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245 - Educação, História, Memória e Cultura em Debate, Volume II

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Educação, História, Memória e Cultura em Debate 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Educação, História, Memória 
e Cultura em Debate 
 
 
Volume II 
 
 
Memórias, narrativas e culturas 
 
 
 
Organizadores 
César Evangelista Fernandes Bressanin 
José Maria Baldino 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 
 
 
 
 
 
 
Diagramação: Marcelo A. S. Alves 
Capa: Carole Kümmecke - https://www.conceptualeditora.com/ 
 
 
O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de 
cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva 
responsabilidade de seu respectivo autor. 
 
 
 
 
Todos os livros publicados pela Editora Fi 
estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
BRESSANIN, César Evangelista Fernandes; BALDINO, José Maria; ALMEIDA, Maria Zeneide Carneiro Magalhães de (Orgs.) 
 
Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II: Memórias, narrativas e culturas [recurso eletrônico] / César 
Evangelista Fernandes Bressanin; José Maria Baldino; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida (Orgs.) -- Porto 
Alegre, RS: Editora Fi, 2021. 
 
454 p. 
 
 
ISBN - 978-65-5917-245-0 
DOI - 10.22350/9786559172450 
 
Disponível em: http://www.editorafi.org 
 
 
1. Educação; 2. História; 3. Memória; 4. Estado; 5. Brasil; I. Título. 
 
CDD: 370 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Educação 370 
 
 
 
Sumário 
 
 
Apresentação 11 
César Evangelista Fernandes Bressanin 
José Maria Baldino 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 
Prefácio 15 
Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro 
José Alcides Ribeiro 
Capítulo 1 22 
Arquipélago de memórias: pandemia e vida cotidiana de professores, estudantes e 
pais/mães de alunos (familiares) 
Valdeniza Maria Lopes da Barra 
Keyla Bastos 
Sarah Karoline Teixeira 
Capítulo 2 34 
Memória e história, entre tensões e práticas 
Thalles Valente de Paiva 
Ana Clara Valente de Paiva 
Capítulo 3 58 
Memórias do tempo presente: as narrativas dos professores durante o ensino remoto 
em Rio Verde-GO 
Nívea Oliveira Couto de Jesus 
Capítulo 4 70 
Reflexões fenomenológicas sobre a memória em Paul Ricoeur 
Arliene Stephanie Menezes Pereira 
Lia Machado Fiuza Fialho 
Ana Carolina Braga de Sousa 
Capítulo 5 85 
História oral e memória: algumas ponderações 
Simone Gomes de Faria 
Karen Laiz Krause Romig 
 
 
 
 
Capítulo 6 106 
Interfaces entre história oral e memória: contribuições para pesquisas biográficas 
Scarlett O’hara Costa Carvalho 
Lia Machado Fiuza Fialho 
Cristine Brandenburg 
Capítulo 7 126 
Patrimônio e memória: ações educativas que promova o conhecimento dos bens de 
natureza materiais e imateriais da cidade de Mossâmedes 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira 
Capítulo 8 142 
Contributos e desafios da educação patrimonial no contexto da pandemia do Covid 19 
Giselda Shirley da Silva 
Vandeir José da Silva 
Capítulo 9 165 
Educação patrimonial e decreto Lei 25/1937-artigos 17 e 19: limites e possibilidades 
na Cidade de Goiás 
Dhyovana da Silva Cardoso 
Capítulo 10 182 
História e memória: limites e possibilidades do uso da literatura nas novas 
abordagens históricas 
João Pedro Rodrigues do Carmo 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 
Paulo Cesar Soares de Oliveira 
Capítulo 11 201 
Memórias e narrativas sobre a escola em Machado de Assis e Cora Coralina 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 
Capítulo 12 215 
Os processos de aprendizagem de mestres pifaneiros: educação também é um 
patrimônio imaterial 
Camila Betina Röpke 
Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti 
 
 
 
 
Capítulo 13 237 
Narrativas (auto) biográficas dos professores do curso de música da Universidade 
Federal do Piauí-UFPI 
Joeline Conceição de Sousa Rodrigues 
Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti 
Capítulo 14 245 
Memórias do trabalho docente: a docência como vocação feminina na Escola Normal 
de Caetité 
Andreia Pereira dos Santos 
Ana Elizabeth Santos Alves 
Capítulo 15 264 
Um olhar sobre a escola em Aparecida de Goiânia: lugar de história e memória a partir 
da narrativa da professora Nilda Simone 
Maria Edimaci T. B. Leite 
Maria Zeneide C. M. de Almeida 
Capítulo 16 283 
Educação escolar no Marajó: história e memória da educação pública em breves 
Joyce Pinto de Oliveira 
Eliane Miranda Costa 
Capítulo 17 305 
“O jeito salesiano de educar” e as representações sociais dos professores salesianos 
na memorialística corumbaense 
Cristian Lopez Gomes 
Heloise Vargas de Andrade 
Capítulo 18 326 
A imprensa sul-mato-grossense e a educação salesiana (1977-2017) 
Jusilene dos Santos Branco da Silva 
Celeida Maria Costa de Souza e Silva 
Edgar da Silva Queiros 
Capítulo 19 350 
Memória e história oral: buscando evidências para desvendar a Universidade Federal 
de Goiás-Regional de Jataí 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 
Marliane Dias Silva 
 
 
 
 
Capítulo 20 365 
Ambientes digitais de disponibilização e preservação da história e memória da EJA 
em Goiás 
Walquiria Cunha Borges 
Maria Margarida Machado 
Capítulo 21 388 
Dona Joaninha, o cordão umbilical de São José da Tapera: saberes tradicionais e o 
ofício de partejar no médio sertão alagoano 
Derllânio Telecio da Silva 
Capítulo 22 399 
Francisco lins na europa: notícias da viagem no Jornal do Comércio de Juiz de Fora 
(1912) 
Daise Silva dos Santos 
Capítulo 23 410 
Memória indígena e colonialismo: notas sobre os projetos de educação no Oiapoque 
e a escolarização do povo Kalinã 
Valber Rogério dos Santos Jean Jaques 
Evangelina Sônia dos Santos Jeanjaque 
Ramiro Esdras Carneiro Batista 
Capítulo 24 425 
Memórias em tempo de pandemia: a reestruturação do trabalho docente e saúde 
mental presente nas narrativas de professoras na Cidade de Goiânia 
Priscilla Barros da Silva 
Capítulo 25 441 
Museus e tecnologias em tempos de pandemia 
Tayara Barreto de Souza Celestino 
 
 
 
Apresentação 
 
César Evangelista Fernandes Bressanin 
José Maria Baldino 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 1 
 
 
Este e-book “Educação, História, Memória e Cultura em Debate”, em 
seu segundo volume, que tem como subtítulo “Memórias, Narrativas e 
Culturas”, é resultado de parte dos trabalhos apresentados durante o I 
Colóquio Internacional do Diretório/Grupo de Pesquisa “Educação, 
História, Memória e Cultura em diferentes espaços sociais-CNPq-
HISTEDBR” (DGP – EHMCES – CNPq - HISTEDBR), do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Pontifícia Universidade Católica de 
Goiás (PUC-GO) entre os dias 19 e 21 de maio de 2021, no formato online. 
Um dos objetivos do DGP-EHMCES-CNPq-HISTEDBR é produzir e 
organizar o corpus das pesquisas sobre a educação em seus diferentes 
níveis, processos, modalidades e espaços, enfatizando as memórias da vida 
escolar, memórias (auto)biográficas da profissão docente, memórias e 
narrativas das instituições escolares confessionais, privadas e públicas, a 
partir de levantamento, organização e catalogação de fontes primárias e 
secundárias ancoradas nos pressupostos teóricos e metodológicas da 
Memória e da História Oral. 
Pesquisas sobre cultura material e imaterial, patrimônio e 
manifestações culturais em diferentes espaços sociais que fazem interfaces 
com a educação, também, compõem o rol de investigações do DGP-
EHMCES-CNPq-HISTEDBR e têm possibilitado ampliar a produção 
acadêmica e científica do diretório como contributo na formação de 
 
1 DGP-EHMCES / PPGE – PUC-GO 
12 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
profissionais da educação comprometidos em valorizar, respeitar e 
disseminar a interlocução da escola e da universidade com a sociedade. 
Para isso, o DiretórioDGP-EHMCES-CNPq-HISTEDBR realiza um 
trabalho coletivo que deriva da união de diferentes pessoas e instituições 
nacionais e internacionais em torno de interesses comuns. Certa vez, Dom 
Hélder Câmara, em uma de suas alocuções, assim expressou-se: "Não 
devemos temer a utopia. Gosto de repetir que, ao sonharmos sozinhos, 
limitamo-nos ao sonho. Quando sonhamos em grupo, alcançamos 
imediatamente a realidade" (ROCHA, 2009). À vista disso, o DGP-
EHMCES-CNPq-HISTEDBR do PPGE PUC-GO, com seus líderes, 
pesquisadores e estudantes, não temeu a situação complexa colocada pela 
pandemia da COVID-19 e, servindo-se dos desafios, das tecnologias e redes 
digitais, acessórias ao ensino, à pesquisa e à extensão, sonhou a realização 
de um evento em que, além de socializar os resultados de seus trabalhos e 
investigações, pudesse acolher outros pesquisadores e estudantes para o 
compartilhamento dos resultados da produção acadêmica. 
O sonho era modesto, mas construído em grupo, alcançou uma 
realidade maior do que a planejada. De um evento local e institucional 
tornou-se internacional. Incorporou mais de 500 participantes ouvintes e 
cerca de 150 pesquisadores que apresentaram suas produções e 
contribuições nos grupos de trabalho “Educação e Saberes”, “Educação e 
Memória”, “História da Educação” e “Educação e Cultura”, o que 
possibilitou organizar essa coleção de e-books composta de 4 volumes, 
sendo esse o segundo deles2. 
A natureza nos presenteia, através das ostras, com pérolas de cores 
diferenciadas. Esta coletânea é um grande presente e, entre as suas pérolas 
 
2 2 Volume I – História da Educação e suas abordagens; Volume II – Memórias, Narrativas e Culturas; Volume III – 
Educação e Saberes; Volume IV – Educação e cultura em diferentes espaços sociais. 
César E. F. Bressanin; José Maria Baldino; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida | 13 
 
textuais, a de autoria de Valdeniza Maria Lopes da Barra e suas 
companheiras da Faculdade de Educação da Universidade Federal de 
Goiás, é a que amálgama as demais, a partir da temática em evidência. O 
texto é resultado de sua partilha no I Colóquio Internacional do DGP-
EHMCES sobre o importante projeto “Arquipélago de Memórias: 
pandemia e vida cotidiana de professores, estudantes e pais/mães de 
alunos (familiares)”. 
As demais pérolas que formam o belo colar desta obra, desdobram-
se em objetos e temáticas diversos sobre memórias, narrativas e culturas. 
São capítulos assinados por experientes pesquisadores, mestres e doutores 
em processo de formação, graduandos da iniciação científica que 
contribuem com o itinerário das pesquisas por todo o Brasil. 
Assim, temos outros vinte e quatro textos, frutos de sérias, ousadas e 
interessantes pesquisas que tecem narrativas, criam argumentos e 
produzem o conhecimento da mesma forma como as pérolas são 
produzidas dentro da ostra: um grão de areia revestido de várias camadas 
de nácar (PEZZOLO, 2010). A proposta é que esta coletânea enriqueça 
nossas possibilidades de leituras. Esperamos que os leitores desfrutem 
dessa obra sonhada em conjunto e colorida com muitas pérolas 
preciosíssimas. 
 
Goiânia-GO, julho de 2021. 
 
Referências 
 
ROCHA, Dom Geraldo Lyrio. Dom Helder Câmara: Profeta da justiça e Mensageiro da 
esperança. Atualidade Teológica. Ano XIII nº 31, janeiro a abril / 2009. 
 
PEZZOLO, Dinah. A Pérola: História, cultura e Mercado. São Paulo: Senac, 2010. 
 
 
14 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
 
 
 
 
Prefácio 
 
Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro 
José Alcides Ribeiro 
 
 
Tempo, tempo, tempo, tempo 
Vou te fazer um pedido 
Tempo, tempo, tempo, tempo 
Compositor de destinos 
Tambor de todos os ritmos 
Tempo, tempo, tempo, tempo 
Entro num acordo contigo 
Tempo, tempo, tempo, tempo 
Por seres tão inventivo 
E pareceres contínuo. 
(Caetano Veloso, “Oração ao Tempo”, 1979) 
 
Com esse excerto da “Oração ao Tempo” de Caetano Veloso, lançado 
no álbum Cinema Transcedental, de 1979, começamos a prefaciar o livro 
“Memórias, Narrativas e Culturas”, posto que ritmo, invenção e 
continuidade são marcas indeléveis de quem se aventura no campo das 
pesquisas demarcadas pelos usos da categoria memória. 
Sobre a questão relativa a como a sociedade recupera o seu passado, 
há uma passagem em Pollak (1992) que reconhece a memória como um 
fenômeno produzido a partir da negociação dos critérios que a validam, 
portanto, não é algo que está naturalmente dado. Em certas circunstâncias 
históricas, a memória pode ser apagada, roubada e ou negociada. 
Recordemos Certeau, que em certa passagem do seu livro “A Escrita 
da História” (1982, p.77) diz que “[...] a articulação da história com um 
lugar é a condição de uma análise da sociedade. [...] Levar a sério o seu 
16 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição para que alguma 
coisa possa ser dita sem ser nem legendária (“ou edificante”), nem a-tópica 
(sem pertinência) [...]” 
 Pensar a escrita de narrativas por essas perspectivas implica 
reconhecer os sujeitos históricos pelo campo das subjetividades, remete, 
portanto, às reflexões que permitam reconhecer como os sentimentos 
acumulados no cotidiano das experiências de vida, em um tempo e um 
lugar, são traduzidos em memórias e os sentidos que elas podem revelar. 
Para Stone (1991, p.13), as narrativas têm suas singularidades 
demarcadas pelas suas “[...] disposição descritiva, mais do que analítica, 
seu enfoque central diz respeito ao homem e não às circunstâ̂ncias. 
Portanto, elas tratam do particular e do específico, é uma modalidade de 
escrita, modalidade esta, porém, que afeta e é afetada pelo conteúdo e pelo 
método”. 
 Considerando o conceito de cultura, os/as pesquisadores/as dos 
estudos culturais estudam a dimensão das suas significações, tomando por 
base a compreensão do antropólogo Clifford Geertz (2012,p.4): 
 
O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. 
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a 
teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo 
essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental 
em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do 
significado. 
 
Ainda, dentro desse conceito convém ressaltar que, o/a 
pesquisador/a em suas várias possibilidades de análises, intenciona 
compreender como as pessoas pensam, como interpretam o mundo, 
conferindo-lhe significados e emoções (Darnton, 1986). 
Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro; José Alcides Ribeiro | 17 
 
Um outro autor ligado à epistemologia da teoria da cultura, é seminal, 
também, para as articulações entre os campos da cultura e da história. 
Umberto Eco (1990, p. VII-XIII, grifo do autor, tradução nossa) diz que as 
culturas “[...] podem ser governadas por um sistema de regras ou por um 
repertório de textos que impõem modelos de comportamento.” A 
sociedade gera diretamente textos, que formam macrounidades das quais 
regras podem ser inferidas possivelmente, mas que primeiramente e de 
maneira importante propõem modelos para ser seguidos e imitados. 
Em tempos de pandemia e negacionismos, os desafios do tempo 
presente pedem por atitudes que impilam a mudar a situação de 
melancolia e desesperança que parece predominar nas expectativas 
humanas nesse agora de nossas existências. Construir narrativas em 
tempos tão exigentes remete-nos a demandar as utopias que dão 
esperança e sentidos às nossas vidas, quando a morte é escancarada em 
estatísticas que extrapolam o índice de mais de quinhentos mil pessoas 
contaminadas pela Covid 19. Conjugar memória e cultura em suas diversas 
temáticas e possibilidades epistemológicas de abordagens é o propósito 
dos vinte e cinco capítulos que compõem este livro.Cada capítulo traz contribuições singulares e criativas, 
fundamentadas em investigações meticulosas e eruditas. Abordagens 
epistêmicas sobre as dimensões e usos da categoria memória podem ser 
encontradas em Memória e história, entre tensões e práticas de Thalles 
Valente de Paiva e Ana Clara Valente de Paiva, capítulo 2, em Reflexões 
fenomenológicas sobre memória em Paul Ricouer, de Arliene Stephanie 
Menezes Pereira, Lia Machado Fiuza Fialho e Ana Carolina Braga de Sousa, 
capítulo 4, e no capítulo 5 História oral e memória: algumas ponderações 
de Simone Gomes de Faria e Karen Laiz Krause Romig. 
Reflexões sobre a memória em tempos de pandemia são propostas 
no capítulo 1 em Arquipélago de memórias: pandemia e vida cotidiana de 
18 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
professores, estudantes e pais/mães de alunos (familiares), Valdeniza 
Maria Lopes da Barra, Keyla Bastos e Sarah Karoline Teixeira, no capítulo 
3 em Memórias do tempo presente: as narrativas dos professores durante 
o ensino remoto no Rio Verde- Go de Nívea Oliveira Couto de Jesus, no 
capítulo 24 em Memórias em tempo de pandemia: a reestruturação do 
trabalho docente e saúde mental presente nas narrativas de professoras na 
cidade de Goiânia, de Priscilla Barros da Silva e no capítulo 25 em Museus 
e tecnologias em tempos de pandemia de Tayara Barreto de Souza 
Celestino. 
Pensar as interfaces entre patrimônio, memória e educação são 
contribuições que podem ser conferidas no capítulo 7 em Patrimônio e 
memória: ações educativas que promova o conhecimento dos bens de 
natureza materiais e imateriais da cidade de Mossâmedes de Stefany 
Lorrane Menezes Ferreia, no capítulo 8 Contributos e desafios da educação 
patrimonial no contexto da pandemia do covid 19 de Giselda Shirley da 
Silva e Vandeir José da Silva e capítulo 9 em Educação patrimonial de 
Decreto Lei 25/1937-artigos 17 e 19: Limites e possibilidades na cidade de 
Goiás de Dhyovana da Silva Cardoso. 
Conhecer as possibilidades de intersecções entre história e memória 
pelos usos da literatura e das práticas educativas musicais é o convite do 
capítulo 10 em História e memória: limites e possibilidades do uso da 
literatura nas novas abordagens históricas de João Pedro Rodrigues do 
Carmo, Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida e Paulo Cesar 
Soares de Oliveira, do capítulo 11 em Memórias e narrativas sobre a escola 
em Machado de Assis e Cora Coralina de Rosângela Soares de Almeida 
Ribeiro e Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida e do capítulo 12 
Os processos de aprendizagem de mestres pifaneiros: a educação também 
é um patrimônio imaterial de Camila Betina Röpke e Ednardo Monteiro 
Gonzaga do Monti. 
Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro; José Alcides Ribeiro | 19 
 
A imprensa como espaço de memória é o propósito narrativo do 
capítulo 18 em A imprensa Sul – Matogrossense e a educação salesiana 
(1977-2017), de Jusilene dos Santos Branco da Silva, Celeida Maria Costa 
de Souza e Silva e Edgar da Silva Queiros e do capítulo 22 em Francisco 
Lins na Europa: notícias da viagem no Jornal do Comércio de Juiz de Fora 
(1912) de Daise Silva dos Santos. 
A escrita de si enquanto um campo indispensável para os estudos da 
memória pode ser conferida no capítulo 6 em Interfaces entre história oral 
e memória: contribuições para pesquisas biográficas de Scarlett O’hara 
Costa Carvalho, Lia Machado Fiuza Fialho e Cristine Brandenburg e no 
capítulo 13 em Narrativas (auto) biográficas dos professores do curso de 
música da Universidade Federal do Piauí-UFPI de Joeline Conceição de 
Sousa Rodrigues e Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti. 
Lembrando Michelle Perrot em seus escritos de memória sobre 
como as mulheres recordam, o capítulo 14 remete os/ as leitores/as às 
Memórias do trabalho docente: a docência como vocação feminina na escola 
normal de Caetité de Andreia Pereira dos Santos e Ana Elizabeth Santos 
Alves) e o capítulo 15 apresenta Um olhar sobre a escola em Aparecida de 
Goiânia: um lugar de história e memória a partir da narratia da professora 
Nilda Simone de Maria Edimaci T. B. Leite e Maria Zeneide C. M. de 
Almeida. 
Memória e história da educação quer da escola pública, quer 
confessional, é o que pode-se conferir no capítulo 16 Educação escolar no 
Marajó: história e memória da educação pública em Breves de Joyce Pinto 
de Oliveira e Eliane Miranda Costa, no capítulo 17 “o jeito salesiano de 
educar” e as representações sociais dos professores salesianos na 
memorialística corumbaense de Cristian Lopez Gomes e Heloise Vargas de 
Andrade, no capítulo 19 em Memória e história oral: buscando evidências 
20 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
para desvendar a Universidade Federal de Goiás – regional de Jataí de 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida e Marliane Dias Silva. 
Destaca-se ainda, nesse campo de abordagem, a pesquisa sobre a 
memória da educação escolar do povo Kalinã no capítulo 23 em Memória 
indígena e colonialismo: notas sobre os projetos de educação no Oiapoque 
e a escolarização do povo Kalinã de Valber Rogério dos Santos Jean Jaques, 
Evangelina Sônia dos Santos Jeanjaque e Ramiro Esdras Carneiro Batista. 
Questões como armazenamento e expectativas de vida da memória 
digital são o foco da narrativa do capítulo 20 em Ambientes digitais de 
disponibilização e preservação da história e memória da EJA em Goiás de 
Walquiria Cunha Borges e Maria Margarida Machado. 
Conhecer as possiblidades de pesquisas e os deslocamentos temáticos 
dos usos das categorias “memórias”, “narrativas” e “culturas” são a 
contribuição original de cada um dos capítulos que compõem esta 
coletânea. 
Escrever narrativas históricas sobre temas tão diversos e tramas não 
contadas é um convite a unir essas vozes polifônicas à voz de Milton 
Nascimento, quando canta que a história é: 
 
Um trem riscando os trilhos 
Abrindo novos espaços 
Acenando muitos braços 
Balançando nossos filhos 
 
Quem vai impedir que a chama 
Saia iluminando o cenário 
Saia incendiando o plenário 
Saia inventando outra trama 
 
Quem vai evitar que os ventos 
Batam portas mal fechadas 
Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro; José Alcides Ribeiro | 21 
 
Revirem terras mal socadas 
E espalhem nossos lamentos 
 
(“Cancion por la unidad de Latino America” 
Música de Pablo Milanes e Chico Buarque de Hollanda,1978) 
 
São Paulo, agosto 2021 
 
 
Referências 
 
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da história 
cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. 
 
ECO, Umberto. Introduction. In: LOTMAN, I. Universe of the mind: a semiotic theory of 
culture. Boomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1990. 
 
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2012. 
 
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro: 
FGV, n. 10, 1992 
 
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982 
 
STONE, Lawrence. O ressurgimento da narrativa. Reflexões sobre uma nova velha história. 
In: RH- Revista de História, IFCH, UNICAMP, 1991 
 
 
 
Capítulo 1 
 
Arquipélago de memórias: pandemia e 
vida cotidiana de professores, estudantes e 
pais/mães de alunos (familiares) 1 
 
Valdeniza Maria Lopes da Barra 2 
Keyla Bastos 3 
Sarah Karoline Teixeira 4 
 
 
Arquipélago de Memórias: pandemia e vida cotidiana de professores, 
estudantes e pais/mães de alunos (familiares) é uma ação de extensão 
cadastrada na Pró Reitoria de Extensão (PROEC) da Universidade Federal 
de Goiás (UFG), sob registro SIEC EV151-2020. Este projeto foi iniciado 
em 13 de julho de 2020 e atualmente conta com uma rede de parceria que 
envolve professores e estudantes de instituições brasileiras de 26 estados 
e DF; parceiros de instituições dePortugal, Peru e Espanha.5 
Dentre os objetivos do projeto, estão: 
 
a) Promover a captação e guarda de relatos de vivências de professores, estudantes 
e familiares de alunos com vista à composição de uma “cápsula do tempo” da 
pandemia, postulando a composição de um acervo/memorial que também se 
constitua como um fundo documental subsidiário de trabalhos futuros; 
 
1 Este texto foi preparado para apresentação do projeto Arquipélago de Memórias junto ao I Colóquio Internacional 
do Diretório/Grupo de Pesquisa Educação, História, Memória e Cultura em diferentes espaços 
sociais/CNPq/HISTEDBR, realizado junto à PUC GO, em 20 de maio de 2021. 
2 Pedagoga, mestra e doutora pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade 
(PUC/SP), professora associada da Faculdade de Educação (UFG), com atuação na graduação e pós-graduação. 
Coordenadora do projeto Arquipélago de memórias. 
3 Pedagoga. Servidora pública da Secretaria Municipal de Educação de Anápolis. Mestranda em Educação do PPGE/FE 
UFG, compõe a equipe de coordenação geral do projeto Arquipélago de memórias. 
4 Pedagoga pela FE/UFG, compõe a equipe de coordenação geral do projeto Arquipélago de memórias. 
5 Os parceiros associados ao projeto assumem o compromisso de divulgar o projeto e trabalhar pela captação de 
relatos em suas localidades. Como contrapartida, a equipe de coordenação do projeto recebe e organiza os relatos 
que, a partir de 2023, poderão ser acessados pelos parceiros, mediante termo de anuência e, a partir de 2025, poderão 
publicar trabalhos tendo como base, os conteúdos dos relatos do projeto Arquipélago de memórias. 
Valdeniza Maria Lopes da Barra; Keyla Bastos; Sarah Karoline Teixeira | 23 
 
b) Reunir parceiros interessados no objeto do projeto, com vistas à produção de 
testemunhos de vivências da pandemia em suas localidades, possibilitando uma 
cartografia oral da pandemia com sotaque e diversidade dentro e fora do país, 
viabilizando estudos diversos. 
 
Constituem-se destinatários do projeto: professores/profissionais da 
educação, estudantes, pais/mães (familiares de alunos) vinculados à 
educação básica e superior, redes pública e privada. Seno o eixo temático 
do projeto: pandemia – vida cotidiana e educação. 
 
1 Premissa do projeto 
 
Um evento extraordinário reposicionou a vida ordinária: “a vida 
dentro da vida”. Da premissa decorre a pergunta diretriz do projeto: 
Como a pandemia impactou a vida cotidiana de professores, estudantes e 
familiares de alunos? 
O projeto surge a partir da constatação da percepção de que a vida 
cotidiana de todo mundo sofre uma irrupção por conta do estado de 
pandemia decretado pela OMS em 11 de março de 2020, seguido de uma 
série de medidas com vistas à desaceleração do contágio pelo vírus, 
incluindo-se aí o distanciamento social e adoção de protocolos de higiene 
(máscara, álcool em gel). O que impôs uma escalada de restrições à 
mobilidade e a frequência a espaços públicos afetando todas as esferas da 
vida social (shoppings, restaurantes, igrejas, turismo, escola, etc.). 
É sabido que não são todos os acontecimentos extraordinários que 
são sensíveis à vida cotidiana, mas a pandemia o é, já que se trata de um 
acontecimento “extraordinário” com afecção direta sobre a vida ordinária. 
Ao tempo em que se dá o fechamento dos espaços públicos também ocorre 
o reordenamento do espaço doméstico, base de colisões e conexões entre 
vida coletiva, vida laboral, vida cotidiana. Residem aí tensões já que no 
plano da vida cotidiana se inscrevem os interesses imediatos de cada um, 
24 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
sendo o indivíduo é distanciado da “consciência de nós” por um conjunto 
de determinações que estruturam (imediato, espontâneo, pragmático) e, 
ao fazê-lo em geral bloqueiam a passagem das dimensões particular e 
coletiva de cada indivíduo, prevalecendo os interesses individuais 
imediatos. Por sua vez a pandemia tende a induzir o desbloqueio, 
sugerindo a transição entre práticas individuais e coletivas e vice-versa, 
sob pena de expor a todos e qualquer um ao risco da morte. 
Da pergunta diretriz do projeto desdobram dois argumentos. 1) 
transição entre práticas individuais e coletivas ou dimensões política e 
cotidiana, vida pública e privada; 2) a relação dialética entre cotidiano e 
história. 
 
2 Primeiro argumento: Sobre a transição entre práticas individuais e 
coletivas 
 
Uma consulta a jornais eletrônicos, sites e outras plataformas digitais 
foi realizada entre março e maio de 2020, e revelou que a palavra cotidiano 
e a acepção imediata de "vida de todos os dias" apareciam associada a 
temáticas relacionadas à cultura, à política, à economia, ao meio ambiente, 
à segurança pública, à educação, à violência doméstica dentre outros6. Esta 
constatação pode parecer óbvia se considerarmos, como o faz Lukács 
(1966), corroborado por Heller (1989), Netto (2011), que a vida cotidiana 
é ineliminável, portanto constitutiva da vida, já que ninguém pode 
 
6 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-08/pandemia-rever-patologias-sociais-cotidiano. Acesso 
em: 04 de maio de 2020. 
Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/diana-de-celso-frateschi/ Acesso em: 04 de maio de 2020. 
Disponível em:https://sites.usp.br/psicousp/pandemia-aproxima-a-morte-do-cotidiano-e-impoe-transformacoes-
ao-luto/ Acesso em: 06 de maio de 2020. 
Disponível em:https://mais.opovo.com.br/jornal/reportagem/2020/05/25/fotorreportagem--a-pandemia-e-o-
cotidiano-dascomunidades.html#gallery-13 Acesso em: 06 de maio de 2020. Disponível 
em:https://www.migramundo.com/o-impacto-da-pandemia-no-cotidiano-do-empreendedor-migrante-igualdade-
de-condicoes/ Acesso em: 06 de maio de 2020. 
Disponível em: https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/balanco-mostra-queda-em-producao-de-lixo-
domiciliar-durante-pandemia Acesso em: 07 de maio de 2020. 
Valdeniza Maria Lopes da Barra; Keyla Bastos; Sarah Karoline Teixeira | 25 
 
abstrair-se totalmente desta esfera. Contudo, do ponto de vista factual, o 
cotidiano habitualmente aparece como uma seção específica (apartada) na 
diagramação de um "jornal". 
A pandemia e os respectivos desdobramentos dela decorrentes induz 
o tratamento que se dará a temas macroestruturais, de tal modo que estes 
passam a ser redimensionados por aspectos ordinários da vida comum, a 
exemplo do que ocorre no Brasil com a política de complementação de 
renda (auxílio emergencial). Esta colocou no horário nobre da TV aberta 
assim como nas primeiras páginas dos jornais as milhões de vidas 
ordinárias invisibilizadas pela pobreza, destituídas de CPF (Cadastro de 
pessoa física), de conta bancária, de acesso à internet etc. Filas humanas 
intermináveis em calçadas que davam acesso a agências bancárias em 
busca de R$ 600,007 como forma de garantir que tais pessoas tivessem 
condições mínimas para "ficar em casa"8. 
Algo também ocorrerá com o setor cultural que se reinventa, a 
exemplo do teatro "arte política por excelência", arte cujo assunto é "o 
homem e suas relações com outros homens" (ARENDT, 2001, p. 200), 
passa a funcionar a partir do chamado “teatro em casa”, acompanhado de 
forma remota, o ator em casa, o público em casa. De igual modo lives de 
músicas, palestras e uma miríade de atividades afins. Do ponto de vista do 
consumo, há uma alteração substancial nos hábitos, tendo em vista a 
suspensão ou a restrição do acesso a espaços como shoppings centers, 
restaurantes e comércios de rua, dentre outros. O impacto da pandemia 
atinge desde os processos de administração pública das cidades, passa 
 
7 O valor de 600,00 reais (BRL) equivale a 106,04 dólares (USD). 
8 Um ano após o início da pandemia o valor do auxílio emergencial foi reduzido à media de 250,00 por família. 
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/auxilio-emergencial/noticia/2021/03/22/auxilio-emergencial-
nova-rodada-comeca-a-ser-paga-no-inicio-de-abril-veja-datas-para-quem-e-do-bolsa-familia.ghtml.Acesso em 29 
de março de 2021. O valor de 250,00 reais (BRL) equivale a 44,19 dólares (USD). 
26 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
pelas condições que indicam o aumento da violência doméstica, até o modo 
como se processa e se realiza a gestão de resíduos como o lixo doméstico. 
Por sua vez a educação escolar passa a experimentar o ensino remoto, 
quando mães e pais são premidos a reorganizarem a vida doméstica na 
qual a convivência com os filhos “em casa” foi substancialmente ampliada, 
tanto como é ampliado e modificado o leque de atribuições de tais sujeitos. 
Tudo isso investe a vida de todos os dias (“rés do chão”) de novas camadas 
de vivências e sentidos 
Vê-se assim que não é forçoso identificar nas diferentes camadas da 
vida social cotidiana alguns flagrantes do modo como a pandemia atua na 
transição entre vida individual e vida coletiva, vida privada e vida pública. 
A captura de tais flagrantes é ajudada pelo ensinamento de Boaventura de 
Souza Santos (2020) quando diz que existe uma “pedagogia” derivada da 
pandemia. Esta pedagogia tem um professor “cruel”, o vírus. Para ensinar, 
esta pedagogia mata, para lembrar a relação do indivíduo com a 
humanidade ela interdita o contato de uma pessoa com outras e, no plano 
político ela exige que os interesses econômicos (mercado) cedam lugar 
para o papel que o estado deve ter junto à sociedade e especialmente junto 
aos setores mais vulneráveis. 
 
3 Segundo argumento: Sobre a relação dialética entre cotidiano e história 
 
A pandemia é um evento histórico, de natureza cíclica e, claro, 
sensivelmente ajudado pela ação humana. Fernand Braudel, nome 
importante da segunda geração da chamada Escola dos Annales, no livro 
As estruturas do cotidiano: o possível e o impossível, se propõe a tratar o 
cotidiano das economias pré-industriais reconhecendo-o como a estrutura 
(cotidiano) na qual se forjam as forças instituintes do capitalismo 
industrial. Para ele os grandes eventos do século XIX se forjaram na 
monotonia do tempo frágil dos homens, da vida cotidiana “onipresente, 
Valdeniza Maria Lopes da Barra; Keyla Bastos; Sarah Karoline Teixeira | 27 
 
invasora, repetitiva”, trata-se da “vida material” que “corre sob o signo da 
rotina”. Assim existe, aos olhos deste autor, uma dialética esclarecedora 
entre cotidiano e história. As epidemias, pestes e doenças seriam “uma 
constante” na história, isto é, “uma estrutura da vida dos homens” 
(BRAUDEL, 1995, p. 66). As doenças possuem a própria história que é 
cíclica, alterna fases de “virulência e de apaziguamento”. A epidemia é 
doença (estrutura) que se espalha com as viagens e contágios, estaria 
sempre “de reserva” aguardando a conjuntura para aparecer “de novo”. O 
fato de o homem praticar um “macroparasitismo predador”, desencadeia 
processos junto ao habitat de microorganismos que, apesar de 
minúsculos, por serem patogênicos, quando saem do seu “nicho biológico” 
atingem aos seres humanos, tornando-os reféns. 
Em geral os “acontecimentos” são considerados como 
excepcionalidades, distinguindo-se das “ocorrências” habituais que 
correspondem àquilo para o qual não damos importância porque se 
repetem dia a dia na vida de todos nós. Chamamos a isto de cotidiano. 
Enquanto o “o acontecimento quer-se, crê-se único” e se pretende produto 
da instantaneidade, é na dimensão cotidiana em que a ocorrência se repete 
e, “ao repetir-se, torna-se generalidade”. A esta repetição monótona e 
interminável Braudel chama “estrutura” (p. 17). Logo, para ele, a epidemia 
(acontecimento) se forja na “lentidão”, “na inércia” da vida cotidiana 
(estrutura) e se viabiliza em determinada “conjuntura”. 
Outro aspecto é que eventos como a pandemia potencializam a 
visibilidade de fissuras sociais e expõem as desigualdades econômicas 
(BRAUDEL, 1995; SOUZA, 2020), sendo que uma maneira de identificar a 
desigualdade desnudada pela pandemia no contexto atual e, por tabela, se 
atingir a educação escolar, é se deter sobre o acesso às novas tecnologias 
de informação e comunicação, por exemplo. Se epidemias ocorreram em 
diferentes momentos da história como demonstra Braudel (1995) e são 
28 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
repetições históricas (estruturais), é preciso se atentar para as inovações 
engendradas e reveladas na conjuntura atual e que a captação de relatos 
(professores, estudantes e familiares) sobre as vivências da pandemia – 
propósito do projeto - poderá subsidiar exercícios de compreensão de 
instantes de transição. 
 
4 Quanto ao enquadramento teórico-metodológico do projeto 
 
A pandemia da covid-19 é um evento da duração histórica presente: 
o que isto significa? 
A pandemia da covid -19 é evento que entrará para a narrativa 
histórica pelo modo como afeta a vida do homem (substância da história) 
e porque deixará marcas (memórias), insumo importante para a história. 
É um evento da duração histórica presente e, dada à importância política, 
cultural, social não se circunscreve ao interesse acadêmico, podendo ser 
enquadrada como interesse da vertente denominada “história pública”, 
como diria Rousso (2018), sendo objeto debatido por jornalistas, médicos, 
professores, biólogos, etc. 
A pandemia entrará para a narrativa da história porque sendo um 
evento de viés dramático da duração presente e, portanto, para o qual, 
ainda não temos um epílogo, como diria Lacoutre (1978), ao tratar da 
chamada “história imediata” é intensificada pela conjuntura de tempos 
“sombrios”, “obscuros”, “difíceis”, “tempo de cólera”, “tempos 
pandemônicos”, “tempos pandêmicos”. De tal modo que parece não faltar 
“adjetivos” para expressar algo “substantivo” desta “lacuna entre o 
passado e o futuro” (ARENDT, 2009) - duração histórica presente. Esta 
temporalidade não pode ser vista “como um simples lugar de passagem 
contínua entre um antes e um depois, mas como uma “lacuna entre 
passado e futuro”, como notara Arendt (2009). Essa noção de “lacuna” 
entre o passado e o futuro parece indicar que “o presente pode revelar” 
Valdeniza Maria Lopes da Barra; Keyla Bastos; Sarah Karoline Teixeira | 29 
 
algo de “descontínuo, de ruptura e de início” (DOSSE, 2012, p. 20). Afinal, 
conforme pensa Hanna Arendt o que está entre o passado e o futuro 
corresponde a um “intervalo de tempo totalmente determinado por coisas 
que não são mais e por coisas que não são ainda” Na história, diz ela “esses 
intervalos mais de uma vez mostraram poder conter o momento da 
verdade” (ARENDT, 2009, p. 35-36). 
A duração histórica presente também é correlata daquilo que 
Lacoutre chamou de “história em fusão” em que somos colocados na 
condição de atores, testemunhas, alguns protagonistas de um enredo para 
o qual desconhecemos o desfecho. Trata-se de um contexto cuja 
singularidade também é dada pelo fato de que a pandemia da covid 19 se 
inscreve num “mundo convulsionado e comunicante” (LACOUTRE, 1989, 
p 319), em que esses acontecimentos são levados de forma instantânea ao 
conhecimento da opinião pública de uma sociedade “alucinada por 
informação” e angustiada pela mesma informação. Esta constatação 
intensifica a necessidade de se produzir “inteligibilidade histórica” para 
aquilo que é “secreção e projeção” da história. 
Como é ameaça à vida, a pandemia possui uma dramaticidade que a 
aproxima dos chamados “eventos traumáticos”, o que se justifica pelas 
medidas de restrição da convivência social, (isolamento), estados de 
depressão, adoecimento, morte, luto. Desconhecemos o desfecho de uma 
“história em fusão” (ROUSSO, 2020) não sabemos como os 
acontecimentos do presente reverberarão no futuro, como marcas trágicas 
do presente que poderão persistir em “passados que não passam”. Ao 
mesmo tempo, nutrimos uma saudade por um passado muito recente e 
que se presentifica no presente e também está no modo como lidamos e 
perpectivamoso amanhã/o próximo ano/o futuro. Ou seja, vive-se um 
presente aumentado ou “tempo amplo”, diria Gumbrecht (2010) já que 
30 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
este carrega temporalidades simultâneas: a saudade de ontem e a 
incerteza pelo amanhã. 
Em termos de cotidianidade, há uma importante vontade de 
reestabelecer uma situação de controle sobre as ações no espaço-tempo 
presente, desejo da repetibilidade/ritualística rotineira necessária para a 
vida de todos os dias, algo subtraído/substituído da/na vida de todos os 
dias. Captar a “lacuna entre o passado e o futuro” é uma das ambições do 
projeto Arquipélago de memórias. 
 
5 A opção por relatos orais 
 
A oralidade é instrumento privilegiado da história do presente nas 
suas várias vertentes. Para o projeto Arquipélago de memórias, a oralidade 
é veículo (do relato) e conteúdo. A oralidade é compreendida como 
“irradiadora da presença” que indicia tanto a “a materialidade dos corpos, 
sujeitos, objetos e do mundo”. Assim como os seus elementos 
constitutivos: “pausas, silêncios... como a percepção de “anseios, dúvidas, 
certezas, medos, alegrias, saberes e conhecimentos” (RAMÔA, 2020), 
“digressões, repetições, correções” que “tornam evidente o trabalho da 
palavra em manifestar o processo de transformação e o trabalho da 
consciência”. De tal modo que o modo de narrar pode revelar formas de 
interpretar e se situar na realidade social (PORTELLI, 2001). 
Le Goff ao tratar o conceito de memória trata o sentido perceptivo-
cognitivo da memória e alerta que antes de ser falada ou escrita “existe 
uma linguagem sob a forma de armazenamento de informações” esta 
“linguagem” traduz seletividade e corresponde a uma “estrutura” auto 
organizadora do conhecimento que se antecipa à fala. Tomando-se 
emprestada o entendimento de que o impresso coloca o leitor na presença 
de uma memória (LE GOFF, 1984, p. 34), o relato oral do Arquipélago de 
memórias também é visto como veículo que coloca o voluntário do relato 
Valdeniza Maria Lopes da Barra; Keyla Bastos; Sarah Karoline Teixeira | 31 
 
em presença para quem o ouve. De tal modo que o relato oral pretendido 
pelo projeto poderia ser correlato de um produtor “de presença” 
(GUMBRECHT, 2010). 
 
6 Condições de produção dos relatos no projeto 
 
Existem ao menos duas formas de produção dos relatos. 
 
1) Sistematizado: quando o voluntário do relato conhece o projeto por meio de 
algum projeto de ensino, pesquisa ou extensão e afins e decide efetivar o 
relato; 
2) Espontâneo: quando o voluntário do relato acessa o site do projeto, se 
orienta (ou não pelo roteiro lá disponibilizado) e, no horário e local que o 
desejar, opta por efetivar o relato. 
 
Cabe considerar que numa situação de entrevista/relato a memória 
veiculada pela oralidade é “trabalho da consciência” e se o cotidiano é o 
lugar onde prevalece o “não pensado”, haveria um dos desafios 
metodológicos do projeto Arquipélago de memórias. 
 
7 Para concluir 
 
O projeto tem uma “vontade de memória” declarada. Por umas e 
outras pode ser aproximado aquilo que Pierre Nora chamou, ao tratar de 
“lugares de memória” chamou de “ilusão de eternidade”. 
Pode ser que sim. Ao reconhecer que o projeto compõe a propalada 
celebração da memória sem perder de vista que a ação humana 
(historiador, poeta, etc.) pode perdurar falas/vozes, gestos, e este também 
pode corresponder a um ato político, isto é, “salvar” certos feitos e falas da 
futilidade (ARENDT, 2009), ato de “resistência” às mudanças tecnológicas 
que, sob o real pretexto da pandemia, invadiu a vida cotidiana de relações 
mediatizadas pelas telas (TV, celular, computador). 
32 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Enfim captar e guardar relatos orais sobre o modo como a pandemia 
afeta a vida cotidiana é também trabalhar para a “produção de presença” 
(GUMBRECHT), num encontro marcado para 2025 com a existência de 
nós no presente. 
 
Referências 
 
ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. 
 
ARENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. 
 
BARRA, Valdeniza Maria Lopes da. Arquipélago de memórias: pandemia e vida 
cotidiana de professores, estudantes e pais/mães de alunos (familiares). 
Projeto. Goiânia, 2020. Disponível em: Arquipélago de Memórias (google.com), 
acesso em 15 de maio de 2021. 
 
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. As estruturas do 
cotidiano. São Paulo: Martins Fontes.1995. 
 
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora 
PUC Rio, 2010. 
 
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 
 
LACOUTRE, Jean. A história imediata. In: LE GOFF, Jacques (Org.). A história nova. São 
Paulo, Martins Fontes, 1995. 
 
LE GOFF, Jacques. Memória. Enciclopedia Einaudi Memória-História. Imprensa 
Nacional Casa da Moeda, 1997. 
 
LUKÁCS, Georg. Estética. A peculiaridade de lo estético. México: Ediciones Grijalbo, 
1966. 
 
Valdeniza Maria Lopes da Barra; Keyla Bastos; Sarah Karoline Teixeira | 33 
 
NETTO, José Paulo. Para a crítica da vida cotidiana. In: NETTO, José Paulo; CARVALHO, 
Maria Caria Carvalho Brant (Org.). Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: 
Cortez, 2011. 
 
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Proj. 
História. São Paulo, 1993. 
 
PORTELLI, Alessandro. A história oral como gênero. Revista Proj. História. São Paulo, 
2001. 
 
RAMÔA, Hosana do Nascimento. Presença da voz: a potência da oralidade na narrativa de 
professores na história oral. RevistAleph. Rio de Janeiro: UFF, 2020. 
 
ROUSSO, Henry. Entrevista com Henry Rousso. Disponível em: SciELO - Brasil - 
Entrevista com Henry Rousso Entrevista com Henry Rousso, acesso em 15 de maio 
de 2021. 
 
SOUZA SANTOS, Boaventura de. A cruel pedagogia do vírus. Portugal: Almedina, 2020. 
 
 
 
 
Capítulo 2 
 
Memória e história, entre tensões e práticas 
 
Thalles Valente de Paiva 1 
Ana Clara Valente de Paiva 2 
 
 
1 Introdução 
 
Das intuições das Musas que relampejavam sobre os “gênios nobres” 
que cantavam e narravam as imagens do passado, retroagindo os feixes 
do passado ao mundo dos vivos, a deusa Mnemósine, mãe das nove Musas, 
brindava, para com seus eleitos, uma consciência divina, não individual, 
mas coletiva; outorgava aos seus artistas, o poder de assegurar a 
imortalidade dos mortais ao cantar seus passados. 
 Era assim que a consciência histórica se conservava e reatualizava-
se na era arcaica grega, pelos cantos dos poetas. Somente pela 
incorporação das musas aos poetas que era possível o aedo explanar sobre 
as “estórias” da polis. Seduzidos pelas melodias de seus cantos, os homens 
comuns rompiam os limites reais (o espaço-tempo) transcendendo suas 
fronteiras temporais e geográficas, embrenhando-se nas virtualidades 
míticas passadas, experimentando suas inscrições reais e factuais, 
temendo e gozando dos restos que, outrora, não foram significados. Essa 
experiência presentificava o pregresso dos antepassados, o transformando 
substancialmente em vida. 
Essa força mística da oralidade dava à poesia um poder quase divino. 
Podemos dizer hoje, que seria uma faculdade quase delirante, por se fazer 
 
1 Doutorando em Educação no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação (PPGED) pela Universidade 
Federal de Uberlândia. E-mail: thallesvalentep@hotmail.com 
2 Graduanda em Dança no Instituto de Artes (IARTE) pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: 
aninhavpaiva@gmail.com 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 35 
 
acima dos regimentos normativos da lei. O trovoar de Hesíodo, segundo 
Torrano (2006), se punha, por vezes, acima dos reis, nobres locais que 
retinham o poder de conservar e interpretar as fórmulas pré-jurídicas, 
não-escritase administrativas da justiça entre os querelantes e para 
aqueles que encarnavam a autoridade mais alta entre os homens. O poeta 
detinha o poder de ser o cultor dos regimes das memórias, suas palavras 
provocavam uma viagem cheia de descobertas, da qual os ouvintes 
aprendiam sobre seu passado, utilizando-se dessa sabedoria não para 
simplesmente guardá-lo, mas atualizá-lo às demandas comunitárias e ao 
cuidado de si 
Essa atividade era exercida em conjunto, uma relação cultural que 
tanto modernos e pós-modernos perderam com o passar do tempo. 
Partilhar da atividade mnêmica, se fazia como uma espécie de ritual de 
fortalecimento do espírito do sujeito e da comunidade, como relata 
Gagnebin (2013), que os “Feácios não se cansam em escutar as lembranças 
de Ulisses e esquecem mesmo do sono, o porqueiro Eumeu adoras suas 
histórias e as avalia com competência literária, Penélope e Ulisses trocam 
histórias e carícias (GAGNEBIN,2013,p.11)”. O ato de lembrar e narrar, 
tecia-se, de certa maneira, como uma proteção apolínea em tensão à 
radicalidade real do dionisíaco, de outro modo, as formas de imaginar e 
significar o passado com novas cores e novos formatos, ao mesmo tempo 
que afugentava os males pela beleza do canto, ressignificava o seu 
conteúdo traumático. Portanto, a Mnemosyne se constituía pela própria 
falta de significado puro de passado; a prática de lembrar modulava-se por 
lampejos, sendo esses orquestrados pela musicalidade, ou seja, as 
lembranças aparecem nas rimas com seus sentidos e significados sempre 
atualizados. 
Esse era o imenso poder que os povos ágrafos experimentavam, a 
potência dos cantos dos poetas dispunha de uma força paradoxal que 
36 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
desenrolava-se “além do bem e do mal”. O poder de renomear as palavras 
com os curtos-circuitos metonímicos puramente estéticos que carregavam 
a sabedoria mágica dos mitos, trazendo a presença e ausência da coisa 
perdida, o passado. O poeta ama a estética, a harmonia e melodia das 
palavras que compõem a venustidade de um verso, para ele, primeiro, vem 
beleza da forma, depois o conteúdo da verdade. O canto do poeta era a 
plenitude das forças ontofânicas como a mais alta revelação da vida, dos 
Deuses, do mundo e dos seres. As narrativas não buscavam a ciência, e sim 
a estética e a sabedoria consagrada pelos deuses. Segurar tamanho poder 
não seria extremamente perigoso? Por ser um mero gozo “delirante”? 
Sócrates3 temendo o poder dos poetas, referiu a eles como ilusionistas, 
homens que não se preocupam com a verdade. 
Talvez seja certo dizermos que a memória, em seu sentido “pré-
socrático”, estava intrigada com a força do mythos (pré-filosófico), todo 
seu desenvolvimento se organizava no compartilhamento de saberes 
passados com a comunidade, organizados na poesia relacionadas à 
intuição divina. No entanto, essa relação mítica não era uma atividade 
irracional, não-crítica etc; de maneira oposta, quando um mito era cantado 
pelos poetas, ou representado no teatro, naquele instante, a cidade (e seu 
regimento sociocultural) era submetida aos questionamentos, através de 
debates comunitários se fazia contestações aos seus valores 
fundamentais.4 Já os “pós-socráticos” empenharam-se e afastar tomar 
 
3 Ver PLATÃO. A República. Edição Eletrônica. Disponível em:http://www.eniopadilha.com.br/ 
documentos/Platao_A_Republica.pdf.,p.85. 
4 Segundo Vernant, os gregos dedicavam com o máximo cuidado a repertoriar e a fixar seu patrimônio lendário 
herdado, mas também de questioná-lo, muitas vezes, “de maneira às vezes radical, apresentando com clareza o 
problema da verdade - ou da falsidade - do mito. Nesse plano, as soluções são diversas: desde a rejeição, a denegação 
pura e simples, até as múltiplas formas de interpretação que permitem"salvar" o mito substituindo a leitura banal 
por uma hermenêutica erudita que revela, sob a trama da narração, um ensinamento secreto análogo, por trás do 
disfarce da fábula, às verdades fundamentais cujo conhecimento, privilégio do sábio, abre a única via de acesso ao 
divino, Mas, quer recolham preciosamente seus mitos, quer os interpretem, critiquem-nos ou rejeitem-nos em nome 
de outro tipo de saber, mais verídico, os antigos continuam a reconhecer neles o papel intelectual que lhes era 
comumente atribuído, na Grécia das cidades-Estado, como instrumento de informação sobre o mundo do além.” 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 37 
 
distâncias dos mitos, seria a virada do saber ao conhecimento (Razão), o 
gesto revolucionário do vir a ser das ciências, o nascimento da filosofia. A 
tradição socrática, platônica e aristotélica, são semeadas na era medieval, 
de lá para os modernos, temos uma adequação de mediação da memória 
à história. Com a historiografia moderna, é o historiador que é o novo 
guardião da memória, sua lógica formal (ou em outros casos, a dialética) 
não prioriza mais meras aparências, ou partilha de uma sabedoria 
comunitária do passado (doxa), mas o entendimento (episteme) do 
passado. 
 
2 Memória vs história 
 
No vir a ser da historiografia contemporânea (grosso modo, 1980), a 
memória e a história tornam-se “rivais”. No entanto, esse antagonismo 
não é “reconhecido” por uma tensionalidade equivalente, na verdade, a 
história é a legisladora e a mediadora desse jogo, no fim, ela sempre vence. 
A vitória está do lado dela, porque ela é dona das metodologias da 
memória, seus regimes de verdade produzem memória, e não existe o 
contrário. Não há o contrário, defende Pierre Nora (1993), pois toda 
memória coletiva passa pelo filtro da história: é impossível a escapatória 
da memória das ferramentas historiográficas. 
A história tem o arbítrio, porque nela está relegado a uma 
exterioridade puramente exterior, ela é um receptáculo puramente vazio 
que tem a capacidade de armazenar a memória vívida. A disciplina 
histórica encarna, alega Halbwachs, um “saber abstrato” indispensável 
para restituir o passado fora da dimensão do vivido. A memória é 
espontaneamente ingênua, não crítica – apenas a história que é 
potencialmente iconoclasta, a história, argumenta o francês, é a unicidade, 
 
Para mais ver Vemant, Jean-Plerre, 1914-Mito e religião na Grécia antiga / Jean-Pierre Vemant; tradução Joana 
Angélica D'Avila Melo. - São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006, p. 19 a 20. 
38 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
é afirmação do Um: “A história é uma e só se pode dizer que só existe uma 
história (HALBAWCHS, 1997, p. 120 apud DOSSE,2003, p.281)”. 
Podemos dizer que, como disserta Seixas (2001), Nora “apropriou-
se” da oposição entre memória individual e memória coletiva, e, 
principalmente, entre a memória coletiva e história de Halbwachs. A 
memória coletiva é espontânea, desinteressada e seletiva, guardando 
apenas o útil no elo entre passado e presente, ao contrário da história, 
assegura Halbwachs, que constituí um processo político, ou seja, 
manipulador. A memória coletiva por ser oral e afetiva, esquece das 
inúmeras narrativas do passado; enquanto a história analisa o rastros e 
sua rede causalidades, organizando e sistematizando (por ser escrita) as 
diferenças e lacunas numa totalidade (SEIXAS, 2001, p.40). 
Indo além da espontaneidade da memória, observou-se nas 
virtualidades espectrais de seus antecedentes, fragmentos relevantes aos 
interesses políticos do presente. Na procura de “resgatar” seus rastros 
preponderantes e regulares, ou periféricos e marginalizados, a memória é 
reconhecida à política tanto nas suas retomadas, como nas reconstruções 
(de maneira ativa e engajada) do passado. Na luta pela memória, os grupos 
hegemônicos conservam-se somente as memórias que sirvam à 
positividade da perpetuação de seus poderes; enquanto grupos periféricos 
e heterogêneos, aprendem o mundo presente e lutam pelo 
reconhecimento de seus direitos eidentidades. 
No atrito entre a memória poder e contra(poder), as disputas se 
restringem na gestão da memória, na sua expressão no consentimento 
social e cultural (naquilo que deve ou não ser guardado, lembrando, 
arquivado etc.). Sendo assim, a memória potencializa-se nas crises, nas 
lutas políticas, ou melhor, nas rupturas históricas – sempre estando a 
serviço da história. Neste segmento, podemos entender a assertiva de Nora 
(1993) que, toda memória já não é memória, mas história. Abolindo a 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 39 
 
dicotomia entre memória coletiva e história, o historiador assegura que 
elas são próximas demais, as duas atuam de forma interessada – a 
memória, em seu conteúdo, identifica-se com a história. Ao esquecimento, 
do mesmo modo, só é possível observá-lo pela ótica histórica, na 
investigação das identidades passadas, pela via de um critério utilitário 
político. Toda memória, “individual”, “coletiva”, e “histórica” é, portanto, 
reconhecida pela mediação política e demandada pelas realizações 
históricas. 
 Assim, presenciamos nos dias de hoje, assevera Nora (1993), o fim 
das “sociedades-memórias”, fala-se tanto da memória, justamente por ela 
não existir mais. Analisemos a memória registradora destacada pelo 
historiador, aquela que delega ao arquivo o cuidado de se lembrar por ela, 
controlando os registros do passado. Reforma-se o passado pelo poder da 
materialidade dos inúmeros registros guardados – é a expressão pura da 
memória em sua materialidade: das relíquias aos monumentos, símbolos 
e rituais, datas e comemorações e uma infinidade de documentos 
(bio)bibliográficos. 
Assenhoreou-se uma memória historicizada, seletou-se seus traços à 
história – até mesmo os esquecimentos passam pelos dispositivos da 
história. Se toda memória, alega Nora (1993), é historicizada, logo, 
salvaguardar que todas as “identidades” da memória passam pelo crivo 
utilitarista da história (isto é, seja individual ou coletiva é histórica), não é 
perder de vista as contradições do Real? De outro modo, o que restaria das 
memórias negadas, recalcadas, pelos antagonismos etc., seriam estas 
mediadas ou silenciadas em sua totalidade aos lugares da memória, ou 
pelo reconhecimento do historiador? A “previsibilidade” não 
descaracteriza a linguagem da memória e o seu valor negativo ao 
regimento simbólico da história? Poderia existir uma gestão pura da 
40 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
memória? E será que a memória está realmente dominada pelos 
procedimentos historiográficos? 
Sobre estas questões, por vezes, a ajuda da literatura se faz 
necessária. No que se refere à memória registradora (dominada pelo lugar 
simbólico), podemos pensarmos juntos com A biblioteca de babel, de José 
Luis Borges (1999). Lá é descrito como o lugar que dispõe de uma 
quantidade quase infinita de conteúdos memoriais. Alegam, os viajantes 
que estiveram na biblioteca: “Não há, na vasta Biblioteca, dois livros 
idênticos (BORGES, 1999, p.40).” Aliás, eles afirmam que existe um 
catálogo fiel com os nomes dos livros e suas localidades. Há também 
milhares e milhares de catálogos falsos, até mesmo as demonstrações das 
falácias desses catálogos (Idem, p.40). A organização dos livros é 
extremamente organizada, e seus guias de localização são extremamente 
sofisticados. Os rumores nos dizem que há excepcionais funcionários, 
peritos nas lógicas catalográficas. 
Um bibliotecário experiente está ciente e, também, está cansado de 
organizar e criar catálogos de história que mencionam a si mesmo em uma 
lista extensa de outros catálogos, obviamente, organizados para facilitar a 
pesquisa de Todos os livros de história da humanidade. No entanto, já que 
essa biblioteca tem uma infinidade de livros catalogados, imaginemos que 
existe um dilema: um catálogo de todos os catálogos que não incluíam a si 
mesmos como verbetes. O bibliotecário está tentando criar um catálogo 
que não faz nenhuma menção de si na capa, ou seja, um catálogo que não 
íncluísse seu próprio título na lista que fornece de outros catálogos. Neste 
caso, esse funcionário deveria incluir o título do catálogo que está fazendo 
em seu próprio catálogo? Se ele decidir não incluí-lo, o catálogo será um 
catálogo que não contém a si mesmo como verbete e, portanto, deveria ser 
incluído. Se, em contrapartida, ele decidir incluí-lo, então, ele será um 
catálogo que inclui a si mesmo como verbete e que, consequentemente, não 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 41 
 
deveria ser incluído. O que o elaborador do catálogo deve fazer? Diante 
dessa aporia, de que maneira o bibliotecário organizaria os catálogos? Ou 
melhor, seria possível, no fim, o controle Total desse registro?5 
Ora, não teríamos, aqui, algo que escapa do controle Total da 
biblioteca? O mesmo não poderia acontecer com a história ao organizar a 
memória? Já que, aqui, não temos uma instância cuja a infalibilidade é um 
receptáculo vazio de captura completa, defendida por Halbwachs, ou a 
mediação total da história à memória (regulação do simbólico ao 
imaginário). Pelo contrário, o status do catálogo de todos os catálogos que 
não incluem a si mesmos permanece essencialmente uma aporia. A 
mediação sempre deixa um resto não-simbolizado, algo sempre escapa à 
simbolização. 
O movimento da memória (tanto à voluntária, como à involuntária) 
não é, da mesma maneira dos catálogos? Repleto de paradoxos, acasos, 
metonímias, não-cronológico, cheios de contrariedades e contradições? Se 
a memória é cheia de furos e impasses, de jogos e brincadeiras, não é pela 
razão de ser negativa aos “filtros da história”? Aqui, deveríamos ir para 
um “ponto vista” radicalmente distinto ao de Halbwachs: não é apenas 
porque o “filtro da história” fracasse em sua tentativa de capturar a 
memória em sua totalidade, mas porque este (assim como a memória) é 
composto por uma falta. Quem sabe, o “filtro da história” na sua tentativa 
pretensiosa, não seria o como o célebre paradoxo de Aquiles tentando em 
vão pegar a tartaruga (ou Heitor)? Esse paradoxo se concerne à seguinte 
passagem da Ilíada: 
 
 
5 O paradoxo catálogo é de Bertrand Russell, em Alfred North Whitehead, Principia Mathematica, vol. 1 (Cambridge: 
Cambridge UniversityPress, 1910) apud FINK, Bruce, 1956 – O sujeito lacaniano; entre a linguagem e o gozo/Bruce 
Fink; tradução de Maria de Lourdes Sette Câmara; consultoria Mirian Aparecida Nogueira Lima. - Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar Ed., 1998, p.50 
42 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Tal como, no sonho, um homem não consegue perseguir um fugitivo, e nem 
este por sua vez consegue escapar-lhe nem o outro alcançá-lo, nem pode 
Aquiles, nesse dia, alcançar Heitor na corrida, nem pode Heitor escapar-lhe 
(XXII, v. 199-200. apud ŽIŽEK,1989,p.21). 
 
Ao pressupormos, assim, uma memória que une-se à história, 
estaríamos em uma relação idêntica à do sujeito que tenta a todo custo se 
unir com o objeto, de maneira parecida, como, lembra Žižek (1989), 
aquelas cenas de sonhos em que nos aproximamos continuamente de um 
objeto que, contudo, sempre mantém à distância de nós. O objeto é 
inacessível, não porque Aquiles não pode agilizar-se à tartaruga – é 
possível deixá-la para trás –, mas porque ele não pode unir-se com ela. 
Porventura, a unicidade da memória à história, defendida por 
Halbwachs e Nora, não compadeceria de uma relação de um desejo 
unitário – aquilo que sempre tentamos pegar, mas sempre escapa por 
entre as mãos? Aqui, seria interessante caminharmos juntos com a 
psicanálise (visto que a memória é um dos temas centrais na análise). 
Lacan salientou que a união com objeto, tem um certo limite de falta, 
situado em um cedo demais e tarde demais, justamente, porque a 
linguagem (simbólico) é furada. Nestes dois paradoxos, que apresentamos 
aqui, temos o cortedo Real ao simbólico6, isto é, no status simbólico 
sempre aparece uma exceção à lógica, um imprevisto, uma aporia – 
justamente por existir cadeias que não cessam de se inscrever, dada a 
negatividade do Real. O signo tenta, mas nunca se une ao seu objeto (por 
isso Aquiles nunca se unirá à tartaruga). 
 
6Lacan conceitua um real antes da letra, i.e., o real pré-simbólico, o R1, o real de segunda ordem é o após a letra, R2, 
que é caracterizado por impasses e impossibilidades, paradoxos devido às relações entre os elementos da ordem 
simbólica em si, esses impasses ao signo vem negatividade radical do Real. Para mais: FINK, Bruce, 1956 – O sujeito 
lacaniano; entre a linguagem e o gozo/Bruce Fink; tradução de Maria de Lourdes Sette Câmara; consultoria Mirian 
Aparecida Nogueira Lima. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 43 
 
Por esta perspectiva, nos perguntamos sobre a tensão entre memória 
e história: primeiro, a memória como uma entidade abstrata (imaginário), 
segundo, a história, como aquilo que descreve as causalidades do passado 
em uma narrativa cronológica, lógica e coesa (simbólico). Talvez, 
deveríamos refletir que, na tentativa de dar historicidade à memória, a 
história “captura” uma parte da memória (contrariando os 
posicionamentos de Halbwachs e Nora) retroagindo seu significado que, 
no entanto, acaba por deixar um resto. E o resto, o que faremos com ele? 
O que fazemos com essa coisa não-simbolizada? 
 
3 Entre a memória voluntária e involuntária, a resposta do Real 
 
Existem certas situações que, espontaneamente, nos é revelado 
fragmentos esquecidos (não-simbolizados) por meio de afetação que 
relampejam memórias provocadas por um cheiro, ou como Marcel Proust 
(2006), Em busca do tempo perdido, sabores “encontrados em algumas 
circunstâncias totalmente diferentes, despertam em nós, à nossa revelia, o 
passado, passamos a sentir o quanto este passado era diferente daquilo 
que acreditávamos (PROUST, 2006,p. 255)”. Para ele, oposto a grande 
parte da historiografia, à memória involuntária é a memória “verdadeira”: 
ela sempre rompe com o hábito e não se limita simplesmente a descrever 
o passado (como a voluntária), mas o de romper e atravessar obstáculos e 
pintar à vida; contrário da memória voluntária, que pinta como os maus 
pintores, pincelando cores sem realidade. 
 Juntos com Proust, podemos supor a seguinte pergunta: será que a 
história faria maus usos, ou más escolhas das cores das memórias? Seixas 
(2004), pressupõe que sim. Para a historiadora, existe uma eleição 
historiográfica da memória voluntária que desqualifica a memória 
involuntária, restando à segunda o signo da irracionalidade, o avesso à 
história (SEIXAS, 2001, p.48). A história não estaria preocupada com as 
44 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
afetações estéticas da memória, ou melhor, as sensibilidades são apenas 
“reconhecidas” nos seus rastros de inteligibilidades. Sabemos que existe 
uma diferença gritante entre uma memória reconstruída pelos “filtros 
históricos”, e a reconstrução do passado pela memória involuntária (Idem, 
p.48). No entanto, o caráter ético da história, seu poder de “resgatar” as 
memórias dos vencidos, e, pelo entendimento histórico, transcrever as 
memórias dos exilados da história tradicional, concerne-se apenas a 
memória voluntária, não restando nada à ação da memória involuntária. 
Na bela passagem de O tempo recuperado, podemos supor o porquê 
da história rechaçar a memória involuntária: 
 
Como em geral se faz, a desenhar as feições de uma transeunte um mesmo 
rosto - segundo descreve o homem como se tivesse o erro fosse mais 
primário, e continuar, quando em lugar do nariz, apenas um espaço 
vazio, onde no máximo se faz um queixo, deveria existir a não ser que 
tivesse tempo de preparar na coisa já bem refletiriam nossos desejos. E 
até sem empregar a importante, as cem máscaras vêem e lêem as feições, ou, 
para o sentido dado aos olhos que por medo, ou, pelo contrário, o amor e o 
mesmos olhos, conforme espera as mudanças operadas por hábito, graças aos 
quais se escondem aquilo cuja falta (como todavia a idade e anos, mesmo se, 
por fim, não empreende me demonstrar) 
 
Se a memória voluntária preocupa-se em preencher as lacunas, por 
outro lado, a memória involuntária relaciona-se com a lacuna. O vazio é 
reconhecido como um espaço contingente, radical de potencialidades à 
criação. A história, deste modo, se interessa pela memória voluntária 
justamente pelo seu conteúdo sintético, isto é, onde existe o vazio, a 
memória voluntária preenche pelo entendimento, colocando os objetos 
faltantes no seu “devido” lugar; a memória involuntária, ao contrário, é 
simplesmente um jogo formal, as suas ressignificações surgem de acordo 
com as afetações em contraste com os entraves de determinadas situações. 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 45 
 
“O que a memória voluntária deixa escapar?” – Pergunta Seixas 
(2001)? “Toda a dimensão afetiva e descontínua da vida e das ações dos 
homens (SEIXAS, 2001, p.47).” Disto, poderíamos supor que Seixas(2001) 
faria o uso da memória involuntária como um regimento subversivo 
infrarracional? Isto é, fundamentada no modo como o sujeito enfrenta as 
ameaças aos seus interesses vitais (a vida em contraste à mediação 
simbólica)? Portanto, a vida vem em primeiro, e não o seu significado – a 
mediação simbólica. 
A metáfora das três metamorfoses do espírito (camelo, leão e 
criança), em Assim falou Zaratustra, é interessante para entendermos os 
apontamentos da historiadora. Contrária a servidão e a obsessão simbólica 
do camelo, e a rebeldia à mediação simbólica do leão, a criança é um 
espírito leve, pois ela engaja-se junto às afetações, ao jogo da criação e dos 
instintos que privilegiam a vida. Certa vez, crianças brincavam com suas 
conchas junto ao mar. Mas o imprevisto as acometeu, a onda tragou seus 
brinquedos e os levou para o fundo. As pobres crianças choraram. Mais 
uma vez uma outra onda que, para surpresas delas, retorna-lhes trazendo 
novos brinquedos, lançando à sua frente novas conchas coloridas. As 
crianças, todas eufóricas, rapidamente esquecem daquilo que perderam e 
se divertem com o novo(NIETZSCHE,2018, p.91). Se a memória 
voluntária, ao serviço do entendimento histórico, acaba por mediar as 
rupturas e os acasos da vida ao regimento de abstrações que a seduzem ao 
ciclo ruminante do passado, a memória involuntária se preocupa em 
refazer seu passado, a lacuna Real do objeto passado não é vista como algo 
para se recuperar, mas vista como uma abertura à criação. 
Somos tentados a supor, a imaginar um diálogo, ou melhor uma 
personificação aos moldes subversivos de Seixas (2001). “Vamos dar vozes 
às memórias excluídas da história?” – Pergunta a memória, não esperando 
obter resposta. “Sim!” – Diz a historiografia, confiante. “Então, o que 
46 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
faremos?” – Indaga a memória, em tom esperançoso. “Ora, compilaremos 
uma vastidão de documentos e recolheremos os seus rastros 
memorialísticos os tecendo com as melhores narrativas! Faremos um 
mausoléu escriturário para que seus espíritos finalmente descansarem em 
paz!” – Reponde a história, tendo certeza que fará o bem. Indignada 
responde a memória: “– Entretanto, e as memórias que circulam junto aos 
vivos excluídos!? Esperaremos a morte de seus desejos, que eles se tornam 
ruínas, para que, finalmente, possamos criar seus mausoléus!?” 
Se a memória voluntária (mediada pela história) preocupa-se em 
recuperar para criar uma abstração de passado, a memória involuntária 
“recria o real; neste sentido, é a própria realidade que se forma na (e pela) 
memória (SEIXAS,2001, p.51).” Olhando por este prisma, a frase de Proust 
(2016) faz ainda mais sentido: “se nossa vida é errante,a memória é 
sedentária (PROUST,2016, p.2993)”. Podemos supor que para Seixas 
(2001) que, de Proust a Nietzsche, o excesso de memória voluntária, (ou 
que Nietzsche (2003) chama de “memória conhecimento”) resulta em um 
cansaço à vida. O que cura esse sintoma (os excessos das informações e do 
conhecimento) é exercitar a “faculdade de esquecer”, não como uma 
lobotomia, mas o de criar um estado tranquilo à consciência: 
“transformando e incorporando o que é estranho e passado, curando 
feridas, restabelecendo o perdido, reconstituindo por si mesma as formas 
partidas (NIETZSCHE, 2003, p.9)”. 
Se certa parte da historiografia, negou as potencialidades 
transformativas da memória involuntária, do outro lado, os pós-
estruturalistas históricos não avaliam as possibilidades que o 
conhecimento também tem sua potencialidade emancipatória. Dos 
princípios, apolíneo (mediação simbólica) e o dionisíaco (páthos), como 
aludiu Eagleton(2013), os pós-estruturalistas inclinam-se mais ao 
segundo, a essa radicalidade patológica que fere o simbólico, que 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 47 
 
desestrutura a normatividade. As vertentes pós-modernas, grosso modo, 
estão mais preocupadas com a desarticulação da estética ao conhecimento 
com seu excesso de elemento dionisíaco que nunca é suprassumido. 
No entanto, esse excesso afetivo da memória, destacado por 
Seixas(2001), descaracterizado por certa parte da historiografia dada 
ingenuidade, ou irracionalidade da memória, não se restringe apenas pelas 
sensibilidades estéticas, mas por algo ainda mais radical, próprio da 
linguagem, da relação entre subjetividade e linguagem. A plasticidade da 
memória involuntária, se deve por ela ser mais do que ela mesma, como 
um objeto estranho autônomo, sem ter um corpo próprio e específico, ela 
aparece e some como um vulto e fugindo de nosso controle, e, quanto mais 
próximo dela, mais angustiados ficamos. 
O poder dessa verdade é explícita no capítulo I (O caminho de 
Guermantes), Em busca do tempo perdido, na cena que a personagem 
Marcel lembra como foi a conversa com sua avó, pela primeira vez usando 
o telefone: 
 
[…] minha avó conversava comigo, o que ela me dizia eu sempre o 
acompanhara na partitura aberta de seu rosto, onde os olhos ocupavam 
enorme espaço; mas sua própria voz, escutava-a hoje pela primeira vez. E 
porque essa voz me surgia mudada em suas proporções desde o instante em 
que era um todo, e assim me chegava sozinha e sem o acompanhamento das 
feições do rosto, descobri quanto era doce aquela voz; talvez mesmo nunca o 
tivesse sido a esse ponto, pois minha avó, sentindo-me distante e infeliz, 
julgava poder abandonar-se à efusão de uma ternura que, por “princípios” de 
educação, ela habitualmente recalcava e escondia. A voz era doce, mas também 
como era triste, primeiro devido à própria doçura, quase filtrada, mais do que 
nunca o seriam algumas vozes humanas, de toda dureza, de todo elemento de 
resistência aos outros, de todo egoísmo; frágil à força de delicadeza, parecia a 
todo instante prestes a quebrar-se, a expirar em um puro correr de lágrimas; 
em seguida, tendo-a sozinha comigo, vista sem a máscara do rosto, nela 
48 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
reparava, pela primeira vez, os desgostos que a tinham marcado no decurso 
da vida (PROUST, 2016, p.1111). 
 
Quando ele se lembra desse objeto, que volta como parcial, a Voz da 
avó aparece como um objeto autônomo, é como se aquela Voz não 
pertencesse mais aquele seu velho corpo, aquela identidade que ele 
postulou a ela, é como se ela (a Voz) estivesse “sozinha comigo, vista sem 
a máscara do rosto”. A subtração dessa memória retira certas 
características da realidade ordinária e retorna como um espectro não-
morto, assombrando o homem: 
 
Eu gritava “Vovó, vovó”, e desejaria beijá-la; mas perto de mim só tinha aquela 
voz, fantasma tão impalpável como o que talvez viesse me visitar quando 
minha avó morresse. “Fale comigo”; mas aconteceu então que, deixando-me 
mais só ainda, deixei subitamente de perceber aquela voz. Minha avó já não 
me ouvia, não estava mais em comunicação comigo, tínhamos deixado de estar 
em face um do outro, de ser audíveis um para o outro, eu continuava a 
interpelá-la, tateando na noite, sentindo que os apelos dela também deveriam 
ter-se extraviado (PROUST, 2016, p. 1112). 
 
Paradoxalmente, temos o retorno de um objeto que sinaliza a 
distância do passado (a sua avó não está com ele) e igualmente sinaliza 
uma virtualidade excessivamente próxima, que é mais real do que ter sua 
avó materialmente presente: 
 
Presença real a dessa voz tão próxima — na separação efetiva! Mas também 
antecipação de uma separação eterna! Com muita frequência, escutando desse 
modo, sem ver quem me falava de tão longe, pareceu-me que essa voz clamava 
das profundezas de onde não se sobe, e conheci a ansiedade que ia me estreitar 
um dia, quando uma voz voltasse assim (sozinha e já não presa a um corpo 
que eu não devia rever nunca mais) a cochichar no meu ouvido palavras que 
eu gostaria de beijar de passagem sobre lábios para sempre em pó (PROUST, 
2016, p. 1110 a 1111). 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 49 
 
 
Aqui, novamente, a psicanálise lacaniana se faz necessária. A 
ansiedade que a personagem sentiu em seu contato “direto” com objeto, 
não é simplesmente por tê-lo perdido, ao contrário, a angústia é uma 
afetação de estar próximo demais do objeto. Como disse Žižek (2012), a 
angústia surge quando objeto a (o mais gozar7) surge diretamente na 
realidade. Quando somos invadidos por esse objeto fantasmático, a 
realidade deixa de ser ela mesma (ŽIŽEK,2012,p.387). 
Agora podemos entender a razão de Seixas (2001) sinalizar a 
importância da memória involuntária como mais “verdadeira” que a 
memória voluntária, justamente, porque ela não constrói de maneira 
mediata, mas de maneira imediata o passado. O passado não é mais uma 
entidade abstrata morta, reconstituída e tecida e guardada pela narrativa 
histórica, mas uma coisa paradoxal que se apresenta diretamente na forma 
de um Real aterrador – uma coisa paradoxal que demanda redenção. 
Como em Hamlet, de Shakespeare, o Rei “retorna” dos mortos para o 
mundo dos vivos, como um espírito aterrador demandando que seu filho 
(Hamlet) reconheça a verdade e redima o passado. Este é o caráter 
paradoxal da memória involuntária, e seu resto não-simbolizado que a 
historiografia ainda não ressignificou, que, no entanto, sempre 
deveríamos atentar a este resto, pois ele dispõe de uma verdade necessária. 
Todavia, devemos observar algo de suma importância: para que essa 
verdade apareça, deve existir um conteúdo anterior simbolizado. De outra 
 
7 O objeto a é um status é puramente fantasístico. Como disse Žižek (2010), “Jacques Lacan, O Seminário, livro u, Os 
quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio de janeiro, Zahar, 1985, p.86. Aqui está um caso de como ler Lacan, 
deveríamos passar de um seminário para o écrit correspondente - o ecnt que corresponde ao Seminário XI é "Posição 
do inconsciente" que contém uma formulação muito densa, mas também muito precisa: do mito da "lameia". L'Objet 
petit a (o objeto a, onde "a" representa "o outro, o objeto pequeno outro" - segundo o desejo de Lacan, muitas vezes 
a expressão não é traduzida) é um neologismo de Lacan com múltiplos significados. Principalmente, designa o objeto-
causa de desejo: não diretamente o objeto de desejo, mas aquilo que, no objeto que desejamos, faz com que o 
desejemos (ŽIŽEK, 2010, p.78).” Por exemplo, quando estamos diante de um objeto ou de uma pessoa que aparenta 
ter algo a mais do que ela mesma, uma aura enigmática (como a voz da avó de Marcel). 
50 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
maneira, para que a memória involuntária transpareça sua verdade, deve 
haver um conteúdo quea significou anteriormente, o objeto para que uma 
nova forma rompa seu antigo significado antigo, trazendo aquilo que o 
simbólico tentou capturar em sua completude que, no entanto, 
“fracassou”. Pela memória voluntária a personagem de Proust (2016), tem 
certeza da identidade de sua avó, mas quando ele conversa com ela pelo 
telefone, o conteúdo que ele tinha de sua identidade não contempla os 
excessos da forma da Voz da avó, a algo nela mais do que ela mesmo (o 
objeto a). A memória involuntária retroage novos significados, afetações 
que antes o simbólico não havia mediado. No fundo isso é uma lacuna 
entre forma e conteúdo. Por isso que deveríamos, segundo Žižek (2013), 
prestarmos atenção que a forma sinaliza aquela parte do conteúdo que foi 
excluída da linha narrativa explícita, ou seja, “se quisermos reconstruir 
“todo” o conteúdo narrativo, devemos ir além do conteúdo narrativo 
explícito como tal e incluir aquelas características formais que agem como 
substitutas do aspecto “reprimido” do conteúdo (ŽIŽEK, 2013,p.174).” 
 
4 Do Real à redenção 
 
Da repressão do conteúdo e seu resto ainda não-simbolizado, 
Gagnebin (20108) rememora os mortos da ditadura militar brasileira que 
continuam presos aos dispositivos de esquecimentos forçados, corpos que 
não foram sepultados e os espíritos que ainda não foram reconciliados. 
Não sabemos suas histórias, ou como morreram, nem mesmo onde estão 
os seus restos – só nos resta o seu vazio. De maneira ética, a filósofa nos 
diz que precisamos enterrar os nossos mortos, pois os mortos não 
sepultados atormentaram o mundo dos vivos, “de maneira dolorosa seus 
herdeiros e descendentes, mas também e sem dúvida seus algozes 
 
8GAGNEBIN, Jeanne Marie. O preço de uma reconciliação extorquida. Em O que resta da ditadura : a exceção 
brasileira / Edson Teles e Vladimir Safatle (Orgs.). - São Paulo: Boitempo, 2010. 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 51 
 
passados, que, mesmo quando afirmam não se arrepender, reagem com 
tamanha violência e rapidez quando se alude ao passado (GAGNEBIN, 
2010, p.185).” 
Para este sepultamento, Gagnebin retoma Michel de Certeau (1984), 
e a sua tumba escriturária, a escrita é um “rito de sepultamento”, “que 
pode ser interpretado, de maneira clássica, como expressão da vontade 
humana de honrar a memória dos mortos, de respeitar os antepassados, 
de opor à fragilidade da existência singular a esperança de sua conservação 
na memória dos vivos (GAGNEBIN, 2010,p.184).” O rito de sepultamento 
marca o processo de luto social, demarcando o mundo dos vivos e dos 
mortos para impedir que espectros obscenos retornem ao mundo dos 
vivos, para que os vivos vivam suas vidas. Disserta Certeau(1982). 
 
[…] no sentido etnológico e quase religioso do termo, a escrita representa o 
papel de um rito de sepultamento; ela exorciza a morte introduzindo-a no 
discurso. Por outro lado, tem uma função simbolizadora; permite a uma 
sociedade situar-se, dando-lhe, na linguagem, um passado, e abrindo assim 
um espaço próprio para o presente: "marcar" um passado, é dar um lugar à 
morte, mas também redistribuir o espaço das possibilidades, determinar 
negativamente aquilo que está por fazer e, conseqüentemente, utilizar a 
narratividade, que enterra os mortos, como um meio de estabelecer um lugar 
para os vivos (CERTEAU, 1982,p.104). 
 
 Será que somente a escrita da história é suficiente para suprassumir 
esse resto, o espectro obsceno do passado? É claro que a escrita é 
importante, ela que demarca o reconhecimento do morto ao sujeito, o 
passado torna-se “reconhecido” ao presente. Todavia, ela cria um 
conteúdo de laço, isto é, seu ato é uma prática de laçar o objeto morto, o 
passado. Aqui, devemos estarmos atentos aos apontamentos de Certeau 
(1982), se por um lado a historiografia cria um laço “ficcional”: “A 
historiografia (quer dizer "história" e "escrita") traz inscrito no próprio 
52 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
nome o paradoxo – e quase o oximoron – do relacionamento de dois 
termos antinômicos: o real e o discurso. Ela tem a tarefa de articulá-los e, 
onde este laço não é pensável, fazer como se os articulasse (Idem, p.6).”; 
por outro, o fazer como se articulasse, é nomear o espectro na linguagem, 
mas nunca se captura esse real de maneira completa, pois: 
 
[…] falar dos mortos é também negar a morte e, quase, desafiá-la. Igualmente 
diz-se que a história os "ressuscita". Esta palavra é um engodo: ela não 
ressuscita nada. Mas evoca a função outorgada a uma disciplina que trata a 
morte como um objeto do saber e, fazendo isto, dá lugar à produção de uma 
troca entre vivos. (…) Esta é a história. Um jogo da vida e da morte prossegue 
no calmo desdobramento de um relato, ressurgência e denegação da origem, 
desvelamento de um passado morto e resultado de uma prática presente 
(CERTEAU, 1982, p.53). 
 
Se a história é uma prática do presente ao passado, isto quer dizer 
que o morto nunca ficará satisfeito sobre o que se diz a respeito de seu 
nome. As escritas científicas tentam acalmar esta estranha fantasmagoria, 
oferecendo-lhe túmulos escriturários, mas esses nunca são suficientes 
para acalmá-lo, sempre falta alguma coisa para escrita. No entanto, da 
lacuna entre forma e conteúdo (o furo na linguagem) é que faz a escrita 
movimentar, a necessidade do ofício do historiador. 
Dessa lacuna, devemos nos atentar na forma e conteúdo da memória 
e da história. Se por um lado, a história (com a memória voluntária) cria 
um conteúdo ao passado (uma tumba escriturária), a memória 
involuntária atua na forma do Real, sinalizando aquilo que conteúdo, que 
a tumba não mediou, recalcou, excluiu de sua narrativa. Necessitaríamos 
de olhar a lacuna, não como um “fracasso” completo, como se objeto não 
pudesse ser entendido em sua razão, mas como um processo “em si” da 
linguagem. Dos “fracassos” da simbolização, naquilo que ainda não foi 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 53 
 
significado, podemos criar novas significações, dar um novo sentido. Se 
recuarmos dessa tarefa, como disse Lacan (1985), aquilo que não é 
assumido, ressignificado, simbolizado pelo sujeito retorna no Real 
(LACAN, 1985, p.20). Aqui é possível entender o apreço de Certeau de 
significar o passado como uma prática (participante ativo dos Seminários 
de Lacan) de purificação dos espectros dos passados. 
Mas essa purificação pode ser lida de forma ainda mais radical, não 
somente como escrita, mas como ação política. O espectro subversivo da 
memória involuntária, quem sabe, não seria tal e qual como um misterioso 
passado descontínuo que requisita uma forma de continuidade, o índice 
do passado misterioso (mais do que ele mesmo) que incita à redenção? 
Benjamin (2005), em Sobre o conceito de história, pode nos ajudar a 
pensar o poder da memória. O filósofo pergunta (Tese II), “Não nos afaga, 
pois, levemente um sopro de ar que envolveu os que nos precederam? 
(BENJAMIN,2005,p.48)?” Os desejos dos mortos dos excluídos que estão 
nos escombros (ou nos lugares de memória), bastaria um instante para 
ressoar novamente suas mensagens passadas quão um trovão que 
estraleja no soturno céu tempestuoso. Suas vozes se ascendem e se 
apagam, quão um objeto que atua de maneira “autônoma e parcial” na 
realidade (Tese V): “uma imagem célebre e furtiva, visível apenas no 
tempo de um relâmpago (Idem, p.64)”. Se sempre escapa algo da história 
em seu processo de significação, ela sempre acaba por deixa um resto não 
significado na realidade, uma voz que ainda não adentrou ao corpo da 
linguagem, daí a sequência(Tese II): “Não ressoa nas vozes a que damos 
ouvido um eco das que estão, agora, caladas (Idem, p.48)?” 
Aqui, não estamos caindo em tentações fatalistas, a memória não 
seria apenas uma apresentação melancólica de um passado dos derrotados 
(ou apenas sepultadas em tubas escriturárias),mas, também, de potência, 
sublimando com seu poder subversivo para as aberturas do presente. É 
54 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
óbvio que nas derrotas das vozes excluídas, uma vez nas ruínas, sua 
revelação pode aparecer, inicialmente, como um signo de melancolia. 
Freud (2011) postulou que a melancolia é uma fixação de um passado 
derrotado que, no entanto, poderia ser diferente. Assim, para nos 
livrarmos dessa fixação melancólica desse outro que se foi, seria necessário 
passar pelo trabalho do luto. O luto não é uma simples substituição que 
equivaleria a um estatuto intercambiável, ou seja, a perda do objeto amado 
não é complementada pelo câmbio de um objeto substituto. Em geral, 
descreveu Freud, “se observa que o homem não abandona de bom grado 
uma posição da libido, nem mesmo quando um substituto já se lhe acena 
(FREUD, 2011,p.29)”. Nos resta, a princípio, o desamparo, a perda do 
objeto amado não pode ser revertida. Se tentarmos negar nosso afeto ao 
objeto amado perdido, tentando de todas as formas forçar esquecimento 
seria elevar, destaca Safatle(2015), “a lobotomia a ideal de vida 
(SAFATLE,2015,p.125)”. 
Não é necessário substituições, ou esquecimentos forçados, o amor 
ao objeto perdido permanecerá. A operação de lidar com o desamparo, o 
seu trabalho de luto, seria como um processo de sublimação: um trabalho 
da memória, uma forma de existência, entre presença e a ausência, 
permanência e duração. Uma existência espectral, que anima o mundo dos 
vivos, como forças ressonantes que dão vida ao presente, os objetos 
mortos pulsam no presente tomando outras formas, apossando-se de 
objetos em uma metamorfose contínua. 
A transformação social, evidentemente, é uma política da memória, 
mas, aqui, é diferente da ligação direta com a mediação histórica de Nora, 
a redenção da memória benjaminiana não seria descrever os fatos como 
eles realmente foram, os acontecimentos que geraram ilusões, ou a 
simplesmente a exclusão dos sonhos perdidos na história; a tarefa é, antes 
de tudo, reconstruir as potencialidades dos sonhos ocultos nos escombros 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 55 
 
da história. A memória ligada à prática, é revolucionária, pois insiste que 
os vultos espectrais que perambulam como objetos parciais assombrando 
o presente, exigem uma redenção, uma significação para que finalmente 
possam descansar, não somente nas tumbas escriturárias, mas como 
agentes transformadores na realidade. 
 
5 Considerações finais 
 
O poder da memória, em Benjamin, portanto, não é uma construção 
acumulativa de fatos, e tecida por um tempo linear, sendo uma cronologia 
insossa, ou “como mero instrumento a serviço da vontade de acumulação 
(GAGNEBIN, 2013, p.21)”. O excesso de fatos pelos fatos, estagnam as 
potencialidades da ação. A memória involuntária, também, deveria ser 
entendida como memória ação, uma intensidade à inovação, o Kairos, o 
instante preciso da transformação possível. Daí não teríamos mais uma 
memória docilizada, tal como propõe certos segmentos da historiografia, 
entretanto, uma iluminação recíproca de um passado para um potencial 
presente de transformação coletiva e individual. As Vozes Perdidas, que 
Benjamin tanto nos sinalizou, não seriam um pedido para eternizá-las, 
mas de criar imagens mais verdadeiramente frágeis, imagens 
involuntárias que sinalizam para promessas que não foram cumpridas 
(Idem, p.21). 
Das memórias que movimentam-se no seio social, trazendo com sigo 
afetações e saberes, mas, paradoxalmente, fantasmas atormentados. É 
necessário perante essa contradição Real, a ação de criar, dar novos 
sentidos e significados para essas lembranças. É óbvio que um novo 
significado traz consigo um esquecer, não como uma lobotomia, mas um 
esquecer criativo, sublimatório. Se lembrássemos de tudo, não 
poderíamos ir além do que nos procede. Se guardarmos tudo, seremos 
como o Funes, o memorioso, de José Luis Borges, o excesso de memória 
56 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
“matará” a todos de congestão pulmonar (BORGES, 1999,p.57). Devemos 
não somente sepultar os nossos mortos em tumbas escriturárias, mas, 
também, utilizarmos de seus sonhos enterrados na história para criarmos 
um novo amanhã. 
 
Referências 
 
BENJAMIN, Walter. Aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de 
história” / Michael Liiwy; tradução de Wanda Nogueira Caldeira Branr, [tradução 
das teses] Jeanne Marie Gagnebin, Marcos Lurz Muller. - São Paulo: Boitempo, 2005. 
 
CERTEAU, Michel de: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. 
 
BORGES, José Luis. [1941] Biblioteca de Babel; [1942]. In: Obras Completas I (1923-1949). 
Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1999. 
 
DOSSE, François. Uma história social da memória. In: A História. Bauru, SP: Edusc, 2003. 
 
EAGLETON, Terry. Doce Violência: A ideia do trágico. 1.ed. São Paulo: Editora 
Unesp,2013. 
 
FREUD, S. Luto e melancolia. Trad, Marilene Carone. São Paulo: Cosac Naify, 2011(versão 
digital LeLivros). 
 
GAGNEBIN, Jeanne Marie. O trabalho de rememoração de Penélope. In: PINHO, Amon 
(coord.). Despertar, Politizar, Redimir: Walter Benjamin à contracorrente das 
mitologias da modernidade. São Paulo: Hedra; Uberlândia: EDUFU. 
 
GAGNEBIN, Jeanne Marie. O preço de uma reconciliação extorquida. In: O que resta da 
ditadura: a exceção brasileira / Edson Teles e Vladimir Safatle (Orgs.). - São Paulo: 
Boitempo, 2010. 
 
TORRANO, José Antonio. Hesíodo Teogonia. A origem dos Deuses. Estudo e tradução. 6. 
ed. São Paulo: Iluminuras, 2006. 
 
Thalles Valente de Paiva; Ana Clara Valente de Paiva | 57 
 
LACAN, Jaques. O Seminário, livro 3: As psicoses. Zahar; 2ª edição, 1985. 
 
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e 
desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. 
 
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra: um livro de todos e para ninguém/ 
Friedrich Nietzsche; tradução, notas e posfácio Paulo César de Souza. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2018. 
 
PROUST, Marcel. No caminho de Swann / Marcel Proust; tradução Mario Quintana; 3a ed. 
rev. Olgária Chaim Féres Matos; prefácio, cronologia, notas e resumo Guilherme 
Ignácio da Silva; posfácio Jeanne-Marie Gagnebin. — São Paulo: Globo, 2006. — (Em 
busca do tempo perdido; v. 1). 
 
PROUST, Marcel, 1871-1922 Em busca do tempo perdido [recurso eletrônico]: volumes 
1, 2 e 3 / Marcel Proust; tradução Fernando Py. - [4. ed.]. - Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 2016. 
 
SAFATLE, Vladimir, Os circuitos dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do 
individuo/ Vladimir Safatle – 2. ed. reimp. – Belo Horizonte: Autentica Editora, 
2016. 
 
SEIXAS, Jacy Alves de. “Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais” 
In: BRESCIANI, Stella.; Naxara, Márcia [org.] Memória e (re)ressentimento – 
indagações sobre uma questão sensível. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2001. 
 
ŽIŽEK, Slavoj. O mais sublime dos histéricos: Hegel com Lacan. Trad. V. Ribeiro. Rio de 
Janeiro: Editora Zahar, 1991. 
 
ŽIŽEK, Slavoj. Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. São Paulo, 
Boitempo, 2013. 
 
 
 
 
Capítulo 3 
 
Memórias do tempo presente: as narrativas dos 
professores durante o ensino remoto em Rio Verde-GO 
 
Nívea Oliveira Couto de Jesus1 
 
 
1 Introdução 
 
O texto trata dos estudos parciais do projeto de pesquisa: Memórias 
do tempo presente: as narrativas dos professores durante o ensino remoto 
em Rio Verde-GO, visando ampliar os estudos referentes a memória 
coletiva e individual e transformar os relatos experienciais e relacionais, 
em atos reflexivos mais críticos que propiciem um processo de construção 
de um caminho possível para uma nova escola e um novo professor pós 
pandemia. Além de contribuir para que as narrativas dos professoresdurante o ensino remoto se transformem em fontes de pesquisa e ampliem 
os estudos acerca das narrativas como forma de pensar e fazer ciência. 
Acredita-se que problematizar as relações das memórias do tempo 
presente com as demandas sociais, sobretudo nas pesquisas que fazem uso 
das fontes orais possam apontar que o futuro de certos passados pode 
estar sob ameaça no presente do nosso tempo. 
 Devido à Covid-19, causada pelo novo coronavírus, o Ministério da 
Educação (MEC) publicou no dia 18 de março de 2020 a portaria nº 343, 
autorizando em caráter excepcional a substituição das aulas presenciais 
por aulas na modalidade a distância. Diante da mudança, estudantes, 
escolas, faculdades e universidades precisaram adaptar a rotina e as aulas 
à nova realidade, a fim de não comprometer o cronograma escolar no 
 
1 Doutoranda em Educação PUC GOIÁS. niveacouto@hotmail.com 
mailto:niveacouto@hotmail.com
Nívea Oliveira Couto de Jesus | 59 
 
período de isolamento social. As escolas tiveram que se adequar à forma 
digital para amenizar os prejuízos relacionados ao processo de ensino 
aprendizagem dos estudantes. 
Diante disso, a reflexão das narrativas dos professores durante o 
ensino remoto em Rio Verde é um instrumento de suma relevância para a 
construção de uma pesquisa em história da educação, pautada nas 
memórias do tempo presente. 
 
2 História Oral, Memória e Narrativas 
 
Os relatos orais não são práticas recentes. Eles foram utilizados, no 
decorrer da história, para repassarem ensinamentos, experiências e 
valores de geração para geração. Contudo eram práticas não 
sistematizadas que foram perdendo valor com o aparecimento da escrita. 
No século XX, com a proposição, pela historiografia francesa, da utilização 
de novos procedimentos metodológicos nas pesquisas históricas, iniciou-
se um processo de valorização dos relatos orais. Entretanto, a história oral, 
como é atualmente concebida: a “moderna” história oral é uma prática 
recente no meio acadêmico. Começou a se estruturar e ganhar espaço em 
meados do século XX. Essa expansão está associada ao avanço tecnológico 
e à necessidade de registrar as experiências vividas pelos combatentes, por 
seus familiares e pelas vítimas dos conflitos da II Guerra Mundial. 
No Brasil a difusão da moderna história oral teve início na década de 
70. Foi nessa época que se começou a dar voz aos silenciados, ou seja, 
àqueles que até então não tinham liberdade de expressão, como por 
exemplo, as comunidades negras, indígenas, as feministas, os operários, 
os estudantes. Até então, a utilização da história oral era voltada para as 
elites, era baseada em registros documentais e entrevistas de homens 
públicos com atuação no cenário político. 
60 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Atualmente a história oral tem dado ênfase aos fatos locais de 
interesse coletivo. Ela contribui para a valorização do indivíduo enquanto 
sujeito que age, interage e constrói a história. Segundo Meihy (2002), 
apesar de outros fatores terem contribuído e de ter sido um longo processo 
de maturação, já se tem notado uma melhoria da autoestima de 
comunidades que, ao participarem da história oral, passaram a se ver 
também como parte da história. “Sem dúvida, a definição de cidadania, em 
termos atuais, muito tem a ver com o reconhecimento do papel da história 
oral”. (MEIHY, 2002, p.91). 
Segundo José Carlos Sebe Bom Meihy (2011), a história oral moderna 
necessita, incondicionalmente, do suporte tecnológico dos meios de 
gravação de voz. 
 
A moderna história oral depende de recursos eletrônicos na medida em que 
estes se colocam como meios mecânicos para auxiliar não apenas na gravação 
em seu momento de realização, mas, sobretudo depois, quando se presta à 
fase de transposição do oral para o escrito. Uma das características mais 
evidentes da história oral remete à constante utilização dos meios eletrônicos 
usados. Aliás, sem os recursos da aparelhagem eletrônica e mecânica de nossos 
dias, as entrevistas dificilmente teriam alcance em projetos de moderna 
história oral que, por sua vez, são pensados com a presença obrigatória desses 
artifícios. (MEIHY; HOLANDA, 2014, p. 21). 
 
Meihy estabelece a relação da história oral com o tempo presente: 
“Ela é sempre uma história do tempo presente e também reconhecida 
como história viva” (MEIHY; HOLANDA, 2014, p.17), pois seu recorte 
temporal está ligado ao tempo da vida, e exposto à inconstância do que 
está por vir. 
A matéria-prima da História oral são as narrativas que sempre 
estiveram presentes em todas as épocas históricas. Há uma relação de 
dependência da História em geral com a História oral, e ambas são 
Nívea Oliveira Couto de Jesus | 61 
 
alimentadas pelas Memórias, seja a Memória “oficial”, seja a Memória 
“subterrânea” e/ou “marginalizada”, sendo estas últimas “[...] que 
prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase 
imperceptível” e que “[...] afloram em momentos de crise em sobressaltos 
bruscos e exacerbados” (POLLAK, 1989, p. 3; 15). 
Refletindo acerca do conceito de memória, entendemos este como 
inerente à capacidade humana, pois, lida com experiências, sociais e 
individuais, que podem ser (re)transmitidas para diversos sujeitos 
históricos. Para Thomson (1998, p. 57): 
 
(...) a memória “gira em torno da relação passado-presente, e envolve um 
processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências 
relembradas”, em função das mudanças nos relatos públicos sobre o passado. 
Que memórias escolhemos para recordar e relatar (e, portanto, relembrar), e 
como damos sentido a elas são coisas que mudam com o passar do tempo. 
 
A memória apoia-se sobre o passado vivido, o qual permite a 
constituição de uma narrativa sobre o passado do sujeito de forma viva e 
natural, mais do que sobre o passado apreendido pela história escrita 
(HALBWACHS, 2013: p.75). Em Halbwachs, a memória histórica é 
compreendida como a sucessão de acontecimentos marcantes na história 
de um país. O próprio termo “memória histórica” desta forma, seria uma 
tentativa de aglutinar questões opostas, mas para entender em que sentido 
a História se opõe à Memória, para Halbwachs (2013), é preciso que se 
atenha à concepção de História por ele empregada. 
A memória coletiva é pautada na continuidade e deve ser vista 
sempre no plural (memórias coletivas). Ora, justamente porque a 
memória de um indivíduo ou de um país estão na base da formulação de 
uma identidade, que a continuidade é vista como característica marcante. 
A História, por outro lado, encontra-se pautada na síntese dos grandes 
62 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
acontecimentos da história de uma nação, o que para Halbwachs (2013) 
faz das memórias coletivas apenas detalhes. 
A História possui uma história e olhar para ela é considerar a vida, os 
conceitos, as teorias, os comportamentos, como uma construção, fruto de 
diversos conflitos, tensões e interesses. Vasculhar o cotidiano com as lentes 
da História Cultural é percorrer caminhos tortuosos, por vezes 
desafiadores, desconstruir cristalizações e, fundamentalmente, criticar 
cada fala, objeto, documento ou fotografia, explorando-os como 
“testemunho histórico” (NASCIMENTO, 2003, p. 68), em diálogo com os 
contextos nos quais estão inseridos. 
Muitos imaginam que a história está pronta e que o papel do 
historiador é apenas contá-la, mas a história é uma construção. (BAUER, 
2017, p. 52). Segundo a autora a análise de um passado, próximo ou 
distante, depende de quem escreve, do contexto que escreve e das fontes 
consultadas, pois Historiadores não são os únicos autores dessas 
narrativas. Há políticas de negacionismo promovidas por governantes e 
produtos culturais, como filmes e livros, que contribuem na formação de 
uma memória social, para citar exemplos de espaços em que se operam 
essasescolhas do que se vai lembrar ou esquecer. 
A argumentação em favor das narrativas dos professores durante o 
ensino remoto como um recurso metodológico como forma de pensar e 
fazer ciência é algo recente. Segundo Alves e Gonçalves, 
 
(...) parece certo que, só recentemente, o termo narrativa não nos transporta 
apenas para o mundo da literatura e da criação literária. Atualmente é já um 
dado adquirido que a narrativa se constitui como uma metáfora e o 
instrumento de um novo paradigma de entendimento, de observação e de 
compreensão psicológica e educativa (2001, p. 92). 
 
Nívea Oliveira Couto de Jesus | 63 
 
Vivenciar um momento importante de ensino remoto com uma gama 
de narrativas que estará nos livros de história de amanhã justifica a 
pesquisa pela emergência na contemporaneidade de se pensar a 
preservação da memória coletiva e sua transformação em história. 
A pesquisa está sendo desenvolvida principalmente através da 
documentação oral. As entrevistas estão sendo realizadas privilegiando a 
história oral temática, acreditando assim reabrir o diálogo entre os 
personagens que participaram e construíram a composição deste cenário 
histórico pandêmico. Portanto a utilização dos pressupostos 
metodológicos da História Oral, que subsidia a pesquisa em História 
Cultural e Memória. A recuperação do passado, próximo ou distante não 
tem condições de ser totalmente objetiva porque a subjetividade do 
pesquisador está presente. Por isso, para compreendermos porque o 
presente é o que é, devemos trabalhar dentro de uma perspectiva sócio 
histórica, pois ela interroga o passado com interesses ditados pelo 
presente, rejeitando verdades universais. 
Dessa forma, na metodologia da história oral o pesquisador pode 
criar e recriar fontes. Olhar o passado não pode ser um exercício de 
nostalgia, lembranças simples e saudades. As sociedades, em sua 
organização política, econômica, social e cultural, pensam o passado de 
diversas formas e o narra de distintas maneiras. Nesse sentido, como 
afirma Portelli (1997), é impossível reviver o passado sem resgatá-lo e 
colocá-lo no coração. Sabemos que o campo da história oral não é um 
espaço único de interpretação teórico-metodológica. As várias disciplinas 
podem contribuir para o aprofundamento dessa discussão, enfatizando 
coincidências e conflitos. Essa proposta de estudo pode contribuir para 
rever a construção da realidade dos sujeitos, permitindo que o pesquisador 
aprofunde, por exemplo, a entrevista com o narrador e a possibilidade de 
diálogo entre a teoria e o exercício da prática. 
64 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
A subjetividade vem sendo bastante reverenciada na metodologia da 
história oral. Esta deve contribuir na construção de textos originais, na 
organização dos dados, na interpretação da realidade, sem privilegiar 
aquelas preposições que o pesquisador/educador já tem a priori. Nesse 
sentido, é sempre recomendável nos perguntarmos se o que a realidade 
apresentada é analisada a partir da perspectiva crítica. A subjetividade 
pode ser o ponto forte da pesquisa. Alguns informantes conseguem 
reconstruir o diálogo e são específicos em sua análise; outros falam apenas 
de modo geral e amplo. Entretanto, vários teóricos insistem na afirmação 
de que as fontes orais estão distantes dos acontecimentos, enfatizando a 
possibilidade de distorção da memória. Portelli (1997, p. 33) defende que: 
 
(...) na verdade, este problema existe para muitos documentos escritos, 
comumente elaborados alguns tempo após o evento ao qual se refere, e sempre 
por não participantes. As fontes orais podiam compensar a distância 
cronológica com um envolvimento pessoal mais íntimo. 
 
Para operacionalização da pesquisa alguns procedimentos estão 
sendo organizados, tais como o caderno de campo nas versões impressa e 
digital por meio de plataforma digitais, contendo dados do projeto, dados 
dos depoentes, dados dos contatos e dados do andamento das etapas e de 
preparo do documento final e envio de correspondências. 
 
3 Algumas narrativas 
 
Até o momento foram realizadas entrevistas com professores de 
quatro escolas da rede estadual de ensino no município de Rio Verde GO. 
A análise das narrativas nos permite observar como foram os primeiros 
momentos vivenciados pelos professores durante o ensino remoto. 
 
Nívea Oliveira Couto de Jesus | 65 
 
Nos transformamos nesse momento em Youtubers, em editores de vídeo, 
produtores de curta metragens, mas uma coisa é certa, não devemos deixar 
nossos alunos desamparados nesse momento de luta. Um ponto positivo que 
eu tenho percebido por parte dos alunos e das famílias é o engajamento de 
todos, estamos vendo (virtualmente é claro) uma participação quase maciça e 
um apoio muito grande das famílias nesse trabalho à distância. (Elaine Divina 
R. S. Oliveira, 2020) 
 
A professora Elaine ministra aulas no Colégio Estadual Filhinho 
Portilho. Na sua narrativa, é visível o esforço para adequar à nova 
realidade e alcançar os alunos nesse período de isolamento social. 
A coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Martins Borges, a 
professora Jehane Christina de Oliveira docentes afirma que os professores 
que dominam aplicativos de ambientes virtuais estão realizando 
videoconferências, gravando videoaulas para canais do youtube entre 
outros, para promover a melhor interatividade. Os que têm maior 
dificuldade estão se esforçando para ganhar esse conhecimento e poder 
utilizá-lo. O professor Carlos Cézar explicita na sua narrativa sua prática 
de ensino. 
 
Como professor tenho procurado me adequar a essa nova realidade, 
esperando que em breve volte à normalidade. Como aspectos positivos posso 
dizer que o momento para mim tem sido de aprendizado, pois tenho buscado 
estudar mais a fundo sobre novas tecnologias que facilitem a comunicação 
com os alunos para o envio e recebimento de atividades, orientações para a 
conclusão de tarefas, acompanhamento online por meio do grupo de estudos 
via WhatsApp. Aponto ainda a interação com os alunos por meio das redes 
sociais como mais uma ferramenta de apoio aos estudos. Até o momento a 
participação dos estudantes do grupo ao qual tenho sido tutor tem sido 
positiva, pois a maioria tem questionado e buscado cumprir os ciclos de 
estudos dentro dos prazos estabelecidos. Agora esse tipo de ensino exige muito 
mais tempo de disponibilidade do professor para atender as demandas, pois a 
todo momento chegam dúvidas e atividades respondidas pelos alunos para 
66 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
serem baixadas, conferidas e arquivadas na pasta de cada um. E isso exige 
muito tempo sentado à frente do computador ou manuseando a tela do celular, 
pois o acúmulo pode gerar mais trabalho depois e ser mais desgastante ainda, 
pois são muitas listas de atividades. Me preocupa também aqueles alunos da 
rede que não tem acesso a essas tecnologias. Outra situação é saber como 
mensurar até que ponto esse sistema de ensino nos ensinos fundamental e 
médio pode ser garantia de aprendizado por parte dos estudantes. (Carlos 
Cézar Vieira, 2020) 
 
Segundo Estella Maria Silva Souza, uma das coordenadoras 
pedagógicas do Colégio Estadual Eugênio Jardim, o maior desafio está em 
envolver os alunos do 6º ano, pois os estudantes precisam compartilhar o 
celular com os pais para a realização dos exercícios, o que na maioria das 
vezes ocorre à noite quando chegam do trabalho. 
 
Acredito que, de toda experiência positiva que estou vivenciando com essas 
aulas não presenciais, o ponto extremamente negativo é o não cumprimento 
de um horário específico, já que estamos trabalhando com o nosso dispositivo 
pessoal, isso faz com que os alunos e seus responsáveis acreditem que 
possuem acesso livre a nós, professores, em todo o tempo, a qualquer horário, 
isso tem sido muito desgastante e desagradável(Depoimento: Estella Maria 
Silva Souza, 2020). 
 
No depoimento da professora Estella, fica evidente sua angústia 
diante da falta de privacidade, visto que a metodologia de aulas não 
presenciais foi criada em caráter emergencial, gerando desgaste 
profissional e pessoal. 
A narrativa da professora Elizabeth Maria Fermino que atua como 
coordenadora de turno do Colégio Estadual Manoel Ayres, apresenta as 
dificuldades de acompanhamento dos alunos com relação ao 
comprometimento com as atividades escolares, bem como a falta de 
Nívea Oliveira Couto de Jesus | 67 
 
autonomia dos pais em relação aos filhos. Ações que contribuem para o 
sucesso ou fracasso escolar. 
 
 Está muito difícil, porque os alunos não o compromisso nem de responder a 
frequência. É uma busca constante e exaustiva, por mais que a gente tente 
facilitar para os alunos. A princípio a chamada tinha um tempo limite, eu 
deixava 1h e meia para responder a frequência. Daí tentei facilitar para eles, 
pois muitos dependem do telefone do pai para responder a presença e eu vi 
que eles precisavam de uma ajuda. Então passei a fazer a chamada no 
formulário do google forms para facilitar, pois era só clicar no nome deles e 
por mais que estava disponibilizado o dia inteiro para responder parece que aí 
é que eles acharam que não tinha que responder mais. Então eu tenho que 
ligar para os pais, ligar para os alunos e minha maior dificuldade é com o 
Ensino Fundamental, porque como os pais trabalham, os alunos ficam em 
ficam sozinhos e eles não tem esse compromisso de assistir aula. Os pais 
também não têm o compromisso de ver se o filho está fazendo está fazendo a 
parte dele como aluno de assistir as aulas, responder presença. Quando eu ligo 
e vou explicar para o pai que o aluno tem uma semana, duas semanas que não 
responde presença, eles dizem: como assim? Eles têm telefone, tem internet, 
tem tudo em casa e não responde. Alguns me falam assim: Nossa Elizabeth... 
alunos de 7º ano, que os filhos falam para eles que não vão estudar e eles não 
podem fazer nada. Como assim? O pai não ter autonomia de falar para filho 
que tem que estudar e fazer a parte dele... então está faltando esse 
compromisso familiar do pai ser responsável pelo aluno e não ele achar que é 
dono de si e não fazer a parte dele como aluno. A evasão está gigantesca, 
porque os pais não cumprem com seu quesito de ser pai, de ser responsável 
pelos filhos, a gente teria um maior compromisso dos alunos (Depoimento: 
Elizabeth Maria Fermino, 2021). 
 
As narrativas dos professores durante o ensino remoto favorecem a 
demonstração das emoções, dos fatos e das experiências que são 
singulares e plurais nas vivências de cada professor. Nos relatos, por meio 
de narrativas justifica-se um tempo e ampliam-se as possibilidades deles 
68 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
se reconhecerem no processo, tendo em vista as experiências vividas e as 
narrativas construtivas de formação da identidade pessoal e profissional 
em um período desafiador como o da pandemia do covid-19 e a 
implantação do ensino remoto. 
 
4 Algumas considerações 
 
Diante de um presente conturbado pelas questões que afligem o 
individual e o coletivo, pela pandemia do covi-19, tornou-se relevante 
ouvir as narrativas dos professores durante o ensino remoto, no sentido 
de serem transformadas em fontes de pesquisa e também como forma de 
pensar e fazer ciência por meio dos estudos envolvendo História Oral, 
História Cultural e Memória. 
As narrativas dos professores traçam os caminhos de encontros e 
desencontros históricos, por meio da seleção das memórias do tempo 
presente. Pensar e narrar sobre o próprio tempo, constitui um grande 
desafio ao historiador. No entanto, não se pode fugir da urgência de pensar 
a história de nosso próprio tempo, buscando formas de pensar e fazer 
ciência no campo da História da Educação. 
 
Referências 
 
ALVES, J. F.; GONÇALVES, F. O. Educação narrativa de professores. Coimbra: Quarteto, 
2001. 
 
BAUER, Caroline Silveira. Como será o passado? História, historiadores e a Comissão 
Nacional da Verdade. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. 
 
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: 
Ed. Centauro, 2013. 
 
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1989. 
 
Nívea Oliveira Couto de Jesus | 69 
 
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 4.ed. São Paulo: Loyola, 2002. 
 
MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: Como fazer, como 
pensar. – 2. Ed. - São Paulo: Contexto, 2011. 
 
NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Historiografia educacional sergipana: uma crítica aos 
estudos de História da Educação. São Cristóvão: Grupo de Estudos e Pesquisa em 
História da Educação/NPGED, 2003. (Coleção Educação é História, 1). 
 
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 
v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. 
 
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente? Projeto História. São Paulo: 
Educ, 1997, n. 14, p. 33-7. 
 
THOMPSON, Paul. A voz do passado. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. 2. ed. São 
Paulo: Paz e Terra, 1998. 
 
 
 
 
Capítulo 4 
 
Reflexões fenomenológicas 
sobre a memória em Paul Ricoeur 
 
Arliene Stephanie Menezes Pereira 1 
Lia Machado Fiuza Fialho 2 
Ana Carolina Braga de Sousa 3 
 
 
1 Introdução 
 
A memória ou a reminiscência remete-nos sempre à lembrança do 
passado e ao esquecimento. Para compreender o fenômeno mnemônico 
debruçamo-nos, neste capítulo, sobre um dos pensadores mais 
expressivos do século XX, o filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005), pela 
contribuição científica que esse pesquisador deixou aos estudos da 
memória, os quais foram retratados na sua obra denominada “A memória, 
a história, o esquecimento” (2007), com ênfase no que ele intitula de 
“fenomenologia da memória”. 
A partir da leitura do livro supracitado foi levantada a seguinte 
questão norteadora: quais as principais ideias de Paul Ricoeur sobre a 
memória reconstituídas a partir da fenomenologia? Essa inquietação 
conduziu-nos a uma análise descritiva acerca do que o autor argumenta a 
 
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestra em 
Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Docente do Instituto Federal de 
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Integrante do grupo de pesquisa Práticas Educativas, Memórias e 
Oralidades (PEMO/UECE). E-mail: stephanie_ce@hotmail.com 
2 Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Pós-doutora em Educação pela Universidade 
Federal da Paraíba. Professora do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará. Professora Permanente 
do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UECE) e do Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas 
Públicas (MPPP/UECE). Líder do Grupo de Pesquisa Práticas Educativas Memórias e Oralidades - PEMO. Editora da 
revista Educação & Formação do PPGE/UECE. E-mail: lia.fialho@uece.br 
3Docente da rede estadual da educação do Ceará. Graduada em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). 
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Integrante 
do grupo de pesquisa Práticas Educativas Memórias e Oralidades (PEMO/UECE). E-mail: 
carolbraga30@yahoo.com.br 
mailto:lia.fialho@uece.br
mailto:carolbraga30@yahoo.com.br
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 71 
 
partir da fenomenologia sobre a natureza da memória/lembrança, 
baseado em outros autores que são suscitados na sua obra que se inter-
relacionam com a problemática no tocante às possibilidades e limitações 
referentes aos usos e maus usos da memória. 
O objetivo deste capítulo é, a partir da obra “A memória, a história e 
o esquecimento”,trazer à tona a reflexão fenomenológica de Paul Ricoeur 
sobre a essência dos fenômenos mnemônicos. A metodologia utilizada foi 
de cunho descritiva, a partir da leitura, fichamento e análise do livro, o que 
nos proporcionou novas visões sobre uma realidade que tomou a descrição 
da análise da ideia de memória realizada pelo autor em questão, ao 
observar, relatar e refletir os aspectos mais relevantes consoantes a essa 
temática. 
Para melhor organização das ideias e compreensão leitora, dividimos 
este capítulo em três partes: a primeira, introdutória, na qual se explicita 
a temática estudada, o objeto de estudo, o problema de pesquisa, o objetivo 
e a estrutura do texto; a segunda, denominada “Biografia de Paul Ricoeur 
(1913-2005)”, na qual mencionamos a origem de Paul Ricoeur para 
situarmos o contexto de vida do filósofo e entendermos um pouco sobre 
sua trajetória formativa e os aspectos da gênese filosófica ao qual o autor 
adentrou, baseados teoricamente na escrita de Lauxen (2015) e nos 
arquivos do Fundo Paul Ricoeur (GOLDENSTEIN, s/d); a terceira seção, 
intitulada “Reflexões fenomenológicas sobre a memória na obra A 
Memória, a História, o Esquecimento”, explicita as principais ideias acerca 
do referido livro (2007) para nos debruçarmos sobre a compreensão da 
fenomenologia da memória; e na quarta e última seção, “Considerações 
Finais”, retomamos a problemática proposta e refletimos sobre as 
principais ideais, apontando limitações e sugerindo o despontar de outras 
reflexões. 
 
72 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
2 Biografia de Paul Ricoeur (1913-2005) 
 
Como explicita Lauxen (2015), Jean Paul Gustave Ricoeur nasceu em 
uma família protestante na comuna francesa de Valence, em 27 de 
fevereiro de 1913. Ele e sua irmã foram criados pelos avós paternos e por 
uma tia solteira, também paterna, na comuna de Rennes, pois logo após 
seu nascimento ficou órfão de mãe e em seguida seu pai faleceu na 
primeira Batalha de Marne (que ocorreu de 5 a 12 de setembro de 1914), 
ainda que dado como morto somente no ano de 1915. 
 
Ricoeur cresceu com a imagem de um pai que era herói, mas que ele nunca 
conheceu. Numa entrevista, ele nos diz que a única recordação que guardara 
de seu pai era a de uma foto que ele tirou em 1915, depois disso, afirma: “aquela 
imagem nunca mais se moveu” (1997, p. 13). Ricoeur guardava consigo essa 
foto junto à cabeceira de sua cama (LAUXEN, 2015, p. 3). 
 
Sua tia, chamada Adele, dedicou-se à sua educação e de sua irmã. 
Lauxen (2015, p. 3) também menciona que Ricoeur teve uma infância 
traumática, 
 
[...] pois cresceu na dúvida sobre sua origem materna, sua família jamais lhe 
falou quem era a sua mãe. Ele só compreendeu o que é dizer “mamãe” ou 
“papai” por intermédio de seus filhos, nunca pôde pronunciar essas palavras. 
A infância e adolescência de Ricoeur foram marcadas por todos esses 
acontecimentos traumáticos. A busca pelos livros torna-se para Ricoeur, então, 
uma forma de encontrar refúgio, do qual ele nunca mais saiu. 
 
Ainda na infância, Paul Ricoeur passava grande parte de seu tempo 
na escola e nas livrarias. Nesta última, tinha contato com os grandes 
clássicos da literatura. Além disso, tinha também a leitura muito 
perpetrada no seio familiar por meio da religiosidade. Assim, transitava 
entre as leituras com viés crítico e literário, bem como pelas leituras de 
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 73 
 
cunho religioso. Já “Nos últimos anos do ensino secundário conheceu 
Roland Dalbiez, seu primeiro professor de filosofia, do Liceu de Rennes, 
que exerceu forte influência sobre ele. [...] Ricoeur confessa que essa 
intrepidez filosófica o acompanhou durante toda a sua vida” (LAUXEN, 
2015, p. 4). 
Paul Ricoeur adentrou a universidade e graduou-se em Filosofia na 
Universidade de Rennes em 1933, aos 20 anos de idade; logo em seguida, 
começou a dar aulas no Liceu de Saint-Brieuc. Em 1934 sua irmã faleceu 
de tuberculose, causando-lhe imensa dor. No entanto, continuou os seus 
estudos, agora na Universidade de Sorbonne, em Paris, onde fez o 
mestrado entre os anos 1934 e 1935 e conheceu o filósofo Gabriel Marcel 
(GOLDENSTEIN, s/d) que o 
 
[...] convidou para participar das reuniões filosóficas das ‘sextas-feiras’, que 
eram uma espécie de sarau filosófico. Nessas reuniões, era proibido citar 
autores, deveriam enfrentar os problemas concretos da existência humana, 
primeiro descrever o fenômeno, em seguida, elevar essa descrição a uma 
reflexão segunda, que se pergunta qual o sentido dessa experiência (LAUXEN, 
2015, p. 4). 
 
Paul Ricoeur começa a enveredar mais profundamente na leitura de 
Husserl, mais precisamente na escola fenomenológica em que começa a 
caminhar para uma experiência despojada das construções herdadas de 
tudo o que se acredita saber ou poder, para voltar-se ao objetivo puro e à 
abertura ao mundo de uma consciência. 
Em 1935 casou-se com Simone Leja com quem teve cinco filhos (três 
de seus filhos nasceram antes da guerra). Em 1936 criou a revista Être, 
inspirado nos conceitos do teólogo suíço Karl Barth. Entre os anos 1935 e 
1936 foi nomeado para o Liceu de Colmar, cidade próxima à fronteira com 
a Alemanha, onde aproveita para estudar alemão e obtém uma bolsa para 
74 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
uma estadia linguística em Munique (na Alemanha) em 1939 
(GOLDENSTEIN, s/d). 
Segundo Goldenstein (s/d), ainda em 1939 serviu como oficial da 
reserva durante a primeira guerra mundial e foi preso pelos nazistas um 
ano depois. Lauxen (2015) relata que Paul Ricoeur encontrava-se numa 
unidade de combate e tentava impedir a ofensiva dos soldados alemães, 
todavia, encontrava-se em um buraco sem aviação e munição, onde foi 
obrigado a render-se. Foi enviado ao campo de Groß Born e depois a 
Arnswalde, na Pomerânia (atualmente Polônia), onde ficou durante cinco 
anos (1940-1945), até o fim da guerra. 
Em 1948 foi nomeado o primeiro professor associado da 
Universidade de Estrasburgo na França, onde passou oito anos como 
professor e concluiu seu doutorado. Em 1950 também realizou a tradução 
de “Ideen” (Ideias), de Husserl com o título “Guiding ideas for a 
fenomenology” (Ideias orientadoras para uma fenomenologia). Este 
trabalho é sua “tese secundária”. E, posteriormente, publicou Filosofia da 
vontade: O voluntário e o involuntário, que é a “tese de estado” 
(GOLDENSTEIN, s/d). 
De acordo com Goldenstein (s/d), em 1956 foi nomeado professor na 
Sorbonne, e passou a viver no Murs Blancs (Os muros brancos), na 
comuna francesa de Châtenay-Malabr com sua esposa e seus filhos. Murs 
Blancs era um local escolhido pelos fundadores da revista Esprit (da qual 
Ricoeur participava) para viver e trabalhar em comunidade. Ele 
desempenhou um importante papel de revisão na revista e liderou o grupo 
de filosofia no início dos anos 1960. 
Paul Ricoeur optou por lecionar em Nanterre, anexo à Sorbonne, 
onde se juntou a Mikel Dufrenne, filósofo francês, e juntos fundaram o 
departamento de filosofia. Posteriormente, Ricoeur foi nomeado reitor de 
Nanterre. Entre 1970 e 1973 muda-se para a Bélgica, onde leciona no 
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 75 
 
departamento de filosofia da Universidade de Louvain; e após três anos, 
retornou à Universidade de Nanterre, onde encerrou sua carreira de 
professor (GOLDENSTEIN, s/d). 
Catherine Goldenstein (s/d) ainda menciona que Paul Ricoeur, desde 
1954, havia lecionado algumas vezes no Atlântico (em Montreal, no College 
Quaker de Haverford e Yale) e foi nomeado professor na Universidade de 
Chicago, nos Estados Unidos, lecionando no departamento de filosofia. Na 
França ainda coordenou o Centro de Estudos da Fenomenologia 
Husserliana, o primeiro na Universidade de Sorbonne.Paul Ricoeur foi também membro de dez academias estrangeiras, 
Doutor Honoris causa de mais de trinta universidades em todo o mundo e 
publicou mais de trinta livros, sendo alguns dos títulos publicados no 
Brasil: A memória, a história, o esquecimento; A crítica e a convicção; 
Teoria da interpretação; O conflito das interpretações; Vivo até a morte: 
seguido de fragmentos; Tempo e narrativa; O si mesmo como um outro; 
Sobre a tradução; Ser, essência e substância em Platão e Aristóteles; 
Escritos e conferências; Hermenêutica e ideologias; Amor e justiça; A 
religião dos filósofos; A metáfora viva;; A simbólica do mal; Nas fronteiras 
da filosofia; Outramente; Na escola da fenomenologia; O discurso da ação; 
Em torno ao político; A hermenêutica bíblica; Ideologia e Utopia; O justo 
ou a essência da justiça; Da interpretação - ensaio sobre Freud; Da 
metafísica à moral. (GOLDENSTEIN, s/d). 
Paul Ricoeur faleceu no dia 20 de maio de 2005 em sua residência no 
“Murs Blancs” e foi um dos expoentes no campo da fenomenologia e da 
hermenêutica, sendo considerado um dos grandes nomes da filosofia 
contemporânea. Inclusive, recebeu diversos prêmios como: Prêmio Hegel 
(Stuttgart), Prêmio Karl Jaspers (Heidelberg), Prêmio Leopold Lucas 
(Tübingen), Grande Prêmio da Academia Francesa, Grande Prêmio da 
Cidade de Paris, Prêmio Balzan, Prêmio Kyoto, Grande Prêmio da 
76 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Academia da Moral e Ciências Políticas, Prêmio Internacional Paulo VI e o 
Prêmio Kluge (LAUXEN, 2015). 
 
3 Reflexões fenomenológicas sobre a memória na obra “A Memória, a 
História, o Esquecimento” 
 
A obra “A Memória, a História, o Esquecimento” (2007) é a tradução 
brasileira da obra “La mémoire, l'histoire, l'oubli, Le Seuil” que foi 
publicada originalmente em 2000. Nesta obra, como o próprio nome 
apresenta, Paul Ricoeur debruça-se sobre os três cernes que dão nome ao 
livro embasando-se na filosofia para nos defrontar com a representação 
do passado e a essência dos fenômenos mnemônicos. Para isso, ele 
também recorre a outros filósofos como Platão, Aristóteles, Sócrates, John 
Locke, Hursse, Heideggerl e Merleau-Ponty, trazendo à tona a base 
filosófica que suscita suas principais interpretações por meio da atitude 
fenomenológica sobre a memória e a “coisa lembrada”. 
 
A questão da memória é cara a Ricœur. Ele trata do tema e remonta a Platão 
ao considerá-la uma representação, um reavivamento de algo ausente, já 
desaparecido, fazendo-o novamente presente. E conclui que contar com 
alguém e contar para alguém, ou seja importar-se e ser considerado pelo 
próximo, pelo outro, é uma réplica da amizade a sobrepor-se à morte, o evento 
que interrompe todos os planos e intenções mas não consegue apagar a 
existência de alguém para aqueles que lamentam sua morte. A memória é, 
pois, de algo que deixa o domínio da indiferença e se inscreve em significação 
de algo que tem sentido conservar-se (LEONHARDT; CORÁ, 2011. p. 22). 
 
Leonhardt e Corá (2011) mencionam que, a partir de um olhar 
pautado nas bases filosóficas, Paul Ricoeur lança-se a uma linguagem 
erudita sobre a memória entendendo-a como algo dotado de sentido. A 
questão da memória apresentada na primeira parte do livro é objetal, pois 
ela repercute durante toda a obra. 
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 77 
 
Uma das primeiras reflexões trazidas no livro é sobre a ideia da 
representação do passado como memória, em que Paul Ricoeur recorre ao 
filósofo Aristóteles a partir do capítulo “Da memória e da reminiscência”, 
ao afirmar que a memória é sempre do passado. Posto isso, infere que a 
recordação surge em forma de imagem e, a partir de então, dá-se como 
um signo de qualquer coisa diferente, mas ausente, que se considera como 
tendo ocorrido no passado. Ricoeur apresenta-nos assim a primeira 
questão sobre a presença, a ausência e a anterioridade. 
 
Para o dizer de outra forma, a imagem-recordação está presente no espírito 
como alguma coisa que já não está lá, mas esteve. Uma metáfora tem um papel 
importante ao longo do trabalho de elucidação desse enigma e pode ajudar-
nos num momento: o da impressão, como o da marca do sinete na cera; a 
noção de rasto faz, também ela, parte do mesmo conjunto de metáforas úteis. 
Mas permanece o mesmo enigma: a impressão ou o rasto, ambos, estão 
plenamente presentes, no entanto, pela sua presença reenviam para a 
chancela do sinete ou para a inscrição inicial do rasto. (RICOEUR, 2003, p. 1). 
 
O filósofo instiga-nos a refletir sobre a noção de ausência, a qual 
possui diversas significações que podem referir-se à irrealidade de 
elementos fictícios, em que parte da ausência do passado pode representar 
coisas inteiramente diferentes. Destarte, para compreender que o sentido 
da distância temporal, de afastamento e de imersão na ausência, traduz-
se no enigma que o fenômeno mnemônico tem o passado representado na 
imagem como signo da sua ausência. 
Assim, Paul Ricoeur (2007) estrutura a fenomenologia da memória, 
em que tece suas afirmações a partir do filósofo alemão Edmund Husserl 
dando primazia às questões relativas à memória e coloca a distinção entre 
memória (realidade anterior vivida) e imaginação (lembrança fantasiada); 
78 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
nas quais a memória é sempre do passado, sendo trazida à baila por 
intermédio do exercício da rememoração (reminiscência do passado). 
Paul Ricoeur apresenta-nos nesses entremeios o esquecimento como 
campo da memória, o qual deriva de sua evocação, com o que ele menciona 
como “um dever de não esquecer”. Mas, esse implacável processo de 
apagamento não sucumbe ao problema do esquecimento, pois o 
esquecimento está ligado ao processo de rememoração, numa busca que 
vai ao encontro das memórias perdidas. Inclusive, infere que “O 
esquecimento é o emblema de quão vulnerável é nossa condição histórica” 
(RICOUER, 2007, p. 300). Lauxen (2008) acrescenta ao explicar que há 
esquecimento quando não houve algo marcante e por isso o esquecimento 
relaciona-se à memória, pois é o seu oposto. 
Interessa destacar que na busca pelas memórias perdidas, Paul 
Ricoeur recorre à psicanálise, mais especificamente a Sigmund Freud, para 
atribuir às resistências solidamente instaladas da memória, como a 
compulsão; explicando-nos que há nesse exercício de recordar a 
compulsão por repetir em vez de rememorar. 
Para explicarmos mais precisamente como Paul Ricoeur recorre à 
fenomenologia remetemo-nos a Coelho (2014) que cita que: 
 
Segundo Ricoeur, a fenomenologia mantêm três teses centrais: primeiro, que 
a significação é a categoria mais englobante de toda a descrição 
fenomenológica; segundo que o sujeito é o portador destas significações; e 
terceiro que é a redução transcendental, isto é, a colocada entre parênteses do 
mundo e a afirmação da consciência como absoluto, que possibilita o 
nascimento de um ser para o campo das significações, ou seja, que permite 
que todo ser se apresente à descrição como fenômeno, como aparecer, logo, 
como significação a explicitar (COELHO, 2014, p. 2). 
 
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 79 
 
Desse modo, é por intermédio de uma descrição fenomenológica que 
Paul Ricoeur envereda pela compreensão dos fenômenos da memória, que 
representam, então, o passado dimensionalmente para o qual o sujeito 
projeta-se. Sob o olhar ricoeuriano, a fenomenologia da memória sucede 
a partir da experienciação do passado representado como imagem, quer 
em estado de latência ou da percepção. 
As três vertentes, “a história, a memória e o esquecimento”, que 
acabam entrecruzando-se pela temática, é posta por Paul Ricoeur da 
seguinte forma: 
 
[...] em primeiro lugar, a memória enquanto tal; depois, a história enquanto 
ciênciahumana, e o esquecimento como dimensão da condição histórica de 
humanos que somos. A memória, segundo esta construção linear, era vista 
simplesmente como matriz da história, enquanto a historiografia desenvolvia 
o seu próprio percurso além da memória, desde o nível dos testemunhos 
escritos conservados nos arquivos, até ao nível das operações de explicação; 
depois, até à elaboração do documento histórico como obra literária. O 
esquecimento era, neste caso, tratado sobretudo como uma ameaça para a 
operação central da memória, a reminiscência, a anamnesis dos gregos, e, 
logo, como um limite da exigência do conhecimento histórico de providenciar 
uma narrativa que ligue os acontecimentos passados. Do ponto de vista da 
escrita da história, a noção de passado histórico parece ser a última e 
irredutível referência de todo o trabalho da historiografia (RICOEUR, 2003, p. 
1). 
 
A memória então, confrontada com um enigma, não deixa de ter seus 
artifícios e quando Paul Ricoeur traça os usos e os abusos da memória, ele 
levanta primeiramente a distinção entre rememoração e memorização 
para explicitar que a memorização é a lembrança de esquemas pelo esforço 
de relembrar, numa espécie de memória artificial. No entanto, mesmo o 
exercício da rememoração aponta para os abusos descritos pelo autor em 
80 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
três concepções: memória impedida (memória que é negada), memória 
manipulada (emergência de afirmação identitária) e memória abusiva 
(com modelo a ser empregado). 
Para esta questão de usos e abusos, Lauxen (2008, p. 282), ao tecer 
uma análise crítica da obra de Paul Ricoeur, menciona que 
 
A memória, enquanto exercida na prática, está exposta à aporia do uso e 
abuso. O autor explora a larga tradição das técnicas de memorização (ars 
memoriae). A memória, enquanto exercida, é, ainda, impedida (enferma) no 
nível patológico terapêutico; manipulada, em função da manutenção da 
identidade individual e coletiva (ideologia). A memória coletiva integra e 
forma a identidade do grupo mediante datas comemorativas e outros 
expedientes. Além disso, a memória pode ser uma obrigação (dever de 
memória) um “recorda-te” que também é um “não te esqueças”. 
 
A fenomenologia da memória proposta por Paul Ricoeur desdobra-se 
na interface do sujeito com a sua identidade coletiva, depreendendo-se 
entre sua memória individual e a memória coletiva, ou seja, entre uma 
memória singular e uma memória plural. A partir disso, retorna 
novamente à fenomenologia para levantar a convergência entre “o eu, os 
outros e o mundo”, dado que se afetam continuamente. Ademais, Paul 
Ricoeur também recorre à sociologia, mais especificamente na obra “A 
memória coletiva” de Maurice Halbwachs, para defender a ideia de que 
não nos lembramos sozinhos, pois a memória é uma entidade coletiva o 
qual intitulou de grupo ou sociedade. 
Na passagem da memória à historiografia, revelam-se a constituição 
entre o vivo e o vivido para elucidar a experiência anteriormente vivida. 
Assim, infere-se que o tempo da história narrada não possui linearidade 
com estruturação e quantificações, mas extrapola esses limites, pois: 
“Nesse aspecto, o tempo da história procede tanto pela limitação da imensa 
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 81 
 
ordem do pensável quanto pela superação da ordem do vivido” (RICOEUR, 
2007, p. 165). 
Na representação histórica da memória, observa-se a materialização 
dos fenômenos mnemônicos por meio da epistemologia histórica, na qual 
a representação tanto no aspecto narrativo como sob outras nuances não 
deixa de fora a fase documental e explicativa, pois as duas sustentam-se 
mutuamente. Nesse sentindo, Paul Ricoeur menciona as confrontações de 
acontecimentos causais na história e as relações de diferenciações que vão 
surgindo na simbologia das narrativas, incitando-nos para as primeiras 
explicações acerca do neologismo “representância”. O filósofo mobiliza 
esse termo para compreender o passado assinalando que condensa em si 
todas as expectativas e exigências ligadas à intencionalidade histórica, que 
passam a constituir as reconstruções dos acontecimentos. 
Na fenomenologia, a intencionalidade define o estatuto da 
consciência e a qualifica por direcioná-la para algo, sendo influenciada em 
grande parte por nossos estados conscientes. Paul Ricoeur (2007) atenta-
nos para isso dizendo que nesse campo o objeto não são as pessoas, mas 
as narrativas, dado que elas são o exercício de reflexão de memória e que 
o fenômeno mnemônico traz à tona a coisa-lembrada “Uma vez que, na 
memória-lembrança, o passado é distinto do presente fica facultado à 
reflexão distinguir, no seio do ato da memória a questão do ‘o quê’, da do 
‘como?’ e da do ‘quem?’ [...]” (p. 41). 
Concordamos com Ricoeur (2007) quando ele menciona que é a 
partir da memória que garantimos que algo ocorreu antes de formarmos 
a lembrança e que as representações do passado foram realizadas 
justamente pela memória. “Esse vis-à-vis, essa réplica, podem ser da 
ordem da eventualidade, da desconfiança, da suspeita, da defecção, da 
denúncia. Por isso, nesse mesmo registro inscreve-se a categoria de 
82 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
incerteza que a micro-história coloca em lugar de destaque” (RICOEUR, 
2007, p. 237). 
Mas Paul Ricoeur não nega essa oposição, tanto dos próprios 
testemunhos entre eles como dos testemunhos com as fontes 
documentais. Para isso ele nos diz que: 
 
Essa situação de conflito não pode limitar-se ao campo da história como 
ciência, reaparece ao nível dos nossos conflitos entre contemporâneos, ao nível 
das questões fortes, às vezes formuladas coletivamente, em prol de uma 
tradição memorial contra outras memórias tradicionais” (RICOEUR, 2003, p. 
3). 
 
Paul Ricoeur coloca-nos defronte ao dilema da sobreposição das 
fontes orais pelas documentais ou vice-versa, mas afirma que uma 
complementa a outra e vão assim, desvelando as memórias, pois as fontes 
não constituem estágios sucessivos, mas estão intrincados (RICOEUR, 
2007). Ou seja, o aspecto narrativo não se acrescenta de fora à fase 
documental e à fase explicativa, mas vão-se acompanhando e sustentando-
se. 
 
4 Considerações finais 
 
Neste texto objetivamos, a partir da obra “A memória, a história e o 
esquecimento”, trazer à tona a reflexão fenomenológica de Paul Ricoeur 
sobre a essência dos fenômenos mnemônicos, utilizando de uma 
metodologia de cunho descritiva, a partir da análise crítica da obra 
supracitada. 
Foi possível descrevermos um pouco da trajetória do filósofo francês 
Paul Ricoeur desde a sua infância, passando pela sua formação e como a 
partir dessas vivências, ele tratou da questão daquilo que intitulou de 
“fenomenologia da memória” a partir dos estudos fenomenológicos, até a 
Arliene Stephanie Menezes Pereira; Lia Machado Fiuza Fialho; Ana Carolina Braga de Sousa | 83 
 
sua morte. O foco foi a análise da obra, “A memória, a história e o 
esquecimento”, que se fez necessária para refletirmos sobre os diversos 
campos de estudo em que transitam a memória, em especial, no campo da 
Filosofia. Este estudo suscitou-nos novos olhares sobre as vivências, as 
descrições e as análises dos fenômenos mnemônicos. 
Concluímos que as principais ideias do autor ressaltam que a 
memória deve ocupar seu devido lugar de reconhecimento no campo da 
historiografia, considerando para isso as narrativas dos sujeitos, passíveis 
de serem considerados objetos de estudo, ainda que permeados por 
lembranças e esquecimentos, especialmente no campo da fenomenologia, 
pois promovem reflexões singulares e importantes. 
Apontamos como limitação para esse capítulo o fato de as discussões 
no campo da memória serem vastos e a necessidade, portanto, do 
aprofundamento de outras leiturasdesenvolvidas por teóricos em outros 
tempos e contextos. Inclusive, apontamos para a necessidade de uma 
leitura mais densa e aprofundada sobre o autor, não exploradas em sua 
inteireza porque, além de somente ser possível com a leitura integral da 
obra, houve a necessidade de realização de uma síntese em poucas 
páginas. 
 
Referências 
 
COELHO, C. Fenomenologia e hermenêutica: a crítica de Paul Ricoeur à hermenêutica de 
Martín Heidegger. Ensaios Filosóficos, v. IX, maio, 2014. 
 
GOLDENSTEIN, Catherine (inventariante dos arquivos de Paul Ricoeur). Biographie. 
Fonds Ricoeur, s/d. Disponível em: http://www.fondsricoeur.fr/fr/ 
pages/biographie.html. Acesso em: 02 mai. 2021. 
 
LAUXEN, Roberto Roque. Os cem anos de nascimento de Paul Ricoeur: uma biografia 
intelectual. Revista Páginas de Filosofia, v. 7, n. 1, p.1-25, jan./jun., 2015. 
http://www.fondsricoeur.fr/fr/pages/biographie.html
http://www.fondsricoeur.fr/fr/pages/biographie.html
84 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
 
LAUXEN, Roberto Roque. A Memória, a história, o esquecimento by Paul Ricoeur. Filosofia 
Unisinos, v. 9, n. 3, p. 281-283, set./dez., 2008. Disponível em: 
http://revistas.unisinos.br/index.php/filosofia/article/view/5365. Acesso em: 30 
abr. 2021. 
 
LEONHARDT, Ruth Rieth; CORÁ, Elsio José (Orgs). O Legado de Ricoeur. Guarapuava: 
Unicentro, 2011. 
 
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François [et 
al.]. Campinas, SP: Unicamp, 2007. 
 
RICOEUR, Paul. Memory, history, oblivion. “Haunting Memories? History in Europe 
after Authoritarianism. Universidade de Coimbra, 2003. Disponível em: 
https://www.uc.pt/fluc/uidief/textos_ricoeur/memoria_historia. Acesso em: 01 
mai. 2021. 
 
http://revistas.unisinos.br/index.php/filosofia/article/view/5365
https://www.uc.pt/fluc/uidief/textos_ricoeur/memoria_historia
 
 
 
Capítulo 5 
 
História oral e memória: algumas ponderações 
 
Simone Gomes de Faria 1 
Karen Laiz Krause Romig 2 
 
 
1 Introdução 
 
A proposta central deste estudo foi o de abordar algumas 
contribuições evidentes que este método de pesquisa das Ciências 
Humanas tem trazido para a historiografia atual. Neste ínterim, o ensaio 
em seu aporte metodológico é de cunho qualitativo tendo como fonte de 
análise as referências bibliográficas. Como amparo de nossas posições 
contamos com os postulados teóricos de Meihy e Ribeiro (2011), Ferreira 
(2004), Thompson (1992) e Portelli (1991), entre outros estudiosos da área 
que são referências para o assunto em questão que sustentaram/am a 
linha de pensamento fundante ao apontarmos algumas ponderações e 
contribuições deste método para a historiografia atual. 
Ademais, justificamos a análise deste porque a partir de 1980 as 
pesquisas incluem a História Oral como um potente campo para se aferir 
as experiências e as memórias de pessoas comum rompendo o viés 
tradicional de narrativa para propiciar que estes protagonistas deem voz 
as suas histórias oportunizando uma abertura para novas 
problematizações. Partindo disso, de natureza nem tão antiga quanto 
nova- a História Oral- em uma de suas possibilidades de atuação serve 
como um método qualitativo que auxilia na interpretação das 
representações e dos símbolos possibilitando a criação de uma percepção 
 
1 Doutoranda em Educação, Universidade Federal de Pelotas/ UFPEL, simonegomesdefaria@gmail.com 
2 Doutoranda em Educação, Universidade Federal de Pelotas/ UFPEL, karenlaizromig@gmail.com 
mailto:karenlaizromig@gmail.com
86 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
de um passado recente por meio de procedimentos metodológicos 
próprios. 
É sabido que não foi aceita prontamente pelos historiadores 
tradicionais sendo taxada de subversiva passando pelo exame de diversos 
pontos de vista teórico acerca dos usos da memória ao apontar que ela 
apresenta falseabilidades e se encontra circunscrita em um processo 
limitado e parcial ao lidar com o campo da subjetividade. No entanto, os 
adotantes deste método de pesquisa constroem de modo rigoroso as fontes 
que desejam através das entrevistas. Entrementes, ao se trabalhar com 
este método se está em busca de uma fonte histórica que será assim 
considerada quando esta se tornar escrita, logo, é por meio da memória 
que teremos tal fonte, posto que, a memória é seletiva porque recordamos 
o que queremos recordar ao olhamos através da nossa experiência. A 
memória ressignifica a experiência no tempo e sendo seletiva recorda 
coisas significativas, todavia, há uma reinterpretação ao lhe dar sentido. 
Em via de regra quando nos acontece algo não entendemos o nos acontece, 
mas, tentamos dar sentido ao que não tem sentido ainda. 
Assim sendo, partindo destas proposições o texto visa a levantar 
informações e ponderações acerca do uso do método, que por sua vez, será 
subdivida em quatro momentos: primeiramente realizamos um breve 
esboço do surgimento da História Oral como fonte de pesquisa expondo 
diacronicamente como este método de pesquisa vem ganhando cenário 
nas produções acadêmicas internacionais e nacionais passando por 
questões acerca dos procedimentos teóricos e práticos do método e 
finaliza-se com algumas abordagens acerca da relação de história e 
memória apontando algumas de suas contribuições mais evidentes para o 
século XXI. 
 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 87 
 
2 Um breve esboço do surgimento da História Oral como fonte de pesquisa 
 
Compreender como cada pessoa se formou é encontrar as relações entre as 
pluralidades que atravessam a vida. Ninguém se forma no vazio. Formar-se 
supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagem, um sem fim de 
relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a 
singularidade da sua história e, sobretudo, o modo singular como age, reage e 
interage com os seus contextos. Um percurso de vida é assim um percurso de 
formação, no sentido em que é um processo de formação. (MOITA, 2007, p. 
114-115) 
 
Moita (2007) em sua citação nos esboça a importância de 
compreender as pluralidades de situações que atravessam a vida das 
pessoas. Assim sendo, o documento oral compõe um documento histórico, 
pois, serve como fonte de pesquisa e deve ser interpretado com 
rigorosidade como qualquer outro, e, nos desvela importantes 
especificidades mediante as entrevistas de pessoas que viveram ou vivem 
em um determinado contexto histórico imiscuindo-se como autênticos 
personagens da História. 
É sabido que com o advento e aumento avassalador das tecnologias 
da informação e da comunicação as investigações históricas, como em 
outras áreas de saber vêm ocupando um local de destaque nas difusões do 
conhecimento em torno da oralidade. 
De acordo com as premissas teóricas de Joutard3 (1998) é importante 
que façamos um bom uso das evoluções tecnológicas para alçarmos 
resultados positivos nas pesquisas que se apropriam desse método. Nesse 
aspecto, a Universidade de Columbia está diretamente atrelada ao uso do 
gravador que viabilizou a captura sonora, que até então, não houvera antes 
de 1950. A esse instrumento deve-se a importância de um grande aumento 
 
3 Philippe Joutard fora o percussor das premissas teóricas da História Oral na França. Atualmente é Professor de 
História na Universidade de Provence e da Ecole des Hautes Etudes em Ciências Sociais. 
88 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
de estudos relacionados às técnicas que eram utilizadas pelos 
pesquisadores adeptos desse método. 
Nesse limiar, o gravador serviu para viabilizar a captura sonora, bem 
como, para se interpretar as diferentes formas de manifestação do tom da 
fala; possibilitou a extração de férteis conclusões através das expressões, 
das hesitações, da linguagem do corpo, dos lapsos de memória e dos 
silenciamentos oportunizando conhecer de modo mais profícuo asações 
vivenciadas pelos entrevistados. 
Outro recurso que tem otimizado pesquisas nessa operação 
metodológica são as redes informatizadas que compõe aos sítios da web 
que englobam numerosos acervos de arquivos orais. Ressaltamos que a 
utilização da imagem digital resultou numa predisposição cada vez maior 
para a tomada de imagens, tornando mais flexível as entrevistas porque 
coloca em cheque o desvelar das variadas linguagens, dos gestos e das 
mímicas de quem fornecerá o seu testemunho. 
Outrossim, gostaríamos de ressaltar que por meio da evolução 
tecnológica que nos foi possibilitada um novo olhar para a História Oral. 
Assim, nem todo tipo de comunicação é uma via tecnológica porque é 
medular que as pessoas se comuniquem, contudo, os recursos tecnológicos 
servem como um caminho para possibilitar uma melhoria nas 
investigações. No entanto, o papel da comunicação ainda é essencial para 
revelar o porquê de determinados acontecimentos nas mais diversas 
esferas sociais. 
Inegavelmente, tal método de pesquisa foi visto pelos historiadores, 
principalmente os positivistas e tradicionais, como um procedimento 
muito subjetivo, e assim, por muito tempo foi alvitrado 
preconceituosamente. A assertiva advinda dos aportes teóricos de Portelli 
(1991) nos revela que a subjetividade é advinda da memória, que por sua 
vez, é o objeto deste método de pesquisa, podem ser fantasiosos e falíveis 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 89 
 
não se constituindo em dado preciso, embora, muitas vezes se a utiliza 
porque nem sempre conseguimos as informações necessárias em 
documentos escritos. Desta forma, para corroborar com essa proposição, 
nos apropriamos da voz de Joutard (1998) para refletirmos que a narrativa 
oral e a escrita são fontes que estão imbricadas, uma completa a outra nos 
estudos de investigações científicas. 
Analisando diacronicamente o desenvolvimento metodológico da 
História Oral se apreende que seu surgimento remonta a Antiguidade 
Grega com os cabeças Heródoto e Tucícledes, entretanto, foi muito 
resistida pelos positivistas. Desde o século XVII a História vem se opondo 
a fonte oral como nos elucidam Matos e Senna (2011). Não obstante, na 
França no século XX, se instaura um movimento reacionário ao paradigma 
historiográfico tradicional com o escopo central de modificar a teoria da 
História. 
No artigo “Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional da 
história oral”, um dos capítulos do livro História oral: desafios para o 
século XXI o pesquisador Alistair Thomson4 nos revela que a História Oral 
nasceu em 1948 pelo americano Allan Nevins5 que pesquisava as 
memórias de personalidades importantes dos Estados Unidos. Logo após 
começa a surgir vários movimentos em torno do uso da História Oral, 
principalmente, em países da Europa Ocidental, e Estados Unidos. 
Neste momento, outros pesquisadores começam a realizar debates 
fecundos, bem como, seminários e algumas revistas especializadas neste 
teor teórico. Como sabemos a Universidade de Columbia dos Estados 
 
4Professor e historiador de grande renome internacional da Universidade de Sussex, Inglaterra e membro do 
Conselho da Associação Internacional de História Oral (IOHA) de 1996 a 2000. Pesquisa com afinco as ideias de 
veteranos de guerra e de migrantes, bem como, disserta sobre o método da História de vida da pesquisa oral. 
5Josepeh Allan Nevins foi um grande jornalista americano e historiador. Durante sua vida se dedicou a estudar as 
histórias da Guerra Civil, e principalmente, biografar grandes personalidades como Henry Ford, Hamilton Fish, 
Groves Cleveland e Rockefeller. Desta forma, é considerado o primeiro historiador a se apropriar da História Oral de 
forma institucionalizada na alcunhada Universidade de Columbia nos Estados Unidos. 
90 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Unidos foi a pioneira no uso deste método devido ao surgimento do 
gravador e posteriormente essa operação metodológica acaba sendo 
amplamente divulgada na Europa com o intuito primordial de abordar ao 
redor dos grandes heróis e dos aspectos da História Política, isto como, dos 
personagens principais dos Estados Unidos da América. 
Desta forma, em 1960, a História Oral se torna uma importante arma 
empregada por jovens pesquisadores que visavam alterar o estatuto dos 
paradigmas teóricos até então vigentes, pois: 
 
Nos anos Kennedy, mais do que o choque da Guerra Vietnã – a não ser sob a 
forma indireta do “terceiro mundismo” -, a descoberta da “outra América”, da 
pobreza, e a expansão do movimento negro desencadeiam o interesse pelos 
excluídos, pelas minorias étnicas, imigrantes e deliqüentes (FERREIRA, 1994, 
p.21 sic). 
 
A fala acima nos esclarece que é na década de 60, do século passado, 
que nos Estados Unidos os olhares se voltam para uma contra história, ou 
seja, uma história que até então era vista de baixo. Neste mesmo período, 
na Europa, antropólogos, sociólogos deram início às incipientes discussões 
ao redor da evidência histórica e no uso da memória foram muito 
abordadas, pois, a discussão do momento era advinda que com o passar 
do tempo essa apresentaria lacunas que poderiam desestabilizar a Ciência 
Histórica. 
Ainda, sabemos que na Itália se estabelece uma segunda geração de 
historiadores orais como nos elucida Matos e Senna (2011), visto que, esses 
tinham como cerne principal refazer as construções representadas pela 
cultura popular embasados em testemunhos orais sendo o cenário ideal 
para uma observação mais atenta das singularidades da História Oral 
como fonte e, não como de debilidades como era aportada pelo paradigma 
tradicional. 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 91 
 
Nesse ínterim, essa se torna mais crítica e audaciosa porque 
apresentaram viáveis alternativas para a utilização dos recursos 
memorialistas, se cerceando deste método para constituir uma nova 
história propugnada pelos sindicalistas e feministas em 1968 de acordo 
com as vozes de Matos e Senna (2011). Em suma, foi criada uma nova 
história, modificaram-se as tradicionais correntes historiográficas 
passando a direcionar novos olhares e perspectivas como questões de 
gênero, setores populares, pessoas com necessidades especiais, religião, 
transnacionalismo e transculturalismo, operários, as mulheres, o cerne 
social, entre outras temáticas de pesquisa. 
Na fase posterior de historiadores orais, em 1970, acontece um 
“boom” de pesquisas se aportando do método principalmente em 
investigações que primavam pela utilização de histórias de vida tanto na 
Europa como nos Estados Unidos. Tem-se como expoente, na França, 
Alexandre Joutard, desenvolvendo pesquisas relacionadas ao redor de 
etno-textos e da previdência social conforme nos alude Matos e Senna 
(2011), bem como, na Grã-Bretanha assume como expoente na área Paul 
Thompson que aponta que “a função da História Oral, ao devolver a 
história do povo, é de democratizar a própria história. ” (Ferreira, 1994, p. 
29) 
Em 1990, surge à quarta geração de historiadores orais, as 
proposições mais consistentes estavam atreladas às experiências e as 
possibilidades de mudanças viáveis mediante ao uso da fonte oral. Nessa 
perspectiva apontada, de acordo com os acontecimentos do período foi 
organizada teoricamente e metodologicamente passando a se denominar 
História Oral. 
Na América Latina, a História Oral, tem um percurso diferente dos 
países Europeus e dos Norte-Americanos, embora essa surgisse na década 
de 70 com temáticas que eram alicerçadas pela história política e pela 
92 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
antropologia o seu desenvolvimento só veio a ocorrer após o período da 
redemocratização nos países que vivenciaram as Ditaduras Militares, pois, 
nessa década ainda era amplamente preconizado o uso de fontes escritas 
com base em informações analíticas,e por sua vez, o uso da oralidade não 
apresentava nenhum prestígio nos meios acadêmicos. 
Inegavelmente, a América Latina, desencadeou um processo de 
dependência com relação aos países de primeiro mundo, e principalmente 
incorporando as ideias em voga de seus colonizadores. Além disso, tornou 
a Europa como centro de referência e inspiração do saber, acarretando 
várias disputas arguitivas entre os resistentes conservadores e os 
progressistas libertários. Partindo deste pressuposto, o surgimento desse 
método necessita de novas abordagens e soluções do que os apresentados 
pela Europa e pelos Estados Unidos. 
Convém expor que os países do “Sul” se alicerçaram de uma 
sofisticada fundamentação teórica em face de um complexo 
engendramento político local. Dessa maneira, houvera uma sinopse dos 
textos advindos de países do primeiro mundo para que houvesse uma 
readaptação consoante a própria localidade. 
No Brasil, a História Oral, começa a ser sistematizada por Aspásia 
Camargo, em 1975, com o projeto de pesquisa intitulado “Trajetória e 
desempenho das elites políticas brasileiras”, com o intuito de registrar o 
depoimento de pessoas que haviam sido partícipes da história política do 
país na década de 30 a fim de compreender as transformações deste 
período, ou seja, o processo de consolidação do Estado brasileiro até a 
Ditadura de Militar de 1964. No entanto, tal sistematização pela 
pesquisadora foi possível “a partir de cursos fornecidos por especialistas 
mexicanos e norte-americanos na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de 
Janeiro” conforme nos revela Moraes (1994, p.09). Partindo deste fato, sua 
definição começa a ganhar contornos partir de 1979, no obstante, o seu 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 93 
 
robustecimento viera a ocorrer somente depois de 1983 no processo de 
redemocratização política do país com o intuito de ser uma nova voz nos 
debates democráticos que foi inspirada nos moldes da Universidade de 
Columbia dos Estados Unidos coordenado pelo grupo alcunhado de 
C.P.D.O.C6 patrocinado pela Fundação Ford. 
Vale ressaltar que, mesmo após a redemocratização, não houve 
grandes mudanças, apenas alguns breves debates que ainda tencionavam 
a prezar a produção estrangeira e não valorizar a local. Desta forma, o 
método esteve mais imbricado com os interesses de jornalistas, sociólogos, 
antropólogos e psicólogos devido ao fato que a instabilidade política ainda 
influenciava a metade da década de 1980. 
Segundo as premissas teóricas de Ferreira (1994, p.08) na década de 
1980 os pesquisadores que adentravam no terreno da História Oral: 
 
eram predominantemente cientistas sociais, constatou-se uma maioria de 
historiadores, com 51% ficando os cientistas sociais em segundo lugar, com 
34%. A seguir vinham os profissionais das áreas de educação e letras, com 
3,7% e, finalmente, das áreas de enfermagem, psicologia e saúde pública, com 
1,8% cada (MORAES, 1994, p.08). 
 
Os dados demarcados pela pesquisadora nos revelam que havia uma 
diversidade de pesquisadores interessados na apropriação deste método 
ou disciplina, técnica ou fonte, no entanto, até então era domínio maior 
dos historiadores. Entretanto, é em 1980, que se expande as temáticas 
abordadas como “a classe trabalhadora brasileira, a história de bairros, as 
 
6 É o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, criada em 1973, tem como escopo 
primordial abrigar conjuntos de documentos da História do Tempo Presente pertencente à Escola de Ciências Sociais 
da Fundação Getúlio Vargas. Vale expor que há quase dois milhões de documentos de personalidade pública, assim 
sendo, convém ressaltar que o centro tendia a dar primazia para a elite nacional. Segundo Verena Alberti (2004) “o 
programa procurou conjugar duas tend~encias no desenvolvimento da história oral: de um lado, a norte-americana, 
que privilegiava a formação de bancos de depoimentos orais, sem que sua produção se subordinasse necessariamente 
a um projeto de pesquisa, e, de outro, a europeia, que privilegia a lógica da investigação científica, sem que as 
entrevistas dela resultantes fossem necessariamente colocadas à disposição de um público de pesquisadores.” 
94 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
minorias e grupos discriminados, como negros e mulheres. ” (FERREIRA, 
1994, p.11) 
Outrossim, um dos pontos mais significativos para que isso ocorresse 
era porque as Universidades estavam em calamidade pública, devido à 
Ditadura Militar, bem como, muitas não executaram suas atividades 
acadêmicas dificultando o acesso de referências bibliográficas específicas 
ao método; muitas das existentes não havia traduções corretas dos 
grandes pesquisadores teóricos na área. 
Assim sendo, desde a sua origem, a História Oral, foi instituída com 
o teor militante, os depoimentos mais recorrentes na ditadura advieram 
dos militares e da elite política e cultural da época. A História Oral entra 
em cena com o intuito de dar mais emoção a toda aquela gama de escritos 
frios, pois após o período ditatorial há muitos documentos secretos que 
não traziam informações almejadas por muitas vezes serem somente um 
amontoado de papéis havendo uma necessidade de desvelar a memória de 
esferas que tencionaram que a população se esquecesse, e assim, se 
silenciassem. 
Nesse entremeio de acontecimentos onde os países necessitam de 
afirmação houve o anseio de surgir pesquisas orais com crianças, 
mulheres, analfabetos, camponeses, marginalizados sociais, africanos, 
indígenas, imigrantes, operários, pessoas portadoras de necessidades 
especiais, carnavalescos, militares de esquerda, pessoas doentes, pessoas 
comuns, presos políticos partindo do local para o âmbito nacional, ou seja, 
a Micro História, a Nova História Cultural. Outra marca importante na 
História Oral brasileira, muito aportada em estudos, está intrínseca ao 
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), bem como, 
narrativas extraídas de imigrantes e migrados de diversas nacionalidades. 
Tais temas continentes estão se desenvolvendo e sendo amplamente 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 95 
 
utilizados em projetos que visam o desenvolvimento agrário e aqueles que 
versam a respeito da identidade, etnicidade, cultura, entre outros. 
Atualmente, a História Oral latino-americana se encontra em estado 
germinal, tem se destacado e com um aumento bastante significativo 
apresentando estudos de grande qualidade e originalidade, bem como, há 
o surgimento de várias revistas acadêmicas aportando do assunto, 
entretanto, essa tendência oral por muito tempo foi fixada somente em 
instituições de Ensino Superior. Portelli (2000) em seu artigo “Memória e 
diálogo: desafios da História oral para a ideologia do século XXI” outro 
capítulo do livro História oral: desafios para o século XXI afirma que a 
História Oral está muito afiada dentro do contexto latino-americano. 
Nos dias atuais houve um avanço muito grande, principalmente 
porque já nasceu muito tarde, e foram ampliados para espaços populares, 
arquivos, movimentos sociais, setores sociais com o objetivo central de 
reaver as histórias contadas das adversas trajetórias sociais. Porém, se 
denota que os países latino-americanos apresentam contextos muitos 
diferentes porque há alguns em desenvolvimento e outros ainda estão 
engatinhando para compreender e empreender os usos da história oral em 
suas investigações. 
A configuração do método na América Latina foi muito diferente do 
que nos países de primeiro mundo dada como um reflexo de um 
determinado momento histórico, em resumo, a sua institucionalização 
decorre com o caráter explicativo para que houvesse uma compreensão de 
como se encontrava a sociedade brasileira apontando uma reconfiguração 
para as Políticas Púbicas Brasileiras. Passado este aporte de como se fora 
constituindo o campo de estudo definiremoso que é a História Oral 
concatenado de autores que compõem o enquadramento teórico-
metodológico. 
 
96 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
3 História Oral: definição e procedimentos teóricos 
 
Há uma gama de autores que se debruçam acerca da definição do que 
é História Oral. Dentro desta ótica, nos apropriamos de alguns como 
Meihy e Ribeiro (2011, p.12) que nos revela que “História oral é um 
conjunto de procedimentos que se iniciam com a elaboração de um projeto 
e que continua com a definição de um grupo de pessoas a serem 
entrevistado. ” Os autores colocam em xeque uma questão muito 
importante, ou seja, falar em uma entrevista nem sempre requer estar 
realizando uma História Oral porque ela pode ser simples, isolada, única 
ou até mesmo não serem gravadas como os autores Meihy e Ribeiro (2011, 
p.13) nos esclarecem, já que, as entrevistas que contemplam a História 
Oral são aquelas derivadas de um projeto de pesquisa quer seja ele 
acadêmico ou institucional, tendo em vista que, a entrevista em história 
oral representa uma sistematização dos processos organizados pela lógica 
proposta no projeto inicial. 
Entende-se por projeto o plano capaz de articular argumentos 
operacionais de ações desdobradas de planejamentos de pesquisas prévias 
sobre algum grupo social que tem algo a dizer. Pode-se afirmar que sem 
projeto não há história oral. ” (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p.13). Assim, todo 
projeto de História Oral deve conter necessariamente uma entrevista, mas, 
nem toda entrevista faz parte de um projeto de História Oral. 
Na sequencia, Alberti (1990) nos esmiúça que a História Oral é um 
método de pesquisa de cunho diversificado que tem como primazia o uso 
de entrevistas com indivíduos que estiveram presentes em um dado 
momento. De acordo com as premissas teóricas de Joutard (1998) a 
História Oral sempre foi dividida entre aqueles que pesquisavam assuntos 
relacionados com as ciências políticas e para a elite e, os que apostavam 
em investigar pessoas sem voz na História, por sinal, esses se encontravam 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 97 
 
em um campo antropológico. Esses últimos núcleos de pesquisadores se 
encontram em ascensão criando grandes e possíveis possibilidades de 
ampliar estudos com a História Pública. 
Afinal, o que podemos falar sobre o que é história oral? Podemos 
afirmar que ela pode ser uma técnica, uma fonte ou um método, todavia, 
no que se refere a uma metodologia reiteramos que está não é tão velha 
como também nem tão nova, bem como, não foi algo aceitado 
prontamente pela historiografia clássica, pois, demorou muito tempo para 
ser abraçada pelos historiadores mais tradicionais. Da História Oral 
surgem dois termos que devemos analisá-los em separado, logo, História 
é um termo polissêmico que pode ser uma narração de algo que nos 
contam e também é uma disciplina e, a palavra oral indica que é uma 
comunicação verbal apontando uma diferença da escrita. 
Entrementes, a história tradicional se baseou nos documentos, neste 
viés, a História Oral foi considerada como uma aberração, pois, era uma 
forma designada para as sociedades ágrafas ou consideradas pré-
moderna, posto que, o mundo moderno é herdeiro da escrituração desde 
a criação da imprensa por Johannes Gutenberg. Em palavras resumidas, a 
História Oral é algo que nos contam de forma oral, em uma conversação 
com um objetivo de ser uma fonte para a história, ou seja, é uma 
metodologia de fonte criadora de sujeitos e protagonistas que se percebem 
e são afetados pelos diversos processos históricos. Destarte, é de natureza 
qualitativa, que por sua vez, é muito importante ressaltar este aspecto, 
visto que, aqui não nos interessa números estatísticos porque podemos 
trabalhar com apenas um só testemunho desde que está fonte seja 
contextualizada e esta narrativa desvele uma percepção de valor ao revelar 
uma cultura de informação através de seu testemunho. 
 
98 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
4 História Oral: procedimento prático da pesquisa 
 
Partindo das aduções de Meihy e Ribeiro (2011, p.28): “a história oral 
é campo aberto à produção de conhecimento sobre diferenças” sendo 
considerado como um terreno multidisciplinar para pesquisas 
qualitativas. Neste viés, as entrevistas ocorrem no empenho de reelaborar 
a memória e interpretarmos as singularidades de cada experiência do 
entrevistado. 
Aqui nos reportamos à fala de Charles T. Morrissey, um dos 
primeiros historiadores orais norte-americano, que nos revela que uma 
entrevista nunca pode seguir regras fixas e pré-estabelecidas porque 
existem várias formas de se realizar uma entrevista. Ressaltamos que a: 
 
A entrevista significa realmente duas pessoas que estão se olhando. E é nesse 
olhar-se um ao outro que a fonte oral se justifica, porque constitui um processo 
de aprendizado. Não estamos estudando fontes: estamos conversando com 
pessoas que buscam diferentes conhecimentos. E é nessa síntese nova que 
elaboramos através do diálogo, estamos convencidos, e vivemos essa 
experiência, que vamos mudar uns e outros (VILANOVA, 1994, p.47). 
 
A entrevista, cerne de um projeto de pesquisa da história oral, é uma 
ação realizada por dois sujeitos que ao mesmo tempo que busca respostas 
capta novos temas, problemas e injunções acerca da temática que vem 
sendo problematizada, ou seja, “nos transformamos e transformamos 
aqueles que entrevistamos. ” (VILANOVA, 1994, p.47) 
 Ademais, de acordo com Meihy e Ribeiro (2011, p.13) as entrevistas 
realizadas em um projeto de História Oral precisam apontar suas 
condições para que ocorram porque delas criamos uma fonte escrita. 
Sabemos que existem quatro gêneros relacionados com a História Oral de 
acordo com a categorização proposta por Meihy e Ribeiro (2011) como: a 
história oral de vida, história oral testemunhal, tradição oral e a História 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 99 
 
Oral temática onde são criadas um roteiro de perguntas como peça 
fundamental para obtermos as respostas necessárias as perguntas 
demarcadas. Ainda se faz importante salientar que não devemos nos 
preocupar com a quantidade de sujeitos analisados, e sim, que a sua 
narrativa nos demonstre suas experiências pessoais relacionadas com o 
processo histórico que desejamos contextualizar. 
Ademais, quando nos aportamos de uma pesquisa em que se aproprie 
metodologicamente da História Oral precisamos ter em mente que os 
colaboradores ou depoentes devem nos propiciar organicidade ao tema 
proposto. Em viés conclusivo, vale mais a qualidade da entrevista que 
Alberti (2004, p.32) denomina “unidades qualitativas” do que as 
“unidades estatísticas”, ou seja, a quantidade das entrevistas, visto que, em 
alguns casos pode ocorrer o fenômeno que Meihy e Ribeiro (2011, p.79) 
denomina “rendimentos decrescentes” ou o processo de “saturação” 
delianeado por Bertaux (1997). 
 
5 História Oral e memória: contribuições e ponderações 
 
A história e a memória não são face da mesma moeda. Neste sentido, 
de forma mais literal podemos afirmar que a memória é composta por 
fragmentos soltos do passado que estão ligadas a afetividades quer sejam 
individuais ou coletivas, já a história é de cunho científico, que por sua vez, 
tem objetivo de trazer à tona os fatos como assim foram sucedidos, 
embora, nem sempre ela seja plena ou dotada de uma neutralidade pura. 
Em suma, a memória constitui-se em documento sendo objeto principal 
da História Oral que visa a operacionalizar o diálogo entre teoria e os dados 
empíricos, posto que, a memória segundo Burke (2000) pode ser vista 
como uma fonte histórica porque realiza uma reconstrução do passado. 
Deste modo, a memória é seletiva, pois, recordamos o que queremos 
recordar porque olhamos através da nossa experiência, logo, a memória 
100 | Educação, História, Memória eCultura em Debate - Volume II 
 
ressignifica a experiência no tempo. O que já foi uma tragédia hoje já não 
é mais porque os relatos de uma tragédia são ressignificados, ou seja, a 
Pandemia em que vivemos em um contexto atual há uma interpretação, 
contudo, daqui um tempo a memória recordará deste momento histórico, 
porém, haverá uma reinterpretação ao lhe dar sentido no presente, visto 
que, quando nos acontece algo não entendemos o nos acontece, mas, 
tentamos dar sentido ao que não tem sentido ainda. No contexto atual -a 
pandemia- temos um acontecimento difícil em uma narrativa no tempo e 
no espaço onde procuramos dar sentido ao que não tinha sentido. Para 
melhor esclarecer esta situação apresentada nos embasamos em Pierre 
Bordieu (1986) quando ele diz que quando contamos nossa vida é uma 
ilusão biográfica com ordem sequenciada no tempo e espaço. Ao descrever 
um tempo depois do acontecido será imiscuído dos sentidos, do olfato, dos 
ruídos, então, será diferente porque o fato passado é ressignificado no 
presente. 
Neste limiar, após mostrarmos algumas ponderações acerca do 
assunto adentramos nas principais contribuições deste método de 
pesquisa. A primeira que apontamos é que este método é democrático 
porque os atores sociais são sujeitos comuns, visto que, podemos 
entrevistar qualquer pessoa, de qualquer idade porque o que realmente 
nos importa é o seu ponto de vista, quer seja, através deste método 
podemos trabalhar com todo tipo de pessoa em vários aspectos conquanto 
esta sirva para construir fontes para a História e documentar o que ainda 
não existe com o objetivo central de dar organicidade a um determinado 
processo histórico, assim, estas fontes servirão de amparo para futuras 
investigações. 
Outra contribuição deste método é que por meio da recopilação das 
fontes e através dos testemunhos orais estas servirão como um meio de 
entendermos um contexto dentro de um processo que ainda não foi 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 101 
 
analisado, que por sua vez, é divulgado por meio de artigos que são 
denominados: artigos da palavra. Além disso, o método viabiliza a 
possibilidade de que possamos examinar os processos históricos através 
das suas rupturas e suas continuidades, incluso, em temas extemos como 
aqueles relacionacionados com a pobreza, com os doentes mentais, entre 
outros. 
A mais, a História Oral é uma metodologia qualitativa e subjetiva que 
nos ajuda a ver as representações, os símbolos e através dela criar uma 
percepção. É importante entender que este método se difere das fontes 
tradicionais, embora, não menos rigorosa, ou seja, há uma diferença para 
os adotantes deste método de pesquisa, pois, são os pesquisadores que 
constroem as fontes que desejam através das entrevistas e, nos casos 
tradicionais da História as fontes já estão prontas para análise. Assim, a 
fonte é interpretada pelo historiador onde os documentos escritos são 
representações de um passado, embora, a verdade não seja absoluta, mas, 
apresenta um consenso de verdade onde deve ser interpretada. 
E por fim, a principal contribuição que encontramos ao longo da 
nossa jornada de estudos é a de que método de pesquisa possibilita a 
inclusão dos sujeitos como partícipes da História ajudando-os a 
construírem poder do próprio lugar onde se encontram e talvez este seja 
um dos motivos por tanto tempo ter sido um método considerado como 
subversivo. 
 
6 Considerações finais 
 
O presente ensaio procurou levantar algumas questões acerca do que 
é propriamente a História Oral. Partindo dessa premissa, é importante 
anunciar que com o advento das novas tecnologias da informação, como o 
gravador e o computador, estes serviram como alavancada para a difusão 
da oralidade enquanto fonte de pesquisa. 
102 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Ademais, outro fator que possibilitou o uso da História Oral em 
ambientes acadêmicos/institucionais deve-se pelo fato que se é ampliado 
o campo de estudos e preocupações do historiador. Neste ínterim, aqui é 
mais importante análise dos processos e das estruturas do que 
propriamente daqueles considerados como grandes acontecimentos do 
passado, ou seja, é colocado um holofote para as questões do tempo 
presente ou a chamada história recente. 
Aqui se analisa gente comum, no empenho de valorizar os 
testemunhos orais como fonte transitando desde as motivações 
individuais e coletivas. Para tanto, muitos historiadores clássicos não 
viram com bons olhos porque partem do princípio que a memória 
apresenta falhas e subjetividades, contudo, este discurso após plausíveis 
argumentações dos pesquisadores da área têm sido dirimidas ao longo do 
tempo. 
Ainda, o ensaio analisa cronologicamente a história da História Oral 
e aponta que seu uso é tão antigo quanto a própria História, todavia ele só 
irá ser considerado como um método de pesquisa, técnica ou fonte no 
século XX. A História Oral passou por várias correntes e movimentos de 
renovação tanto na Europa como nos Estados Unidos, e assim, desde seu 
surgimento, por volta de 1950, é somente em 1990 que realmente se torna 
sistematizado metodologicamente. Os países da América Latina 
apresentaram um percurso dicotômico dos pertencentes a Europa e o 
Estados Unidos, visto que, embora desde a década de 70 já fossem 
utilizados em pesquisas de algumas áreas vem a ganhar força após o 
período da democratização nos países que vivenciaram as Ditaduras 
Militares como o caso brasileiro. 
Nos itens, História Oral: definição e procedimentos teóricos e 
História Oral: procedimentos práticos de pesquisa nos apoiamos dos fios 
teóricos de vários autores para definir o que é História Oral, o que é e qual 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 103 
 
o uso entrevista e, algumas questões acerca da memória. Relatamos a 
importância da entrevista no desenvolvimento do método, além disso, 
expusemos sinteticamente os tipos recorrentes da História Oral: História 
Oral Temática, de Vida a Testemunhal e a Tradição Oral consoante a visão 
de Meihy e Ribeiro (2011). 
Na parte em que abordamos História Oral e memória: contribuições 
e ponderações concluímos que sua grande contribuição incide no fato que 
este método é democrático porque aqui há o interesse pela voz de qualquer 
pessoa, de qualquer idade, desde que esta tenha um ponto de vista que 
coadune com os objetivos de um projeto de pesquisa com vistas a dar 
organicidade a um determinado processo que servirá de fonte histórica 
para gerações futuras. Além disso, outro ponto de destaque é que este 
possibilita dar sentido as vozes de pessoas consideradas comuns para que 
estas se reconheçam e percebam seu lugar de fala, bem como, observa o 
modo que os encadeamentos históricos acarretaram em suas vidas, pois, 
trabalhar com a subjetividade não é homogeneizar porque cada sujeito 
possui sua perspectiva especialmente quando se examina as mudanças e 
as continuidades na relação dialética do indivíduo com a sociedade. 
 
Referências 
 
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Vargas, 1990. 
 
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BERTAUX, D. Les récits de vie. Collection 128. Paris: Nathan, 1997. 
 
BOURDIEU, Pierre. L'illusion biographique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales. 
v. 62-63, jun., p. 69-72, 1986. 
 
104 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: Novas Perspectivas. Trad. Magda Lopes. São 
Paulo: Editora Unesp, 2000. 
 
CAMARGO, Aspásia. História oral e política. In: FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). 
História oral e multidisciplinaridade. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994. p.75-99. 
 
FERREIRA, Marieta de Moraes (org). História oral e multidisciplinaridade. Rio de 
Janeiro: FINEP/Diadorim, 1994. 157p. 
 
FERREIRA,Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (Orgs.) Usos e Abusos da História Oral. 
Rio de janeiro: FGV, 1998. 
 
MEIHY, José Carlos Sebe Bom; RIBEIRO, Suzana Lopes Salgado. Guia prático de história 
oral: Para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 
2011. 
 
MOITA, Maria da Conceição. Percursos de formação e de trans-formação. In: NÓVOA, 
António. Vida de professores. Lisboa: Porto Editora, 2007. p. 11-140. 
 
JOUTARD, Philippe. "Desafios à história oral do século XXI". In: FERREIRA, Marieta de 
Moraes; FERNANDES, Tania Maria; ALBERTI, Verena (orgs.). História Oral: 
Desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Fiocruz, Casa de Oswaldo Cruz e 
FGV/CPDOC, 2000, p.31-45. 
 
MATOS, J. S.; SENNA, A. K. História Oral como fonte: Problemas e métodos. Rio Grande, 
v. 2, n. 1, p. 95-108, 2011. 
 
PORTELLI, Alessandro. Aos cinqüenta anos: uma perspectiva internacional da história oral. 
In: ALBERTI, Verena et al. (Orgs.). História Oral: Desafios do século XXI. Rio de 
Janeiro: Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz /CPDOC – FGV, 1998. 
 
VILANOVA, Mercedes. Pensar a subjetividade- estatísticas e fontes orais. In: FERREIRA, 
Marieta de Moraes (Org.). História oral e multidisciplinaridade. Rio de Janeiro: 
Diadorim, 1994. 
 
Simone Gomes de Faria; Karen Laiz Krause Romig | 105 
 
THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 
 
THOMSON, Alistair. Aos cinqüenta anos: uma perspectiva internacional da história oral. 
In: ALBERTI, Verena et al. (Orgs.). História Oral: Desafios do século XXI. Rio de 
Janeiro: Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz /CPDOC – FGV, 2000. 
 
 
 
 
Capítulo 6 
 
Interfaces entre história oral e memória: 
contribuições para pesquisas biográficas 
 
Scarlett O’hara Costa Carvalho 1 
Lia Machado Fiuza Fialho 2 
Cristine Brandenburg 3 
 
 
1 Introdução 
 
As pesquisas biográficas são realizadas por meio de fontes orais, 
documentais, legais, imagéticas, entre outras. As biografias que utilizam 
os relatos orais, necessariamente trabalham com a memória, que por sua 
essência, é permeada por esquecimentos e lembranças. Diante disso, 
questionou-se: Como a história oral pode mobilizar a memória com o mote 
de contribuir para a elaboração dos estudos biográficos? 
Para responder a essa problemática central, elaborou-se uma 
pesquisa com o objetivo de compreender a interface da história oral com 
a memória, como substratos importantes para o desenvolvimento de 
estudos biográficos. Desse modo, parte-se de um estudo de abordagem 
qualitativa, realizando-se uma pesquisa bibliográfica, considerando as 
contribuições de alguns autores que se dedicam às temáticas memória e 
história oral: Nora (1993), Le Goff (2003), Meihy e Holanda (2007), 
Thompson (1992), Alberti (2005), Ferreira e Amado (2006), entre outros. 
A relevância em utilizar a história oral como metodologia de 
pesquisa, na qual são realizadas entrevistas com indivíduos, consiste em 
 
1 Mestre em Educação, Doutoranda em Educação, Bolsista Capes/Funcap, scarlettoharacc@gmail.com 
2 Doutora em Educação Brasileira, professora da Universidade Estadual do Ceará, Pesquisadora Produtividade CNPq, 
lia_fialho@yahoo.com.br 
3 Doutora em Educação Brasileira, Instituto Dom José de Educação e Cultura/Universidade do Vale do Acaraú, 
crisfisio13@gmail.com 
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Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 107 
 
despertar a memória de protagonistas ou testemunhas de acontecimentos 
e conjunturas no tempo passado ou no presente, pois esta metodologia não 
se refere apenas à entrevista ou à fonte oral, mas a um conjunto de ações 
planejadas a partir de um projeto previamente elaborado que contribui 
para as pesquisas biográficas (MEIHY; HOLANDA, 2007). 
Justifica-se o envolvimento das pesquisadoras com esta temática em 
destaque pelo fato de todas estarem engajadas com o grupo de pesquisas 
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades (PEMO), chancelado pelo 
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, 
vinculado à Universidade Estadual do Ceará (UECE). Dentre vários 
projetos de pesquisa envolvendo graduandos, mestrandos, doutorandos e 
pesquisadores de diversas instituições nacionais e internacionais, 
majoritariamente trabalha-se com pesquisas utilizando a metodologia da 
história oral para elaborar biografias de mulheres professoras no campo 
da história da educação (FIALHO; SANTOS; SALES, 2019). Contudo, 
pressupõe-se que as fontes orais, veiculadas por meio das memórias, são 
o fio condutor que contribuem para o desenvolvimento das pesquisas de 
cunho biográfico e corroboram com a preservação da história cultural, 
social e educacional. 
 
2 Diálogo entrecruzado: história oral e memória em confluência 
 
No Brasil, por volta de 1970, por meio do Centro de Pesquisa e 
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da 
Fundação Getúlio Vargas, começou-se a valorização das pesquisas em 
história oral, mais especificamente quando foi realizado o I Curso Nacional 
de história oral, em 1975, em que se buscava registrar os testemunhos 
vivos da elite econômica quanto ao processo político no decorrer do século 
XX (ALBERTI, 2005). Desde então, o campo vem sendo debatido por um 
108 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
número maior de pesquisadores, ampliando e ganhando credibilidade nos 
estudos científicos. 
Meihy e Ribeiro (2011, p. 41) destacam que a história oral pode ser 
utilizada como ferramenta, técnica, metodologia ou como disciplina: 
 
Como ferramenta, a história oral é apenas um complemento em que parte da 
entrevista vale como ilustração. Nesse caso, não se valoriza a especificidade da 
narrativa. Como técnica, a história oral é feita para discutir algum postulado 
já estabelecido. Nessa alternativa, ela deve duvidar dos discursos estabelecidos 
que, prioritariamente, instruem argumentos que serão contrapostos às 
entrevistas. Em termos metodológicos, a história oral precede os eventuais 
diálogos com os argumentos estabelecidos. Nesses casos, primeiro vêm as 
entrevistas e, em vista delas, questiona-se o balanço bibliográfico sobre o 
assunto. A vanguarda da história oral defende que ela é um campo disciplinar 
novo, com objetos, procedimentos e fins próprios. 
 
No entanto, não há um consenso na utilização da história oral como 
disciplina com campo próprio do conhecimento e sua utilização no meio 
acadêmico é, majoritariamente, como fonte de pesquisa ou como 
metodologia. Logo, há um consenso entre pesquisadores em destacar a 
importância da história oral como metodologia (ALBERTI, 2005; FIALHO; 
CARVALHO, 2017). Assim, utiliza-se a história oral como metodologia, 
pois percebe-se a importância do trabalho com narrativas por meio de 
entrevistas orais, o que permite elaborar análises individuais e coletivas, 
bem como desenvolver compreensões específicas com maior apropriação 
(ALBERTI, 2005). Além disso, essa metodologia é capaz de contribuir para 
a análise das memórias mediante as entrevistas realizadas com pessoas de 
um determinado grupo, envolvido com temas de interesse para a pesquisa 
em desenvolvimento pelo pesquisador, numa interrelação indissociável 
entre o indivíduo e o seu contexto (FERREIRA; AMADO, 2006). 
Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 109 
 
As fontes orais são fundamentais para compreender as intenções das 
ações, as tensões, os conflitos, as subjetividades, as crenças e o imaginário 
do biografado. Por esse motivo destaca-se a fonte oral nas pesquisas 
biográficas, possibilitando elaborar narrativas tanto de personalidades 
como “[...] conhecer os sonhos, anseios, crenças e lembranças do passado 
de pessoas anônimas, simples, sem nenhum status político ou econômico, 
mas que viveram os acontecimentos de sua época” (MATOS; SENNA, 2011, 
p. 101). 
Thompson (1992, p. 25) enfatizaque “A entrevista propiciará, 
também, um meio de descobrir documentos escritos e fotografias que, de 
outro modo, não teriam sido localizados”. Salienta-se que, segundo Lüdke 
e André (1986), a gravação tem a vantagem de registrar o oral, deixando 
o entrevistador livre para prestar toda a sua atenção ao entrevistado. Sobre 
isso, Meihy e Ribeiro (2011, p. 13) alertam que: 
 
Não se deve confundir história oral com entrevistas simples, isoladas, únicas 
e não gravadas. Também não cabe chamar entrevistas comuns de história oral, 
pois em muitos casos elas se orientam por procedimentos e práticas diferentes, 
respeitáveis e legítimas, mas em outras chaves explicativas ou outras 
necessidades. O que caracteriza a entrevista em história oral é a sistematização 
dos processos organizados pela lógica proposta no projeto inicial. 
 
A relevância das entrevistas em história oral está relacionada aos 
participantes selecionados, bem como às condições de sua realização. Reis 
(1994, p. 126) aponta que “os documentos, fontes orais ou escritas, 
referem-se à vida cotidiana das massas anônimas, à sua vida produtiva, à 
sua vida comercial, ao seu consumo, às suas crenças coletivas, às suas 
diversas formas de organização da vida social”, e, mais do que isso, por 
meio da memória dos sujeitos singulares, possibilita-se captar 
individualidades e subjetividades específicas de um ser. 
110 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Todos os meios são tentados para se vencer as lacunas e os silêncios 
das fontes, mesmo, e não sem risco, os considerados antiobjetivos (REIS, 
1994), lançando luz aos sujeitos históricos que nem sempre desfrutaram 
da devida visibilidade na narrativa histórica oficial. Para Thompson 
(1992), as fontes orais não devem ser utilizadas apenas como um 
documento a mais, pois, “[...] se as fontes orais podem de fato transmitir 
informação ‘fidedigna’, tratá-las simplesmente ‘como um documento a 
mais’ é ignorar o valor extraordinário que possuem como testemunho 
subjetivo, falado” (THOMPSON, 1992, p. 137). 
O advento da tecnologia interferiu na produção historiográfica, 
estimulando o uso do gravador como instrumento capaz de captar e 
arquivar a fonte oral, o que permitiu a propagação e ênfase maior em 
produções com a história oral. Todavia, ao se discutir acerca da história 
oral, essa questão perpassa a memória, pois trabalha-se diretamente com 
lembranças, com esquecimentos e com informações que passam pelo filtro 
do entrevistado. Desse modo, o imbricamento da memória e da história é 
também a relação entre memória coletiva e individual, sempre entrelaçada 
e dotada de poder: o de esquecer, de lembrar, de omitir, de silenciar. Sobre 
isso, Neves (2001, p. 31) reitera que “cada depoimento é único e fascinante 
em sua singularidade e potencialidade de revelar emoções e identidades”, 
afinal, um relato sobre um fato pode ser dado de forma diversa por pessoas 
díspares, ou, no mínimo, as lacunas e esquecimentos podem ser outros, 
inclusive quando um mesmo sujeito tenta narrar novamente determinado 
acontecimento. 
A metodologia da história oral é um importante instrumento de 
investigação científica, em razão de fomentar novas informações por meio 
das entrevistas e de proporcionar o encontro de outras fontes 
documentais. Infere-se, desse modo, que a fonte oral não só é apenas 
importante, mas necessária para a compreensão historiográfica 
Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 111 
 
(CARVALHO, 2018). Nessa perspectiva, cabe ao pesquisador, diante das 
fontes oficiais de que dispõe, fazer novas perguntas sobre o passado, para 
escolher novos objetos de pesquisa, isto é, reler alguns tipos de 
documentos oficiais de novas maneiras e produzir novas fontes e 
interpretações, por isso é “necessário ler os documentos nas entrelinhas, 
julgando necessário não apenas colocar ordem no material pesquisado, 
mas também buscar caminhos para a organização da escrita dessa história 
vista sob outro prisma” (BURKE, 1992, p. 25 ). 
Considera-se que a metodologia da história oral traz à lembrança um 
fato vivido ou presenciado, que, por sua vez, não vem à tona com a mesma 
imagem com que foi experimentado em um passado, e sim reconstituído 
a partir das narrativas do presente. Tal reorganização narrativa não 
intenta uma descrição verdadeira e inquestionável, totalmente fidedigna e 
perfeita, mas uma versão do que se acredita ser de maior aproximação 
possível com o real, construída junto às fontes encontradas e elencadas 
como contribuintes, sem ignorar os filtros do pesquisador que as 
interpreta desde o seu arcabouço de conhecimentos e visão de mundo. 
O colaborador, que pode ser o próprio biografado ou não, traz em 
relato memórias de suas experiências e lembranças a ele repassadas, 
filtradas consciente ou inconscientemente por ele mesmo, ao disseminá-
las. Enfim, na história oral registram-se sentimentos, testemunhos, visões, 
interpretações em uma narrativa entrecortada pelas emoções do ontem, 
renovadas ou ressignificadas pelas emoções do hoje. Como assevera Bosi 
(1994, p. 55), na maior parte das vezes, “[...] lembrar não é reviver, mas 
refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as 
experiências do passado”. Bosi (1994, p. 55) assevera ainda que: 
 
Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a 
mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os 
112 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas 
ideias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o 
passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, 
e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista. 
 
Concorda-se com Bosi (1994, p. 21) no que concerne a sua 
conceituação sobre lembranças, pois acredita-se que “[...] uma lembrança 
é um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho 
da reflexão e da localização, ela seria uma imagem fugidia”. O percurso da 
memória, portanto, é permeado de falas e de silêncios, que dependem dos 
sentimentos vividos pelos sujeitos, bem como pela correlação de forças 
sociais; e nem tudo vem à tona nas lembranças. Conforme afirma Pollak 
(1989, p. 8), “[...] existem na lembrança de uns e de outros zonas de 
sombra, silêncios e ‘não ditos’”. Isto é, as fronteiras desses silêncios com o 
esquecimento definitivo e o reprimido inconsciente não são evidentemente 
estanques, pois estão em deslocamento contínuo, isto é, considera-se que 
o silêncio ou o esquecimento também são reveladores de conflitos. De tal 
modo, importa trazer à tona o silêncio e o esquecimento, como artefatos 
reveladores de conflitos valorosos para o desenvolvimento das pesquisas 
biográficas. Assim, a intensidade das emoções, as frustrações, os conflitos 
e tensões lembrados são acompanhados de sentidos tecidos pelo 
amálgama entre passado, presente e futuro. 
Percebe-se, dessa maneira, que não somente os fatos são guardados 
na memória, mas também os sentimentos experienciados. Há um 
processo de seletividade, de filtragem, de negociação, de conciliação, do 
que deve ser lembrado. Vasconcelos e Araújo (2016, p. 18) asseveram que 
“São momentos de ressignificação do tempo. Um deslocamento entre 
passado-presente. São as marcas do tempo que se agitam na lembrança e 
partilham seus segredos mais recônditos”. Dessa forma, essas 
Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 113 
 
subjetivações possibilitam lançar luz às interpretações que os sujeitos 
constroem sobre si e sobre seus artefatos, clarificando o que sentem e 
pensam acerca das vivências pessoais e grupais. Ainda de acordo com esses 
autores, 
 
É como se tal narrativa pudesse, de alguma forma, reviver momentos com os 
olhosdo presente, quando as lembranças passam a ser não somente 
lembranças, mas feixes de instantes que foram recompostos pelas inúmeras 
mediações que se deslocam entre passado e presente. São pedaços de 
realidades que não podem mais ser apalpados, pois se evaporam entre os 
dedos, mas podem ser rememorados. A entrevista seria, então, a possibilidade 
de colar as lembranças e os retalhos da vida dos que se foram e que revivem 
no contexto da narrativa (VASCONCELOS; ARAÚJO, 2016, p. 20). 
 
Para Jucá (2003, p. 52) “o valor do uso da História oral reside na 
possibilidade de diálogo a ser mantido entre o entrevistado e o 
pesquisador, no qual a subjetividade na construção do conhecimento 
histórico não brota exclusivamente de uma única posição, mas do diálogo 
travado entre o entrevistador e o entrevistado”. Ainda sobre essa assertiva, 
Alberti (2005, p. 14) pontua que: 
 
A entrevista ganha maior dimensão quando resulta da cumplicidade 
prolongada entre entrevistador e entrevistado. O pesquisador deve construir 
com o entrevistado uma relação de sensibilidade e de rigor; de adesão no 
processo de compreender e de crítica atenta no processo de indagar, de 
reconstituição e questionamento. Cumplicidade controlada garante a 
dimensão e a consistência do que é revelado. 
 
É importante elucidar a ideia de que, mesmo compreendendo que a 
história oral não se caracteriza por ser um retrato fiel de ocorrências, 
certamente ela evidencia interpretações muito pessoais constituídas ao 
longo da trajetória de vida de cada um sob circunstâncias particulares. 
114 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Afinal, os acontecimentos são contados mediante os filtros culturais que a 
própria sociedade edifica. Como destacam Matos e Senna (2011), as 
lembranças são filtradas ativando aquilo que é significativo. O entrevistado 
vai escolhendo o que falar, elaborando, assim, sua narrativa. Conquanto, 
ressalta-se que é por intermédio desse crivo que se pode realizar uma 
reflexão mais rica quanto às histórias. 
Segundo Schultz (1964), cada pessoa experimenta e conhece o fato 
social de maneira particular, mas as experiências vivenciadas e 
internalizadas ganham significados que perpassam o convívio grupal, de 
modo que as interpretações dos acontecimentos não se reduzem à soma 
dos elementos, mas sim à compreensão dos modelos culturais e das 
particularidades do entorno. Consoante com esse autor, Thompson (1992) 
enfatiza a riqueza e a importância da memória dos sujeitos, como os 
entrevistados contam suas histórias do passado, alternativa para uma 
abordagem histórica, um estudo que valoriza e dá tratamento às fontes de 
uma memória viva. Um novo paradigma é estabelecido a partir de então, 
passando a memória pessoal a ter um significado cada vez maior para a 
memória coletiva. Isto é, uma possibilidade de análise da vida indissociada 
da coletividade. Para Halbwachs (2004, p. 85), “[...] toda memória é 
coletiva, e como tal, ela constitui um elemento essencial da identidade, da 
percepção de si e dos outros”. 
A memória está viva, ou seja, ao relatar fatos e histórias de vida, o 
documento vivo passa a expor o que está ou ficou guardado na memória 
dos indivíduos. A memória é espontânea ou induzida, e somente relata o 
que realmente o sujeito tem vontade de falar. Cabe ao pesquisador ser ético 
a fim de reproduzir com fidelidade o que lhe foi dito, sendo recomendável 
evitar as revisões minuciosas das entrevistas realizadas, quando as 
pretensas correções ou a clareza desejada, que podem desvirtuar o 
conteúdo autêntico das narrativas. Para Thompson (1992), a história oral 
Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 115 
 
funciona a partir do interesse social do pesquisador, surgindo como 
maneira de “dar voz” aos que por algum motivo não têm uma história 
contada. A partir dessa proposta de uma nova alternativa de trabalhar a 
história, os pesquisadores passaram a utilizar dados orais para ouvirem 
aqueles que não tiveram suas histórias no registro documental, que não 
galgaram visibilidade social. Por isso, “[...] a evidência oral pode conseguir 
algo mais penetrante e mais fundamental para a história, contribui para 
uma história que não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas 
também mais verdadeira” (THOMPSON, 1992, p. 137). 
Não se trata apenas de apresentar uma nova perspectiva sobre os 
fatos e entendê-la como uma verdade inquestionável acerca das fontes 
coletadas, ao contrário, visa oferecer um arcabouço de informações 
expressas nas narrativas orais dos sujeitos históricos, o que pode garantir 
uma análise mais apurada dos acontecimentos e dos sujeitos envolvidos. 
Ou seja, a compreensão dos contextos que influenciam os sujeitos na 
elaboração de relatos de memória, sejam eles escritos ou narrados 
oralmente, contribui para as pesquisas biográficas (DOSSE, 2015). 
Segundo Thompson (1992), não há fontes totalmente seguras, pois 
tanto o oral como o escrito podem ser modificados. Admite ainda que o 
processo da memória depende também da percepção de como ela 
acontece. Salienta que o documento escrito foi produzido dentro de um 
determinado contexto, seja ele social, cultural ou político e por isso, é 
passível de várias interpretações. Em consonância com esse pensamento, 
Le Goff (2003, p. 548) pontua que a fonte documental é “[...] o resultado 
de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história da época, da 
sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as 
quais continua a viver”. 
Interessa, pois, salientar que a história oral ganha sentido quando 
deixa de ser documento equiparável aos escritos já existentes. Por ser 
116 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
fundamento de “outra visão”, a história oral merece destaque (MEIHY; 
RIBEIRO, 2011). As fontes orais entrecruzadas com as fontes documentais 
conseguem expressar e realçar as lembranças constituintes de uma 
narrativa para além dos discursos já prontos, memorizados. É perceptível, 
portanto, o caráter metodológico de que trata a história oral na elaboração 
de pesquisas científicas, pois não se detém apenas a questionar teorias 
preexistentes por meio dos relatos obtidos com as entrevistas, nem de 
apresentar uma verdade em detrimento das outras perspectivas, mas de 
abordar lembranças, esquecimentos e subjetividades, contemplando um 
universo de significados, significações, ressignificações, representações 
psíquicas e sociais, simbolizações, simbolismos, percepções, pontos de 
vista, perspectivas, experiências de vida e analogias (TURATO, 2003). 
Uma pesquisa que utiliza essa metodologia precisa considerar e 
valorizar os silêncios, os esquecimentos, a gesticulação, o semblante do 
entrevistado e tudo o que acompanha sua narrativa, pois as subjetivações 
intrínsecas ao informante também são aspectos importantes de análise 
(FIALHO, 2012). Com efeito, é a partir da memória das narrativas de 
pessoas sem larga expressividade pública, que esses estudos possibilitam 
não somente a visibilidade desses indivíduos sujeitos igualmente 
históricos, mas trazem à tona suas contribuições e seus feitos. Segundo 
Burke (2010), as memórias são constituídas pela reconstrução do passado 
por meio do presente, e as pesquisas biográficas seriam o resultado desse 
momento de lançar luz à lembranças e/ou esquecimentos. Sobre a 
memória, Nora (1993, p. 9) elucida que: 
 
[...] é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, 
uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se 
acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de lembranças vagas, 
telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas 
as transferências, cenas, censuras ou projeções. A história, porque operação 
Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; CristineBrandenburg | 117 
 
intelectual e laicizante, demanda análise e discursos críticos. A memória 
instala a lembrança no sagrado, a história a liberta e a torna sempre prosaica 
[...]. 
 
De modo congruente com o exposto por Nora (1993) e asseverado 
por Le Goff (2003, p. 419), acredita-se que “[...] a memória é a propriedade 
de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto 
de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou 
informações passadas, ou reinterpretadas como passadas”. A memória é a 
base constituidora da oralidade. Portanto, como discorreu Nora (1993), 
ela, apesar de sempre atual, não apresenta precisão, pois está 
constantemente ajustada às crenças e ao imaginário dos indivíduos. 
Bosi (1994, p. 281) atenta para o fato de que a “[...] memória é, sim, 
um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado pela 
cultura e pelo indivíduo”. A autora afirma que o tempo social acaba 
consumindo o individual, fazendo com que a percepção pessoal seja 
acolhida pela coletiva. A memória é produto de um trabalho de 
ressignificação tecido pela amálgama entre presente e passado; ela vem à 
tona à medida que é fabricada, sem necessidade de linearidade (LE GOFF, 
2003). Tal fabricação requer tratamento teórico e metodológico por parte 
daqueles que se dedicam à coleta das lembranças. Sobre a memória, 
Delgado (2010, p. 16) acrescenta que 
 
A memória, principal fonte dos depoimentos orais, é um cabedal infinito, onde 
múltiplas variáveis – temporais, topográficas, individuais, coletivas – dialogam 
entre si, muitas vezes revelando lembranças, algumas vezes, de forma 
explícita, outra vezes de forma velada, chegando em alguns casos a ocultá-las 
pela camada protetora que o próprio ser humano cria ao supor, 
inconscientemente, que assim está se protegendo das dores, dos traumas e das 
emoções que marcaram sua vida. 
 
118 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Por meio da história oral são produzidas as narrativas orais, sendo 
elas, as próprias narrativas de memória. Entretanto, as narrativas de 
identidade na “medida em que o entrevistado não apenas mostra como ele 
vê a si mesmo e o mundo, mas também como ele é visto por outro sujeito 
ou por uma coletividade” (SILVEIRA, 2007, p. 41). 
Thompson (1992, p. 197) diz que: “Toda fonte histórica derivada da 
percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite desafiar 
essa subjetividade: descolar as camadas de memória, cavar fundo em suas 
sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta”. Sabendo que a 
memória é dinâmica e que muda e evolui de época para época, é pertinente 
que seu uso seja relativizado, uma vez que o objeto de análise, no caso, não 
é a narrativa objetivamente falando nem sua relação contextual, e sim a 
interpretação do que ficou (ou não) registrado nas lembranças das pessoas 
e que foi passado para a escrita (MEIHY; HOLANDA, 2007). 
Nas palavras de Reis (2000, p. 32), “O presente liga-se ao passado e 
o passado ao presente de tal forma que o passado se torna presente e o 
presente imuniza-se contra a sua sorte, que é se tornar passado”. 
Compreende-se, assim, que a memória representa um mecanismo do 
presente por intermédio de vivências e experiências ocorridas em um 
passado, assim a vida de toda pessoa, seja ela “anônima” ou não, possui 
valor para a História. O uso da história oral para o desenvolvimento de 
pesquisas biográficas e investigações de outros campos, torna-se 
relevante, por possibilitar o trabalho com memórias e narrativas de 
pessoas que testemunharam acontecimentos importantes da História, pois 
permite outro olhar acerca dos fatos narrados pela História Oficial 
(FERREIRA; AMADO, 2006), 
Há uma articulação entre o particular e o geral, isto é, entre aquilo 
que se constitui como específico de uma narrativa e o momento histórico 
em que ela acontece. As falas são produzidas por sujeitos em um contexto 
Scarlett O’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 119 
 
sócio-histórico, que fazem uso da memória e da palavra, e isso implica o 
trabalho com o que é dito e não dito, com o que é silenciado. O pesquisador 
precisa estar atento a essa oralidade, pois, mesmo que o silêncio não fale, 
“O silêncio é. Ele significa. Ou melhor: no silêncio, o sentido é [...]; ele 
passa pelas palavras. Não dura. Só é possível vislumbrá-lo de modo fugaz. 
Ele escorre por entre a trama das falas” (ORLANDI, 1997, p. 34). 
A história oral, ao trabalhar com lembranças, esquecimentos e 
subjetividades, não objetiva uma verdade histórica, mas sim a ampliação 
dessa compreensão. Ela define-se pelo “[...] resultado de experiências que 
vinculam umas pessoas às outras, segundo pressupostos articuladores de 
construções de identidades decorrentes de memórias expressadas em 
termos comunitários” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 27). Nas palavras de 
Alberti (2005, p. 155), a história oral “[...] permite o registro de 
testemunhos e o acesso a histórias dentro da história e, dessa forma, 
amplia as possibilidades de interpretação do passado”. 
Silva (2009) infere que a memória transformou-se, para muitos, no 
objeto da história oral. Desse modo, os pesquisadores começaram a 
considerar que, a partir do entendimento do processo de formação da 
memória histórica, poderiam compreender como os indivíduos vinculam 
passado e presente, bem como a necessidade de valorizar as identidades, 
as memórias e as visões de mundo de grupos por vezes invisibilizados em 
determinadas fontes tradicionais (MAIA; BRAGA JÚNIOR; FIALHO, 2015). 
Para Fialho (2020), ao trabalhar com memórias o pesquisador 
biográfico deve-se ater aos interesses do estudo, não se trata 
exclusivamente de gravar as narrativas, um depoimento, ou uma história 
de vida, pois, ao “captar algo que ultrapassa o caráter individual do que é 
transmitido e se insere na interpretação que terá para a coletividade, já 
que a vida que emerge na biografia de um grupo que tem história, e a 
120 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
história é construída e constituída pela interação dos indivíduos” (FIALHO 
et al., 2020, p. 9). 
Conclui-se, portanto, que é a partir da memória que se torna factível 
compor as narrativas biográficas, pois ao tratarem da história de vida de 
um indivíduo, seja ele um sujeito comum ou de grande visibilidade social, 
possibilitam não somente lançar lume a esses indivíduos, sujeitos 
históricos, mas permitem trazer à tona sua existência imbricada em 
compreensões subjetivas que qualificam a interpretação de minúcias 
individuais e coletivas interdependentes do contexto social, cultural, 
econômico e político em que se insere. 
Os atos de relembrar e narrar, mobilizados com a história oral, 
configuram-se como uma oportunidade de refletir acerca de 
acontecimentos ao despertar lembranças relatadas mediante a oralidade, 
mais rica em detalhes. Por último, salienta-se que as pesquisas biográficas 
tornam-se relevantes, haja vista que contribuem para melhor 
compreensão da realidade sócio-histórica de determinado período e das 
subjetividades do sujeito, revelando singularidades e particularidades de 
um coletivo indissociadas do individual. 
 
3 Algumas considerações 
 
O presente artigo foi perspectivado com o objetivo de compreender a 
interface da história oral com a memória, como substratos importantes 
para o desenvolvimento de estudos biográficos. A pesquisa apontou que o 
uso da história oral em pesquisas biográficas é relevante 
metodologicamente, pois proporciona uma abordagem interdisciplinar 
que valoriza o sujeito. A utilização dessa metodologia permite que se 
manifestem, no presente, realidades diversas do passado que foram, de 
algum modo, ofuscadas ou não. Assim, torna-se factível compreender que 
o valor do uso da história oral reside na possibilidade de diálogo a ser 
ScarlettO’hara Costa Carvalho; Lia Machado Fiuza Fialho; Cristine Brandenburg | 121 
 
mantido entre o entrevistador e o entrevistado, na (re)elaboração de 
narrativas históricas. 
A história oral, dessa forma, mobilizada a partir da memória como 
mote, contribui com a elaboração de estudos biográficos, na medida em 
que é utilizada como metodologia de pesquisa, inclusive já consolidada no 
campo científico. Sendo assim, reproduzidas em diversos estudos 
acadêmicos biográficos, vêm perpetuando a história de vida de indivíduos 
e do seu contexto sócio-histórico, ou seja, de uma sociedade. 
Diante do exposto, os resultados apontaram que a memória 
transformou-se no objeto da história oral, pois a história oral produz 
narrativas orais que são narrativas de memória. O trabalho com história 
oral, especificamente no gênero biográfico, exige inferência sobre a 
memória, pois trabalha-se diretamente com lembranças e com 
esquecimentos, propositais ou naturais, que vão compor um rol de 
informações que passam pelo filtro de reminiscências tanto do 
colaborador, como do pesquisador, que é quem vai interpretá-las. 
Para compor uma narrativa oral é necessário recorrer à memória, 
logo, a interface da história oral com a memória encontra-se galgada na 
constituição das lembranças apresentadas, que passam pela mobilização 
individual e pelo processo subjetivo de trazê-las à tona em forma de 
narrativas oralizadas. Dessa maneira, a história oral, ao trabalhar com 
memórias, lembranças, esquecimentos, lança lume ao cotidiano e às 
subjetividades inerentes a este, pois aborda um universo de significados, 
ressignificações, simbolismos e percepções de experiências de vida, que 
são verbalizadas por quem as vivenciou direta ou indiretamente. Pode-se 
inferir, todavia, que a história oral possui importância nas pesquisas 
biográficas do tempo presente, visto que tem capacidade de propiciar uma 
melhor compreensão da construção da história do indivíduo na sociedade. 
Todavia, as discussões não se esgotam aqui, ao contrário, propõe-se que 
122 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
esse capítulo seja utilizado como aporte para estimular novos estudos e 
suscitar outras curiosidades e indagações acerca da temática em tela. 
 
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Capítulo 7 
 
Patrimônio e memória: ações educativas que promova 
o conhecimento dos bens de natureza materiais e 
imateriais da cidade de Mossâmedes 
 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira 1 
 
 
1 Introdução 
 
Ao falar-se sobre educação patrimonial devemos compreenderque é 
um processo complexo e intensamente amplo, abrange vários métodos, 
profissionais, áreas especificas e públicos diversificados. 
De acordo com a obra “Para repensar a educação patrimonial” de 
Simone Scifoni (2015) 
 
A educação patrimonial não pode ser vista como produto ou como sinônimo 
de divulgação de informações, mas como um processo em que se busca criar 
uma nova relação entre os moradores e o seu patrimônio (SCIFONI, 2015, p. 
198). 
 
Diante a essa citação é notório a participação ativa que as ações 
educativas têm sobre as comunidades em seu processo de reconhecimento 
e tratamento com os seus bens patrimoniais. Assim sendo o cenário da 
cidade de Mossâmedes se torna o espaço a qual se faz necessário o 
desenvolvimento de ações educativas, que possuam o intuito de promover 
o conhecimento e a aproximação da população com o seu patrimônio 
cultural, as temáticas destas ações devem voltar-se para os patrimônios 
materiais e imateriais da cidade, tendo como propósito mapear quais são 
 
1 Mestranda pela Universidde Estadual de Goiás. Câmpus Cora Coralina. Programa: PROMEP Estudos Culturais, 
Patrimônio e Memória. Email: sthefanyh_ta@hotmail.com 
mailto:sthefanyh_ta@hotmail.com
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 127 
 
esses bens culturais para os moradores, justamente com o objetivo de 
haver esse elo de proximidade da comunidade com o seu bem patrimonial. 
As origens da cidade de Mossâmedes é marcada pelo processo de 
colonização e dominação, usando-se da religião católica como um dos seus 
principais instrumentos, o mesmo foi criado com o objetivo de ser um local 
de catequização dos índios caiapós. Em sua formação espacial, estrutural 
e arquitetônica, se torna notável a grande presença do catolicismo desde a 
iniciação da formação do município. 
Quando se tem acesso as plantas antigas e compara-se com o que o 
município se tornou hoje, resta-se daquela época apenas a Igreja Matriz de 
São José, no entanto ao refletir-se sobre a sua sociedade, o catolicismo esta 
entrelaçada à cultura dos dias atuais. A cidade é preponderantemente 
católica e suas principais ações culturais são de cunhos religiosos. Esse é o 
cenário a qual este artigo sobre educação patrimonial propõe-se 
desenvolver. 
Grande parte da população não possui conhecimento histórico e 
conceitual de cultura e patrimônio cultural, seguem as tradições sem por 
diversas vezes conhecer a simbologia que esta representa. Ao promover as 
ações educativas o objetivo central é o mapeamento do patrimônio cultural 
da cidade, visando o conhecimento e despertamento dos indivíduos em 
relação aos seus bens culturais e a importância que os mesmos possuem. 
 
2 Cidade de Mossâmedes: formação histórica 
 
A cidade de Mossâmedes tem em seu passado intrigantes processos 
históricos, principalmente no que se refere ao seu surgimento e 
desenvolvimento. 
Segundo Monteiro (1951) O projeto de construção do aldeamento de 
São José de Mossâmedes tinha por objetivo tornar-se um local de 
128 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
alojamento e catequização de índios caiapós, lugar este que se tornou uma 
expressão do domínio dos colonizadores sobre os colonizados. 
Segundo Sérgio Buarque de Holanda (1995) postula que para muitas 
nações conquistadoras a construção de cidade representou um grande 
instrumento de dominação. E um dos fatores de destaque nesse 
instrumento de dominação foi à religiosidade, visível na formação das 
cidades coloniais através do encontro entre a cruz, a espada e o poder 
colonizador da igreja e do estado. Essa realidade é visivelmente percebida 
quando analisamos as primeiras plantas elaboradas sobre o surgimento 
do aldeamento de São José de Mossâmedes. 
De acordo com o folhetim produzido por Ofélia Sócrates Nascimento 
Monteiro, em 1951, afim de bem alojar os índios chamados à civilização, 
resolveu D. José erigir, perto de Vila Boa, um aldeamento modelo. Para 
isso foi ele, pessoalmente, escolher o local, que recaiu na região onde havia 
uma roça de José Vaz. Foram destacados alguns alferes de dragões para a 
comissão de inspecionar as obras em execução. Um regente ao qual cabia 
zelar pela parte econômica e pela educação dos aldeados. Como medida de 
economia, a fim de evitar os gastos com feitores, foram destacados os 
dragões para administrar as roças e a fazenda de gado. 
Não existe consenso acerca do ano da construção do aldeamento de 
São José de Mossâmedes. Enquanto, Cunha Mattos (1856), Souza (1998) e 
Saint- Hilaire (1975) afirmam que ele foi construído em 1755 e reedificado 
em 1774, outros autores, Alencastre (1979) e Ofélia Sócrates (1951), falam 
deste aldeamento como se ele tivesse iniciado em 1774. Porém, pode se ver 
através de algumas histórias, que nesse intervalo que vai de 1755 à 1774 
houve uma possível destruição do aldeamento, tendo seu recomeço em 
1774. Contudo, nenhum dos autores que afirmam ter sido o aldeamento 
construído em 1755 explica o que aconteceu da construção até sua 
“reconstrução” em 1774. 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 129 
 
Segundo Raymundo José da Cunha Mattos: 
 
(...) A aldea, agora denominada São José, existia no anno de 1755 como 
habitação dos índios Cayapôs; foi reedificada no anno de 1774 com a 
denominação de São José, e elevada a Parôquia no anno de 1780. O Governador 
e Capitão Geral José de Almeida e Vasconcellos deu-lhe o sobrenome de 
Mossâmedes, e construionella casas que mais parecem palácios, do que lugares 
de vivência de Índios quase selvagens. Esses palácios, onde, temporariamente 
residirão alguns generaes, estão reduzidos a ruínas em consequência da 
fraqueza da sua construção. Está assentada na parte meridional da Serra 
Dourada. (...). (MATTOS, 1856, p. 137). 
 
Os dados mais convincentes e esclarecedores parecem estar na obra 
de Alencastre (1863). Ao afirmar que a construção desse aldeamento data 
de 1774, este autor apresenta documentação adequada para a confirmação. 
José Martins Pereira de Alencastre afirma que: 
 
Esse projeto foi levado avante, indo ele mesmo, (o governador – José de 
Almeida de Vasconcelos de Soreval e Carvalho – Barão de Mossâmedes) 
escolher e demarcar a cinco léguas de Vila Boa o terreno em que devia ele ser 
fundado, ao qual deu logo o nome de São José de Mossâmedes, que não só 
recorda o nome próprio do seu fundador, como do seu solar de Mossâmedes. 
(ALENCASTRE, 1979, p. 214). 
 
Durante o período do século XVIII, o processo de colonização ainda 
era muito presente, sendo uma de suas grandes ferramentas a 
catequização, ou seja, a disseminação do cristianismo da igreja católica. 
Assim como ocorreu em Vila Bola, posteriormente, denominada cidade de 
Goiás. 
Durante este período, várias cidades e povoamentos foram erigidos 
baseando-se, preponderantemente, na economia mineradora. Seja de 
forma direta ou indireta, São José de Mossâmedes recebe esta influência 
130 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
ao se pensar o propósito de sua formação: os índios caiapós por muitas 
vezes saqueavam bandeirantes/brancos que utilizavam das estradas e 
rotas para se locomoverem juntamente com sua mercadoria e ouro. No 
entanto, o medo começava a solar estes indivíduos, pois não havia 
segurança em transitar em certas regiões, locais em que viviam estes 
índios. Em um dado momento, - segundo algumas fontes historiográficas 
como o livro de Célia Brito (1982) Luiz Palacin (1976) e Ofélia Sócrates 
(1951) - este fato começou a incomodar a corte de Portugal, e a Capital Vila 
Boa, surgindo, por isso, o projeto de construção do aldeamento de São José 
de Mossâmedes. 
Houve uma mudança de governo em Vila Boa. Em 1781, Luiz da 
Cunha Menezes assume o governo da Capitania, sob seu mandato, o 
mesmo passou a missão para José Luiz Pereira, que era a de promover a 
conquista pacífica dos índios Caiapós. Levava ele 50 homens práticos 
nessasexcursões pelo sertão e três índios da aldeia para servirem de 
intérpretes. 
Após estas expedições trouxeram dois netos maioral da tribo, um dos 
quais veio uma menina sendo esta batizada pelo nome de Damiana por 
Luiz da Cunha Menezes. Índia, a qual futuramente auxiliaria na 
catequização e na busca de índios para povoar o aldeamento. Nos dias de 
hoje, ela ainda é uma figura importante: a praça principal da cidade - onde 
reside a Igreja Matriz de São José - tem o seu nome e a bandeira do 
Município leva seu rosto estampado. 
Por volta de 1771, foi construído na aldeia de São José um pátio em 
que no centro das extremidades ergueu-se a Igreja Matriz; sendo usada 
uma técnica com terra socada, como se as paredes fossem de um grande 
adobe, medindo mais de um metro de largura. Até os dias atuais essa 
técnica usada não apresenta rachaduras. Nos cantos do pátio, 
construíram-se edifícios, como a residência do governador. Ao redor 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 131 
 
foram surgindo às casas, alojamentos para os índios caiapós, formando 
assim, um conjunto arquitetônico regular e planejado. 
Ao analisar a planta original da cidade é identificável a forte presença 
do catolicismo desde seus moldes iniciais. O traçado urbano da cidade se 
forma entorno de uma edificação religiosa que possui visualmente um 
lugar de destaque, seguindo um quadrilátero as demais construções se 
formam envolto da igreja sendo que a mesma representa o ponto mais 
alto, desta maneira se torna perceptível a forte presença da religião católica 
na formação do espaço urbano do aldeamento. 
Ao indagar sobre Mossâmedes um dos pontos de referência para a 
identificação da cidade, são suas festas tradicionalmente católicas e a Igreja 
Matriz que se localiza na praça central da cidade. As principais práticas 
culturais do município são de cunhos religiosos, algo que não é por acaso, 
quando analisamos o passado histórico da cidade, é notório que a 
sociedade e seu espaço ainda são bastante influenciados pelas suas origens, 
o catolicismo é impregnado dentro desta comunidade, porém muitos não 
possuem essa consciência histórica e cultural, reproduzindo nestes 
espaços praticas carregadas de simbolismos e tradições, sem o devido 
conhecimento. 
Desta maneira a relevância social da ação educativa é contribuir para 
a compreensão dos aspectos culturais e patrimoniais da cidade de 
Mossâmedes, é problematizar qual a influência e o impacto que seu 
passado histórico possui sobre sua cultura e identidade. É por meio de esta 
iniciativa colaborar para que a população de forma geral tenha acesso e 
conexão aos seus bens culturais, ir além de uma transmissão de 
informações, mas buscar a proximidade da comunidade mossamedina 
com o seu patrimônio cultural. 
De acordo com HORTA (1999) 
 
132 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
O conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas comunidades do seu 
Patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável 
desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de Identidade e 
cidadania. A Educação Patrimonial é um instrumento (...) que possibilita ao 
individuo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do 
universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que esta inserido 
(HORTA,1999, p. 4) 
 
Sendo assim a importância da aplicação da ação educativa, consiste 
em justamente despertar na sociedade mossamedina essa consciência 
histórica e cultural, mostrar que a cidade tem seu valor, que possuem 
aspectos relevantes para a história, despertar esse sentimento de 
identidade e cidadania. Muitas vezes quando dialogamos com os jovens 
que residem à cidade, os mesmos olham a igreja como algo velho sem 
valor, tratam as festas como mera atividade de lazer, sem analisar os 
elementos sociais que os envolvem, por tanto a ação educativa se objetiva 
justamente a isto, atiçar estes jovens sobre a relevância cultural desses 
espaços, demonstrando o valor que os mesmos possuem. 
De acordo com MACHADO (2010) 
 
Observando a paisagem urbana, percebemos a sua produção material, a 
tecnologia que está presente em cada canto do espaço, os saberes que são 
transmitidos. Esse cenário, construído historicamente, revela essa dimensão 
concreta da cidade, independentemente do seu tamanho. Nela há também 
uma dimensão abstrata que está repleta de códigos, símbolos, de 
representações, percebidos quando desvelamos as relações sociais, os ritos, os 
usos e costumes, a arte de conviver, a estética, as formas de 
dominação/exclusão (MACHADO, 2010, p. 36). 
 
Desta forma o objetivo da ação educativa se voltará, em despertar o 
olhar crítico e social dos cidadãos de Mossâmedes, buscará a compreensão 
e o interesse deles para com sua cidade, identificando junto a eles seus 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 133 
 
bens patrimoniais, suas memórias, tradições e identidade, visando à 
consciência de sua relevância histórica e cultural. 
 
3 Patrimônio e Memória: ação educativa sobre bens patrimoniais 
 
O presente artigo tem como intuito desenvolver uma discussão 
acerca de Educação Patrimonial e suas ações educativas diante as 
comunidades, demonstrando a importância e a relevância social que esta 
área possui sobre a sociedade e seus bens patrimoniais. 
De acordo com o site do IPHAN: 
 
A Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos formais 
e não formais que têm como foco o patrimônio cultural, apropriado 
socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências 
culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu 
reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera-se, ainda, que os 
processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do 
conhecimento, por meio da participação efetiva das comunidades detentoras 
e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de 
patrimônio cultural (IPHAN, 2014). 
 
Nota-se desta forma que a educação patrimonial é um processo 
responsável pela busca da proteção e da preservação do patrimônio 
cultural, é por meio destas ações educativas que ocorre a aproximação da 
comunidade com o seu bem patrimonial. É através das metodologias que 
regem este processo que por diversas vezes cria-se um elo entre a 
sociedade e partes de seu patrimônio cultural material e imaterial. 
O patrimônio faz parte de uma seleção dentro de um espaço cultural, 
é escolhido e determinado para representar a cultura de um povo, faz parte 
de sua identificação perante aos demais grupos, é permeado de 
simbologia, tradição, identidade e memórias. No entanto neste processo 
de selecionar os bens patrimoniais algumas classes se sentem exclusas, e 
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Educacao_Patrimonial.pdf
134 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
não conseguem se identificar diante ao seu patrimônio cultural, é nesta 
instancia que surge a educação patrimonial, a mesma possui a 
responsabilidade de conhecer a comunidade e prove-la a opção de nomear 
o que realmente consideram seu patrimônio cultural. 
Quando falamos patrimônio, rapidamente ligamos essa palavra ao 
passado ou algo que devemos preservar. Ensina Oliven (2003), patrimônio 
refere-se a algo que herdamos e que, por conseguinte, deve ser protegido. 
Dessa forma, podemos afirmar que patrimônio é preservar algo que corre 
o risco de ser destruído. 
Sabemos que patrimônio cultural é essencial para a história da 
humanidade e consequentemente precisa ser conservado, ele faz parte 
daquilo que somos e onde pertencemos da curva para nossa identidade 
seja ela local, regional ou até mesmo nacional. O patrimônio cultural vai 
além do concreto, como a autora Marília Londres Fonseca mesma afirma 
“além da pedra e da cal”. As manifestações da cultura popular ou da 
cultura eruditasão elementos que também precisam ser preservados, 
fazem parte da história. 
Como aponta Oliven: 
 
No Brasil, a legislação sobre o patrimônio cultural é da década de 1930, quando 
o país passou por um processo de integração nacional, com o aprofundamento 
da construção da brasilidade. A opção feita naquela época foi realizada pela 
arquitetura de elite. Mário de Andrade propôs, em 1936, um projeto de lei em 
que também fossem incluídos, no patrimônio brasileiro, os falares, os cantos, 
as lendas, as magias, a medicina e a culinárias indígenas (OLIVEN, 2003, p. 
80-81). 
 
Ao levantar-se a discussão sobre o conceito de patrimônio é notável 
que o mesmo passou por um processo de formação, no início o bem 
cultural era apenas os bens materiais, como por exemplo as igrejas, os 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 135 
 
palácios, castelos, ruínas, arquiteturas relacionadas principalmente a elite, 
no entanto com o decorrer dos anos, com novos estudos e referenciais 
teóricos, esse conceito se ampliou, abrindo espaço para novos agentes 
históricos. A história nesse momento vai além dos dominantes, a voz 
silenciada dos dominados cria curvas, sons e imagens. 
Desta maneira é indispensável falarmos sobre a educação 
patrimonial, a mesma assume um papel de mediação entre a sociedade e 
o seu patrimônio, faz parte do processo de conhecimento e aproximação 
das comunidades com os seus bens culturais. Dentro desse campo ações 
educativas são desenvolvidas, com o intuito de dar voz à população, deixar 
que a mesma tenha a possibilidade de nomear o que para ela seria seu 
patrimônio cultural, como está se identifica, onde ela pertence e se 
reconhece. 
De acordo com Scifoni, 
 
Educação Patrimonial pensada não na perspectiva tradicional de levar 
conhecimento ou ensinar a população sobre o seu patrimônio, mas ao 
contrário, de compreender o patrimônio a partir das histórias e dos 
significados atribuídos pelos seus moradores, reconhecendo a existência de 
um saber local, considerando o olhar e a vivencia desses, e criando uma 
perspectiva de participação social no processo de identificação e proteção do 
patrimônio (SCIFONI, 2015, p. 200). 
 
Durante muito tempo o patrimônio foi apenas determinado pelas 
autoridades e elites locais, levando em consideração o belo, o imponente, 
sem destacar os componentes sociais, as tradições, as memórias, a cultura 
popular, o imaterial, as identidades, se tornando desta maneira um fator 
de exclusão, no entanto este quadro tem sofrido alterações e a educação 
patrimonial faz parte desse processo. 
136 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Entre essas questões não podemos deixar de destacar a memória, 
está é um dos elementos chaves ao se tratar de cultura e patrimônio 
cultural. Segundo COSTA: 
 
A memória é um mecanismo cerebral complexo. Pessoas a usam para guardar 
ou esquecer informações. E lembranças carregadas de emoções, são as mais 
guardadas na memória, mesmo que remetam às situações duras ou difíceis 
pelas quais passamos (COSTA, 2014, p.8). 
 
Sendo assim as memórias estão ligadas essencialmente as emoções, 
as pessoas mantêm nas lembranças aquilo que é importante para elas, 
elementos que fazem parte de suas vidas e da sua história, o ser humano 
é formado por esse conjunto de lembranças, são elas que os definem e os 
moldam, enquanto pertencentes de uma sociedade e de grupos sociais. 
Ao discorrermos sobre o conceito de memória é impossível não 
citarmos Pierre de Nora, de acordo com o autor memória é a vida, sempre 
carregada por grupos vivos, então sempre estará sujeita a ser lembrada ou 
esquecida, é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. 
Nora (1993) afirma: 
 
A memória não se acomoda a detalhes que a conforta, ela se alimenta de 
lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou 
simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções. A 
história demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no 
sagrado, a história liberta, e a torna sempre prosaica (NORA, 1993 p. 9). 
 
Nesse sentido, vimos que a memória é enraizada no concreto, no 
espaço, na imagem, no objeto, a memória é algo absoluto, um fenômeno 
puramente privado. De acordo com Nora (1993) não existe memória 
espontânea, por isso é preciso criar arquivos, manter datas 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 137 
 
comemorativas, organizar celebrações, notariar atas, porque essas 
operações não são naturais. 
A relação entre memória e história se estabelece na instancia que os 
historiadores se tornam guardiões da memória, transcreve os 
acontecimentos para ser lembrado posteriormente. Conforme Burke 
(2000), historiadores tão diversos como Heródoto, Froissart e Lord 
Clarendon afirmaram escrever para manter viva a memória de grandes 
feitos e de grandes acontecimentos. Tanto a história quanto a memória 
enfrentam uma seleção, interpretação e distorção socialmente 
condicionado, seja consciente ou inconscientemente. 
Nora (1993) acredita que os chamamos de memória é a constituição 
gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível 
lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de 
nos lembrar. Na medida em que a memória começa a desaparecer, surge 
a necessidade de acumular vestígios, testemunhos, documentos, imagens, 
sinais do que já foi. 
A preservação das memórias, das tradições, dos bens patrimoniais se 
torna importante justamente porque são esses elementos que dão vida e 
suporte para as identidades culturais, são a essência de um povo, 
representa simbolicamente o que eles são, é o que os fazem únicos, 
diferentes, são sua cultura. 
Desta forma a preservação do nosso patrimônio cultural é necessária, 
tanto quando se trata de patrimônio material quanto de patrimônio 
imaterial. Patrimônio material se refere às igrejas, estátuas, quadro etc. 
Patrimônio imaterial são as práticas regulares, o conjunto das 
manifestações culturais, tradicionais e populares, ou seja, as criações 
coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre tradição 
(UNESCO, 1993). Temos como exemplo de patrimônio cultural imaterial 
a procissão do Fogaréu que acontece todo ano na Cidade de Goiás. 
138 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Segundo Fonseca (2003) na Constituição Federal de 1988 em seu 
artigo 216, patrimônio cultural brasileiro é: 
 
Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em 
conjunto, portadores de referências à identidade, à ação, à memória dos 
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem: as 
formas de expressão; os modos de criar; fazer e viver; as criações científicas, 
artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais 
espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos 
e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, 
ecológico e científico (FONSECA, 2003, p. 62). 
 
Assim sendo surge à importância da educação patrimonial e suas 
ações educativas, ao descrevermos os conceitos de patrimônio cultural, 
bens de natureza material e imaterial, memória e cultura, notamos que 
ambos estão relacionados às identidades dos povos, são o que os tornam 
particularmente diferentes, únicos e importantes. O objetivo da ação 
educativa a qual se busca desenvolver, está relacionada intrinsecamente a 
esses conceitos. 
A cidade de Mossâmedes é uma comunidade pequena, porém rica em 
práticas sociais e culturais, no entanto ao fazer pequenos levantamentos é 
detectável que a maioria da população, principalmente os jovens, não 
possui o conhecimento da história do surgimento do município e quais são 
seus bens patrimoniais, reproduzem tradições sem a consciência do 
simbolismo que aquela prática carrega. 
As memórias da população mossamedinaassim como suas tradições 
estão ligadas fortemente ao catolicismo, e quando refletimos sobre as 
origens da cidade é notório que isso não é por acaso, existe todo um 
contexto histórico e social por trás dessa trama. A cultura da cidade volta-
se muito ao exercício da religião católica, desta maneira a ação educativa 
Stefany Lorrane Menezes Ferreira | 139 
 
na cidade de Mossâmedes visa compreender além do que as fontes escritas 
mostram, busca ouvir e da voz a população, entender o que para ela é seu 
patrimônio, sua história, suas memórias, sua identidade, como estes se 
reconhecem e onde eles pertencem. 
Ao desenvolver está ação educativa o público alvo será os jovens, 
justamente na busca de perceber os elementos culturais que estão sendo 
transmitidas, quais as memórias estão sendo passadas, o que a população 
de Mossâmedes considera importante, de valor cultural e social, quais são 
os seus bens patrimoniais, o que para eles devem ser preservados, e desta 
forma a ação educativa terá como um dos seus elementos principais 
mapear os bens culturais da cidade seja de valor material ou imaterial. 
 
4 Considerações Finais 
 
Na produção do artigo ao refletirmos sobre o objetivo da ação 
educativa na cidade de Mossâmedes, é notório como o seu passado 
histórico influencia sua cultura e seu patrimônio cultural. Apesar das 
grandes alterações na paisagem urbana do município a Igreja Matriz de 
São José ainda é seu principal ponto de referência, algo que não é por 
acaso, já que ao analisarmos as práticas sociais da cidade, é perceptível a 
grande predominância do catolicismo sob a cultura. 
Quando se analisa as plantas antigas e o que Mossâmedes se tornou 
atualmente, é impossível não refletir sobre a manutenção da Igreja 
enquanto único patrimônio cultural material e como isso influencia as 
práticas sociais da cidade. No entanto nem toda a população possui este 
conhecimento histórico, não compreendem como a história do surgimento 
do município ainda está tão presente no seu dia a dia, e como esta impacta 
a sua identidade enquanto mossamedino, não apenas sua identidade, mas 
como suas memórias, tradições, bens patrimoniais, sua cultura. 
140 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Portanto a ação educativa tem como propósito conscientizar a 
sociedade mossamedina de como o seu presente esta entrelaçado 
intrinsecamente ao seu passado, as influências que suas origens têm sob 
sua cultura e suas estruturas sociais. Ao mapear os bens patrimoniais da 
cidade, o intuito está em dar a população à oportunidade de nomear o que 
para ela seria seu patrimônio cultural, aproximando-a afetivamente e 
emocionalmente de sua realidade e de seus bens patrimoniais. 
 
Referências 
 
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Capítulo 8 
 
Contributos e desafios da educação patrimonial no 
contexto da pandemia do Covid 19 
 
Giselda Shirley da Silva1 
Vandeir José da Silva2 
 
 
1 Introdução 
 
Este texto apresenta como objeto de estudo a educação patrimonial e 
os contributos para o processo educativo e para a formação e 
fortalecimento identitário, percebendo-a também como instrumento de 
difusão do patrimônio cultural elencando como plano de observação, as 
cidades de Paracatu e João Pinheiro, ambas localizadas na região Noroeste 
do Estado de Minas Gerais. 
O objetivo da pesquisa foi conhecer e analisar os contributos e 
desafios encontrados para a realização de educação patrimonial na 
contemporaneidade, elencando estes dois municípios mineiros como 
espaço de estudo. 
A inquietação que moveu a pesquisa perpassa pela adoção de medidas 
e ações que estão sendo desenvolvidas nestes dois municípios do Noroeste 
de Minas em relação a educação patrimonial, levando em consideração as 
dificuldades encontradas para a realização das ações educativas nestes 
tempos de pandemia do Covid 19. Essas dificuldades são pensadas levando 
 
1 Doutoranda - Universidade de Évora/Universidade de Lisboa - Portugal. Pesquisadora Integrante- CIDEHUS-UE - 
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora. Mestre em História Cultural 
pela Universidade de Brasília- (UnB). Membro do projeto de pesquisa - Educação, História, Memória e Cultura em 
Diferentes Espaços Sociais – PUC - Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: giseldashyrley@hotmail.com 
2 Doutorando pela Universidade de Évora/Universidade de Lisboa, Portugal. Pesquisador Integrante do CIDEHUS – 
UE, Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora. Bolseiro FCT. Mestre em 
História Cultural pela UnB, Universidade de Brasília. Membro do projeto de pesquisa Educação, História, Memória e 
Cultura em Diferentes Espaços Sociais da PUC, Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: 
vandeirj@hotmail.com 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 143 
 
em consideração que os decretos municipais determinam o isolamento 
social, fazendo assim, com que, as instituições promotoras dessas ações 
educativas busquem encontrar novas possibilidades e (re) inventar as 
ações de modo a promover uma educação que contribua para o 
conhecimento e difusão dos bens culturais da região. 
A pesquisa foi realizada no viés qualitativo e teve como suporte 
teórico autores que partilham do solo da história cultural e da educação. A 
investigação no campo se deu com entrevistas como profissionais que 
atuam em instituições que promovem essas ações e documentos do acervo 
da Secretaria de Cultura e Turismo dos municípios de Paracatu e JoãoPinheiro. Atendendo as exigências das Deliberações Normativas do 
Conselho Estadual do Patrimônio Cultural- CONEP- e visando pleitear 
repasse de recursos do ICMS no critério Patrimônio Cultural, os 
municípios desenvolvem projetos e ações de educação patrimonial, 
observando as diretrizes dessas Deliberações são elaborados relatórios de 
todo o processo educativo e uma cópia é encaminhada ao Iepha-MG e a 
outra fica no acervo das Secretarias de Cultura e Turismo dos municípios. 
Assim, a pesquisa documental foi feita mediante a análise desses conjuntos 
documentais e fundamentaram a apresentação dos dados aqui 
apresentados. 
Buscou-se viabilizar reflexões sobre o patrimônio cultural e educação 
patrimonial entendendo a necessidade de pensar sobre a memória, cultura 
e educação, sendo estes elementos constitutivos da nossa identidade e 
partindo do pressuposto que a educação possui uma força fundamental na 
formação das pessoas contribuindo para a transformação da sociedade. 
Tendo como palavras-chave, “Educação Patrimonial, cultura, identidade”, 
fundamentou os estudos em Le Goff (2003), Silva (2011), Pelegrini (2009), 
Nora (2012), Gonçalves (2015), Canclini (1994), Castriota. 
144 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
O estudo desvelou os desafios encontrados pelos municípios para a 
realização das ações de educação patrimonial em contexto pandêmico e 
adverso, sendo a necessidade de isolamento social um fator dificultador na 
realização das ações. 
 
2 Educação patrimonial: conceitos e reflexões acerca da caminhada da 
educação patrimonial em Paracatu e João Pinheiro 
 
É fundamental conceber a Educação Patrimonial em sua dimensão política, a 
partir da concepção de que tanto a memória como o esquecimento são 
produtos sociais. É preciso o enfrentamento do desafio de encarar a 
problemática de que, no Brasil, nem sempre a população se identifica ou se vê 
no conjunto do que é chamado de patrimônio cultural nacional. 
 
Sônia Regina Rampim Florêncio 
 
Nas palavras da autora percebemos a importância da educação 
patrimonial em sua dimensão política e identitária. A autora traz algumas 
diretrizes para o entendimento conceitual em relação as atividades 
educativas que enfoquem tema do patrimônio cultural. Segundo ela: 
 
A Educação Patrimonial se constitui de todos os processos educativos formais 
e não formais que têm como foco o patrimônio cultural apropriado 
socialmente como recurso para a compreensão sócia histórica das referências 
culturais em todas as suas manifestações com o objetivo de colaborar para o 
seu reconhecimento, valorização e preservação. Considera ainda que os 
processos educativos de base democrática devem primar pela construção 
coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente 
entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades 
detentoras e produtoras das referências culturais onde convivem noções de 
patrimônio cultural diversas (FLORENCIO et al, 2014) 
 
A partir das palavras de Florêncio, podemos perceber a relevância da 
educação patrimonial para o fortalecimento do sentimento de 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 145 
 
pertencimento e amor à cidade. Nesse sentido, afirmou sabiamente a 
Professora Cléria Botelho da Costa (2011) ao relacionar educação 
patrimonial e cidadania, argumentando que partia “do argumento de que 
a identificação com a cidade, o amor a ela é o móvel que conduz os sujeitos 
a uma prática cidadã. Em outros termos, o sentimento de pertença a um 
grupo, a uma cidade estimula a participação coletiva em práticas de 
preservação do patrimônio”. Ainda em suas reflexões, a historiadora 
deixou explícito seu lugar de fala e entendimento acerca do patrimônio 
cultural, relacionando-o a “um vestígio do outrora no presente que 
ilumina a construção do futuro, em outros termos, que se configura na 
tridimensionalidade - presente, passado e futuro” (COSTA, 2011). Nesse 
sentido, se pauta na definição de tempo de Benjamim (BENJAMIN, 1989, 
p. 226). 
A educação patrimonial enquanto projeto educativo e fruto de política 
pública é relativamente recente. Carlos Henrique Rangel e Rodrigo Flávio 
de Melo Faleiro, que atuavam no Instituto Estadual do Patrimônio 
Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG, apresentaram breve 
histórico da trajetória da educação patrimonial em Minas Gerais, fazendo 
uma abordagem empírica, didática e criativa. Segundo eles: 
 
Formalmente a Educação Patrimonial é trabalhada pelo Instituto Estadual do 
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG – há pouco 
tempo. Algumas ações foram realizadas para envolver as comunidades desde 
a década de 1980, mas nunca se seguiu de forma contínua e sistemática. As 
primeiras ações visavam uma efetiva participação da comunidade. Depois 
sentiu-se necessidade de uma maior fundamentação teórica. Por meio da 
parceria entre a Secretaria de Estado da Educação e a Fundação João Pinheiro 
foi discutida uma nova metodologia de ação educativa e cultural. Porém, foi 
com a criação do ICMS Cultural que se conseguiu uma maior expansão do 
conceito “educar pela memória” por diversos municípios do Estado (FALEIRO, 
RANGEL, 2013) 
146 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
 
Pela narrativa apresentada, podemos observar que há alguns anos 
tem-se realizado projetos e ações educativas voltadas para a educação para 
o patrimônio tanto em nível estadual quanto municipal. Essa política 
adotada em prol da proteção e difusão do patrimônio cultural parte do 
entendimento da importância da atuação social e educativa no tema da 
preservação dos bens culturais coletivos. No mesmo direcionamento das 
iniciativas do Estado de Minas Gerais, foi estimulado a adoção de políticas 
locais de proteção e difusão do patrimônio cultural dos diferentes 
municípios que compõe esta Unidade da Federação. Estímulo este que vem 
reforçado por uma política de incentivo fiscal que estimula os gestores 
municipais a criarem e fortalecerem seus setores de cultura e entre as 
ações adotadas, a criação de projetos de educação patrimonial. 
 
3 Educação patrimonial em Paracatu e João Pinheiro 
 
A Deliberação Normativa do CONEP 020/2018 determina que em 
relação aos Programas de Educação para o Patrimônio e ações de Difusão 
os municípios devem apresentar o conjunto documental que corrobore e 
informe acerca dos projetos e ações educativas em andamento, detalhando 
como está sendo realizada a educação patrimonial junto aos variados 
públicos e espaços sociais da municipalidade, da mesma forma, as ações 
de difusão e os materiais produzidos para divulgação do patrimônio 
cultural local. Esse conjunto documental foi muito importante para a 
narrativa que apresentamos acerca do objeto proposto para análise. 
Em Paracatu, conforme dados obtidos na pesquisa de campo, desde 
2008 quando se criou a Secretaria da Cultura no município, desenvolve-
se trabalhos de educação patrimonial. O público alvo era prioritariamente 
educacional e as ações realizadas presencialmente. Em Paracatu, no ano 
de 2020, fez-se algumas ações presenciais e outras por meio de 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 147 
 
videoconferências. Nos demais anos, o público alvo foi prioritariamente o 
escolar, já, em 2020, foi mais diversificado. 
Em ambas as cidades, no que se refere aos contributos e desafios, 
percebe-se semelhanças entre as duas realidades estudadas. Entre os 
fatores que influenciaram para a criação de uma política cultural local 
voltada para a educação patrimonial está a criação da Secretária de Cultura 
e Turismo em Paracatu (2008) e em João Pinheiro (2009). Todavia, em 
ambos já haviam instituições locais voltadas para a preservação da 
memória histórica, sendo em Paracatu, a Fundação Casa de Cultura e em 
João Pinheiro criada na década de 1990 e em dezembro de 2006a Casa da 
Cultura de João Pinheiro. 
Outro fator motivador é a Política Cultural do Estado de Minas, que, 
por meio da Lei Robin Hood Lei Estadual n. º 18.030/20093 e o repasse do 
ICMS Cultural aos municípios mineiros, tem, nos últimos anos, 
estabelecido como um dos critérios para obtenção da pontuação a 
realização de uma política cultural local que inclua a educação patrimonial. 
Por meio de Deliberações Normativas são apresentadas as orientações 
para que os municípios desenvolvam as ações educativas no estado, 
visando, de certa maneira “nortear” o trabalho de educação patrimonial, 
como um dos pilares da política cultural. Em 2018, entrou em vigor a 
Deliberação Normativa CONEP Nº06/2018, mantendo-se em vigência até 
princípio de 2021. Assim as ações educativas realizadas em tempo da 
Pandemia do COVID 19, para fins de pontuação tiveram que adequar as 
recomendações da referida normativa. Em 2021 entrou em vigor a nova 
Deliberação, a qual continuará a orientar os trabalhos ainda nesse período 
de pandemia, sendo os relatórios dessas ações encaminhados ao Instituto 
 
3 Distribuição da parcela da receita do produto da arrecadação do ICMS pertencente aos municípios de Minas Gerais 
- Critério patrimônio cultural 
148 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – Iepha-MG 
e também mantidos no acervo das referidas secretarias municipais de 
cultura. 
Com o repasse de recursos resultantes do ICMS no critério 
Patrimônio Cultural, o município tem condições de investir em uma 
política cultural local, e manter um trabalho efetivo e contínuo de educação 
patrimonial. 
O quadro III dessa Deliberação Normativa, que trata da salvaguarda 
e promoção, no seu item “c) aborda especificamente os Programas de 
Educação para o Patrimônio nas Diversas Áreas de Desenvolvimento, 
enfocando especificamente a relação de procedimentos a serem 
documentados e informados sobre a elaboração de projetos e a realização 
de atividades de educação patrimonial. Nessa perspectiva, os municípios 
necessitaram recriar suas ações observando a Deliberação Normativa e os 
decretos municipais que orientaram sobre as condutas dos indivíduos em 
tempos da pandemia. 
Assim, os Programas de Educação para o Patrimônio assim como 
definido na Deliberação Normativa 20/2018, foram compostos de diversas 
áreas que englobaram ações envolvendo o Setor Municipal de Patrimônio 
Cultural, as escolas, desenvolvimento de ações em locais de memória 
coletiva e em obras de conservação e restauração. Assim, podem 
“promover ações integradas de Educação para o Patrimônio com ênfase 
nos processos culturais, produtos e manifestações. As ações deverão ser de 
iniciativa da administração municipal e ter a como público alvo os diversos 
grupos sociais da população local” (DN 06/2018) 
A partir desses eixos, os municípios puderam promover ações 
integradas de Educação para o Patrimônio Cultural com ênfase nos 
processos culturais, seus produtos e manifestações. Destaca-se que as 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 149 
 
ações deverão ser de iniciativa da administração municipal e ter a como 
público alvo os diversos grupos sociais da população local. 
Em relação aos contributos, pode-se inferir que o maior deles é 
cooperar para o conhecimento da história local, construção da identidade, 
levando em consideração serem os seguintes eixos temáticos 
contemplados na educação patrimonial: Patrimônio Cultural/Objeto 
Cultural - Material e Imaterial; História; Memória; Identidade e Cultura. 
Observamos assim, como o trabalho de educação patrimonial é 
fundamental para a preservação da memória e construção da identidade, 
pois, conforme Candau (2014, p.10), “memória e identidade estão 
indissoluvelmente ligadas”. 
A preservação da memória é, na perspectiva de Pesavento (2012, p. 
402) “igualmente presentifcação de um ausente, é narrativa que comporta 
uma imagem, é construção imaginária de um tempo”. 
Em relação aos desafios encontrados, conforme foi percebido na 
análise documental, os dois municípios inseridos neste estudo já tinham 
um eixo direcionador dos trabalhos que, de certa maneira, foi 
“interrompido” com a pandemia do COVID 19, sendo necessário que se 
(re) criassem as ações, o modo de fazer, a relação com o público alvo. 
Muitas ações que haviam sido previamente planejadas tiveram que ser 
descartadas, adiadas e ou modificadas, tal como ocorreu com a grande 
maioria dos municípios mineiros. 
Em Minas gerais, tal como em outras Unidades da Federação, foram 
adotadas medidas restritivas de convívio social, sendo estabelecidos 
decretos que normatizaram as ações evitando aglomerações para conter a 
disseminação do vírus. Nesse contexto, o calendário escolar em todo o 
estado foi suspenso desde o mês de março de 2020 como uma medida 
ações de prevenção e enfrentamento ao coronavírus, sendo esta uma 
150 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
determinação adotada pelo governo do estado e seguida pelos gestores 
municipais. 
Desde 2020, alguns decretos municipais regularam o funcionamento 
de alguns estabelecimentos e impôs medidas restritivas para conter 
aglomeração das pessoas em espaços que não fossem estritamente 
necessários. 
Em João Pinheiro, houve suspensão de atividades presenciais e 
restrição de circulação de pessoas durante a pandemia COVID-19 no 
município regulamentados pelos decretos, entre os quais mencionamos os 
de número 134-2020 (Medidas para conter pandemia COVID 19), o de nº 
230-2020 (medidas complementares para enfrentamento ao COVID-19), 
nº 413/ 2020 - Normas Covid. Em Paracatu, o Decreto nº 5.637 de 17 de 
março de 2020 declarou situação de emergência no âmbito do legislativo 
em decorrência do surto da doença respiratória e tratou de medidas para 
seu enfrentamento. 
De forma geral, na área da cultura e do Patrimônio Cultural, diversas 
ações da municipalidade foram impactadas com o isolamento social. Em 
João Pinheiro e Paracatu, as ações de educação patrimonial impactadas em 
decorrência do isolamento social foram aquelas que dependiam de 
atendimento presencial, eventos públicos com qualquer aglomeração, 
atendimento no museu, biblioteca, casa da cultura, atividades culturais 
festivas. Entre elas, podemos citar como exemplo, as festividades de folia 
de reis, capoeira, entre outras atividades que envolviam a presença das 
pessoas. 
Considerando a atuação do Setor Municipal de Patrimônio Cultural, 
as ações que que estavam sendo planejadas puderam ser realizadas 
normalmente antes da vigência do decreto de isolamento social (a partir 
de 01 de dezembro de 2019 a março de 2020), sendo impactadas no 
período posterior a março quando se adotou as medidas restritivas. Nesse 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 151 
 
sentido, citamos as ações de educação patrimonial com escolas e 
comunidade; o 40º Encontro Regional de Folias de Santos Reis realizado 
no período de carnaval de 2020; o giro natalino de folias de reis; visitação 
nos locais onde haviam presépios, os quais haviam sido inscritos no 
circuito de presépios e lapinhas de Minas reuniões, presenciais do 
Conselho Municipal de Patrimônio Cultural; atendimento presencial nos 
museus, biblioteca, casa da Cultura, entre e outras ações. 
Nesse cenário, o Setor Municipal de Patrimônio Cultural buscou 
adotar medidas visando minimizar os impactos da restrição de circulação 
sobre as ações. Como determinado nos decretos que tratavam das medidas 
de enfrentamento ao COVID 19, houve restrição de circulação de pessoas 
nos espaços públicos de preservação da memória, como no museu, casa da 
cultura, biblioteca, sendo o funcionamento dessas instituições 
regulamentado pela administração pública. As ações de educação 
patrimonial presenciais foram suspensas e adotadas atividades remotas, 
como exemplo,Webinar, fórum de discussão, conferências, minicursos, 
seminários, tudo realizado pelo Google Meet. Adotou-se com maior 
efetividade o uso das tecnologias, e meios de comunicação usando as 
mídias, tais como WhatsApp, faceboock, rádio, discussões em grupos de 
WhatsApp. 
No diagnóstico da situação dos grupos culturais e detentores do 
patrimônio cultural que foram mais impactados em João Pinheiro, sendo 
que, muitos enfrentaram dificuldades no cotidiano no âmbito pessoal e na 
manutenção da tradição em decorrência do contexto em se viveu/vive em 
tempos de pandemia e em relação a restrição de circulação, dificultando a 
manutenção e recriação de suas práticas. 
Entre as dificuldades encontradas pelos foliões de Santos Reis na 
manutenção da tradição, está a própria realização do rito e dos giros 
tradicionais. Em João Pinheiro há grupos de folias temporâneas, ou seja, 
152 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
que fazem as apresentações e cantam aos Três Reis Santos durante todo o 
ano, ajudando cumprir promessas e com as orientações de isolamento 
social. Todavia, os grupos deixaram de fazê-lo, principalmente porque são 
em sua grande maioria, idosos integrantes dos grupos de risco. Muitos não 
sabem usar as mídias para continuar a divulgação do bem cultural, apesar 
da Associação estar se esforçando para manter a tradição, tendo realizado 
ao longo do ano duas lives beneficentes. Essas duas lives ajudaram na 
difusão da tradição, mas, não foram todos os grupos que participaram. 
Não podem mais fazer as reuniões periódicas na sede da Associação para 
não haver aglomeração. Não participaram de eventos regionais ou 
estaduais com apresentação das folias, como fazem todos os anos, pelo 
fato, de não terem sido estes realizados no contexto atual. 
As escolas, cujo público-alvo das ações educativas em João Pinheiro e 
Paracatu foram fechadas, fazendo-se necessário que se (re) pensasse 
acerca da necessidade de ampliar o leque de abordagem, inserindo outros 
seguimentos sociais e outros meios de comunicação. Nesse sentido, o 
Iepha-MG realizou Rodadas virtuais para orientar os municípios na forma 
de realização das atividades e apresentar outras possibilidades de ação. 
Assim, diferente do que era realizado nos anos anteriores, as equipes 
das secretarias de cultura aqui estudadas tiveram que se adequar e fazer 
uso das tecnologias para conseguir superar as dificuldades impostas pelo 
isolamento social e conseguirem, inda assim, desenvolver ações de 
educação patrimonial. 
Na área de desenvolvimento de “locais de memória coletiva”, a 
maioria das ações eram realizadas majoritariamente voltadas para visitas 
guiadas em bens materiais imóveis. Em João Pinheiro, nessa área foram 
realizadas duas atividades diferentes, que foram 
Em João Pinheiro na área de desenvolvimento de Locais de memória 
coletiva foram realizadas duas ações, sendo a primeira, com a participação 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 153 
 
em Programa de Rádio Jornal da Nova - Rádio Nova FM da cidade de João 
Pinheiro/MG, com a temática “Patrimônio Imaterial: Grupos de Folia de 
Reis - Tradição do Município e bem imaterial registrado”, sendo realizada 
a parceria com a rádio local, a Associação dos Foliões de Santos Reis e o 
Conselho Municipal de Patrimônio Cultural. A reflexão foi mediada pelo 
jornalista Welington e a participação da Presidente do Conselho Municipal 
de Patrimônio Cultural de João Pinheiro, e pesquisadora de Folia de Reis, 
doutora Maria Célia da Silva Gonçalves e Mailton, folião e representante 
da Associação da Folia de reis de João Pinheiro. A segunda ação foi com os 
Grupos Vinculados, “Centro Cultural Esportivo Pé Firme e Grupo de 
Capoeira Nagô”. Esta ação foi presencial, mas inserindo apenas alguns 
membros de cada grupo e observando as orientações quanto as normas de 
proteção e cuidados para evitar a disseminação do vírus. Foi realizada 
discussão sobre o Patrimônio Cultural com recorte no patrimônio 
imaterial e medidas de salvaguarda e proteção do mesmo; importância da 
capoeira no contexto histórico cultural do Brasil, em Minas Gerais e João 
Pinheiro. 
A área de desenvolvimento do Setor, e escolas todas as sete ações 
foram realizadas utilizando mão de videoconferências pelo Google Meet, e 
sendo realizada Webinar, fórum de discussão, conferência, seminários, 
roda de conversa e minicurso, sendo este último voltado formação 
continuada de professores da Rede Municipal de ensino. Foram realizadas 
parcerias com as Instituições de Ensino Superior de João Pinheiro, 
Paracatu e Patos de Minas, membros do Conselho Municipal de 
Patrimônio Cultural, Conselho Municipal de Turismo, Circuito Turístico 
Noroeste das Gerais e Alto Paranaíba, Secretaria Municipal de ensino, 
Servidores municipais em geral, destacadamente aqueles nos setores 
vinculados à área cultural e comunidade em geral. 
154 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
O objetivo foi propiciar reflexões acerca do Patrimônio cultural, 
cultura, turismo, história, memória, identidade. As quatro ações foram 
exitosas, havendo eventos com quase 100 pessoas, número máximo 
permitido pelo Meet. 
Já na Área de atuação “Obras de Conservação e restauro” que abrange 
as seguintes ações de educativas (sensibilização, formação, projetos, etc.) 
junto aos bens culturais em processo de obras de conservação e/ou 
restauração, que nos anos seguintes foram realizadas presencialmente, no 
ano de 2020 não foi possível realizar, pois, mesmo estando realizando obra 
de restauro em um bem tombado, optou-se por não fazer ações presenciais 
por ser a obra realizada em um período em que avançava o índice de 
contágio pelo vírus e ter sido indicado pela gestão municipal que se 
evitasse aglomerações. 
Em 2021, foi realizado um Seminário online com acadêmicos do curso 
de Arquitetura para se trabalhar os conceitos de patrimônio cultural e 
restauro., 2014. 
Já em Paracatu, com base na análise documental do Quadro III C 
enviado ao Iepha-MG, que trata especificamente da educação para o 
patrimônio nas diversas áreas do desenvolvimento, observamos que as 
ações voltadas para a educação patrimonial foram realizadas com vistas a 
atender a Deliberação Normativa em vigor 20/2018 e os interesses do 
Setor de Patrimônio e realidade local. 
Em decorrência da atual pandemia as ações de formações e Educação 
Patrimonial foram adaptadas. As rodas de conversas e palestras passaram 
para as plataformas virtuais. Na área de Desenvolvimento do “Setor”, a 
empresa RM Cultural concretizou-se com os servidores da Prefeitura 
Municipal, principalmente aqueles vinculados à área cultural, em 15 de 
outubro de 2020 a “Live – Patrimônio Cultural” que foi divulgada à 
diversos grupos do município. A finalidade da Live foi debater sobre os 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 155 
 
principais conceitos ligados ao patrimônio cultural como também, sobre 
as diferentes categorias de classificação. Para tanto, foram apresentados 
os conceitos de patrimônio cultural, bem, cultura, diversidade cultural, 
identidade, memória, monumento e história. Seguido da definição de 
Patrimônio Cultural brasileiro e as suas diversas categorias, como bem 
material (natural, arqueológicos, arquitetônico, móveis) e imaterial 
(saberes, celebrações, formas de expressão e lugares). Por fim, se 
apresentou os diversos instrumentos de proteção dos bens culturais 
(tombamento, registro, inventário). 
Ainda na área de desenvolvimento do “Setor Municipal de Patrimônio 
Cultural”, foi realizada uma “Roda de Conversa Especial – Dia do 
Patrimônio Histórico”. Conforme a historiadora Larissa Geórgia Bráulio 
de Moura4, mesmo com as dificuldades inerentes ao contexto pandêmico 
em que vivemos, de restrição e orientações de isolamento social, o contexto 
não impediu a realização do dia Nacional de Patrimônio Histórico,comemorado no Brasil em 17 de agosto. Visando realizar ações que 
promovessem o patrimônio cultural local, a Secretária Municipal de 
Cultura e Turismo de Paracatu promoveu diversas ações, como a 
distribuição de kits e a realização da Roda de Conversa Especial do Dia do 
Patrimônio. A finalidade era compartilhar visões e experiências sobre o 
trabalho de preservação a história e a cultura local. 
Com esse intuito, buscou-se parceria com a Empresa Multinacional 
que tem empreendimentos mineratórios em solo Paracatuense, a empresa 
Kinross Gold Corporation - Paracatu - KBM. A historiadora Larissa 
Geórgia Braúlio Moura foi a responsável pela ação idealizada pela 
Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, envolvendo outros 
 
4 Historiadora que atuou na Secretaria da Cultura e Turismo de Paracatu entre os anos de 2018 a 2020. Entrevista 
realizada em janeiro de 2021 por meio do Google Meet. 
 
156 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
funcionários da mesma secretaria e jovens que fazem parte do projeto 
Integrar da empresa Kinross, funcionários da Kinross e alguns 
conselheiros do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico E 
Paisagista de Paracatu – COMPHAP5. O objetivo da ação foi debater a 
respeito do que é patrimônio, sua importância para a comunidade local, o 
papel social e do Poder Público na proteção e salvaguarda dos bens 
culturais do município. 
Uma das ações de educação patrimonial realizada neste dia 17 de 
agosto de 2020, “Dia do Patrimônio”, envolveu um público diverso, de 
todas as faixas etárias e níveis de escolaridade. Foram feitos kits com 
amostras das quitandas registradas como patrimônio imaterial de 
Paracatu. Essas quitandas e folders foram organizadas e compuseram os 
Kits de divulgação do patrimônio cultural de Paracatu e foram distribuídos 
aos moradores do núcleo histórico da cidade colonial. Os servidores da 
Secretaria da Cultura e Turismo fizeram um trabalho educativo, indo de 
casa em casa do Núcleo Histórico6, entregando os referidos kits e falando 
sobre a importância da preservação do patrimônio e sua importância na 
constituição da identidade. Segundo Larissa, todo o cuidado foi tomado 
pela equipe na realização dessa ação, com o uso de máscaras, álcool em gel 
e mantendo o distanciamento dos moradores das casas inseridas na área 
tombada pelo Iphan e inserida no projeto. 
No mesmo dia, foi realizada a roda de conversa promovida em 
parceria com a Empresa Kinross e a Secretaria de Cultura, sendo um 
evento online e aberto ao público em geral. A ação foi divulgada nas mídias 
 
5 Criado pela Lei Municipal Nº 2636 de 26 de janeiro de 2007. O COMPHAP foi criado no âmbito da Secretaria 
Municipal de Cultura, é um órgão colegiado de assessoramento do Poder Executivo, com autonomia para normatizar 
e deliberar assuntos relativos à preservação, proteção, conservação e defesa do patrimônio histórico, cultural, 
artístico, bibliográfico e paisagístico. Paracatu, Lei Municipal Nº 2636/2007. 
66 Segundo Larissa Braulio, foram 50 kits distribuídos em quatro ruas do núcleo histórico. Antônio Porto, Temístocles 
Rocha, Pinheiro Chagas e Rua do Ávila e junto, o material impresso 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 157 
 
sociais. Além da comunidade local, participaram da ação, funcionários da 
Secretaria da Cultura, jovens que fazem parte do projeto Integrar da 
empresa Kinross, funcionários da Kinross, presidente do COMPHAP e 
secretário de Cultura e Turismo, Isac Costa Arruda, bem como, alguns 
conselheiros membros do referido Conselho. 
Ana Cunha, Diretora de Relações Governamentais e 
Responsabilidade Social da Kinross, ao falar sobre a ação, ponderou que: 
 
Desde o começo estivemos envolvidos em ações junto às manifestações do 
patrimônio imaterial da cidade e às comunidades tradicionais, essa tem sido a 
tônica da nossa atuação. Ficamos honrados por podermos ser agentes e 
participantes dessas ações que valorizam um patrimônio cultural tão rico 
como o de Paracatu. Poder fazer parte da construção desse legado é muito 
importante para nós7. 
 
Na narrativa da representante da empresa parceira da prefeitura e 
Secretaria da Cultura na realização desse evento, é salutar o cuidado com 
o patrimônio cultural do município e as reflexões realizadas em prol da 
sua preservação. 
Segundo a entrevistada Larissa, na roda de conversa foi abordada a 
questão conceitual acerca do patrimônio cultural e a relevância para a 
comunidade. Os participantes tiveram a oportunidade de falar sobre o 
patrimônio local e a necessidade de preservação desses bens culturais para 
cada um, possibilitando o debate entre representantes de vários grupos 
que se faziam presentes no evento. A historiadora que estava diretamente 
ligada a ação, mencionou ter sido exitosa, pois, os moradores das casas 
tombadas que foram inseridas no trabalho educativo se sentiram 
 
7 Notícia intitulada “Paracatu recebe ações de comemoração ao Dia Nacional do Patrimônio Histórico”. BMS 
BRASILMINING SITE.com.br. Disponível em: https://brasilminingsite.com.br/paracatu-recebe-acoes-de-
comemoracao-ao-dia-nacional-do-patrimonio-historico/ Publicação de 18 de agosto de 2020. 
https://brasilminingsite.com.br/paracatu-recebe-acoes-de-comemoracao-ao-dia-nacional-do-patrimonio-historico/
https://brasilminingsite.com.br/paracatu-recebe-acoes-de-comemoracao-ao-dia-nacional-do-patrimonio-historico/
158 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
prestigiados, recebendo os kits com atenção e agradecendo os funcionários 
da secretaria por tê-los inseridos nessa comemoração do dia do 
patrimônio e da percepção da importância do cuidado com o Núcleo 
Histórico da cidade. 
Na área de desenvolvimento do-Setor Municipal de Patrimônio 
Cultural, citamos também o 5º Fórum de Sustentabilidade das Cidades 
Históricas de Minas realizado entre os dias 29 de junho a três de julho8, 
realizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (PROEX e DEURB), 
Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais (ACHMG) e a prefeitura 
da cidade de Paracatu, em parceria com Rede Globo Minas e a AMIRT. O 
tema principal do fórum foi o “Planejamento Municipal para o 
Desenvolvimento Sustentável das Cidades Históricas de Minas”, sendo 
destaque na discussão a cidade de Paracatu, que possui seu Núcleo 
Histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional (IPHAN). No dia dois de julho de 2020, o tema em debate foram 
os exemplos de sucesso em prol da preservação do patrimônio e Paracatu 
foi exemplificado na Sessão Casos de Sucesso9. Paracatu faz parte da 
 
8 Programação da 5º Fórum de Sustentabilidade das Cidades Históricas de Minas Gerais. Painéis de debates | 29 de 
junho a 1 de julho. Painéis de debates serão realizados em formato de Webinar (videoconferência entre os 
palestrantes por meio do Google Meet) com a transmissão ao vivo em canal do Fórum no YouTube. Painel de debates 
1 | Data e horário: 29 de junho – 15 h às 17 h | Tema: "Políticas públicas de urbanismo para a gestão sustentável das 
cidades históricas com o enfoque no ordenamento territorial, mobilidade urbana e saneamento básico" | Mediador, 
Paulo Vieira (Prof. DEURB/UFOP); Palestrantes: Sandra Maira Antunes Nogueira (Prof.ª. DEARQ/UFOP), Bárbara 
Abreu Matos (Prof.ª. DEURB/UFOP) e Aníbal da Fonseca Santiago (Prof. DECIV/UFOP) Painel de debates 2 | Data e 
horário: 30 de junho – 15 h às 17 h | Tema: "Políticas públicas de patrimônio cultural e turismo para o 
desenvolvimento sustentável das cidades históricas" | Mediador, Marcos Eduardo Carvalho Gonçalves Knupp (Prof. 
DETUR e Pró-reitor de Extensão UFOP); Palestrantes: Ana Alcântara (Secretária Executiva da ACHMG); Isabel de 
Paula (coordenadora de Cultura da UNESCO – representante no Brasil) e; representante da CNM. Painel de debates 
3 | Data e horário: 1 de julho – 15 h às 17 h | Tema: "Políticas públicas de trabalho, emprego e rendapara o 
desenvolvimento sustentável das cidades históricas" | Mediador, Carolina Machado Saraiva de Albuquerque 
Maranhão (Prof.ª. ICSA/UFOP); Palestrantes: Dra. Graça Maria Borges de Freitas (Juíza do Trabalho do Tribunal 
Regional do Trabalho 3ª Região – Vara do Trabalho de Ouro Preto); Alair Ferreira de Freitas (Professor da UFV). 
Disponível em: https://www.revistamuseu.com.br/site/br/noticias/nacionais/8780-15-06-2020-v-forum-de-
sustentabilidade-das-cidades-historicas-virtual-e-gratuito-divulga-programacao.html. Acesso: 20 de maio de 2021. 
9 Sessão Casos de Sucesso "Ações de Patrimônio, Cultura e de Turismo como indutoras para o desenvolvimento 
sustentável de Paracatu" | Data e horário: 2 de julho – 15 h às 17 h | Tema: Projeto desenvolvidos pela iniciativa 
pública nas áreas sociocultural, econômicas e ambiental no município de Paracatu | Mediadora, Angélica Vasconcelos 
https://www.revistamuseu.com.br/site/br/noticias/nacionais/8780-15-06-2020-v-forum-de-sustentabilidade-das-cidades-historicas-virtual-e-gratuito-divulga-programacao.html
https://www.revistamuseu.com.br/site/br/noticias/nacionais/8780-15-06-2020-v-forum-de-sustentabilidade-das-cidades-historicas-virtual-e-gratuito-divulga-programacao.html
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 159 
 
Associação das Cidades Históricas e sediou o evento realizado de forma 
virtual, sendo transmitido ao vivo por canal do Fórum no YouTube O 
público alvo dessa ação foram pessoas de todo o estado. Os Palestrantes 
eram representantes de prefeituras, órgãos estaduais e federais, 
universidades, sociedade civil organizada e demais convidados. 
Webinar sobre patrimônio histórico e memória resultante da 
parceria entre a Secretaria de Cultura e Turismo de João Pinheiro, 
Secretaria de Cultura e Turismo de Paracatu e a Faculdade 
Finom/Tecsoma. Evento realizado no dia 05 de novembro de 2020 por 
meio de videoconferência entre os palestrantes por meio do Google Meet. 
Participaram professores e alunos dos cursos de Arquitetura, Engenharia 
Civil, História e Geografia da referida Instituição, funcionários das duas 
Secretarias de Cultura e Turismo organizadoras do evento. 
Na área de desenvolvimento, Locais de Memória Coletiva, citamos o 
6º Fórum Permanente de Sustentabilidade das Cidades Históricas de 
Minas Gerais, realizado em outubro de 2020 com a temática central as 
“Comunidades Tradicionais”. O objetivo principal foi contribuir com a 
constituição e o fortalecimento de ações em prol da sustentabilidade social, 
cultural, econômica e ambiental em comunidades tradicionais. 
 
 
Souto Silva (Secretária Municipal de Cultura e Turismo de Paracatu); Palestrantes: um representante de cada um 
dos três casos selecionados. 
160 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Imagem 1 – Programação do 6º Fórum Permanente de Sustentabilidade das Cidades Históricas de Minas Gerais 
 
Fonte: Iepha-MG 
 
Na área de Desenvolvimento “Escolas” envolvendo os de projetos 
junto ao público escolar, em Paracatu foram realizadas algumas ações 
nesse aspecto educativo 
Uma delas foi desenvolvida com os alunos da EJA (Educação de 
Jovens e Adultos) do ensino fundamental 1 da Escola Municipal Dr. 
Antônio Ribeiro e alunos do Fundamental 1 e 2 da EJA (Educação de Jovens 
e Adultos) Primavera entre os meses de julho a novembro de 2020. Os 
professores trabalharam os conteúdos sobre patrimônio material e 
imaterial por meio de vídeos, imagens, apresentações virtuais, bate papos 
e áudios que eram disponibilizados nos grupos de WhatsApp (salas de 
aulas virtuais). 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 161 
 
O Projeto: “Patrimônio: restaurando o elo com o passado” inserido 
na área de desenvolvimento “escolas” foi realizado por meio de oficinas no 
mês de dezembro de 2019 ministrada pela artista plástica Cibele Bartels 
com acadêmicos do curso de Arquitetura da Faculdade Finom/Tecsoma. A 
oficina foi dividia em duas partes; a primeira teórica em que se abordou 
os estilos arquitetônicos de Paracatu e a segunda parte prática, em que os 
alunos aplicaram os conhecimentos adquiridos na teoria na construção 
dos desenhos. Como este evento antecedeu a pandemia no Brasil, ocorreu 
de forma presencial, destonando dos demais apresentados no relatório 
enviado ao Iepha MG em dezembro de 2020. 
 
4 Considerações Finais 
 
O correr da vida embrulha tudo. 
A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois 
desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. 
Guimaraes Rosa 
 
Inspirados pelas palavras desse gigante da literatura brasileira, 
tecemos as considerações finais deste texto. Entendemos serem tempos 
difíceis vivenciados nesse período de pandemia que assola o país e o 
mundo, exigindo de nós, coragem, criatividade, resiliência e capacidade de 
(re) inventar a cada momento. Isso foi percebido na análise das ações 
voltadas para a educação patrimonial e preservação/ difusão do 
patrimônio cultural em Paracatu e João Pinheiro, municípios localizados 
na região Noroeste do estado de Minas Gerais. 
Cientes da necessidade de realizar os projetos de educação 
patrimonial, os quais tem sido executado nesta última década e estão 
inseridos dentro da política local de patrimônio cultural, os gestores e 
profissionais que atuam no Setor de Patrimônio Cultural de ambas as 
Secretarias de Cultura e Turismo, prezando pelos critérios de continuidade 
162 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
e compromisso com a educação para o patrimônio, buscaram meios de 
recriar as ações anteriormente planejadas 
A. cada novo ano se fazia planejamento das ações a serem executadas 
nas diversas áreas de desenvolvimento relacionadas a educação para o 
patrimônio, conforme se prevê nas Deliberações Normativas do CONEP, 
todavia, em decorrência da vigência dos decretos estaduais e municipais, 
essas ações foram diretamente impactadas pelas medidas de isolamento 
social. 
Nesse contexto, em ambos os municípios, buscou-se realizar as ações 
de educação patrimonial fazendo uso das mídias e redes sociais para 
alcançar o público alvo pretendido. Talvez essa necessidade de mudança 
da forma de fazer tenha sido um dos vetores para a adoção de outros 
recursos e uso de tecnologias que antes não eram utilizadas, como 
exemplo, eventos realizados por videoconferência. Os debates passaram a 
ser efetivados de forma virtual e os chats, espaços de argumentação 
escrita, quando não se tinha oportunidade para debate oral. 
Na adversidade se inventa, se cria e recria, assim, mesmo com as 
dificuldades inerentes ao contexto contemporâneo pandêmico, tem-se a 
oportunidade de mudar e transformar nosso modo de agir e interagir com 
as coisas e pessoas. Os espaços virtuais de aprendizagem viabilizaram a 
aproximação de pessoas distantes fisicamente, mas que puderam 
compartilhar do mesmo espaço interativo de uma videoconferência e ter 
a oportunidade de construir novos saberes e trocas de experiências. Dessa 
maneira, muitos eventos realizados foram enriquecidos, por essa 
possibilidade de aproximação, para além do espaço geográfico 
No decorrer das ações de educação patrimonial, enfatizou-se o papel 
da Educação para o patrimônio na conscientização da comunidade local 
acerca da relevância da preservação dos bens culturais, em especial, no 
que tange aos processos de tombamento de bens materiais e o registro de 
Giselda Shirley da Silva; Vandeir José da Silva | 163 
 
bens imateriais. Essas reflexões são cruciais no incentivo de que futuras 
gerações continuem as tradições e saberes locais. 
Percebemos pela análise documental do acervo de ambos os 
municípios que a Educação Patrimonial e a Difusão são consideradas ações 
essenciais na valorização dos bens culturais e integrantes dos processos de 
proteção previsto nas legislações locais, visando tanto a formação da 
identidade coletiva, quanto para atenderas orientações da política de ICMS 
no critério “Patrimônio Cultural”. 
Assim, no campo da educação patrimonial as experiências adquiridas 
em 2020 possibilitaram a percepção do quanto ainda pode-se aprimorar, 
como se pode utilizar as tecnologias em favor da difusão do patrimônio, 
mas também possibilitou a percepção do quanto é rico e importante as 
relações interpessoais e os trabalhos com as escolas, ação que foi de certo 
modo prejudicada por não estar havendo aulas presenciais. 
Esse é um cenário que não mudou, pois à pandemia do Covid 19 ainda 
assola o país e s orientações de isolamento e distanciamento social ainda 
estão em vigência. Assim, o desafio continua 
 
Referências 
 
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas, v. I, São Paulo, Brasiliense, 1989 
 
CANCLINI, G.C. Diferentes, desiguais e desconectados: Mapas da interculturalidade. Rio 
de Janeiro, EDUFRJ, 2005. 
 
COSTA, Cléria Botelho da. Da Educação Patrimonial à Cidadania. VIII Seminário da 
Associação Nacional Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo. 02 e 04 de outubro de 
2011 – UNIVALI– Balneário Camboriú/SC 
 
FALEIRO, Rodrigo Flávio de Melo, RANGEL, Carlos Henrique. Educação patrimonial: 
uma abordagem empírica, didática e criativa. (Heritage education – an empirical, 
164 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
didactic and creative approach). Cadernos de História, v. 14, n. 20, p. 188-211, 30 abr. 
2013. 
 
FLORENCIO, Sônia R. Rampim et al. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e 
processos. Brasília: Iphan, 2014. 
 
FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim. Educação patrimonial: algumas diretrizes 
conceituais. Cadernos do patrimônio cultural: educação patrimonial/ Organização 
Adson Rodrigo S. Pinheiro. – Fortaleza: Secultfor: Iphan, 2015 
 
FONSECA. Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política 
federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Iphan, 2005. 
 
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História. 
São Paulo (10), dez. 1993, p. 7-28. 
 
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História, Literatura e Cidades: diferentes narrativas para o 
Campo do patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 34 / 
2012. 
 
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de 
Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989. p. 03-15. 
 
 
 
 
Capítulo 9 
 
Educação patrimonial e decreto Lei 25/1937-artigos 17 
e 19: limites e possibilidades na Cidade de Goiás 
 
Dhyovana da Silva Cardoso 1 
 
 
1 Introdução 
 
O artigo apresenta a proposta e as discussões de uma Ação Educativa 
em andamento, sobre Educação Patrimonial. Os alunos analisaram o 
Decreto Lei n°25/1937 e avaliaram sua efetividade em casos específicos na 
Cidade de Goiás. Serão analisados principalmente casos do art.17 e art.19 
deste decreto. Necessário destacar a importância da participação da 
sociedade nestes processos de leitura e releitura do mundo, na 
decodificação de seu patrimônio. Levando a reflexão do patrimônio, 
quando explorado de forma correta contribui para a formação da 
identidade cultural do indivíduo fazendo com que este se aproxime mais 
do local e seus bens 
Os alunos perceberão sua importância podendo contribuir para a 
valorização e preservação da riqueza cultural que o rodeia e 
consequentemente identificando-se com o regional, nacional e global. 
Provocando situação de aprendizado despertando nos alunos o interesse 
em resolver questões significativas para vida social e coletiva. 
Só se preserva quando existe significado, quando é representativo e 
que de alguma maneira as pessoas se identificam. O intuito é entender o 
Centro histórico da Cidade de Goiás e suas as residências além se seus 
aspectos físicos e materiais. É preciso perceber que o patrimônio cultural 
 
1 Mestranda do Programa de Pós Graduação do Mestrado Profissional em Estudos Culturais, Memória e Patrimônio 
da Universidade Estadual de Goiás(PROMEP/UEG/Câmpus Cora Coralina). Email: dhyovanacardoso01@gmail.com. 
mailto:dhyovanacardoso01@gmail.com
166 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
vai além do que o edificado com “pedra e cal”, mas que é um referencial 
da história e memória da sociedade, como afirma Machado & Monteiro: 
 
Todos os bens patrimonializados contribuem para a formação de identidades 
de grupos e categorias sociais. Fazem parte da memória e, como tal, permitem-
nos estabelecer elos de pertencimento com o passado (...) É através da 
memória que o indivíduo reúne os fragmentos do passado, mobiliza este 
passado e atribui a ele um valor, um sentido. A memória é um elemento 
importante na construção das identidades coletivas, pois permite conectar o 
passado e o presente. (2010, p. 26 e 27). 
 
Desta maneira a comunidade poderá exercer a cidadania de modo 
mais eficiente, pois entenderá seu poder e grau de intervenção no usufruto 
de seus espaços, sendo capaz de intervir e transformá-lo. Pensamos assim, 
nas pessoas que são excluídas de certo modo em função das desigualdades 
geradas pelo sistema, inclui-los neste debate ensinando minimamente a 
importância de cada um na preservação de um patrimônio que é de todos. 
Sabe-se que a temática da Educação Patrimonial está relacionada à 
educação popular, desta forma também a herança cultural. É 
indispensável que reconheçamos essa herança e sua contribuição para 
nossa identidade social e individual. A educação patrimonial nesse sentido 
é importantíssima, sendo ela o instrumento que facilita o diálogo direto 
dos bens culturais com a comunidade, permitindo que esteja faça a 
releitura do mundo que está inserida. Como cita Horta (1999, p.4): 
 
[...] o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um 
processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança 
cultural, capacitando-os para melhor usufruto destes bens, e proporcionando 
a geração e produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de 
criação cultural. 
 
Dhyovana da Silva Cardoso | 167 
 
A ação educativa proporcionara ao sujeito aproximação com o bem 
que são fundamentais para que o indivíduo faça uma leitura mais 
aprofundada do patrimônio em questão, complementa Horta (1999, p.6): 
“Educação Patrimonial busca levar as crianças e os adultos a um processo 
ativo de conhecimento, aproximação e valorização de sua herança 
cultural”. 
Assim, a ação educativa contribuirá para a formação crítica dos 
estudantes e também poderá servir de subsídio para a equipe escolar ao 
reformular o Projeto Político Pedagógico. Ela poderá trazer dados, a partir 
da experiência com os estudantes sobre fatos que precisam ser trabalhados 
em sala de aula. 
 
2 Educação Patrimonial mediando o tombamento 
 
Ao se falar e discutir sobre patrimônio na Cidade de Goiás é de 
fundamental importância que se debata sobre a legislação de preservação 
do patrimônio cultural, a conhecida Lei de Tombamento que completa 84 
anos neste ano de 2021. O Decreto-Lei 25/37 é essencial quando se pensa 
em meios para preservação de um patrimônio que transpassa o material 
e está intimamente ligado aos viveres, fazeres e sensibilidades afetivas das 
pessoas. Desta forma é indispensável que se compreenda e analise a 
responsabilidade, tanto do Estado quanto da sociedade ela manutenção e 
restauração dos bens tombados. 
Faz-se necessário repensar o que se muda na cidade de Goiás após a 
patrimonialização do centro histórico, pelo seu reconhecimento a nível 
mundial e pela preocupação em se manter como patrimônio da 
Humanidade. Precisa-se também analisar a perda de algumas residências 
tombadas do centro histórico, por falta de manutenção ou de reforma, que 
causam prejuízo ao proprietário e ao patrimônio cultural. 
168 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
 Como se sabe, uma maior atenção é dada pelos órgãos 
governamentais aos monumentos tombadoscomo igrejas, palácios, 
museus; assim, consequentemente as residências, ou seja, os imóveis 
privados vêm sofrendo o risco de deterioração, já houve casos de casas 
desmoronarem outras escoradas com paus. Entender o decreto lei 
principalmente no que se refere aos artigos 17 e 19 ajuda na compreensão 
de algumas situações que ocorrem na cidade. 
O bem tem um valor histórico fundamental, porém algum destes se 
deixa acabar pela manutenção ineficiente, pela demora ou omissão em 
avisar o órgão competente sobre a necessidade de reparação do bem 
tombado, ou quando avisa, não se consegue o recurso em tempo hábil para 
preservar. Desta maneira pode-se observar a importância de instrumentos 
normativos legais, no que se refere à proteção e preservação de bens 
patrimoniais, pois antes que se desperte o sentimento de pertencimento 
em relação aos bens patrimoniais, as pessoas devem respeitar e não 
destruir estes bens. Existindo uma legislação que protege e pune quem 
destrói ou ameaça determinados patrimônios. 
Mesmo destacando a importância da preservação e da lei de 
tombamento de bens materiais já consagrados, é fundamental 
problematizar que o patrimônio não é neutro, ao contrário ele sofre com 
disputas de poder e pelo poder, obedecendo determinados interesses, 
como José Reginaldo dos Santos Gonçalves bem aborda: 
 
Nos processos de produção social das identidades, estas não resultam de um 
exclusivo trabalho coletivo de construção e preservação, uma vez que as 
práticas de destruição lhes são igualmente indispensáveis. No plano individual 
ou coletivo, somos, antes de tudo, o que esquecemos e descartamos 
(GONÇALVES, 2005, p. 225). 
 
Dhyovana da Silva Cardoso | 169 
 
Percebe-se assim que o que se deseja anular, que foi descartável e não 
valorizado também diz muito sobre a cidade, seus habitantes, sua história 
e consequentemente sua cultura, ou seja, diz sobre a ação direta do homem 
na natureza e qual o sentido disto tudo para os mesmos. O patrimônio 
pode assim ser percebido tanto como um processo de silenciamento e 
homogeneização das dissonâncias como objeto de luta que possa a vir 
valorizar as diferenças da sociedade brasileira que se destaca por sua 
diversidade cultural. 
Falar sobre Educação Patrimonial significa ultrapassar algumas 
barreiras epistemológicas e verdades absolutas. Primeiro é necessário 
problematizar o termo “alfabetização cultural” usada no Guia Básico de 
Educação Patrimonial e é reutilizada várias vezes como base para outros 
autores. Quando se tenta alfabetizar parte da ideia que o outro não tem 
conhecimento e necessita da luz deste. Desvaloriza tudo que o Outro traz 
consigo e menospreza num sentindo intelectual. Silveira e Bezerra (2006, 
p.88,89) diz que “a perspectiva conscientizadora deve ser substituída pela 
sensibilização e pela participação crítica acerca do valor da paisagem 
patrimonial”. Acrescenta ainda (2006, p.90) “antes de interpretarmos as 
paisagens e os objetos como bens patrimoniais, devemos considerar que 
tais elementos estão imersos numa complexa teia de significações”. 
Uma segunda questão importante é entender que a educação 
patrimonial não ocorre somente em ambientes formais como escolas e 
museus, mas também em ambientes não formais sempre tendo como foco 
o Patrimônio Cultural a fim de colaborar para seu reconhecimento, 
valorização e preservação. Para Florêncio (2014, p. 19): 
 
Os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática 
do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais 
170 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras 
das referências culturais. 
 
É de fundamental importância entender que o foco das ações 
educativas são os sujeitos, elas servem como instrumento de mediação 
entre as pessoas e os bens patrimoniais. A Educação Patrimonial 
configura-se como um processo que recorre a várias metodologias, e uma 
ferramenta essencial para preservação do patrimônio, despertando o 
interesse a determinados bens, sensibilizando e valorizando acerca do 
patrimônio. Criando assim espaços de aprendizagem e reflexão dos grupos 
sociais em relação ao seu próprio patrimônio. 
Desta maneira quando se valoriza o “Outro” e seus saberes numa 
perspectiva reflexiva e democrática é possível falar do conhecimento que 
propicia a formação de sujeitos autônomos que sabem pensar e intervir de 
modo consciente na realidade. Criando elos de pertencimento onde os 
grupos são capazes de apropriar-se de seu passado e usá-lo como caminho 
para o fortalecimento indenitário de suas comunidades agindo de forma 
autônoma e cidadã. Para isso é necessário romper com alguns paradigmas 
que “[...] contribui para ampliação do conceito de cultura, suprindo a 
dicotomia entre “cultura erudita” e “cultura popular” enfatizando a 
importância de uma educação pautada na cultura da diversidade, no 
respeito ao outro e a diferença (MACHADO; MONTEIRO, 2010, p. 26). 
Outro esclarecimento se torna necessário: existem outras formas de 
preservação que não seja apenas o tombamento. Por exemplo o inventário 
é a primeira forma para o reconhecimento da importância dos bens 
culturais, através do registro de suas características principais. Outra 
forma também é a inclusão destes bens nos Planos Diretores da Cidade, 
estes também estabelecem formas de preservação do patrimônio em nível 
municipal, através do planejamento urbano. Desta maneira fica claro que 
Dhyovana da Silva Cardoso | 171 
 
as cidades devem promover o desenvolvimento sem a destruição do 
patrimônio. 
Interessante mostrar que o tombamento pode ser um instrumento 
de defesa duma comunidade, pois visa a preservação de um determinado 
bem que carrega valores e significados para sociedade em questão. Visto 
que colabora na preservação da memória, dos referenciais culturais de um 
determinado grupo. 
Entendendo, portanto, a importância do decreto lei 25/37 e a ação 
protagonista da comunidade no que se refere à proteção e preservação dos 
conjuntos de bens que podem ou não se encontrar ameaçados ou 
deteriorados em uma sociedade. Pensando sempre que o bem cultural é 
relativo e representativo à identidade de sociedades, possui referencial a 
memória que busca se preservar, perpetuar. Dessa forma, para que a 
Educação Patrimonial seja efetivada, é necessário que os espaços formais 
de ensino busquem ações educativas como forma de aproximar a 
comunidade do seu patrimônio cultural, pois como apontam alguns 
pesquisadores: 
 
Quanto mais nos sentimos pertencentes a um grupo, mais temos condições de 
ter consciência do nosso papel social e da nossa condição de cidadão. Os elos 
de pertencimento que estabelecemos com o grupo permitem a tomada de 
consciência crítica e a interpretação autônoma do universo cultural. Quando 
os grupos são capazes de apropriar-se de seu passado, de reinventá-lo em 
contextos atuais, estão dando continuidade ao processo criador. Isso é 
condição necessária para uma atitude cidadã (MACHADO; MONTEIRO 2010, 
p. 25). 
 
Instrumentalizando os alunos de forma geral para que estes possam 
agir de forma efetiva na seleção, identificação, registro, inventário, 
conservação e preservação dos elementos constitutivos do patrimônio 
172 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
local. Na perspectiva da possibilidade de construir coletivamente 
estratégias de preservação no processo de construção do sentimento de 
pertencimento e de valorização de identidades culturais plurais. 
 
3 Desconstruindo (pré) conceitos sensibilizando para valorizar 
 
Existe na Cidade de Goiás uma relação conflituosa entre a 
comunidade e o IPHAN, mesmo que as pessoas não tenham passado por 
algum tipo específico de situação, alimenta prejulgamento em relação a 
este órgão. Não ocorre de forma diferente dentrodas escolas. O que se 
percebe em determinados momentos é a visão já pré-concebida sobre o 
patrimônio edificado da cidade e as obrigações e exigências em relação a 
estes. 
Visto que o patrimônio chega até os alunos de forma enrijecida e até 
mesmo autoritária é visível a dificuldade que determinadas pessoas tem 
de construir laços afetivos com o bem material, preferindo se distanciar do 
patrimônio existente na sociedade, ou simplesmente agindo e pensando 
de forma indiferente a estes. 
Esta ação é relevante, pois alguns destes pré (conceitos) podem ser 
desconstruídos, fundamentado no contexto de surgimento e alicerçado da 
necessidade de se preservar para que os bens significantes e 
representativos para sociedades não fossem destruídos. Sabemos da 
necessidade quase que vital do homem de memória, e estes espaços e bens 
nada mais são que a consagração desta memória em pequenos fragmentos 
ou conjuntos de um passado que se deseja preservar, como cita Nora 
(1993, p. 27) “bloquear o trabalho de esquecimento, imortalizar a morte, 
materializar o imaterial”. 
Partindo da carência de tentar despertar se não o sentimento de 
pertencimento a estes lugares e este passado, pelo menos o entendimento 
e a sensibilização do porquê são importantes preservar determinados 
Dhyovana da Silva Cardoso | 173 
 
espaços e bens. Para que a partir daí os alunos se vejam como 
protagonistas, sujeitos, podendo pensar o processo de tombamento de 
outros lugares e bens que são representativos do ponto de vista coletivo e 
foge daquilo que já foi consagrado como patrimônio. 
Mostrando a importância da legislação que assegura a proteção e a 
preservação, de forma que se possa problematizar a lei usando-a para 
beneficiar grupos diferentes, com singulares referenciais e memórias 
partindo do pressuposto que todas as pessoas fazem história e devem ter 
sua memória enaltecida, relembrada de alguma forma. 
A partir desta ação educativa, modos de ver e estar podem ser 
modificados e consequentemente ocasionar uma transformação na 
sociedade. A tomada de consciência de quem nós somos e o que podemos 
a fazer em relação a algo que é de fundamental importância. A Educação 
Patrimonial é importante “sendo um elemento estratégico de atuação 
política, da constituição, da memória e da sustentabilidade dos saberes 
tradicionais” (MARCHETTE, 2016, p.89), pois pode aproximar a 
comunidade de seus bens culturais e dar visibilidade a grupos sociais 
marginalizados contribui para ocupação socioespacial e circulação de 
ideias dentro da sociedade de forma democrática. 
 
4 O tombamento e as residências: espaços de interações sociais 
 
A cidade de Goiás tem hoje em seu centro histórico algumas 
residências que estão em processo grave de deterioração, com encosto 
para que não venham a cair, outras até se tornaram ruínas. O espaço em 
que tais casas estão localizadas em Goiás foi tombado como Patrimônio 
Histórico da Humanidade por todo seu valor cultural e histórico, deveriam 
estar preservadas e protegidas. Sabe-se que quando o bem é de 
propriedade privada, a responsabilidade pela manutenção não é somente 
do Estado, mas também fundamentalmente do proprietário. 
174 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Para a pessoa proprietária do bem tombado existem obrigações a 
serem cumpridas. Algumas consistem em realizar obras de conservação 
necessárias à preservação do bem ou, se não tiver condições financeiras, 
deve-se comunicar a sua necessidade ao órgão competente (art.19 do DL 
25/37). Quanto as outras, o proprietário não pode destruir, demolir ou 
mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do Instituto 
Brasileiro do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN repará-
las, pintá-las ou restaurá-las (art. 17 do mesmo Decreto). No que se refere 
às obrigações de suportar, o proprietário fica sujeito à fiscalização, 
indenizações e processos jurídicos. 
Faz-se necessário avaliar o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 
1937 em sua efetividade e desdobramentos causados após a 
patrimonialização da cidade de Goiás. Pensando principalmente sobre 
aquilo que ultrapassa a objetividade e materialidade quando se discute 
patrimônio, refletindo então sobre sensibilidades, histórias, laços que estes 
donos das residências trás com a história da cidade em suas experiências 
pessoais. Como bem aborda Britto: 
 
[...] o patrimônio consiste em um processo de formação indenitária, de 
instituição de solidariedades e de promoção de laços de afeto a partir de/entre 
os bens, possibilitando tecer redes de afinidades para além das margens 
metodológicas e institucionais a que historicamente foram destinados (2014, 
p. 980). 
 
É fundamental pensar o patrimônio cultural como espaços de 
interações sociais, de relações de poder e política. Desta forma, refletir 
sobre residências e espaços patrimoniais, significa repensar os afetos e 
histórias do passado que coexistem em nosso presente, considerando 
novas histórias e emoções que vão se construindo. Essas residências mais 
que o material e edificado, pode representar significados, sentidos, 
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Decreto-Lei%20n°%2025%20de%2030%20de%20novembro%20de%201937.pdf
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Decreto-Lei%20n°%2025%20de%2030%20de%20novembro%20de%201937.pdf
Dhyovana da Silva Cardoso | 175 
 
sentimentos, que o proprietário vivenciou ali. Isto é possível na medida em 
que se entende o patrimônio não apenas como algo puro e simples, mas a 
partir de aspectos subjetivos que se empregam. 
O patrimônio às vezes chega até as pessoas de forma enrijecida e 
autoritária, ficando visível a dificuldade que determinadas pessoas têm de 
construir algum laço afetivo com o bem material, preferindo muitas vezes 
se distanciar do patrimônio. No entanto, usando Silva (2019) como 
referência “não é porque é material que se torna estático”. A concepção de 
patrimônio sofreu fragmentações no decorrer dos anos, o que antes era 
tido como algo enrijecido e acabado, cedeu espaço para se pensar o 
patrimônio em constante movimento e permeado por relações. 
Faz-se essencial refletir sobre a importância e contribuição que os 
órgãos de preservação fizeram no decorrer dos anos, analisando de forma 
minuciosa a memória de quem se pretende preservar e o porquê 
determinado grupo viu o que hoje é tombado na cidade de Goiás como 
importante, reconhecendo o esforço, a iniciativa e acima de tudo 
respeitando a diversidade ou a diferença no que se refere aos bens que 
foram patrimonializados. 
Torna-se evidente a importância da legislação que assegura a 
proteção e a preservação, de forma que se possa problematizar o decreto 
25/37, que pode ser usado para beneficiar grupos diferentes, com 
referenciais, memórias e identidades diversas. Sendo algo enriquecedor, 
visto que pessoas que fazem a história e devem ter suas memórias 
valorizadas, relembradas e enaltecidas de alguma forma. O patrimônio 
deve mostrar a diversidade que é a sociedade brasileira. 
É a partir de uma base legal que se pode dar voz a grupos silenciados. 
Durante muito tempo foi dada mais atenção ao patrimônio material 
referentes ao passado branco e colonial este é visto com certo grau de 
superioridade ao patrimônio imaterial. Interessante mostrar que o 
176 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
tombamento pode ser um instrumento de defesa de uma comunidade, 
pois visa a preservação de um determinado bem que carrega valores e 
significados para a sociedade. Colaborando na preservação da memória, 
dos referenciais culturais de um determinado grupo. No entanto é preciso 
problematizar a quais referencias, ou memórias é narrado. 
Entendendo, portanto, a importância do decreto lei 25/37 e a ação 
protagonista da comunidade no que se refere à proteção e preservação dos 
conjuntos de bens que podem ounão se encontrar ameaçados ou 
deteriorados em uma sociedade. O interessante é conscientizar a 
comunidade e forma geral para que esta possa agir de forma efetiva na 
seleção, identificação, registro, inventário, conservação e preservação dos 
elementos constitutivos do patrimônio local. Na perspectiva da 
possibilidade de construir coletivamente estratégias de preservação. 
Choay aborda que: 
 
[...] de nada serve contemplar o espelho do patrimônio, não há oura solução 
senão atravessá-lo. Com essa metáfora do espelho transposto, quero ressaltar 
a força subversiva de uma abordagem do patrimônio que volte às costas para 
procedimentos dominantes: para começar, transposição reflexiva e crítica que 
opta, em plena e perfeita consciência, por uma mudança radical de orientação, 
com suas implicações e seus ricos; em seguida, transposição concreta e prática 
que abre, no cercado patrimonial, caminho árduo rumo a esse novo norte 
(2017, p. 253) 
 
O fato é que somente estes instrumentos não são suficientes e 
necessários para esta proteção, mas também a participação da população 
de um modo geral. “[...] a própria cultura, o próprio atuar dos homens, 
faz surgir diferentes e muitas vezes mais efetivos instrumentos de 
proteção do patrimônio Cultural” (HENRIQUE FILHO, 2013, p. 105). 
Dhyovana da Silva Cardoso | 177 
 
Quando se pensa em patrimônios tombados é necessário que se 
reflita sobre estes conjuntos de bens que é apresentado como nossa 
herança coletiva e o que pode vir a se tornar patrimônio reconhecido e 
preservado do ponto de vista legal. Como aborda Gonçalves (2015, p.220) 
é possível pensar o patrimônio não apenas como algo situado em um 
tempo ou espaço distante e inalcançável, mas também como um processo 
presente, incessante, conflituoso e interminável de reconstrução. Desta 
maneira, é essencial observar aquilo que é destruído ou esquecido. 
Segundo Gonçalves (2015, p.219): 
 
Se até os anos 1980 as narrativas estavam voltadas firmemente para a nação, 
e todo e qualquer bem tombado era em função de seus vínculos com a história 
e a identidade nacional, nas últimas décadas, desde então patrimônios 
associados a diversos grupos e movimentos sociais vêm sendo reivindicados, 
reconhecidos ou contestados sem que os vínculos com uma “identidade 
nacional” sejam necessariamente colocados em primeiro plano. Observa-se 
uma desestabilização das concepções de patrimônio centradas na história e na 
identidade nacional. 
 
O tombamento e a preservação de determinados patrimônios 
culturais significam também a preservação e promoção de identidades esta 
experiência pode ser objeto de transformação social ou laço lesivo que 
silencia a memória de determinados grupos sociais. Desta maneira o 
patrimônio é também instrumento de luta pelo reconhecimento de 
indivíduos e comunidades. 
Assim Henrique Filho (2013, p. 29) diz que “O titular principal do 
patrimônio cultural, sem dúvida, é a sociedade brasileira” e estes 
vinculados a diversas obrigações, não isentos totalmente de 
responsabilidades deixado a dispor do órgão público a manutenção. Pois, 
se a gestão principal deste patrimônio é entregue aos órgãos públicos, isto 
178 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
não deve provocar o afastamento da sociedade em questão. Se 
determinado local é valorizado e tombado como patrimônio cultural é 
porque ele tem valor pessoal e social na história e memória coletiva 
daquele lugar, desta maneira não se pode deixar que acabe ou mesmo que 
destrua esses bens da humanidade. 
 Faz-se necessário construir uma nova relação da população com seu 
patrimônio e isto significa entender que os bens culturais também são 
produtos baseados na opressão e na violência. Como cita Scifoni: 
 
Para isso, em primeiro lugar, é preciso desmitificar e desfetichizar o 
patrimônio, o que significa explicitar que os patrimônios não são objetos 
dados, cabendo ao poder público apenas a tarefa de reconhecer neles valores 
intrínsecos. Valores são atribuídos, resultado de escolhas que são feitas. [...] 
Isto significa que um patrimônio reconhecido não tem valor em si mesmo [...] 
são atribuídos valores, em determinado momento e contexto histórico. Disto 
resulta o caráter político e, portanto, conflituoso do universo cultural (2015, p. 
203). 
 
Portanto torna-se necessário repensar e reinstaurar a totalidade de 
nossas práticas atuais do patrimônio, percebendo-o como algo atual que 
está em constante movimento e interação na sociedade. Podendo ser 
utilizado como instrumento de luta política e analisado do ponto de vista 
das subjetividades, sensibilidades, emoções vivencias e sentimentos. Os 
bens patrimonializados contribuem para a formação de identidades de 
grupos, de categorias sociais, fazem parte da memória e permite 
estabelecer elos de pertencimento com o passado. 
Dessa maneira, contribuiremos com a formação de indivíduos 
conscientes de seus direitos e prontos para intervirem no espaço em que 
vivem, por meio de “uma educação para uma cidadania ativa, uma 
educação para a esperança”. 
Dhyovana da Silva Cardoso | 179 
 
 
5 Considerações finais 
 
Estudar patrimônio é também estudar sensibilidades e vivências, 
tangenciando o subjetivo e abstrato das pessoas e suas emoções. Um erro 
pensar que patrimônio se refere apenas o material e ao passado, pelo 
contrário ele está em constante movimento e transformação, sendo usado 
como meio para dar voz aos silenciados e fazendo notar os que foram por 
décadas invisíveis. Sendo possível a ponte entre passado e presente e 
entendendo esquecimentos como produtos sociais. Por não ser neutro a 
patrimonialização é um ato político por excelência e pode ser usado para 
beneficiar outros grupos. 
 É possível observar a importância de dos instrumentos normativos 
para preservação e promoção do patrimônio cultural, e o que muda após 
sua aplicação em diferentes lugares e espaços. Desta maneira, a 
comunidade de um modo geral é a peça fundamental na proteção e 
preservação do patrimônio, contudo, só pode ocorrer mudanças na 
medida em que exista o sentimento de pertencimento e afetividade em 
relação a estes patrimônios. 
Pensar em residências tombadas é imaginar o fluxo de histórias e 
experiências que as envolve, se tornam únicas na medida em que os 
agentes estabelecem diferentes formas de experenciá-lo em seus modos de 
vidas, permitindo a aproximação das pessoas com seus patrimônios. 
Compreendendo que naquele espaço em diferentes temporalidades houve 
relações e sociabilidades promovidas com afetividade. 
São mais que residências tombadas, são espaços que habitam e 
podem chamar de seu lar, produto de memórias e identidade, lugar e 
suporte em que homens e mulheres tecem suas histórias de vida e de sua 
comunidade. Pensando o patrimônio a partir das interações entre a 
comunidade e suas residências. No Patrimônio cultural tais residências se 
180 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
apresentam como anexadoras de experiências de pertencimento e 
sociabilidades. 
Por fim, o conhecimento da legislação e do poder de cada cidadão no 
que se refere a proteção e preservação de bens culturais, são referências a 
sua identidade e ao seu passado que possibilita que estes possam propor a 
salvaguarda, a proteção e até mesmo o tombamento de outros espaços, de 
outros bens, de outros fazeres, de outras expressões e celebrações. 
Facultando que outros grupos tenham seus bens vistos de forma diferente, 
com uma maior atenção. 
A Educação Patrimonial é um instrumento importante para 
sensibilização e participação crítica acerca do patrimônio, seus bens e 
lugares como panoramas possíveis de serem considerados, envolvendo 
pessoas que convivem diariamente com estes. Evidenciando as 
possibilidades do patrimônio por maio das ações educativas, 
transformados a relação desses sujeitos com seus bens e lugares.Considerando a visão do Outro pautado na reciprocidade, diálogo e trocas 
culturais. 
 
Referências 
 
BEZERRA, Marcia; SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu. Educação Patrimonial: Perspectivas e 
Dilemas. In: Antropologia e Patrimônio Cultural Diálogos e Desafios 
Contemporâneos. Goiânia: Nova Letra, 2006. 
 
BRITTO, Clovis Carvalho. A terceira margem do patrimônio: o rio Vermelho e a 
configuração do habitus vilaboense. Diálogos (Maringá. Online), v.18, n.3, p.975-
1004, set-dez/2014. 
 
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 6. Ed. São Paulo: Estação Liberdade: Ed. 
UNESP, 2017. 
 
Dhyovana da Silva Cardoso | 181 
 
FLORÊNCIO, S. R.; CLEROT, P.; BEZERRA, J.; RAMASSOTE, R. Educação patrimonial: 
princípios e diretrizes conceituais. In: Educação patrimonial: histórico, conceitos e 
processos. Brasília: Iphan, 2014, p. 18 – 28. 
 
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O mal-estar do patrimônio: identidade, tempo e 
destruição. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 28, n. 55 p. 211-228, jan-jun 
2015. 
 
HENRIQUE FILHO, Tarcísio. A evolução histórica da proteção ao patrimônio cultural, 
ATHENAS, Vol.II, n1, jan-jul.2013/ ISSN2316-1833/ www,fdcl.com.br/revista. 
 
HORTA, Maria de L; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Q. Guia básico de 
educação patrimonial. Brasília: Iphan/Museu Imperial, 1999. 
 
 MACHADO, M. B. P.; MONTEIRO, K. M. N. Patrimônio, identidade e cidadania: reflexões 
sobre educação patrimonial. In: BARROSO, V. L. M. [et al] (Org.). Ensino de 
História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST Edições, 2010, p. 25 –37. 
 
MARCHETTE, Tatiana Dantas. Educação patrimonial e políticas públicas de 
preservação no Brasil. Curitiba: Intersaberes, 2016. 
 
NORA, Pierre. Entre memórias e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 
São Paulo, n. 10, p. 7-28, 1993. 
 
SCIFONI, Simone. Para repensar a Educação Patrimonial. In: PINHEIRO, Adson R. S. 
(Org.). Cadernos do patrimônio cultural: Educação Patrimonial. Fortaleza: 
Secultfor: Iphan, 2015, p. 195 – 206. 
 
SILVA, Neemias Oliveira da Silva. Patrimônio e Corpo: o Cine Teatro São Joaquim como 
paisagens de emoções. Universidade Estadual de Goiás. Campus Cora Coralina: 
2019. 
 
 
 
 
Capítulo 10 
 
História e memória: limites e possibilidades do uso da 
literatura nas novas abordagens históricas 
 
João Pedro Rodrigues do Carmo 1 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 2 
Paulo Cesar Soares de Oliveira 3 
 
 
1 Introdução 
 
Tratar de uma relação entre história e literatura apresenta diversas 
questões. Ao longo do desenvolvimento da humanidade, os indivíduos 
criaram novas e diversas formas de manifestação artística. A literatura 
surge como forma de distração da realidade social, apresentando como 
possibilidade uma observação. Desse modo, durante a construção da 
História enquanto Ciência Humana, no século XIX, a literatura foi deixada 
de lado no desenvolvimento do conceito de documento. Nesse sentido, 
diversos aspectos da realidade social foram deixados em segundo plano na 
construção da ideia das fontes históricas. 
Os historiadores tradicionalmente têm focado na história dos 
“vencedores” e das classes dominantes, dos reis e do clero. E o conceito de 
documento histórico ao longo dos séculos ficou restrito as fontes estatais, 
oficiais e escritas. Esta centralidade grafocêntrica da análise histórica 
 
1 Licenciado em História pelo Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN-GO), professor 
de história SEDUC-GO. joaopedrohistoriador@gmail.com. 
2 Professora Adjunta/PUC-GOIÁS-PPGE/EFPH- Linha de Pesquisa: Educação, Cultura e Sociedade; Doutora em 
História Cultural/UNB. Mestre em Educação/UNICAMP-FE. Pedagoga/UCG (PUCGO). Líder do Diretório 
CNPq/PROPE/ Grupo de Pesquisa: Educação, História, Memória, Culturas em Diferentes Espaços Sociais-
HISTEEDBR. Ex-professora da Faculdade de Educação /UFG. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5736362178244406 
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2220-9932 E-mail: zeneide.cma@gmail.com 
3 Doutorando em Educação (PUC-GO), Mestre em Educação (UFG), graduado em História (UFG), professor e 
intérprete de LIBRAS (PROLIBRAS). Professor efetivo de LIBRAS/ História da SEDUC-GO, professor redator 
formador MEC-BNCC. No Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN-GO) atua como 
Professor de LIBRAS/ História nos cursos de Pedagogia, Letras, História e Medicina. libras.paulo@hotmail.com. 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 183 
 
relega a segundo plano outros sujeitos e objetos como passives de 
escrutínio científico. Esta perspectiva tende a mudar a partir do início do 
século XX como o surgimento de uma historiografia mais aberta e plural 
que ficou conhecida como Nova História. A história ganhou novos e 
maiores horizontes. Surgem novas fontes históricas e o conceito de 
documento histórico é reformulado e ampliando. Neste contexto, a 
literatura ganha lugar enquanto fonte, pois possibilita vislumbrar aspectos 
da realidade social e histórica a partir dos textos literários. 
O presente estudo bibliográfico busca investigar a relação entre 
história e literatura, e os limites e as possibilidades que incorrem neste 
processo. Desse modo, inicia-se por uma discussão a respeito do conceito 
de documento e fonte histórica na construção da História enquanto 
Ciência Humana. Posteriormente, discute-se a ampliação dos conceitos de 
fonte e documento histórico, as novas possibilidades teóricas e objetos e 
os fundamentados na Nova História a partir do início do século XX. Depois 
disso, observa-se a relação entre história e literatura. 
O presente estudo bibliográfico buscou investigar a trajetória 
histórica do uso da literatura como fonte historiográfica e mantenedora da 
memoria. A partir de um referencial teórico pautado na trajetória dos 
principais autores de uma das corretes mais importantes da histografia 
contemporânea que são os pensadores das escolas dos 4Annales. Buscou-
se de forma sucinta contemplar pensamentos dos historiadores Bloch 
(2001), Peter Burke (1992), Chartie (2002) e Le Goff (2013) sobre as novas 
possibilidades investigativas. Esses pensadores desde o início do século 
passado, cada um em sua época e perspectiva, tem possibilitado a inserção 
 
4 A Escola das Analises ou (École des Annales) é um movimento historiográfico que surge no século XX na França, 
fundado por Lucien Paul Victor Feberv (1878-1956) e Marc Bloch. Foi um movimento demasiadamente importante, 
pois criou as bases para a construção de uma história que se volte a estudar temáticas antes nunca estudadas e/ou 
abordadas. 
184 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
de temas diversificados e o alargamento das fontes como análise científica 
possível da História. Como apoio a essas teorias inovadoras, dialogou-se 
também com alguns de seus estudiosos no Brasil como Bittencourt (2008), 
Pesavento (2003, 2019), Schwarcz (2001) dentre outros. 
 
2 O Positivismo histórico e a erudição da História no século XIX 
 
Para entendermos esta mudança conceitual sobre as fontes e os 
objetos possíveis da história, faz-se necessário analisar o contexto da 
construção da história enquanto Ciência Humana. E também conhecer o 
processo de institucionalização e a análise temporal que as escolas 
históricas e os historiadores tiveram acerca da compreensão e do uso dos 
documentos e fontes históricas. Com base nisso, parte-se de uma análise 
acerca do positivismo enquanto influencia na formação da ciência história 
e posteriormente, uma análise do pensamento estruturalista5 como 
inspiração teórica para a o surgimento da Nova História. 
A história para os positivistas deveria ser uma narrativa dos 
acontecimentos, sendo assim uma história objetiva. Os historiadores 
deveriam apresentar aos leitores os fatos ocorridos, esses fatos eram 
captados dos documentos e os documentos pertenciama um Estado ou 
instituições oficiais. Esses elementos foram essenciais para a erudição da 
História no século XIX. 
A erudição da história consolidou-se primeiramente na Europa em 
países como Inglaterra, França, Prússia e Itália. Le Goff6 (2013, p. 122) 
aponta que, “o grande centro, o farol, o modelo da história erudita no 
século XIX, foi a Prússia” criando instituições e coleções de prestígio, 
 
5 O estruturalismo é uma teoria que parte da linguística, das estruturas da linguagem, tendo como objetivo observar 
aspectos estruturais e estruturantes da sociedade, que analisa a realidade social a partir de um conjunto de elementos 
e relações estruturais tais como a família, o estado, a cultura e a política. (LÉVI-STRAUSS, 2008). 
6 Jacques Le Goff,historiado francês da terceira Escola dos Annalis e apresentar a História em correlação com a 
Antropologia (SILVA; SILVA, 2016). 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 185 
 
fortificando laços entre a erudição e o ensino, formação de seminários e 
investigação histórica. 
Le Goff (2013), aponta que a erudição prussiana contagiou estudiosos 
europeus. Entre os principais nomes do positivismo está o de Leopold Von 
Ranke7, historiador alemão do século XIX, que definia a história como 
história factual, ou seja, o historiador deve analisar a História 
restritamente atento aos fatos da forma como aconteceu, deveria “contar 
os fatos tais como eles se deram”. 
 Com a consolidação do pensamento positivista nas Ciências 
Humanas, a História deu seus primeiros passos enquanto ciência no século 
XIX, período de grande avanço científico para todas as áreas do 
conhecimento humano. Os profissionais das Ciências Humanas neste 
período precisavam fazer com que a história ganhasse o status e a 
legitimidade de ciência como o das ciências da Natureza e Exatas. A 
história passou a ser profissionalizada, e os historiadores os seus 
profissionais, segundo Peter Burke8 (1992, p. 16) 
 
A História rankeana era o território dos profissionais. O século XIX foi a época 
em que a história se tornou profissionalizada, como seus departamentos nas 
universidades e suas publicações especificas, como a Historische Zeitschrift e 
a English Historical Review. 
 
Desta forma, o domínio das análises históricas passa a migrar dos 
antiquários e das mãos dos armadores9 para se transformar em ciência, 
 
7 Leopold Von Ranke, historiador alemão, nasceu em 1795 e faleceu em 1886. Cursou os estudos universitários na 
universidade de Leipzig. Desenvolveu um método histórico que se contrapõe a filosofia da história de Hegel, sua 
influência se dá através de suas perspectivas acerca do trabalho do historiador e a forma como ele deve lidar com as 
fontes. Ranke possui diversos livros sobre o campo da História e o papel do historiadoe (CUNHA, 2018). 
8 Peter Burke, historiador inglês e professor de história das ideias no School of European Studies. 
9 Nesse contexto, os armadores são historiadores que não eram historiadores profissionais, pois o conceito de 
historiador, institucionalizado, não era aplicado a esses indivíduos devido ao campo da historiografia estar se 
fortificando justamente neste período (BURKER, 2001). 
186 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
ganhando cientistas próprios, departamentos, salas, debates e publicações. 
Le Goff (2013, p. 121) também aponta para essa profissionalização da 
história que “em 1834, o historiador Guizot, então ministro, instituiu um 
comitê de trabalhos históricos, encarregado de publicar uma coleção de 
Documentos Inéditos Sobre a Sociedade da França”. 
O surgimento da história enquanto ciência se deu a partir de questões 
políticas, econômicas e sociais. Dentre essas se destaca a importância dos 
governos europeus que buscavam criar uma identidade nacional, devido a 
mudanças territoriais europeias e os processos de unificações e 
surgimentos de países e nações. Os governos começaram a abrir espaço 
para os historiadores que auxiliariam a gerir, identificar e cristalizar estas 
identidades nacionais. 
 Le Goff (2013), observa que a sociedade francesa na segunda metade 
do século XIX também estava na busca desta unidade nacional e 
identitária. Demandando de intelectuais das ciências diversas se 
envolverem neste movimento. A história, mesmo sendo nova no espaço 
acadêmico daquele período, foi parte fundamental neste processo. Le Goff 
(ibid, p. 121), aponta que “daquele momento em diante passa a existir uma 
“armadura” defensora da história: cadeiras de faculdade, centros 
universitários, sociedades culturais, coleção de documentos, bibliotecas, 
revistas”. 
 A formação da história enquanto ciência deu-se a partir de análise 
restrita do conceito e da definição do que seja documento legitimamente 
histórico. Pois, os documentos oficiais tinham a função de legitimar os 
fatos históricos pesquisados. A história para os “tradicionalistas10” era 
 
10 O campo tradicionalista remete a perspectiva da história tradicionalista. Esse campo tinha por objetivo 
compreender apenas uma perspectiva da história, ou seja, a história das classes dominantes. 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 187 
 
baseada somente nessa perspectiva, como aponta Peter Burker (200, p. 
13), sobre a perspectiva positivista. 
 
[...] segundo o paradigma tradicional, a história deveria ser baseada em 
documentos. Uma das grandes contribuições de Ranke foi a exposição das 
limitações das fontes de narrativas vamos chamá-las de crônicas – e sua ênfase 
na necessidade de basear a história escrita em registro oficiais, emanados do 
governo e preservados em arquivos. 
 
Para os historiadores deste período, a análise de um fato histórico 
deveria ser realizada somente a partir de fontes escritas, não só escritas, 
mas o documento deveria ter valor oficial, governamental ou institucional. 
Os historiadores, enquanto pesquisadores no século XIX privilegiaram a 
escrita oficial e documental como pontua Le Goff (2013, p. 104), “A ideia 
de que o nascimento da história estava ligado ao aparecimento da escrita 
levava a privilegiar os documentos escritos”. Os historiadores do século 
XIX e início do século XX compreendiam que o uso da escrita documental 
e oficial era extremamente importante para o ofício do historiador, e 
acabavam por silenciar as outras fontes escritas como livros diversos, 
literatura e produções diversas manuscritas ou impressas. 
 Bloch (200, p. 95), ao criticar esta estrita e rigorosa escolha e seleção 
das fontes e dos documentos salienta que “Os documentos manejados 
pelos eruditos eram, na maioria das vezes, escritos que se apresentavam 
por si só ou que eram apresentados, tradicionalmente, como de um autor 
ou época dados; que contavam deliberadamente estes ou aqueles 
acontecimentos”. Os documentos oficiais eram vistos como a verdade para 
os positivistas. 
Os historiadores tradicionalistas estudavam a história factual, dos 
fatos importantes para a humanidade, as conquistas e os feitos dos 
grandes homens. Como aponta Peter Burke (1992, p.10), 
188 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
 
De acordo com o paradigma tradicional, a história diz respeito essencialmente 
à política. Na ousada frase Vitoriana de Sir John Seeley, Catedrático de História 
em Cambridge, “História é a política passada: política é a história presente”. A 
política foi admitida para ser essencialmente relacionada ao Estado; em outras 
palavras, era mais nacional e internacional, do que regional. 
 
A história positivista estava preocupada, principalmente, com os 
acontecimentos políticos, relacionados ao Estado, considerando 
importantes os feitos políticos, bélicos e eclesiásticos da humanidade. 
As principais potências europeias do século XIX consolidaram-se 
como centros de pesquisa, e a histórianão poderia perder o trem do 
progresso. A história deveria se endurecer quanto ciência e buscava na 
construção da história nacional e internacional a sua legitimidade 
cientifica. O que legitimava o fato histórico era o documento, em 
contrapartida o material produzido pelos profissionais da História dava 
força e significado ao legado nacional. Esta ligação com a história factual 
era uma história como aponta Peter Burke a historia dos positivistas (1992, 
p.12), “oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se 
concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais 
ou ocasionalmente eclesiásticos”. 
A historiografia tradicionalista focava na história dos vencedores, das 
figuras importantes, das classes dominantes, dos governantes, das guerras 
e conflitos, instituições religiosas, nas leis, na família, na educação e no 
Estado. O discurso de um estadista, uma carta de um general, os planos 
sobre uma determinada empreitada comercial ou uma tomada de decisão 
pela igreja católica, eram o que tinha relevância. Tudo que transformava a 
nível nacional ou internacional e era documentado, ou que continham 
escritos sobre a classe dominante era material de estudo para a 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 189 
 
historiografia. Para os historiadores rankeanos11, a história era a história 
dos vencedores. Le Goff (2013, p.104), também comenta sobre a 
perspectiva dos positivistas. 
 
Durante muito tempo, os historiadores pensaram que os verdadeiros 
documentos históricos eram os que esclareciam a parte da história dos 
homens digna de ser conservada, transmitida e estudada: a história dos 
grandes acontecimentos (vida dos grandes homens, acontecimentos militares 
e diplomáticos, batalhas e tratados), a história política e institucional. 
 
Nesse sentido, pode-se compreender a história tradicionalista e a 
importância do documento para a cientificidade e solidificação do campo 
da história. Com o decorrer do tempo a historiografia foi se estruturando 
numa nova perspectiva de pesquisa, o campo tradicionalista dos 
documentos oficiais não sustentava as indagações dos historiadores e um 
novo movimento começou a surgir no início do século XX. 
 
3 O Culturalismo e a Historiografia do Século XX: novas possiblidades de 
estudo 
 
A história fundamentada na narrativa dos vencedores, das 
genealogias das classes dominantes dominou o cenário por longos séculos. 
As análises da realidade social sob o ponto de vista daqueles que a 
vivenciavam até então silenciadas pediam para serem analisadas. 
Desse modo, observa-se no início do século XX o surgimento de novas 
correntes historiográficas. Pois, o pensamento historiográfico acompanha 
o desenvolvimento social e político da humanidade, não sendo isento de 
suas influências e acabam também por influenciá-los. É neste momento 
 
11 De acordo com Peter Burke (1992, p. 10), “Será conveniente descrever este paradigma tradicional como “história 
rankeana”, conforme o grande historiador alemão Leopold Von Ranke (1795-1886), embora este tivesse menos 
limitado por ele que seus seguidores (assim como Marx não era marxista, Ranke não era um rankeano)”. 
190 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
que a literatura ganha lugar e possibilidades de auxílio para o oficio do 
historiador. 
No século XX, as perguntas sobre a história humana necessitavam de 
novas respostas. A história não era só a dos vencedores, também uma 
história que explicasse as questões e anseios dos vencidos, das mulheres, 
da cultura e do povo oprimido e comum. Além das demais demandas da 
história temática e dos temas sensíveis e urgentes da contemporaneidade 
que começam a ganhar destaque a partir do século passado. Nesse período 
o historicismo12 e o positivismo entraram em combate. Segundo Burke 
(1992), O principal embate entre historicistas e positivistas se dava em 
relação a uso de metodologias das ciências humanas para a construção de 
análises das ciências humanas. Com o pensamento historicista que se 
inicia com a busca pela interdisciplinaridade de campos do saber como o 
estruturalismo histórico que começa a ganhar forma e passa a influenciar 
grandemente as Ciências Humanas. 
Para a antropóloga e historiadora brasileira Lilia Moritz Schwarcz 
(2001, p. 9), a história era “à versão da época, que definia o passado como 
rígido, que ninguém altera ou modifica” está afirmação feita pelos 
positivistas é correta, contudo a história também pode e deve ser analisada 
por diferentes lados, pois um mesmo fato pode ter várias perspectivas e 
interpretações. 
 Peter Burke menciona que o precursor desta forma inovadora de ver 
a história foi o estudioso Jacob Burckhardt13 que em 1860 já considerava a 
história cultural como linha de estudo. 
 
 
12 Historicismo é um movimento que compreende os indivíduos e as comunidades a partir de diversos aspectos sociais 
(cultura, política, economia etc). 
13 Jacob Christoph Burckhardt (1818-1897), historiador da arte e da cultura, professor de historia na Universidade de 
Basileia e em Zurique. 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 191 
 
Em 1860, o estudioso suíço Jacob Burckhardt que publicou um estudo de The 
Cicilization of the Renaissence in Italy, concentrando na história cultural e 
descrevendo mais as tendências do que narrando os acontecimentos (BURKE, 
1992 p. 18). 
 
Mas, foi somente em 1939, com a fundação da revista Escola das 
Análises, que a história estrutural ganhou força. Chamada de Nova 
História, contrapondo-se a história rankeana do século XIX. Enquanto a 
história positivista se preocupava com os fatos e os documentos ligados á 
política, Marc Bloch e Lucien Feberv, como alguns autores que já 
consideravam outros tipos de história, viam que tudo estava conectado ou 
tudo tinha uma história. Por mais que as mulheres não estivessem 
presentes em determinada tomada de decisão, as mulheres participavam 
da sociedade. Bloch (2001, p. 79), acreditava que tudo produzido pelo 
homem era testemunho de sua existência. “A diversidade dos testemunhos 
é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fábrica, tudo 
pode e deve informar sobre ele”. 
Marc Bloch (2001), criticava a história positivista e a centralidade ao 
documento, um documento poderia ser falsificado ou poderia ser 
tendencioso, porém para os estruturalistas até o documento falso se torna 
fonte histórica. Com esta nova visão historiográfica as fontes e os fatos 
foram relativizados e ampliados. 
Segundo Reis (2008), o estruturalismo é uma corrente fundamental 
para as Ciências Humanas modernas. O pensamento estrutural tornou 
possível a compreensão da realidade social a partir de diversas óticas, 
possibilitando aos agentes sociais uma compreensão de si no decorrer do 
processo histórico. Para, além disso, trouxe a possibilidade de 
compreender a história sob uma ótica prima, fundadas na construção de 
narrativas próprias e representadas. 
192 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Para Portelli (2010), o papel do historiador ganhou um novo 
significado e igualmente seu objeto de pesquisa ampliou-se de forma 
significativa. Após o termino da segunda grande guerra, o pensamento 
social ampliou-se de forma significativa, novas teorias, estruturas 
metodológicas e perspectivas surgem no cenário politico e social. Estas 
novas abordagens trouxeram como possibilidade a compreensão da 
história em diversas matrizes, óticas e conseguem abarcar uma totalidade 
de relações que não são necessariamente hegemônicas. 
Desde modo, o papel do historiador encontra-se com novas 
perspectivas e novas abordagens históricas. De acordo com Le Goff (2013, 
p. 105), 
 
Na atual renovação da ciência histórica – que se acelera, ao menos na sua 
difusão (o incremento essencialveio com a revista dos Annales, fundada por 
Bloch e Febvre em 1929) -, uma nova concepção do tempo histórico 
desempenha um papel importante. A história seria feita segundo ritmos 
diferentes e a tarefa do historiador seria, primordialmente, reconhecer tais 
ritmos. 
 
Dessa forma, Le Goff (2013, p. 13), observa que: 
 
A crítica da noção de fato histórico tem, além disso, provocado o 
reconhecimento de “realidades” históricas negligenciadas por muito tempo 
pelos historiadores. Junto a história à história política, à história econômica e 
social, à história cultura, nasceu uma história das representações. 
 
Nesse sentido que ocorre a ideia de uma “nova história” ou “história 
estrutural” principalmente para o que ficou conhecido como a primeira 
geração dos Annales. Dentro disso, a Escola das Análises torna-se 
demasiadamente significativa, pois através de seus estudos, de uma nova 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 193 
 
compreensão dos sujeitos e agentes sociais, das estruturas e das relações, 
uma nova abordagem tornou-se possível. 
De acordo com Burke (1992, p. 10), 
 
A nova história é a história escrita como uma reação deliberada contra o 
“paradigma” tradicional, aquele termo útil, embora impreciso, posto em 
circulação pelo historiador de ciência americano Thomas Kuhn [...]. 
Poderiamos também chamar este paradigma de a visão do senso comum da 
história, não para enaltecê-lo, mas para assimilar que ele tem sido com 
frequência – com muita frequência – considerado a maneira de se fazer 
história, ao invés de ser percebido como uma dentre varias abordagens 
 
Conforme o autor observa, um movimento que busca por fontes que 
representassem a “história dos debaixo”, uma história que estivesse 
desassociada da linha tradicionalista que, com o auxílio da etnologia, 
possibilitou a ampliação do conceito de fonte histórica. E também a 
possibilidade da investigação dos fenômenos sociais a partir de 
documentos que não são, necessariamente, documentos vinculados ao 
Estado ou somente escritos e oficiais. 
Dentre outros a literatura surge enquanto documento histórico, 
trazendo panoramas e perspectivas dos agentes sociais em seu processo 
de vida. A literatura passa a ser compreendida e aceita como fonte histórica 
e como aporte a análise e critica de fatos históricos, possibilitando novas 
perspectivas e observações a respeito da realidade social que não implica 
necessariamente na análise de documentos oficiais. 
 
4 A Literatura como fonte histórica e seu uso no ensino aprendizagem de 
História 
 
A partir do século passado o conceito de documento histórico foi 
sendo ressignificado, incorporando outros recursos e materiais como fonte 
histórica. Com base nisso, a literatura, a fotografia e, até mesmo, a 
194 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
estatística surge como recurso de investigação histórica. Segundo a 
historiadora e pesquisadora Circe Maria Fernandes Bittencourt, 
 
Os estudos de textos literários têm assim como objetivo não apenas 
desenvolver “o gosto pela leitura” entre os alunos, mas também fornecer 
condições de análises mais profundas para o estabelecimento de relações entre 
conteúdo e forma. As contribuições de vários pesquisadores da literatura e sua 
história têm possibilitado abordagens mais complexas que merecer ser 
introduzidas pelos professores de história (BITTENCOURT, 2008, p. 341) 
 
Da mesma forma a escritora Sandra Jatahy Pesavento (2006, p. 2), 
observa a respeito da relação entre literatura e história: 
 
Para enfrentar esta aproximação entre estas formas de conhecimento ou 
discursos sobre o mundo, é preciso assumir, em uma primeira instância, 
posturas epistemológicas que diluam fronteiras e que, em parte, relativizem a 
dualidade verdade/ficção, ou a suposta oposição real/não-real, ciência ou arte 
[...] assim, literatura e história são narrativas que tem o real como referente, 
para confirmá-lo ou negá-lo, construindo sobre ele toda uma outra versão, ou 
ainda para ultrapassá-lo. Como narrativas, são representações que se referem 
à vida e que a explicam. 
 
Nesse interim, a literatura torna-se fonte histórica na medida em que 
os indivíduos não estão dissociados do contexto social em que vivem, 
durante o processo de escrita ou leitura de uma obra literária. A literatura 
apresenta-se como fonte histórica na medida em que permite uma 
compreensão da realidade social, da moda, dos conflitos, dos valores 
morais, das perspectivas políticas e ideológicas de uma sociedade. 
A respeito dessa relação, Pesavento (2003, p. 33), compreende que: 
 
Ainda como desdobramento desta compreensão da História que a aproxima 
da Literatura, temos o entendimento de que ambas as narrativas realizam a 
configuração de um tempo. Seja este o que se passou, no caso da História, ou 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 195 
 
que poderia ter se passado, mas que realmente se passa, para a voz narrativa 
da Literatura, este tempo se constrói como uma nova temporalidade, nem 
presente nem passado, mas que ocupa o lugar do passado e, no caso da 
História, a ele se substitui. É este presente da escrita que inventa um passado 
ou constrói um futuro, para melhor explicar-se. Nesta medida, o momento da 
feitura do texto torna-se essencial para o entendimento das ações narradas, 
sejam elas acontecidas ou não. 
 
Com base nisso, a literatura, embora transpareça uma análise da 
realidade de forma ficcionada, possibilita uma experimentação do real, do 
contexto histórico, mesmo que este esteja inserido em gêneros literários 
como o futurismo, o surrealismo e etc. O que torna fundante essa relação 
é o fato dela estar calcada em experiências reais, que exprimem 
perspectivas e relações sociais concretas. 
 
Mas, sem sombra de dúvida, o exercício ficcional de escrita da História 
encontra limites, se formos considerá-Io com relação àquele que preside a 
escrita da Literatura. Estes limites se dão, por um lado, pela exigência deste 
acontecido, ou de que os personagens e fatos sejam reais. Nesta medida, a 
História coloca reticências a uma postura tal como a de Hayden White, que 
leva muito longe a dimensão desta imaginação histórica, ou a de Roland 
Barthes, quando afirma que nada existe fora do discurso. Sim, a realidade é 
apreendida pela linguagem e nesta encontra significado, mas o imaginário 
pressupõe o real como referente (PESAVENTO, 2003, p. 35). 
 
Em consonância, a literatura enquanto fonte história apresenta 
certos limites, uma compreensão da realidade histórica a partir da 
literatura parte de uma análise objetiva, que busca investigar mecanismos 
e aspectos da realidade histórica. Torna-se demasiadamente importante 
observar que o uso da literatura como fonte histórica é importante, pois 
permite observar aspectos da realidade histórica sob a ótica dos indivíduos 
que a experimentam. Para além dos documentos oficiais, a literatura como 
196 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
fonte histórica traz como possibilidade uma investigação profunda da 
realidade social. 
Com base na discussão anterior, a literatura permite observar a 
realidade social a partir dos indivíduos, das classes ou grupos sociais que 
a experimentam. Por causa disso, a literatura pode se tornar fonte 
histórica, permitindo uma análise lúdica e, ao mesmo tempo, concreta da 
realidade. 
Desse modo, o historiador francês Roger Chartier (2002), observa 
que a literatura, ao longo do desenvolvimento da história humana, foi um 
recurso fundamental de informação e comunicação. O autor observa que 
a partir da difusão da literatura, foi possível que indivíduos de espaços 
distintos tivessem acesso a informação. O autor destaca que, por exemplo, 
a literatura de cordel tornou possível que indivíduos que residiamem 
regiões distantes, tivessem acesso aos conflitos, a informações e, 
fundamentalmente, aos fatos históricos (CHARTIE, 2002). 
Outro autor que também consegue fazer esta ligação é Barros (2005, 
p. 128), que observa: 
 
A leitura, enfim, é prática criadora – tão importante quanto o gesto da 
escritura do livro. Pode-se dizer, ainda, que cada leitor recria o texto original 
de uma nova maneira – isto de acordo com os seus âmbitos de “competência 
textual” e com as suas especificidades (inclusive a sua capacidade de comparar 
o texto com outros que leu e que podem não ter sido previstos ou sequer 
conhecidos pelo autor do texto original que está se prestando à leitura). 
 
Pesavento (2003, p. 38), por sua vez, pontua que: 
 
[...] a narrativa histórica comporta e mesmo exibe elementos de historicidade 
que devem conduzir o leitor a uma realidade extratextual, diz Pomian, mas 
que só pode ser acessada pelo trabalho de imaginação, principiado pelo texto 
e completado pela leitura. Leitores de História, em princípio, busca saber como 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 197 
 
foi, ou mais ainda, a verdade do que foi. Mesmo porque, consagradamente, 
pesa sobre o historiador o papel de desempenhar a fala autorizada sobre o 
passado. Mas, mesmo detendo esta autoridade da fala, o historiador se vale 
dos recursos da linguagem, do esforço retórico do convencimento, das 
evidências de pesquisa. 
 
O uso de obras literárias nas aulas de história permite o 
desenvolvimento do senso crítico e de uma observação criativa acerca da 
realidade social. A literatura possibilita que os indivíduos compreendam 
aspectos de determinados momentos históricos tendo como base uma 
análise que está diretamente centrada nas experiências e na observação 
participante, mesmo que esta não seja objetivo central da obra. 
Como vimos, a literatura é uma forma de experimentação da 
realidade social. Embora exista uma perspectiva de que a literatura seja 
apenas uma forma de observação ficcionada da realidade, ela apresenta 
uma vasta gama de questões que tornam possível uma compreensão da 
realidade social, tridimensional, possibilitando conectar de passado, 
presente e futuro. Esse processo pode ser compreendido devido aos 
indivíduos estarem inseridos em determinados contextos, carregam 
aspectos políticos, sociais e culturais. 
Dessa maneira, a literatura assume importância nas análises 
históricas, pois permite vislumbrar aspectos da realidade social para além 
dos documentos. De acordo com Rezende (2010, p. 98) 
 
Sendo a literatura uma forma de ler, interpretar, dizer e representar o mundo 
e o tempo, possuindo regras próprias de produção e guardando modos 
peculiares de aproximação com o real, de criar um mundo possível por meio 
da narrativa, ela dialoga com a realidade a que refere de modos múltiplos, 
como a confirmar o que existe ou propor algo novo, a negar o real ou reafirmá-
lo, a ultrapassar o que há ou mantê-lo. 
 
198 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
O uso da literatura possibilita uma observação a partir de diversos 
cenários da realidade histórica14. O auxílio da literatura permite o 
desenvolvimento de novas formas de compreensão a respeito de 
determinados objetos, levando em consideração aspectos que se tornam 
marginais numa análise dos documentos oficiais. Também permite uma 
observação que côngrua aspectos relacionados à experimentação dos 
indivíduos e relações sociais, valores e perspectivas. 
 
5 Considerações finais 
 
Desse modo, pode-se observar que história tradicional interessava-se 
pelo estudo da realidade social a partir das instituições oficiais, tais como 
o Estado e a Igreja. Nesse sentido, as fontes históricas e os documentos 
oficiais eram, dessa forma, vinculados a essas instituições. Dentro disso, a 
construção da História enquanto Ciência Humana se deu através da 
construção de metodologias que se baseavam no Positivismo e numa 
compreensão dos fenômenos sociais a partir das ciências biológicas. 
A partir da Nova História, os conceitos de documento e fonte histórica 
são largamente ampliados e relativizados colocando como possibilidade a 
análise da realidade histórica para além da estrutura do Estado. Os 
documentos e as fontes históricas colocam como estrutura metodológica a 
análise de diferentes pontos de vista, perspectivas, culturas e relações sociais. 
A literatura surge como possibilidade de investigação histórica, 
trazendo impressões, costumes, conflitos, relações e dinâmicas sociais a 
partir dos textos literários. Os textos literários assumem importância, pois a 
 
14 Um exemplo disso é o livro “1984 de George Orwell”. Esta obra pode ser utilizada para demonstrar um panorama 
do desenvolvimento do nacionalismo ao longo do século XX. Outro exemplo é a obra de autoria do mesmo autor 
denominada “A revolução dos bichos”, que pode ser utilizado para demonstrar em outro prisma os conceitos de 
socialismo e comunismo e o que aconteceu no socialismo real a partir da Revolução Russa. 
Um exemplo de uma obra que pertença à literatura nacional é o livro “Memorias póstumas de Brás Cubas”, de 
Machado de Assis. Ele consegue, por meio da narrativa, demonstrar como pano de fundo o panorama das relações 
sociais e culturais no Império brasileiro do século XIX. 
João Pedro R. do Carmo; Maria Zeneide Carneiro M. de Almeida; Paulo Cesar S. de Oliveira | 199 
 
partir desse gênero é possível ter contato com perspectivas e fenômenos 
históricos que não se limitam apenas a compreensão de documento 
tradicional. 
Portanto, estabelecer uma relação entre história e literatura torna-se 
importante, pois coloca possibilidade uma compreensão dos fenômenos 
sociais a partir de diferentes óticas. Embora exista uma compreensão a 
respeito da literatura somente pelo seu lado ficcional, a literatura permite 
a compreensão de culturas, aspectos e fenômenos sociais que não estão 
somente ligadas a personagens, mas em todos os aspectos da vida social. 
Através das obras literárias podem-se observar diversos aspectos da 
realidade social. Mas, encontra-se como aspecto limitador a construção de 
uma metodologia que busque relacionar estes aspectos e o 
desenvolvimento de um estudo cientifico. Pois, o uso da literatura 
demonstra não somente possibilidades, mas também, limites de 
aproximação com a história. 
Como limite, apresenta-se o cuidado de o pesquisador em não se 
deixar apenas na construção de uma análise que se limite aos aspectos 
ficcionais da obra e não perceba sua real relação com o passado que se 
quer e apreender. 
Outro limitador trata-se da dificuldade de se fazer uma leitura de 
extensas obras, muitas vezes de um português arcaico e distante da 
realidade do pesquisador que já possui uma carga grande de leitura 
conceitual, factual e de análise da pesquisa de campo para realizar em suas 
produções. 
Com certeza a literatura permite uma compreensão a respeito de 
diferentes perspectivas de um mesmo processo histórico. Mas, deve-se 
existir uma compreensão a respeito da divisão entre realidade e ficção para 
uma discussão mais aprofundada e que relacione estes dois aspectos. 
 
200 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Referências 
 
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2002. 
 
LE GOFF, Jacques. História e memoria. 7ª ed. Campinas: Unicamp, 2013. 
 
LEVI-STRAUSS, Claude. AnthropologieStructurale. Paris: Plon, 1958. 
 
LEVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 
 
PESAVENTO, Sandra. O mundo como texto: leituras da História e da Literatura. História 
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PESAVENTO, Sandra História & literatura: uma velha-nova história. Nuevo mundo, 2006. 
Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/index1560.html> Acesso em: 16 de 
Out. 2019. 
 
PORTELLI, Alessandro. História Oral e Poder. Mnemosine, v. 6, n. 2, p. 2-13, 2010. 
 
REIS, Jose Carlos. Nouvelle Histoire e o tempo histórico. São Paulo: Annablume, 2008. 
 
REZENDE, Valdeci. História e Literatura: Algumas Considerações. Revista de Teoria da 
História, v. 1, n. 3, 2010. 
 
SCHWARCZ, Lilia. Apresentação á edição brasileira. In. BLOCH, Marc. Apologia da 
história ou oficio do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 
 
 
 
Capítulo 11 
 
Memórias e narrativas sobre a escola em 
Machado de Assis e Cora Coralina 
 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro 1 
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida 2 
 
 
1 Introdução 
 
Tem barreiras a filosofia; a ciência política acha um limite na testa do capanga. 
Não está no mesmo caso a arte do arroz-doce, e acresce-lhe a vantagem de 
dispensar demonstrações e definições. Não se demonstra uma cocada, come-
se. Comê-la é defini-la. (ASSIS, 1994). 
 
A Literatura em seus vários contextos apresenta uma grande soma 
na vida da pessoa, pois os textos apresentam em diferentes épocas que 
podem ser comparados com a atualidade, sejam nos mais diversificados 
gêneros. Os autores a serem pesquisados na tese de doutorado em 
educação são: Machado de Assis com o Conto de escola e com algumas 
poesias de Cora Coralina referente a educação. 
Pretende-se desenvolver uma pesquisa qualitativa, e também 
memórias e narrativas, tendo como instrumento de suporte os autores 
FRIEDRICH (1991), RICOEUR (2000), FREIRE (2009), ALMEIDA (2009), 
 
1 Doutoranda em educação do programa de Pós-graduação pela PUC-Goiás. Mestra em Letras (PUC-Goiás). 
Professora da Rede Municipal em Alvorada-TO. E-mail: rosangela.almeida123@hotmail.com 
http://lattes.cnpq.br/2730832887948216 
2 Doutora em História Cultural(UNB); Mestre em História e Filosofia da 
Educação(UNICAMP);Pedagoga(UCG/PUCGO); Ex-profa.Adjunta FE/UFG. Atualmente é profa.Adjunta da PUC 
Goiás/PPGE. Linha de Pesquisa: Educação, Sociedade e Cultura. Líder do Diretório/CNPq-Grupo de Pesquisa 
"Educação, História, Memória e Culturas em Diferentes Espaços Sociais"-
HENCES/HISTEDBR.Zeneide.cma@gmail.com http://lattes.cnpq.br/5736362178244406. Orcid 
iDhttps://orcid.org/0000-0003-2220-9932 
202 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
TEIXEIRA (2010), ASSIS (2011), PLAZA (2013); CORALINA (2013), 
BLOOM (2017), dentre outros. 
A pesquisa será desenvolvida com os alunos do Ensino Médio do 
Colégio Estadual de Alvorada-TO. Como a autora menciona: “essas 
lembranças representam as singularidades da ação humana de toda uma 
coletividade que vem aos poucos se esvanecendo nas lembranças das 
gerações atuais.” (ALMEIDA, 2009 p. 18), as lembranças nos remetem 
reviver algo, que relembrado nos conecta a contextos diversos de imagens 
e realidades revividas. 
O autor Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis) foi 
jornalista, contista, cronista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro 
em 1839, e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Filho do 
pintor e dourador Francisco José de Assis e da açoriana Maria Leopoldina 
Machado de Assis. Machado de Assis era o filho mais velho e perdeu a sua 
mãe muito cedo. Foi criado no morro do livramento do Rio de Janeiro, 
estudou como pode e, em 1854, com 15 anos incompletos publicou o seu 
primeiro trabalho literário. 
Já Cora Coralina (1889-1985) foi uma poetisa e contista brasileira. 
Publicou seu primeiro livro quando tinha 75 anos e tornou-se uma das 
vozes femininas mais relevantes da literatura nacional. Cora Coralina 
começou a escrever poemas e contos quando tinha 14 anos, chegando a 
publicá-los, 1908, no jornal de poemas “A Rosa”, criado com algumas 
amigas. 
Ana Lins dos Guimarães Peixoto conhecida como Cora Coralina, 
nasceu na cidade de Goiás, no Estado de Goiás, no dia 20 de agosto de 
1889. Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, 
desembargador, nomeado por Dom Pedro II, e de Jacinta Luísa do Couto 
Brandão. Cursou apenas até a terceira série do curso primário. 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida | 203 
 
 A leitura do texto lírico constitui uma problemática relevante nos 
nossos dias, já que o gosto e o tempo disponibilizados pelos Jovens Alunos 
do Ensino Médio para a leitura são praticamente insignificantes. Dessa 
forma, torna-se eficaz o estudo da problemática acima referida, na busca 
de caminhos possíveis no processo da leitura da poesia/Conto no contexto 
escolar. 
Sabe-se do imenso valor que a literatura possui, todavia, essa prática 
em sala de aula bem como fora dela propicia, além do alargamento 
intelectual, a elevação da imaginação, bem como o desenvolvimento de 
princípios e características individuais capazes de medir e reafirmar os 
próprios sentimentos e ações do Leitor. 
A poesia é capaz de sensibilizar o ser humano, e nesse sentido 
evidencia-se a importância de trabalhar o gênero em fase escolar, para 
tanto as contribuições da poesia/conto para essa nova concepção leitora. 
Diante disso, torna-se indispensável uma reflexão sobre a abordagem da 
poesia, conto em sala de aula, bem como conhecer os caminhos 
percorridos pelos discentes nesse processo. 
Como podemos constatar na citação da autora a seguir: 
 
Compreendo a escola como um lugar de lembranças e memórias, por isso, na 
minha concepção, essa abordagem também será buscada para a reflexão que 
a refere tanto como um espaço de estranhamento, como também aquele que 
guarda similaridades com o habitat familiar ou doméstico (ALMEIDA, 2009, 
p. 36) 
 
De acordo com a citação da autora (2009) o ambiente escolar é um 
lugar adequado para o aluno expressar suas emoções, guardar memórias 
da mesma maneira que é o lugar onde se vive, ou seja, a escola é o segundo 
lar, lugar esse que será relembrado em diversas circunstâncias. Pois as 
lembranças da vida escolar ficam na memória para sempre 
204 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Diante das reflexões referentes ao tema proposto, é importante 
salientar que as poesias, contos estimulam diversas experiências de 
aprendizagem, como: leitura, interpretação, criação e reflexão sobre a vida 
escolar no atual momento e as suas trajetórias até o presente momento. 
 As obras de Machado e Cora são extremamente ricas e abertas a 
vários questionamentos e ensinamentos em prol de um novo aprendizado, 
uma nova maneira de analisar sobre outras perspectivas o nosso redor, a 
sociedade e também sobre o nosso eu em consonância com as referidas 
leituras. 
 
2 Conto de escola 
 
A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano 
era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me 
estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. 
Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant’Ana, que não era 
então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, 
mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. 
Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o 
melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão. Na semana 
anterior tinha feito dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento 
das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As 
sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do 
Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande 
posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis,ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de 
capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do 
último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um 
menino de virtudes. Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do 
mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida | 205 
 
depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, 
com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande 
colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou 
mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço 
vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os 
meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a 
sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos. - Seu Pilar, eu 
preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre. Chamava-se 
Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. 
Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas 
trinta ou cinqüenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer 
logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança 
fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola 
depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que 
conosco. 
— O que é que você quer? — Logo, respondeu ele com voz trêmula. 
Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais 
adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais 
inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, 
mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: 
tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, 
acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no 
papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo 
caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como 
entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes 
diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a 
cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras 
que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões.[...] 
 
206 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
2.1 Análise do Conto de escola 
 
O Mestre deve ser meio sério para dar autoridade à lição e meio risonho para 
obter o perdão da correção. 
(Machado de Assis) 
 
O Conto de escola de machado de Assis escrito em 1840 nos destina 
a uma época de regras severas no cenário educacional do século XIX. O 
conto é narrado em primeira pessoa, pelo personagem Pilar já adulto sobre 
as suas lembranças da escola quando ele tinha dez anos. 
 Remete-nos a vários questionamentos em relação à postura de um 
professor da época, que era considerado detentor do saber e não aceitava 
questionamentos e nos relata também a postura do alunado em relação ao 
professor, que de tão rígido que era os alunos tinham muito receio até de 
perguntar algo, também não podia faltar às aulas, sendo a escola tradicional 
numa época que os castigos eram bem severos como a da “palmatória.” 
A narrativa relata o menino Pilar que era o mais inteligente da sala e 
que não queria ir a escola sentia-se mais atraído pelos colegas da rua. O 
Raimundo que era o filho do professor, era um aluno que demorava a 
aprender, era o mais lento da turma e o Curvelo, era o mais velho da turma 
que estava de olho para contar tudo ao professor. De acordo que vamos 
adentrando na narrativa percebemos alguns aspectos presentes na escola 
atual e na sociedade. Um exemplo é o caso de corrupção explícito no conto 
e de pessoas semelhantes a Curvelo dedo duro, que à custa dos outros quer 
se dar bem e não pelos seus próprios méritos. 
Em relação ao ano que foi escrito o conto, podemos observar na 
citação a seguir: 
 
A referência a maio de 1840 é cuidadosamente escolhida. A Regência estava 
acabando, em um sentido muito específico: esse foi o mês em que uma seção 
do partido liberal propôs pela primeira vez a antecipação da Maioridade de d. 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida | 207 
 
Pedro II, que faria dezoito anos em 1843, mas que foi de fato proclamado maior 
de idade quando ainda tinha catorze anos, em 23 de julho de 1840. (GLEDSON, 
2006, p. 93) 
 
Conforme a citação do autor (2006) pode observar que a narrativa 
deixa-nos indícios de que estava acontecendo algo no país, de acordo que 
vamos adentrando nas escrituras machadianas, a postura do professor 
lendo o jornal. De acordo com Gledson (2006, p. 94) “ele não podia ver 
nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação”. A 
expressão deixa a perceber que ele não estava conformado com os 
acontecimentos que lia ali no jornal como a maior idade adiantada, e 
também a figura do professor não era tão valorizada na época. 
Na narrativa, podemos observar a repudia do professor fixado em 
cada linha do jornal e da sua atitude perante o os alunos, como pode-se 
verificar a seguir: “Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu 
não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e 
entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; 
depois estendeu o braço e atirou-a à rua.” 
Conclui-se que o conto de estudante de estudante do Machado de 
Assis nos relata momentos que ainda acontecem na nossa sociedade em 
alguns contextos da escola brasileira, que deixa a desejar por parte dos 
governantes que não investem no trabalho docente e em várias esferas 
educacional. 
 
3 A escola da mestra Silvina 
 
Minha escola primária... 
Escola antiga de antiga mestra. 
Repartida em dois períodos 
para a mesma meninada, 
das 8 às 11, da 1 às 4. 
Nem recreio, nem exames. 
208 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Nem notas, nem férias. 
Sem cânticos, sem merenda... 
Digo mal — sempre havia 
distribuídos 
alguns bolos de palmatória... 
A granel? 
Não, que a Mestra 
era boa, velha, cansada, aposentada. 
Tinha já ensinado a uma geração 
antes da minha. 
 
A gente chegava "— Bença, Mestra." 
Sentava em bancos compridos, 
escorridos, sem encosto. 
Lia alto lições de rotina: 
o velho abecedário, 
lição salteada. 
Aprendia a soletrar. 
 
Vinham depois: 
Primeiro, segundo, 
terceiro e quarto livros 
do erudito pedagogo 
Abílio César Borges — 
Barão de Macaúbas. 
E as máximas sapientes 
do Marquês de Maricá. 
 
(...) 
 
Num prego de forja, saliente na parede, 
estirava-se a palmatória. 
Porta de dentro abrindo 
numa alcova escura. 
Um velhíssimo armário. 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida | 209 
 
Canastras tacheadas. 
Um pote d'água. 
Um prato de ferro. 
Uma velha caneca, coletiva, 
enferrujada. 
Minha escola da Mestra Silvina... 
Silvina Ermelinda Xavier de Brito. 
Era todo o nome dela. 
 
Velhos colegas daquele tempo, 
onde andam vocês? 
 
(...) 
 
E faço a chamada de saudade 
dos colegas: 
Juca Albernaz, Antônio, 
João de Araújo, Rufo. 
Apulcro de Alencastro, 
Vítor de Carvalho Ramos. 
Hugo das Tropas e Boiadas. 
Benjamim Vieira. 
Antônio Rizzo. 
Leão Caiado, Orestes de Carvalho. 
Natanael Lafaiete Póvoa. 
Marica. Albertina Camargo. 
Breno — "Escuto e tua voz vai 
se apagando com um dolente ciciar 
de prece". 
 
(...) 
 
E a Mestra?... 
 Está no Céu. (CORALINA, 2014, p.64-65). 
 
210 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
3.1 Análise do poema- A escola da mestra Silvina 
 
“Poeta, não somente o que escreve. 
É aquele que sente a poesia, 
se extasia sensível ao achado 
de uma rima, à autencidade de um verso.” 
 (Cora Coralina)O poema de Cora Coralina, a escola da mestra Silvina é repleto do 
exercício disciplinar, retratando a autonomia do professor no contexto 
escolar, escrito na primeira edição em 1965. 
Percebe-se que a autora utiliza uma linguagem coloquial. De acordo 
com Peres e Borges (2015, p.39), a poetisa empregou “em seus escritos, a 
linguagem que melhor se adaptou ao seu empreendimento poético: a 
coloquial. Conscientemente, em seus textos, há o resgate de uma 
linguagem perdida, presente nos verbetes dos dicionários, mas há muito 
em desuso”. 
Nos versos do poema supracitado percebemos versos livres sem rima 
de uma naturalidade na voz poética e de questões universais como: o 
ensino escolar, a concepção da criança e de todas as dificuldades da vida. 
Nota-se a mestra Silvina, que na época não havia chamada, mas sim 
um ritual de entradas com “Bença Mestra” (Coralina, 2014, p. 62), nesse 
fragmento percebeu a maneira respeitosa de os alunos cumprimentarem 
a professora fazendo uma pausa. Apresenta uma escola de maneira 
tradicional, onde o eu lírico do início ao fim do poema seguem as regras: 
os alunos devem entrar na sala de aula, ler em voz alta, soletrar as 
palavras, cobrir as letras, fazer os exercícios, decorar a tabuada em coro. 
Percebe-se que as tarefas propostas são um processo de memorização pela 
repetição, as palavras têm somente características sonoras. 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida | 211 
 
A escola da mestra Silvina, nos repassa a forma de disciplina rígida e 
como era o processo de ensino no cotidiano escolar, com as séries juntas, 
as meninas eram separadas dos meninos, notando o professor possuidor 
do saber e em relação aos castigos severos. 
O Eu Lírico classifica a professora Silvina como uma pessoa boa, idosa 
e cansada, com muitos anos de profissão. Ela havia ensinado a outras 
gerações e, embora fosse aposentada, ainda continuava a ensinar. 
Os alunos, da escola da mestra Silvina realizam atividades, mas 
sempre controlados pela professora, percebe-se neste contexto a 
professora é única possuidora do saber e os alunos passivos no comando 
da professora. Desta maneira, nota-se que os alunos obedecem ao que é 
imposto, chegando a sala de aula senta nos bancos e leem em voz alta o 
alfabeto e as lições. 
Adentrar ao universo coralíneo é reviver um passado que a poetisa 
viveu no período do reinado de D. Pedro II, num casarão onde 
funcionavam as aulas, e que os alunos não tinham voz ativa, onde 
demonstra a escola sempre num mesmo “tom”, ou seja, aquele ritual de 
chegada, a mesma cartilha, todos sentados em bancos sem encosto, nos 
repassa uma cena de uma escola maçante, monótona, em todos os versos 
do poema podemos construir uma imagem da escola da mestra Silvina, de 
uma professora com muitos anos de profissão e que não pode usufruir da 
sua aposentadoria. 
Percebemos no contexto atual de educação muitos professores 
aposentados, que continuam a trabalhar, são de alguns estados que ainda 
não tem o plano de carreira e que o salário não é o suficiente para 
sobreviverem. E com tudo que está acontecendo no cenário brasileiro, o 
professor fica desmotivado e deixam de qualificar, pois o que ganha mal 
dá para as prioridades. 
212 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Conforme Cambi (1999) “a educação também muda profundamente: 
ela é ainda, transmissão da tradição e aprendizagem por imitação.” 
Conforme o autor a educação tende a seguir alguns parâmetros de um 
ensinamento já ultrapassado, mas de uma maneira bem lenta, a educação 
vai aos poucos se readequando, mas podemos perceber que ainda existem 
alguns professores que são favoráveis a uma escola tradicional e que não 
se esforçam por mudarem, visto que tudo mudou ao nosso redor, os 
nossos alunos a cada dia apresentam novos comportamentos, novas 
formas de aprendizagens. 
As escrituras da autora nos revelam plurissignificação poética em 
cada verso do poema, revelando o contexto histórico mesclando a sua 
simplicidade em forma de poetar. 
Destarte, a temática do poema “A escola da mestra Silvina” nos relata 
uma sociedade que era imposta pelo poder do autoritarismo relembrando 
as leis de uma educação rígida, que um dia feriu a alma de muitas crianças 
do seu tempo. 
 
4 Considerações finais 
 
 As memórias se transformam com o tempo, são modificadas pelas 
experiências vividas pelo sujeito e pelas suas circunstâncias da vida no 
momento atual, no presente. 
(ALMEIDA, 2009) 
 
Conclui-se que o Conto de estudante de Machado de Assis e o poema 
A escola mestre Silvina de Cora Coralina apresentam várias similaridades 
em relação a escola sendo cada um na sua época. Percebe-se o 
distanciamento cronológico de ambos, mas de acordo que vamos 
adentrando as escrituras dos autores constatamos em vários contextos 
apresentam vários comportamentos dos mestres, por exemplos, sendo 
detentores do saber e o uso da palmatória sempre que for necessário. Os 
Rosângela Soares de Almeida Ribeiro; Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida | 213 
 
alunos sentados nos bancos e de um ensino simultâneos e as aulas 
funcionavam de período integral e separava as meninas dos meninos. 
Nota-se no Conto de estudante do Machado de Assis e no Poema A 
escola da mestra Silvina de Cora Coralina, várias similaridades presentes 
nas escrituras de ambos a presença das categorias obediência e poder que 
podemos observar em ambos os textos do início ao final. 
É importante salientar, que segundo Cambi (1999) “a 
contemporaneidade é uma época da educação social.” Conforme o autor a 
educação vem aos poucos mudando conforme pudemos observar no 
poema a escola da mestra Silvina e no Conto de estudante de Machado de 
Assis a sua performance educacional, quanto na postura de professor e 
aluno mudou-se radicalmente. 
Dessa maneira, o Conto e o poema analisado faz-nos refletir sobre 
uma educação retrógada onde os alunos não podiam argumentar, tendo 
como o mestre um autoritário e que não tinha e nem apresentava gesto de 
carinho para com os discentes, não dava abertura de diálogo para com os 
seus alunos. 
Por fim, a análise dos dois textos de Machado e Cora, faz-nos viajar 
ao passado, refletir o que avançou no sistema educacional e o que está por 
vir numa educação que pode melhorar a cada dia em seus variados 
contextos, graças ao passado, porque podemos indagar, repensar, expor o 
nosso ponto de vista e também fazer uma autorreflexão sobre o meu papel 
na condição de professora numa sociedade que segundo Cambi (1999), “a 
educação não é um destino, mas uma construção social, o que renova o 
sentido da ação quotidiana de cada educador.” 
 
Referências 
 
ALMEIDA, Maria Zeneide Carneiro Magalhães de. Educação e memória: velhos mestres 
de Minas Gerais (1924-1944). Tese de Doutorado em História pelo Programa de 
214 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
Pós-Graduação em História da UNB. Orientadora: Doutora Cléria Botelho da Costa. 
Brasília – DF, 2009. 311 f. 
 
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II. 
 
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora UNESP, 1999 
 
CORALINA, Cora. Poema dos becos de Goiás e estórias mais. 23ª ed. São Paulo: Global, 
2014. 
 
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel 
Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 
 
GLEDSON, John. Por um novo Machado de Assis: Ensaios. São Paulo. Companhia das 
letras, 2006. 
 
PERES, Eliane Teresinha; BORGES, Francieli. Relações entre história e literatura: a obra 
de Cora Coralina e as questões do ensino e dos processos de escolarização no 
final do século XIX e início do século XX. Rev. Bras. Hist. Educ., Maringá-PR, v. 15, 
n. 2 (38), p. 23-53, maio/ago, 2015. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ 
ojs/index.php/rbhe/article/view/38923/pdf_66. Acesso em: 10jan. 2018. 
 
 
 
 
Capítulo 12 
 
Os processos de aprendizagem de mestres pifaneiros: 
educação também é um patrimônio imaterial 
 
Camila Betina Röpke 1 
Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti 2 
 
 
1 Introdução 
 
No início da civilização humana, todos os mitos, crenças, valores, 
culturas e conhecimentos eram transmitidos às novas gerações por meio 
da oralidade (DÍAZ, 2010). Nesse contexto, a memória era indispensável 
nos processos de aprendizagem, e os membros mais antigos das 
comunidades eram as grandes fontes de sabedoria (VANSINA, 2010). 
Contudo, com o tempo, diferentes nações substituíram os relatos orais 
pela escrita (DÍAZ, 2010), e muitos dos conhecimentos dos anciões já 
foram ou estão se perdendo (BÂ, 2010; DÍAZ, 2010; VANSINA, 2010). 
Em música, esse deslocamento de processos educativos amparados 
na oralidade para a escrita também ocorreu. A grafia musical está bastante 
presente no ensino formal, ligado às instituições de ensino que atuam com 
essa arte e que atendem a uma parcela da população. Ainda hoje, um 
expressivo número de músicos, profissionais e amadores, aprende, 
desenvolve-se e ensina música amparado pela pelas habilidades aurais – 
tirando “de ouvido” –, pela fala e pela visualização das performances de 
um modelo (CORRÊA, 2008; GREEN, 2002; MENEGATTI, 2012; 
PEDRASSE, 2002; SILVA, 2010; VELHA, 2008). 
 
1 Doutoranda em Educação pela UFPI, professora do curso de licenciatura em música da UFPI. 
camilaropke@ufpi.edu.br. 
2 Doutor em Educação pela UERJ, professor no Programa de Pós-Graduação e da graduação em Música da UFPI. 
ednardo@ufpi.edu.br. 
mailto:camilaropke@ufpi.edu.br
mailto:ednardo@ufpi.edu.br
216 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
As práticas educativas musicais estão ligadas a alguns estilos do fazer 
musical. A música de origem erudita europeia tem seu sistema de ensino 
mais formal, amparado pela escrita e pela leitura de partituras 
(FONTERRADA, 2008; GREEN, 2002). Já as manifestações populares 
adquirem, em sua maioria, características informais, baseadas 
principalmente nas habilidades aurais (GREEN, 2002). 
A aprendizagem do pífano, arte tradicional do Nordeste do Brasil, 
enquadra-se nesta categoria de música popular; seus processos de 
aprendizagem ocorrem com a transmissão do saber de um mestre para 
aqueles membros mais jovens de suas comunidades e que têm interesse 
em aprender este ofício. Essas transmissões de conhecimento perpetuado 
ao longo das gerações consistem em um patrimônio, um bem não 
palpável, construído pelas ações educativas daqueles envolvidos com a arte 
do pífano (IPHAN, 2017). 
 Tendo em vista sua característica popular e informal, este 
patrimônio educativo geralmente não deixa registros escritos; não temos 
partituras, métodos ou livros didáticos produzidos pelos envolvidos nestas 
atividades. Também não ocorre em locais pré-estabelecidos, como escolas, 
centros educativos, centros sociais, salas de ensaio, entre outros. Os 
músicos aprendem e praticam em espaços diversos – em residências, em 
praças, nas lavouras e em demais locais onde estes por ventura se 
encontram. Por vezes, estes processos educativos ocorrem em festejos 
tradicionais de uma localidade, como missas, novenas, batizados, 
casamentos, procissões e demais eventos cívicos (MENEGATTI, 2012; 
PEDRASSE, 2002; SILVA, 2010; VELHA, 2008). 
Tendo em vista seu caráter não tangível, um dos recursos 
empregados para conhecer as vivências, os conhecimentos adquiridos e os 
caminhos trilhados por estes músicos na busca de uma formação musical 
são suas narrativas. Neste contexto, os estudos já produzidos sobre os 
Camila Betina Röpke; Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti | 217 
 
mestres pifaneiros e que se utilizaram dos seus relatos orais nos fornecem 
importantes informações sobre a infância, suas vidas, suas músicas e seus 
processos de aprendizagem. Desta forma, buscamos aqui compreender as 
práticas educativas de mestres pifaneiros e suas relações e contribuições 
para o desenvolvimento de um patrimônio educativo imaterial. Para 
atingirmos nossos objetivos, optamos por analisar estudos já realizados 
focados na arte do pífano e em seus mestres. 
Os trabalhos selecionados para compor a análise deste artigo foram 
desenvolvidos em âmbito de pós-graduação. Para localizá-los, realizamos 
buscas no catálogo de teses e dissertações da CAPES ao longo do primeiro 
semestre de 2020. Procuramos pelos termos “pífano” e “pif”, bem como 
por aqueles que, seguindo Guerra-Peixe (1970), são empregados para se 
referirem às bandas de pífano, que são: “zabumba”, “cabeçal”, “esquenta-
mulé” e “esquenta-mulher”. Esse processo resultou na localização de 
quatro estudos completos, todos abordando os processos de aprendizagem 
musical iniciados ainda na infância (MENEGATTI, 2012; PEDRASSE, 
2002; SILVA, 2010; VELHA, 2008). 
Os trabalhos selecionados são oriundos de três linhas de pesquisa 
diferentes: Musicologia (MENEGATTI, 2012; PEDRASSE, 2002), História 
Social (VELHA, 2008) e Educação Musical (SILVA, 2010); e foram 
desenvolvidos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país. Os sujeitos das 
pesquisas são mestres pifaneiros nordestinos e que se desenvolveram 
musicalmente nesta região do Brasil (MENEGATTI, 2012; PEDRASSE, 
2002; SILVA, 2010; VELHA, 2008). 
A análise destes estudos se faz importante, pois possibilita que 
tenhamos uma visão mais ampliada acerca do movimento pifaneiro e das 
práticas educativas de seus mestres. A partir deste levantamento, podemos 
identificar pontos convergentes nas formações dos músicos entrevistados. 
Esperamos, desta forma, contribuir na ampliação da compreensão e da 
218 | Educação, História, Memória e Cultura em Debate - Volume II 
 
valorização deste patrimônio educativo imaterial, que são o ofício e os 
modos de aprendizado destes artistas. 
 
2 As práticas educativas e o patrimônio imaterial 
 
Se pensarmos em como se dá um processo educativo, possivelmente 
a imagem de uma escola virá a nossas mentes. Isso porque estas são 
responsáveis por muitos dos conteúdos que adquirimos ao longo da vida. 
Conforme aponta Libâneo (2010), a escola é um elemento relevante para 
atender às demandas educativas de nossa sociedade global. Para o autor, 
os objetivos educativos e a sistematização dos conteúdos das escolas são 
fundamentais para o desenvolvimento da consciência crítica e das 
habilidades intelectuais e sociais necessárias em nossos tempos. Contudo, 
ressalta que, embora a escola seja importante, não é a única que fomenta 
a educação. A maior parte dos conhecimentos e habilidades adquiridas por 
uma pessoa se dá fora dos muros da escola, em atividades cotidianas que 
ocorrem em espaços variados, tais como no trabalho, em casa, no parque, 
no museu, na sala de concerto, e, muitas vezes, sem a presença de um 
profissional da área (LIBÂNEO, 2010). 
Deste modo, fora dos muros da escola, existe um horizonte de 
patrimônios educativos imateriais. No Brasil, temos bons exemplos, tais 
como: as escolas de samba, os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), os 
grupos folclóricos, a literatura de cordel, as festas de boi, as novenas, as 
procissões, entre tantos outros. Estas culturas são aprendidas, 
majoritariamente, fora dos muros das instituições de ensino. 
Ainda conforme Brandão (1981), alguns saberes, geralmente dos 
membros das camadas mais baixas do estrato social, são negligenciados 
pela educação erudita formal. As comunidades, entretanto, encontraram 
meios próprios de reproduzirem esses seus conhecimentos ao longo das 
gerações. O autor afirma que esse sistema de ensino de origem popular 
Camila Betina Röpke; Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti | 219 
 
“[...] é evidente em muitas situações: na Capoeira da Bahia, nas confrarias 
populares de Foliões de Santos Reis, numa quadrilha de pivetes ou numa 
equipe rústica de construtores” (BRANDÃO, 1981, p. 105) – e, 
acrescentamos

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