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10 - BIODIREITO

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Direito Civil – Bioética Biodireito 
10 - BIOÉTICA E BIODIREITO
Bibliografia
O Estado Atual do Biodireito – Maria Helena Diniz 
Biodireito – Héligda Seguim 
Disposições gerais: o art. 225,§1º, II da CF prevê a proteção do patrimônio e da diversidade genética. Há, portanto, uma revolução da proteção jurídica deste instituto. É que a evolução da ciência da saúde e a sua integração com todos os ramos do direito reclamam a imposição de limites jurídicos para as descobertas cientificas e os tratamentos dela decorrentes. Bioética é a ciência da sobrevivência. Essa expressão foi cunhada por Potter em 1971, nos EUA. A bioética, como ciência impõe limites às ciências biológicas, logo, faz nascer o biodireito, ou seja, o estabelecimento de limites jurídicos impostos às descobertas e pesquisas cientificas e aplicações da medicina. A construção dos limites éticos não são limites para atividade do profissional da medicina, mas limites para as próprias descobertas científicas. É que a ciência da saúde não diz respeito apenas à medicina. As ciências biológicas interessam à medicina, à psicanálise, à filosofia e ao direito. Em verdade, a bioética é resultado da importância do estabelecimento de limites em todas estas áreas. Dizer que a bioética é resultado da interdisciplinaridade ainda é pouco. Alguns autores como Boaventura Santos, defendem que, no mundo moderno, não se pode mais falar apenas em interdisciplinaridade. Esta expressão faz menção somente a um diálogo entre ciências constituídas. A importância é descobrir mais. É descobrir o diálogo que ocorre entre todas as formas do saber. Portanto, a expressão correta é multirreferencialidade, ou seja, o diálogo entre diferentes formas do conhecimento ainda que não se trate de uma ciência constituída. Quais fatores geram a necessidade de criação dos limites pela bioética e consequentemente dos limites jurídicos do biodireito? As descobertas científicas conspiram para a formação de um super-homem genético. Essa abstração faz nascer a necessidade de imposição de limites éticos e consequentemente jurídicos para as relações que envolvem as descobertas médicas e científicas. Houve, portanto, uma biologização do direito, pois hoje a ciência jurídica, que historicamente discutiu apenas questões legais, agora se depara com inúmeras situações que reclamam limites éticos. Não se pode confundir o biodireito com situações ambientais. Há uma tênue fronteira entre o macro-biodireito e o micro-biodireito. Em perspectiva ampla, toda e qualquer questão que diga respeito ao ser, a vida (humana ou não) diz respeito ao macro-biodireito. Esta é matéria estudada pelo direito ambiental, p. ex. pesquisas sobre os alimentos transgênicos. O que se estuda no micro-biodireito são as relações jurídicas específicas individualmente consideradas que não dizem respeito ao direito ambiental. Vale pontuar que ao tratar do micro-biodireito há tanto relações jurídicas persistentes, quanto relações jurídicas emergentes. As primeiras são situações que já reclamam posicionamento ético há tempos, p. ex. aborto, eutanásia. Situações emergentes são novas, criadas por pesquisas mais recentes, p. ex. maternidade por substituição. 
São fatores que justificam os limites jurídicos do biodireito
Progresso científico.
Socialização do atendimento médico. 
Universalização da saúde. 
Medicalização da vida.
Emancipação do paciente. 
Instalação de comitês de bioética.
Necessidade de imposição de um padrão de conduta moral.
Princípios do biodireito: se a bioética é estabelecimento de limites éticos aos conhecimentos das ciências biológicas; se o biodireito é a aplicação desses limites ao mundo jurídico; é indispensável estabelecer os princípios que norteiam esse novo ramo. Todos os princípios do biodireito devem ser conjugados com o sobre valor da dignidade da pessoa humana do art. 1º da CF, vale dizer, todos os princípios do biodireito são construídos para proteger a dignidade da pessoa humana. É também importante salientar a aplicabilidade imediata dos princípios a todas as relações jurídicas. Deste modo, esse feixe de princípios serve diretamente para a solução de conflitos. Portanto, há duas diferentes dimensões: de um lado, os princípios têm aplicação imediata e de outro eles servem para a solução de conflitos. 
Princípio da autonomia do paciente: o paciente é sempre sujeito e nunca será objeto do tratamento. Este princípio garante que a pessoa humana não pode ser objeto de experiências e pesquisas científicas. O art. 15 do CC está em consonância com este princípio.
Proibição de pesquisas científicas com seres humanos com capacidade de consentimento reduzida: afasta-se, aqui, o questionamento acerca da possibilidade de pesquisas científicas em grupos de pessoas com discernimento e declaração de vontade reduzidos. Ex. Presos têm a autonomia da vontade reduzida, por isso, não podem ser objeto de pesquisas cientificas. 
Consentimento informado: se prevalece a autonomia do paciente, há a fácil conclusão de que o consentimento informado é necessário, pois ele é desdobramento da boa-fé objetiva, é garantia do direito de informação. 
O paciente tem do direito de ter plena informação sobre o seu tratamento. Assim, toda e qualquer violação ao dever de informação periclita o consentimento informado. O paciente somente pode consentir com qualquer tratamento médico ou intervenção cirúrgica se estiver devidamente informado. Caso não esteja informado, o seu consentimento fica prejudicado. 
O campo em que se desdobra o maior volume de discussões sobre a matéria é o da responsabilidade civil do médico. A jurisprudência entende que a falta do consentimento informado gera a responsabilidade civil do médico. REsp 436.827. 
Nesse passo, se o médico inserir em contrato cláusulas de advertência sobre o consentimento, estas serão nulas de pleno direito. Não é possível falar em consentimento informado por escrito inserido em cláusulas em contrato de adesão. Estas não servem como prova de respeito à autonomia do paciente. 
Proibição de internação forçada: deve-se ter em conta mais uma vez a autonomia da vontade do paciente, uma vez que ele sempre será sujeito do tratamento e nunca objeto. Assim, o direito brasileiro proíbe a internação forçada. É que ninguém pode ser internado contra a sua vontade, salvo por exigência médica. A internação somente pode ocorrer em duas situações: vontade do paciente ou exigência médica. O STJ já se manifestou sobre a questão reconhecendo a vedação da internação forçada em razão da autonomia do paciente. HC 35.301.
Princípio da beneficência e princípio da não maleficência: estes princípios juntos conspiram no sentido de que todo e qualquer tratamento médico, intervenção cirúrgica ou qualquer outro procedimento que diga respeito à vida humana deve fazer bem sem fazer mal. Não basta que o tratamento traga um benefício. Ele deve, comprovadamente, não gerar prejuízo. 
Tratamentos e medicamentos experimentais somente devem ser propostos pelo médico se atender a exigência desse princípio. Ex. Alimentos transgênicos da L 11.105/05 (Lei de Biossegurança). Os grupos ambientalistas continuam discutindo a matéria porque a lei permite, dentro de um percentual, a fabricação de alimentos transgênicos, ou seja, de organismos geneticamente modificados em laboratório e não se tem certeza de que tais alimentos não fazem mal em longo prazo. Os grupos ambientalistas defendiam a não aprovação da lei até que houvesse a certeza da não maleficência, mas não foi o que aconteceu. Há, portanto, potencial violação a tal princípio. 
Princípio da justiça distributiva: não se confunde com justiça equitativa. A justiça equitativa é aquela que busca o bom, o justo, o virtuoso. A justiça distributiva quer dizer que se deve garantir um acesso universal da saúde. Traz a ideia de universalização do atendimento à saúde. Ex. Lei do SUS 8.080/84. Mas há uma advertência: não se pode falar aqui que toda e qualquer pessoa pode reclamar para si o que quiser. Assim, não é possível, p. ex. exigir que o Estado forneçaum medicamento experimental até porque este princípio deve ser harmonizado com o princípio da não maleficência. Um princípio não pode se sobrepor a outro. Outro ex. é a internação prolongada na UTI sem condições cientificamente conhecidas de melhora. Lembrar do caso concreto do bebê internado por mais de 700 dias na UTI. O direito não pode deixar de dialogar com outros ramos da ciência e da justiça e, neste caso, nem sempre busca o justo, mas a distribuição da justiça. 
Proteção jurídica: a personalidade humana traz três dimensões: corpo, alma e intelecto. Logo, os direitos da personalidade trazem também três dimensões: integridade física, integridade psíquica e integridade intelectual. O próprio CC fez questão de proteger expressamente a integridade física (art. 13, 14 e 15 do CC).
Art. 13: direito ao corpo vivo.
Art. 14: direito ao corpo morto.
Art. 15: autonomia do paciente. 
O biodireito projeta importante influência no campo da proteção dos direitos da personalidade. O STJ já entendeu que a tutela da integridade física é tão importante que a simples violação, ainda que sem sequelas permanentes, gera do dever de indenizar. Ex. Há o direito a indenização por violação da integridade física ainda que as sequelas sejam temporárias por conta, p. ex. do dano estético. REsp 575.576. 
A respeito do dano estético, o STJ editou a Súmula 387 que vem endossar a autonomia dessa espécie de dano, permitindo que possam ser cumuladas as indenizações por violação do dano estético e do dano moral. Esta súmula é consectário da Súmula 37 do STJ no sentido de que são cumuláveis as indenizações por dano moral e material.
Vale rememorar que o dano moral ou extrapatrimonial (gênero) é a violação dos direitos da personalidade humana. Mas, o rol dos direitos da personalidade é meramente exemplificativo. Assim, a violação da honra é chamada de dano moral (espécie), a violação da imagem é chamada de dano à imagem, a violação da privacidade é chamada de dano à privacidade, a violação da integridade física é chamada de dano estético. O que a súmula quer dizer é que é possível cumular indenizações por violação da honra e da integridade física. Resumindo, cada bem jurídico violado gera uma indenização autônoma. 
Questionamentos concretos do biodireito
Eutanásia e direito à morte digna (right to die): por conta da confluência da legislação penal, o direito repudia a eutanásia, partindo do princípio de que a vida deve ser mantida mesmo em situações adversas. Entretanto, é necessário observar a questão à luz de princípios do biodireito e, com fundamento neles, inicia-se o reconhecimento do direito à morte digna como corolário do direito à vida digna. Toda a discussão ocorre com fundamento no art. 15 do CC. A redação do dispositivo revela que de algum modo já é possível sustentar o direito à morte digna. Este direito deve ser visto não como o direito de por fim a própria vida, mas como do direito de abrir mão de terapias prolongadas e desnecessárias por não acrescentarem chances de cura, ou seja, que não geram proveito algum para o paciente, revelando-se inidôneas. 
O direito brasileiro admite o testamento vital ou biológico (living will)? Testamento vital ou biológico é o direito de dispor do próprio corpo em determinadas situações adversas. Se o direito brasileiro proíbe a eutanásia, em linha de princípio, repudia também o testamento vital. Porém, na doutrina brasileira, autores como Gustavo Tepedino, vêm sustentando a possibilidade de testamento vital como consectário do princípio da dignidade da pessoa humana. É que se a pessoa humana tem direito à vida digna, como conseqüência lógica, tem direito à morte digna. Entretanto, a construção se faz ainda somente em nível dos princípios do biodireito. 
Eutanásia X mistanásia: mistanásia é a eutanásia social. É o caso do médico que está sozinho no hospital e recebe uma quantidade grande de pacientes. Ele escolhe atender alguns pacientes em detrimento de outros. É o poder de deliberação sobre a vida e a morte de pessoas em determinadas situações. Infelizmente é situação comum no Brasil, em especial, em hospitais públicos. 
Transexual: é necessário diferenciar os conceitos:
Homossexual ou bi-sexual: diz respeito somente à orientação sexual. É o direito a autodeterminação sexual. Não diz respeito a aspecto algum da integridade física. O biodireito não se interessa por esta questão porque não existe influência na integridade física da pessoa.
Intersexual: é aquele que comumente é chamado de hermafrodita, ou seja, a pessoa que nasce com uma ambigüidade fisiológica de órgãos genitais. A medicina defende que há, num determinado momento, a preponderância física de um ou de outro sexo. Nesse momento, o sujeito tem a definição da sua sexualidade. A questão é puramente médica. A literatura médica entende que é possível até antecipar a opção com o tratamento hormonal. O direito somente se interessa pelo caso porque eventualmente a pessoa pode ter sido registrada com um sexo e no futuro, outro tenha sido o sexo prevalecente. Neste caso, deve haver a simples retificação de registro previsto no art. 109 da Lei de Registros Públicos. Trata-se apenas de procedimento de jurisdição voluntária que corre na vara de registros públicos com a intervenção do MP. Aqui, o juiz não está preso à legalidade estrita, nos termos do art. 109 do CPC. 
Transexual: é aquele que sofre de uma patologia físio-psíquica. É aquele que nasce com o corpo de um sexo e mente de outro: o fenótipo é diferente do biótipo. A Resolução CFM 1652/02 reconhece o transexualismo como patologia e pode haver, se necessário, a cirurgia de mudança de sexo sempre que o médico perceber que o estado psicológico é irreversível. Neste caso, o médico deve realizar a cirurgia adequando a realidade física com a realidade psíquica. Trata-se de direito do paciente, pois é tratamento médico. Vale destacar que, em linha de princípio, sob o ponto de vista da orientação sexual, o transexual é heterossexual. A realização da cirurgia independe de autorização judicial, pois fala-se aqui em verdadeira patologia clinica. O médico deve apenas se atentar para os requisitos da resolução 1652/02. Realizada a cirurgia de transexualização, a pessoa tem direito de alterar o seu registro civil? O STJ entendeu que o transexual tem o direito de alterar o nome e o estado sexual no seu registro de nascimento, independentemente de alusão do motivo da alteração (Sentença Estrangeira 1058-Itália). Mais recentemente, o STJ decidiu novamente no mesmo sentido e fundamentou a decisão justamente nos princípios da bioética e do biodireito. REsp 1.008.398. Havendo mudança de sexo, o transexual pode inclusive se casar e, caso haja controvérsia posterior, poderá ser o caso de erro sobre a pessoa. Maria Berenice Dias, indo mais longe, vem sustentando o direito do transexual à mudança de nome e de sexo no registro civil independentemente da realização de cirurgia, devendo comprovar apenas a condição de transexual. Já há julgados no TJ/RS.
Tatuagem e pircing: o art. 13 do CC reconhece a possibilidade de realização de tatuagens e piercing de acordo com o sistema jurídico brasileiro, vez que não implicam diminuição permanente da integridade física e não infringem os bons costumes. Alguns Estados da federação vêm editando leis de regulamentação da profissão do tatuador em nome da saúde pública. Não se pode confundir a situação jurídica da tatuagem e piercing com a situação do wannabe. Wannabe é a pessoa que sofre um sentimento de repulsa por determinada parte do corpo humano. Esse sentimento de repulsa faz com que a pessoa tenha o desejo de amputar determinada parte do corpo. O art. 13 do CC não tolera a prática do wannabe de amputação de parte do corpo. Aliás, toda e qualquer amputação de órgãos no direito brasileiro demanda exigência médica. 
Gestação em útero alheio ou maternidade por substituição: a Resolução CFM 1.352/92 trata da matéria. O direito brasileiro admite a gestação em útero alheio como procedimento médico de viabilização gestacional, apesar dos questionamentoséticos impostos pela igreja católica. O que não se admite é a gestação em útero alheio por futilidade médica.
São os requisitos para gestação em útero alheio trazidos pela Resolução 1.352 do CFM:
Plena capacidade das partes. 
Existência de vínculo familiar entre as mulheres envolvidas (mãe hospedeira e mãe biológica devem ser da mesma família).
Impossibilidade gestacional da mãe biológica. 
Gratuidade do procedimento (é indevida a expressão barriga de aluguel porque o procedimento deve ser gratuito).
Presentes tais requisitos, o médico pode realizar o procedimento de gestação em útero alheio independentemente de autorização judicial. Se houver prova do procedimento, o médico que realiza o parto já pode declarar que a pessoa nascida é filha da mãe biológica e não da mãe hospedeira. Todavia, não havendo elementos probatórios, o médico pode declarar que é filha da mãe hospedeira. Neste caso, pode ocorrer procedimento de retificação de registro na vara de registros públicos, a fim de se declarar que a pessoa é filha da mãe biológica e não da hospedeira. Se o procedimento for realizado obedecendo aos requisitos da resolução, a mãe hospedeira não poderá pleitear o filho para si e pode ser obrigada a entregar por ordem judicial. Mas, o que ocorre se nenhuma das mães quiser a criança? Em razão do direito do parto anônimo contido nos art. 8º e 13 do ECA, a criança pode ser entregue para adoção. A mãe, neste caso, tem direito, inclusive, ao tratamento psicológico. 
Esterilização humana: a esterilização humana não pode violar os princípios do biodireito. Portanto, não se tolera o uso como medida punitiva, p. ex. castração por meios químicos de criminosos sexuais como ocorre na Inglaterra. Também não pode realizar o procedimento sem o consentimento do paciente. 
A questão está regida pela L 9.263/96 que permite a esterilização realizada dentro de determinados limites. São os requisitos:
Capacidade da parte interessada. 
Lapso temporal mínimo de 60 dias entre a data da manifestação de vontade e a data da intervenção cirúrgica (prazo para que a parte tenha o direito de se arrepender, considerando a irreversibilidade do procedimento).
Ter mais de 25 anos ou ter mais de 18 anos e pelo menos de 2 filhos. Trata-se de requisito alternativo. 
No Brasil, a esterilização é conseqüência do direito do planejamento familiar garantido constitucionalmente. É forma de controle de natalidade. Vale lembrar que o procedimento também pode ocorrer por exigência médica. A esterilização pode ser feita tanto pelo homem quanto pela mulher e pelo SUS. Não se pode ignorar que se o médico realizar a intervenção sem os requisitos ou sem o prévio consentimento do paciente será caso típico de indenização decorrente do dano. Há, neste caso, o dano estético (por violação a integridade física) e dano moral (por violação à honra).
Direito ao corpo de outra pessoa (débito conjugal): o débito conjugal seria o desdobramento do casamento. Para alguns autores, é dever jurídico do casamento o dever de ter relações sexuais. Maria Helena Diniz sustenta o dever jurídico ao débito conjugal com base no art. 1.566, II do CC. Para a autora, a vida em comum no domicilio conjugal abrange o dever jurídico do débito conjugal. Para esses autores há um direito da personalidade próprio ao corpo de outrem. O problema desse entendimento é a legalização do estupro do marido em relação à mulher. Nesse passo, o direito civil contemporâneo não aceita a existência desse direito da personalidade justamente por afrontar argumentos éticos, afastando-se de modo definitivo o entendimento. A novel doutrina entende que as relações sexuais decorrem apenas de uma manifestação efetiva e tal fato não se confunde com um dever jurídico.Outro problema de concordar com a doutrina clássica é que reconhecer o direito da personalidade próprio ao corpo de outrem acarreta o reconhecimento de que a violação gera dever de indenizar e o STJ vem se manifestando reiteradamente no sentido de que a negativa de afeto dentro de uma relação familiar não gera indenização. REsp 757.411.
Recusa a transfusão de sangue: há neste caso, além do questionamento jurídico, também o questionamento ético. A questão se coloca aqui entre a integridade física e a integridade psíquica. Não se confunde com o direito à vida e o direito à religião. A maior parte da doutrina clássica, acompanhada pela jurisprudência, entende que o direito à integridade física sobrepuja o direito à integridade psíquica, religiosa, ou seja, permite-se que a pessoa seja submetida ao procedimento mesmo contra a sua vontade. À luz do biodireito esse não parece ser o melhor entendimento. É que a luz do biodireito, a pessoa tem direito à dignidade humana e esta envolve não só o aspecto físico, mas também o aspecto psicológico. Nesse passo, a pessoa tem o direito de se recusar ao procedimento desde que: 1) seja pessoa capaz e 2) não se encontre em situação de emergência. Ex. O pai não pode dispor do procedimento para o filho e não se trata aqui da situação emergencial. Ao que parece, há no entendimento clássico uma espécie de intolerância religiosa e um desrespeito aos direitos das minorias. No Brasil, já há decisões do TJ/PA e TRF/GO no sentido de proteger o testemunha de Jeová da transfusão de sangue. O fundamento é que o direito de autodeterminação religiosa é também corolário da proteção da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Gustavo Tepedino, Celso Ribeiro Bastos e Manuel Gonçalves Ferreira Filho.
Jurisprudência
REsp 436.827 RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido. 
HC 35.301. Habeas Corpus. Internação involuntária em clínica psiquiátrica. Ato de particular. Ausência de provas e/ ou indícios de perturbação mental. Constrangimento ilegal delineado. Binômio poder-dever familiar. Dever de cuidado e proteção. Limites. Extinção do poder familiar. Filha maior e civilmente capaz. Direitos de personalidade afetados. - É incabível a internação forçada de pessoa maior e capaz sem que haja justificativa proporcional e razoável para a constrição da paciente. - Ainda que se reconheça o legítimo dever de cuidado e proteção dos pais em relação aos filhos, a internação compulsória de filha maior e capaz, em clínica para tratamento psiquiátrico, sem que haja efetivamente diagnóstico nesse sentido, configura constrangimento ilegal. Ordem concedida.
REsp 575.576.CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESMORONAMENTO DE MERCADORIAS EM SUPERMERCADO, ATINGINDO CLIENTE. ACÓRDÃO ESTADUAL QUE REDUZ O VALOR DA INDENIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. QUANTUM DO RESSARCIMENTO. RAZOABILIDADE. I. Ausente o prequestionamento da questão alusiva à nulidade do acórdão, que mesmo surgida em 2o grau exige a provocação expressa do tema pela parte, padece o especial, no particular, do requisito da admissibilidade. II. Havendo conformidade entre o valor indenizatório fixado pelo Tribunal estadual e os fatos descritos, que não podem ser revistos pelo STJ, injustificável a excepcional intervenção desta Corte a respeito. III. Dissídio jurisprudencial, ademais, não demonstrado, ante a ausência de rigorosa similitude entre as espécies confrontadas. IV. Recurso especial não conhecido. 
Súmula 37 do STJ: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
Súmula 387 do STJ: É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.
REsp 1.008.398. Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana. - Sob a perspectiva dos princípios da Bioética – de beneficência, autonomia e justiça –, a dignidade da pessoa humana deve serresguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual. - A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. - A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana – cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. - Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto. - Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana. - A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo. - Conservar o “sexo masculino” no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. - Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido. - Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73. - Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar. - Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna. - De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar “imperfeições” como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido. 
REsp 757.411. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido.
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