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NO LABIRINTO DA MEMÓRIA: A Oralidade através das narrativas de Quintino Lira.

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NO LABITINTO DA MEMÓRIA: A ORALIDADE NAS NARRATIVAS 
DE QUINTINO DE LIRA 
 
Juliana Patrízia Saldanha de Sousa
1
-UFPA 
 
“A Justiça não resolve essa questão. Quem vai resolver 
essa questão é o gatilho e mais nada
2”. 
 Quintino 1951-1985 
RESUMO 
A razão deste artigo é de discutir a relação entre memória e narrativa oral, tomando como 
objeto de pesquisa o episódio mais marcante da história de Santa Luzia do Pará, o conflito 
armado entre colonos e posseiros nos anos 80. Revisitando a memória daqueles que foram 
testemunhas desse momento histórico, busco mostrar através da oralidade as narrativas sobre 
as ações de Quintino. Tais narrativas trazem consigo uma gama de experiências individuais e 
coletivas relevantes para a história social, política e cultural de Santa Luzia do Pará. 
 
Palavra-chave: Quintino, Conflito, Memória, Oralidade, Narrativa 
 
 
ABSTRACT 
The purpose of this article is to discuss the relationship between memory and oral narrative, 
taking as a research object the most striking episode in the history of Santa Luzia do Pará, the 
armed conflict between settlers and squatters in the 80. Revisiting the memory of those who 
were witnesses this historic moment, I try to show through oral narratives about the actions of 
Quintino. Such narratives bring with them a range of individual and collective experiences 
relevant to the social, political and cultural Santa Luzia do Pará. 
 
Keyword: Quintino, Conflict, Memory, Orality, Narrative, 
 
 
1
 Graduada em Letras. Especializada em Linguagens e Saberes da Amazônia e Mestranda no PPGLS (Programa 
de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia. UFPA-Bragança. 
2
 Em 15/11/1984, Quintino e sua tropa entram em Viseu, tentando encontrar a Juíza da Comarca para questionar 
o mandado de prisão expedido contra ele. Não obtendo sucesso, o Gatilheiro discursa em praça pública e é 
ovacionado pelo povo. Em seguida, ele dá um depoimento gravado ao Heráclito Ferreira, Diretor do 
Departamento de Arquivo e Documentação de Viseu, que posteriormente foi publicado em O Liberal (1984, P. 
18) 
 
 
INTRODUÇÃO - Um mergulho na saga do Gatilheiro, le Redresseur de torts. 
 
Santa Luzia do Pará
3
, está localizada no nordeste paraense, foi uma das cidades-palco 
do segundo conflito agrário de maior notoriedade no Estado do Pará, na década de 80, que 
envolveu diretamente duas partes distintas: Grileiros X Posseiros. 
 
 
 Fotografia 1- Em entrevista ao jornal O Liberal. 
 Fonte: O Liberal 
 
 
Na liderança dos colonos, destacou-se Quintino, 38 anos. Profissão: “matador de cabra 
safado”. Ele buscava liberar as terras, griladas por fazendeiros e a empresa mineradora 
Cidapar. Ganhou fama, de repercussão internacional. Em meados dos anos 80 a situação se 
agravou, chegando a ser cogitada pelo então presidente João Figueiredo com uma possível 
intervenção federal. Sem solução para a questão agrária, ele articula com outros trabalhadores 
e montam um grupo armado para impedir que os grileiros tomassem posse de suas 
propriedades e buscam outro meio de fazer “justiça”, utilizando para isso, o gatilho. 
 
 
3
 Santa Luzia do Pará está localizada na Br 316 da Pa-Ma, nos anos 80, ainda era Vila e pertencia ao 
município de Ourém. 
 
 
 
Nos dois lados desse combate, apresentaram-se personagens coadjuvantes que 
ajudaram a compor a história desse emblemático conflito que faz parte da memória da 
população luziense. Entre eles destacam-se o ex-governador do Estado do Pará, Jader 
Barbalho, autoridades de todas as esferas políticas, empresários da região, fazendeiros, 
comerciantes locais, igreja católica sob o domínio da diocese de Bragança, a população em 
geral e o personagem principal nascido Quintino Silva de Lira, mais conhecido como, 
Gatilheiro. 
Pe. Catel, na época, pároco da Vila de Santa Luzia, relembra a entrada de Quintino na 
luta pelas terras contra o fazendeiro Paraná. 
 
O início mesmo da história4, quando começou a fama do Quintino. Na época 
as terras não tinham títulos, dentro dessa área tinha mais de trinta ou até 40 
famílias. O fazendeiro Paraná queria impor a saída dessas famílias com ameaças, 
assassinato de colono, expulsando todos de lá. Então começou a revolta dos 
colonos e o Quintino fazia parte desse grupo. Eles foram até a comarca de 
Ourém, brigar na justiça pelo direito às terras, depois de várias audiências sem 
acordo entre as partes e, quase um ano depois, começaram as ameaças entre o 
Paraná e o Quintino. Paraná em sua prepotência não aceitava acordo com os 
colonos, nisso o Quintino perdeu a paciência e mandou uma carta fazendo uma 
promessa: Amanhã eu te mato! (Pe. CATEL. Belém-Pa, 10 jun 2013) 
 
Um dos intermediadores das negociações entre os colonos e o governo, Francisco 
Vasques, nos conta a conversa em uma reunião entre o grupo de colonos. 
 
4
 As transcrições das narrativas orais utilizadas nesse artigo, segue a proposta do modelo apresentado pelo Prof. 
Dr. José Guilherme dos Santos Fernandes (UFPA), coordenador do projeto “Rotas do Mito”. Para Fernandes, “a 
transcrição da narrativa do entrevistado altera-se a fonte COMIC SANS MS, pois outro destaque deve ser dado 
ao gênero oral, ou seja, procura-se ressaltar a procedência diversa dos discursos presente – cultura escrita e 
cultura oral – para chamar atenção que estamos face a um saber da ciência e outro da experiência” (p.162). 
Outros Tempos, www.outrostempos.uema.br, ISSN 1808-8031, v. 02, p.156-166 
 
 
 
A gente não queria entrar pra esse lado armado, foi a necessidade que nos 
levou a isso. O Quintino foi o primeiro que entendeu que pela justiça o problema 
não seria resolvido”. Barbudo relembra as palavras de Quintino: “Olha, daqui pra 
frente não tem mais conversa! Eles não respeitam a gente! A farda que eles 
vestem não é deles. Então, não adianta que nós não vamos aqui conseguir muita 
coisa. O que nós podemos fazer aqui, já que bala entra em nós, entra neles 
também. (VASQUES, Francisco. 07 jun. 2013) 
Francisco continua dizendo: “e até por uma decisão maior do próprio Quintino que 
dizia que não ia mais esquentar os bancos da justiça. Esse foi o termo que ele usou na época!” 
Anos depois, Quintino já conhecido nacionalmente e descrente de que o governo não 
resolveria a crise, ele concede uma entrevista ao repórter Paulo Roberto Ferreira falando de 
sua decepção com a justiça. 
 
Bom, é o seguinte: Eu digo e não peço segredo a vocês, vocês 
podem dizer até lá na federal ou na Segup que não venham me 
“preseguir”; que eles ficam vivos lá. Porque eu já ocupei as 
autoridades e as autoridades não deram jeito e então eu estou para 
dar um jeito nisso(...) Por que já chega de ficar de costas ardendo 
naqueles sofás em Belém, na Central da Polícia, na Segup, no 
Tribunal de justiça procurando os meus direitos e hoje eu caço meus 
direitos é no gatilho e o cabra que entra pra me perseguir eu mato 
(...) e assim chega de tanta promessa, de tanto sofrer. Eu já entendi 
que só o gatilho resolve essa questão. (LIBERAL Apud Loureiro, 
1997, p. 287) 
 
Após recorrerem a todos os órgãos governamentais como Delegacia, Iterpa, Fórum, 
entre outros, o grupo percebeu que a Justiça não solucionava o problema e tentaram encontrar 
no gatilho uma forma de resolver a questão, haja vista que haviam procurado todos os meios 
legais para a solução do empasse. 
Quintino dá seu recado em uma entrevista ao jornal O Liberal: (...) “fiquem avisados 
porque eu vivo a lutar pelos colonos contra os grileiros,seja de qualquer região. Que o meu 
destino é este. Isto é um caso muito sério porque eu nunca enfrentei uma luta para perder a 
parada”. (LIBERAL Apud Loureiro, 1997, p. 287) 
 
 
No livro Estado, bandidos e herói: Utopia e luta na Amazônia (2001), Violeta 
Loureiro
5
 usa o termo francês “redresseur de torts” - reparador de erros - ao definir o perfil 
do Gatilheiro que torna-se, segundo a autora, “de ator individual para ator político, de 
indivíduo comum a reparador de erros” (2001, p. 291). Na tentativa de reparar os erros 
cometidos por fazendeiros e, consequentemente, pelas autoridades, Quintino “interpreta” dois 
personagens na sociedade. O de justiceiro, aclamado pelo povo humilde, que via na figura de 
Quintino a esperança de dias melhores. No outro, o de fora da lei, papel esse dado pelas 
autoridades constituídas, polícia militar e pelos meios de comunicação como os jornais 
impressos. 
A partir destes relatos, pretende-se investigar as narrativas orais com relação às ações 
de Quintino, enquanto agia como Gatilheiro, com o propósito de embrenhar-me no labirinto 
da memória, individual e coletiva, através da oralidade dos agentes sociais testemunhas deste 
evento singular. Busca-se também, através da memória, registar e discutir as narrativas orais, 
que apesar de decorrido 30 anos da morte do Gatilheiro, os fatos acontecidos durante o 
conflito, ainda permeiam o imaginário popular. 
Levando essas informações em consideração, acredita-se que pesquisar as narrativas, 
sobre o Quintino, constitui-se algo de grande relevância e significação, pois é possível fazer 
leituras utilizando a memória coletiva para entender o conflito a partir dos fatos histórico, e 
apropriando-se da memória individual para compreender a relevância dessas narrativas e 
como foram capazes de influenciar no cotidiano da população, na época. 
 
Nesse sentido, tem-se a possibilidade de resgatar e catalogar tais narrativas, numa 
perspectiva de construção de um acervo, para a valorização da cultura local, como parte da 
história cultural e social do município de Santa Luzia do Pará. 
 
Sobre essa questão, Von Simson nos mostra a relevância de se conservar as memórias. 
 
Essas instituições realizam, portanto, hoje, de forma profissional, 
uma tarefa social anteriormente exercida pelos idosos. São elas os 
museus, arquivos, bibliotecas e centros de memórias, que de alguma 
forma e segundo critérios previamente estabelecidos realizam o 
trabalho de coletar, tratar, recuperar, organizar e colocar à disposição 
 
5
 Originalmente apresentado como tese de doutorado pela autora no Institut des Houtes Études de l’ Amérique 
Latine- Sorbonne Nouvelle, em 1994 – Paris, sob o nome Redresseurs de l’histoire en Amazonie brésiliènne 
(reparadores de Erros na história da Amazônia Brasileira). Posteriormente publica o livro, em 2001, com o 
título Estado, Bandidos e Heróis: Utopia e luta na Amazônia. 
 
 
da sociedade a memória de uma região específica ou de um grupo 
social retida com suportes materiais diversos. (VON SIMSON, 
2004, p. 13) 
 
 
 
É importante frisar que na possibilidade de catalogar as narrativas orais, as gerações 
futuras terão condições de analisá-las e entendê-las, dentro do contexto social e cultural em 
que ela está inserida, configurando-se de fundamental relevância para a preservação dos 
acontecimentos históricos de uma sociedade. Assim, pesquisar as ações do Gatilheiro, através 
da memória, na tentativa de compreender as consequências causadas pelas ações do Gatilheiro 
na sociedade Luziense. 
 
Sabemos que as narrativas estão presentes na memória do ser humano desde os tempos 
mais remotos. As instituições e os pesquisadores da área apontam que através da memória 
coletiva buscam-se informações vividas por um grupo de indivíduos em um determinado 
tempo e espaço. 
 
Partindo desse pressuposto, Jacques Le Goff, em sua obra História e Memória, define 
a memória como “propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar 
a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou 
informações passadas, ou que ele representa como passadas” (2013, p. 387) 
Nessa linha de pensamento, Le Goff expõe novas concepções recentes da memória, 
mostrando os principais aspectos de estruturação nas atividades de “auto-organização”. Tanto 
o aspecto psicológicos como nos biológicos a memória é o “resultado de sistemas dinâmicas 
de organização” e que só existem “na medida em que a organização os mantém ou os 
reconstitui”. (Idem, p. 388) 
O autor ainda certifica que “a memória se configura em elemento essencial dentro do 
que chamamos de identidade, individuais ou coletivas; cuja busca é uma das atividades 
fundamentais do indivíduo das sociedades de hoje”. (Idem, p. 435) 
Para o entendimento dessas indagações faz-se necessário entender o que diz Pierre 
Janet sobre o ato mnemônico, ou seja, o que facilita a memorização, fundamental é o 
comportamento narrativo que se caracteriza pela sua função social. Com isso, o ato de narrar 
transforma a “linguagem, ela própria produto da sociedade”. (FLORÈS, 1972 apud LE GOFF, 
2013, p. 389). Nesse sentido, a narrativa oral assume o papel de transmissora de informações 
 
 
provenientes do passado e é o instrumento indicado para as análises fundamentais, dos 
retalhos, que compõe a história de uma comunidade. 
Mergulhando na memória do Sr. Costa, ele nos conta o momento em que Quintino faz 
tocaia e mata o fazendeiro Paraná, fato este, que efetivamente deu início a saga de Gatilheiro. 
 
Quintino chegou lá em casa e disse: 
- “Vai ficar caro esse roçado!! Vai ficar muito é caro! O Paraná não pagou o que 
prometeu os duzentos contos, não pagou ninguém!”. 
(...) Passou uns dias, o Quintino esperou no ladeirão, perto da Vila do Broca. 
Daí ele levou uma garrafa de vinho, pacote de bolacha, refrigerante. Aí ele fez a 
tocaia pra pegar o Paraná, esperou, esperou, aí quando foi umas nove horas ele ia 
passando e o Quintino torou ele na bala. Daí ele entrou na mata e encontrou o 
meu filho, o Chico, que estava brocando um roçado e perguntou pro Quintino: 
- “O que é que tu tá fazendo por aí?”. 
Quintino respondeu: - Tu não viu uns cachorros correndo atrás de um veado, viu? 
O Chico falou: - “Num vi não”. 
Quintino disse assim: - “Não rapaz! Eu tô é brincando! Fui acertar o homem lá na 
ladeira! Quer ver ele lá? Vai lá!“. 
Meu filho disse que não ia de jeito nenhum!. Daí correu a notícia que o 
Paraná tinha morrido. Uma das balas pegou na cachorrinha que a mulher do 
Paraná levava! Depois disso ele sumiu e virou o que todo mundo conhece! (COSTA, 
João. Santa Luzia do Pará, 10 set. 2014) 
 
A narrativa citada acima, sob a ótica do entrevistado, apresenta uma das versões da 
morte do Paraná. Durante a entrevista, os detalhes da narrativa apresentaram-se 
cronologicamente de forma desconexa. Decorrido algum tempo, o Sr. Costa apropriou-se da 
rememoração, e de forma coerente, deu início a narrativa seguindo os fatos ocorridos naquela 
época. 
 
 
Maurice Halbwachs falando sobre Memória Individual e Memória Coletiva pontua-
nos dizendo que “a memória é fundamental para recorremos a testemunhos para reforçar ou 
enfraquecer e também para completar o que sabemos de um evento sobre o qual já temos 
algumas informações” (2006, p. 29). 
 
Para o pesquisador, no “primeiro plano da memória de um grupo se destacam as 
lembranças dos eventos e das experiências que dizem respeito à maioria de seus membros e 
que resultam de sua própria vida” (Idem, p. 51). Nesse sentido, memórias individuais e 
coletivas se inter-relacionamna medida em que as memórias de um individuam é resultado de 
experiências vivenciadas por um grupo e ainda que, onde existe uma história, existem várias 
memórias. 
 
Em A memória, a história, o esquecimento, Paul Ricouer afirma que devemos a 
Maurice Halbwachs uma “audaciosa decisão de pensamento que consiste em atribuir a 
memória diretamente a uma entidade coletiva que ele chama de grupo ou sociedade”. 
(RICOUEUR, 2010, p. 130). Seria então, a memória, uma das ferramentas da humanidade, 
indispensável para a construção da história das sociedades? Conjectura-se que o ser humano 
não adquiriu uma memória referta, ou seja, o exercício da rememoração é fundamental para a 
composição da narrativa. 
 
Para tanto, Henri Atlan aproximando “linguagens e memória”, apresenta os sistemas 
auto organizadores que fundamentam o armazenamento da nossa memória. Sobre isso ele 
afirma que: 
 
A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma 
extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da 
nossa memória que, graças a isso, pode sair dos limites físicos do 
nosso corpo para se interpor quer nos outros, quer nas bibliotecas. 
Isso significa que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa 
linguagem sob forma de armazenamento de informações na nossa 
memória. (ATLAN, 1972, p. 461 apud LE GOFF, 2013, p.389) 
 
 
 
O autor considera que o ato de guardar informações na memória, é de certa forma uma 
linguagem, pois mesmo sem a utilização da narrativa oral ou escrita, ainda assim, é uma 
linguagem em forma de pensamento. Portanto, é de suma importância a preservação da 
memória através da oralidade, pois na memória tem-se uma fonte de informações sobre 
 
 
acontecimentos históricos, culturais e sociais ocorridos em um determinado lugar e essas 
informações são relevantes no sentido de se conhecer o passado. 
 
Convém ressaltar os vários momentos em que os entrevistados davam início as suas 
narrativas dizendo que “era difícil lembrar, pois foi uma época difícil, perigosa”. Porém, logo 
em seguida, as lembranças começavam a irromper na memória e através da oralidade a 
narrativa começava a ser tecida. Sr. Nelson relembra esse encontro com nostalgia e apreensão, 
sentimentos que ainda estão presentes na memória dos populares. 
 
 
Eu tinha minha barraca no garimpo do Cachoeira e a turma do Quintino 
sempre aparecia por lá, sempre de passagem. Numa manhã dessas, eles 
apareceram e pediram pra se chegar. Foi feito café pra turma toda, trocaram 
proza com a gente, Então eu disse que tinha que sair porque eu ia até Santa 
Luzia, que na época era a maior vila na região e tudo era comprado lá, eu disse 
isso mas morrendo de medo do Quintino achar que eu podia deletar onde o bando 
dele estava. 
Passado um tempo eu saí e eles ficaram por lá, caminhei por um tempo, 
acho que mais de uma hora na estrada quando vi os pistoleiros da Cidapar vindo 
na minha direção. Graças a Deus não me pararam pra perguntar nada, mas meu 
coração quase sai pela boca só de imaginar que os pistoleiros iam se encontrar 
com a tropa do Quintino (NELSON, Santa Luzia do Pará, 26 jul. 2014) 
 
Sendo assim, a rememoração é o instrumento que possibilita a retomada das 
lembranças que eventualmente possam ter causado, traumas ou fortes emoções, provocando o 
esquecimento. Por sua vez, memória torna-se imprescindível e assume a responsabilidade de 
trazer, à tona, ocorrências que compõem os retalhos dos acontecimentos cotidianos de uma 
sociedade. Ricoeur, pontua-nos dizendo que “é a esse tesouro do esquecimento que recorro 
quando tenho o prazer de me lembrar do que, certa vez, vi, ouvi, experimentei, aprendi, 
adquiri (RICOEUR, 2010, p. 427) 
 
 
 
Florêncio narra um fato, no mínimo curioso, no bar do Sr. Zé Gomes, grande amigo de 
Quintino, e destaca o poder de persuasão que Quintino adquiriu no decorrer do conflito. 
 
 
Fotografia 2- O Liberal. 24/11/1984. 
 
O Quintino chegava aqui em Santa Luzia e tudo parava por causa dele. 
Muita gente queria ver o famoso Quintino, mas ele nunca estava só, sempre 
acompanhado, ás vezes 8 a 12 homens, tudo pra proteger ele. 
Um dia ele estava bebendo no bar do Zé Gomes e ele viu um policial e 
perguntou se ele vendia o cinturão, carregado de bala, porque ele tinha gostado 
muito e o policial disse assim: 
- “Nada não! Não precisa pagar não! Ele é seu!”. 
Ele tirou o cinturão e deu pro Quintino. O Quintino disse a ele pra sentar e 
beber todo mundo junto, mas o policial se recusou, tava trabalhando, fardado, 
sabe como é, né? Não pode! O Quintino insistiu e disse que agora ele era o 
comandante do policial, e que ele não se preocupasse que agora ele era o seu 
chefe! Rapaz! Até a policial tinha medo do Quintino! (FLORENCIO, Luís Carlos. 
Santa Luzia do Pará, 10 set. 2014) 
 
 
 
Diante dessa exemplificação, os acontecimentos passados, sob esse aspecto que 
Ricoeur considera no “Domínio de reserva”, sempre estará na dependência da memória para 
que aflore, e a parti daí, comece a apresentar-se em fragmentos de lembranças e, 
consequentemente dê vazão as narrativas que configuram-se como históricas. “A própria 
memória se define, pelo menos numa primeira instância, como luta contra o esquecimento” 
(Idem, p. 424). Sendo assim, a memória torna-se instrumento relevante para a preservação e 
valorização da história local, que através das narrativas, os fatos históricos ocorridos no 
passado, servirão como base de estudos acerca da formação histórica, social e cultural de uma 
determinada sociedade. 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 
A realidade mostra que nos dias atuais, as conversas entre vizinhos e familiares, as 
prosas nos finais de tarde feitas no batente da porta ou nas calçadas, resumiram-se apenas as 
cordialidades entre os conhecidos. Podemos considerar que com a chegada da modernização, 
a tecnologia “prendeu” o cidadão diante da televisão e do computador. Esse vício tecnológico 
foi capaz, pode-se dizer, de dizimar o hábito de contar histórias, e assim, as pessoas foram 
perdendo o costume de narrar suas experiências de vida, favorecendo o desuso das narrativas 
orais nos dias atuais. 
 
Dessa forma, pode-se considerar que, após 30 anos decorridos desse fato histórico, 
para os moradores do município de Santa Luzia do Pará, o ato de narrar os acontecimentos 
vivenciados pela população não fazem mais parte do cotidiano popular, ao ponto de não 
serem narradas com certa riqueza de detalhes, como faziam as pessoas que vivenciaram o 
conflito. 
 
Apesar de essa realidade ser presente nos dias atuais, as narrativas orais estão 
ganhando espaço nos centros acadêmicos. Peter Burke explicita um dos motivos para o atual 
reconhecimento e a valorização da memória histórica. 
 
Mais que os livros, filmes e programa de televisão mostram, há um forte 
interesse popular pelas memórias históricas. Esse interesse cada vez maior 
 
 
provavelmente é uma reação à aceleração das mudanças sociais e culturais 
que ameaçam as identidades, ao separar o que somos daquilo que fomos. Em 
um nível mais específico, o crescente interesse por memórias do Holocausto 
e da Segunda Guerra Mundial ocorre em um tempo em que esses 
acontecimentos traumáticos estão deixando de fazer parte da memória viva. 
(BURKE, 2005, p. 88) 
 
Compartilhando o pensamento de Burker, nota-se que, em relação às narrativas de 
Quintino Lira, as pessoas que viveram naquela época deixaram de narrar os episódios do 
conflito, permitindo que as narrativas caíssem no esquecimento, ou por questões traumáticas 
ou por perda do hábito de narrar os acontecimentos passados. 
 
Vê-se que durante seu depoimento, Sr. Costa, vezou outra, perguntava se essa 
conversa (entrevista) não traria problemas pra ele, pois, mesmo depois de transcorrido trinta 
anos do fim do conflito, ainda hoje há marcas profundas na memória popular. Essa 
preocupação é causada pelo trauma vivido por essa geração que presenciou momentos de 
terror durante a caçada ao Gatilheiro. 
 
As memórias coletadas durante a pesquisa possibilitarão, de certa forma, a 
rememoração da história desse período, indo de encontro ao passado por meio das diferentes 
memórias individuais que, sobretudo, são memórias coletivas. Le Goff nos diz que “adentrar 
nesse estudo da memória social é um dos meios de atingir fatos do tempo e da história, pois a 
memória se configura como um patrimônio infinito que se forma através de fragmentos” 
(Idem, p. 472). 
 
Nessa perspectiva, as experiências partilhadas são simbolizadas através da oralidade, 
dando sentido as perdas e as vitórias que fazem parte da história de Santa Luzia do Pará. Le 
Goff sobre isso, reitera dizendo “Pois, não se pode compreender a memória da sociedade sem 
percebê-la na dinâmica das tensões de poder entre variados grupos e classes sociais” (Idem, p. 
475) 
 
Atentemo-nos para a distinção entre documento e monumento apontado por Le Goff, 
para ele, “monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação” 
(Idem. p. 486), ou seja, remete-se a um povo, “herança do passado”, representa algo que foi 
vivido. Assim, Le Goff, considera que os monumentos seriam os desencadeadores da 
 
 
recordação, como um estímulo externo para a recuperação da memória. Portanto, o 
monumento permite resgatar os fatos específicos, armazenados na memória coletiva, 
ocorridos em um determinado tempo na sociedade. 
 
Enquanto que a história só existe devido ao documento. No entanto, o documento 
pode conter inverdades, pois os fatos registrados da história passam a ser uma escolha do 
historiador. A diferença entre monumentos e documento, é que este, volta-se para questões 
sociais e o monumento é a ponte para as lembranças do passado, já o documento é o conjunto 
dos dados específicos dessas recordações. Dessa forma, busca-se investigar a 
monumentalidade das narrativas orais sobre a saga de Quintino como Gatilheiro. 
 
Le Goff, sobre memória histórica, aponta que é “necessário dá uma importância 
especial às diferenças entre sociedades de memória essencialmente oral e sociedades de 
memória essencialmente escrita” (Idem, p. 390). O autor sabiamente reitera dizendo que “a 
memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para 
servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para 
a libertação e não para a servidão dos homens”. (Idem, p.437) 
 
 Finalizando, observa-se que, através da oralidade, pode-se caminhar no labirinto da 
memória que compõe as narrativas de Quintino de Lira, nesse caso, percebe-se que ao contar 
histórias, a identidade das comunidades não caem no esquecimento, consequentemente, os 
ecos das vozes serão traduzidos, com isso, forma-se cidadãos pensantes, de forma que as 
diversas experiências relatadas através da memória coletiva, possibilitem discursões acerca 
dos conflitos. 
 
Nesse sentido, as narrativas orais podem ser registradas, documentadas e assim, 
servirão como suporte para que as gerações futuras tenham a possibilidade de analisá-las para 
a compreensão seu contexto histórico, social e cultural da época em Santa Luzia do Pará. 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 
FERNANDES, José Guilherme dos Santos. Do oral ao escrito. In. Outros Tempos, v. 02, p. 
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ENTREVISTAS 
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COSTA, João, Aposentado. Entrevista concedida a Juliana Patrízia Saldanha de Sousa. Santa 
Luzia do Pará PA, 10 set. 2014 
FLORENCIO, Luís Carlos. Autônomo. Entrevista concedida a Juliana Patrízia Saldanha de 
Sousa. Santa Luzia do Pará PA, 10 set. 2014 
NELSON, Francisco. Aposentado. Entrevista concedida a Juliana Patrízia Saldanha de Sousa. 
Santa Luzia do Pará PA, 26 jul. 2014 
VASQUES, Francisco Chagas. Vereador. Entrevista concedida a Juliana Patrízia Saldanha de 
Sousa. Santa Luzia do Pará PA, 07 jun. 2013

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