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SILVA, Andreia CLF. Reflexões metodológicas sobre a análise do discurso

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1
Reflexões metodológicas sobre a análise do 
discurso em perspectiva histórica: paternidade, 
maternidade, santidade e gênero* 
 
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva** 
 
Introdução 
Os estudos de Semântica, Semiótica e Teoria Literária influenciam, desde a 
década de 50, a reflexão histórica. As principais contribuições advindas destas áreas do 
conhecimento alertam para a falta de correspondência direta entre texto, autoria e 
contexto; destacam que os textos possuem leis próprias de estruturação e construção; 
sublinham que não existem sentidos naturais ou verdades atemporais e universais. 1 
A partir destas contestações, tornou-se evidente que o trabalho do historiador, ao 
reconstruir o passado, é uma tarefa muito mais complexa do que ler e interpretar os 
documentos. Fazia-se necessário analisá-los, considerando as particularidades formais 
dos textos e os processos de produção de sentido. Os historiadores, então, passaram a 
incorporar conceitos e técnicas, denominadas genericamente como Análise do Discurso, 
aos seus trabalhos. Contudo, as categorias e as formas de analisar os discursos são 
múltiplas, variando de teórico para teórico. O termo discurso, por exemplo, recebe 
diversas significações: é sinônimo de fala, opondo-se, assim, à língua; é qualquer 
enunciado superior a uma frase; são as regras de encadeamento das frases que compõe 
um enunciado ou as condições de sua produção (GREIMAS, COURTÉS, s/d: 125-30; 
REIS, LOPES, 1988: 27-30). 
Se é inquestionável a contribuição da Lingüística e da Literatura para os estudos 
históricos, também o são as particularidades de cada um destes campos de 
conhecimento. Se partilhamos, historiadores e lingüistas, dos mesmos objetos – 
discursos, falas, textos – partimos de objetivos e perspectivas diferentes ao abordá-los. 
Assim, cabe ao historiador que se propõe a analisar discursos fazer opções, delimitar o 
que entende como discurso e as estratégias para analisá-los. 
 É este o objetivo deste artigo. Traçar algumas reflexões sobre o conceito de 
discurso, em especial dos discursos de gênero, objeto de minhas investigações, e 
 
 2
apontar um possível caminho para a sua análise histórica. Neste sentido, além da 
apresentação dos princípios teórico e metodológicos que norteiam tal empreitada, incluo 
um exemplo prático de estudo dos discursos. Destaco que não estou preocupada em 
resolver questões teóricas ainda controversas ou propor uma teoria inovadora. O que 
apresento aqui é uma síntese, fruto das minhas reflexões teórico-metodológicas2 e de 
minha experiência docente, 3 que está voltada, sobretudo, para alunos de graduação e 
pós-graduação que estão iniciando suas pesquisas. Os procedimentos de pesquisa são, 
portanto, o foco deste artigo. Desta forma, não iremos tratar do projeto de pesquisa, 
etapa em que o planejamento da investigação é organizado, nem do texto 
historiográfico, no qual as conclusões de pesquisa são apresentadas segundo as regras 
próprias deste tipo particular de texto. 
 
Discurso: uma proposta de conceituação e de análise histórica 
Compreendemos discurso como uma construção humana coerente, coletiva, 
dinâmica, e organizada sobre uma determinada temática. Os discursos são, portanto, 
saberes, ou seja, compreensões produzidas pelas sociedades sobre as relações humanas, 
tal como define Foucault (1981). 
Os discursos não se limitam ao universo das idéias e não antecedem a organização 
social, tal como apontam os pensadores idealistas, já que é inseparável dela. Fazem-se 
presentes e constituem as práticas, as relações sociais, as instituições e as 
representações, ou seja, o social. Assim, tal como aponta Pinto, o social não forma uma 
totalidade organizada a partir de um centro que determina seu funcionamento, mas é um 
conjunto múltiplo de discursos (1989:39). 4 
Nenhum discurso é totalmente absoluto, pois ainda que se torne hegemônico, não 
elimina o outro; busca desqualificá-lo, ignora-o. Também não é autônomo ou imutável, 
já que nasce a partir de outros discursos e deles sofre a interferência. Neste sentido, 
podemos afirmar que convivem, numa mesma sociedade, múltiplos discursos, com 
lógicas e preocupações diferentes, que se complementam ou se opõem. 
A constituição dos discursos, como já assinalamos, é inseparável do social. 
Porém, a sua materialização produz-se num determinado tempo e lugar, em meio a 
relações de forças, sob diversas linguagens, verbais ou não verbais (gestos, sons, 
 
 3
imagens etc), e sempre para um outro. Ou seja, os discursos fazem-se presente nas 
enunciações dos sujeitos (que pode ser um coletivo ou um indivíduo) que se dirigem a 
um dado receptor. 5 
Um enunciado não é o discurso: o contém, o expressa, o materializa. Desta forma, 
um mesmo enunciado pode expressar mais de um discurso ou este pode estar presente 
de forma involuntária, como um desvio ou um não dito, em uma dada enunciação. 
Assim, defendemos que a única forma de reconstruir e analisar os discursos e sua 
dinâmica é através do estudo do enunciado e de sua transmissão, já que só assim é 
possível verificar como o discurso ganha/produz sentido. 
Os enunciados são expressões polifônicas e polissêmicas, que possibilitam 
variadas leituras. Como estrutura-se a partir de leis próprias, específicas de cada 
linguagem, um enunciado não pode ser analisado como um reflexo direto da visão de 
mundo de um dado autor ou da organização social na qual este estava inserido. Desta 
forma, não basta constatar a relação, em um dado enunciado, por exemplo, entre os 
termos mulher e virgindade. Há que verificar quem enunciou, para quem, de que forma, 
por que meios, quando, quais eram as relações de força no momento da enunciação e 
por que esta relação foi estabelecida para alcançar o seu sentido. 
Na análise dos discursos em história, portanto, há que levar em conta as 
particularidades do enunciado selecionado e as regras que o constituem, ou seja, o seu 
sistema abstrato de organização; os elementos extra-linguísticos à enunciação; e, por 
fim, a sua recepção, circulação e transmissão. A seguir, apresentarei uma proposta de 
análise das enunciações verbais textuais, 6 visando o levantamento de dados para o 
estudo dos discursos. 
O primeiro passo no estudo dos discursos em História é constituir o corpus 
documental, isto é, delimitar as enunciações que serão estudadas. 7 No caso do uso de 
documentos impressos, 8 empregue boas edições das fontes, incluindo uma edição na 
língua original de redação e, sobretudo, que apresentem as variações textuais dos 
manuscritos. 
Como “a forma contribui para o sentido” (CHARTIER, 2001: 148), se for 
possível, utilize edições em fac-símile ou leia descrições sobre os melhores manuscritos 
e/ou edições, para visualizar a organização espacial do texto, verificando se há 
 
 4
marcações, anotações, ilustrações ou qualquer outro elemento que possa evidenciar as 
formas de transmissão, circulação e apreensão dessas enunciações. 9 
Há que sublinhar que estamos cientes que nenhum documento é capaz de nos 
fazer reviver o que passou, mas estamos certos de que eles, como materializações 
discursivas, permitem uma aproximação com o passado. Esta postura é resumida por 
Eleonora Costa (1994:190): 
Em vez de pretender trabalhar os indícios históricos (fontes) 
com a convicção de que esses nos levam à reconstrução do 
acontecimento, tomamo-los como uma construção discursiva. 
Ou seja, a fonte histórica é também um acontecimento que deve 
ser desvendado como construção discursiva, como monumento. 
 
 
Como preparação para o estudo das enunciações, é imprescindível, também, 
familiarizar-se com o que chamamos de sistema de organização da enunciação. Ou seja,há que reconstruir a natureza do documento estudado, sua estruturação, e forma. 
O segundo passo é inventariar e ler criticamente os textos que apresentam estudos 
sobre os documentos e a temática de pesquisa selecionados. Este exercício funciona 
como uma preparação não só para a análise das fontes/enunciações, mas também pode 
auxiliar na interpretação dos dados; no levantamento de elementos extra-textuais; 
quanto à recepção, circulação e transmissão das enunciações; e, finalmente, nos 
pressupostos que darão suporte às suas questões e hipóteses de pesquisa.10 Neste 
sentido, também há que reunir material de apoio, como dicionários específicos, mapas 
históricos e cronologias, que podem ser úteis no estudo dos documentos, por exemplo, 
na localização de áreas geográficas que hoje recebem outros toponômios ou para 
identificação de pessoas e fatos citados. 
O terceiro, é definir claramente que tipo de dados deseja levantar no estudo das 
enunciações, a partir do quadro teórico previamente escolhido e da problemática de 
pesquisa. Estes elementos são fundamentais para a escolha de uma técnica de análise. 
Também sugiro que o pesquisador crie códigos particulares para o registro dos dados 
obtidos na análise. São recomendados símbolos, tabelas, fichas temáticas etc. 
O quarto passo, escolher uma técnica que permita inventariar os dados. As que 
listo a seguir resultam da minha leitura dos textos historiográficos, bem como da de 
 
 5
trabalhos de Lingüistica e Teoria Literária. Procurei apresentar, para cada técnica, um 
trabalho historiográfico que, em minha opinião, é representativo de sua aplicação. Estas 
técnicas de análise dos textos podem ser combinadas, dependendo dos objetivos da 
pesquisa e da natureza dos documentos a serem analisados. Por serem instrumentos de 
investigação, que visam somente o levantamento de dados, tais técnicas podem ser 
empregados em estudos que partam de quadros teóricos distintos. 
 
A- Análise lexicográfica 
Nesta técnica, escolhe-se uma palavra chave ou várias - que podem ser 
substantivos, adjetivos ou verbos ou ainda um único vocábulo em suas diversas 
categorias, como casa, casamento, casado ou casar - que denomino como unidade de 
análise. O(s) termo(s) devem ser selecionados em função do objetivo da pesquisa. 
Analisa-se o texto identificando onde a(s) palavra(s) figuram, verificando a que 
elementos ela(s) se relacionam, se associam ou se opõem. Esta técnica é aplicável a 
qualquer tipo de texto e permite abordagens quantitativas e qualitativas. O artigo de Joël 
Saugnieux, O Vocabulário da morte na Espanha do século XIII segundo a Obra de 
Berceo (1996), 11 é resultado de um exemplar uso desta técnica. 
 
B- Análise semântica 
Esta forma de análise atém-se ao estudo do sentido das palavras empregadas pelo 
autor como indícios de seu discurso. Neste caso também são selecionadas unidades de 
análise, que, porém, não são termos, mas categorias, como, por exemplo, os adjetivos 
associados a um personagem em uma certa narrativa. Aplica-se a qualquer tipo de 
documento e também possibilita abordagens qualitativas ou quantitativas. Identifico o 
texto de Le Goff, O vocabulário das categorias sociais em São Francisco de Assis e 
seus biógrafos do século XIIII (2001), como um caso ilustrativo do uso desta técnica. 
 
C- Análise sincrônica e diacrônica 
Com esta técnica, os documentos são analisados à luz de seu contexto literário em 
perspectiva sincrônica, ou seja, dos textos que lhe são contemporâneos, e diacrônica, 
 
 6
dos que o antecederam. É aplicável, sobretudo, a textos que seguem formas fixas de 
organização, como documentos notariais e poemas, ou que apresentam o mesmo 
conteúdo narrativo, já que permite apontar as continuidades e as rupturas. O uso desta 
técnica demanda uma certa erudição, já que exige que um dado documento seja 
confrontado a outros que lhe são anteriores ou contemporâneos. Aponto, como um 
exemplo de estudo que aplica esta técnica, o artigo Apresentação dos epitáfios joco-
sérios portugueses e castelhanos (2001), de João Adolfo Hansen. 
 
D- Análise retórica 
Desenvolvida deste a Antigüidade, a análise retórica dedica-se a reconstruir a 
estrutura e a argumentação, apontando as figuras retóricas empregadas, de um dado 
texto. É ideal para a análise de textos dissertativos, como os jurídicos, os teóricos e os 
jornalísticos. Um exemplo do uso desta técnica é o texto de Leila Rodrigues da Silva, 
Prudência, justiça e humildade: elementos marcantes no modelo de monarca presente 
nas obras dedicadas ao rei suevo, (1997). 
 
E- Análise da narrativa 
Esta técnica é indicada para textos narrativos e/ou descritivos. Nela, busca-se 
identificar e analisar os diversos elementos que configuram a narrativa e que a tornam 
um todo de sentido, tais como o gênero literário (épico, drama, lírico) e a forma literária 
(romance, novela, conto, crônica) em que foi composta, o enredo, as personagens e sua 
caracterização, a presença ou ausência de um narrador e a sua forma de inserção a 
narração, se há indicações temporais e/ou espaciais etc. Para um exemplo do uso esta 
técnica, remeto ao meu artigo Milagros de Nuestra Señora: uma leitura histórica 
(1994). 12 
 
Como já sublinhamos, o estudo dos discursos e de como eles ganham/produzem 
sentido não finaliza aqui e só é possível a partir da análise dos dados inventariados nas 
enunciações à luz do quadro teórico escolhido pelo pesquisador, dos elementos extra-
textuais e da recepção, circulação e transmissão do enunciado. 
 
 7
Compreendemos como elementos extra-textuais 13 a datação; as circunstâncias de 
produção do texto; o emissor, que pode ser uma pessoa, um grupo ou uma instituição; o 
local social e geo-político da confecção do documento; o processo de composição, ou 
seja, as fontes usadas na redação dos textos, se o material foi revisto ou sofreu a ação de 
editores, as motivações para sua elaboração. Alguns destes dados podem figurar nos 
próprios documentos, contudo, na grande maioria dos casos, serão encontrados em 
textos historiográficos. 
Quanto à recepção, circulação e a transmissão do enunciado, faz-se importante 
reconstruir o provável receptor a que se destinava o documento e outros prováveis 
públicos; o meio da enunciação, ou seja, se foi manuscrito, impresso, oral etc; como este 
circulou e foi transmitido em variados espaços e no decorrer do tempo; se houve alguma 
repercussão face a enunciação (crítica, resposta, incorporação em outros enunciados 
etc). 
A partir do cruzamento destes dados, o pesquisador chegará às suas conclusões: 
que discurso, ou conjunto de discursos, se fez presente na enunciação e como ele 
ganhou e produziu sentido para um determinado receptor, ou receptores, num 
determinado espaço e tempo. São estas conclusões que deverão guiar a produção do 
texto historiográfico. 14 
Acredito que a aplicação da técnica apresentada pode evitar que o pesquisador use 
a sua fonte como prova ou mera ilustração; faça somente uma análise literária dos 
documentos; produza paráfrases; imprima anacronismos e juízos de valor à sua análise. 
O que propomos aqui, portanto, é uma técnica que permita desconstruir as enunciações 
chegando, assim, a reconstruir um dado discurso. Desta forma, o estudo dos documentos 
vai além da hermenêutica, pois, como afirma Mello, “... enquanto a hermenêutica 
objetiva resgatar o sentido, ou os sentidos, de um texto e interpretá-los, a AD [Análise 
dos Discursos] preocupa-se com a história dos processos de significação buscando a 
compreensão dos discursos pela via das suas condições de produção” (1994:147). 
 
Um exemplo prático: paternidade, maternidade, santidade e gênero em perspectivacomparativa 
 
 
 8
Dentre os múltiplos discursos que compõem o social, em nossas pesquisas, temos 
privilegiado os de gênero, ou seja, aqueles que se constituem a partir da diferença 
biológica que marcam os sexos – macho e fêmea - na espécie humana. Como aponta 
Roger Chartier, "a diferença sexual é sempre construída pelo discurso que a funda e 
legitima" (1995, p. 39). Neste sentido, adotamos a definição de Joan Scott: gênero é o 
saber a respeito das diferenças sexuais (1994: 11-27). 
Ao adotarmos a categoria de gênero, estamos rejeitando o determinismo biológico 
e apontando que a distinção entre homem-mulher e masculino-feminino não é natural, 
universal ou invariante, mas constrói-se discursivamente e está presentes em todos os 
aspectos da experiência humana e a constituem (FLAX, 1991, p. 230). Nosso estudo, 
portanto, privilegia a análise dos textos hagiográficos a partir de duas categorias 
principais: santidade e gênero. Entendemos por santidade o conjunto de 
comportamentos, atitudes e qualidades que num determinado lugar e tempo são critérios 
para considerar um indivíduo como venerável, seja pelo reconhecimento oficial pela 
Igreja ou não. Ou seja, trata-se de um saber, uma construção histórica, que ganha 
nuanças e particulariza-se em diferentes culturas, espaços e períodos, assim como o 
gênero. 
Nossa pesquisa em curso busca discutir, através do estudo dos textos de Gonzalo 
de Berceo e Tomás de Celano, se as diferenças sexuais socialmente instituídas e o 
discurso de gênero formulados no seio da sociedade mediterrânica, no século XIII, estão 
presentes na construção de padrões de santidade. Trata-se de um estudo qualitativo e 
comparativo. 
Partimos de quatro pressupostos principais: nos séculos XII e XIII ocorreram 
transformações nos ideais de santidade, sobretudo nas regiões mediterrânicas, como 
analisou Vauchez (1989: 211-30); a Igreja, no século XIII, buscou implantar um modelo 
de sociedade, na qual todos os seus membros deveriam ter espaços e funções definidos 
(SILVA, 2000a: 218-20); os textos hagiográficos foram uma das estratégias utilizadas 
pela Igreja para propagar este projeto ideal de sociedade (RUBIN, 1994: 108-29); neste 
período, houve um crescimento da vida religiosa feminina, não obstante a 
sistematização do pensamento misógino ocidental (MARTIN, 1996: 422). 
 
 9
Selecionamos cinco obras para serem analisadas: duas de autoria de Gonzalo de 
Berceo e três de Tomás de Celano. Todas são vidas de santos, mas apresentam 
particularidades, conforme assinalaremos a seguir. 
Gonzalo nasceu por volta de 1196, em um povoado denominado Berceo, situado 
em La Rioja Alta, região do reino de Castela. Foi criado no mosteiro de San Millán de 
la Cogolla, porém foi ordenado como sacerdote. 15 Tornou-se célebre por ter sido o 
primeiro poeta a escrever em castelhano do qual possuímos dados históricos. Produziu 
doze obras, todas sobre temas religiosos, em versos: três hinos, três obras marianas, 
duas obras de caráter doutrinal e quatro obras hagiográficas. 16 
Pelo caráter culto de sua produção literária, acredita-se que Gonzalo de Berceo 
estudou na Universidade de Palência, local onde aprendeu as técnicas que aplicou em 
seus poemas. É provável, conforme hipótese levantada por Brian Dutton, que tenha 
escrito suas hagiografias por encomenda, para servirem de propaganda do mosteiro de 
San Millán de la Cogolla, suscitando ofertas e peregrinações. 17 Dentre os seus poemas 
hagiográficos, optamos por analisar a Vida de Santo Domingo de Silos (VSD) e a Vida 
de Santa Oria (VSO), porque tratam de santos que viveram no mesmo espaço e foram 
contemporâneos. 
A VSD narra a biografia de Domingo, que foi clérigo secular, eremita e prior do 
mosteiro de San Millán de la Cogolla no século XI. Após conflitos com o rei Garcia de 
Nájera, exilou-se em Castela, onde atuou como abade reformador do cenóbio de Silos. 
Esta obra foi redigida por volta de 1240, a partir do texto latino Vita Dominici Siliensis, 
da autoria de um monge, Grimaldo, e escrito em fins do século XI. Está composto por 
777 estrofes de 4 versos e dividido em três partes. Na primeira apresenta a biografia de 
Domingo; na segunda, seus milagres em vida e sua morte; e, na terceira, seus milagres 
após a morte. 
Este poema foi transmitido por três manuscritos medievais. O primeiro, o S, que 
se encontra no Mosteiro de Silos, é datado de 1240. Acredita-se que é uma cópia, 
contemporânea à redação do texto, feita em San Millán de la Cogolla por um monge 
silense. O segundo é o H, da Real Academia de la Historia, datado de 1360. Trata-se de 
uma cópia de S, provavelmente realizada para o mosteiro de San Martin de Madrid, 
então filiado ao Mosteiro de Santo Domingo de Silos. O terceiro, o E, que pertence à 
 
 10
Real Academia de la Lengua, só contém fragmentos do poema. Também é do século 
XIV. Em nosso trabalho, estaremos empregando duas edições críticas e impressas da 
VSD: a elaborada por Aldo Ruffinato (1992), que, tomando o manuscrito S como base, 
o corrigiu utilizando E, e a preparada por Brian Dutton (1978), que também parte de S, 
mas o coteja com H e E. 
A VSO relata a vida de Oria, que, muito jovem, tornou-se reclusa do Mosteiro de 
San Millan de la Cogolla. Esta foi, segundo os especialistas, a penúltima obra elaborada 
por Gonzalo de Berceo, cerca de 1264. É formada por 205 estrofes de 4 versos e parece 
não ter tido, originariamente, divisões. Acredita-se que a principal fonte latina deste 
poema foi uma vita, hoje perdida, elaborada pelo monge de San Millán de la Cogolla, 
Munio, que foi o confessor da santa, no século XI. 
Este poema foi preservado por um único manuscrito medieval, o F, do século 
XIV, que se encontra na Real Academia de La Lengua Em nossas investigações 
utilizaremos duas edições críticas e impressas da VSO. A elaborada por Isabel Úria 
(1992), que toma o texto de F como base corrigindo-o por I, cópia realizada no século 
XVIII de um manuscrito medieval, hoje perdido, e a de Brian Dutton (1981), que 
também se baseia nestes manuscritos. 18 
 Tomás19 nasceu por volta de 1200 em Celano, cidade situada em 
Abruzos, região então pertencente ao Reino da Sicília. Ingressou na Ordem Franciscana 
cerca de 1215. Em 1221, dirigiu-se como missionário para a Alemanha. No ano 
seguinte, tornou-se o custódio de Wormácia, Maiença, Espira e Colônia. 
Posteriormente, ocupou o cargo de ministro regional da ordem franciscana naquela área. 
Voltou para a Itália em 1223, período em que, provavelmente, pôde conviver um pouco 
com Francisco. Trabalhou, como copista, na biblioteca do Sacro Convento em Assis e 
deu assistência espiritual às clarissas de Tagliacozzo, cidade da Marca de Ancona. 
Morreu em 1260. 
Um dos mais importantes intelectuais da Ordem Franciscana em seus primórdios, 
Celano possuía uma ampla cultura eclesiástica. Compôs, além de duas vidas de 
Francisco, a Vida I (1Cel) e Vida II (2Cel) e uma de Clara de Assis, Legenda de Santa 
Clara (LSC), hinos sacros e textos litúrgicos. 20 
 
 11
A 1 Cel foi escrita por ocasião da canonização de Francisco, no ano de 1228, a 
pedido do papa Gregório IX. O objetivo da obra era propagar, por toda cristandade, a 
biografia e os milagres do santo fundador da Ordem Franciscana recém canonizado. 
Este texto foi, durante algumas décadas, a biografia oficial do santo de Assis. Está 
organizada em três livros. O primeiro, dividido em 30 capítulos, narra desde o 
nascimento de Francisco até o ano de 1224. O segundo, com 10 capítulos, tem como 
temática central os acontecimentos ocorridos nos anos de 1225 e 1226, finalizando com 
o relato da morte do santo. O terceiro está dividido em duas partes: a primeiratrata 
especificamente do processo de canonização e, a segunda, dos milagres após a morte. 
A 2 Cel foi escrita entre 1244 e 1247, provavelmente a partir do material entregue 
após uma solicitação feita ao Capítulo de 1244, para que todos os que possuíssem dados 
sobre Francisco os remetessem ao ministro geral da ordem. A obra está dividida em dois 
livros. O primeiro, com 25 capítulos, é uma espécie de complemento à 1Cel. O segundo, 
escrito na primeira pessoa do plural e repleto de informações inéditas, reúne 198 
capítulos, nos quais são apresentados uma série de episódios da biografia, incluindo os 
relatos sobre a sua morte e canonização, bem como os seus ensinamentos em vida. 21 No 
momento de sua redação, a Ordem Franciscana estava enfrentando problemas advindos 
de sua expansão e institucionalização. Por este motivo, nessa biografia, voltada para a 
edificação dos frades, Tomás procurou exaltar a figura de Francisco e alçá-lo como um 
exemplo a ser seguido por todos os que optassem por ingressar na Ordem. 
Por ordem do Capítulo Geral de 1266, que instituiu a Legenda Maior de 
Boaventura como a oficial de Francisco, todos as outras biografias do fundador da 
ordem deveriam ser destruídas. Neste sentido, estas obras foram abandonadas pelos 
franciscanos, sendo preservadas somente por outras instituições religiosas. 1Cel foi 
reencontrada em 1768, e a 2Cel, em 1806. A primeira edição crítica destas obras só foi 
feita em 1241 e dela dependem todas as realizadas posteriormente, bem como as 
traduções. 
A LSC foi escrita em 1255, por ocasião da canonização de Clara de Assis. 
Discutiu-se, durante algum tempo, quem seria o autor desta legenda. Pelas 
características estilísticas, conclui-se que foi Tomás de Celano, hipótese que hoje é 
consenso entre os pesquisadores. 22 Esta obra está dividida em duas partes. Na primeira 
 
 12
é apresentada a biografia, a morte e os funerais de Clara. Na segunda, os milagres após 
a morte e a canonização. Esta hagiografia dirigia-se às mulheres, sobretudo às clarissas, 
e tinha como principal meta apresentar Clara como um modelo a ser imitado. Esta obra 
recebeu uma edição crítica em 1910, a partir do manuscrito 338 da Biblioteca Comunal 
de Assis. 
O objetivo geral de nossa pesquisa é identificar as oposições, associações e 
relações, presentes em cada um dos enunciados selecionados, na caracterização das 
santas e os santos, a partir das seguintes unidades de análise: corpo, relacionamentos, 
formação intelectual, espaço de ação, milagres, práticas da espiritualidade, atitudes e 
comportamentos, atribuições e virtudes. A meta é levantar e contrapor os dados 
referentes às santas e aos santos em cada autor. Tais dados serão cruzados aos 
elementos extra-textuais e aos de recepção, circulação e transmissão e, à luz dos 
conceitos teóricos selecionados, interpretados. Desta forma, acreditamos que poderemos 
reconstruir os processos de significação do discurso de gênero que permeou a 
construção da santidade feminina e masculina na enunciação dos dois hagiógrafos 
mediterrânicos. 
Para ilustrar nossos procedimentos de coleta de dados nos 
documentos/enunciações, escolhi como unidade de análise o relacionamento dos santos 
e santas com seus pais, ou seja, a paternidade e a maternidade. Assim, ao analisar os 
documentos, vou buscar identificar como tais categorias se articulam ou se opõem à 
santidade e ao gênero. No estudo, combinei a técnica da análise semântica com a análise 
da narrativa, pois priorizo os personagens – mães e pais dos santos e santas – e os 
adjetivos e ações a eles associados. 
A seguir, transcrevo os trechos da fonte que serão estudados, seguidos dos 
registros dos dados. O critério para seleção de tais fragmentos foi a referência feita aos 
pais e às mães das santas e dos santos biografados. Optei por apresentar o texto bilingüe 
dos documentos. Todos os dados referentes às unidades de análise estão destacados em 
negrito nos textos transcritos. 
Para registro dos dados estou usando uma tabela. 23 Ela está subdividida em cinco 
colunas. Na primeira, anoto a referência do documento; no meu caso, sigo as siglas e a 
forma de notação universal. Na segunda, listo os dados a destacar. Em alguns casos, 
 
 13
transcrevo palavras chaves ou expressões da texto em análise. A terceira coluna reservo 
para registrar dúvidas que foram suscitadas na análise e/ ou esclarecimentos 
encontrados. Na quarta, escrevo as conclusões parciais. Na última, lanço tudo aquilo 
que considero relevante na análise do documento, mesmo que não esteja diretamente 
ligado ao tema em estudo. 
 
 14
VSO 24 
 
11 - Essa virgen preciosa de quien fablar 
solemos 
fue de Villa Vellayo segunt lo que leemos; 
Amuña fue su madre, escripto lo tenemos, 
García fue el padre, en letra lo avemos. 
 
12 - Fue de Villa Velayo Amuña 
natural; 
el su marido sancto, García, otro tal, 
siempre en bien punaron, partiéronse de 
mal, 
cobdiciavan la gracia del Reï celestial. 
 
13- Omnes eran cathólicos, vivién vida 
derecha, 
davan a los señores a cascuno su pecha; 
non fallava en ellos el dïablo retrecha, 
el que todas sazones a los buenos asecha. 
 
14- Nunca querién sus carnes mantener 
a gran vicio, 
ponién toda femencïa en fer a Dios 
servicio, 
esso avién por pascua e por muy grant 
delicio, 
a Dios ponién delante en todo su oficio. 
 
15 - Rogavan a Dios siempre de firme 
coraçón, 
que lis quisiesse dar alguna criazón, 
que fues al su servicio fuesse, que por 
otri non, 
e siempre mejorasse esta devocïón. 
 
16 - Si lis dio otros fijos no lo diz la 
leyenda, 
mas diolis uma fija de spirital fazienda, 
que ovo con su carne baraja e contienda, 
por consentir al cuerpo nunca soltó la 
rienda. 
 
17 - Sanctos fueron sin dubda e justos 
los parientes 
que fueron de tal fija engendrar 
merescientes: 
de niñez fazié ella fechos muy 
VSO 25 
 
11 - Essa virgem preciosa de quem estamos 
falando 
era de Villa Vellayo segundo o que lemos; 
Amuña foi sua mãe, escrito o temos, 
García foi o padre, em letra o possuímos. 
 
12 - Amuña era natural de Villa Velayo, 
García, o seu santo marido, também; 
sempre se esforçavam para fazer o bem, 
apartando-se de mal, 
cobiçavam a graça do Rei celestial. 
 
13 – Eram homens católicos, viviam vida 
direita, 
davam a cada um dos senhores o seu 
tributo, 
não encontrava neles defeito o diabo, 
o que em todos os momentos aos bons 
engana. 
 
14- Nunca queriam manter suas carnes em 
grande prazer, 
se esforçavam para servir a Deus, 
a isso tinham por festa e por muito grande 
gozo, 
punham a Deus a frente de todo o seu 
oficio. 
 
15 – Sempre rogavam a Deus de firme 
coração, 
que lhes quisesse dar alguma descendência, 
que estivessem ao seu serviço, ao de outro 
não, 
e sempre melhorasse esta devoção. 
 
16 - Se lhes deu outros filhos a legenda não 
diz , 
mas deu-lhes uma filha repleta de bens 
espirituais, 
que contra a sua carne lutou e contendeu, 
por consentir ao corpo nunca soltou a rédea. 
 
17 – Os pais foram, sem dúvida, santos e 
justos 
que foram merecedores de engendrar tal 
filha: 
 
 15
convenientes, 
sedién marabilladas ende todas las 
yentes. 
 
18 - Apriso las costumbres de los buenos 
parientes, 
quanto li castigavan ponié en ello 
mientes, 
con ambos sus labriellos apretava sus 
dientes, 
que non salliessen ende vierbos 
desconvenientes. 
 
de menina ela fazia ações muito corretas, 
deixava maravilhadas todas as pessoas. 
 
18 - Aprendeu os costumes dos bons pais, 
logo que a ensinavam guardava tudo na 
mente, 
com os lábios apertava seus dentes, 
para que não saíssem palavras 
inconvenientes. 
 
Tema: Paternidade / Maternidade (VSO 12-18) 
 
Referênci
a 
Dado a destacar Questões/Esclarecimentos 
 
Conclusões 
parciais 
Outras 
Observações 
VSO 
12 -14 
 
 
 
1- Caracterização 
dos pais de Oria 
– Amuña e 
Garçia- com 
adjetivos 
positivos. 
1-A caracterização 
dos pais é coletiva, 
mas, ao apresentar o 
nome do pai, o 
autor acrescenta o 
aposto “santo 
marido”. Por quê? 
1- Os pais de Oria 
eram pessoas 
dedicadas a Deus. 
1- Em VSO13 o 
autor usa o 
termo homem 
para referir-se à 
mãe e ao pai de 
Oria. 
VSO 
15-17 
 
 
 
1-Os pais rogam 
a Deus por filhos 
e este concedeu 
uma filha repleta 
de bens 
espirituais 
porque eles 
foram 
merecedores. 
 1- Filha santa, 
prêmio pelos pais 
serem santos e 
justos. 
 
 
 16
VSO 18 A filha aprendeu 
os costumes dos 
pais. 
 O autor estabelece 
uma relação entre 
a santidade dos 
pais e a santidade 
dos filhos. 
 
 
 
VSD 
 
5. Señor Sancto Domingo, dizlo la escriptura, 
natural fue de Cañas, non de bassa natura, 
lealmientre fue fecho a toda derechura, de 
todo muy derecho sin nulla depresura. 
 
6. Parientes ovo buenos, del Criador amigos, 
que siguién los esiemplos de los padres 
antigos; 
bien sabién escusarse de ganar enemigos, 
bien lis vinié en mientes de los buenos 
castigos. 
 
7. Juhanes avié nomne el su padre ondrado, 
de liñage, de Mansos, un omne señalado, 
amador de derecho, de seso acabado, non 
falsarié judicio por aver monedado. 
 
8. El nombre de la madre dezir no lo sabría, 
como non fue escrito no lo devinaría, 
mas ayan la su alma Dios e Sancta María; 
prosigamos el curso, tengamos nuestra vía. 
 
9. La cepa era buena, engendró buen 
sarmiento, 
non fue caña liviana, la que torna el viento; 
ca de luego fo cuerdo, niño de buen cimiento, 
de oír vanidades no lo prendié taliento. 
VSD 
 
5. Senhor Santo Domingo, diz a escritura, 
era natural de Cañas, de origem nobre, 
lealmente foi feito com toda retidão, muito 
direito em tudo sem nenhum defeito. 
 
6. Teve bons pais, amigos do Criador , 
que seguiam os exemplos dos antigos 
pais; 
bem sabiam como esquivar-se de ganhar 
inimigos, tinham sempre em mentes dos 
bons ensinamentos. 
 
7. Juhanes tinha por nome o seu pai 
honrado, da linhagem dos Mansos, um 
homem insigne, amante do direito, de 
completo juízo, não haveria falseado 
juízo por ter enriquecido. 
 
8. Dizer o nome da mãe eu não saberia, 
como não foi escrito não o adivinharia, 
mas que tenham a sua alma Deus e Santa 
Maria; 
prossigamos o curso, tenhamos nossa via. 
 
9. A cepa era boa, engendrou bom 
sarmento, 
não era um caule fraco, que o vento 
dobra; 
porque o menino de bom cimento logo foi 
prudente 
não o interessava ouvir futilidades. 
 
 
Tema: Paternidade / Maternidade (VSD 5-9) 
 
 
 17
Referência Dado a destacar Questões/ 
Esclarecimentos 
 
Conclusões parciais Outras 
Observações 
VSD 5 
 
 
1- A estrofe 
caracteriza 
Domingo como 
nobre, leal nos 
atos, direito, e 
sem defeito. 
1- Origem nobre - 
topos hagiográfico? 
 
VSD 6 
 
 
1- Caracterização 
coletiva dos pais 
com bons 
adjetivos, 
ressaltando o fato 
destes imitarem 
aos pais antigos e 
de guardarem os 
bons 
ensinamentos. 
 1- Pais como 
pessoas corretas e 
bons aprendizes. 
 
VSD 7-8 1- Destaque 
dado ao pai, 
Johanes, 
associando-o a 
adjetivos 
positivos. 
2- O nome da 
mãe não é 
mencionado e 
não é associado a 
adjetivos 
positivos. 
1- Por que a mãe 
de Domingo não é 
associada a 
adjetivos positivos? 
2- Por que a alma 
da mãe de 
Domingo é 
recomendada a 
Deus e Maria? 
 1- O autor 
recomenda, 
com a 
expressão “mas 
ayan la su alma 
Dios e Sancta 
María” a mãe 
de Domingo. 
VSD 9 1- Relação entre 
a raiz (Cepa) e o 
bom sarmento 
(ramo de vinha) 
1- Cepa – refere-se 
aos pais – mãe e 
pai – ou só ao pai? 
1-O autor 
estabelece uma 
relação entre a 
santidade do pai e 
do filho. 
 
 
 
 
LSC - Incipit legenda Sanctae Clarae virginis 
 
Et primo de ipsius ortu. 
 
1 Admirabilis femina, Clara vocabulo et 
virtute, de civitate Asisii, claro satis genere 
traxit originem: beato Francisco primum 
concivis in terris, on regnans postmodum in 
excelsis. Pater eius miles et tota utroque 
LSC- Começa a legenda da virgem Santa 
Clara. 
 
Antes de tudo, seu nascimento 
 
 1 Mulher admirável por seu nome, Clara 
de palavra e virtude, natural de Assis, de 
família muito preclara, foi concidadã do 
bem-aventurado Francisco na terra e, 
O pai 
 
 18
parente progenies militaris; domus bundans, et 
copiosae, iuxta morem patriae, facultates. 
Mater eius nomine Ortulana, fructiferam in 
orto Ecclesiae plantulam paritura, fructibus 
bonis et ipsa non mediocriter abundabat. 
Nam quamvis maritali iugo subdita, 
quamvis curis familiaribus alligata, vacabat 
tamen proposse divinis obsequiis, insistebat 
operibus pietatis. Ultra mare siquidem cum 
peregrinantibus devota transivit, et loca illa 
perlustrans, quae Deus homo sacris vestigiis 
consecrarat, tandem cum gaudio remeavit. 
Iterum ad S. Michaelem Archangelum causa 
orationis accessit, et Apostolorum limina 
devotius visitavit. 
 
 2 Quid plura? Ex fructu arbor 
cognoscitur (cfr. Mat 12,33; Luc 6,44), et 
fructus ex arbore commendatur. Praecessit 
in radice divini copia muneris, ut in 
ramusculo sequeretur abundantia 
sanctitatis. Praegnans denique mulier, et 
partui iam vicina, cum ante crucem in ecclesia 
Crucifixum attente oraret ut eam de partus 
periculo salubriter expediret, vocem audivit 
dicentem sibi (cfr. Act 9,4): Ne paveas mulier, 
quia quoddam lumen salva parturies, quod 
ipsum lumen clarius illustrabit. Quo edocta 
oraculo, natam infantulam sacro baptismate 
renascentem, Claram vocari iussit, sperans 
promissi luminis claritatem pro divinae 
beneplacito voluntatis aliqualiter fore 
complendam. 
 
De conversatione in domo paterna 
 
 3 Edita mox in lucem parvula Clara, 
tempestivo satis in umbra saeculi coepit 
clarescere lumine, atque intra teneros annos 
morum splendescere probitate. Docili corde 
primum ex matris ore fidei rudimenta 
suscepit, et spiritu interius conflante 
pariter et formante, vas revera purissimum, 
vas esse innotuit gratiarum. Extendebat 
libenter ad pauperes manum suam (cfr. Prov 
31,20) et de abundantia domus suae supplebat 
inopias (cfr. 2Cor 8,14) plurimorum. Et ut 
suum sacrificium gratius esset Deo, proprio 
depois, foi reinar com ele na glória. O pai 
era militar, e a família, de cavaleiros, dos 
dois lados. A casa era abastada e as 
riquezas, para o padrão local, copiosas. 
Sua mãe Hortolana, que devia dar à luz a 
planta frutífera no jardim da Igreja, 
também era rica em não poucos bons 
frutos. Embora presa aos laços do 
matrimônio e aos cuidados familiares, 
entregava-se como podia ao serviço de 
Deus e a intensas práticas de piedade. 
Tanto que, por devoção, foi com os 
peregrinos ao ultramar e voltou toda 
feliz, depois de visitar os lugares que o 
Deus-Homem consagrou com suas 
pegadas. Também foi ao santuário de São 
Miguel Arcanjo para rezar e visitou 
piedosamente as basílicas dos apóstolos. 
 
 2 Para que vou dizer mais? A árvore se 
conhece pelo fruto (cfr. Mt 12,33; Lc 
6,44) e o fruto é recomendado pela 
árvore. Já houve abundância de dons 
divinos na raiz para que houvesse 
abundância de santidade no ramo 
pequeno. A mãe, grávida, próxima de 
dar à luz, estava orando ao Crucificado 
diante da cruz, na igreja, para passar 
saudavelmente pelos perigos do parto, 
quando ouviu uma voz que dizia (cfr. At 
9,4): Não temas, mulher, porque, salva, 
vais dar ao mundo uma luz que vai deixar 
a próprialuz mais clara. Instruída pelo 
oráculo, quis que a filhinha, ao renascer 
pelo sagrado batismo, se chamasse Clara, 
esperando que se cumprisse de algum 
modo, pelo beneplácito da vontade divina, 
a claridade da luz prometida. 
 
Sua vida na casa paterna 
 
 3 Apenas dada à luz, a pequena Clara 
começou a brilhar com luminosidade 
muito precoce nas sombras do século e a 
resplandecer na tenra infância pelos bons 
costumes. De coração dócil, recebeu 
primeiro dos lábios da mãe os 
rudimentos da fé e, inspirando-a e 
formando-a interiormente o espírito
 
 19
corpuscolo delicata subtrahebat cibaria, 
clamque per internuncios mittens, reficiebat 
viscera pupillorum. Sic ab infantia secum 
miseratione crescente (cfr. Iob 31,18), mentem 
compassivam gerebat, miserorum miserias 
miserantem. 
 
formando-a interiormente o espírito, 
esse vaso, em verdade puríssimo, revelou-
se vaso de graças. Estendia a mão com 
prazer para os pobres (cfr. Pr 31,20) e, da 
abundância de sua casa, supria a 
indigência (cfr. 2Cor 8,14) de muitos. Para 
que o sacrifício fosse mais grato a Deus, 
privava seu próprio corpozinho dos 
alimentos mais delicados e, enviando-os 
às ocultas por intermediários, reanimava o 
estômago de seus protegidos. Assim 
cresceu a misericórdia com ela desde a 
infância (cfr. Jó 31,18) e tinha um coração 
compassivo, movido pela miséria dos 
infelizes. 
 
Tema: Paternidade / Maternidade (LSC 1-3) 
 
Referênc
ia 
Dado a destacar Questões/ 
Esclarecimentos 
 
Conclusões 
parciais 
Outras 
Observações 
 
LSC 1-2 
 
 
1- Pai militar 
2- Mãe, apesar de 
casada, servia a 
Deus. Fez, 
inclusive, 
peregrinações a 
lugares distantes. 
1- Esta é a única 
vez que o pai de 
Clara é 
mencionado. Por 
quê? Morrera 
quando Clara ainda 
era criança? 
1- O pai é só 
citado. Seu nome 
é sequer 
informado. 
2- Todo o 
destaque vai para 
a mãe. É 
estabelecida, pelo 
hagiógrafo, uma 
relação entre a 
santidade da mãe 
e da filha. 
1- Celano usa a 
mesma imagem, 
retirada da Bíblia, 
da relação entre 
raiz e ramo 
presente em VSD 
9. Aqui a raiz é 
claramente 
Hortolana. 
2- Os autores 
partilham dos 
mesmos símbolos, 
cuja fonte é, 
certamente, a 
Bíblia. 
 
LSC 3 
 
 
1- A mãe como a 
primeira educadora 
de Clara. 
 Relação entre a 
santidade da mãe 
e da filha, 
transmitida pela 
educação dos 
“fidei rudimenta 
“. 
Primeira educação 
religiosa, no seio 
da família, e a 
cargo das 
mulheres. 
 
 20
1 Cel - OPUSCULUM PRIMUM 
 
Ad laudem et gloriam Dei omnipotentis 
Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen. 
Incipit vita beatissimi patris nostri Francisci 
 
Caput I - Qualiter conversatus sit in habitu 
et animo saeculari. 
 
1- Vir erat in civitate Assisi, quae in 
finibus vallis Spoletanae sita est, nomine 
Franciscus, qui a primaevo aetatis suae 
anno a parentibus secundum saeculi 
vanitatem nutritus est insolenter et ipsorum 
miseram vitam diu imitatus et mores, 
vanior ipse atque insolentior est effectus. 
 Quoniam haec pessima consuetudo 
apud eos, qui christiano censentur nomine, 
sic undique inolevit et perniciosa doctrina 
haec, velut lege publica, ita ubique firmata 
est et praescripta, ut ab ipsis cunalibus 
remisse nimis et dissolute filios suos 
studeant educare. Primo namque cum fari 
vel balbutire incipiunt, turpia quaedam et 
exsecrabilia valde, signis et vocibus 
edocentur pueruli nondum nati: et cum 
tempus ablactationis advenerit, quaedam 
luxu et lascivia plena non solum fari sed et 
operari coguntur. Non audet aliquis illorum, 
aetatis timore coactus, honeste se gerere, 
quoniam ex hoc duris subiacet disciplinis. 
 Ideo bene ait saecularis poëta: “Quia 
inter exercitationes parentum crevimus, 
ideo a pueritia nos omnia mala sequuntur”. 
Testimonium hoc verum est, cum eo 
inimiciora sint illis vota parentum, quo 
cessere felicius. Sed et cum paulo plusculum 
aetate profecerint, se ipsis impellentibus, 
semper ad deteriora opera dilabuntur. Ex 
vitiata namque radice arbor vitiosa 
succrescit, et quod semel male depravatum 
est, vix reduci potest ad regulam aequitatis. 
Cum vero adolescentiae portas coeperint 
introire, quales eos fieri arbitraris? Tunc 
profecto omni dissolutionis genere 
fluitantes, eo quod liceat eis explere omne 
quod libet, omni studio se tradunt flagitiis 
deservire. Sic enim voluntaria servitute servi 
1 Cel PRIMEIRO LIVRO 
 
Para louvor e glória de Deus todo-poderoso 
Pai, Filho e Espírito Santo. Amém. 
Começa a vida do nosso beatíssimo pai 
Francisco. 
 
Capítulo 1 - Como tinha conduta e 
mentalidade 
mundanas. 
 
1- Vivia na cidade de Assis, na região do 
vale de Espoleto, um homem chamado 
Francisco. Desde os primeiros anos foi 
criado pelos pais com arrogância, ao sabor 
das vaidades do mundo. Imitou-lhes por 
muito tempo a via mesquinha e os 
costumes e tornou-se ainda mais arrogante 
e vaidoso. 
 Esse péssimo costume difundiu-se por 
toda parte, entre os que se dizem cristãos, 
como se fosse lei pública, tão confirmada e 
preceituada em toda parte que procuram 
educar seus filhos desde o berço com muito 
relaxamento e dissolução. Apenas nascidas, 
mal começam a balbuciar e a falar, as 
crianças aprendem, por gestos e palavras, 
coisas vergonhosas e verdadeiramente 
abomináveis. Na idade de abandonarem o 
seio materno, são levadas não só a falar 
mas também a fazer coisas indecentes e 
lascivas. E nenhuma delas ousa, 
impressionada pelo temor da idade, 
comportar-se honestamente, pois isso as 
poderia expor a castigos severos. 
 Bem disse o poeta pagão: “Como 
crescemos no meio dos hábitos de nossos 
pais, desde a infância acompanham-nos 
todos os males”. Este testemunho é bem 
verdadeiro, pois quanto mais perniciosa é 
para as crianças a condescendência dos 
pais, tanto mais elas se sentem felizes em 
lhes obedecer. Quando crescem mais um 
pouco, caem por si mesmas em práticas 
cada vez piores. Uma árvore de raízes más 
só pode ser má, e o que foi pervertido uma 
vez dificilmente poderá ser endireitado. 
Quando chegam às portas da adolescência, 
 
 21
effecti peccati, arma iniquitatis exponunt 
omnia membra sua, et nihil in se christianae 
religionis in vita seu in moribus 
praeferentes, solo christianitatis nomine se 
tuentur. Simulant miseri plerumque se 
nequiora fecisse quam fecerint, ne videantur 
abiectiores, quo innocentiores exsistunt. 
que poderão ser esses jovens? Então, no 
turbilhão de toda sorte de prazeres, sendo-
lhes permitido fazer tudo que lhes apraz, 
entregam-se de corpo e alma aos vícios. 
Assim, escravos voluntários do pecado, 
fazem de todos os seus membros 
instrumentos de iniquidade. Sem nada 
conservar da religiosidade cristã em sua 
vida e em seus costumes, defendem-se 
apenas com o nome de cristãos. Esses 
infelizes muitas vezes até fingem ter feito 
coisas piores do que de fato fizeram, para 
não passarem por mais vis na medida em 
que são mais inocentes. 
 
 
Tema: Paternidade / Maternidade (1Cel 1) 
 
Referênci
a 
Dado a 
destacar 
Questões/ 
Esclarecimentos 
 
Conclusões 
parciais 
Outras Observações 
 
 
1Cl 1 
 
1- Francisco 
era vaidoso e 
arrogante 
devido à 
educação dada 
pelos seus 
1- O autor pagão que é 
transcrito por Celano é 
Sêneca. 
1- O 
comportamento 
dissoluto de 
Francisco é fruto 
do mesmo 
comportamento 
1- O autor faz um 
longo discurso 
moralizante sobre a 
educação dada aos 
filhos pelos pais, no 
qual um autor 
 
 22
pais. dos pais. 
2- Na 
caracterização 
dos pais não há 
diretivas de 
gênero.pagão é citado como 
uma autoridade para 
sustentar a tese do 
autor. 
2-O uso da imagem 
da raiz como 
geradora da árvore 
também figura nesta 
obra, mas com 
sentido negativo. 
 
 
 
2 Cel - PRIMUM OPUS. 
Incipit “memoriale in desiderio animae (cfr. 
Is 
26,8)” de gestis et verbis sanctissimi patris 
nostri Francisci. 
 
De conversione eius. 
 
Caput I - Qualiter vocatus est prius Ioannes, 
postea Franciscus; quod mater prophetavit de 
ipso, et quod etiam de se ipso futura 
praedixit, et de patientia in vinculis. 
 
 3 Franciscus, servus et amicus Altissimi, 
cui divina providentia hoc vocabulum indidit, 
ut ex singulari et insueto nomine opinio 
ministerii eius toti citius innotesceret orbi, a 
matre propria Ioannes vocatus fuit, cum de 
filio irae (cfr. Eph 2,3), ex aqua et Spiritu 
Sancto renascens (cfr. Ioa 3,5), gratiae filius 
est effectus. Quae mulier, totius honestatis 
amica, quoddam virtutis insigne praeferebat 
in moribus, sanctae illius Elisabeth, tam 
impositione nominis ad filium (cfr. Luc 
1,57-63) quam et spiritu prophetali, aliquo 
similitudinis privilegio gaudens. Nam 
Francisci magnanimitatem et morum 
honestatem admirantibus convicinis, quasi 
divino instructa oraculo, sic aiebat: “Quid 
putatis iste filius meus erit (cfr. Luc 1,66)? 
Meritorum gratia, Dei filium (cfr. Mat 5,9) 
ipsum noveritis affuturum”. Haec revera 
nonnulorum erat opinio, quibus, 
grandiusculus factus, studiis valde bonis 
placebat Franciscus. Relegabat semper a se 
2 Cel - PRIMEIRO LIVRO 
Começa a “recordação pela qual a alma 
aspira a” 
dos feitos e palavras de nosso pai São 
Francisco 
 
De sua conversão. 
 
Capítulo 1 - Como foi primeiro chamado de 
João, depois de Francisco, o que também 
ele profetizou que ia acontecer a seu 
respeito, e da paciência na prisão 
 
3 Servo e amigo do Altíssimo, Francisco 
recebeu esse nome por providência divina, 
para que, por sua singular originalidade, 
mais rapidamente se difundisse por todo o 
mundo o conhecimento de sua missão. 
Recebeu de sua mãe o nome de João 
quando deixou de ser filho da ira para ser 
filho da graça, ao renascer da água e do 
Espírito Santo c. Essa mulher, modelo de 
retidão, era de uma virtude notável, e teve 
o privilégio de se parecer com Santa 
Isabel, tanto pelo nome que deu ao filho 
como pelo espírito profético. Pois, quando 
os vizinhos se admiravam da grandeza de 
alma e da integridade de Francisco, dizia, 
como que inspirada: “Quem vocês pensam 
que vai ser este meu filho? Ainda vão ver 
que, pelos seus merecimentos, vai ser um 
verdadeiro filho de Deus”. De fato, era 
essa a opinião de várias pessoas quando, já 
mais grandinho, Francisco conquistou a 
simpatia de todos por seus bons esforços. 
 
 23
omne quod apud aliquem sonaret iniuriam, et 
urbanis adolescens moribus, omnibus 
videbatur non illorum parentum, Qui 
dicebantur eius, prosapia genitus. Ioannis 
proinde nomen ad opus ministerii pertinet 
quod suscepit, Francisci vero ad dilatationem 
famae suae, quae de ipso, iam plene ad Deum 
converso, ubique cito pervenit. Celeberrimum 
ideo supra omnium festa sanctorum festum 
Ioannis Baptistae ducebat, cuius dignitas 
nominis mysticae virtutis impressit sibi 
vestigium. Illo inter natos mulierum non 
surrexit maior (cfr. Mat 11,11), isto inter 
fundatores religionum non surrexit perfectior. 
Observatio certe digna praeconio. 
Sempre afastava de si tudo que pudesse 
parecer injúria para alguém e, como um 
adolescente bem educado, parecia a todos 
que não era descendente da linhagem 
daqueles que eram conhecidos como seus 
pais. Por isso o nome João convém à 
missão que recebeu, mas Francisco 
convinha melhor à difusão de sua fama que, 
quando ele se voltou plenamente a Deus, 
chegou rapidamente a toda parte. Para ele 
a festa mais importante entre as de todos os 
santos era a de São João Batista, cujo 
nome insigne o havia marcado com uma 
força mística. Entre os nascidos de mulher 
não apareceu nenhum maior do que o 
primeiro (cfr. Mt 11,11); entre os 
fundadores de Ordens não houve nenhum 
mais perfeito do este. Esta observação 
merece certamente ser proclamada. 
 
 
 
 
 
 
Tema: Paternidade / Maternidade (2 Cel 3) 
 
Referênc
ia 
Dado a destacar Questões/ 
Esclarecimentos 
 
Conclusões parciais Outras 
Observações 
 
2 Cel 3 
 
 
1- Mãe como 
modelo de 
retidão, 
associada a 
Isabel, 
personagem do 
NT. 
 1- O pai não é 
mencionado. 
2- Apesar de elogiar a 
mãe, não é feita, no 
texto, uma associação 
entre a santidade de 
Francisco e a 
santidade ou 
educação dada pela 
sua mãe. 
1-Uso do 
método 
alegórico, com 
o qual faz 
relações entre 
os personagens 
bíblicos e os da 
2 Cel. 
 
 
 
 
2-Francisco era 
um adolescente 
educado, que 
não parecia 
descender da 
mesma 
linhagem de 
 1-Francisco não 
herda de seus pais a 
educação. 
 
 
 24
seus pais. 
 
 
 
Após a análise das enunciações de Gonzalo de Berceo e Tomás de Celano, 
podemos traçar algumas conclusões. Face ao hagiógrafo italiano, o ibérico faz mais 
referências aos pais dos santos e santas. Para ele há uma relação direta entre a santidade 
dos pais e a dos filhos. Porém, ao fazê-lo, ainda que trate os genitores em conjunto, dá 
destaque aos pais. Assim Garçia, pai de Oria, é um santo marido e Juhanes, pai de 
Domingo, era honrado, nobre, insigne, ajuizado, honesto. Em Celano ocorre o oposto. 
Há poucas referências aos pais e mães e, quando há algum destaque, este vai para as 
mães. Os pais, quando muito, são só citados. 
Como assinalamos no item anterior, após o levantamento dos dados textuais, há 
que os cruzar com os extra-textuais e os referentes a recepção, a circulação e a 
transmissão da enunciação, e interpretá-los a partir de alguns pressupostos, teóricos ou 
não, que, no que se refere a estas reflexões, já foram apresentados no decorrer É 
impossível reproduzir aqui todos os passos deste processo cognitivo. Vamos elaborar, 
contudo, uma síntese ilustrativa. 
Tanto Celano quanto Berceo escreveram hagiografias, ou seja, textos que têm 
como temática central um santo ou uma santa, com objetivos didáticos e litúrgicos. 
Porém, Gonzalo escreveu suas obras em romance, ou seja, a língua usado no cotidiano; 
em forma de versos; a pedido de um mosteiro que seguia a regra beneditina; 
celebrizando santos locais que viveram dois séculos anteriores à redação dos poemas. É 
possível concluir, por tais dados, que suas obras estavam voltadas para um grande 
público e que, provavelmente, tinham como principal objetivo angariar doações para o 
mosteiro que patrocinou sua redação. Pelas características formais dos textos, é possível 
supor que eram lidos em voz alta para os peregrinos que acorriam ao mosteiro de São 
Millán de la Cogolla. Neste sentido, há uma clara preocupação do autor em realçar a 
santidade de Domingo e Oria, para ele, manifestada desde antes do nascimento! Este é 
um topos hagiográfico, retomado para afirmar a superioridade dos santos locais. 
Ao fazer a associação entre a santidade dos genitores com a dos filhos, porém, 
Berceo destaca as figuras masculinas. O nome da mãe de Domingo não figura no poema 
e a ela não é associado, de forma direta, qualquer adjetivo positivo. Trata-se de um não 
 
 25
dito. Por outro lado, no caso dos pais de Oria, mesmo que sejam caracterizados em 
conjunto na maior parte dos versos, ao nome de Garçia é adicionado o aposto “santo 
marido”, remetendo o seu público ao papel de chefe da família e guia de sua esposa. 
Além disso, no verso 13a, o poeta usa o termo omnes (homens) ao referir-se ao casal. 
Em sua enunciação, Gonzalo de Berceo materializa um discurso degênero, no 
qual, se há uma associação entre santidade os genitores e seus filhos, ela faz-se possível 
devido à liderança, sobretudo moral e espiritual, dos pais, homens, no seio da família. 
Face aos poemas berceanos, as obras de Celano apresentam particularidades: 
foram escritas em latim; em prosa; a pedido de papas e da maior autoridade da Ordem 
Franciscana, o ministro geral; narram a biografia e os feitos maravilhosos de santos 
contemporâneos, para os quais se aspirava o reconhecimento universal e tinham, como 
principal objetivo, divulgar, principalmente entre o corpo eclesiástico e os próprios 
membros da nascente Ordem, o culto aos santos recém canonizados - Francisco em 
1228 e Clara em 1255 - oficialmente pela Igreja. Há nestas hagiografias, porém, a 
despeito da mesma autoria/emissor, divergências no tratamento da maternidade e da 
paternidade. 
Em 1 Cel, primeira a ser redigida, todo o enfoque está em Francisco. Recém-
falecido, a sua trajetória ainda estava viva na memória de muitos. Neste sentido, o autor, 
apesar de enaltecer a figura do fundador da Ordem Franciscana, não incorpora os topoi 
hagiográficos típicos de tais obras, como o da santidade herdada, elaborando um texto 
mais realista e de caráter moralizante. Assim, não sublinha a relação de Francisco com 
seus pais, mas aproveita este elemento para fazer um longo discurso sobre a vida 
dissoluta dos genitores e seus efeitos nos filhos. Seu texto, apesar de voltado para toda a 
cristandade, estava em latim e, portanto, priorizava um público letrado, formado 
sobretudo por clérigos que, certamente, transmitiriam, oralmente, o discurso de Celano. 
Desta forma, sem inspirar-se em diretivas de gênero, o autor adverte sobre má 
influência dos pais na formação dos filhos, defendendo que o pecado dos pais é a raiz 
dos pecados dos filhos. 
2 Cel tem outro público. Dirige-se aos frades, em um momento em que as crises 
internas, decorrentes do crescimento da ordem, começavam a surgir. Aqui, apesar da 
figura da mãe de Francisco ser realçada, não é feita nenhuma associação entre a 
 
 26
santidade do filho e a santidade da mãe. Esta obra ajusta-se, face a 1Cel, muito mais aos 
padrões tradicionais das hagiografias; contudo, como relacionar a piedade de uma 
mulher casada com a santidade de seu filho em um texto dirigido a religiosos 
celibatários? Por outro lado, a relação entre a santidade de Francisco com a de seu pai 
era, certamente, impossível, já que os conflitos entre os dois eram de conhecimento 
geral. Assim, sem poder associar a santidade de Francisco à educação recebida por seu 
pai, prefere omitir este elemento. O discurso de gênero, neste caso, materializa-se 
através do silêncio. 
A LSC é uma hagiografia escrita para as mulheres, sobretudo religiosas, e deseja 
difundir padrões ideais de comportamento feminino. Assim, nesta obra, há destaque 
para Hortolana que, apesar de casada, como é sublinhado no texto, era uma mulher 
piedosa. Ela teria imprimido tal devoção no espírito da filha, que, por sua vez, ela 
acabou por se tornar uma virgem consagrada a Deus, aperfeiçoando, de certa forma, a 
vivência da fé ensinada por sua mãe. Os dos modelos ideais de comportamento 
feminino - a mulher casada, devotada à fé e aos filhos, e a virgem dedicada a Deus - 
dentre os quais todas as mulheres deveriam optar para seguir, fazem-se presentes na 
enunciação de Celano. Esta enunciação é uma materialização do discurso de gênero que 
considera as mulheres como seres naturalmente inferiores e danosos, a si e aos outros, e 
que só podem se redimir através da fé e das obras de piedade. 
Faz-se importante ressaltar que as considerações aqui traçadas são uma síntese e 
não se configuram como um texto historiográfico organizado que, como já sublinhamos, 
possuem regras próprias de estruturação. As conclusões a que chega um pesquisador 
deverão, portanto, nortear a produção do texto que não irá relatar, tal como foi feito 
aqui, as diversas etapas da pesquisa, mas apresentar, fundamentado em vários 
argumentos, as conclusões de sua pesquisa. Contudo, este é um tema para um novo 
artigo... 
 
Conclusão 
 
Na perspectiva pós-estruturalista que adotamos, o social é um conjunto múltiplo 
de discursos. Neste sentido, os discursos são constituídos a partir de outros discursos e 
 
 27
deles sofre a interferência. Nenhum discurso é totalmente absoluto, ainda que 
hegemônico, já que um dado discurso não elimina o outro. 
No estudo dos discursos há que ter em mente que a sua constituição, sua 
formulação e sua circulação são etapas distintas. É através de sua enunciação que o 
discurso, previamente constituído, formula-se, materializa-se. Assim, é só através do 
estudo da enunciação é que se pode chegar ao discurso. 
A enunciação, contudo, ocorre num determinado tempo e lugar e para um dado 
receptor. É justamente no ato da enunciação e da recepção que o discurso produz/ganha 
sentido. Assim, não basta estudar um enunciado, há que reconstruir os processos de 
formulação dos discursos e de sua circulação. 
Para o estudo dos enunciados propomos algumas técnicas, sublinhando, contudo, 
que elas são um mero instrumento de levantamento de dados. É um trabalho empírico 
que não exclui a necessidade de uma reflexão, a partir de pressupostos teóricos e não 
teóricos, dos dados coletados, que incluem não só os textuais, mas também os extra-
textuais e os referentes à sua recepção, circulação e transmissão. 
Esperamos que a técnica aqui apresentada venha a auxiliar os estudantes que estão 
se iniciando em suas pesquisas em História. Longe de ser uma proposta inovadora, o 
que apresentamos aqui é uma síntese, constituída a partir da leitura de autores teóricos, 
de textos historiográficos, da conversa com alunos e colegas 26 e, sobretudo, do ensaio e 
erro em nossas atividades de pesquisa e orientação. 
O que propomos é um auxílio para a sistematização das pesquisas sobre os 
discursos e de seus processos de significação, em especial para a análise das 
enunciações, mas que não deve se constituir como uma camisa de força, mas funcionar 
como uma espécie de diretriz que deverá ser adaptadas à natureza e ao cotidiano de 
pesquisa de cada um. 
 
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Notas 
* Texto publicado em Cronos: Revista de História, Pedro Leopoldo, n. 6, p. 194-223, 2002. 
** Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História Comparada 
(PPGHC) da UFRJ; Co-coordenadora do Programa de Estudos Medievais (Pem) da UFRJ; 
Pesquisadora do CNPq. 
1 Sobre o impacto dos estudos de Semântica, Semiótica e Teoria Literária na História ver, dentre outros 
trabalhos, ROBIN, 1977; CARDOSO, 1988; CHEVALIER,1988; BACCEGA, 1995; CARDOSO, 
VAINFAS, 1997: 375-400; MCNALLY, 1999. 
2 Estas reflexões teóricas estão relacionadas ao desenvolvimento do projeto Santidade e Gênero na 
Hagiografia Mediterrânica no século XIII: um estudo comparativo, que desde agosto de 2001 recebe 
apoio financeiro do CNPq. 
3 Durante o primeiro semestre letivo de 2002 ministrei, no Programa de Pós-Graduação em História 
Comparada da UFRJ, uma disciplina voltada para a abordagem das questões que figuram neste artigo. 
Assim, o material aqui apresentado é, em grande parte, resultado das discussões realizadas com os 
alunos durante o curso. Agradeço ao grupo, formado pelas alunas Alessandra Costa Mamede, Carolina 
 
 32
Vianna, Daniele Gallindo Gonçalves e Souza, Elisabeth da Silva dos Passos, Fabrícia Angélica 
Teixeira de Carvalho, Irenilda R. B. de R. M. Cavalcanti e Rita de Cássia Damil Diniz. A elas dedico 
este trabalho. 
4 Não desconhecemos as diversas críticasque têm sido levantadas contra a postura teórica que adotamos, 
sobretudo de autores da escola marxista. Sobre estas críticas ver, dentre outros, as obras de 
FREADMAN e MILLER, 1994; EAGLETON, 1997; WOOD e FOSTER, 1999. 
5 Sobre os três momentos nos processos de produção do discurso, ver ORLANDI, 2001. 
6 A opção pelo material verbal justifica-se por dois motivos: minha formação acadêmica e o fato de que a 
maioria dos historiadores ainda prioriza os textos verbais. 
7 Estas enunciações podem ser verbais ou não verbais, orais ou escritas. Porém, como já assinalamos, 
priorizamos, aqui, os textos verbais escritos. 
8 Estou me referindo aos textos manuscritos, sobretudo os antigos e medievais, que se tornam públicos 
através de edições impressas ou livros eletrônicos. 
9 Para a contribuição dos aspectos formais do texto no estudo das enunciações ver SILVA, 2000b. 
10 Como assinalamos na introdução, não trataremos, nesse artigo, da redação do projeto de pesquisa. 
Gostaríamos de ressaltar, porém, que em nossa perspectiva, os pressupostos da pesquisa não se 
resumem ao quadro e conceitos teóricos, mas é tudo aquilo de onde o pesquisador parte, suas 
premissas, idéias-base, a partir das quais o autor constitui suas questões de pesquisa. Ao apresentar 
minha pesquisa em desenvolvimento, aponto quais são os meus pressupostos. Este exemplo pode ser 
elucidativo sobre o que entendemos por pressupostos. 
11 Optamos por citar trabalhos disponíveis em português, para facilitar a consulta dos leitores. A 
referência completa de tais obras encontra-se na bibliografia final. 
12 Este trabalho, escrito no início da década de 90, parte de pressupostos teóricos distintos dos que 
empregamos no presente. 
13 O que é definido como elementos extra-textuais ou extra-discursivos, como denominam alguns, 
variam de autor para autor. 
14 Uma das grandes dificuldades dos alunos de graduação e pós-graduação é justamente separar as etapas 
da pesquisa propriamente dita - momento de levantamento, seleção, análise, interpretação e conclusão 
sobre os dados – da de redação, quando há que transformar os resultados da pesquisa em um texto 
organizado, com coerência, clareza e profundidade. Este tema não será tratado neste artigo. Sugiro a 
leitura de textos que apresentem dicas para a organização de idéias e redação e, no caso específico da 
escrita historiográfica o artigo de D’ASSUNÇÃO, 2000. 
15 Sobre a biografia de Gonzalo de Berceo ver SILVA, 2001. 
16 Gonzalo de Berceo compôs três hinos - dedicados à Virgem, ao Espírito Santo e a Jesus-, além dos 
poemas marianos Milagros de Nuestra Señora, Loores de Nuestra Señora e El duelo de la Virgen; as 
obras doutrinais Del sacrificio de la Misa e Los Signos del Juicio final e, por fim, os textos 
hagiográficos Martirio de San Lorenzo, Vida de Santa Oria, também intitulada por alguns estudiosos 
como Poema de Santa Oria e as já mencionadas Vida de San Millan de la Cogolla e Vida de Santo 
Domingo de Silos. 
17 Segundo Brian Dutton, com exceção das obras doutrinais, todos os demais poemas berceanos 
apresentam temáticas em estreita ligação com o cenóbio emilianese: Millán, segundo a tradição, fora o 
fundador do mosteiro, no século VI; Oria foi emparedada deste mesmo mosteiro no século XI; 
Domingo, o reformador do Mosteiro de Silos, fora monge e prior do cenóbio de la Cogolla no século 
XI; Lorenzo, martirizado durante a perseguição aos cristãos sob Décio, em meados do século III, foi 
homenageado por Millán, que deu o seu nome a uma montanha onde viveu como eremita; quanto às 
obras marianas, estariam relacionadas à Igreja de San Millán de Yuso, dedicada à Virgem (DUTTON, 
1984:177-83). 
18 Possuímos também, dessas obras berceanas, uma edição em fac-símile. 
19 Sobre a biografia e as obras de Tomás de Celano ver PRINZIVALLI, 1999 e PEDROSO, 1998: 20-9. 
 
 33
20 São atribuídas a Tomás de Celano o hino Dies Irae, o Fregit Victor Virtualis, a Sanctitat Nova Signa, 
o Tratado dos Milagres e uma Legenda Coral da Vida de Francisco de Assis para uso litúrgico. 
21 Sobre a expansão, institucionalização e os problemas internos da Ordem ver DESBONNETS, 1987; 
MERLO, 1999; PELLEGRINI, 1999. 
22 Uma síntese sobre o debate quanto a autoria da LSC ver BARTOLI, 1998: 17. 
23 Cada pesquisador deve construir a sua própria forma de registro de dados, adaptado aos temas de 
pesquisa e, sobretudo, suas características individuais. A que figura aqui é só um exemplo ilustrativo. 
24 A referência completa da edição impressa da documentação aqui transcrita encontra-se na bibliografia 
final. 
25 A tradução dos versos transcritos da VSD e VSO foi feita pela autora do artigo. 
26 Dentre os colegas com os quais tenho discutido tais questões, destacam-se as professoras doutoras 
Leila Rodrigues da Silva e Maria Cristina Correia Leandro Pereira. Deixo registrado, aqui, meu 
agradecimento às suas sempre preciosas críticas e sugestões.

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