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PALMEIRA, M. Política, Facções e Voto

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POLÍTICA, FACÇÕES E VOTOl
MoacirPalmeira
As imagensmaisfreqüentementeassociadasà políticalocal
noBrasilsãoadomandonlsmoexclusivistadochefepolíticosem
competidoresouade-m~~icípiosdivididosentreduasfacçõesou
partidosafrontando-sepermanentemente,muitasvezesdeforma
violenta,emtornodocontroledopoderlocaledoacessoaosque
controlamopoderregionalenacional.Apesardoqueambascon-
têmdeverdadeiro,esemqueosqueasutilizamsedêemnecessa-
riamenteconta,elas_tIlinimizam9_cp~oeo_sigrüfi<;adosocialdo
processo~i!:9.!~1.A primeirareduzoprocessoeleitoralaumafar-
sa;asegundaassinalao acirramentodeânimosepaixõesprovoca-
do pelaseleições,semquestionar,porém,asuaextensãoe o seu
significado.
Paradoxalmente,nãosãoimagenscoladasa interpretações
conflitivasdeprocessospolíticospassadosou atuais.Sãoimagens
quecoexistemnosmesmostextos,nosmesmosautores.Em alguns
casos,elassãoexplicitamenteremetidasa umacertaevoluçãode
umasituaçãodedomínioabsolutodepotentadosaumaoutrade
poderjáquestionado(VilaçaeAlbuquerque1965:17-21,31-41).
Algunsautoressugeremumacertadiferenciaçãogeográficaou de
estilosdeexercíciodeumtipodedominaçãoqueseriabasicamente
o mesmo(VilaçaeAlbuquerque1965:43-45;Sá 1974:77-108;
Leal1975:22).Essetipo dedelimitação,todavia,nãoécapazde
darcontadetodasassituações- talvezasdemaiorfreqüência
empíricanaliteratura- emque,deformaaparentementeabsur-
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o MOACIR PALMEIRA
da, a dominaçãoexclusivae absolutacoexistecom lutasfaccionais
intensas2 •
Daniel Gross (1973)resolveupartedaquestão,aomostrarque
o exclusivismode mando de um chefepolítico correspondea um
momentodeumciclo.Criadoum município,o seu'fundador'exerce
um poder semlimites atéo momento em que o chefepolítico de
um distrito lhe comeceafazeroposição.O acirramentodo conflito
acabaprovocandoadivisãodo município egarantindoum período
depazaambososmunicípios, atéque,emcadaum deles,o proces-
sosereinicie3. Essaidéiado ciclo deumafacçãonãoéestranhaaos
políticos, mesmoquandoa possibilidadede fragmentaçãodo mu-
nicípio, por querazõesseja,nãosecoloca.Um político do sertãode
Pernambuco,candidatoderrotadoa prefeitonaseleiçõesde 1992,
dizia-meno início de 1995,animadocom divergênciasqueapare-
ciamnafacçãoadversáriaedeolho naseleiçõesde 1996:"O queeu
vejo hoje é que o grupo dosmeninosestáchegandoaondechegou
o nosso.Cresceudemaise aí ninguémsustenta.Todo mundo quer
ser [candidatoa prefeito].Uma tendênciade divisão..."
Essaidéiado ciclo é capazde ordenar,num período maislon-
go, momentosde unidade(deexercícioda dominaçãosemcontes-
taçãopública) ede luta abertaentrepretendentesà chefiapolítica,
masnão nos diz muito sobrecomo a dominaçãoé exercida, o que
representamaseleiçõesou como osquesãoobjetodedominaçãose
movemdentrodesseesquema.Quando aproximamosmaiso nosso
olhar - tendo,obviamente,como referênciaum tempomais res-
trito - de situaçõescomo aquelasanalisadaspelaliteratura,cons-
tatamosque a polarizaçãodavida daslocalidadesdo interior entre
'situação'e 'oposição',emespecialdassedesdosmunicípios, parece
serum processocorrenteegeneralizadoe, também,queo exercício
ou a pretensãoao exercíciodo poderabsolutoediscricionáriopelo
adversárioéobjetonãoapenasdedenúncias,masdo medodemui-
tosdos quesão'do outro lado'.Mas issoserestringeà política. E a
p()líti<::<1.para essaspopulaçõesnão é uma atividadeP<:l'lIlª!le..~_tee
nemseconstituiemum domínio delimitadodeatividades.Política
é identificadaa eleiçõese, sintomaticamente,o período eleitoralé
chamadode tempodapolítica, épocadapolítica ou simplesmente
política.Não setratade merasinonímia e muito menosde expres-
sõesde criaçãodesseou daqueleindivíduo. Está emjogo um certo
POlíTICA, FACç6ES EVOTO •
calendário,1J,!il c~rtorecortesocialdo tempo,com implicaçõestão
objetivasquanto aquelasque decorremda delimitaçãodo tempo
do plantio e da safra,ou do tempodasfestaseda Quaresma4•
Pensara política como uma atividadenão permanentenão é
tãoestranhoassimparaasciênciassociais.Max Weber,que,com a
suateoriada dominação,acaboufornecendoo paradigmaou em-
prestandoo nomeaoquesetransformounumaespéciedehorizon-
te da ciênciapolítica de nosso tempo, afirmou, em mais de um
lugar,que ascomunidadespolíticas não sãonecessariamenteper-
manentes(Weber1964:661ss.). E Radcliffe-Brownlembrou, num
dos textoscanônicosdaAntropologia, quehá sociedadesem quea
'sociedadepolíticà semanifestatemporariamente,ppr exemplo,nas
assembléiasreligiosas(Radcliffe-Brown 1961:xix). O quepodesoar
estranhoépensarnapolíticacomoatividadenãopermanenteH!,1ma
~Çlçi~d<ideem que elaestá,por assimdizer, contidanos limites do
"Ec~'!odo,uma associaçãopolítica caracterizada,entreoutrascoisas,
pelapermanência.Não éprecisoadotaro radicalismodesseúltimo
autor,queentendeo Estadocomo umaficçãocriadapelosfilósofos
(idem:xxiii) - esquecendo-seda, ou não acreditandona, realida-
dedasficções-, parapensarnaplausibilidadedeestruturaspolíti-
casnãopermanentesemsociedadesnasquaiso Estadodesempenha
funçõesessenciais.Funçõesestas,nunca é demaislembrar,'maio-
res'que o Estado.É preferívellembrarque asfacções,uma forma
de organizaçãopolítica identificadapor antropólogose cientistas
políticos emsistemaspolíticos osmaisdiversos,inclusiveem mui-
tosdos chamadosEstadosmodernos,têmcomo um deseustraços
mais consensuaisnão serempermanentes(Lasswell 1937;Firth
1957;Nicholas 1965;Mayer 1966;Gross 1973;Landé 1977)5.
Nas situaçõesqueestudamos,Q!C::IIlPO dapolítica representao
rnOrnel1t()ernqueessasfacçõessão.iden!ificadase em que,por as-
sim dizer,existemplenamente,emconflito aberto.É nesseperíodo
que aquelasmunicipalidadesse dividem de uma maneirapouco
habitualnosgrandescentros,comadistribuiçãoentreasfacçõesdo
próprio espaçofísicoda cidadeeo desenvolvimentode interdições
com relaçãoà freqüênciaa bares,farmácias,barbearias,em suma,
aos locais públicos controladospela facçãoadversária,que tanto
impressionaramos que estudarama política local no Brasil.Toda-
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D MOACIR PALMEIRA
via,seapolarizaçãoédelimitadanotempo,dentrodoslimitesdes-
setempoelaéaindamaisradicaldoquesepossaimaginar.
OsestudossobrepoderlocalnoBrasil- especialmenteaque-
lesrealizadosporpesquisadoresbrasileiros,queassociammuitofor-
tementeasfacçõespolíticasàs'famíliasdetipopatriarcal'dosgrandes
senhoresdeterra,e tambémasdescriçõesfeitaspor muitosestu-
diososestrangeiros,quesedeixamtomarporessaessa'representa-
çãonativà- tendema enfatizara suarelativafixidezdurante
períodosdetempomaislongose aacentuarumacertarigidezno
seurelacionamentomútuo,independentementedecalendáriosde
qualquerordem.Mas,seassuasexposiçõesressaltamosepisódios
ouasconsideraçõessobreosepisódiosquecaracterizamaquelaes-
péciede'guerrrapermanente'entrefamílias,parentelasoupartidos
queteriamarcadoahistóriapolíticabrasileiraatéo finaldaprimei-
rarepúblicae,emmuitasregiões,atéosdiasdehoje,elasnãotêm
comodeixarderegistrardivisõesdegrandesfamíliasou alianças
(viacasamento,por exemplo)entrefamíliasinimigasou, muito
antesdequalquer'crisedarepresentação',exemplosnumerososde
infidelidadepartidáriaedemobilidadeinterpartidária6• De modo
análogo,quandoadotamumenfoquemaismorfológico,escolhem
descrevertudoo queassinaleasfronteirasrígidaseo conflitoaber-
toentrefacçõeseahomogeneidadeinternadecadauma,paralogo
severemobrigadosa 'temperar'suasafirmaçõespor umadiscreta
contextualização("Issoeraparticularmenteintensoduranteo pe-
ríodoeleitoral"ou"Passadasaseleições,aspessoasdosdoisgrupos
tinhamumarelaçãonormal",parasereferiràs"hostilidadesper-
manentes"entrefacções)oua introduzirum'discursodaexceção'
("Àsvezesocorriadeparentessedesentenderemeatécandidatarem-
seporpartidosopostos").
Longedojá-se-sabe-quem-vai-ganhar,insinuadopelaimagem
domandoquaseabsolurodeumafacçãooudorevezamentoinevi-
távelentrefacçõesfixasearticuladasporumúnicotipodevínculo,
aseleiçõesrepresentamummomentocrucialnavidadessascomu-
nidades,cujodesfechoestálongedeseralgopreestabelecido.Nãoé
poracasoqueoprocessoeleitoralenvolvetantaemoçãoeque,mes-
moosanalistasmaiscríticos- contrariandoàsvezesseusprópriosesquemasexplicativos-, tenhamevidenciadoa importânciadas
eleiçõesparaavidasociallocaleparao funcionamentodeumcerto
POLíTICA, FACÇÓES E VOTO •
sistemade dominação, mesmonascondiçõesmaisviciosasou na
vigênciadesistemaseleitoraisdeparticipaçãorestrita7. Corno afac-
çãoforado tempodapolíticaseresumeaoschefespolíticos ea uns
poucosseguidores- emborasejaurnareferênciafundamental-,
adisputaeleitoraléexatamenteurnadisputaparaincorporaro maior
número possívelde pessoas,o maior númerode apoiosa cadafac-
ção.É o seuladodasociedadequetemqueseraumentado.Estáem
jogo, pois, urna disputaque é mais ampla que a disputa eleitoral
stricto sensu.Está em questãotanto a tentativade acessoa certos
cargosde mando, quanto o peso relativode diferentespartesda
sociedade,o que é decisivopara a ordenaçãodas relaçõessociais
duranteum certoperíodode tempo.
Nessascircunstâncias,mais do que urna escolhaindividual,
~c~JJªciaounão, ()_~ototem o significadode urna adesão.Numa
eleição,o que estáemjogo, parao eleitor- e a palavraservepara
designartantoaquelequeestálegalmentehabilitadoavotarquanto
qualquermembrodacomunidadeaquemo processoeleitoralpos-
sainteressar- não é escolherrepresentantes,massituar-sede um
~asociedade que,cornolembramosacima,-~ãoéum lado fixo.
E, emsetratandodeadesão,tantoquantoo voto, pesaadeclaração
gú1:>licªantecipadado voto. Diferentementedo quenosacostuma-
mosavernasgrandescidades,o fatodealguémterum cartaz,urna
fotografiado candidatoou o nome do candidatona porta da sua
casa,equivalea urnadeclaraçãodevoto. E maisainda,é urnasina-
lizaçãode ql!e_()dono da casapertencea urnadeterminadafacçãQ.
Manipulaçõesd-essaassociaçãoentrea propagahdana fachadae o
voto - cornoadoscandidadatosque,nosmesesqueantecedemas
eleições,distribuemcestasde alimentosentrefamíliasda 'periferia'
equesevalemdaqueleexpedientedeidentificaçãodosbeneficiários
paracriar a imagemde um apoio amplo a suacandidatura- só
servemparaconfirmar suaeficácia8. Eficácia tanto maior quanto, 45
ao 'emprestar'seunomeou seurosto,com intençãomanipulatória
ou não,o candidatobeneficia-sedacoerçãomoral daadesãopúbli-
ca reconhecidano 'retratona porta'.
Se o voto-escolhaé urna decisão,urna decisãoindividual, to-
rnadacom baseem certoscritérioseem um determinadomomen-
to, a adesão(~!!1_processoque vai comprometendoo indivíduo,
ou~Jamília, ou algumaoutraunidadesocialsignificativa,aolongo
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D MOACIR PALMEIRA
dotempo,paraalémdotempodapolítica.Masesteéumprocesso
diferenciado,queassumefeiçõesdiversasparadiferentesposições
ou categoriassociais,e quepodeassegurarmaiorou menormar-
gemdeescolhaedeindividualização.
Há umaadesão(eo termoaquinãoseriamuitoadequado)
vinculadaacertas'lealdadesprimordiais',àsoliclariedagefamili;u,
a()slaçosdeparentesco,amizade,vizinhança.Nessetipodesocie-
dade,a vinculaçãofamiliaré particularmeteimporta!1,te.Mesmo
quandonãoestáemjogoamilitânciapermanentenumafacção,as
obrigaçõessociaisquealguémtemparacommembrosdesuafamí-
lia estendem-seà esferapolítica.Há umaexpectativageraldeque
umcandidatocontecomosvotosdeseusparentese,comrelação
aoeleitorindividual,dequeele,tendoumparentecandidato,vote
neste.Dependendodo graudeparentescoou da intensidadeda
militânciadealguémnafacçãolideradaporumparenteseu,écon-
sideradoindelicadoabordá-Ioparapedirvotoparaoutrocandida-
to. Dispor de umafamíliagrandeou contarcom umaextensa
parentela,hoje,comonopassado,éumcapitalpolíticonãodespre-
zívelparaquemdisputaumcargoeletivo.
Issonãosignifica(quefiqueclaro!)postulara existênciade
umacorrespondênciaentrecertasrelaçõesinstituídas,comoasre-
laçõesdefamília,eo pertencimentoaumdeterminadopartidoou
facçãopolítica;e,ainda,autilizaçãodedeterminadosinstrumentos
políticosdotipo'votodefavor'.Eu diria,aocontrário,queparece
haverumacertaautonomiaentrea'lealdadedovoto'eas'lealdades
fundamentais'afamiliaresouparentelas.Essas4iferenteslea1<ta,cles
podemconvergir,masissonemsempreé verdade;podeou não
acontecer.Não meparecequeasdivisõesfamiliaresnapolíticase-
jamfatosexcepcionaisouefeitosrecentesdeumacertadecomposi-
çãoda'ordemtradicional'.A lealdadepolítica,lealdadedovoto,é
adquiridaviacompromisso:elanãoimplica,necessariamente,liga-
çõesfamiliaresouvinculaçãoaumpartido;alealdadepolíticatem
avercomo cOl11promissopessoal,comfavoresdevidosaumade-
terminadapessoa,emdeterminadascircunstâncias.Elaarticula,na
verdade,umaoutraesferadesociabilidadee,eventualmente,asdi-
ferentesesferaspodementraremconflito.
POLíTICA, FACÇÕES E VOTO •
Parentesou não,aspessoasrelacionam-se,no dia-a-dia,através
demúltiplos fluxosdetrocas,queasvãovinculandoumasàsoutras,
confirmando ou não relaçõespreexistentes,cuja interrupçãoé ca-
pazdegerarconflitosou redefinirc1ivagensdentrodeumacomuni-
dade.Via de regra,estãoemjogo ajudasou pequenosfavores,que
vão sendosaldadosao longo do tempoe que permitema inversão
freqüentedasposiçõesde quemdáou recebe.
Mas há tambémgrandesfavoresou ajudasmaioresque são
buscadosfora, junto a quemtemcondiçõesde fazê-Ios,por dispor
de dinheiro, prestígioou de um capitalde relaçõespessoaissufici-
enteparamobilizar recursosdediferentesespéciesdemodo a aten-
deràssolicitaçõesfeitas.Essesfavores,como empregopúblico para
um membroda família, atendimentogratuitonum hospitalpriva-
do ou atendimentoespecialnum hospitalpúblico, um grandeem-
préstimoemdinheiro,serviçosadvocatíciosgratuitos,nãotêmcomo
serrepostosno dia-a-dia.A eleiçãopode sersenão um momento
de saldar,pelo menosde amortizarparteda dívida, a ajuda sendo
retribuídacomovoto.Quanto aestepontonãoapresentamosgrande
diferençaem relaçãoao quetemsido relatadopelaliteraturasocio-
lógicainternacionalsobrepatronagemec1ientelismo.Todavia,nos
casosqueestudamos,ascoisasparecemserum pouco maiscomple-
xas.Favoresou ajudas,grandesou pequenos(semque issosuprima
o quefoi dito antes),supõem,de um lado, um pedido e, de outro,
uma promessa,ou seja,diferentementede outras formas de reci-
procidade,sllEõemQ e~flhg4~1'<llavra dasduaspartes;portan-
to, 2!-~-'P:essasrecíprocas:apromessadaretribuiçãoeapromessado
atendimento.A reiteraçãodessastrocasdentro de um mesmocir-
cuito, mesmonaquelescasosemquenãohá um empenhoexplícito
e público da palavra,é reconhecidacomo algo que cria um com-
promisso,um vínculo queenvolvea honra dos parceiros.Na hora
devotar,aspessoasvotamna ('acompanhamà,como sediz) facção 47
emqueestãoou emquevotamaspessoascom quemtêmcompro-
misso(com quemestãocomprometidase/ou com quemsesentem
comprometidas).
Por outro lado,comoasprópriasaçõespolíticas(açõespróprias
do tempoda política)supõempromessasrecíprocas- a promessa
do candidatoea promessado eleitordevotarno candidato-, elas
seenquadramno modelo do favor/ajuda.Assim, mesmoquando
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o MOACIR PALMEIRA
nãohácompromissospreexistentes,asaçõespolíticassãocapazesde
gerarcompromissos.E boapartedaartedo políticoconsistiráem
conseguiradesõesatravésdecompromissoscriadosporsuaprópria
açãonaépocadapolítica,istoé,criadosnaprópriacampanha.
É por aí quesepodepensaradistribuiçãofartadediferentes
tiposdebens,dodinheiroaocolchão,quemarcaasdisputaseleito-
raisno interior.O recebimentodeumbemmaterial,no tempoda
política,tantoquantoum serviçopensadocomofavorou ajuda,
foradotempodapolítica,fazoeleitorsentir-secomprometidocom
o candidato.Aliás,amelhorprovadaeficáciadessecompromisso
sãoosresultadosdesastrososparaalgunspartidosoucandidatosde
suaorientaçãode"pegaro dinheiroe votarno candidatodesua
consciênciá'.A menosqueo autordaconsignatenhaumcarisma
verdadeiramenteextraordinário- quefaçacomquesuarecomen-
daçãosejapercebidacomoumaordemtãolegítima,quepossase
sobreporaoscritérioscorrentesde legitimidadee honrapessoal
embutidosnapalavraempenhada- o recebimentodeum bem
levao eleitoravotar'naturalmente'noseudoador.
Essadistribuiçãodebensé inerenteaoprocessoeleitoraltal
comoconcebidonasáreasestudadas.Seráprecisodeterminar,com
rigor,aespecificidadedecadatipodebemqueentranatransação
dovoto.Issoéfundamentalporquenãoapenasosquevêemopro-
cessodefora,mastambémpessoasegruposenvolvidosdiretamen-teno processopolíticolocal,referem-secomgrandefreqüênciaà
'comprade votos'ou ao 'votopor dinheiro',quandonão à sua
mercantilizaçãoe à forçacrescentedo 'podereconômico'naselei-
ções.E mais:háumatendêncianítidadeessaspessoasapontarem
qualquertipodetransaçãomaterialcomoimplicando,emúltima
instância,determinadosvaloresmonetáriose,portanto,comosen-
do umprocessodecompraevenda9•
Engana-se,todavia,quemacharqueobservadoresde forae
participantesdo processoestãodizendoa mesmacoisa.No caso
dosprimeiros,estáemjogoadenúnciadeprocedimentostidoscomo
espúrios.No casodosúltimos,estáemjogoo usodeumaretórica
capazdeatrairapoiosexternoscontraaspossibilidadesdeusoinde-
vido de instrumentosquesempreforamacionadosemprocessos
eleitorais,masque,usadosforademedida,sãocapazesdeprovocar
POLíTICA. FACÇÓES E VOTO •
desequilíbriosqueameaçariamnãoapenaseventuaischefiaspolíti-
casmaso próprio significadosocialdaseleiçõesparaessaspopula-
ções.Engana-se,portanto, uma segundavez"quem achar que a
'compra de voto' é privilégio de uma ou outra facçãopolítica; e
umaterceiravez,quemacharquea denúnciadecompradevotosé
exclusividadede algumasdelas.
Com exceçãode uns poucos e pequenospartidos ou grupos
políticos programáticos,o queécondenadoéo usodo dinheiro ou
deoutrosbenssemamediaçãodo compromissoparadesfazercom-
promissospreestabelecidoscomo modalidadeexclusivaou princi-
paldetentarobtervotos;ou autilizaçãodequantidadesdedinheiro
no processoeleitoralnãoproporcionaisà capacidadefinanceirados
demaiscandidatos;ou ainda, a mercantilizaçãode certoselos das
redessociaisque se estabelecemno tempo da política, até então
preservados.
Um candidatodar umacertaquantiadedinheiro a seuscabos
eleitorais(mesmoestimandoque há um preçomédio por eleitor)
paradespesasde campanhaem suaáreade atuação,assimcomo a
distribuiçãode refeiçõesou a doaçãodepequenasquantiasa possí-
veiseleitores,é consideradoabsolutamentenatural.Entretanto, é
condenáveldar umaquantidademaior de dinheiro ao caboeleito-
raldeumadversárioparaqueele,virandodelado,abertaou disfarça-
damente, passea fazer essasmesmascoisas a seu favor. Como
tambémécondenadaadistribuiçãodiretadequantidadesconside-
radaselevadasde dinheiro, condicionadasaovoto; ou condenados
osgastosconsideradosexcessivoscom propaganda;ou aindaa dis-
tribuição ilimitada de certosbens,como ascamisetascom nomes
decandidatos.É curiosoqueao 'votocomprado',secontraponhao
'votoconsciente',expressãodo vocabuláriodasformaçõespolíticas
deesquerdaparadesignaro voto ideológico,masque,aqui, passaa
significarvoto numa facção,que, no momento, estáempenhada
em estigmatizaros ganhoseleitoraisdo adversário.
Como o queestáemjogo nãoé umaescolhamasumaadesão,
o voto nãosuscitaa elaboraçãode critériosprévios,como no voto-
escolha,em que seesperado eleitor (sob penade serconsiderado
um indeciso)acapacidadedelistarosatributosdo candidato,ou do
partidodesuapreferência,ou suasprópriasmotivaçõespessoaispara
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o MOACIR PALMEIRA
escolherA e não B. Nas situaçõesestudadas,ou setem umaespécie
dededal."açãopréviadeadesãoaumafacção,emfunçãodecompro-
missospublicamenteconhecidosou da manipulaçãode emblemas
como os cartazesafixadosna frentedascasasou do usode coresde
um determinadopartidoou candidato,ou, ainda,da freqüentação
dos locaisidentificados,duranteo tempoda política, a uma deter-
minadafacção,ou, então,o quesetemé:liustific;],tiva,quasesem-
pre a posteriori,não do voto, masd~voto quenão foi dado.
Essaúltima expressa,a um sótempo,a imprescindibilidadede
todo equalquereleitorsituar-senumadaspartesem queasocieda-
desevêcÍndidaeo conflito entrecompromissosou entre'lealdades
primordiais' e compromissospolíticos. Frasescomo "souseuami-
go, lhe devofavores,mastive quevotarem Fulano porqueme fez
um favormuito grande";"sempreacompanheio nossopartidomas,
esteano,voteino outropartidoporquemeuirmãosecandidatou...";
ou "nem que meu pai mandasse,eu não votaria num candidato
dessepartido", ditas por eleitores,não apenasa candidatos- o
que é inteiramentecompreensívelnuma sociedadeem que todos
praticamentese conhecem- mas também a não importa que
interlocutor com quem conversemsobreeleições,sãomoedacor-
rentenosdiasqueantecedeme, sobretudo,nosdiasqueseseguem
àseleições.Como essesconflitossãoresolvidos,istoé,comoseche-
gaaosarranjosindicadosnessasjustificativas,éum outro capítulo.
Ao contrárioda simplesconfirmaçãodo mando de um deter-
minadochefepolítico ou facçãosobreumamesmaclientela,aselei-
çõessãoa ocasião,por excelência,paraasmigraçõesentreJagões.
O tempoda política é o tempoem que sãopossíveisos rearran]~s
ou em que são formalizadosos rearranjosde compromissosque
foramsedandoentreduaseleições,que,deoutraforma,continua-
riam sendolidos como ingratidõesou traições.Mesmo quando o
resultadoé a confirmaçãodo mandoda mesmafacção,essesmovi-
mentossãofundamentais.Entre duaseleiçõesmuita coisasepassa:
conflitos interpessoaisinviabilizama permanênciade duaspessoas
na mesmafacção;favoresde diferentes.fontescriam paraum mes-
mo indivíduo, ou paraumamesmafamília,problemasdelealdade,
e assimpor diante.O tempoda política équepermitirámudanças
de fronteiracapazesde readequara sociedadeà imagemquefazde
si própria.
POL!TlCA, FACÇÓES E VOTO •
A buscade adesõesnão passa,então,pelacaçaao eleitorinde-
ciso.Essa,aliás,é uma figurapolítica inexistentenessetipo de co-
munidade. A indecisão- o 'não sei em quem vou votar' - é
automaticamenteassociadaaovoto não declaradona outra facção.
O eleitordisputadopeloscandidatosepor seuspartidáriosé()é:lei-
tor de voto múltiplo (isto é, aqueleque, por sua inserçãosocial,
defIneseupróprio voto e o de pessoasa elevinculadaspor algum
tipo delealdade),envolvidoemou administrandoconflitoscapazes
dejustificarmudançasdelado:éo paide&D:!ÍlLaenredadopor com-
promissoscom diferentespessoase quepoderá,quemsabe,dividir
organizadamenteos votos de seusdependentes;é o sindl~a!ista
incompatibilizado,por algumarazão,com o político em quemvo-
tou naeleiçãoanterior;éo ca~oeleitoral'profissional'preteridopor
seuchefeemfavorde algumdesafeto;é o U<i~r4eulllnovo grupo
religioso,ávidopor estabelecercompromissosqueo legitimem.
Mas, hoje emdia, a luta maisintensapor adesões,ou simples-
menteporvotos,sedá alémdesseslimiteseemternosqueinvertem
a buscatra.dicionalde adesões.Nas últimas décadas,contingentes
crescentesdetrabalhadoresruraistransferiram-sedefazendas,sítios
e povoadosparaas chamadas'periferias','bairros'ou 'favelas'das
cidadesdo interior.Se, em certasáreas,mesmofora da terra,esses
trabalhadorespermaneceramnaatividadeagrícolaemantiveramseus
postosde trabalho,outrasvezes,ocorreuumadiversificaçãode ati-
vidadese uma grandemobilidadeem buscade empregoou terra
para arrendar.Neste último caso,a referênciaoferecidapelasfac-
çõesdeixou de operarnos termosem que operavaantes.Por um
lado, situaçõesde desempregoe suasseqüelas,ou mesmocrisesde
outranatureza,geraramumademandaindividualizadacrescentede
assistênciaàsprefeiturasou aospolíticosdosmunicípios; por outro
lado,essemesmofatoemaisamobilidadedessaspopulaçõestorna-
ram mais difíceisaspossibilidadesde compromissos.Os compro- 51
missastornaram-se,então,maisestritamenteeleitorais.
Ainda umavez,todavia,nãoestaráemjogo o 'eleitorindeciso',
maso eleitorpotencial'emdisponibilidade'.Disponibilidade rela-
tiva,lembre-sedepassagem,pois, emborasetratede alguémsocial
e, muitasvezes,espacialmentedeslocado,os códigosculturaisma-
nipuladospermanecemosmesmos.Não épor acasoqueos candi-
datoscontinuarão a abordá-Ianos mesmostermosque abordam
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o MOACIR PALMEIRA
não importa queeleitor,valendo-sede ajudas,favoresepromessas,
capazesdefazê-Iosentir-secomprometidocom eles.Seo 'votopor
dinheiro' ou a 'comprade voto' encontramelhorescondiçõesfor-
mais parase tornar uma realidade,essanão é, ao menos por en-
quanto,a mudançafundamental.
A grande inversãooperadapela caçaao voto nas 'periferias'
seráexatamente;J,'procurado voto dequemnãotemvínculos.Nãocom um apelocategorialaovoto dos'trabalhadoresruraisexpulsos'
ou algoque o valha,mascom a tentativade comprometerindivi-
dualmenteeleitoresenquadradossocialmentepor novos recortes
sociais.É o casodas 'mulhereslargadas',que eram efetivamente
numerosasna cidade,cujo processoeleitoralacompanheipessoal-
mente,no sertãode Pernambuco.Como, habitualmente,a nego-
ciaçãodo votopassapelohomemchefedefamília,amulherinexiste
como eleitoraindividual. A condiçãode 'largadas',isto é, abando-
nadaspor maridos-paisenãoreabsorvidaspelasfamíliasdeorigem,
tornaesposasefilhasexistentesparao processoeleitoral.Desprovi-
dasdaexperiênciamasculinada n"egociaçãodo voto, elassetornam
um dos públicos selecionadosparaa atividadede candidatosque
querem fazer pender, a seu favor, a balança que as ocorrências
intereleitoraiseacampanhadesenvolvidanosmoldeshabituaisincli-
nariamparao outro lado.A subversãorepresentadapelovoto con-
servadorda 'mulher largadà,dos 'desempregados'(geralmente,os
desempregadosda firma tal), dos 'velhos',dos 'quenão sãodaqui'
transpareceduplamente:nadenúnciada'compradovoto'feitatanto
peloschefespolíticosmais'tradicionais'quantopelossindicalistase
militantesdeesquerda,o queencontrarianas'periferias'asuareali-
zaçãomaiscompleta;no seuelogiocomum à 'sinceridadedo voto
do campo'.
A associaçãoentreYQ~oecicl'lclªl1iatorn()u~seautºI]Já);ü:-ªpaG!
cl!5>S$osel1so(comum) intelectual.Talvez,pelo papelhistórico que
representouem muitos países. Na verdade, cada vez que essa
vinculaçãotem sido assumidasocialmente,apresentaconseqüên-
cias importantespara o desenvolvimentoda democracia.Não se
trata,todavia,de algofácil.A adoçãodo voto universalnão intro-
POLfTICA. FACÇÓES E VOTO •
duzautomaticamentevaloresligadosà.l_déiadedemocraciarepre-
sentativa.Não porumaqualquerausênciadeconhecimentosdos
eleitores,maspelofatodequeovoto,comoqualqueroutroutensÍ-
lio institucional,nãoexistenumvazioculturalousocial.
o queprocureimostrarfoi como,nos marcosda política
f~c:c:ional,o voto,antesdeserumaescolha,temo significadode
umaadesão.Antesdeserpensadocomoumaindicaçãoderepre-
sentantesoumandatários,éconcebidocomogestodeidentificação
comumafacção.Antesdeserumadecisãoindividual,éumproces-
so envolvendounidadessociaismaisamplasquesimplesindivÍ-
duosou redesde relaçõespessoais.Isso,no entanto,longede
transformaraseleiçõesemalgosecundário,indicasuaimportância
centralparaa continuidadedasrelaçõessociaisemdeterminado
tipo desociedadee suaarticulaçãocoma própriatemporalidade
dessasociedade.
Parece-mequeessaimportânciasocialdo processoeleitoral
(identificadocomaprópriapolíticaemcomunidadescomoasque
estudamos)eusignificadoobjetivo(istoé,socialmentecomparti-
lhado)dovotopodemnosajudaraentenderduascoisas:o porquê
deinovaçõesinstitucionais(mesmoradicais)afetandoosistemaelei-
toraledemudançassociaisimportantes(comoasquesãoassocia-
dasàmonetarizaçãodaeconomia)serem,comrelativafacilidade,
reapropriadase reinterpretadaspelosquefazemoperaressesiste-
ma,aoqual,apesardaidade,nãofaltaplasticidade;o porquêde,
aindahoje,umséculodepoisdaadoçãodo sistemarepublicanoe
dosprincípiosdademocraciarepresentativa,alinharmosdemocra-
cia,representação,partidos,votoecidadaniacomoutopias.
I Este artigo é uma tentativade desenvolveralgunspontos de um outro
anteriormentepublicado(Palmeira1992).As afirmaçõesaqui feitasbasei-
am-sefundamentalmenteem resultadosde uma pesquisaquevenhoreali-
zandoháalgunsanos,junto comBeatrizHeredia,emPernambucoeno Rio
Grandedo Sul, sobreconcepçõesdepolíticade populaçõesrurais.Naquele
primeiro estado,trabalhamossobretudona áreacanavieirae no sertãodo
, i :;:''*"
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o MOACIR PALMEIRA
Pajeú.No Rio Grandedo Sul, concentramo-nosna regiãodeSantaRosa.O
leitorpoderáencontrarmaisinformaçõesaesserespeitoemPalmeiraeHeredia
(1995).
2 A visãorelacionalquetemVictor NunesLealdo 'coronelismo'- resulta-
do de um compromissoentrechefeslocaise o governoestadualou federal
- e a marca'governista'queneleidentificaajudama entenderaquelacoe-
xistência.A 'cartabrancadadaaoscoronéis,emtrocadevotos,pelosgover-
nosestaduaisdeixaespaçoparaumaatuaçãomaisbrandaou maisagressiva
comrelaçãoaseusadversários.Mas asuadependênciacomrelaçãoaogover-
no permitequeeste,havendoumamudançadegovernantesou simplesmen-
teum desentendimentoentreo governoestaduale o chefelocal, façaemer-
gir uma oposiçãoconhecidamassufocadaou, por assimdizer,aparecerda
noiteparao diaumaoposiçãoinexistente.Uma interpretaçãodessetipo não
permite,entretanto,perceberospontosdefissuraou, dito deoutramaneira,
quemeem quecircunstânciasé capazdesecontraporàchefialocal.
3 Bem antesdele,num trabalhode 1957,Maria IsauraPereirade Queiroz
(1969)chamavaatençãoparaesseprocessode segmentaçãoaplicando-sea
municípios,mastambéma capitaniasduranteo períodocolonial e sugeria
que,ao menosemparte,tambémfossecapazdeexplicarasbandeiras.
4 Essadescontinuidadeentrepolítica e cotidiano,cujapercepção,de certo
modo,mudouo rumodaminhapesquisa,já haviasidoassinalada,em1974,
no trabalhopioneirodeMaria AuxiliadoraFerrazdeSá,quesórecentemen-
teli. Trabalhandocomacategoria'movimento'- o " 'movimento'singular
daseleições"- FerrazdeSádescrevealgomuito próximodaquiloaqueme
refirocomo o tempodapolítica,emboraelaenfatizebemmaisa dimensão
deinversãodaquele'fatosocialextraordinário~emqueseconstituemaselei-
çõesmunicipais(Sá 1974:77-108).
5 Há múltiplasdefiniçõesdefacções,masentreosantropólogoshá um cer-
to consensode que se trata de unidadesde conflito, cujos membrossão
arregimentadospor um líder com baseem princípios variados.Em geral,
estãoemjogo conflitosconsideradospolíticos (envolvendoo usodo poder
público).As facçõesnãosãogruposcorporados(viaderegraosautorespen-
sam-nascomo quase-grupos,gruposdiádicosnãocorporadosetc.).Ao con-
trário de partidospolíticos,associaçõesou clubes(paraficarmosemexem-
plosmuito próximos)"asfacçõessão~rüdad~sskconflitoativacias~IILQC:<l~
~Lõ<::sespecífica~antesdo quemantidaspor umaorganizaçãoformal" (Mayer
1977:52)mas,comolembraNicholas,"queasfacçõesnãosejamcorporadas,
quesejambasicamenteimpermanentes,issonão significaque não possam
persistirpor um longo períodode tempo"(NiclIOlas1977:58).
6 Isso não escapouà ironia de Machado deAssis.Numa crônicade 1878,
comentaa notíciadequeosdois partidos"deumadasparóquiasdo Norte,
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POLíTICA, FACÇÓES E VOTO •
aparóquiadeS.Vicente(...) dividiram-seetrocaramasmetades".Depoisde
dizerignorar"o modo peloqualasduasmetadesdosdois programasforam
coladasàsmetadesalheias"efazermaisalgumasconsiderações,arremata:"O
ponto maisobscurodestenegócioéaatitudemoraldosdoisnovospartidos,
alinguagemrecíproca,asmútuasrecriminações.Cadaum delesvêno adver-
sáriometadedesi próprio. (...) Em vãobuscoadivinharpor quemodo esses
doispartidossingularescruzaramarmasno grandepleito;nãoencontroex-
plicaçõessatisfatórias.Nenhum delespodiaacusaro outrodesehaverligado
a adversários,porqueessemal ou essavirtude estavaem ambos;não podia
um duvidardaboa-fé,dalealdade,dalisurado outro,porqueo outro eraele
mesmo,osseushomens,osseusmeios,osseusfins.(...)" (MachadodeAssis
1994:16-17)
7 Lembrariaa importânciadasCâmarasmunicipaise da eleiçãodosverea-
dores- umadasúnicasocasiõesemqueoscolonoscompareciamàsvilas-
realçadapor Maria IsauraPereiradeQueiroz (1969)ea afirmaçãodeVictor
Nunes Lealdeque"o 'coronelismo'temsido,no Brasil, inseparáveldo regi-
merepresentativoembaseamplà' (Leal 1975:248).
8 Mais do queemqualqueroutro momento,nesseperíodoaspessoasestão
atentasadeterminadossinais.O depoimentoespontâneo,emtom deadver-
tênciaa um candidatoausentecom quemme identificava,de um dono de
hotelnumacidadedo sertãodePernambuco,poucashorasdepoisdefecha-
dasasurnasem 1988,érevelador: "A genteaqui no interior se acostuma
com essascoisasde eleição.A gentepercebequandoa coisaestávirando.
AviseiaCatonhoqueémeuamigo.A gentevai tododiaà cidade.Eu mesmo
vou trêsvezespor dia.E agentevaivendoquetemcartazqueestádesapare-
cendo,comícioquefica menor,entusiasmoquediminui, povo quevai fa-
landomenosdo candidato".
9 A tesedasubstituiçãodo 'votodecabresto'pelo 'voto-mercadorià,tradu-
zindo no planopolítico a monetarizaçãoda economiafoi desenvolvidapor
RobertoCavalcantideAlbuquerquenasuaintroduçãoao Coronel,Coronéis
(VilaçaeAlbuquerque1965).Ver,no mesmosentido,Sá (1973).
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