (sobre a sigla) PG BL, durante o período de diferimento, terão como critério de remuneração da provisão matemática de be nefíciosa conceder, a rentabilidade da carteira de investimentos do FIE instituído para o plano, ou seja, durante o período de diferimento não há garantia de remune ração mínima. ( - ) PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA prejssão por um nível maior de benefícios, principalmente em momentos de rentabilidades baixas e crises econômicas^’.306 (destaques nossos) A ndré F ranco M ontoro F ilho e C ornélia N ogueira P or TO abordam a problemática surgida da relação regime financeiro e pagamento de benefícios. O estudo acaba por concluir, em relação a esse problema, que a disponibilidade de pagamento estará relaciona da a uma questão de índole tipicamente econômica. As linhas abaixo demonstram como o problema foi por eles delimitado: O Plano PG BL poderá ter sua carteira de investimentos estruturada sob as seguintes M O D A LID A D ES: SO BERAN O , RENDA FIXA O U C O M PO STO (ver definições bási cas). O objetivo do Plano é a concessão de benefícios de previdência aberta complementai (não confundir com fundos de investimento de mercado financeiro). (...) PLAN O S PADRÕ ES PG BL APRO VAD O S PELA SUSEP ANTES DE 26/08/2002 O participante contratará um dos seguintes tipos de renda mensal: REN D A M ENSAL VITALÍCIA: consiste em uma renda paga vitaliciamente ao Parli. i pante a partir da data de concessão do benefício. RENDA M ENSAL TEM PORÁRIA: consiste na renda paga temporária e exclusivamente ao participante. O benefício cessa com o seu falecimento ou o fim da temporariedade contratada, o que ocorrer primeiro. REN D A M ENSAL VITALÍCIA C O M PRAZO M ÍN IM O G A RA N T ID O : consisle em um.i renda paga vitaliciamente ao Participante a partir da data da concessão do beneli. in, sendo garantida aos beneficiários da seguinte forma: ( . . . ) PG BL - PLA N O S PADRÕES PLAN O S PADRÕES PG BL A PRO VAD O S PELA SUSEP APÓ S 26/08/2002 Além das modalidades de Rendas mencionadas no item anterior teremos: REN D A M ENSAL VITALÍCIA REVERSÍVEL A O C Ô N JU G E C O M C O N T IN U ID A I >1 A< >s M EN O RES: consiste em uma renda paga vitaliciamente ao participante a partir da data de concessão do benefício escolhida. Ocorrendo o falecimento do participante, durante a percepção desta renda, o per< eniual do seu valor estabelecido na proposta de inscrição será revertido vitaliciamente ao cônjuge e na falta deste, reversível temporariamente ao(s) menor(es) até que comple tem uma idade para maioridade estabelecida no Regulamento e conforme o percentual de reversão estabelecido." (original obtido no endereço da SUSEP na Internet: http://www.su sep.gov.br/menuatendimento/previdencia_abe rta_consumidor.as|>//dcll>as) i()f> Tendências nos desenhos de planos de previdência complementar. In: Boletim de pie vidência complementar, v. 1, n °5 , p. 1-3.0 artigo foi escrito anteriormente à edição da LC 109/2001. Nos trechos em que se refere a "empresas" e "empregadores", os < o mentários são dirigidos às entidades fechadas. O substrato pode ser utilizado, em rela ç .lo às entiflades abertas, para o que pretendemos discorrer. L éo d o A m aral F ilh o “Um a das grandes controvérsias na área de pensões e apo sentadoria é referente aos esquemas de financiamento dos benefícios a serem concedidos. O problema surge pois as arrecadações são feitas em um dado período para pagamento posterior com juros e correção monetária. E preciso, para «honrar os compromissos, haver disgonijDÜidade financeira 90 futuro. Com o garantir esta disponibilidade é problema que aflige o quotidiano dos gestores dos programas. Pode-se classificar os esquemas de financiamento em duas grandes categorias. A primeira, denominada repartição sim - jjles, se caracteriza por obter recursos das contribuições cor rentes para o pagamento dos benefícios correntes. O que alguns contribuem é imediatamente pago para outros em forma de benefícios. N o outro esquema, capitalização, os recursos das coryxi- buições são aplicados e capitalizados, criando-se um fundo financeiro que garanta o pagamento das aposentadorias. (...) (...) em qualquer instante do tempo existirão pessoas que trabalham, os ativos, que produzem não só para si mas tam bém para os que não trabalham. Uma parte do que é pro duzido é transferida, correntemente, para os inativos, seja por incapacidade, seja por velhice. Esta á a realidade física de qualquer regime financeiro. (...) A garantia do beneficio a ser concedida é a produção futura”.307 Após traçar essa polêmica advertência, os autores são enfático ao apontar diretamente o grande risco presente no regime da capi ta lização, que se apresenta como variável de maior preocupação: 307 Previdência social e previdência complementar, p. f>4/Sr>. PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA “O financiamento da aposentadoria através do regim^e de capitalização, incorpora por sua vez todos os riscos do mer- cado financeiro”. Paulo M en te , ao dissertar sobre o histórico da previdência privada fechada, narra o histórico da transformação dos planos de benefícios da modalidade “Benefício Definido” para “Contribuição Definida” (ou variável), que pode ser aproveitado neste texto. O ponto central da discussão é a inviabilidade financeira do custeio do primeiro: “(...) A conjugação dessa figura patronal com a tendência bene volente de adoção dos chamados planos de ‘benefícios de finidos’, nos quais os participantes tinham garantidas ren das proporcionais aos salários de suas respectivas ativida des, sem relação com as efetivas contribuições vertidas no período de atividade profissional — e atribuindo às empre sas patrocinadoras a responsabilidade pelas coberturas fi nanceiras das eventuais capitalizações adicionais — tornou a atividade da previdência fechada extremamente concen trada nos planos criados por empresas de iniciativa pública, assim chamadas aqueles em que o Estado (União e E sta dos) eram os maiores acionistas. N ão contava, entretanto, com significativas adesões dc em presários privados, assustados com os riscos assum i dos no longo prazo. E ssa estrutura, que serviu, durante m uitos anos, às políticas de recursos humanos começou a ser revertida em meados da década de 80, quando en tão surgiram algumas inovações técnicas que permiti ram a insjituição dos novos planos cham ados de ‘contri buições definidas’.”308 108 A |)ievidên< ia privada fechada. In: Curso dc direito previdenciário, p. 18 1 L éo d o A m a r a l F il h o A grande diferença entre as duas modalidades básicas de planos (benefício definido x contribuição definida) entra no aspecto da par ticipação individual de cada participante em relação ao todo, assim entendido como a massa de pessoas físicas participantes do plano. Essa distinção foi notada por ADACIR R eis e explicitada tendo em vista a concepção do regime da previdência privada com os contor nos que aqui adotamos: “Os planos geridos pelas entidades de previdência comple mentar são de caráter previdenciário e podem ser concebi dos basicamente nas modalidades de benefício definido (BD) e contribuição definida (CD), conforme art. 7o, parágrafo único. O plano na modalidade de benefício definido é aquele no qual o participante sabe de antemão o quanto receberá de benefício, embora não saiba exatamente o quanto vai pagar, já que esse valor poderá variar de acordo com o plano anual de custeio, podendo diminuir ou aumentar a contribuição a partir da constatação de superávit (art. 20) ou déficit (art. 21). Em outras palavras, no plano de benefício definido a contribuição é indefinida, mas o valor do benefício ép revia mente definido na data de vinculação do participante ao pla- no, calculado com base em regras estipuladas em regula mento e geralmente vinculadas ao salário da ativa ou à mé dia extraída de um período de contribuição que antecede a aposentadoria.No plano BD os cálculos são feitos levando em conta o total da massa de participantes. Existe aqui o chamado ‘mutualismo’. O plano na modalidade contribuição definida é aquele no qual o participante não conhece o valor do benefício, mas apenas o valor da contribuição. Em tal tipo de plano, o be nefício e' indefinido, pois o benefício decorrerá diretamente do montante acumulado pelas contribuições vertidas e pela rentabilidade obtida. No plano CD os cálculos são feitos P r ev id ên c ia P r iva d a A berta considerando isoladamente cada participante. Nesses pla nos não há um benefício previamente definido e não se poderá tecnicamente falar em déficit nem tampouco em superávit, mas apenas em ‘saldo em conta’. O plano misto combina as características dessas duas mo dalidades de planos”.309 (destaques em itálicos do original; negritos nossos) E bom esclarecer que de acordo com a disposição constante do art. 26 da LC 109/2001 é aberta a oportunidade para que outros planos possam ser desenhados de acordo com a criatividade (no sen tido técnico) dos administradores, sempre de maneira obediente a< >s ditames legais e infralegais e às condições do mercado. Em linhas gerais, os sistemas de previdência podem contemplar p la nos de benefício definido (B D ) eplanos de contribuição definida ( CD). No primeiro, sabe-se que o benefício a receber será um valor previamente fixado ou referido a algum montante que possa ser definido por sim pies operação aritmética ou facilmente referenciado. Em virtude des sas características, necessitam de contribuições variáveis que se adeqüen i às necessidades financeiras obtidas pelas avaliações atuariais e com visi as à manutenção de equilíbrio. Por outro lado, os planos de contribui ção definida podem ou não ter valor de contribuição prefixado, a d mitindo aportes adicionais.310 Podem, igualmente, admitir, com uma combinação de valores, que estará sujeita às variações do grupo no que se refere a custeio. Há a necessidade de se diferenciar os períodos de formação dc reservas, dos períodos de percepção de benefícios. Tal diferenciação c fundamental do ponto de vista da análise finalística da previdência privada. N o primeiro, a entidade fará a gestão dos recursos, com o l()‘l lemas centrais da nova legislação, Fundos de pensão em debute, p. 20. 110 I lávio Martins Rodrigues. Fundos de pensão de servidores públicos, p. I ü L é o d o A m a r a l F il h o objetivo de fazê-los aumentar; ao passo que, no segundo, verificar- se-á “o total poupado, calculando-se, neste momento, com base em perspec tivas atuariais, o montante passíyçl^defagam ento como renda mensal vitalícia ou renda por prazo determinado”? 11 No segundo, haverá a per cepção de benefícios, de acordo com o que estiver estabelecido em contrato. Os comentários de F lá VIO M a rtin s RODRIGUES, relativamente à moderna e freqüente opção pelos regimes de capitalização, apli cam-se aos planos de previdência privada das entidades abertas. A s sim sendo, destacamos: “Outras sociedades seguem fazendo alterações estruturais mais radicais, como se pode observar em alguns países da América Latina e da Europa Oriental, que entenderam por transformar o antigo sistema de previdência pública, finan ciado em regime de repartição simples, em um novo sigte ma privatizado e de capitalização compulsória”.312 Tendo essa idéia como premissa, tem-se que o custo para a ob tenção de planos de benefício definido beira à inviabilidade, não sob a ótica jurídica, mas sim econômica. Nunca é demais lembrar a função e os limites da previdência social, admitida em sua concepção lata, e quais expectativas pode e deve gerar, no que diz respeito à fase de concessão de benefícios. Ao comentar os impactos que a chamada Reforma da Previdência313 pode causar, W a g n e r BALERA traçou um verdadeiro paradigma, ao res ponder um questionamento em entrevista: 311 Fundos de pensão de servidores públicos, p. 15. 312 Ibidem, p. 16. 313 O termo "reforma da previdência" vem sendo utilizado de maneira ambígua nos últi mos dois anos. Isto porque as reformas que ocasionaram a alteração da Constituição introduzida pela Emenda Constitucional ns 41/03 dizem respeito ao setor público c nada atingem os filiados ao regime geral de previdência, senão para alterar o tolo do valor dos benefícios pagos para R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais). PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA “Em nenhum lugar do mundo a aposentadoria é integral. Por uma razão muito simples: a Previdência não existe para melhorar a situação do trabalhador quando ele se aposenta e sim para permitir que mantenha o padrão de vida. Quan- do alguém se aposenta, os gastos com a atividade profissio- nal deixam de existir. Não há mais despesas com transpor te, alimentação, vestuário e ferramentas. Ele se recolhe aos seus aposentos”.314 2 .2 .9 F ina lid ad e das entidades de previdência p rivada Como se vê, as entidades de previdência privada são as posso,i jurídicas que se destinam à implementação e gestão de planos conJ plementares de previdência. As entidades abertas de previdência pi i| vada se propõem a administrar e gerir planos de benefícios destinado a uma ampla população de pessoas físicas, mediante a existência <1 contrato prévio estabelecido nos moldes da legislação vigente, eoii tando com o aporte de contribuições de pessoas físicas e instilnidd ras e averbadoras. A finalidade de obtenção de lucro é regra p.ct~a I n J entidades abertas de previdência privada, de acordo com a nova Id gíslãção (art. 36 da LC 109/2001). / — —— ------- — ■ Em parecer solicitado por uma entidade fechada de prcvidêiu privada, publicado na R evista de Direito Social n° 8, W agn kr li AI i-lí faz uma importante abordagem no que diz respeito à relação jnrídiij que une os participantes a uma determinada entidade de prcvidèi icj privada, além de incluir nessa relação a preocupação (do sistema) ei assegurar o benefício dos participantes. Após partir da premissa d que existem duas vias de proteção previdenciária (tal como se ad<>l<i neste trabalho), o autor afirma: $14 I ntrevista concedida ao jornalista Reinaldo Antônio de Maria, para o jornal Irilmna i Direito nu 96, Encarte "l ivros", p. 2. L éo d o A m a r a l F ilh o “Mais precisamente, a seguridade social terá duas vias de proteção do tipo previdenciário: a) a via básica (o seguro social, que compreende a proteção dos trabalhadores em geral, de servidores públicos e dos dependentes desses dois grupos); e b) a via complementar (o seguro complementar facultativo do tipo fechado e do tipo aberto). É traço significativo, no modelo contemporâneo de prote ção, esta combinação entre atuação do Poder Público e das entidades particulares no esforço de unificação das varia das políticas sociais para o setor. Interessa examinar, aqui, com a brevidade que a urgência nos impõe, no universo da previdência privada, a natureza jurídica do patrimônio amealhado pela entidade de previ dência privada. E, determinado esse objeto, aferir a prote ção jurídica especial de que se reveste tal bem defronte à comunidade protegida e diante de terceiros que dela se apro ximam ou com ela se relacionam”.315 Parece-nos que da interpretação do texto da L C 109/2001, es pecialmente os art. 2o, 6o e 36, é possível extrair a verdadeira finali dade das entidades abertas, qual seja “instituir e executar planos_ de jbenefícios de caráter previdenciário”, "concedidos em fo rm a de renda con tin u ad a ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas”, “para os quais tenham autorização específica, segundo as normas aprovadas p elo órvão regulador efisca liz a dor”. A definição foi extraída de textos reti rados do texto da LC 109/2001, conforme a seguir: “Art. 22 O regime de previdência complementaré operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo prin cipal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar”. 315 A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. In: Revista de direito social na 8, p. 89. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta “Art. 6° As entidades de previdência complementar somente poderão instituir e operar planos de benefícios para os quais tenham autori zação específica, segundo as normas aprovadas pelo órgão regula dor e fiscalizador, conforme disposto nesta Lei Complementar”. “Art. 36. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas316 e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas”, (destaques nossos) Mas a questão não é simples, provocando uma discussão a rcs - peito da seguinte questão: a entidade aberta de previdência privada, assim entendida na forma da regra geral (sociedade por ações ou seguradora autorizada a operar no ramo vida), existe para gerir pia nos e obter lucro, em que ordem? Antes de qualquer afirmação, as entidades abertas de previdên cia privada317 e as seguradoras autorizadas a oferecer planos dc pre 316 Neste trabalho, a expressões sociedade anônima e sociedade por ações se substituem 317 As entidades abertas que antes da edição da LC 109/2001 não possuíam fins lu< i.iliv. <■. poderão operar atividades assistenciais, conforme dispõe seu art. 77, que contém ili versas regras de transição, dentre elas: "Art. 77. As entidades abertas sem fins lucrativos e as sociedades seguradoras auloii/.i das a funcionar em conformidade com a Lei n“ 6.435, de 15 de julho de 1977, leia. > n prazo de dois anos para se adaptar ao disposto nesta Lei Complementar. § 1° No caso das entidades abertas sem fins lucrativos já autorizadas a funcionai, <■ permitida a manutenção de sua organização jurídica como sociedade civil, sendo lhe', vedado participar, direta ou indiretamente, de pessoas jurídicas, exceto quando live rem participação acionária: I - minoritária, em sociedades anônimas de capital aberto, na forma regulamenl.nl,i pelo Conselho Monetário Nacional, para aplicação de recursos de reservas liVni. .r., fundos e provisões; II - em sociedade seguradora e/ou de capitalização. (...) § 6° As entidades abertas sem fins lucrativos que, na data de publicação desl.i I el Complementar, já vinham mantendo programas de assistência filantrópica, |>révi.i n expressamente autorizados, poderão, para efeito de cobrança, adicionar às conli il mi. ções de seus planos de benefícios valor destinado àqueles programas, observad.r .el normas estabelecidas pelo órgão regulador. § 7" A aplicabilidade do disposto no parágrafo anterior fica sujeita, sob pena d...... ... e< lamento da autorização previamente concedida, à prestação anual de conlas ilos ...... gramas filantrópicos e à aprovação pelo órgão competente". L éo d o A m a r a l F il h o vidência, na concepção atual do ordenamento jurídico brasileiro, têm o direito de explorar esse ramo complementar e autônomo da segu ridade social como atividade empresarial, e, portanto, com a finalida de de lucro.318 Pensamos nós que a resposta deverá tomar como premissa o papel da previdência privada, de modo a obedecer à necessária sepa ração entre o aspecto previdenciário e a atividade econômica. Pois bem, a extensão (abrangência) das entidades foi determinante nesse sentido. Por estarem disponíveis à totalidade das pessoas físicas, em verdadeira atividade econômica aberta, pode ter fins lucrativos. Essa afirmação se torna mais clara quando esse ponto relativo às entidades abertas é comparado com a limitação de abrangência e atuação das entidades fechadas de previdência privada: “Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu nicípios, entes denominados patrocinadores; e II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores. 318 Lucro, aqui entendido como o propósito último da atividade econômica e não simples mente o superávit, assim entendido como o resultado positivo de aplicações e opera ções. Nesse sentido: Luciano Amaro tem doutrina que nos convence: "Lucro é afeto à noção de empresa, coisa que a entidade, nas referidas condições, não é, justamente porque lhe falta o fim de lucro (vale dizer, a entidade foi criada, não para dar lucro ao seu criador, mas para atingir uma finalidade altruísta). A falta de clareza na visão desse problema (apesar de ter sido adequadamente regulado pelo CTN) gerou uma série de discussões sobre se a atuação da entidade imune teria de ser gratuita, ou sobre a possibilidade de ela auferir receita de aplicações financeiras. É claro que - como no instrumento de justiça distributiva-ela pode e, freqüentemente, deve cobrar por serviços ou bens que forneça, e deve aplicar sobras de caixa; o importante é que todo o resultado a í apurado reverta em investimento ou custeio para que entidade continue cumprindo seu objetivo institucional de educação ou de assistência social". (Direito tributário brasileiro, p. 150). P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta § Ia As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fun dação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.” (destaques nossos) Assim, a característica geral da possibilidade de obtenção de In cros por parte das entidades abertas de previdência privada está su bordinada à obediência ao caráter de abrangência de atuação. Mas, acima de tudo, está subordinada à grandiosidade decorrente da atua ção complementar e autônoma em relação ao sistema de seguridade social. Lembramos, mais uma vez com M anoel S oares P óvoas, quo “a Lei determina que o objetivo social das entidades é a instituição dc planos p rivados de concessão de pecúlios™ ou de rendas, ou de planos com p lementares ou assemelhados aos da previdência social”.320 2.2 .10 F ina lid ad e dos p lanos O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime de previdência oficial, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garan tam o benefício dos participantes e assistidos. Essa é a dicção do art. 202 da Constituição Federal de 1988 e do art. I o da L C 109/2001 As entidades de previdência privada operam esse regime, sendo o objetivo principal dessas entidades a instituição e execução dc pia nos de benefícios de caráter previdenciário. Cumpre determinar, na oportunidade, qual a natureza dos pia nos operacionalizados pelas entidades de previdência privada, quo proporcionam benefícios a participantes/assistidos com base nos re cursos correspondentes a suas reservas, provisões e fundos. O art. 10 da LC 109/01, inserido no tópico relativo às disposi ções comuns, prevê meio para que os participantes dos planos de benefício tenham conhecimento: ( )bjeto contratual não mais existente. N. i Rola das Instituições do Bem-Estar - Seguro e Previdência, p. 309. L éo d o A m a r a l F ilh o “Art. 10. Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefí cios, das propostas de inscrição e dos certificados de participantes condições mínimas a serem fixadas pelo órgão regulador e fiscalizador. § I o A todo pretendente será disponibilizado e a todo participan te entregue, quando de sua inscrição no plano de benefícios: I - certificado onde estarão indicados os requisitos que regulam a admissão e a manutenção da qualidadede participante, bem como os requisitos de elegibilidade e forma de cálculo dos benefícios; II - cópia do regulamento atualizado do plano de benefícios e material explicativo que descreva, em linguagem simples e preci sa, as características do plano; III - cópia do contrato, no caso de plano coletivo de que trata o inciso II do art. 26 desta Lei Complementar; e IV - outros documentos que vierem a ser especificados pelo órgão regulador e fiscalizador. § 2° Na divulgação dos planos de benefícios, não poderão ser in cluídas informações diferentes das que figurem nos documentos referidos neste artigo”, (destaques nossos). Constata-se do teor do dispositivo supra transcrito que a parte \ interessada em participar do plano de benefício aceita as cláusulas \ formuladas antecipadamente pelas entidades de previdência privada, não havendo margem para livre discussão de seu conteúdo, porque este é planejado e programado em função de inúmeras variáveis apu radas por critérios advindos de outras ciências, como economia, fi nanças e atuária. Por esse motivo, os planos de benefício estipulados com as enti dades abertas de previdência privada possuem natureza eminente- friente contratual. Com efeito, tais planos são optativos e estabelecem o conteúdo obrigacional das futuras relações entre as pgrtes. Vale frisar que, em razão da impossibilidade de discussão ou modificação substancial do conteúdo das cláusulas dos planos de bc P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta nefícios, entendemos que estes representam verdadeiros contratos, cuja espécie é a “de adesão”. O assunto será tratado no próximo item (2 .3 .1 X * M a n o e l S oares P ó VOAS afirma que o termo “p lan o” decorre de cópia do sistema americano. Explica o autor que toda “a operacionali dacle de um plano de benefícios se assenta num p lan o ...”. Sua definição e por demais abrangente, por levar em consideração todos os aspectos técnicos, pessoal e contratual: “Plano de benefícios, também chamado de plano de conces são de benefícios, é uma estrutura sistematizada e técnica de benefícios previdenciários para atender, de forma generali zada ou seletiva, às necessidades previdenciárias, fora da ins tituição da previdência social, de um grupo de pessoas, co letiva ou individualmente consideradas; o plano definirá as condições a que as pessoas, dentro do perfil básico, terão de satisfazer, para nele serem inscritas, e as exigências a quo terão de submeter-se e cumprir para serem elegíveis para receber os benefícios a que foram inscritas”.321 De maneira mais objetiva, porque focada no resultado final do contrato (concretização de objeto), parece-nos correta a observai,ao de E r n est o JOSÉ PEREIRA DOS R e is : “28.5. Tanto nas entidades fechadas como abertas, o pa/t i cipante tem ‘direito acumulado’ relativo às reservas para pagamento do benefício contratado que constituir, ou a re serva matemática, o que lhe for mais favorável”.322 ARTHUR BRAGANÇA DE VASCONCELLOS WEINTRAUH aborda a questão de modo mais genérico, sem deixar de vincular a essência do conceito de plano à modalidade com que ele será concebido: \ 2 I Na Rota das Instituições do Bem-Estar - Seguro e previdência, p. 309. YÍ.2 Previdência privada aberta. In: Curso de Direito Previdenciário, p. 167. L éo d o A m a r a l F ilh o “Os planos previdenciários privados são estruturados com a finalidade de concessão de valores de benefícios a pes soas físicas vinculadas ou não a uma pessoa jurídica, e que preencham as condições estabelecidas para a participação no plano. Os planos de capitalização apresentam-se de duas formas básicas: Benefício Definido (BD) e Contribuição Defini da (CD). E recentemente, a tendência é uma transforma ção dos planos de Benefício definido em planos de Contri buição Definida, pois, como poderemos notar, a Contri buição Definida não vincula um valor fixo preestabelecido para aposentadoria”.323 Importa, nesse momento, que o plano é o conjunto de regras obrigacionais que estabelecerá forma de custeio e pagamento de be nefícios à pessoa física contratante, por meio da entidade aberta de previdência privada, a fim de atender à sua finalidade última que é aumentar a renda obtida em decorrência de filiação ao regime geral para, com isso, gerar condições de maior bem-estar. 2.3 Os Benefícios das Entidades Abertas de Previdência P r ivad a 2.3.1 A R ELA Ç Ã O JU R lD IC A C O N T R A T U A L D A PR EV ID ÊN C IA PR IV A D A Adotamos no presente trabalho a premissa de que a previdência privada tem como característica a contratualidade. Ou seja, os planos de benefícios aos quais as pessoas físicas adiram com a finalidade de obterem complementação aos benefícios pagos pelo regime geral te 323 Previdência privada: atual conjuntura e sua função complementar ao regime geral d.i previdência social, p. 81. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta rão índole privada e estarão formalizados por meio de contratos, cuja autonomia da vontade estará limitada pelos ditames da lei. Temos que a característica mencionada decorre do texto do art. 202 da Co ns tituição Federal, que, a nosso ver, estabelece de maneira cristalina a vinculação do participante à entidade de previdência privada por mei< > de relação contratual. Para fins de clareza mencionamos novamente o texto do art. 202: “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter comple mentar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constitui ção de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” Como se vê, o legislador constituinte previu o contrato como meio de estabelecer regras e diretrizes que assegurem, em última análise, a segurança da relação jurídica complementar ao regime ! oficial. WAGNER BALERA. extrai a característica contratual do fundamen to maior da previdência privada, contido no art. 202 da Constiluiça. > Federal, no qual entende estarem inseridos os elementos do "binômio c a rac te r íst ic o ” da previdência privada: a) contratualidade <■ b) facultatividade. O autor prossegue comparando a compulsorieda de da previdência social à facultatividade da previdência privada e mencionando que "a previdência p r iv a d a é de índole contratual, negar i al, engendrada e arrum ada pelos interessados, constituída deform a antó nom a ao regim e g e ra l d a p rev idên cia so c ia l”.324 Essa vontade de contratar e estabelecer termos e condições de interesse das_ |);l >'< ('s, denominada autonomia da vpntade, por outro lado, está limitada por lei específica, de modo que não pode ser tida como absoluta. Conclui o autor que qualquer obrigação terá lastro na lei: 124 Si st ('ma de seguridade social, p. 62. Léo d o A m a r a l F ilh o “As partes podem decidir, desde que capazes para contratar, sem qualquer tutela, a extensão, os limites e os efeitos do negócio jurídico que engendram entre elas e que somente a elas diz respeito. Ao definir, pois, o negócio previdenciário como contrato, a Norma Fundamental já imprime os lineamentos que re vestirão, sob o império da autonomia da vontade, o com portamento humano, no particular. E evidente que a lei, ao estabelecer a tipologia contratual previdenciária, definirá os termos do negócio privado. A lei é, sempre e sempre, a fonte das obrigações. Digamos, explicitando melhor, que a lei definirá os elemen tos externos do negócio previdenciário, deixando ao talante das partes a manifestação da vontade contratual que afei- çoa o arquétipo genérico legalmente estabelecido ao que rer que justificou a avença”.32S (destaque nosso) Ao tecer considerações gerais sobre o regime da previdência pri vada, especificamente a respeito de alterações havidas em relação às entidades fechadas,ARNOLDO W ald salienta a limitação da autono mia da vontade, o valor instrum ental dos termos do plano e a insofis mável força da lei. Salienta o autor que a autonomia da vontade estará limitada, inclusive, por alterações posteriores que sofrer o patrim ô nio submetido e engajado no plano: “Tanto a doutrina como a jurisprudência caracterizam a adesão a um plano de benefícios na esfera da previdência complementar, como um contrato associativo, plurilateràl, aberto e evolutivo, de cooperação, pelo qual o interessado aceita os deveres e direitos de um determinando regime leg l^ de caráter dinâmico, baseado no equilíbrio econômi- coyfinanceiro da entidade, que é a garantia de todos os seus 325 Ibidem, p. 63. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta participantes. Existe, no caso, a liberdade de contratar ou não contratar, mas, uma vez feita a adesão ao plano, o par ticipante deve aceitar as transformações que vierem a ser introduzidas, vinculando-se, pois, a um' regime jurídico de caráter estatutário essencialmente dinâmico”.326 M anoel Soares PÓVOAS adota o termo “Contrato Previdenciá rio”, como relação jurídica e o conceitua como: “...o ato bilateral que, pressupondo uma massa consistente de inscritos definida e garantida pelos órgãos do Sistema Nacional de Seguros Privados, uma pessoa (contratante) que deseja garantir-se ou garantir seus empregados, contra a materialização de certos e determinados riscos sociais que lhes criem estados de necessidade (participantes), acordada com uma pessoa jurídica legalmente a efetuar, ho domínio privado, a compensação desses riscos (operadora), para o que lhe pagará, de uma só vez ou na forma de anuidades (mensalidades ou anualidades) uma importância (contri buição), tendo como contrapartida a obrigação da entidade pagar, aos inscritos ou às pessoas que designarem (beneficiários) a respectiva compensação ou reparação, na forma de rendas ou pecúlios (benefícios previdenciários).”' -'’ Explica o autor que se trata de "um contrato de execução con/innuda e de longa duração, a fo rm a escrita e a submissão a cláusulas previamente aprovadas pelo órgão executivo do S N S P são indispensáveis"?2‘i E rnesto José P ereira dos R eis trata da questão pressupondo existir um acordo de vontades, no qual a pessoa física (participante) realiza modo de prevenção relativa a eventos futuros; e a entidade, a I2t> A Reform a á a P rev id ên cia Privada (A C onstituc ionalidade do D ecre to t .7 2 l, dc 08.01.2001). In: Revista dos Tribunais n® 791, p .15. (27 N ão adotam os o conceito de garantia utilizado pela SUSEP , posto que, pensamos que não há garantia financeira por parte do governo. O conceito de previdônci.i priv.id.i não parte da concepção de Estado-Protetor ou Estado-Garantidor. l.’ll Na Rot.i das Instituições do Hem listar - Seguro e Previdência, p. 3 I !. L éo d o A m a r a l F ilh o administrar e a gerir o plano em que será inserido. N a conceituação do referido autor, há uma nítida ênfase à função previdenciária do contrato: “22.1. Conceito: O contrato de Previdência Complementar é um acordo de vontades pelo qual o participante de um plano de benefícios de prestações continuadas ou única, mediante o pa gamento de contribuição para a entidade de previdência com plementar, garante para si próprio, em vida, aposentadoria, e no caso de sua mortg, pensão ou pecúlio, para seus beneficiários”.329 RAUL T EIXEIRA afirma que “(... ) ao contrário do regime oficiaP 0, temos uma relação essencialmente contra tu a l que se fo rm a entre o partici pante de um plano de benefícios e as entidades de previdência complemen- tar que oferecem o produto”.331 O autor tam bém adverte que a in tromissão estatal não desca racteriza a natureza contratual, mas apenas lhe impõe limites, os quais se presumem necessários para a manutenção do sistema. Explica o autor: “É inquestionável que tal relação contratual, pelo fato dg ter como objeto a formação de poupança individual para garan- tia das incertezas do futuro, do desamparo na velhice e da sobrevivência dos familiares dependentes, é considerada matéria de ordem pública, portanto a merecer regulamenta- ção total por parte do Poder Público, restando restrito o campo para o exercício da própria autonomia da vontade. Tal circunstância, todavia, não descaracteriza a natureza __________——JL contratual da relação que se forma, embora as normas ema nadas dos órgãos reguladores alcancem e modifiquem os contratos em curso durante o período de diferimento em 329 Previdência privada aberta. In: Curso de direito previdenciário, p. 161. 330 Cremos que o autor se refere ao regime geral da previdência social. 331 Seguros, previdência privada e capitalização: uma visão institucional, p. 33. P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta que se opera a chamada aquisição pelos direitos (v es tin g ) ”.332 (destaque do original) E preciso que se diga que o legislador constitucional derivado foi incisivo ao mencionar, no caput do art. 202, a existência de um regime de caráter complementar e facultativo, com organização au tônoma em relação ao regime geral, o qual deve ser “baseado na cons tituição de reservas que garantam o benefício contratado”. Pois bem, não nos parece que a locução “contratado” tenha sido colocada de maneira aleatória ou ambígua, uma vez que a caracterís tica de “complementar” e “facultativo” do regime deixa clara a idéia de adesão e sinalagma típicas de um contrato. Entretanto, essa deli nição seria insuficiente, se feita isoladamente, de modo que vimos a necessidade de estabelecer os motivos pelos quais entendemos ex is tente um contrato e, posteriormente, verificamos a criação jurídica a que se amolda. A decisão de determinada pessoa física por aderir a plano indi vidual ou coletivo de previdência privada, cujos termos e condições poderão ser ajustados de maneira limitada aos ditames legais, regn lamentares e decorrentes de estudos técnicos, previamente estabele cidos pela entidade de previdência privada e órgãos reguladores, implica a existência de um verdadeiro contrato de adesão, na moda lidade trato sucessivo (continuidade ao longo do tempo). Sobre as características do contrato de adesão transcrevemos as lições de W aldírio B ulgarelli: “O contrato de adesão é aquele em que não há discussão livre, entre as partes, das cláusulas contratuais, posto que estas são redigidas e impostas por uma delas à outra que as aceita em bloco. Sob tal denominação, designa-se uma modalidade de contrato que não constitui, obviamente, um 1.12 Iludem, |>. :S4. Léo d o A m a r a l F ilh o tipo definido, tanto que o contrato de adesão pode ser de com pra e venda, de fornecimento, de locação, etc., confundin- do-se, também, via de regra com os contratos-tipos (por for mulários, em série, em massa), pois que as cláusulas redigidas e impostas pela parte mais forte já se encontram impressas, oferecidas à mera adesão da outra parte, ou em muitos casos, a parte aderente chega até a ignorar o con teúdo do contrato, conhecendo apenas a prestação”.333 (itá lico do original) A vinculação existente entre os participantes dos planos e as entidades também deve ser mencionada. O caráter contratual que permite a formação do vínculo é nítido e característico, porquanto o elo formado entre tais contratantes deve necessariamente ser feito mediante a utilização de instrumento que condense e exprima as re gras a que o plano estará regido, materializando o que foi acordado. Ainda, a atual legislação brasileira relativa à matéria não impõe a obrigatoriedade de extensão do plano a todos os empregados de uma determinada empresa, mas, sim, confere vantagens fiscais para aque las que o fazem.334 Finalizando, é importante dizer que, do ponto de vista do empregado(potencial participante), não há a obrigatorieda de de filiação nos mencionados planos de aposentadoria e benefícios, fazendo com que o acordo de vontades que firme a relação tenha cunho de relação volitiva. 333 . Contratos mercantis, p. 95-96. 334 Com o exem plo, cita-se o art. 28, § 9 °, a línea "p " da Lei ns 8.212/91 (...) Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: (...) 9 ° N ão integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivam ente: (Re dação dada pela Lei n9 9.528, de 10/12/1997) p) o va lo r das contribuições efetivamente pago pela pessoa juríd ica relativo a progra ma de prev idência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalida de de seus em pregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9 ° e 468 da CLT; (A línea inc lu ída pela Lei nQ 9.528, de 10/1 2/1997). P r ev id ên c ia P r iv a d a A berta O entendim ento de que os planos de benefícios constituídos pelas entidades abertas de previdência privada, semelhantes aos pia nos das entidades fechadas, correspondem a verdadeiros contratos de adesão é corroborado por Sergio PlNTO MARTINS: “Na previdência aberta os planos são feitos por compa nhias seguradoras ou sociedades anônimas de previdên cia, sendo fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Os planos devem ser pagos por 10, 15, 20 ou 25 anos para que o beneficiário faça jus a algum direito. Alguns fatores são sopesados como: idade de in gresso, idade de saída e a renda mensal que se pretende a título do benefício. Há planos de contribuição definida, em que o valor do benefício a ser concedido dependerá do total acumulado. Existem planos livres, em que o próprio participante faz os depósitos por ele determinados. A pes soa pode recolher quanto tempo quer pagar, quanto vai pagar, quanto quer receber e a partir de quando irá come çar a receber o benefício. Normalmente, é um contrato dc adesão”.335 Conclui-se, portanto, que os planos de benefícios são c o n l ia io s de adesão por meio dos quais recursos são vertidos para as entidade:, de previdência privada, para fins de formação de reservas técnicas, provisões e fundos, os quais são destinados a assegurar o pagamento de futuros benefícios previdenciários. Os recursos destinados ao custeio dos planos de previdência pri vada são de propriedade dos participantes, não integrando, port un i < >, o,patrim ônio das entidades de previdência privada. N a oportunidade, faz-se necessário determ inar a propriedade/ titularidade dos recursos adm inistrados pelas entidades abertas de Léo d o A m a r a l F ilh o previdência privada. De acordo com o art. 1.228 da Lei n° 10.406, de 10/1/2002 (Código Civil), “O proprietário tem afacu ldade de usar; g o zar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Os participantes dos planos fazem uso de suas prerrogati vas e dispõem de seus recursos, colocando-os sob gestão das entidades de previdência privada. Vale ressaltar que os institui dores e/ou os participantes, na qualidade de proprietários de tais recursos, detêm o poder de reavê-los conforme prevêem os arti gos 14 e 27 da L C 109/01, este último aplicável às entidades abertas. Outro aspecto igualmente importante é a caracterização ou não da transferência de propriedade de tais recursos dos participantes do plano para as entidades de previdência privada. Vale notar que para fms de caracterização da transferência de propriedade dos recursos - coisas móveis - há necessidade de um acordo de vontades das partes com a finalidade de transfe rência, não sendo suficiente que os instituidores e/ou partici pantes entreguem as contribuições para as entidades de previdência privada. Não há qualquer acordo de vontade entre os patrocinadores, instituidores, participantes e as entidades de previdência privada no sentido de transferir, por meio da tradição, a propriedade dos recursos. Trata-se, somente, de tradição para fms de gestão dos recursos. Por esse motivo, os recursos vertidos para as fechadas entidades de .previdência privada são de propriedade dos patrocinadores, insti tuidores e participantes, representando parcela de seu patrimônio afetada ao custeio dos planos de benefícios. Como já dito, tal entendimento é corroborado pelo art. 27 da L C 109/01 que, ao disciplinar os planos de benefícios das entidades PREVIDÊNCIA PRIVADA A b ERTA abertas, assegura a portabilidade dos recursos e o direito ao seu res gate, conforme se pode verificar a seguir336 : “Art. 27. Observados os conceitos, a forma, as condições e os cri térios fixados pelo órgão regulador, é assegurado aos participantes 0 direito à portabilidade, inclusive para plano de benefício de en tidade fechada, e o resgate de recursos das reservas técnicas, provi sões e fundos, total ou parcialmente. § I o A portabilidade não caracteriza resgate. § 2° E vedado, no caso de portabilidade: 1 - que os recursos financeiros transitem pelos participantes, sob qualquer forma; e II - a transferência de recursos entre participantes”. Considerando que os participantes dos planos de benefícios pre videnciários têm (i) o direj.to de dispor dos próprios recursos aporta dos, o que é demonstrado pela possibilidade de transferência entre 336 Também nesse sentido, o art. 14 da LC 109/2001, relativam ente às entidades lei lud .r. de prev idência privada: "Art. 14. O s planos de benefícios deverão prever os seguinle'. institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscali/adm I - beneficio proporcional diferido, em razão da cessação do v ín cu lo empreg.ití< io . om o patrocinador ou associativo com o instituidor antes da aquisição do direilo ,io liene fício p leno, a ser concedido quando cum pridos os requisitos de elegibilidade; II - portab ilidade do direito acum ulado pelo participante para outro plano; III - resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, des. on tadas as parcelas do custeio administrativo, na forma regulam entada; e IV - facu ldade de o participante manter o va lo r de sua contribu ição e a do pairo, in.i dor, no caso de perda parcial ou total da rem uneração recebida, para assegurar a pei cepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela rem uneração ou em oulios definidos em no,m as regulamentares. § I a N ão será adm itida a portab ilidade na inex istência de cessação do v í ix u lo em pregatício do participante com o patrocinador. ( . . . ) § 4 O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quandò efetuado para enlidade aberta, somente será adm itido quando a integralidade dos recursos financeiros com-, pondentes ao direito acum ulado do participante for utilizada para a contratação de renda mensal vita líc ia ou por prazo determ inado, cu jo prazo m ín im o não poderá '.ei inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, lim itado ao m ínim o de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador. L éo d o A m a r a l F ilh o entidades de previdência distintas, tendo a LC 109/01 denominado esse direito de portabilidade; e (ii) o direito de reaver os recursos, o que se consuma por meio do seu resgate; não há que se questionar a sua propriedade.337 De fato, tais direitos dos participantes encontram-se previstos na disciplina dos direitos dos proprietários. Dessa forma, por se ca racterizarem como recursos de propriedade dos participantes, fica claro que tais valores integram o seu patrimônio. Ainda sobre a dicotomia entre universalidades de direito e de fato, transcrevemos as lições de ORLANDO GOMES: “Universalidade de fato é o conjunto de coisas singula res, simples ou compostas, agrupadas pela vontade da pessoa, tendo destinação