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79UNIDADE IV Filosofia Contemporânea e possam ser identificados com unidades cognitivas e seus correlatos objetivos unitários. Portanto, o último estágio do projeto fenomenológico consiste em examinar os dados em todas suas modificações, se autênticos ou inautênticos, simples ou sintéticos, se se consti- tuem de uma vez ou progressivamente, etc. Vimos aqui o processo pelo qual Husserl crê que se pode alcançar o objeto real trans- cendental, a partir desse conhecer-se a natureza. Compreende-se o processo de constituição continuada e progressiva do objeto empírico. Com isso, Husserl quis estabelecer os limites entre as ciências de maneira crítica, bem como de se realizar uma valoração metafísica ao mesmo tempo. Logo, a fenomenologia lida com os problemas da constituição das objetivi- dades de toda espécie no conhecimento, através da ciência dos fenômenos cognoscíveis – seja, por um lado, diretamente como conhecimento dos fenômenos, manifestações dos atos de consciência; ou como ciências das objetividades enquanto elas são. Sendo assim, Husserl (2008) concebe o termo fenomenologia em duas acepções: uma relativa ao termo grego que significa ‘o aparecer e o que aparece’; outra relacionada ao fenômeno subjetivo. Na reflexão o fenômeno se torna objeto da cogitatio, que deve ser examinado para encontrar através da redução fenomenológica essência na esfera do imediato. SAIBA MAIS Correntes de pensamento contemporâneas: nesta unidade nós optamos por citar ape- nas três modelos de pensamento que da reflexão filosófica contemporânea, porém hou- veram diversas ramificações e modos de se pensar a racionalidade e sua crise. Dentre as outras expressões do pensamento filosófico nós temos o vitalismo de Bergson, as diferentes gerações da Escola de Frankfurt, o pensamento marxista, o pragmatismo da filosofia analítica, o estruturalismo, o pós-estruturalismo, e hermenêutica, etc. Em rea- lidade a Idade Contemporânea foi, e continua sendo, um solo fértil para a filosofia em geral, seja na política, epistemologia, linguagem, estética e filosofia da história. Fonte: CAES, Valdinei. Tópicos Especiais de Filosofia Contemporânea. Editora Intersaberes, 2017, Curitiba-PR. 80UNIDADE IV Filosofia Contemporânea REFLITA Como vimos, a crise da racionalidade suscitou o reposicionamento da filosofia no século XX. Entretanto, a crise não se deu apenas no campo das ciências, para Nietzsche essa corrosão da sociedade ocidental também se deu no campo da moral. Notamos que para o autor os conceitos desenvolvidos no processo histórico devem ser encarados como ilusões. Logo, parece-nos que o autor defende uma conduta muito próxima de um no- minalismo, onde o nome ou categorias que nós atribuímos aos objetos são encarados como meras convenções, não carregando em si algum tipo de essência ou universali- dade que advém das coisas. Nessa medida é que Nietzsche pode relativizar conceitos como bem e mal, pois, na medida em que não há razão suficiente para que um termo seja descrito em uma determinada forma específica – já que um nome designa um obje- to que, além de tudo, é em si mutável por estar no regime do devir –, concomitantemen- te, não há razão para que o mesmo não seja reformulado. O que leva então o sujeito a ser um eterno criador de seus próprios ideais. Como aquele que busca desenhar para si seus próprios valores nobres, a fim de justificar sua existência nessa realidade caótica. Para realizar tal feito, o autor descreveu em um aforismo para exemplificar como seria essa urgência para que os indivíduos pudessem criar seus valores. Tal aforismo foi pos- teriormente denominado para exemplificar o eterno retorno, um contexto hipotético que põe em xeque uma reflexão pessoal acerca dos valores, ideais e ações que tornaram, ou não, a vida de cada sujeito como satisfatória para si mesmo. Tal reflexão foi exprimida nos seguintes termos: E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: ‘Esta vida, como você está vivendo e já viveu, você terá de viver e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de su- ceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem – e assim também essa aranha e esse lugar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!’. – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimen- tou um instante imenso, no qual lhe responderia: ‘Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!’. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, ‘Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?’, pesaria sobre os atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela? (NIETZSCHE, 2009, p. 230). 81UNIDADE IV Filosofia Contemporânea CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos verificar nesta unidade como alguns pensadores contemporâneos assi- milaram a racionalidade e suas crises epistemológicas e morais. Percebemos que nesse período houve uma ressignificação da filosofia, procurando situá-la em um novo lugar no panteão do conhecimento humano. Além disso, podemos entender como a linguagem e a construção de narrativas assumiram um novo posto na reflexão filosófica, tendência que foi trabalhada por boa parte do século XX e que ainda é trabalhada no século XXI. 82UNIDADE IV Filosofia Contemporânea LEITURA COMPLEMENTAR Como leitura complementar, recomendo os seguintes textos, sendo o primeiro uma síntese breve da filosofia de Nietzsche. Já o segundo é um apanhado geral sobre a feno- menologia de Husserl e sua recepção na França na primeira metade do século XX: GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo - SP, Publifolha, 2000. PERIUS, Cristiano. Três Definições da Fenomenologia. Natal - RN, Princípios, v. 25, n. 47. 2018, p. 121-141. 83UNIDADE IV Filosofia Contemporânea MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: A Filosofia do Século XX. Autor: Remo Bodei. Editora: EDUSC. Sinopse: As diferentes e contraditórias experiências filosóficas deste século expostas num painel elucidativo e inovador, por meio de uma linguagem rigorosa e transparente, que não perde de vista as importantes descobertas das ciências ‘exatas’ do período - como o pensamento matemático e a relatividade - e das ciências sociais - especialmente a sociologia. FILME/VÍDEO Título: Tempos Modernos. Ano: 1936. Sinopse: Um operário de uma linha de montagem, que testou uma “máquina revolucionária” para evitar a hora do almoço, é levado à loucura pela “monotonia frenética” do seu trabalho. Após um longo período em um sanatório ele fica curado de sua crise nervosa, mas desempregado. Ele deixa o hospital para começar sua nova vida, mas encontra uma crise generalizada e equivocadamente é preso como um agitador comunista, que liderava uma marcha de operários em protesto. Simultaneamente uma jovem rouba comida para salvar suas irmãs famintas, que ainda são bem garotas. Elas não tem mãe e o pai delas está desempregado, mas o pior ainda está por vir, pois ele é morto em um conflito. A lei vai cuidar das órfãs, mas enquanto as menores são levadas a jovem consegue escapar. 84UNIDADE IV Filosofia Contemporânea REFERÊNCIAS ABELARDO, Pedro. Lógica Para Principiantes. Tradução de Carlos Arthur Ribeiro do Nas- cimento. São Paulo – SP, Editora Unesp, 2a edição, 2006. AGOSTINHO. O Livre-Arbítrio (De Libero Arbitrio). Tradução de Nair Assis de Oliveira. São Paulo - SP, Editora Paulus, 1995. AQUINO, Tomás de. De Regno. Tradução de Francisco Benjamin de Souza Neto. Petrópo- lis - RJ, Editora Vozes, 1997. ARISTÓTELES. A Política. Edição bilíngue,tradução de Antônio Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes.Lisboa, Imprensa Nacional –Casa da Moeda, 1998. Coleção Vega, Universidade de Ciências Sociais e Política. ARISTÓTELES. Ética Nicomáquea e Ética Eudemia. Madrid, Editorial Gredos, 1993. Tadúccion por Julio Pallí Bonet. ARISTÓTELES. 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Curitiba-PR, Editora Intersa- beres, 2019. 85UNIDADE IV Filosofia Contemporânea CARNAP, Rudolf, HAHN, Hans, NEURATH, Otto. A Concepção Científica do Mundo – O Círculo de Viena. Campinas - SP, Cadernos de História e Filosofia da Ciência I0, 1986, pp. 5-20. CARNAP, Rudolf. The Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of Language. Logical Positivism, ed. A.J. Ayer. New York - NY, Free Press,1959, p. 224 – 264. CHIBENI, Silvio Seno. Locke e O Materialismo. Moraes, J.Q.K. (org.). Materialismo e Evo- lucionismo. Campinas - SP, Coleção CLE, v. 47, p. 163-192, 2007. DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo – SP, Editora Martins Fontes, 2a edição, 2005. GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995. GUERIZOLI, Rodrigo. Guilherme de Ockham e os Poderes Causais das Cognições Intuiti- vas. Rio de Janeiro - RJ, Analytica, volume 17, número 2, 2013, p.181 – 198. HOBBES, Thomas. 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