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FIL-09-Sócrates

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09. Sócrates: a busca do conhecimento
Por: Prof. Adriano Ferreira
Sócrates é considerado o fundador de uma nova tradição na filosofia ocidental, não por acaso chamada de tradição “socrática”. A partir dele, a filosofia deixa de preocupar-se com questões mais amplas, como o fundamento universal do SER e caracteres gerais da natureza, para focar o ser humano, ainda que situado na cidade (Pólis), como seu grande tema.
Duas frases ilustram o espírito filosófico de Sócrates:
1. “Conhece-te a ti mesmo” – tal frase, inscrita no templo de Apolo Delfo, foi tomada como uma missão por Sócrates. Ele considerava fundamental que todos, inclusive ele, antes de tudo, conhecessem a verdadeira essência de si. Só conhecendo suas limitações e suas potencialidades as pessoas poderiam pensar e, consequentemente, viver felizes. Seu papel, assim, torna-se ajudar as pessoas a encontrarem o auto-conhecimento;
2. “Sei que nada sei” – Sócrates constantemente afirmava que só possuía uma única certeza: que nada mais sabia. Em consequência, ele nunca se apresentou como uma encarnação divina da verdade, nem mesmo como seu porta-voz. Ao contrário: consciente de sua ignorância, sempre buscava o conhecimento; consciente de suas limitações, sabia que nunca alcançaria todo o conhecimento.
A vida de Sócrates mudou radicalmente quando recebeu uma revelação do Oráculo de Delfos, afirmando que ele era o mais sábio dos homens. Isso o espantou: como ele, que somente sabia que nada sabia, seria o mais sábio dos homens?
Seu espanto transformou-se em obsessão, e ele passou a procurar, em praça pública, aqueles cidadãos atenienses que eram considerados sábios. Convidava-os para uma “conversa”, formulando perguntas a fim de verificar se realmente possuíam o conhecimento que alegavam ter. O resultado de suas investigações confirmou o oráculo: todas as pessoas com quem conversara mostraram-se falsos sábios, pois não conseguiam sustentar racionalmente suas convicções, fatalmente caindo em contradições.
Assim, Sócrates compreende que era, de fato, o mais sábio dos homens, ainda que possuindo um único conhecimento certo e seguro, qual seja, o de que nada mais sabia. E conclui que o verdadeiro sábio parte do reconhecimento da própria ignorância, condição para empreender-se a busca da verdade.
Para ele, o conhecimento não é um estado da alma, ou um objeto que se possui, mas um processo, uma busca constante. A verdade plena existe, mas é muito maior do que qualquer humano. O sábio aproxima-se dessa verdade ao constatar que cada nova verdade parcial descoberta suscita um vasto e infinito campo de dúvidas, que levam a outras verdades parciais, resultando numa busca ininterrupta.
É preciso deixar claro que Sócrates, durante sua vida, sempre buscou diferenciar-se de outro grupo de pensadores, os Sofistas. Primeiro, conforme mencionado acima, ele acredita na existência de uma verdade plena; os Sofistas, por sua vez, acreditavam apenas nas verdades derivadas do consenso discursivo (se as pessoas concordarem quanto a algo, esse algo se torna uma verdade). Além disso, Sócrates não vende seus ensinamentos nem apresenta respostas às perguntas de seus discípulos. Ao contrário, seu papel é formular perguntas, instigar as dúvidas, abalar as certezas. Os Sofistas eram considerados professores, pois “ensinavam” respostas e certezas a seus alunos, úteis nos momentos de discussão.
Sócrates considera-se apenas um parteiro das almas, uma pessoa que auxiliava outras a terem ideias. Sua convicção era a de que todas as pessoas podiam ter ideias, pois possuíam uma capacidade inata para tanto. Seu papel não seria o de transmitir suas ideias às pessoas, mas de ensiná-las a terem suas próprias. Daí sua postura de “parteiro”: as ideias estão na alma das pessoas e ele apenas mostrará o caminho para que elas venham ao mundo.
Justamente o que Sócrates desenvolve e ensina é seu método (a palavra, originariamente, significa “caminho”) de busca da verdade. Esse método consiste num diálogo entre Sócrates e seu interlocutor, pelo qual mostrará a este o caminho que deve percorrer para descobrir a verdade de algo.
É interessante notar que, ainda hoje, recorremos ao método socrático quando temos uma “conversa séria” com alguém. Chamamos uma pessoa para uma conversa particular e tentamos mostrar a ela que suas opiniões divergem da verdade e que seus atos precisam ser modificados.
Com relação a Sócrates, talvez, a grande diferença está no fato de suas conversas serem, muitas vezes, em espaços públicos de Atenas e não necessariamente “em particular”.
O método socrático inicia-se com a exortação, ou seja, o convite ao interlocutor para o diálogo. Uma vez que o convite é aceito, começa a segunda fase, a indagação. Primeiro, durante a conversa, Sócrates ironiza as opiniões de seu interlocutor, ou seja, mostra, por meio de perguntas, que ele está iludido pelas aparências e pelos preconceitos.
Caso a ironia seja bem-sucedida, Sócrates desperta a dúvida na alma de seu interlocutor e ele está preparado para, sozinho, pensar e chegar às ideias verdadeiras sobre algo. Esse último momento é a maiêutica, ou, literalmente, o parto das ideias. Embora os caminhos tenham sido mostrados por Sócrates, é indispensável que o interlocutor os percorra sozinho, aprendendo, por si, a duvidar de suas descobertas e a incessantemente “parir” novas ideias.
Podemos perceber, pelas palavras acima, que Sócrates foi um filósofo admirável. Sua atuação, ao contrário daquela desenvolvida pelos sofistas ou pelos adeptos do mito, não traz respostas ou conhecimentos para as pessoas. De um modo mais profundo, tudo o que ele sempre pretendeu fazer foi transmitir o maior ensinamento que alguém pode receber: a arte de pensar.
Referências:
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia.

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