Buscar

O DIREITO ROMANO

Prévia do material em texto

3. O DIREITO ROMANO
3.1 A antiga civilização romana
	Na antiguidade, a península itálica foi ocupada por diversos povos, tais como: italiotas, etruscos e gregos. Oriundos de regiões da Europa Central, os italiotas chegaram à península por volta do II milênio a. C.. Esse povo subdividia-se em diversos grupos: latinos, sabinos, samnitas, úmbrios etc..
	Os etruscos – povo de origem incerta – estabeleceram-se na península itálica por volta do século VIII a. C.. Inicialmente, ocuparam a região da Itália Central, situada entre os rios Arno e Tibre. Posteriormente, expandiram seus domínios territoriais, conquistando regiões que iam desde o Norte, a partir das planícies do Rio Pó, até a Campania.
	Já os gregos chegaram à península italiana na fase de seu colonialismo pelo Mediterrâneo. Em seu movimento de expansão colonial, eles fundaram diversas colônias na parte Sul da Itália, por volta do século VIII a. C.. Essa região passou a ser conhecida como Magna Grécia.
3.2 Origens de Roma
	Um antigo mito sobre a gênese da cidade, relatado pelo poeta romano Virgílio, conta que Roma foi fundada por dois irmãos gêmeos, Rômulo e Remo, que seriam filhos da princesa Réa Sílvia e netos do rei Numitor, de Alba Longa, cujo trono foi usurpado por Amúlio. De posse do trono, o usurpador ordenou que Rômulo e Remo fossem abandonados, ainda recém-nascidos, dentro de um cesto, que foi lançado nas águas do Rio Tibre. Levado pela correnteza, o cesto navegou pelo rio, encalhando junto ao Monte Palatino.
	Reza a lenda que, nesse local, os dois irmãos foram encontrados por uma estranha loba, que os acolheu e os amamentou. Posteriormente, um pastor chamado Faustolo achou as duas crianças e cuidou de sua guarda e educação. Já adultos, Rômulo e Remo reconquistaram o trono de Alba Longa para seu avô. Receberam, então, a permissão de fundar Roma, na região onde a loba os havia encontrado. Por ocasião da fundação da cidade, surgiu uma disputa entre os dois irmãos, pois Remo tinha ciúmes de Rômulo, que recebeu a preferência dos deuses para reinar em Roma. Então, Rômulo matou Remo, passando a reinar sobre a cidade, fundada em 753 a. C..
	Mitos e lendas à parte, conforme pesquisas históricas, tudo indica que a origem de Roma esteja ligada aos povos latinos e sabinos. Os latinos ocuparam o Monte Palatino, enquanto os sabinos fundaram povoações junto ao Monte Quirinal. Posteriormente, ocorreu a integração desses povoados. Mas, somente por volta do século VII a. C. é que os etruscos consolidaram a fundação de Roma, ao se expandirem pela região do Lácio. 
3.3 Períodos históricos da Roma antiga
	Após a fundação de Roma, costuma-se dividir sua longa história em três grandes períodos, que assinalam as diferentes fases de sua evolução política e social. Esses períodos são: monarquia, república e império.
3.3.1 Período da monarquia (753-509 a. C.)
	Nesta fase, a célula fundamental da sociedade era o genos – comunidade clâmica (clã) constituída por pessoas de uma mesma família. O povo estava organizado em genos, cúrias e tribos; cada conjunto de dez genos formava uma cúria e dez cúrias reunidas formavam uma tribo. A reforma serviana – atribuída ao rei Sérvio Túlio – destruiu a organização da comunidade gentílica baseada na união pelos laços de sangue e de solidariedade. A partir daí, toda a população foi dividida segundo o território e o grau de riqueza.
3.3.2 Período da república (509-31 a. C.)
	Neste período, a estrutura de poder em Roma era constituída, além do Senado, pela Assembleia dos Cidadãos e pala Magistratura. A Assembleia dos Cidadãos era formada por três comícios: Comício Curial, Comício Centurial e Comício Tribal. Entre suas principais funções, destacam-se a eleição dos magistrados e a aprovação ou não das leis romanas.
	A Magistratura era constituída pelo conjunto dos mais altos funcionários da república. Os magistrados eram eleitos pela Assembleia dos Cidadãos para cumprir mandato temporário. Entre os principais magistrados, podem ser citados os pretores, que eram encarregados da administração da justiça, ou seja, faziam com que os conflitos fossem resolvidos ordenada e pacificamente por um juiz a pedido das partes envolvidas.
	Lopes (2009, p. 31) distingue duas espécies de pretor – urbano e peregrino. O pretor urbano impunha a ordem entre os romanos, habitantes da urbi, isto é, a cidade de Roma. Já o pretor peregrino impunha a justiça entre os estrangeiros ou entre romanos e estrangeiros. “Fora de Roma, depois de sua expansão militar-econômica e territorial, os poderes do pretor foram exercidos por governadores e procuradores provinciais”.
	O período republicano foi fortemente marcado por lutas sociais e políticas, tais como: rebeliões de escravos e as lutas dos plebeus pela conquista de direitos. Uma conquista importante foi a criação de um Comício da Plebe, que seria presidido por Tribunos da Plebe. Tais Tribunos seriam magistrados com poderes especiais para vetar a aprovação de quaisquer decisões do Estado que prejudicassem os interesses da plebe. 
Gradativamente, em decorrência das lutas da plebe, uma nova legislação foi surgindo na velha Roma. É o caso, por exemplo, da Lei das Doze Tábuas (450 a. C.), da Lei Canuleia (445 a. C.), que autorizava o casamento entre patrícios e plebeus, e a lei que proibia a escravização por dívida (366 a. C.).
	Foi também nesta época que ocorreu a expansão territorial militarista da civilização romana através de guerras de conquista pelas regiões mediterrânicas. As conquistas alteraram o modo de vida romano, enriquecendo alguns poucos e empobrecendo a massa plebeia. Para atenuar o sofrimento dos plebeus, os irmãos Tibério e Caio Graco, que eram Tribunos da Plebe, elaboraram algumas leis, como a Lei Agrária, a Lei Judiciária e a Lei Frumental.
	A Lei Agrária limitava o crescimento dos latifúndios e obrigava a uma distribuição de terras do Estado aos pobres. A Lei Judiciária permitia a presença de elementos da classe dos cavaleiros (comerciantes) no Tribunal do Júri, para exercer a função de juiz. Anteriormente, essa função era reservada apenas aos membros da nobreza senatorial. Enfim, a Lei Frumental concedia pão dos armazéns do Estado ao povo, por um preço inferior ao do mercado. Essa lei foi recebida com tão grande entusiasmo pela multidão de famintos que se manteve em vigor mesmo após o fim do regime republicano.
	Na transição da república para o império, ocorreram diversas lutas pelo poder, que culminaram na tomada do governo pelo exército romano, instituição extremamente forte e bem organizada. Os chefes militares montaram dois triunviratos, cada um constituído por três generais. Entre os dois triunviratos, Júlio César conseguiu impor sua hegemonia política pessoal através de uma ditadura, que só terminou com o seu assassinato em pleno Senado. O sobrinho de Júlio César, Caio Otávio, que participou do segundo triunvirato, conseguiu, aos poucos, tornar-se o líder único de Roma, tornando-se, na prática, o fundador do império e seu primeiro imperador.
3.3.3 Período do império (27 a. C. – 476 d. C.)
	Paulatinamente, Otávio foi concentrando em suas mãos um conjunto extraordinário de títulos e poderes, entre os quais os mais importantes são: 
Augusto – título honorífico, antes concedido somente a certos deuses; 
Imperator – comandante absoluto do exército;
Pontifex maximus – sacerdote supremo da religião romana;
Tribunus potestas – poder de tribuno para toda a vida;
Pater patriae – pai da pátria.
Assim, sem romper formalmente com o regime republicano e sem assumir oficialmente o título de rei, Otávio governou com poderes absolutos e promoveu uma série de reformas sociais e administrativas. Ele foi, efetivamente, o grande responsável pela consolidação das instituições romanas.
	A história imperial romana pode ser dividida em duas fases, a saber: o Alto Império (27 a. C. – 235 d. C.) e o Baixo Império (235 – 476). A primeira foi marcada pelo crescimento e esplendor da civilização romana; já o Baixo Império foi uma fase de turbulência, que marcou a decadência de Roma.Tensões e rebeliões internas somaram-se a pressões dos povos bárbaros na desagregação do Império Romano. No ano 395, dividiu-se a parte ocidental – com sede em Roma – da banda oriental do Império – com capital em Constantinopla ou Bizâncio. Finalmente, em 476, o último imperador do Ocidente, Rômulo Augusto, foi deposto por Odoacro, rei dos hérulos. 
3.4 O Direito na antiga Roma
	O Direito é um dos maiores legados dos antigos romanos à posteridade, máxime à civilização ocidental. Lopes (2009) assegura que para qualquer jurista formado na tradição ocidental a herança romana parece enorme. De igual maneira, Burns (1986) admite que, geralmente, todos concordam que o sistema de Direito é uma das mais importantes heranças deixadas pelos romanos às culturas sucedâneas. 
Na verdade, o Direito desenvolveu-se em Roma na medida em que uma das preocupações básicas do Estado era regular, por meio de normas jurídicas, o comportamento social da numerosa população do vasto império. Desse modo, o sistema jurídico romano foi resultado de uma evolução gradual, que se pode considerar como tendo iniciado com a proclamação da Lei das Doze Tábuas, por volta de 450 a. C..
	De então por diante, na opinião de Coulanges (2002), a lei deixou de ser tradição sagrada na sociedade romana, tornando-se simples texto, Lex, propriedade comum de todos os cidadãos. O Direito foi tornado público e conhecido por todos, saiu dos rituais e dos livros dos sacerdotes, perdeu o seu mistério religioso, secularizou-se, transformando-se em língua que todos podem ler e falar. 
	Afinal, os decênviros de Roma recebem o seu poder do povo. Isso significa que o legislador não representa mais a tradição religiosa, mas a vontade popular. Doravante, “a lei tem por princípio o interesse dos homens e por fundamento o assentimento da maioria. E como representa a vontade dos homens, essa mesma vontade pode revogá-la” (COULANGES, 2002, p. 333-334). 
	Comentando a grande reviravolta proporcionada pela Lei das Doze Tábuas, Altavila (2004, p. 85) escreve:
O direito havia perdido o seu mistério; deixara de ser frustradamente sagrado; saíra da escuridão conveniente dos templos; poderia ser agora consultado e invocado por patrícios e plebeus; fincara no solo romano o seu princípio de universalidade; deixara de ser um raio fulminante de Júpiter para se constituir um clarão perpétuo na razão humana; deixara de ser um ditame real para se transformar num mandamento escrito e divulgado; deixara de ser um subterfúgio legal para se converter numa comunhão de ideias e de interesses coletivos; não era mais um atributo dos sacerdotes, porque passara à secularidade e ao condomínio do povo; não era mais uma fórmula imprecisa e obsoleta e sim a consubstanciação de uma conquista historiada em doze placas de bronze de boa têmpera, encravadas naquela parte do foro destinada aos comícios e banhada pela luminosidade rubro-dourada do sol que fecundava prodigamente todo o Lácio.
	Entretanto, de acordo com Burns (1986), em face do surgimento de novos precedentes e princípios, a Lei das Doze Tábuas foi modificada e praticamente invalidada, nos últimos séculos da república. Esses novos precedentes e princípios emanaram de diferentes fontes, a saber: de mudanças dos costumes, dos ensinamentos dos estóicos, das decisões dos juízes, mas principalmente dos editos dos pretores, que eram magistrados que tinham autoridade para definir e interpretar a lei num processo específico e emitir instruções ao júri para a decisão da causa.
	Desde então, o júri decidia apenas questões de fato; todas as questões de direito eram decididas pelo pretor. Em geral, suas interpretações tornavam-se precedentes para a decisão de causas semelhantes no futuro. Erigia-se, assim, um sistema de jurisprudência.
	Todavia, o Direito Romano alcançou seu mais alto grau de desenvolvimento na época do Império ou Principado. Esse progresso tardio deveu-se, em parte, à extensão do Direito sobre um campo mais amplo de jurisdição, abrangendo as vidas e as propriedades dos estrangeiros, em ambientes estranhos, assim como os cidadãos da Itália. Mas a razão principal foi que Otávio e seus sucessores deram a certos juristas eminentes a prerrogativa de expender opiniões a respeito dos processos em julgamento nos tribunais.
	Os mais ilustres dos homens assim nomeados periodicamente foram Gaio, Ulpiano, Papiniano e Paulo. Esses jurisconsultos tornaram-se afamados basicamente como advogados e autores de obras jurídicas, embora quase todos ocupassem altos cargos na Magistratura. As opiniões desses juristas foram aceitas como o fundamento da jurisprudência romana e vieram a formar uma ciência e uma filosofia do Direito.
	Lopes (2009) argumenta que a história do Direito Romano abrange três grandes etapas evolutivas. A primeira, chamada por ele “direito arcaico”, compreende a fase que vai de 753 a. C. até cerca do II século A. C.. Segue-se o “direito clássico”, abrangendo a República tardia e indo até pouco depois da dinastia dos Severos, no período do Principado ou Império. Finalmente, o “direito pós-clássico” (ou “tardio”), que se estende do século III d. C. ao fim do Império do Ocidente, em 476 d. C..
A esta periodização pode-se fazer paralelamente a divisão pelo perfil dominante no processo civil. Ao período arcaico corresponde o processo segundo as ações da lei (legis actiones); ao período clássico corresponderá o processo formular (per formulas), introduzido pela Lex Aebutia (149-126 a. C.) e confirmado pela Lex Iulia (17 a. C.); o período tardio é dominado pela cognitio extra ordinem (LOPES, 2009, p. 29).
	Destarte, pode-se dividir o Direito Romano em três grandes ramos: jus civile (direito civil), jus gentium (direito das gentes ou dos povos) e jus naturale (direito natural). O direito civil é o de Roma e de seus cidadãos. Abrange os estatutos do Senado, os decretos imperiais, os editos dos pretores e também certos costumes antigos que têm força de lei.
	O direito das gentes ou dos povos era a lei considerada comum a todas as pessoas, independentemente de sua nacionalidade. Era a lei que autorizava as instituições da escravidão e da propriedade privada e que definia os princípios de compra e venda, das sociedades e do contrato. Não era superior ao direito civil, mas o suplementava, aplicando-se especialmente aos habitantes estrangeiros do império.
	O direito natural era o ramo mais instigante, mais interessante e, em muitos aspectos, o mais importante do Direito Romano. Tratava-se na verdade do resultado da reflexão filosófica e não um produto da prática jurídica propriamente dita. De fato, os pensadores estóicos haviam desenvolvido a teoria de que a justiça e o direito eram a corporificação de uma ordem racional cósmica. Assim, afirmavam que todos os homens são iguais por natureza e detentores de certos direitos naturais e inalienáveis, os quais os governos não têm autoridade para transgredir. Para os filósofos do estoicismo, o direito natural antecedia ao próprio Estado e qualquer governante que o desafiasse tornava-se automaticamente um tirano.
	Apesar da maioria dos grandes juristas defender concepções do direito natural muito próximas às dos filósofos, não considerava esse ramo do Direito como uma limitação automática ao direito civil. Não obstante, julgavam-no um grande ideal a que as leis e decretos dos homens deveriam sujeitar-se.
	Enfim, como forma de conclusão e para ilustrar o texto, exemplificando a importância e a influência do Direito Romano em todo o Ocidente, citaremos a seguir alguns princípios jurídicos formulados na antiga Roma e utilizados ainda no nosso presente. Tais princípios são citados até hoje por advogados e juízes, frequentemente em latim. Conheça alguns deles:
Dura lex, sed lex – “A lei é dura, mas é lei”.
Cuisque suum – “A cada um, o que é seu”.
In dubio pro reu – “Em caso de dúvida, deve-se favorecer o réu”.
Nullum crimem, nulla poena sine lege – “Não há crime, nem pena sem prévia prescrição legal”.
Actori onus probandi incumbit – “Compete a quem acusa o ônus da prova”.
Assim,em que pesem todas as limitações e alterações sofridas ao longo do tempo, o Direito Romano, sem sombra de dúvidas, exerceu a função de paradigma jurídico em todo mundo ocidental. Portanto, deve-se concordar com Altavila (2004), para quem o Direito Romano teve o destino histórico de delimitar, em modelo, as fronteiras do direito universal. Afinal, como aqui ficou evidenciado, muitos aspectos e preceitos do Direito Romano constituem uma das fontes básicas que inspiram os juristas até os nossos dias.
REFERÊNCIAS
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2004.
BURNS, Edward Mcnall. História da civilização ocidental (vol. I). 29. ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1986.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
RIBEIRO, Marcus Vinícius. História do direito. São Paulo: Montecristo Editora, 2012.

Continue navegando