Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
14 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99 As novas tendŒncias do federalismo e seus reflexos na Constituiçªo brasileira de 1988 Raul Machado Horta Professor CatedrÆtico e EmØrito da Facultade de Direito da UFMG A identificaçªo das novas tendŒncias do federalis- mo impıe a fixaçªo de suas características do- minantes, para, em se- guida, localizar nessas características o rumo de novas tendŒncias. As Constituiçıes Federais, em funçªo de sedimentaçªo alcançada pela expe- riŒncia organizatória do federalismo, a partir do modelo norte-americano de 1787, oferecem as regras típicas, que correspondem, pela sua difusªo e reiterada reproduçªo, às caracte- rísticas definidoras do Estado Fede- ral. A reuniªo dessas regras consti- tucionais, que se encontram disse- minadas nas Constituiçıes Federais, permite o levantamento das seguin- tes características do Estado Federal, dentro da modalidade do Estado composto, dotado de individualida- de própria, que se opıe ao Estado UnitÆrio: I) composiçªo plural dos entes constitutivos; II) indissolubilidade do vínculo federa- tivo; III) soberania da Uniªo; IV) autonomia do Estado Federado ou Estado-membro; V) repartiçªo de competŒncias; VI) intervençªo fede- ral; VII) organizaçªo bicameral do Poder Legislativo da Uniªo; VIII) re- partiçªo tributÆria; IX) dualidadg do Poder JudiciÆrio e a existŒncia de um Supremo Tribunal, para exercer a funçªo de Guarda da Constituiçªo na jurisdiçªo difusa ou na jurisdiçªo concentrada, ou em ambas, como na tØcnica do controle judiciÆrio da constitucionalidade, adotada no Di- reito Constitucional Brasileiro, e, ain- da, pela jurisdiçªo de órgªo especi- al, o Tribunal Constitucional, que realiza modalidade de controle dis- tinto do controle por órgªos judiciÆ- rios, de forma a atender a peculiari- dades do regime parlamentar, como se concebeu nas Constituiçıes eu- ropØias, que se inspiram no modelo austríaco do controle concentrado. As características dominantes do federalismo, ora mencionadas, foram recolhidas nos modelos diversifica- dos da edificaçªo constitucional do ENSAIO 15REVISTA DO LEGISLATIVOjan-mar/99 Estado Federal, sem a homogeneidade de modelo œnico e exclusivo, considerando a pluralidade das manifestaçıes con- cretas do federalismo, como se vŒ na designaçªo freqüentemente dis- pensada à forma federal de Estado: federalismos norte-americano, ale- mªo, austríaco, suíço, argentino e brasileiro, entre outros tipos consti- tucionais. Nesse conjunto represen- tativo do federalismo, as novas ten- dŒncias, indicando rumos e opçıes mais consistentes e duradouras no tempo, sem a precariedade de solu- çıes efŒmeras e transitórias, devem ser pesquisadas nos setores da re- partiçªo de competŒncias, da integraçªo de regras do Direito In- ternacional no direito federal, da posiçªo internacional do Estado- membro, da cooperaçªo intergo- vernamental, do controle federal da autonomia financeira e do controle jurisdicional da autonomia constitu- cional do Estado-membro. Nessa re- ferŒncia, localizamos novas tendŒn- cias do federalismo, que se distanci- am de soluçıes do federalismo clÆs- sico, adotadas na origem do federa- lismo constitucional. Renovaçªo da repartiçªo de competŒncias Como nova tendŒncia do federa- lismo, a repartiçªo de competŒncias, que representa o centro de gravidade do poder federal, na sua roupagem nova, adota tØcnica que assinala, no tempo, a separaçªo entre a repartiçªo clÆssica, consagrada, inicialmente, na Constituiçªo norte-americana de 1787, e a repartiçªo contemporânea de com- petŒncias, introduzida nas Constitui- çıes de Weimar de 1919 e da `ustria de 1920, para atingir sua forma mais evoluída na Lei Fundamental de Bonn de 1949, a sede da repartiçªo de com- petŒncias do federalismo contempo- râneo. A repartiçªo clÆssica de com- petŒncias, como ficou concebida no texto norte-americano de 1787, com- preendia a dual distribuiçªo dos po- deres enumerados à Uniªo e dos po- deres reservados aos Estados. Do fe- deralismo norte-americano, a reparti- çªo de competŒncias projetou-se nos dia de 1950 sªo as portadoras da nova tendŒncia em matØria da repar- tiçªo de competŒncias do Estado Federal, com o destaque da Lei Fun- damental de 1949, em razªo do ri- goroso fundamento federal da repar- tiçªo, que contemplou os Estados- membros os Länder com subs- tancial matØria legislativa. HÆ solu- çıes intermediÆrias, como a da Cons- tituiçªo do CanadÆ de 1867, The British North America Act , que con- cebeu a repartiçªo integral das com- petŒncias do Parlamento, isto Ø, da Uniªo e das províncias, com os respectivos poderes enunciados nos 29 casos da competŒncia federal e nos 16 casos da competŒncia esta- dual ou provincial. Outro caso de soluçªo intermediÆria Ø o da Consti- tuiçªo Federal do Brasil de 1934, rei- terada na Constituiçªo de 1946, quan- do defere aos Estados a legislaçªo estadual supletiva ou complementar, enumerada no texto (Constituiçªo Federal de 1934, art. 5”, § 3” Cons- tituiçªo Federal de 1946, art. 6”). A Constituiçªo da `ustria, de 1” de outubro de 1920, revigorada em 1945, distribuiu e enumerou as ma- tØrias da competŒncia da Uniªo e dos Estados em trŒs níveis distintos: a) legislaçªo e execuçªo da Federaçªo (art. 10, 1 a 17); b) legislaçªo da Fe- deraçªo e execuçªo dos Estados (art. 11, 1 a 5); c) legislaçªo de princípios (Grundsatze) da Federaçªo e legis- laçªo de aplicaçªo e de execuçªo dos Estados (art. 12, 1 a 8). Duas regras adicionais comple- tam a repartiçªo de competŒncias. Uma, dispondo que a matØria nªo deferida pela Constituiçªo Federal à legislaçªo ou à execuçªo federal remanescerÆ no domínio da açªo autônoma dos Estados (art. 15). A outra regra esclarece que, sendo re- servada à Federaçªo apenas a legis- laçªo de princípio, a regulamenta- çªo complementar, dentro do qua- dro fixado pela lei federal, caberÆ à legislaçªo do Estado-membro (art. 15, 6). A lei federal pode fixar prazo federalismos argentino, brasileiro, mexicano e venezuelano. Atravessou o sØculo XIX e só veio a conhecer contraste de formulaçıes inovadoras no federalismo do primeiro e do se- gundo pós-guerra, em demarcaçªo que serve para abrigar a tendŒncia contemporânea da repartiçªo de com- petŒncias. Repartiçªo de competŒncias nas Constituiçıes da `ustria (1920), da Alemanha (1949) e da ˝ndia (1950) As Constituiçıes da `ustria de 1920, da Alemanha de 1949 e da ˝n- Como nova tendŒncia do federalismo, a repartiçªo de competŒncias, que representa o centro de gravidade do poder federal, adota tØcnica que assinala, no tempo, a separaçªo entre a repartiçªo clÆssica e a repartiçªo contemporânea de competŒncias AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 16 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99 nªo inferior a seis meses nem supe- rior a um ano, para que o Estado elabore a lei de aplicaçªo. Se nªo observar esses prazos, a competŒn- cia para elaborar a lei de aplicaçªo Ø devolvida à Federaçªo. Na `ustria, a repartiçªo tributÆria entre a Uniªo e os Estados nªo Ø regulada direta- mente na Constituiçªo Federal, para constituir objeto separado da Lei Constitucional de Finanças (Finanz- Verfassungsgesetz). A Lei Fundamental da Repœblica Federal da Alemanha (Grundgesetz fur die Brundesrepublik Deutschland), de 23 de maio de 1949, prosseguiu e desenvolveu a repartiçªo de competŒncias, origina- riamente sistematizada pela Consti- tuiçªo Federal da `ustria. A distri- buiçªo material de competŒncias Ø precedida de regras enunciadoras de princípios, que sªo matrizes da lógi- ca constitucional aplicada ao domí- nio da repartiçªo de competŒncias, de modo a inspirar a interpretaçªo do texto. Daí as trŒs regras introdutórias que fixam os funda- mentos do sistema alemªo: 1) os Estados tŒm o direito delegislar quando os Poderes Legislativos nªo forem conferidos à Federaçªo (art. 70, 1); 2) as competŒncias da Fede- raçªo e as dos Estados sªo delimita- das pelas disposiçıes constitucionais sobre a legislaçªo exclusiva e a le- gislaçªo concorrente (art. 70, 2); 3) nas matØrias da legislaçªo concor- rente, os Estados podem legislar en- quanto a Federaçªo nªo fizer uso de seu poder (art. 72, 1). A competŒncia da Federaçªo na matØria da legislaçªo concorrente, que Ø a mais extensa da repartiçªo de competŒncias, nªo depende de sua vontade discricionÆria, mas da caracterizada necessidade de regu- lamentaçªo legislativa federal com fundamento em requisitos que a Lei Fundamental explicitamente enun- ciou nas seguintes regras: I) quando uma questªo nªo couber na regula- mentaçªo eficaz da legislaçªo dos diversos Estados; II) quando a regu- lamentaçªo pela lei estadual afetar os interesses de outros Estados; III) quando assim exigir a proteçªo da unidade jurídica ou econômica, notadamente a manutençªo da Uniªo, Lista Concorrente e Lista dos Estados (arts. 245 e 246). A Lista I ou Lista da Uniªo discrimina 97 matØ- rias incluídas na competŒncia fede- ral exclusiva; a Lista II ou Lista dos Estados enumera 66 atribuiçıes que identificam a competŒncia estadual exclusiva; e a Lista III ou Lista Con- corrente individualiza 47 matØrias, para o comum exercício da compe- tŒncia da Uniªo e dos Estados. A inovadora repartiçªo de com- petŒncias concebida nas Constitui- çıes da `ustria, da Alemanha Fe- deral e da ˝ndia veio conferir no- tÆvel flexibilidade e apreciÆvel en- riquecimento à tØcnica que indivi- dualiza o Estado Federal no cam- po das formas estatais. Deu-se nova substância à atividade legislativa do Estado-membro, permitindo-lhe o ingresso no amplo setor da legis- laçªo federal, sem prejuízo das re- gras de coexistŒncia, que demar- cam, com maior amplitude do que na tØcnica dual do federalismo norte-americano, as fronteiras normativas do Estado Federal. Essa repartiçªo, flexível nos seus movi- mentos e diversificada na sua ma- tØria, Ø instrumento capaz de pre- servar o duplo ordenamento do Es- tado Federal, impedindo que o crescimento progressivo dos pode- res federais venha absorver, na exaustividade dos poderes enume- rados, a matØria indeterminada dos poderes reservados. De outro lado, inserindo-se na concepçªo moder- na do federalismo cooperativo, a participaçªo dos Estados em matØ- ria legislativa mais ampla permiti- rÆ o afeiçoamento das normas da legislaçªo federal de princípios e de regras gerais às peculiaridades econômicas, sociais e culturais de cada Estado, mediante o desenvol- vimento de particularidades que a absorvente e unificadora legislaçªo federal centra l geralmente desestimula e ignora. As Federa- çıes continentais, como a brasilei- ra, marcadas por disparidades re- homogeneidade das condiçıes de vida fora do território de um Estado (art. 72-(2)-1.2.3). Após o enunciado dessas regras matrizes, a Lei Fundamental da Re- pœblica Federal da Alemanha esta- belece a repartiçªo material de com- petŒncias em trŒs planos destacados: a) legislaçªo exclusiva da Federaçªo (art. 73, 1 a 11); b) legislaçªo con- corrente da Federaçªo e dos Esta- dos (art. 73, 1 a 23); c) legislaçªo de regras gerais (Rahmenvorschriften) da Federaçªo (art. 75, 1 a 5). A Constituiçªo da ˝ ndia, de 26 de janeiro de 1950, adotou o sistema da repartiçªo integral de competŒncias concebido em trŒs listas: Lista da A Constituiçªo da ˝ndia, de 26 de janeiro de 1950, adotou o sistema da repartiçªo integral de competŒncias concebido em trŒs listas: Lista da Uniªo, Lista Concorrente e Lista dos Estados. A Lista da Uniªo discrimina 97 matØrias incluídas na competŒncia federal exclusiva AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 17REVISTA DO LEGISLATIVOjan-mar/99 gionais, encontrarªo nessa tØcnica um poderoso instrumento de mo- dernizaçªo e de permanŒncia no tempo. Repartiçªo de competŒncias na Constituiçªo do Brasil de 1988 A repartiçªo de competŒncias, estruturada na Constituiçªo Federal de 1988, reflete as novas tendŒncias do federalismo e, na concepçªo constitucional, Ø visível a influŒncia recebida da tØcnica de repartiçªo de competŒncias da Lei Fundamental da Alemanha de 1949, que o Antepro- jeto de Constituiçªo Federal da Co- missªo Afonso Arinos1 incorporou. A Constituiçªo de 1988, ultrapassan- do o dualismo dos poderes enume- rados e dos poderes reservados, po- derosa criaçªo do federalismo clÆs- sico, acrescentou e desenvolveu, na repartiçªo de competŒncias, a com- petŒncia comum, de carÆter coope- rativo, da Uniªo, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, I a XII) e a competŒncia concor- rente, de natureza legislativa, da Uniªo, dos Estados e do Distrito Fe- deral, nela contemplando, entre ou- tras matØrias, o direito tributÆrio, o direito financeiro, o direito econô- mico, o direito urbanístico (art. 24, I), orçamento (art. 24, II), responsa- bilidade por dano ao meio ambien- te, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estØtico, histórico, turístico e paisagístico (art. 24, VIII), criaçªo, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas (art. 24, X), procedimentos em matØria processual (art. 24, XI), previdŒncia social, proteçªo e defesa da saœde (art. 24, XII). No domínio da com- petŒncia legislativa concorrente, a Constituiçªo limitou a competŒncia da Uniªo ao estabelecimento de normas gerais (art. 24, §§ 1”, 2” e 3”). Na linha da Lei Fundamental, que admitiu o ingresso dos Estados- membros no domínio da competŒn- cia legislativa exclusiva da Federa- çªo (art. 71), a Constituiçªo Federal de 1988 dispıe que lei complemen- tar poderÆ autorizar os Estados a le- gislar sobre questıes específicas de do federalismo. A formulaçªo clÆssi- ca da Constituiçªo norte-americana de 1787† (art. VI), reproduzida na Constituiçªo do MØxico de 1917 (art. 133)‡ limitava-se a conferir aos trata- dos o tratamento de Lei Suprema do país no mesmo plano da Constitui- çªo e das leis, sem conceber a integraçªo no direito interno e ex- trair as conseqüŒncias dessa absor- çªo. O artigo 4” da Constituiçªo de Weimar (1919), inaugurando a tØc- nica da integraçªo, dispunha que as regras do direito das gentes que con- tam com acordo geral sªo conside- radas partes integrantes do direito do Reich. A Constituiçªo da `ustria de 1920, em seu artigo 9”, contØm re- gra de igual conteœdo, verbis: As regras do Direito Internacional que gozam de acordo geral valem como partes integrantes do direito fede- ral. A Lei Fundamental da Alema- nha de 1949 aprofundou o princí- pio declaratório da integraçªo, para dele extrair a constitutividade de direitos e deveres, como enuncia o artigo 25, verbis: As normas ge- rais do Direito Internacional inte- gram o direito federal. Prevalecem sobre as leis e produzem imedia- tamente direitos e deveres em re- laçªo aos habitantes do território federal. A Lei Fundamental nªo ficou na mera declaraçªo de sua primeira parte. A integraçªo do Direito In- ternacional faz com que suas re- gras prevaleçam sobre as leis e, como se dÆ com as regras do di- reito interno, criem direitos e de- veres para os habitantes do terri- tório federal, penetrando direta- mente no ordenamento jurídico interno, alcançando o âmbito pes- soal de validez da ordem estatal, o povo estatal, conforme a conhe- cida qualificaçªo de Kelsen. No federalismo latino-americano, a regra da integraçªo ainda nªo al- cançou a eficÆcia com que ela se matØrias da competŒncia legislativa privativa da Uniªo (art. 22, parÆgra- fo œnico), em potencial ampliaçªo da competŒncia legislativa dos Esta- dos no condomínio legislativo, que a Constituiçªo implantou na compe- tŒnciade legislaçªo concorrente. Integraçªo do Direito Internacional no direito federal As Constituiçıes da Alemanha de 1919 e da `ustria de 1920 introduzi- ram a regra da integraçªo do Direito Internacional no direito federal, que se transformou em nova tendŒncia A repartiçªo de competŒncias, na Constituiçªo Federal de 1988, reflete as novas tendŒncias do federalismo e, na concepçªo constitucional, Ø visível a influŒncia recebida da tØcnica de repartiçªo de competŒncias da Lei Fundamental da Alemanha de 1949 AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 18 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99 apresenta na Lei Fundamental de Bonn, nem adquiriu a projeçªo de princípio de aceitaçªo generalizada. O texto mais avançado no federalis- mo latino-americano, no momento, Ø o que resultou da reforma da Cons- tituiçªo da Argentina de 1994, no qual se proclama a hierarquia supe- rior dos tratados e convençıes in- ternacionais em face das leis (art. 22), conferindo a eles o mesmo relevo dos tratados de integraçªo no plano da jurisdiçªo supra-estatal, dotados, como os tratados e convençıes in- ternacionais, referidos no art. 22, de hierarquia superior às leis (art. 24). Determinados atos internacionais que a Constituiçªo identifica, como a Declaraçªo Americana dos Direi- tos e Deveres do Homem, a Decla- raçªo Universal dos Direitos Huma- nos, a Convençªo Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto Interna- cional de Direitos Econômicos, So- ciais e Culturais, entre outros, sªo considerados de hierarquia constitu- cional e beneficiam-se do quórum de dois terços da totalidade dos membros de cada Câmara, para sua denœncia (art. 22). No Direito Constitucional Bra- sileiro, nªo se configurou a regra da integraçªo do Direi to Internacio-nal no direito interno. Mudança ocorreu no tradicional retraimento das Constituiçıes Fe- derais de 1891, 1934, 1946 e 1967, que se limitaram a repelir a guerra de conquista, a preconizar a ado- çªo do arbitramento e das negoci- açıes diretas, para a soluçªo de conflitos (Constituiçªo Federal de 1891, art. 34, inciso 11 Constitui- çªo Federal de 1934, art. 4” Cons- tituiçªo Federal de 1946, art. 4” Constituiçªo Federal de 1967, art. 7”). A Constituiçªo Federal de 1988 perfilhou redaçªo mais afirmativa do enunciado de princípios regu- ladores das relaçıes internacionais, dentre eles, o da integraçªo eco- nômica, política, social e cultural dos povos da AmØrica Latina, vi- sando à formaçªo de uma Comu- nidade Latino-Americana de Na- çıes (art. 4”, parÆgrafo œnico). O aceno à comunidade supra-estatal, nªo obstante sua relevância, dei- xou no esquecimento a regra da Estado-membro ao plano das rela- çıes internacionais. A Lei Fundamen- tal de Bonn Ø o texto constitucional que melhor caracteriza essa mudan- ça no âmbito dos Estados Federais. A Lei Fundamental confere aos Länder duplo tratamento no âmbi- to das relaçıes internacionais: o de uma posiçªo ativa, quando admite que os Länder, nos limites de sua competŒncia legislativa, poderªo estipular tratados com Estados es- trangeiros, mediante assentimento do governo federal; e o de uma posiçªo condicionadora, quando assegura a audiŒncia deles se a conclusªo de Tratado Internacio- nal repercutir na situaçªo particu- lar do Land (Lei Fundamental art. 32 (2) e (3)). No âmbito da Uniªo EuropØia, instituída pelo Tratado de Maastrich, a adaptaçªo da Lei Fundamental ao Tratado estabele- ceu duas situaçıes que evidenci- am a influŒncia dos Länder nos as- suntos internacionais e a preserva- çªo de sua condiçªo de Estado- membro da Federaçªo. Na primei- ra, o artigo 23 (2) da Lei Funda- mental estabelece que, nos negó- cios da Uniªo EuropØia, colaboram o Bundestag e, por intermØdio do Bundestag, os Länder, reconhecen- do a estes a funçªo de colabora- dores nos assuntos da Uniªo Eu- ropØia. Na segunda situaçªo, no quadro constitucional da Uniªo EuropØia, quando as questıes da Uniªo EuropØia repercutirem na Ærea das atribuiçıes legislativas ex- clusivas dos Länder, o exercício dos poderes da Repœblica Federa- tiva da Alemanha, como Estado- membro da Uniªo EuropØia, deve ser conferido, pela Federaçªo, a um representante dos Länder, designa- do pelo Bundesrat (Lei Fundamen- tal, art. 23, 6). A nova tendŒncia do federalismo, identificada na posiçªo internacional do Estado-membro, em superaçªo da concepçªo clÆssica, que garante o monopólio da Uniªo nas relaçıes integraçªo do Direito Internacional ou ComunitÆrio no direito federal, que o Direito Constitucional Bra- sileiro desconhece. Estado-membro e relaçıes internacionais No federalismo clÆssico, a Uniªo detØm o monopólio da representa- çªo internacional do Estado Federal para celebrar tratados, convençıes ou atos que possam repercutir nas relaçıes supra-estatais. A formaçªo de comunidades, agregando Estados soberanos, veio alterar a concepçªo tradicional, para permitir o acesso do No federalismo clÆssico, a Uniªo detØm o monopólio da representaçªo internacional do Estado Federal para celebrar tratados, convençıes ou atos que possam repercutir nas relaçıes supra- estatais. A nova tendŒncia identifica a posiçªo internacional do Estado-membro AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 19REVISTA DO LEGISLATIVOjan-mar/99 internacionais, tem na Lei Funda- mental da Alemanha o documento mais representativo dessa nova ten- dŒncia, que o texto constitucional deu considerÆvel desenvolvimento, para manter a posiçªo ativa e a posi- çªo condicionadora do Estado-mem- bro, conforme regras da Lei Funda- mental. No Direito Constitucional latino- americano, a Constituiçªo da Argen- tina, em decorrŒncia da reforma de 1994, adquiriu manifesta liderança pela introduçªo do Estado-membro (províncias) no domínio das relaçıes internacionais, embora suas regras nªo disponham da amplitude das regras mais avançadas da Lei Fun- damental de Bonn. O artigo 124 da Constituiçªo, incorporado pela Re- forma Constitucional de 1994, asse- gura às províncias competŒncia para celebrar convŒnios internacionais, desde que nªo sejam incompatíveis com a política exterior da Naçªo e nªo conflitem com as faculdades delegadas ao governo federal ou com o crØdito pœblico da Naçªo. A tendŒncia, ora examinada, que, no federalismo latino-americano, estÆ praticamente circunscrita à Constitui- çªo da Argentina, tende a generali- zar-se, para atender às exigŒncias da comunidade de Estados, concebida no tratado que instituiu o Mercosul. É desejÆvel que a Constituiçªo Fe- deral do Brasil receba as mudanças necessÆrias, para nela incluir-se as regras reclamadas pelo ordenamento jurídico da comunidade, como a da integraçªo do direito comunitÆrio no direito federal e a que reconheça a posiçªo internacional do Estado- membro na celebraçªo de tratados e acordos internacionais relacionados com seus poderes e competŒncias. Federalismo cooperativo A relaçªo entre federalismo e cooperaçªo, de modo geral, sugere, na etimologia da palavra federal, que deriva de foedus: pacto, ajuste, con- vençªo, tratado, e entra na compo- siçªo de laços de amizade, foedus amicitae. A associaçªo das partes componentes estÆ na origem do Es- tado Federal, tornando inseparÆveis, dos, recebeu a contribuiçªo do novo federalismo, a partir do governo F. D. Roosevelt, que intensificou a aju- da federal aos Estados, sob a forma de programas e convŒnios. O nasci- mento do federalismo cooperativo, no caso norte-americano, observa Rovira7, nªo se apresentou como o desenvolvimento planejado de um princípio, mas sob a versªo de mØ- todo pragmÆtico, destinado a resol- ver casuisticamente problemas con- cretos. Ao contrÆrio do pensamento dogmÆtico alemªo, orientado na cri- açªode sistemas, o procedimento norte-americano nªo se deteve no tratamento global e sistemÆtico da cooperaçªo, dando origem ao casuísmo no desdobramento das re- laçıes cooperativas. Ilustram o fede- ralismo cooperativo norte-americano as tØcnicas da legislaçªo recíproca (reciprocal legislation), pela qual dois ou mais Estados ajustam con- cessıes recíprocas; a legislaçªo uni- forme (uniform legislation) na dis- ciplina de matØria de interesse co- mum; e a legislaçªo paralela (parallel legislation), quando dois ou mais Estados promulgam, simultaneamen- te, uma lei com idŒntica finalidade e conteœdo. AlØm das tØcnicas legislativas, situam-se no plano do federalismo cooperativo norte-ame- ricano os organismos de relaciona- mento entre o governo federal e os governos estaduais, como o Conse- lho dos Governos Estaduais (Council of States Government), criado em 1933, do qual participam os Estados- membros; a ConferŒncia dos Gover- nadores (Governors Conference), formada pelos governadores dos Estados; a ConferŒncia Nacional para Uniformidade das Leis Estaduais (National Conference of Comissioners on Uniform States Law). Nos Estados Unidos, a coope- raçªo financeira encontra poderoso instrumento nos federal grants in aid8. Levantamento de William Shultz9 indica a modØstia da subven- çªo federal aos Estados, no período como lembra Charles Eisenmann4 , as idØias da uniªo, aliança e coope- raçªo. Carl J. Friedrich5 destaca a solidariedade como característica do federalismo, que envolve, na anÆli- se do professor da Universidade de Harvard, permanentes contatos en- tre a comunidade central e as comu- nidades parciais. Em estudo concen- trado no exame da cooperaçªo na Repœblica Federal Alemª, Enoch Alberti Rovira6 assinalou que o fede- ralismo contemporâneo se distingue pela cooperaçªo. A concepçªo do dual federalism, que se expandiu nos Estados Unidos, fundado nas relaçıes de justaposiçªo entre os ordenamentos da Uniªo e dos Esta- No Direito Constitucional latino- americano, a Constituiçªo da Argentina, em decorrŒncia da reforma de 1994, adquiriu manifesta liderança pela introduçªo do Estado-membro (províncias) no domínio das relaçıes internacionais AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 20 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99 de 1915/19, com as dotaçıes con- vergindo para a educaçªo, sem al- cançar os setores de estradas, agri- cultura, saœde, socorro, bem-estar. A partir de 1925, amplia-se a ajuda fe- deral; mas, somente no período pre- sidencial de Franklin Roosevelt, ela ingressa no domínio da saœde, so- corro e bem-estar, que assumiu o primeiro lugar no volume da ajuda federal. A cooperaçªo financeira da Uniªo abrange subsídios de emer- gŒncia (emergency grants) e sub- sídios ordinÆrios (regular grants) esclarece Harold M. Somers10, que se baseia na experiŒncia ou nªo de participaçªo do Estado-membro no custo do serviço subvencionado. No caso dos subsídios de emergŒn- cia, o governo federal pode finan- ciar totalmente o custo do serviço, enquanto no de subsídios ordinÆ- r ios , geralmente os Estados complementam a contribuiçªo fe- deral. A concessªo de volumosas verbas, a título de subsídios de emergŒncia, demonstra falta de elasticidade da estrutura financei- ra estatal e local. Analisando a po- lítica de ajuda federal, observa Harold Somers que os governos de alguns Estados ficaram na depen- dŒncia dos subsídios federais para a execuçªo de serviços essenciais. Nos exercícios de 1945 e 1946, os subsídios federais ordinÆrios repre- sentaram, aproximadamente, 15% das receitas estaduais totais. Em 1945, acrescenta Somers, as por- centagens variaram de 5,4% no Estado de New York para 35,2% no Estado de Nevada. Daí a conclu- sªo de que, em alguns Estados, a ajuda federal Ø questªo de vida ou morte para os seus serviços: for some States the federal grants do have quite a life-or-death effect on State services. Na Alemanha, a Lei Fundamen- tal, no título Objetivos Comuns (art. 91, a e b), prevŒ a participaçªo da Federaçªo em atividades dos Länder se tais atividades dispuserem de relevo para a coletividade e se a mencionada participaçªo for neces- sÆria à melhoria das condiçıes de vida. Sªo incluídas, na Ærea dos ob- jetivos comuns da Federaçªo e dos Länder, a ampliaçªo e construçªo de terminadas regiıes, inaugurando os ensaios embrionÆrios do fede- ralismo cooperativo. Os órgªos de desenvolvimento federais perma- neceram no domínio da adminis- traçªo federal, representando for- mas descentralizadas da atividade desse nível, sem assumir as dimen- sıes do governo regional, dotado de autonomia política e de base territorial própria. A finalidade des- ses órgªos localizou-se na política de desenvolvimento regional, sob o comando da Uniªo Federal, fa- zendo dos Estados localizados na Ærea de insuficiŒncia destinatÆrios da ajuda federal. O primeiro mo- mento dessa tendŒncia de desen- volvimento regional pode ser lo- calizado na previsªo contida no Ato das Disposiçıes Constitucionais Transitórias da Constituiçªo Fede- ral de 1946, que impunha ao go- verno federal a obrigaçªo de tra- çar e executar um plano de apro- veitamento total das possibilidades econômicas do Rio Sªo Francisco e seus afluentes, aplicando-se nes- se plano, anualmente, quantia nªo inferior a 1% das rendas tributÆrias da Uniªo (art. 29). Foi organizada a Comissªo do Vale do Sªo Fran- cisco, de estrutura flexível, para elaborar o plano geral do Vale do Sªo Francisco e exercer outras atri- buiçıes, como a de assinar convŒ- nios e acordos com os Estados e Municípios ribeirinhos (Lei n” 541, de 15 de dezembro de 1948). Su- cederam à Comissªo a Superinten- dŒncia do Vale do Sªo Francisco, entidade autÆrquica (Decreto-Lei n”292, de 28 de fevereiro de 1967) e a Companhia de Desenvolvi- mento do Vale do Sªo Francisco (Codevasf), empresa pœblica que substitui a antiga Sudevale (Lei n” 6.088, de 16 de julho de 1974). Em outra regra antecipadora do fede- ralismo cooperativo, a Constitui- çªo de 1946 estabeleceu o Plano de Valorizaçªo Econômica da Ama- zônia, no qual a Uniªo aplicaria institutos universitÆrios e a melhoria da estrutura econômica regional e da estrutura agrÆria. Nos casos dos ins- titutos universitÆrios, da estrutura econômica regional e da estrutura agrÆria, a Federaçªo assume a meta- de das despesas. Federalismo e desenvolvimento regional A partir da Constituiçªo Fede- ral de 1946, começou a adquirir relevo, no federalismo brasileiro, a figura dos órgªos federais que receberam a incumbŒncia de pro- mover o desenvolvimento de de- A partir da Constituiçªo Federal de 1946, começou a adquirir relevo, no federalismo brasileiro, a figura dos órgªos federais que receberam a incumbŒncia de promover o desenvolvimento de determinadas regiıes AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 21REVISTA DO LEGISLATIVOjan-mar/99 quantia nªo inferior a 3% da sua receita tributÆria (art. 199). Dando seqüŒncia ao comando constitucio- nal, criou-se a SuperintendŒncia do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), entidade autÆrquica res- ponsÆvel pela elaboraçªo do Plano de Valorizaçªo e Atuaçªo na Regiªo Amazônica (Lei n”5.173, de 27 de outubro de 1966). A Fronteira Sudo- este do País, abrangendo os Estados de Mato Grosso, ParanÆ, Santa Catarina e Rio Grande de Sul, rece- beu tratamento assemelhado ao do Vale Sªo Francisco e da Regiªo Ama- zônica, implantando, na fase inicial, a superintendŒncia responsÆvel pela execuçªo do Plano de Valorizaçªo e, posteriormente, a superintendŒn- cia, entidade autÆrquica, com estru- tura mais complexa e objetivos mais bem definidos (Lei n” 2.976, de 28 de novembro de 1956 Decreto-Lei n” 301, de 28 de fevereirode 1967). A figura do órgªo regional de de- senvolvimento, de natureza autÆrquica, projetou-se na Superin- tendŒncia do Desenvolvimento da Regiªo Centro-Oeste (Sudeco) (Lei n” 5.365, de 1” de dezembro de 1967), compreendendo, na sua Ærea de atuaçªo, os Estados de GoiÆs, Mato Grosso e o entªo Território de Rondônia, por ampliaçªo da Ærea na Lei n” 5.467, de 20 de junho de 1968, e na SuperintendŒncia do Desen- volvimento da Regiªo Sul (Sudesul) (Decreto-Lei n” 301, de 28 de feve- reiro de 1967). Na vigŒncia da Cons- tituiçªo de 1946, a SuperintendŒn- cia do Desenvolvimento do Nordes- te (Sudene) representou o modelo mais avançado do órgªo de desen- volvimento regional, posiçªo que ainda mantØm. Criada pela Lei n” 3.692, de 15 de dezembro de 1959, como entidade administrativamente autônoma, subordinada ao presiden- te da Repœblica, com Ærea de atua- çªo na Regiªo Nordeste, entªo abran- gendo os Estados do Maranhªo, Piauí, CearÆ, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia e, ainda no Estado de Minas Gerais, a zona compreen- dida no Polígono das Secas, a Sudene submeteu suas atividades a sucessivos Planos Diretores do De- senvolvimento do Nordeste, dentro tÆrios, para atingir instrumentos de atuaçªo mais consistentes na Cons- tituiçªo de 1988. Introduziu-se, no texto constitucional, o tratamento reservado às regiıes, em seçªo própria (seçªo IV, art. 43), embora deslocada na sua referŒncia, que caberia melhor em capítulo final do Título III, relativo à Organizaçªo do Estado. A finalidade cooperati- va das regiıes transparece na regra constitucional que faculta a Uniªo usÆ-las como instrumento de articulaçªo, em um mesmo com- plexo geoeconômico e social, vi- sando ao seu desenvolvimento e à reduçªo das desigualdades regio- nais (art. 43). Afastando a idØia da regiªo, entidade territorial, e pre- ferindo manter a concepçªo dos órgªos regionais de desenvolvi- mento, jÆ consolidada na experi- Œncia brasileira a partir da Comis- sªo do Vale do Sªo Francisco, de 1948, a Constituiçªo deferiu à lei complementar a missªo de fixar as condiçıes, definir a composiçªo dos organismos regionais, sua com- petŒncia na execuçªo dos planos regionais, a integraçªo destes œlti- mos nos planos nacionais de de- senvolvimento e a regulaçªo dos incentivos regionais (art. 43, § 1”, I e II; § 2”, I, II, III e IV; § 3”). É pertinente, no caso, a invocaçªo da lei complementar para desenvolver os objetivos estabelecidos na Cons- tituiçªo, pela flexibilidade da lei ordinÆria, a correlaçªo que ela per- mite apurar entre a matriz consti- tucional e as concepçıes dominan- tes no Congresso, nªo só em rela- çªo ao regionalismo administrati- vo, como tambØm à extensªo, maior ou menor, da açªo da Uniªo nas Æreas localizadas no território dos Estados abrangidos pelo órgªo regional. A Constituiçªo de 1988 aprofundou o mecanismo do fede- ralismo financeiro no plano regio- nal, distribuindo 3 % da arrecadaçªo dos impostos sobre a renda e pro- de política programada de investi- mentos, concessªo de incentivos fis- cais e dispŒndios. A Constituiçªo Federal de 1988 nªo interrompeu a política de de- senvolvimento regional do federa- lismo cooperativo. Contemplou na Uniªo a competŒncia para elabo- rar e executar planos nacionais e regionais de ordenaçªo do territó- rio e de desenvolvimento econô- mico e social (art. 21, IX). A com- petŒncia para elaborar planos na- cionais e regionais de desenvolvi- mento constitui uma das formas ativas do federalismo cooperativo, inaugurado na Constituiçªo de 1946, em procedimentos fragmen- A competŒncia para elaborar planos nacionais e regionais de desenvolvimento constitui uma das formas do federalismo cooperativo, inaugurado na Constituiçªo de 1946, para atingir instrumentos de atuaçªo mais consistentes na Constituiçªo de 1988 AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 22 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99 dutos industrializados, para aplica- çªo em programas de financiamen- to ao setor produtivo das Regiıes Norte, Nordeste e Centro-Oeste, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, assegurando ao semi-Ærido do Nordeste a meta- de dos recursos destinados à re- giªo (art. 159, I, c). A Lei n” 7.827, de 27 de setembro de 1989, regulamentou o dispositivo cons- titucional, instituindo os trŒs fun- dos constitucionais de financia- mento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste. No rumo do desen- volvimento regional, a Constituiçªo manteve a Zona Franca de Manaus, criada pelo Decreto-Lei n” 288, de 28 de fevereiro de 1967, como entidade autÆrquica de livre comØrcio de importaçªo e expor- taçªo e de incentivos fiscais espe- ciais, para propiciar, no interior da Amazônia, um centro industrial, co- mercial e agropecuÆrio de desen- volvimento regional. A disposiçªo transitória fixou em 25 anos, a par- tir da promulgaçªo da Constituiçªo, a duraçªo da Zona Franca (ADCT, art. 40). A grandeza da Zona Fran- ca, em termos financeiros, pode ser avaliada no volume dos recursos federais que ela absorve. Louvan- do a informaçªo em dados divul- gados, de cada US$ 10 que o Te- souro Nacional remete à Regiªo Norte, pouco mais de US$ 8 ficam na Zona Franca.11 Outro aspecto do federalismo cooperativo, em sua projeçªo fi- nanceira, Ø o da consolidaçªo, assunçªo e o do refinanciamento pela Uniªo, da dívida pœblica mobiliÆria de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal. As operaçıes de refinanciamento fe- deral e de assunçªo, pela Uniªo, de dívida pœblica mobiliÆria de res- ponsabilidade dos Estados vŒm sendo objetos de medidas provi- sórias, como a de n” 1.560-8, de 12 de agosto de 1997; de resoluçıes do Senado Federal, dentre elas, as de n”s 64/1998, 67/1998 e 76/1998. O volume da dívida pœblica esta- dual, adquirida pela Uniªo, na lin- guagem dos atos legislativos, evi- dencia a intensidade da coopera- çªo financeira destinada, pela do Bundesrat, com o objetivo de evitar excessiva pressªo fiscal sobre os contribuintes, garantir uniformi- dade das condiçıes de vida no terri- tório federal (art. 106, 2) e assegurar o equilíbrio econômico global (art. 109, 2.4). As regras constitucionais de natureza financeira estabelecem ampla articulaçªo federal entre a Federaçªo e os Länder, com a pre- sença do Bundesrat, sempre que o assunto envolver interesse ou com- petŒncia dos Länder. No federalismo constitucional brasileiro, verificou-se progressiva ampliaçªo do controle federal, com incidŒncia na autonomia financeira dos Estados-membros, praticamente desconhecida na Constituiçªo Fede- ral de 1891, para, a partir da Consti- tuiçªo Federal de 1934, instituir o controle sobre emprØstimos externos dos Estados, que dependeriam de autorizaçªo do Senado Federal (art. 19, V). As Constituiçıes Federais de 1946 (art. 33) e de 1967 (art. 45, II) introduziram ampliaçıes na compe- tŒncia autorizativa do Senado Fede- ral, para nela incluir os Municípios (1946) e alargar as modalidades fi- nanceiras sujeitas à autorizaçªo, pre- vendo, em linguagem mais ampla, emprØstimos, operaçıes ou acordos externos de qualquer natureza, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na redaçªo do artigo 45, II, da Constituiçªo de 1967. A Carta de 1937, em regra destituída de efi- cÆcia, proibia aos Estados, ao Distri- to Federal e aos Municípios contra- ir emprØstimos externos sem prØvia autorizaçªo do Conselho Federal (art. 35, c). A Constituiçªo Federal de 1988, mantendo a competŒncia do Sena- do Federal, na sua qualidade de Câ- mara dos Estados, para autorizar atos financeiros do interesse dos Estados, alargou consideravelmente a nature- za desses atos, incluindo na compe- tŒncia privativa do Senado Federal autorizar operaçıes externas de natureza financeira,de interesse da Uniªo, à consolidaçªo dos Estados, aliviando os encargos da Tesoura- ria das Unidades Federais. Controle da autonomia financeira do Estado Constitui tendŒncia do federalis- mo contemporâneo, especialmente no seu modelo brasileiro, o controle federal da autonomia financeira dos Estados-membros da Federaçªo. A Lei Fundamental da Alemanha, no Título X, que condensa a matØria financeira da Federaçªo (arts. 104 a 115), inclui regras de controle das finanças dos Länder, por intermØdio Outro aspecto do federalismo cooperativo, em sua projeçªo financeira, Ø o da consolidaçªo, da assunçªo e do refinanciamento, pela Uniªo, da dívida pœblica mobiliÆria de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 23REVISTA DO LEGISLATIVOjan-mar/99 Uniªo, dos Estados, do Distrito Fe- deral, dos Territórios e dos Municí- pios (art. 52,V), fixar, por proposta do presidente da Repœblica, limites globais para o montante da dívida consolidada da Uniªo, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí- pios (art. 52, VI), dispor sobre li- mites globais e condiçıes para as operaçıes de crØdito externo e in- terno da Uniªo, dos Estados, do Dis- trito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo poder pœblico fe- deral (art. 52, VII), estabelecer li- mites globais e condiçıes para o montante da dívida mobiliÆria dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 52, IX). O propósi- to de evitar endividamento descon- trolado das Unidades Federadas, com reflexos no crØdito da Uniªo, expli- ca limitaçıes à autonomia financei- ra dos Estados-membros. A Resolu- çªo n” 78, de 1” de junho de 1998, do Senado Federal, que dispıe so- bre operaçıes de crØdito interno e externo dos Estados, do Distrito Fe- deral, dos Municípios e de suas res- pectivas autarquias e fundaçıes, in- clusive concessªo de garantias, seus limites e condiçıes de autorizaçªo, desenvolvendo no ato legislativo or- dinÆrio as modalidades previstas na Constituiçªo Federal, demonstra a extensªo do controle financeiro do órgªo legislativo e do Banco Cen- tral, incidindo na autonomia finan- ceira do Estado-membro, converti- da, sob este ângulo, em autonomia aparente e nominal, sem a substân- cia criadora da autonomia. Controle jurisdicional da autonomia constitucional A Autonomia constitucional do Estado-membro integra a caracteri- zaçªo do Estado Federal, sujeita às variaçıes da concepçªo organizatória, refletindo a maior ou menor intensidade no seu exercício, convivendo, ora com o processo de transplantaçªo de normas da Cons- tituiçªo Federal, que reduz a ativi- dade organizatória da autonomia constitucional, ora desconhecendo a tØcnica da reproduçªo sistemÆtica e, Na Constituiçªo da `ustria de 1920, infere-se a possibilidade desse con- trole na competŒncia do Tribunal de Justiça Constitucional (Verfassun- gsgerichtshof), para decidir sobre a inconstitucionalidade das leis esta- duais (art. 140). A Constituiçªo da Alemanha de 1919, no seu texto ori- ginÆrio, nªo cuidou, especificamen- te, do controle da autonomia. Esti- pulou breves regras que, no desen- volvimento jurisprudencial, poderi- am conduzir a essa modalidade de controle: a do artigo 17, segundo a qual cada Estado deveria possuir uma Constituiçªo de Estado livre (Freistaatliche), submetida a deter- minados princípios; a do artigo 19, que concebia litígios constitucio- nais entre Estados ou entre o Reich e os Estados. A Lei Fundamental de 1949 Ø mais explícita na amplitude do controle, sem cuidar de regras processuais aplicÆveis. A explicitaçªo do controle transparece na regra do artigo 28, que submete o ordenamento constitucional dos Länder aos princípios do Estado de Direito republicano, democrÆtico e social, enunciados na Lei Fundamen- tal, e torna a Federaçªo garantidora da conformidade do ordenamento constitucional dos Länder aos direi- tos fundamentais (art.28,3). O Tribu- nal Constitucional Federal dispıe de competŒncias que poderªo convertŒ- lo em instrumento do controle da autonomia constitucional dos Länder, previstas no artigo 93, 2, 3 e 4, para julgamento de divergŒncias entre o direito dos Länder e a Lei Fundamental (art.92, 2), entre pode- res e deveres da Federaçªo e dos Länder e a Lei Fundamental (art. 92, 2), entre poderes e deveres da Fede- raçªo e dos Länder (art. 92, 3) e outras controvØrsias de direito pœ- blico entre a Federaçªo e os Länder (art. 92, 4). É razoÆvel a interpreta- çªo que admite extrair o controle da autonomia constitucional dos Länder, fundado nas clÆusulas cons- titucionais de amplo conteœdo, como assim, experimentar a plenitude da autonomia em caso excepcional nªo enquadrado no comportamento ge- neralizado, que se recolhe na elabo- raçªo e na prÆtica das Constituiçıes Federais. O controle da autonomia consti- tucional do Estado-membro Ø ten- dŒncia de tratamento desigual, em razªo das regras que incidem nesse controle, com maior ou menor de- senvolvimento no Direito Constitu- cional Positivo. É nesse segundo gru- po que localizamos a tendŒncia do controle nas Constituiçıes Federais da `ustria de 1920, da Alemanha de 1919 e na Lei Fundamental da Repœ- blica Federal da Alemanha de 1949. O propósito de evitar endividamento descontrolado das Unidades Federadas, com reflexos no crØdito da Uniªo, explica limitaçıes à autonomia financeira dos Estados- membros AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 24 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99 sªo as reguladoras da competŒncia do Tribunal Constitucional. No federalismo brasileiro, de modo geral, e no federalismo de 1988, de forma particular, o controle da autonomia constitucional do Es- tado-membro decorre de tØcnica e de regras da Constituiçªo Federal. No plano das regras, o artigo 25 da Cons- tituiçªo de 1988, que dispıe de an- tecedentes nos textos da Constitui- çªo de 1891 (art. 63), Constituiçªo de 1934 (art. 7”, I, a a g), Consti- tuiçªo de 1967 (art. 13, I a VII), su- bordina a organizaçªo dos Estados à observância dos princípios da Constituiçªo Federal e considera re- servados aos Estados as competŒn- cias que nªo lhes sejam vedadas pela Constituiçªo (art. 25, § 1” ). A tØcnica do controle, depois de percorrido longo período de sua ausŒncia, mui- tas vezes suprida pelo instrumento fulminante da intervençªo federal, como ocorreu na Primeira Repœbli- ca, recebeu enquadramento na Cons- tituiçªo Federal de 1946, para pre- servar princípios constitucionais le- sados por ato estadual, mediante ini- ciativa do procurador-geral da Repœ- blica (art. 8”, parÆgrafo œnico). O instrumento drÆstico do controle, na concepçªo da Constituiçªo, seria a intervençªo federal, cuja substituiçªo, pela iniciativa do procurador-geral da Repœblica, operou mudança na for- mulaçªo inicial da Constituiçªo. A representaçªo de inconstitucio- nalidade do procurador-geral da Re- pœblica, implantada na via jurisprudencial, substituiu a interven- çªo federal, assumindo a posiçªo de instrumento de controle normativo das Constituiçıes Estaduais, quando o ato inconstitucional lesivo de prin- cípio constitucional enumerado, pro- viesse da atividade constituinte, na elaboraçªo da Constituiçªo do Esta- do, sem prejuízo da incidŒncia da representaçªo sobre os atos legislativos estaduais, acoimados de inconstitucionais, nos casos de ou- tra natureza. A representaçªo de inconstitucionalidade, objeto de lei ordinÆria na vigŒncia da Constitui- çªo de 1946, ingressou nas Consti- tuiçıes de 1967 (art. 11, § 1”, c) e de 1988 (art. 34, VII), como podero- so instrumento de controle da auto- tiva exclusiva do procurador-geral da Repœblica, na Æreada representaçªo, para abranger chefes do Poder Exe- cutivo federal e estadual, órgªos legislativos, o procurador-geral da Repœblica, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partidos políticos com representaçªo no Congresso Nacional e Confede- raçªo Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Conclusªo As tendŒncias atuais do federa- lismo foram localizadas no campo da organizaçªo constitucional do Estado Federal, consideradas como manifestaçıes mais constantes dos novos rumos federais. Excluimos outras tendŒncias identificÆveis nos domínios da forma de governo, do regime de governo, da organizaçªo de poderes e nos temas da ordem econômica e social, as quais, nªo obstante sua relevância na temÆtica da Constituiçªo material, ultrapassam o conteœdo da matØria federal da Constituiçªo. Dentro da concepçªo exposta, preconizamos a retomada do modelo de Constituiçªo materi- almente federal, sem a extensªo da Constituiçªo nacional. No federalis- mo contemporâneo, as Constituiçıes dos Estados Unidos, da Argentina, do CanadÆ e da Alemanha compıem o grupo representativo das Consti- tuiçıes verdadeiramente federais pelo conteœdo específico da sua matØria. Notas 1 DiÆrio Oficial Suplemento Especial de 26 de dezembro de 1986. † Constituiçªo dos Estados Unidos de 1787, art. VI, 2: This Constitution and the laws of the United States wich shall be made in pursance thereof; and all treaties made; or wich shall be made, under the autority of the United States, shall be the supreme law of the Land... nomia constitucional do Estado- membro, dispensando a decretaçªo da intervençªo federal, expressamen- te autorizada pela Constituiçªo. Na Constituiçªo de 1988, o controle da constitucionalidade da Constituiçªo do Estado recebeu notÆvel amplia- çªo, saindo do campo da interven- çªo federal para ingressar na com- petŒncia do Supremo Tribunal Fe- deral de processar e julgar, origina- riamente, a Açªo Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a). A ampla iniciativa da propositura da Açªo de Inconstituconalidade (art. 103, I a VIII) faz vivo contraste com a inicia- O instrumento drÆstico do controle, na concepçªo da Constituiçªo, seria a intervençªo federal, cuja substituiçªo, pela iniciativa do procurador-geral da Repœblica, operou mudança na formulaçªo inicial da Constituiçªo n AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988 25REVISTA DO LEGISLATIVOjan-mar/99 ‡ Constituiçªo Política dos Estados Uni- dos Mexicanos, de 5 de fevereiro de 1917, art. 133: Esta Constituición, las leys del Congresso de la Unión que emanen de ella, y todos los tratados que estØn de acuerdo con la misma, celebrados y que se celebren por el presidente de la Repœblica, con aprobación del Senado, serÆn la Ley Suprema de toda la Unión 4 Charles Eisenmann Centralisation et DØcentralisation Esquisse düne thØorie gØnØrale Paris LGDJ 1948 pÆgs. 274/275 5 Carl J. Friedrich Teoria constitucional federal y propuestas emergentes, in Practica del Federalismo Editorial BibliogrÆfica Argentina Buenos Aires 1959 pÆg. 546 6 Enoch Albert Rovira Federalismo y coperacion en la Republica Federal Alemana Centro de Estudios Constitucionales Madri 1986 pÆg. 345 7 Enoch Albert Rovira obra citada pÆg. 351 8 Comissªo do Council of State Governments propôs a seguinte defini- çªo para os subsídios federais: payments made by the national government to State and local governments, subject to certain conditions, for the support of activities administered by the states and their political subdivisions. John H. Ferguson Dean E. Mc. Henry The American Federal Government 4“ ediçªo Mc. Graw Hill Book Company pÆg.89 9 William J. Shultz C. Lowell Harris American Public Finance 5“ ediçªo New York Prentice Hall pÆg.746 10 Harold M. Somers public Finance and National Income The Blakston Company pÆg.456 11 O Estado de S. Paulo, de 9 de abril de 1995, A 10 AS NOVAS TEND˚NCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUI˙ˆO BRASILEIRA DE 1988
Compartilhar