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Caro aluno Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em período integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totali- zando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A seguir, apresentamos cada seção: De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desen- volvida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo o território nacional. INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada co- leção tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolu- ção das questões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, completos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas que complementam as explicações dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. TEORIA No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cui- dadosa seleção de conteúdos multimídia para complementar o repertório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. Tudo isso é encontrado em subcategorias que fa- cilitam o aprofundamento nos temas estudados – há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões de aplicati- vos que facilitam os estudos, com conteúdos essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, em uma seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso aluno. MULTIMÍDIA Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é elaborada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não exigem mais dos candidatos apenas o puro co- nhecimento dos conteúdos de cada área, de cada disciplina. Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran- gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Ma- temática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com essa realidade por meio de explicações que relacionam a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o aluno consegue entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive. CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu distanciamento da realidade cotidiana, o que difi- culta a compreensão de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos temas para além da superficial me- morização de fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida a seção “Vi- venciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma preo- cupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato em seu dia a dia. VIVENCIANDO Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fa- zem parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compilados, deparamos-nos com modelos de exercícios re- solvidos e comentados, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difícil compreensão torne-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever, a qualquer momento, as explica- ções dadas em sala de aula. APLICAÇÃO DO CONTEÚDO Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desem- penho ao fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resolvê-las com tranquilidade. ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, criamos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aqueles que aprendem visualmente os conte- údos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas. Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organização dos estudos e até a resolução dos exercícios. DIAGRAMA DE IDEIAS © Hexag SiStema de enSino, 2018 Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2023 Todos os direitos reservados. Coordenador-geral Murilo de Almeida Gonçalves reSponSabilidade editorial, programação viSual, reviSão e peSquiSa iConográfiCa Hexag Editora editoração eletrôniCa Letícia de Brito Matheus Franco da Silveira projeto gráfiCo e Capa Raphael de Souza Motta imagenS Freepik (https://www.freepik.com) Shutterstock (https://www.shutterstock.com) Pixabay (https://www.pixabay.com) iSbn 978-85-9542-262-9 Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a in- clusão de informação adicional, ficamos à disposição para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre as imagens pub- licadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições. O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não rep- resentando qualquer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora. 2023 Todos os direitos reservados para Hexag Sistema de Ensino. Rua Luís Góis, 853 – Mirandópolis – São Paulo – SP CEP: 04043-300 Telefone: (11) 3259-5005 www.hexag.com.br contato@hexag.com.br HISTÓRIA HISTÓRIA GERAL 5 AULAS 17 E 18: BAIXA IDADE MÉDIA 007 AULAS 19 E 20: RENASCIMENTO CULTURAL E CIENTÍFICO 018 AULAS 21 E 22: REFORMA E CONTRARREFORMA 029 AULAS 23 E 24: ANTIGO REGIME: ABSOLUTISMO, MERCANTILISMO E A MONARQUIA FRANCESA 038 AULAS 25 E 26: MONARQUIA INGLESA E AS REVOLUÇÕES INGLESAS DO SÉCULO XVII 049 AULA FUNDAMENTO: ILUMINISMO 058 HISTÓRIA DO BRASIL 67 AULAS 17 E 18: PRIMEIRO REINADO (1822-1831) 069 AULAS 19 E 20: REGÊNCIA (1831-1840) E SEGUNDO REINADO: POLÍTICA INTERNA (1840-1889) 081 AULAS 21 E 22: SEGUNDO REINADO: POLÍTICA EXTERNA E ECONOMIA 098 AULAS 23 E 24: CRISE DO IMPÉRIO 116 AULAS 25 E 26: REPÚBLICA DA ESPADA 128 SUMÁRIO Co m pe tê n Ci a 1 Compreender os elementos culturais que constituem as identidades H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura. H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas. H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos. H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspectoda cultura. H5 - Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades. Co m pe tê n Ci a 2 Compreender as transformaçõespinturas do teto da Capela Sistina (1508-1512). multimídia: vídeo 4.3. França As manifestações da cultura renascentista na França ocor- reram principalmente depois que os exércitos franceses in- vadiram a Itália e trouxeram de lá noções da nova estética italiana. Na literatura, Rabelais, com seu Gargantua e Pan- tagruel, foi um importante escritor ao lado de Montaigne, autor de uma vasta obra filosófica intitulada Ensaios. 4.4. Países Baixos erasmo de roterdã Erasmo de Roterdã foi um humanista cristão de con- siderável expressão, que pretendia forjar uma Igreja re- novada. Elogio da Loucura, sua principal obra, criticava a ganância, a imoralidade, o formalismo e a ignorância do clero, bem como o comércio de relíquias e indulgências. 24 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Erasmo propunha que a Igreja reorganizasse sua ação com base nos autênticos princípios evangélicos. a loucura. ilustração de hans holbein (1515) Com exceção de Erasmo, o Renascimento nos Países Bai- xos foi essencialmente dominado pela pintura. Numa das regiões mais ricas da Europa, a burguesia era disciplinada e trabalhadora, sem pretensões aristocratizantes. Investia- -se em arte e doavam-se pinturas às igrejas como meio de purificação das próprias almas. A realidade social aparece de forma autêntica na pintura, que reproduz a miséria e a pobreza ao lado da riqueza. As obras do período retratam interiores de templos, palácios, oficinas e residências, bem como objetos, naturezas-mortas e paisagens. Nessa época se desenvolveu a técnica do retrato, principalmente o de perfil e o retrato conjugal. A Divina Comédia – Dante Alighieri (1321) O poema – talvez o maior do Ocidente – descreve uma viagem do Inferno ao Paraíso, na qual se sucedem di- versos acontecimentos. Sua força está na riqueza das alegorias, que tornam o relato atemporal. multimídia: livro Os flamengos foram os inventores da pintura a óleo, por meio da qual conseguiram efeitos notáveis. Na pintura a óleo O casal Arnolfini, de Jan van Eyck, inaugurou-se o retrato conjugal. Ainda profundamente ligado às raízes góticas da arte fla- menga, Hieronymus Bosch, em O jardim das delícias, criou uma atmosfera caótica de homens e mulheres bestifi- cados em situações insólitas. Com preocupação sobretudo moralizante, o artista critica o caráter dissoluto da socieda- de de seu tempo. o casal amolFini, de jan Van eYck. típico casal burguês em ascensão socioeconômica 5. Renascimento científico As ciências, os estudos da natureza e a busca de expli- cações racionais para os fenômenos naturais foram es- timulados pelo pensamento renascentista. Em oposição aos dogmas e verdades incontestáveis impostos pela fé, foram estimulados o conhecimento racional, a observa- ção e a experiência como fontes de conhecimento. graVura de harmonia macrocósmica, de andreas cellarius (1660-1661), representando o modelo heliocêntrico, segundo copérnico Na obra De revolutionibus orbium celestium (Sobre a re- volução dos globos celestes), Nicolau Copérnico negou a teoria geocêntrica (a Terra como centro do universo) e propôs o heliocentrismo, defendendo que o centro do universo é o Sol, em torno do qual giram a Terra e todos os outros planetas. Essa teoria foi confirmada pelo italiano Galileu Galilei, que se serviu de uma luneta para estudar os movimentos dos astros e acabou descobrindo os satélites de Júpiter. Ga- CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 25 V O LU M E 3 lileu foi julgado pelo Tribunal da Inquisição por confirmar o heliocentrismo. Para escapar da morte, abriu mão de suas ideias, negando-as publicamente. O alemão Johannes Kepler realizou estudos sobre o mo- vimento dos astros e observou as órbitas dos planetas em torno do Sol, comprovando que são elípticas e não circula- res, como se imaginava até então. Os estudos do corpo humano estimularam descobertas e avanços na Medicina. Leonardo da Vinci realizou estu- dos de anatomia humana, assim como o médico flamengo André Vesálio, que pesquisou o corpo humano pela dis- secação de cadáveres. humanis corporis Fabrica, detalhe de andré Vesálio O francês Ambroise Pare descobriu uma nova maneira de estancar hemorragias, enquanto o médico espanhol Miguel de Servet descreveu o mecanismo da pequena circulação. Merecem destaque ainda o suíço Paracelso (pseudônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohe- nheim), que abriu caminho para a doutrina dos medica- mentos específicos e da farmacologia, e o médico inglês Willian Harvey, que descobriu o retorno do sangue ao coração pelos vasos sanguíneos. 26 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Artes plásticas O Renascimento cultural teve início no século XIV, na Itália, e se estendeu por toda a Europa durante os séculos seguintes. A península Itálica, importante centro comercial da época, possuía uma economia pujante, cujos excedentes puderam ser investidos também na produção cultural. Duas das mais famosas obras produzidas nesse período são Pietà e David, ambas de Michelangelo. A Pietà retrata a Virgem Maria com o corpo de Jesus em seus braços, logo depois da crucificação. David retrata o pastor responsável por derrotar o gigante Golias na famosa passagem bíblica. Em ambas as obras, são impressionantes o realismo e a riqueza de detalhes. Essas esculturas demonstram, entre outras coisas, a afeição do artista pela arte sacra, a riqueza presente na arte do período e a revivência de valores clássicos pelos artistas renascentistas. Embora afirmem alguns que os renascentistas pregavam contra os mitos e preceitos cristãos, é fácil observar que muitas obras do período refutam esse equívoco histórico. CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 27 V O LU M E 3 HABILIDADE 16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social. O desenvolvimento tecnológico, associado à sofisticação da produção e do comércio, redimensiona em diferentes graus as relações de trabalho. Uma tecnologia como a do arado manual tende a gerar uma relação de trabalho específica – normalmente, no caso do ocidente, a servidão. Já a máquina a vapor, du- rante a Revolução Industrial, estabeleceu a relação assalariada entre operários e burgueses. Não se trata, obviamente, de uma relação determinística, mas de uma tendência geral. A habilidade 16 requer a análise de textos, obras de arte ou dados estatísticos que apresentem mudanças no mundo do trabalho associadas a inovações tecnológicas. O candidato deve ter sua capacidade de interpretação aguçada, além de compreender as principais inovações científicas e tecnológicas na história. MODELO 1 (Enem) No início foram as cidades. O intelectual da Idade Média – no Ocidente – nasceu com elas. Foi com o desenvolvimento urbano ligado às funções comercial e industrial – digamos modestamente artesanal – que ele apareceu, como um desses homens de ofício que se instalavam nas cidades nas quais se impôs a divisão do trabalho. Um homem cujo ofício é escrever ou ensinar, e de preferência as duas coisas a um só tempo, um homem que, profissionalmente, tem uma atividade de professor e erudito, em resumo, um intelectual – esse homem só aparecerá com as cidades. le goFF, j. os intelectuais na idade média. rio de janeiro: josé olYmpio, 2010. O surgimento da categoria mencionada no período em destaque no texto evidencia o(a): a) apoio dado pela Igreja ao trabalho abstrato; b) relação entre desenvolvimento urbano e divisão de trabalho; c) importância organizacional das corporações de ofício; d) progressiva expansão da educação escolar; e) acúmulo de trabalho dos professores e eruditos. ANÁLISE EXPOSITIVA O desenvolvimento urbano e o renascimento cultural promoveram transformações na sociedade, como o surgimento de novas profissões urbanas, possibilitando também uma nova divisão do trabalho. RESPOSTA Alternativa B ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM28 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 RENASCIMENTO CULTURAL RENASCIMENTO CIENTÍFICO • CRISE DO FEUDALISMO • CRESCIMENTO DA ECONOMIA DE MERCADO • FORTALECIMENTO DA BURGUESIA • LITERATURA - DANTE ALIGHIERI, NICOLAU MAQUIAVEL, BOCCACCIO • ARTES PLÁTICAS - BITTICELLI, MICHELANGELO, LEONARDO DA VINCI • ESPANHA - MIGUEL DE CERVANTES • PORTUGAL - GIL VICENTE, CAMÕES • INGLATERRA - SHAKESPEARE • FRANÇA - RABELAIS, MONTAIGNE • PAÍSES BAIXOS - ERASMO DE ROTERDÃ • TRECENTO (XIV) • QUATTROCENTO (XV) • CINQUECENTO (XVI) • CADA LOCAL COM SUAS ESPECIFICIDADES • ENFRAQUECIMENTO DO PENSAMENTO CRISTÃO • ANTROPOCENTRISMO • NICOLAU COPÉRNICO (HELIOCENTRISMO) • GALILEU GALILEI • JOHANNES KEPLER • LEONARDO DA VINCI • RACIONALISMO • ESTUDO DA NATUREZA • EXPERIMENTAÇÃO • OBSERVAÇÃO • ANTROPOCENTRISMO • RACIONALISMO • CLASSICISMO • HEDONISMO • NATURALISMO • INDIVIDUALISMO • PRINCIPAL CENTRO BUGUÊS DA EUROPA • MECENATO - FINANCIAMENTO DE ARTISTAS PELA BURGUESIA E IGREJA CONTEXTO EXPOENTE EXPOENTES TRÊS FASES EXPANSÃO PELA EUROPA CONTEXTO EXPOENTES CARACTERÍSTICAS CARACTERÍSTICAS RENASCIMENTO NA ITÁLIA DIAGRAMA DE IDEIAS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 29 V O LU M E 3 1. A crise da Igreja Medieval e a Revolução Espiritual da Época Moderna john WycLiffe entrega a tradução da BíBLia aos padres. quadro de william Frederick Yeames. Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o mundo passou por grandes transformações, com destaque para a Europa, onde ocorreram o renascimento comercial e Urbano, o desenvolvimento do capitalismo, o fortalecimen- to das monarquias nacionais e o Renascimento Cultural. Essas transformações modificaram a visão de mundo dos homens e criaram uma realidade que se desconectava da Igreja Católica, alicerçada em bases medievais, as quais condenavam, por exemplo, o lucro e a usura, elementos fundamentais do capitalismo nascente, gerando atritos com a burguesia. Os reis absolutistas não mais admitiam interferência em seus estados nacionais, o que causava problemas de relacionamento com a Santa Sé. A nobreza via o seu poder enfraquecido diante do desen- volvimento do capitalismo e dos Estados nacionais. Assim, passou a cobiçar as terras da Igreja como alternativa de reforçar seu poder. O comportamento de membros do cle- ro se tornou alvo de críticas contundentes com o objetivo de contestar a Igreja Católica, enfraquecendo-a e abrindo espaço para a quebra de sua hegemonia. O comportamento do clero era criticado pelos humanistas do Renascimento, dentre os quais se destacam Erasmo de Roterdã, Dante Alighieri e Thomas Morus. No final do sé- culo XIV, ocorreram movimentos contestadores da Igreja Católica que sinalizaram para as transformações que vi- riam a ocorrer. As calamidades que assolaram o período provocaram novas demandas espirituais da população e refletiram o despreparo da Igreja para atendê-las. Os prin- cipais críticos da Igreja Romana foram o inglês John Wy- cliffe, ligado à Universidade de Oxford, e o boêmio John Huss, da Universidade de Praga. Ambos teóricos eruditos, denunciaram a riqueza do clero como violação dos precei- tos cristãos e atacaram a base da autoridade eclesiástica ao argumentar que a Igreja não controlava o destino do indivíduo. Afirmavam que a salvação não dependia dos ri- tuais da Igreja ou de seus sacramentos, mas de aceitar o dom da fé concedido por Deus. A reforma religiosa foi responsável pela quebra da uni- dade cristã ocidental e pelo fim da hegemonia da Igreja Católica na Europa, bem como pelo surgimento de novas igrejas integradas às novas realidades da burguesia e dos monarcas absolutistas. 1.1. Reforma: definição e fatores A Reforma foi um movimento de revolução espiritual e de profunda revisão religiosa e política que, no século XVI, deu origem ao protestantismo. Nesse processo, uma parte dos Estados católicos europeus rompeu com a Igreja Católica. Numa visão geral, o protestantismo foi um movimento reli- gioso e doutrinário que marcou a passagem do feudalismo para o capitalismo. O chamado humanismo evangelista foi uma das causas importantes da Reforma. Seus adeptos defendiam uma renovação da Igreja para aproximá-la do cristianismo pri- mitivo. Em 1509, Erasmo de Roterdã, em seu famoso livro Elogio da Loucura, traçou o retrato da Igreja daquele mo- mento: uma religião de pompa, rica, cujos representantes ostentavam um luxo sem par; uma Igreja cheia de vícios, abusos e ociosidade. Havia um enorme abismo entre o que a Igreja pregava e o que fazia. Os membros da alta hierar- quia do clero viviam luxuosamente, totalmente alheios ao povo. O voto de castidade era habitualmente esquecido, causando escândalo entre a população. Em uma prática que ficou conhecida como simonia, as relíquias sagradas REFORMA E CONTRARREFORMA COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 CH AULAS 21 E 22 30 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 (objetos supostamente tocados por Cristo, por Maria ou pelos santos) eram vendidas como mercadorias e os cargos eclesiásticos eram objeto de negociatas. a Venda de indulgências. pintura de augsburg, c. 1530. Contudo, o abuso que promoveu maior reação foi o comércio de indulgências. As indulgências eram documentos vendidos pela Igreja e assinados pelo papa que absolviam o compra- dor de alguns pecados cometidos, diminuindo o tempo de sua pena no purgatório. A formação das monarquias nacionais foi outro motivo impor- tante que impulsionou o movimento reformista. Durante o feu- dalismo, a Europa se apresentava fragmentada em inúmeros pequenos feudos, em que as relações com as regiões vizinhas eram pouco comuns. As pessoas não tinham uma consciência muito clara de nacionalidade, ou seja, não se imaginavam ha- bitantes de um país. Nos séculos XV e XVI, formaram-se nações com um rei que exercia total autoridade sobre os limites do ter- ritório. As pessoas que aí habitavam falavam a mesma língua e tinham consciência de sua nacionalidade. A Igreja, possuidora de terras e propriedades espalhadas por toda a Europa, passou a ser considerada uma potência estrangeira. Aos poucos, come- çou a se formar uma reação contra as possessões eclesiásticas e a arrecadação de impostos ou taxas pelo clero. Essa situação causou o declínio da autoridade papal, pois o rei e a nação passaram a ser vistos como mais relevantes. Outra causa não menos importante da Reforma foi a ascen- são da burguesia. A classe dos comerciantes precisava mudar os dogmas da Igreja Católica que proibiam o lucro e a usura. A burguesia necessitava de uma religião que justificasse seu amor pelo dinheiro e incentivasse as atividades ligadas ao co- mércio. Na visão de mundo católica, a única forma de riqueza legítima era a terra. O dinheiro, o comércio e as atividades bancárias eram práticas pecaminosas, indignas de um cristão. Trabalhar para satisfazer as necessidades era justo, mas fazê-lo para lu- crar, que é a essência do capital, era pecado. A doutrina protestante, criada pela Reforma, pregava exata- mente o oposto. A riqueza, materializada principalmente no dinheiro, era um dom de Deus. A doutrina estabelecida pela Reforma estava perfeitamente adequada aos anseios da nova classe burguesa, que se encontrava em fase de expansão. 2. Reforma no Sacro Império Romano-Germânico: o Luteranismo 2.1. As origens da Reforma Sob a liderança de Martinho Lutero (1483-1546), a Reforma teve início no Sacro Império Romano-Germâni- co, em parte da atual Alemanha. Filho de camponeses nascido na Saxônia, Martinho Lutero cursou filosofia na Universidade de Erfurt, quando se tornou monge, ingres- sando na Ordem de Santo Agostinho, em 1505. Em 1512 doutorou-se em teologia e passou a lecionar na Universi- dade de Wittenberg. martinho lutero O comportamento de integrantes do clero e o apego aos bens materiaispor parte da Igreja incomodavam Lutero. Discípulo de Santo Agostinho, criticava o comércio de in- dulgências e defendendia que a salvação seria alcan- çada pela fé, acreditando que as boas obras não eram capazes de afastar o homem do pecado. Suas ideias eram pregadas na Universidade de Wittenberg e entraram em rota de colisão com a Igreja. Em 1517, o Papa Leão X intensificou a venda de indulgên- cias para arrecadar fundos para a construção da Basílica de São Pedro em Roma. Esse fato incomodou Lutero pro- fundamente, que reagiu, publicando suas 95 teses – fi- xando-as na porta da Catedral de Wittenberg – contra a venda de indulgência e propondo alterações na doutrina religiosa. Lutero, porém, ainda não havia manifestado um rompimento absoluto com a Igreja. A princípio, Lutero foi convocado a se retratar, sob pena de ser considerado herege. Por se negar a obedecer a referida retratação, foi excomungado por meio da Bula papal Exsur- ge Domini, que Lutero queimou em praça pública, explici- tando seu rompimento com a Igreja Católica. Devido à sua excomunhão, Lutero teve que ser julgado por um tribunal secular. Para proceder o julgamento, foi convocada a Dieta de Worms, em 1521, pelo impera- CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 31 V O LU M E 3 dor do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V, católico devoto e aliado do papa. Quando solicitado a se retratar, Lutero respondeu: “Se eu não estiver convencido de erro pelo testemunho das Escrituras ou pela razão clara (...) não posso retratar-me, nem me retratarei, de coisa alguma, pois não é seguro nem honesto agir contra a própria consciência. Deus me ajude. Amém”. Pouco depois desse confronto com o imperador, Lutero precisou se esconder para não ser preso. Lutero na dieta de Worms. pintura de anton Von werner (1843-1915). Entretanto, Lutero não estava sozinho. Ele contava com grande apoio da nobreza alemã, interessada no enfraque- cimento da Igreja. É importante destacar que, à época, no Sacro Império Romano-Germânico, existiam inúmeros pe- quenos principados governados por uma nobreza interes- sada em diminuir a influência do imperador e do papa em seus territórios com o intuito de submeter a Igreja e expro- priar-lhe os bens. Refugiado sob a proteção do Duque Frederico da Saxônia, em Wartburg, Lutero traduziu a Bíblia do latim para o ale- mão, retirando algumas partes que a compunham. 2.2. A revolta camponesa anabatista de Thomas Müntzer (1524-1525) A reforma luterana começou a atrair seguidores de diver- sas classes sociais. Camponeses anabatistas miseráveis se uniram em torno de Thomas Müntzer exigindo as terras da Igreja, a supressão das obrigações servis (em espécie ou trabalho) e a devolução das terras comunais. Lutero con- denou veementemente os camponeses, referindo-se a eles como perturbadores da ordem que deveriam ser tratados como cães raivosos. Comprometido com os interesses da nobreza, Lutero apoiou o massacre contra os pobres mise- ráveis que ousaram contestar sua situação deplorável. 2.3. A Paz de Augsburgo (1555) Em 1529, na Dieta de Spira, o imperador Carlos V proibiu a difusão da doutrina luterana no Sacro Império Romano- -Germânico, provocando protestos entre seus seguidores, que passaram a ser chamados de protestantes. Os conflitos se tornaram inevitáveis, especialmente quando os príncipes alemães criaram a Liga Militar de Smalkalde. As lutas só foram encerradas em 1555, com a Paz de Au- gsburgo, que estabeleceu que a escolha da religião em cada região do Sacro Império caberia a seus respectivos príncipes (cujos régio ejus religio). Assim sendo, o norte do Sacro Império tornou-se protestante, e o sul, católico. Des- sa forma, a unidade da Igreja romana deixava de existir. 2.4. A doutrina luterana Os fundamentos do luteranismo estão na Confissão de Augsburgo, exposta, em 1530, por Melanchton – que fora monge junto com Lutero. São eles: § A salvação não se alcança pelas obras, mas pela fé e pela confiança na misericórdia de Deus. § O culto simples – somente salmos e leitura da Bíblia – em língua nacional. § A manutenção de dois (batismo e eucaristia) dos sete sacramentos do catolicismo. § A crença de que, durante a eucaristia, há apenas a pre- sença (consubstanciação) de Jesus no pão e no vinho, e não a transformação (transubstanciação) do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo, como creem os católicos. § O contato direto entre Deus e o fiel por meio das orações, sendo dispensável o clero como “intermediário”. § O livre exame, ou seja, o direito de todo cristão interpre- tar as palavras da Bíblia segundo sua própria consciên- cia, equivalendo à emancipação da vontade individual no plano da ideologia religiosa. 32 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 A ética religiosa luterana apresentava poucos atrativos para a burguesia, uma vez que condenava o dinheiro e o comércio, associando-os ao demônio. O luteranismo se expandiu basicamente no Sacro Império e nos países escandinavos (Suécia, Dinamarca e Noruega), regiões essencialmente rurais, pouco desenvolvidas em ter- mos comerciais. 3. O Calvinismo 3.1. A Reforma na Suíça A Suíça havia se tornado independente em 1499, mas ainda apresentava forte integração com o Sacro Império Romano-Germânico no início do século XVI. Assim, as teses luteranas foram rapidamente difundidas pelo país, com destaque para Ulrico Zuinglio (1489-1531), que era seguidor de Lutero. Suas pregações atraíram seguido- res que se envolveram em uma Guerra Civil (1529-1531), na qual o próprio Zuinglio foi morto. O conflito foi encer- rado com a Paz de Kappel, que estabeleceu a liberdade religiosa no país. O francês João Calvino – que havia sido perseguido na França por ser um seguidor da Reforma –, aproveitando- -se da liberdade religiosa implantada na Suíça, lançou, em 1534, a obra Instituição da Religião Cristã, na qual suplica- va ao rei suíço proteção aos protestantes franceses e expu- nha sua doutrina religiosa, embasada na ideia de predesti- nação. Assim como Lutero, Calvino condenou o celibato e a maioria dos sacramentos. Fonte: Youtube Lutero Depois de quase ser atingido por um raio, Martim Lutero (Joseph Fiennes) acredita ter recebido um chamado. Ele se junta ao monastério, mas logo fica atormentado com as práticas adotadas pela Igreja Católica na época. Após pregar em uma igreja suas 95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado para que se redima publicamen- te, Lutero se recusa a negar suas teses e desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam erradas e contradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge e inicia sua batalha para mostrar que seus ideais estão corretos e que eles permitem o acesso de todas as pessoas a Deus. multimídia: vídeo calVino Suas ideias e pregações conquistaram cada vez mais adep- tos. A cidade de Genebra, onde Calvino havia adquirido prestígio e poder, passou a regular a vida das pessoas por meio de um órgão denominado Consistório, que vigiava a disciplina, a moral e as normas de comportamento, que iam das vestimentas a hábitos que deviam ser seguidos. Rigoroso e autoritário como a Inquisição Católica, o Con- sistório aboliu músicas, festas, bares e jogos, além de pro- mover execuções na fogueira, como a do médico Miguel de Servet, preso e queimado em Genebra por defender princípios considerados pecaminosos por Calvino. 3.2. A doutrina calvinista Fundamentalmente, o calvinismo se baseou no luteranis- mo: aboliu todos os sacramentos, menos o batismo e a eucaristia; defendeu que Cristo se encontra presente ape- nas espiritualmente na eucaristia; acabou com o culto dos santos e das imagens e permitiu o livre exame da Bíblia. O calvinismo, entretanto, radicalizou o luteranismo. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 33 V O LU M E 3 Calvino, como Lutero, defendia que a salvação não se al- cançava pelas obras, mas pela fé. O homem, segundo Cal- vino, era miserável,corrompido e cheio de pecados, não merecedor da graça divina. Somente a fé poderia salvar-lhe a alma. Mas essa salvação, para Calvino, dependia somen- te da vontade divina. Essa era a ideia de predestinação. Para Calvino, Deus havia predestinado os homens de ante- mão: a minoria seria eleita à salvação, enquanto a maioria seria condenada à eterna maldição. Os princípios calvinistas agradaram aos segmentos burgue- ses do país, pois favoreciam os interesses capitalistas ao criar uma nova visão de trabalho e da riqueza. Baseado na predestinação, o calvinismo justificava a riqueza, a usura e estimulava o trabalho – identificado como um dos sinais de salvação – e o lucro, na medida em que acúmulo de capitais era visto como cumprimento de um dever dado por Deus à burguesia. Além disso, criou modelos de comportamento para os trabalhadores, que deviam ser honestos, submissos e conformados, devendo cumprir da melhor e mais eficiente maneira a função que lhes foi dada por Deus. A doutrina calvinista foi a que melhor se adequou aos prin- cípios burgueses e capitalistas. Considerada a teologia do capitalismo, foi a ética reformista que mais se expandiu, atingindo diversos países. Na França, seus fiéis ficaram co- nhecidos como huguenotes; na Inglaterra, como puritanos; na Escócia, como presbiterianos; e na Holanda, como refor- mados. Países como Dinamarca e Holanda adotaram o cal- vinismo como religião oficial depois de sua independência. Fonte: Youtube Elizabeth – A era de ouro Inglaterra, 1585. Elizabeth I (Cate Blanchett) está quase há três décadas no comando da Inglaterra, mas ainda precisa lidar com a possibilidade de traição em sua pró- pria família. Simultaneamente, a Europa passa por uma fase de catolicismo fundamentalista, em que tem como testa de ferro o rei Felipe II (Jordi Mollá), da Espanha. Apoiado pelo Vaticano e armado com a Inquisição, Felipe II planeja destronar a “herege” Elizabeth I, que é protestante, e restaurar o catolicismo na Inglaterra. Preparando-se para entrar em guerra, Elizabeth busca equilibrar as tarefas da realeza com uma inesperada vulnerabilidade, causada por seu amor proibido com o aventureiro Sir Walter Raleigh (Clive Owen). multimídia: vídeo 4. Reforma na Inglaterra: o Anglicanismo Na Inglaterra, a reforma religiosa teve um caráter extrema- mente político. Conduzida pelo rei Henrique VIII, levou à formação de uma igreja nacional que serviu de instrumen- to de consolidação do Absolutismo real no país. O poder econômico da Igreja Católica e sua influência fu- giam do controle o Estado. A Igreja acumulava riquezas por meio de tributos impostos à população e o clero ampliava cada vez mais suas rendas oriundas das vastas terras. Essa situação provocava um forte sentimento antipapal nos meios políticos do país. Em 1530, o rei inglês Henrique VIII solicitou ao Papa Cle- mente VII a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, pois desejava se casar com Ana Bolena, sob a justificativa de sua esposa não lhe dar um filho homem para herdar o trono. Diante da negação papal, Henrique VIII casou-se, em 1533, com Ana Bolena, dando início a um processo de ruptura com a Igreja Católica na Inglaterra. O papa Clemente VII excomungou-o. rei henrique Viii Na verdade, o soberano inglês aproveitou as questões re- lacionadas a seu casamento para acabar com o poder da Igreja Católica na Inglaterra que, de certa forma, concorria com o poder do rei. Em 1534, o Parlamento aprovou o Ato de Supremacia, colocando a Igreja sob a autoridade do rei. Estava nascendo a Igreja Nacional Inglesa – a Igre- ja Anglicana, que tinha como chefe supremo o monarca inglês. Os bens da Igreja Católica foram confiscados, pas- sando para as mãos da nobreza. Assim, os barões ingleses viram suas terras ampliadas a ponto de multiplicar a cria- ção de ovelhas, num momento em que a lã começava a ser procurada pelas manufaturas de tecidos. 34 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 O sucessor de Henrique VIII foi seu filho Eduardo VI, que manteve a Reforma no país, aproximando-se da doutrina Calvinista. Depois de sua morte prematura, em 1553, foi sucedido pela irmã Maria Tudor, que se casou com Felipe II, rei da Espanha e católico fervoroso, reaproximando o trono inglês da Santa Sé e perseguindo violentamente os protestantes e calvinistas. A rainha Maria Tudor morreu em 1558, sendo sucedida por Elisabeth I, que era filha de Ana Bolena e Henrique VIII. A Igreja Romana considerava a rainha Elisabeth bastar- da e fruto do pecado cometido pelo pai. Quando a nova rainha retomou a Reforma Anglicana, consolidando-a, o rompimento foi definitivo. Em 1563, o Parlamento britâ- nico aprovou a Confissão dos 39 artigos, definindo o câ- none Anglicano. Foi adotada a doutrina calvinista, sendo mantidas, porém, a hierarquia episcopal e a formalidade do catolicismo no culto. Fonte: Youtube A outra Anne (Natalie Portman) e Mary (Scarlett Johansson) são irmãs que foram convencidas por seu pai e tio ambicio- sos a aumentar o status da família tentando conquistar o coração de Henry Tudor (Eric Bana), o rei da Inglaterra. Elas são levadas à corte e logo Mary conquista o rei, dando-lhe um filho ilegítimo. Porém, isto não faz com que Anne desista de seu intento, buscando de todas as formas passar para trás tanto sua irmã quanto a rainha Catarina de Aragão (Ana Torrent). multimídia: vídeo 5. A reação da Igreja Católica: a Contrarreforma1 A Reforma religiosa foi responsável pelo rompimento da unidade cristã no Ocidente. A Igreja Católica perdeu o con- trole da doutrina religiosa cristã devido ao surgimento de novas igrejas sob orientação luterana e calvinista. A Igreja também viu reduzido seu espaço e seu poder político, além de perder importantes áreas territoriais e bens que foram confiscados em regiões reformadas. A situação gerou a necessidade de uma reação por par- 1. O termo “Contrarreforma” está em desuso pois dá a ideia incorreta de que a reforma católica só ocorreu por consequência da reforma protestante. te de Igreja Católica em um movimento denominado Contrarreforma. A expansão do protestantismo foi um grande estímulo para que a Igreja Católica fizesse uma análise profunda de suas doutrinas, estruturas e processos de formação. Esse movimento causou uma reestruturação da Santa Sé, fundamentada no princípio de moralização do clero e na reorganização das estru- turas eclesiásticas. A Reforma Protestante – Coleção O Cotidiano da História - Luiz Maria Veiga Durante a Idade Média, os povos europeus cristãos re- conheciam a Igreja Católica como a única autoridade espiritual existente. No entanto, o alto clero havia acu- mulado tanto poder que passou a se preocupar mais com as questões terrenas do que com as espirituais. Era comum encontrar religiosos envolvidos com nepotismo, corrupção, luxúria, o que deixava a Igreja cada vez mais desacreditada perante a população. Em 1517, no entan- to, o Catolicismo sofreu um grande abalo. Naquele ano, o monge alemão Martinho Lutero criticou duramente essas práticas vergonhosas e desencadeou um processo de reforma religiosa que provocou um verdadeiro cisma na Igreja Católica. Estava nascendo o Protestantismo, uma religião que obrigou os católicos a mudarem sua postura para recuperar o prestígio junto a seus fiéis. Conteúdo histórico: § Panorama socioeconômico e político da Alemanha no século XVI; § Relações entre religião, sociedade, política e econo- mia alemãs; § Lutero e o estopim da Reforma religiosa; § Müntzer e a repressão às revoltas camponesas; § Abalo na unidade e na autoridade da Igreja Católica; § Limites da Reforma Luterana. multimídia: livro A Contrarreforma teve início em 1545, quando o Papa Paulo III convocou o Concílio de Trento. A princípio, fo- ram convidados teólogos protestantes e calvinistas, mas sem atuação marcante. O Concílio ocorreu e o clero cató- lico teve a oportunidade de reavaliar a estrutura da Santa Sé,tomando algumas decisões que iriam nortear a sua CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 35 V O LU M E 3 atuação junto aos fiéis, entre as quais é possível destacar: § A reafirmação dos dogmas católicos, como o princípio da salvação pela fé e boas obras, fundamentado na epís- tola de São Tiago; a intercessão dos santos e da Virgem Maria; o celibato clerical; a infalibilidade do papa; a hie- rarquia eclesiástica e a infalibilidade do casamento. § O combate à corrupção do clero, com a proibição da venda de indulgências e de cargos eclesiásticos, além da obrigatoriedade dos clérigos frequentarem seminários antes de sua ordenação. § A reativação do Tribunal do Santo Ofício ou Santa Inqui- sição, com o objetivo de julgar e punir as heresias. § A criação do Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros cuja leitura estava proibida aos católicos, entre eles alguma obras de autores renascentistas e de orientação religiosa protestante e calvinista. § A busca de novos fiéis, por meio do estímulo à atuação de ordens religiosas, especialmente no recém-descober- to continente americano. indeX librorum prohibitorum Em relação à busca de novos fiéis, merece destaque a atu- ação da Companhia de Jesus ou Ordem dos Jesuí- tas, fundada em 1534 por Inácio de Loyola. A Ordem era caracterizada pela rígida disciplina e respeito pela hierar- quia, lembrando uma organização militar, o que fez com que ficassem conhecidos como “soldados de Cristo”. Pri- morosos educadores, os jesuítas fundaram e organizaram escolas em diversas regiões, especialmente no continente americano onde sua atuação foi destacada, sobretudo na catequese dos nativos. o padre jesuíta antônio Vieira catequizando os índios. 36 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o sociólogo alemão Max Weber discorre sobre a importância da Reforma Protestante para a formação do capitalismo moderno, de modo que relaciona as doutrinas religiosas de crença protestante para demonstrar o surgimento de um modus operandi de relações sociais que favorece e caracteriza a produção de excedentes, gerando o acúmulo de capital. Nesse sentido, pode-se afirmar que o mundo, outrora dominado pela religião católica, era também concebido a partir da cultura por ela promulgada. Isso significa que o modo de vida pregado no catolicismo era propagado para além dos limites da Igreja, perpassando a vida dos sujeitos. No entanto, o catolicismo condenava a usura e pregava a salvação das almas por meio da confissão, das indulgências e da presença nos cultos. Dessa forma, o católico enxergava o trabalho como modo de se sustentar, e não via problema em também se divertir, buscando modos de lazer nos quais empenhava seu dinheiro, produzido apenas para seu usufruto. Menos temerário ao pe- cado que o protestante, e impregnado pela proibição da usura, o católico pensava que pedir perdão a seu Deus seria suficiente para elevar-se ao “reino dos céus”. Dessa maneira, seguindo essa cultura religiosa, a acumulação de bens não encontrou caminhos amplos e permaneceu adormecida. No entanto, com o advento do protestantismo, a doutrina se modificou, e a salvação passou a ser, para alguns, não mais passível de ser conquistada, mas sim uma providência divina, em que o trabalho era meio crucial para glorifi- car-se. Para o protestante, o trabalho enobrece o homem, o dignifica diante de Deus, pois é parte de uma rotina que dá às costas ao pecado. Durante o período em que trabalha, o indivíduo não encontra tempo de contrariar as regras divinas: não pratica excessos, não cede à luxúria, não se dá à preguiça: não há como fugir das finalidades celestiais. E, complementando a doutrina protestante, é crucial pontuar que nessa religião não há espaço para sociabilidade mundana, pois todo o prazer que se põe à parte da subserviência a Deus foi considerado errado e abominável. Assim, restava a quem acreditava nessas premissas o trabalho e a acumulação, já que as horas estendidas na pro- dução excediam as necessidades desses religiosos, gerando o lucro. Assim, quando se fala em uma concepção tradicional de trabalho, trata-se da concepção católica, que não acumulava e pensava o trabalho como meio de garantir subsistência. Já a concepção que vê o trabalho como fim absoluto é a protestante, que enxerga no emprego de esforços produtivos a finalidade da própria existência humana, interligada com os propósitos providenciais de Deus. maX weber CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 37 V O LU M E 3 CONCÍLIO DE TRENTO REFORMA E CONTRARREFORMA 1 - REFORMA 2 - CONTRARREFORMA REAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA À REFORMA REVISÃO DA DOUTRINA QUANDO CONSEQUÊNCIA FATORES PASSAGEM DA IDADE MÉDIA PARA A MODERNA (TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO PARA O CAPITALISMO) QUEBRA DA UNIDADE CRISTÃ NA EUROPA OCIDENTAL • ABUSOS E IMORALIDADES DO CLERO • VENDA DE INDULGÊNCIAS • SIMONIA • SURGIMENTO DO CAPITALISMO • CRÍTICA CATÓLICA AOS JUROS E USURA • FORMAÇÃO DAS MONARQUIAS NACIONAIS • CRÍTICA AO PODER DA IGREJA NOS TERRITÓRIOS • REAFIRMAÇÃO DOS DOGMAS CATÓLICOS • PROIBIÇÃO DA VENDA DE INDULGÊNCIAS E SIMONIA • REATIVAÇÃO DA INQUISIÇÃO • INDEX: LIVROS PROIBIDOS • “COMPANHIA DE JESUS” (1534) - EXPANSÃO DA FÉ CATÓLICA LUTERANISMO ORIGEM: SACRO IMPÉRIO ROMANO-GERMÂNI- CO (ALEMANHA) FUNDADOR: MARTINHO LUTERO • 1517 - “95 TESES DE LUTERO” • 1529 - PROIBIÇÃO DO LUTERANISMO • 1555 - PAZ DE AUGSBURGO DOUTRINA: • SALVAÇÃO PELA FÉ • DOIS SACRAMENTOS: BA- TISMO E EUCARISTIA • CONSUBSTANCIAÇÃO • LIVRE INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA LOCAL: NORTE DA ALEMANHA ORIGEM: SUÍÇA FUNDADOR: JOÃO CALVINO (1534) DOUTRINA: • SALVAÇÃO POR PRE- DESTINAÇÃO • VALORIZAÇÃO DO TRA- BALHO E DO LUCRO • CONSISTÓRIO - CÓDIGO ÉTICO E MORAL RÍGIDO LOCAIS: • SUÍÇA: CALVINISMO • FRANÇA: HUGUENOTES • INGLATERRA: PURITANOS • ESCÓCIA: PRESBITERIANOS ORIGEM: INGLATERRA FUNDADOR: HENRIQUE VIII • 1534 - “ATO DE SUPREMACIA” • ROMPE COM A IGRE- JA CATÓLICA • O REI SE TORNA CHE- FE DA IGREJA • CONFISCO DOS BENS DA IGREJA DOUTRINA: • MANUTENÇÃO DA HIERARQUIA ECLESIÁSTICA • 7 SACRAMENTOS CATÓLICOS • USO DA LÍNGUA INGLESA EM CULTOS CALVINISMO ANGLICANISMO DIAGRAMA DE IDEIAS 38 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 luís XiV e sua Família, retratados como deuses romanos. jean nocret (1670). nessa imagem é possíVel perceber o rei luís XiV retratado como uma Figura mitológica, como um deus. a centralização política de seu reinado, em que o rei era a encarnação do poder e do estado, chegou ao ápice durante a idade moderna. a ele é atribuída a aFirmação: “o estado sou eu”. 1. O Estado Moderno Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, ocor- reu o processo de formação dos Estados Modernos, em contraposição aos feudos, marcados pelo predomínio po- lítico do poder local e diretamente ligados à posse da ter- ra. Os Estados Modernos mantiveram as velhas estruturas feudais, como o predomínio político e social da nobreza e do clero, que obtiveram privilégios fiscais e jurídicos, asso- ciadas a novos elementos, como a centralização do po- der político e práticas econômicas intervencionistas. Para que possamos compreender como esses novos ele- mentos foram surgindo, vale retornarmos ao período de decadência do sistema feudal, período conhecido como “Baixa Idade Média”, entre os séculos XI e XV. 1.1 Formação das monarquias nacionais Durante o feudalismo, predominava na Europa a autorida- de da Igreja e da nobreza, que impunha uma autoridade de cunho particularista, controlando apenas seus feudos. A Igreja irradiava sua autoridade de forma universal, espa- lhando-a por toda a Europa. O renascimento comercial e urbano originou a necessidade de centralizar o poder para unificar os tributos, as moedas, os pesos, as medidas, as leis e a própria língua. Esses obstáculos ao desenvol vimento do comércio só poderiam ser removidos por um poder que submetesse anobreza e exercesse autoridade em regiões bem maiores que a de um simples feudo. A so lução viria com a criação do Estado Moderno sob a forma de monar- quias nacionais. A formação dessas monarquias ocorreu por meio de uma luta de interesses que aproximou os reis e setores da burguesia nascente contra a nobreza e a Igreja. A burguesia, camada recém-formada, ainda não possuía es- trutura política para assumir a tarefa de centralizar o poder. Tinha apenas consciência de que os particularismos feudais eram contrários aos seus interesses econômicos. Os reis, por sua vez, também estavam interessados em for- talecer o próprio poder, o que era difícil no interior do com- plexo sistema de vassalagem do feudalismo. Os reis depen- diam do exército de seus vassalos, mas não podiam contar com essa ajuda contra os privilégios da nobreza feu dal. As suas únicas rendas, provenientes dos domínios reais, eram insuficientes para formar exércitos mercenários perma- nentes, capazes de lutar contra os exércitos de seus vassalos. Na luta pela independência das cidades, houve uma apro- ximação entre os reis e a burguesia, na qual os burgueses forneciam aos reis os capitais necessários para a formação de exércitos mercenários permanentes para lutar contra os senhores feudais e centralizar o poder. Ao longo desse processo secular, a construção da estrutura burocrática dos Estados Mo dernos exigia vultosas quantias financeiras, o que incen tivava uma crescente necessidade de tributos diretamente arrecadados e administrados pelo governo central, que controlava as atividades comercias por meio de práticas in tervencionistas fundamentais para im- pulsionar o desenvol vimento da acumulação de capital por meio do comércio e das atividades artesanais. 1.2. As características do Estado Moderno As principais características do Estado Moderno eram: ter- ritório definido, moeda nacional, idioma comum, centrali- zação política, organização da burocracia estatal e exército nacional. ANTIGO REGIME: ABSOLUTISMO, MERCANTILISMO E A MONARQUIA FRANCESA COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 CH AULAS 23 E 24 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 39 V O LU M E 3 eXércitos nacionais da França e da inglaterra em combate na batalha de azincourt, no norte da França, durante a guerra dos cem anos, em 25 de outubro de 1415. A formação das monarquias nacionais surgiu de um processo gradual de acumulação de poderes na figura real. A princípio, os soberanos estabeleceram a delimitação do território, no qual exerceriam sua autoridade e influência. Os poderes lo- cais da nobreza seriam submetidos à autoridade do monarca, que passou a impor tributos e regras nacionais. Outro instrumento de consolidação dos Estados Modernos foi a imposição de um idioma nacional, que deveria ser usado nos limites do território onde o monarca mantinha sua au- toridade, associado a origens, tradições e costumes comuns. Os monarcas impuseram moedas nacionais, fundamentais nas trocas comerciais e na arrecadação tributária. Para garan- tir a manutenção da autoridade real, foram formados os exér- citos nacionais, que simbolizavam o poder dos reis expresso no monopólio da força pelo Estado. Esses exércitos nacionais eram disciplinados, remunerados e diretamente controlados pelos reis, que os usavam para impor sua autoridade e garan- tir o respeito às suas ordens em todo o país, além de garantir a defesa do território contra inimigos externos. 2. O Absolutismo 2.1. Definição e características A centralização do poder e da autoridade política na figura do soberano foi uma das principais características do pe- ríodo de formação dos Estados Modernos. Chegou-se ao limite de associar o poder dos reis a desígnios divinos, ou seja, a supostas linhagens sagradas. Por Absolutismo entenda-se o poder ilimitado, incontes- tável e inquestionável. Os reis decretavam leis, impunham tributos, definiam questões de justiça e comandavam os exércitos. Superiores em relação a todos os demais grupos sociais e gananciosos por mais e mais prestígio, os sobera- nos passaram a disputar espaço no Estado Moderno com a nobreza e a burguesia. O Estado Absolutista alimentava-se desse conflito, forta- lecia-se com as disputas e oferecia concessões aos dois lados: privilégios fiscais e jurídicos à nobreza e protecio- nismo econômico e política econômica ditada pelo Esta- do para a burguesia. 2.2. Os teóricos do Absolutismo Teóricos e pensadores fundamentaram o poder absolutista, justificaram sua origem e o comportamento autoritário dos reis. Os principais teóricos do Absolutismo foram Nicolau Maquiavel, Jacques Bossuet, Jean Bodin e Thomas Hobbes. nicolau maquiaVel § Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu em Floren- ça, cidade italiana e importante palco do renascimento comercial. Sua obra mais destacada foi O Príncipe, de- dicada ao governante de Florença, Lourenço de Médici. Nela, expressa sua concepção sobre o Estado Moderno. Defende um Estado forte e soberano, cujos interesses de- vem se sobrepor aos valores morais. Ao soberano cabe que seja ao mesmo tempo “amado e temido”. O prínci- pe deve estar preparado para “fazer o bem, se possível, e o mal sempre que necessário”, sem medir esforços para impor sua vontade. A prioridade do príncipe é manter seu poder, sem entrar no mérito dos meios para esse fim. A lógica básica do pensamento de Maquiavel sinteti- za-se na frase: “Os fins justificam os meios”. Maquiavel é considerado o precursor da ciência política. § Jacques Bossuet (1627-1704) foi um bispo francês que viveu na corte e participou da educação do futu- ro rei Luís XIV. Bossuet estabeleceu uma teoria sobre o 40 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Absolutismo na obra Política segundo a Sagrada Escri- tura. À luz de princípios religiosos e bíblicos, justificou a escolha do rei como vontade direta de Deus, assim como fez com Saul, personagem do Antigo Testamento. O po- der do rei emanaria diretamente de Deus. Ser rei era um chamado divino. Contestar o poder do rei era desobede- cer à vontade divina, ou seja, era crime e pecado. Caso o rei fosse cruel ou incompetente, restava ao povo rezar; a maldade de um rei emanaria diretamente dos pecados do povo. § Jean Bodin (1530-1596) escreveu a obra Seis livros da República. Renomado jurista, Bodin apresentou a teoria da soberania: a “alma” perpétua e absoluta de um Estado. Por meio dela justifica-se e impõe-se a coesão política. O soberano estava acima de tudo, de qualquer forma de sujeição, inclusive da lei, criada e re- vogada por ele e aplicada a quem quer que fosse como bem lhe aprouvesse. Guardião da ordem pública, podia fazer tudo para preservá-la. Para Bodin, a monarquia era o regime mais apropriado à natureza humana. Da mesma maneira que a família tem um só chefe, e o céu tem apenas um sol, somente um poder central poderia dar harmonia ao corpo político de um país. § Thomas Hobbes (1588-1679) foi o autor da obra Le- viatã – monstro mitológico todo poderoso que governava o caos. Esse seria poder do rei absolutista, que garantiria a ordem social e manteria o controle sobre a sociedade, constituida por homens maus, egoístas e mesquinhos. O leviatã, monstro mitológico mencionado na Bíblia, é re- presentado na obra de Hobbes como um gigante coroado, cujo corpo é formado por pequenos indivíduos aglomera- dos. Sua imagem está acima do campo e das cidades. Nas mãos, uma espada e um báculo, símbolos dos poderes militar e religioso. Nas colunas de baixo, outros símbolos: um forte, uma catedral, uma coroa, uma mitra, armas e paramentos litúrgico, além das cenas de batalha e de um concílio, simbolizando que todo poder (secular e religioso) está nas mãos do soberano, único senhor absoluto. capa da edição original de leViatã (1651). Nas sociedades primitivas sem Estado nem leis, os ho- mensviviam em conflitos sociais, matando-se uns aos outros por motivos banais, conflitos esses que compro- metiam a própria existência da humanidade, fenômeno que inspirou a célebre máxima do autor: “O homem é o lobo do próprio homem”. Num raro momento de lucidez e devido a um sentimento de preservação da espécie, as sociedades se organizaram em forma de Estado, que deveria ter força suficiente para impor a ordem. Contra aquela situação de violência e anarquia, os homens fir- maram um pacto – o “contrato social” –, renunciaram à liberdade e aos direitos em troca da segurança oferecida pelo Estado, que deveria reinar soberana e absolutamen- te sobre seus súditos. Para Hobbes, o Estado deveria ser um Leviatã absolutista para que fosse possível impor a ordem social e preservar a própria humanidade. “o rei Vê de mais longe e de mais alto; deVe acreditar-se que ele Vê melhor, e deVe obedecer-se-lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição.” (jacques bossuet). 3. O mercantilismo O mercantilismo foi uma política econômica dos Estados Modernos europeus que acompanhou o período de forma- ção das monarquias nacionais e atingiu seu apogeu com o Absolutismo. 3.1. Objetivos Um dos principais objetivos do mercantilismo era promover práticas econômicas executadas pelo Estado nacional com o objetivo de auferir ganhos e possibilitar o fortalecimento do Estado. Entretanto, como contava com a burguesia na execução da política econômica, o mercantilismo favorecia o enriquecimento e o ganho de poder dessa nova classe social. A política econômica mercantilista foi a expressão da bus- ca de poder e riqueza pelo Estado nacional. No início da Idade Moderna, os Estados europeus viviam em lutas pelo domínio do comércio mundial e das colônias; por isso, ne- cessitavam formar exércitos e marinhas poderosos. Para CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 41 V O LU M E 3 fortalecer o tesouro real com o aumento de impostos, era preciso desenvolver o comércio e as manufaturas. À medi- da que se processava esse desenvolvimento, a burguesia, sua beneficiária, enriquecia. O mercantilismo exprimia a aliança entre os reis e a burguesia pela unificação e desenvolvimento do poder nacional. Foram as regulamentações mercantilistas, com seu rígido controle sobre a economia, que promoveram o processo de acumulação de capitais pela burguesia. 3.2. Características Nos diversos países, a política econômica mercantilista apresentava uma série de características comuns. § Metalismo – a riqueza de um país era medida pela quantidade de metais preciosos dentro de suas frontei- ras. Quanto mais ouro e prata houvesse no país, mais rico e poderoso ele seria. Com metais preciosos, os governos compravam armas, contratavam soldados, construíam navios, pagavam funcionários e custeavam as guerras. Para acumular metais preciosos, além de impedir a saída de ouro e prata, era preciso provocar sua entrada. § Balança comercial favorável – esse princípio mer- cantilista estava intimamente ligado ao anterior. Con- sistia em vender mercadorias pelo maior valor possível para o exterior e comprar pelo menor valor. O valor total das exportações deveria sempre superar o das importa- ções. Essa era uma das formas de um país provocar a entrada de metais preciosos e promover o metalismo. § Protecionismo – para manter uma balança comercial favorável, o Estado nacional deveria incentivar as ex- portações observando uma série de medidas: desvalori- zação da moeda, proibição da exportação de matérias- -primas e, principalmente, desestímulo às importações, cujas tarifas alfandegárias deveriam ser sobretaxadas e caras para o consumidor nacional. § Sistema colonial (colonialismo) – com o objetivo de fortalecer o Estado nacional e, consequentemente, o poder do rei, alguns países lançaram-se nos séculos XV e XVI à conquista de novas terras a fim de fazer crescer suas fontes de riquezas. Essa era a função fundamental das colônias da América e da África: enriquecer as me- trópoles. Das colônias, as metrópoles poderiam retirar as mercadorias de que necessitassem, metais preciosos e produtos tropicais, e ao preço que quisessem. Paralela- mente, poderiam obrigar a colônia a adquirir produtos manufaturados da metrópole ao preço que ela determi- nasse. A essa relação desigual entre metrópole e colô- nia deu-se o nome de pacto colonial, mediante o qual a balança comercial ficava sempre favorável à metrópole. § Monopólios – graças ao pacto colonial, somente a metrópole poderia comerciar com seus domínios. O monopólio era condição fundamental para o desenvol- vimento do comércio e das manufaturas, uma vez que constituía a única forma possível de realizar grandes empreendimentos. Os capitais se uniam para controlar com exclusividade um ramo da produção manufaturei- ra, o comércio de uma localidade ou o comércio colo- nial. O monopólio, no entanto, pertencia ao Estado que, em troca de pagamento, transferia-o aos burgueses. § Intervencionismo estatal – visava ao fortalecimen- to do poder nacional. O Estado intervinha na economia por meio de incentivo e proteção das manufaturas, altas tarifas alfandegárias e garantia dos monopólios, além da fixação de uma política de controle sobre os salários, os preços e a qualidade das mercadorias. O renascimento da escravidão na época moderna movi- mentava grande quantidade de capitais, sendo uma im- portante fonte de aceleração da acumulação primitiva de capital, que, ao lado dos demais fatores, compunha a eta- pa de constituição do capitalismo. 3.3. Tipos de mercantilismo A prática do mercantilismo na Europa ocidental dos sécu- los XVI e XVII obedeceu às condições específicas de cada país, mediante as quais cada um procurava aumentar a riqueza nacional. 3.3.1.Mercantilismo espanhol (Bulionismo) “eXploração do méXico”. mural, de diego riVera. No século XVI, a Espanha conquistou vasto império colonial. Grandes quantidades de ouro e prata provenientes do Peru e do México chegavam à Metrópole, o que lhe trouxe duas graves consequências: desinteresse pelas atividades indus- triais e agrárias, ocasionando queda na produção; inflação generalizada, resultado da alta vertiginosa do preço das mercadorias em escassez, conhecida como Revolução dos Preços. Obrigada a importar manufaturados, a Espanha transferiu essa inflação para toda a Europa. 42 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 3.3.2. Mercantilismo francês (Colbertismo) No século XVII, o mercantilismo inglês era fundamental- mente comercial e industrial. A indústria têxtil era a mais importante das atividades exportadoras do país. Em razão disso, o Estado proibiu a exportação de lã e elevou as taxas aduaneiras para impedir a concorrência dos tecidos france- ses e holandeses. A ideia mercantilista de comprar barato e vender caro vi- gorou na Inglaterra de vários modos: ganhos no frete, es- tímulo à indústria de construção naval e, principalmente, formação de grandes companhias de comércio privilegia- das pelo Estado. “um porto marítimo Francês, no auge do mercantilismo” (1638), de claude lorrain. 3.3.3. Mercantilismo dos Países Baixos Por volta do século XVII, os Países Baixos eram o modelo do Estado capitalista. A partir de 1615, grandes possessões espanholas na Ásia foram dominadas pela Holanda. Na América, os holandeses ocuparam colônias na região das Antilhas, onde organizaram grandes plantações de cana-de-açúcar. Além de dominarem intensamente o co- mércio colonial, os Países Baixos eram importantes regiões manufatureiras de tecidos. Ali surgiram as primeiras insti- tuições financeiras. De acordo com as concepções de sua época, Colbert, mi- nistro das finanças de Luís XIV, buscou fazer a riqueza da França com a acumulação de metais preciosos obtidos de uma balança comercial favorável. Para isso, procurou tornar o país economicamente autossuficiente, proibiu ou inibiu as importações com elevadas tarifas alfandegáriase incentivou as exportações de artigos de luxo – tecidos de seda, cristais, porcelana e tapeçaria. Sua política econômi- ca também buscava acelerar o desenvolvimento industrial na França com a criação das manufaturas reais e de gran- des companhias comerciais, a concessão de monopólios estatais, a subvenção à produção de artigos de luxo e a conquista de colônias. 3.3.4. Mercantilismo inglês No século XVI, a Espanha conquistou vasto império colonial. Grandes quantidades de ouro e prata provenientes do Peru e do México chegavam à Metrópole, o que lhe trouxe duas graves consequências: desinteresse pelas atividades indus- triais e agrárias, ocasionando queda na produção; inflação generalizada, resultado da alta vertiginosa do preço das mercadorias em escassez, conhecida como Revolução dos Preços. Obrigada a importar manufaturados, a Espanha transferiu essa inflação para toda a Europa. 4. O Estado francês Para que possamos compreender como ocorre o fortaleci- mento do poder real e a consolidação do Estado Nacional Francês, precisaremos retornar ao período da Baixa Idade Média. 4.1. A monarquia nacional francesa ricardo coração de leão Foi na França Ocidental, uma das três divisões do Império Carolíngio, segundo o Tratado de Verdun, que surgiu a mo- narquia nacional. A dinastia Carolíngia terminou no século X, dando início a dinastia Capetíngia, sob a qual se fortale- ceria o poder do rei. Na luta pela centralização política e expansão territorial, os reis capetíngios enfrentaram a nobreza e a Inglaterra, dona de vastos territórios ao norte da França, contando com o apoio das cidades e da burguesia. Os principais reis capetíngios foram Filipe Augusto, Luis IX e Filipe IV, o Belo. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 43 V O LU M E 3 Fonte: Youtube The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table – Rick Wakeman multimídia: música Filipe Augusto organizou o sistema de impostos e um exér- cito permanente que conquistou territórios dos reis ingle- ses na França. No governo de Luís IX, o poder real se forta- leceu ainda mais. Para facilitar o comércio, foi criada uma moeda padronizada, organizaram-se tribunais reais para uniformizar a justiça e ampliaram-se os domínios da coroa. Com Filipe IV, o Belo, o Estado francês entrou em conflito com o papado, uma vez que o rei pretendia cobrar tributos do clero francês. Com a morte do papa Bonifácio VIII, Filipe IV influenciou a eleição do novo papa, o francês Clemente V. Em 1309, sob a tutela do poder real, o papado instalou-se na cidade francesa de Avignon até 1377, período conhecido como o Cativeiro de Avignon. Os filhos de Filipe IV não tiveram herdeiros masculinos, o que pôs fim à dinastia Cape- tíngia, sucedida pela dinastia Valois, com Filipe VI. 4.2. O Absolutismo na França Na França, o poder real se estabeleceu gradativamente durante todo o século XVI. As guerras de religião que aba- laram o país nos fins do século XVI retardaram o avanço do Absolutismo. Entretanto, na segunda metade do século XVII, com Luís XIV, o Absolutismo francês já se encontrava perfeitamente configurado. 4.2.1. As guerras de religião Na segunda metade do século XVI, o calvinismo foi in- troduzido na França e conquistou adeptos entre parte da nobreza e, principalmente, da burguesia. Nessa época, a França era governada pelo débil monarca Francisco II, mas o poder era exercido de fato pelo duque de Guise, chefe da facção mais fanática dos católicos. Os hugue- notes – calvinistas – eram violentamente reprimidos pe- los Guise, que viam no calvinismo um inimigo do poder central. A tensão entre os dois grupos acabou se trans- formando em sangrentos conflitos durante o reinado de Carlos IX (1560-1574). Até que Carlos IX completasse a maioridade, a regência foi ocupada por sua mãe, Catarina de Médici, aliada dos católicos e resolvida a exterminar os huguenotes. Em 1572, na fatídica Noite de São Bartolomeu (24 de agosto), foram mortos cerca de 30 mil huguenotes. massacre de são BartoLomeu (1576), de François dubois. 44 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Ivanhoe – “Sir” Walter Scott Ivanhoe ou Ivanhoé é um romance do escritor escocês Walter Scott, publicado em 1820. Narra a luta entre sa- xões e normandos e as intrigas de João Sem Terra para destronar Ricardo Coração de Leão. É considerado o pri- meiro romance histórico do Romantismo. multimídia: livro 4.2.2. A dinastia Bourbon O processo de consolidação do Absolutismo na França tem início com o rei Henrique IV, primeiro governante da di- nastia Bourbon, que substituiu a dinastia Valois. henrique iV No poder, Henrique IV promoveu a pacificação entre católi- cos e protestantes por meio do Edito de Nantes (1598), que concedia liberdade de culto e o direito de admissão dos protestantes em cargos públicos. Segundo a tradição da monárquica francesa, somente um católico poderia assumir o trono. Henrique de Navarra, que era protestante, só pôde ser coroado Henrique IV depois de se converter ao catolicismo, oportunidade em que suposta- mente teria dito a famosa frase: “Paris bem vale uma missa”. No século XVII, com Luís XIII, o Absolutismo se consolidou sob a dinastia dos Bourbon. Durante seu governo, o Ab- solutismo ganhou considerável impulso, graças à política de seu primeiro-ministro, o cardeal de Richelieu, que, para fortalecer o poder real, procurou controlar a nobreza e subordiná-la ao rei. Richelieu desenvolveu a administra- ção pública mediante um eficaz aparato burocrático e, por meio dela, facilitou ao rei a fiscalização das províncias. No política exterior, o objetivo de Richelieu foi tornar a França a maior potência europeia e enfraquecer a Áustria, o que levou o país à luta, ao lado dos príncipes protestan- tes alemães, contra a dinastia católica austríaca dos Ha- bsburgos na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Depois da guerra, a França tornou-se a maior potência militar do continente europeu. luís XViii, com richelieu ao Fundo. Em 1643, depois da morte de Luís XIII, subiu ao trono Luís XIV, sob a regência da rainha-mãe Ana d’Áustria e do car- deal Mazzarino, que governou até 1661. Os aumentos dos impostos decretados pela regência revoltaram a burguesia e a nobreza, que se uniram nas chamadas frondas. A mor- te de Mazzarino precipitou o governo de Luís XIV (1661- 1715), que se caracterizaria como o mais emblemático go- verno absolutista, levando ao extremo a ideia de completa identificação entre o soberano e o Estado. Preparado desde a infância por Mazzarino para o exercício do poder real, Luís XIV sintetizou suas convições absolutis- tas na frase: “L’État c’est moi” (O Estado sou eu). Luís XiV (1701), de hYacinthe rigaud. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 45 V O LU M E 3 Quando assumiu o governo, Luís XIV acumulou em si as funções do Estado afastando os ministros permanentes e esvaziando o Conselho – base do governo no período anterior. Nas províncias, foram confirmadas as intendên- cias, ligadas diretamente ao poder central, que também exerciam sua autoridade em matéria de justiça, finanças e política, além de fiscalizar os oficiais detentores dos cargos públicos locais e supervisionar a arrecadação tributária. No plano social, Luís XIV promoveu a ascensão da burgue- sia, da qual recrutou alguns ministros, como Colbert, das finanças. Para controlar a nobreza, atraiu-a para a corte e ofereceu-lhe luxo, festas e pensões. O Palácio de Versalhes, residência do rei, era cercado de 10 mil pessoas, entre cor- tesãos, soldados, lacaios, etc.. Tornou-se símbolo do Abso- lutismo francês, cujo grande ideólogo foi Jacques Bossuet. Fonte: Youtube A Morte de Luís XIV No ano de 1715, mais especificamente no mês de agosto, o monarca Luís XIV (Jean-Pierre Léaud) começa a sentir dores na perna. Ele continua a exercer suas funções nos dias seguintes, mas passa a ter sonos intranquilos, além de problemas com alimentação e febre. Cada diamais fraco, acompanhamos os lentos e últimos dias da sua vida. multimídia: vídeo No campo religioso, Luís XIV revogou o Edito de Nantes, em 1685, proibindo o protestantismo. Cerca de 150 mil pessoas se viram obrigadas a abandonar o país. Em segui- da, o Luís XIV deu um golpe na Igreja Católica, submeten- do-a à sua autoridade e obrigando o clero francês a pagar impostos ao rei. Essas medidas procuravam reafirmar a autoridade real perante a população francesa. construído durante o reinado de luís XiV, o “rei sol”, o palácio de Versalhes se tornou modelo de residência real na europa. A economia e as finanças estavam a cargo do ministro Je- an-Baptiste Colbert, membro ligado à burguesia, que go- vernava junto ao monarca. Sua política mercantilista visa- va a autossuficiência do país com uma balança comercial favorável. Para isso, Colbert lançou mão da concessão do monopólio de certos produtos a alguns fabricantes bem- -sucedidos, da vigilância estrita sobre todas as corporações de ofício e da criação de manufaturas, de propriedade da coroa, destinadas à produção e à exportação de artigos de luxo, como cristais e tapeçarias. A política externa de Luís XIV teve como principal caracte- rística as sucessivas guerras para preservar sua supremacia na Europa. Paralelamente aos gastos vultosos para a manu- tenção da corte, as finanças e a economia foram arruinadas. Nos últimos anos do governo de Luís XIV e no reinado de Luís XV, a crise do Absolutismo se intensificou e assumiu proporções catastróficas no governo de Luís XVI, quando, em 1789, o Antigo Regime foi destituído pela Revolução Francesa. Fonte: Youtube O Homem da Máscara de Ferro No século XVII, o cruel Luís XIV (Leonardo DiCaprio) manda clandestinamente para a masmorra o irmão gê- meo que ninguém sabe existir, para tomar o poder. Mas o mosqueteiro Aramis (Jeremy Irons) descobre o segredo e convence seus companheiros a salvar o prisioneiro. multimídia: vídeo 46 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Um dos componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o PIB per capita. Sendo o PIB (Y) toda a riqueza produzida por um país em um ano, o indicador PIB per capita é a divisão do PIB pelo número de habi- tantes desse país. Ao se analisar a equação da Renda Nacional, ou PIB, observa-se que há um componente (X–Z), que representa a Balança Comercial da nação. Esse componente estava presente no mercantilismo. A Balança Comercial Favorável (X>Z) consiste no fato de o Estado exportar (vender) mais do que importar (comprar), alcançando um superavit e possibilitando, assim, o acúmulo de metais. Para alcançar esse quadro, os Estados elevavam as barreiras alfandegárias, ou as tarifas/impostos sobre importações, tornando-as mais difíceis e as desestimulando; essa prática é denominada protecionismo. Y = DA = C + I + G + X - Z EM QUE: Y = Renda Nacional DA = Demanda Agregada C = Consumo das Famílias I = Investimento dos Empresários G = Gastos do Governo X = Exportações e Z = Importações CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 47 V O LU M E 3 HABILIDADE 11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço. A Habilidade 11 requer dos candidatos interpretação de textos, imagens e fontes documentais em geral. No caso especificamente tratado, refere-se a um fragmento de uma obra biográfica que não abre mão de discutir o ambiente histórico do músico biografado Mozart. O aluno deve SE ater ao texto, além de compreender a estrutura sociológica e a estratificação política do período. Evidentemente, a obra trata do período do Antigo Regime, quando havia uma estratificação social estamental da sociedade, que era dividida entre clero, nobreza e o Terceiro Estado (composto por servos, artesãos, artistas, burgueses, etc.). É muito comum a presença de textos de suporte para a construção da questão. Cabe ao candidato inter- pretá-los a fim de assinalar a alternativa correta. MODELO 1 (Enem) O que chamamos de corte principesca era, essencialmente, o palácio do príncipe. Os músicos eram tão indispensáveis nesses grandes palácios quanto os pasteleiros, os cozinheiros e os criados. Eles eram o que se chamava, um tanto pejorativamente, de criados de libré. A maior parte dos músicos ficava satisfeita quando tinha garantida a subsistência, como acontecia com as outras pessoas de “classe média” na corte; entre os que não se satisfaziam, estava o pai de Mozart. Mas ele também se curvou às circunstâncias a que não podia escapar. adaptado de: norbert elias. mozart: sociologia de um gênio. jorge zahar, 1995, p. 18. Considerando-se que a sociedade do Antigo Regime dividia-se tradicionalmente em estamentos: nobreza, clero e Terceiro Estado, é correto afirmar que o autor do texto, ao fazer referência à “classe média”, descreve a sociedade utilizando a noção posterior de classe social, a fim de: a) aproximar da nobreza cortesã a condição de classe dos músicos, que pertenciam ao Terceiro Estado; b) destacar a consciência de classe que possuíam os músicos, ao contrário dos demais trabalhadores manuais; c) indicar que os músicos se encontravam na mesma situação que os demais membros do Terceiro Estado; d) distinguir, dentro do Terceiro Estado, as condições em que viviam os “criados de libré” e os camponeses; e) comprovar a existência, no interior da corte, de uma luta de classes entre os trabalhadores manuais. ANÁLISE EXPOSITIVA A alternativa [C] é a única resposta possível, a partir da ideia de que o Terceiro Estado era formado majori- tariamente pelas camadas populares que viviam em situação de pobreza, assim como os músicos da corte, forçados a aceitar uma situação na qual os serviços eram pagos com alimentação e moradia. Entretanto, vale lembrar que os burgueses, inclusive os setores mais ricos, também eram membros do Terceiro Estado. RESPOSTA Alternativa C ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM 48 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS 1 - ABSOLUTISMO ANTIGO REGIME - ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO ESTADO MODERNO ABSOLUTISMO CARACTERÍSTICAS CARACTERÍSTICAS • ALIANÇA ENTRE REI E BURGUESIA • UNIFICAÇÃO TERRITORIAL • CONTROLE DO COMÉRCIO • COBRANÇA DE IMPOSTOS • MOEDA NACIONAL • ORGANIZAÇÃO DA BUROCRACIA ESTATAL • EXÉRCITO NACIONAL • CONTROLE DA RELIGIÃO • CONTROLE DA NOBREZA • FORTALECIMENTO MILITAR • COLONIALISMO • MERCANTILISMO TEÓRICOS • NICOLAU MAQUIAVEL - O PRÍNCIPE • JACQUES BOSSUET - LIGAÇÃO DIVINA • JEAN BODIN - SEIS LIVROS DA REPÚBLICA • THOMAS HOBBES - LEVIATÃ REI COM PODER ILIMITADO E INQUESTIONÁVEL PROCESSO GRADUAL DE CENTRALIZAÇÃO DO PODER MONÁRQUICO (SÉCULOS XVI-XVII) FRANÇA FIM DA DINASTIA CAPETÍNGIA NOVAS RELAÇÕES COM A IGREJA (CATIVEIRO DE AVIGNON) CENTRALIZAÇÃO DO PODER REAL DINASTIA VALOIS LUÍS XIV (O REI SOL) LUÍS XIII E PRIMEIRO-MINISTRO CARDEAL RICHELIEV HENRIQUE IV DINASTIA BOURBON DINASTIA VALOIS • GUERRAS RELIGIOSAS • CATÓLICOS X HUGUENOTES • EDITO DE NANTES (1598) • CONVERTE-SE AO CATOLICISMO • ORGANIZA BUROCRACIA ESTATAL • CENTRALIZA O PODER • REVOGA O EDITO DE NANTES • SUBMETE A IGREJA AO ESTADO • APROXIMA-SE DA BURGUE- SIA (COLBERTISMO) • CUSTEIA A NOBREZA • GUERRA DOS TRINTA ANOS (1618-1648) ABSOLUTISMO NA FRANÇA CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 49 V O LU M E 3 1. A monarquia nacional inglesa A formação da Inglaterra moderna teve início em 1066, com a conquista da Ilha pelos normandos, liderados por Guilherme, o Conquistador, na batalha de Hastings. A or- ganização eficiente do reino permitiu a Guilherme exercer um poder razoavelmente centralizado. Em 1154, Henrique II deu continuidade a essa política, fundando a dinastia Plantageneta. A Grande Assembleia reunia-se três vezes por ano; foram instituídos juízes iti- nerantes; criou-se a prática do júri; inaugurou-se o alista- mento militar obrigatório para todos os homens livres; e procurou-se manter a Igreja sob sua autoridade.A Demanda do Santo Graal – Anônimo (séc. XIII) A Demanda do Santo Graal (em francês La Queste del Saint Graal) é o nome de algumas obras literárias me- dievais sobre as lendas do rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, escritos originalmente em francês an- tigo no século XIII. multimídia: livro Com seus filhos Ricardo Coração de Leão e João Sem-Terra, a autoridade real se enfraqueceu. Em 1215, derrotado nos conflitos com a França e com o papado, João Sem-Terra foi obrigado pela nobreza inglesa a assinar um documento, a Magna Carta. Nela, a autoridade real fora limitada pelo Grande Conselho, órgão composto por bispos, condes e barões. O rei não poderia, por exemplo, aumentar os im- postos sem a prévia autorização dos nobres. No século XIII, em oposição ao rei, os barões ingleses oficia- lizaram o Parlamento, oficialmente dividido, no século XIV, em Câmara dos Lordes (nobres e clero) e Câmara dos Comuns (cavaleiros e burgueses). Ao longo dos séculos, o Parlamento usaria seu poder de controlar a receita para aumentar sua influência. Desenvolveu-se, então, a tradição de que o poder de governar não estava apenas com o rei, mas com o rei e o Parlamento juntos. 2. O Absolutismo na Inglaterra Na Inglaterra, a consolidação e o apogeu do Absolutismo ocorreram durante a dinastia Tudor (1485-1603), que as- cendera ao poder no final da Guerra das Duas Rosas (1455-1485). Nessa guerra civil, as duas mais poderosas famílias da nobreza inglesa – a família Lancaster, represen- tada por uma rosa vermelha, e a família York, por uma rosa branca – disputaram o poder. Os Lancaster, então no poder, representavam os interesses da velha nobreza feudal; e os York, a nova nobreza aliada à burguesia. a dinastia tudor Depois da guerra, Henrique Tudor, descendente dos Lan- caster, casou-se com Elizabeth, de York, unindo sob sua direção as duas famílias. Quase todo o período inicial do governo dessa dinastia foi de relativa tranquilidade. A preocupação dominante durante o reinado de Henrique VII foi a reconstrução do reino. A autoridade do rei se fortaleceu com facilidade, dada a fragi- lidade da nobreza e devido ao apoio popular a um governo estável, depois de um período de trinta anos de guerra. Entretanto, essa autoridade sempre esbarrava no Parla- mento, notadamente quando se tratava de questões finan- ceiras. Para decretar novos impostos, o rei era obrigado a convocar o Parlamento, que tradicionalmente poderia acei- tar ou não suas propostas. MONARQUIA INGLESA E AS REVOLUÇÕES INGLESAS DO SÉCULO XVII COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 CH AULAS 25 E 26 50 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 henrique Vii Depois da morte de Henrique VII, em 1509, o poder foi transmitido ao seu filho Henrique VIII, cujos primeiros vinte anos de reinado foram marcados pela continuidade da obra do pai e por um aumento gradativo do poder real. No período da Reforma Protestante, o processo de cen- tralização do poder real se acelerou. Henrique VIII utilizou questões pessoais relacionadas ao seu casamento para de- sencadear a Reforma Anglicana, aumentar o poder real e re- duzir drasticamente o poder da Igreja Católica. Com o Ato de Supremacia, em 1534, a questão da religião no país passou a ser atribuição pessoal do rei, e os bens da Igreja Católica foram confiscados, especialmente as terras dos mosteiros. Sob Henrique VIII, o Parlamento foi astutamente controla- do. O monarca interferia nas eleições e lotava o legislativo com seus próprios apaniguados; adulava, lisonjeava ou amedrontava seus membros, conforme exigisse a situação, a fim de obter seu apoio. Em 1547, subiu ao poder Eduardo VI, filho de Henrique VIII com sua terceira esposa, Jane Seymour. Durante seu curto reinado (1547-1553), o poder na Inglaterra esteve virtualmente nas mãos do Conselho Privado, órgão con- sultivo de confiança do rei e controlado pelo protestante duque de Somersert. Com a morte de Eduardo VI, em 1553, vítima de tubercu- lose aos 16 anos, subiu ao trono sua irmã, Maria Tudor (Maria I). Católica fanática, imprimiu ao governo uma nova orientação religiosa: revogou o Ato de Supremacia institu- ído por seu pai, Henrique VIII, e promoveu intensa perse- guição aos anglicanos e calvinistas (puritanos), o que lhe rendeu o apelido de Maria “Sanguinária” (Bloody Mary). Seu reinado foi pontilhado de assassinatos e execuções. Em 1554, casou-se com Filipe II, rei da Espanha, tradicional concorrente e rival da Inglaterra. Esse fato provocou em toda a Inglaterra movimentos de repulsa contra a Igreja Católica e contra a Espanha. Maria I morreu em 1558 e deu lugar à sua meia irmã, Elizabeth I, fruto do casamento de Henrique VIII com Ana Bolena. elizabeth i Elizabeth I representou um poderoso estímulo para o fortalecimento do poder real. Com ela, o Absolutismo na Inglaterra alcançou seu apogeu. Seu reinado (1558-1603) é apontado como a Idade de Ouro da história inglesa. Uma das primeiras medidas de Elizabeth I foi reorganizar a reli- gião na Inglaterra, tornando o anglicanismo a religião ofi- cial. A política de perseguições religiosas teve continuida- de – embora em menor intensidade, agora voltada contra puritanos e católicos. Durante todo o reinado de Elizabeth I, o Parlamento se mostrou dócil e submisso. A Câmara dos Lordes, ainda sob influência dos católicos, era o setor que poderia oferecer alguma resistência. Elizabeth I, com a habilidade política que lhe era peculiar, promoveu uma lenta reforma nessa câmara até dominá-la com membros fiéis ao anglicanismo e oriundos da nova nobreza. Nesse período, a política econômica da Inglaterra foi di- tada pelas teorias mercantilistas. Por volta de 1570, de- senvolveu-se a manufatura de tecidos de lã e ocorreu um incremento da exploração das minas de carvão. O comércio internacional se desenvolveu intensamente, estimulando a construção naval. O avanço da pirataria, legitimada pelo Estado (os corsários), sobre os impérios coloniais de Espanha e Portugal ocasionou enormes lucros. A formação de companhias regulamentadas, como a Companhia Ingle- sa das Índias Orientais, organizou a exploração comercial e principalmente o tráfico de escravizados negros da costa da África para a América. Houve também a busca de colônias, objetivo que se concretizou com a fundação da primeira colônia inglesa na América do Norte, a Virgínia. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 51 V O LU M E 3 Setores da nobreza passaram a produzir para vender no mercado, dando origem à nobreza progressista, a gentry, cuja finalidade básica era, por causa do crescimento dos rebanhos de ovelhas, ampliar as áreas de pastagem, o que a levou, com o apoio do governo inglês, a cercar as terras comunais usadas pelos camponeses pobres, que foram expulsos . A agricultura inglesa perdeu suas característi- cas de agricultura feudal – produção de subsistência – e se transformou em agricultura capitalista com interesses ligados ao comércio. O resultado desse fenômeno, conhe- cido como “cercamentos” (enclosures), foram inúme- ros camponeses sem terra, famintos e miseráveis que se concentraram nas cidades inglesas. Criavam-se assim as condições favoráveis para o desenvolvimento do trabalho assalariado e das manufaturas. Em 1601, pretendendo exercer mais controle sobre os po- bres ingleses, Elizabeth I assinou a famosa “Lei dos Po- bres” (Poor Law), que os obrigava a trabalhar em “oficinas de caridade”, que abasteciam de mão de obra barata to- das as manufaturas inglesas. Fonte: Youtube Mary Stuart, Rainha da Escócia Mary Stuart (Katharine Hepburn) assume o trono da Escó- cia para a repugnância da Rainha da Inglaterra Elizabeth I (Florence Eldridge). Em meio a um grande burburinho sobre seu possível marido, Mary escolhe o Lorde Darnley (Douglas Walton) ao invés do Conde de Bothwell (Fredric March). Umdos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de poder. H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos. H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações. H8 Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-social. H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial. H10 Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade histórico-geográfica. Co m pe tê n Ci a 3 Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, con- flitos e movimentos sociais. H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço. H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades. H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder. H14 Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas. H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história. Co m pe tê n Ci a 4 Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social. H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social. H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção. H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais. H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano. H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho. Co m pe tê n Ci a 5 Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H21 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H22 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construçãodo texto literário. H23 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades. H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social. Co m pe tê n Ci a 6 Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e(ou) geográficos. H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos. H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas. H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas. MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM LIVRO TEÓRICO HISTÓRIA GERAL HISTÓRIA INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS A proposta do Enem é interpretativa. Na maioria das questões, o candidato deve ler os textos propostos atentamente, pois as soluções quase sempre estarão contidas neles. Determina a compreensão de processos históricos em associação com concei- tos e dados próprios de cada tema. A temática Antiguidade Clássica é muito cobrada. É necessário atribuir correla- ções entre as realidades econômicas e política de cada período. Atente-se aos principais temas da atualidade. As questões exigem do candidato uma apreensão conceitual com alto teor de crítica. O caráter das questões é de âm- bito reflexivo, trazendo temas históricos para o debate de temas contemporâne- os. Cabe ao candidato ficar atento aos aspectos sociológicos, políticos e econômicos dos te- mas. No sistema misto de ingresso, é necessá- ria a realização da prova do Enem e do vestibular da Unifesp. São determinados dois dias para a prova e nela não são abordadas diretamente questões de His- tória, mas há um grau de interdisciplinari- dade na resolução dos exercícios e escrita da redação. Cobra a associação de fatos e conceitos políticos, econômicos e sociais com tex- tos científicos e mapas. Exige domínio de interpretação textual e estabelecimento de conexões entre diferentes áreas do conhecimento. Os temas da Antiguidade Clássica são recorrentes. A prova possui cinco questões de múl- tipla escolha de História e que, nos últimos anos, não trouxeram o tema da Antiguidade Clássica. Contudo, as estruturas sociais, políticas e econômicas contemporâneas são embasadas em conceitos originados no período antigo. Nessa prova, a abordagem de História combina análise de documentos com alto teor de interpretação. Nas seis ques- tões de História, há uma tendência em abranger temas relacionados à História do Brasil, mas isso não impede a relevân- cia da temática da Antiguida- de Clássica. Essa prova adota um perfil específico, que ora cobra do candidato um teor de interpretação textual nas questões de História, dado que os registros textuais costumam ser longos, ora realiza uma combinação entre a leitura e conhe- cimentos detalhados sobre determinados con- teúdos. São cinco questões de múltipla escolha de História. A abordagem conta com for- te presença de questões de Antiguidade Clássica, que exigem do candidato um grau de apreensão de conceitos combi- nados com interpretação de fontes. O vestibular é dividido em duas fases. Na primeira, História está relacionada com a capacidade do candidato de rea- lizar leituras atentas e, simultaneamente, analisar o contexto de um determinado período. Há um tema que percorre toda a prova e nele pode-se englobar a temática de Antiguidade Clássica. Na primeira fase, História ocorre em nove questões de múltipla escolha. O vestibular privilegia que o candidato realize análises e interpretações sobre diferentes processos históricos e perceba suas continuidades e rupturas. Há uma distribuição balanceada de questões de Brasil e Geral. Elaborada pela Vunesp, essa prova pos- sui características semelhantes às de- mais provas citadas e organizadas pela mesma fundação. Em suas 55 questões de múltipla escolha, não são contempla- dos diretamente temas de História, mas que podem aparecer aborda- dos em outras dis- ciplinas. Esse vestibular não contempla com fre- quência temas das Antiguidades Clássi- ca e Oriental. No entanto, pelo caráter da prova, cabe ao candidato preparar-se para questões que envolvam conheci- mento das condições políticas, sociais e econômicas dos períodos descritos. Nessa prova, não há uma divisão clara entre História e Geografia, que são abor- dadas como Estudos Sociais. Portanto, não existem definições específicas de tema, mas sim um grau elevado de in- terdisciplinaridade. Para o curso de Medicina, além do Enem, conta com uma avaliação elaborada pela instituição “TalentVest”. Em suas dez questões de múltipla escolha destinadas à História, há uma tendência em abordar temas contemporâneos. CIÊNCIAS HUMANAS e suasgolpe político leva à guerra civil e a rainha escocesa deverá arcar com duras consequências. multimídia: vídeo Durante o reinado de Elizabeth I houve a tentativa de invasão e domínio da Inglaterra pela chamada “Invencí- vel Armada” espanhola. Tomado de fúria em razão dos ataques ao comércio espanhol por parte dos navios cor- sários ingleses, e frustrado pelo fracasso de seus planos para trazer a Inglaterra de volta à fé católica, o rei Filipe II da Espanha enviou, em 1588, uma poderosa esqua- dra para destruir a esquadra da rainha Elizabeth I e inva- dir a Inglaterra. No entanto, o rei desconhecia as novas técnicas de guerra naval dos ingleses. Uma combinação de perícia militar inglesa e de tempestades desastrosas (“Vento Protestante”) levou muitos dos 130 navios es- panhóis para o fundo do canal da Mancha. Os restantes debandaram de volta à Espanha. spanish armada, de james de loutherbourg. Em 1603, com a morte da rainha que não deixou herdei- ros, iniciou-se o reinado da dinastia Stuart, caracte- riza- do pela crise do Absolutismo e pelas revoluções inglesas do século XVII. 3. Revoluções inglesas do século XVII: antecedentes A política econômica mercantilista e o Estado absolutista inglês foram os principais responsáveis pelo grande desen- volvimento econômico alcançado pela Inglaterra, ao lado da Reforma Anglicana, consolidada pelo Ato de Suprema- cia, em 1534, por Henrique VIII (1509-1547). Elisabeth I (1557-1603) deu continuidade à política de seu pai, inten- sificando e ampliando as práticas mercantilistas. A rainha enraizou a autoridade da Igreja Anglicana subordinada ao monarca, bem como deu início à colonização da América, em 1584, com a fundação da colônia de Virgínia, por ini- ciativa de Sir Walter Raleigh. Elisabeth I incentivou ainda o comércio marítimo e a atividade corsária e, ao derrotar a "Invencível Armada Espanhola", consolidou a hegemonia marítima inglesa nos mares. O desenvolvimento econômico trouxe prosperidade para os grupos mercantis ingleses: burguesia comercial e financeira, armadores, nobres enriquecidos com a política dos “cerca- mentos” e corsários. Todos esses ocupavam cargos impor- tantes, nomeados pelo próprio governo, e passaram a buscar maior participação política via Parlamento. No seio desses grupos mercantis, crescia a religião puritana, mais sintonizada com os anseios burgueses. Entre a nobreza tradicional, prevaleciam o catolicismo e o anglicanismo. Em 1603, com a morte da rainha Elisabeth I, a dinastia Tudor chegou ao fim, uma vez que a rainha não deixou herdeiros. Em virtude do parentesco, o trono inglês foi entregue ao rei da Escócia, Jaime I, que deu início à dinastia Stuart. 52 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 3.1. Dinastia Stuart O governo de Jaime I (1603-1625) foi marcado por contur- bações políticas e religiosas e constantes atritos com o Parla- mento, a burguesia puritana e a nobreza católica. O novo monarca inglês defendeu a implantação de um regi- me absolutista fundamentado na Teoria do Direito Divi- no e se aliou à nobreza anglicana como forma de viabilizar seu fortalecimento político. Os resultados foram intensos confrontos com o Parlamento, que o renegava por sua nacio- nalidade escocesa, e violentas perseguições a católicos e pu- ritanos, que incentivaram, a partir de 1603, a emigração dos puritanos para a América e a fundação das primeiras colônias de povoamento na região conhecida por Nova Inglaterra. jaime i O sucessor de Jaime I, seu filho Carlos I (1625-1648), manteve e aprofundou a política instituída por seu pai, intensificando os conflitos, especialmente com o Parlamento, majoritariamente burguês e puritano. Em razão desses conflitos, o monarca dis- solveu o Parlamento em 1629. O Parlamento só foi reaberto em 1640, quando Carlos I o convocou com o intuito de obter apoio para a aprovação de mais recursos para o exército, que lutava contra revoltosos presbiterianos escoceses. carlos i Com o Parlamento reaberto, ocorreram fortes manifesta- ções dos deputados contra as ações do rei e sua insistência com a política absolutista. Os deputados tentaram obrigar o rei a assinar a Petição dos Direitos, rejeitada pelo monar- ca em 1629. O documento oferecia aos cidadãos garantias contra novos impostos e prisões arbitrárias. Carlos I tentou fechar o Parlamento novamente. Dessa vez, no entanto, foi impedido pelos deputados e pela população de Londres. 3.2. Revolução Puritana ou Guerra Civil Inglesa (1642-1649) A situação criada por Carlos I mobilizou os cavaleiros e os “cabeças redondas”. Os cavaleiros compunham as tropas reais, formada por católicos e principalmente anglicanos ligados à nobreza tradicional, que defendia o regime ab- solutista. Os “cabeças redondas”, por sua vez, eram os parlamentares, os burgueses, os puritanos e uma pequena parcela da nobreza mais progressista, todos ligados aos interesses do capitalismo comercial. No início da Guerra Civil, os “cabeças redondas” contaram com o apoio de grupos radicais: os levellers (niveladores) e os diggers (cavadores). Os levellers pretendiam “nivelar” as condições sociais na Inglaterra. Defendiam a população pobre das cidades e do campo e exigiam completa liberda- de religiosa e igualdade jurídica. Os diggers, por sua vez, opunham-se à propriedade privada do solo e exigiam que as terras da Coroa, os terrenos comunais e ociosos fossem cultivados pelos pobres. Ficaram assim conhecidos ao se instalarem num terreno não aproveitado, onde puseram-se a preparar a terra (to dig: cavar) para a semeadura. Liderados por Oliver Cromwell, os “cabeças redondas” obtiveram seguidos triunfos que propiciaram a vitória na Guerra Civil. Com a ascensão de Cromwell ao poder, ele proclamou a queda da monarquia e a instalação do re- gime republicano. O rei Carlos I foi preso e executado, selando a vitória da Revolução Puritana em 1649. Fonte: Youtube Cromwell, o Homem de Ferro Na primeira metade do século XVII, a Inglaterra se en- contra em plena crise econômica e ideológica, o povo está afundado em miséria e o Rei acaba de fechar o parlamento. Descrente do Estado absolutista, o puri- tano Oliver Cromwell (Richard Harris) irá lutar contra o Rei e seus abusos de poder, desencadeando uma guerra civil na Inglaterra. multimídia: vídeo CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 53 V O LU M E 3 Cromwell e o Exército de Novo Tipo Com a participação de Cromwell, o Parlamento for- mou o Exército de Novo Tipo, que conseguiu derrotar as forças realistas. O elmo arrendondado deu origem ao apelido dos membros do Exército de Novo Tipo. Oliver Cromwell auxiliou na formação de um exército como defesa do Parlamento, no contexto da Guerra Civil Inglesa, também conhecida como Revolução Pu- ritana. O chamado Exército de Novo Tipo (New Model Army) era uma inovação na organização das tropas em relação aos exércitos feudais. Os membros desse exército também eram conhecidos como cabeças redondas (round-heads) em decorrên- cia do elmo (capacete) de metal de formato arredon- dado usado pelos soldados. A escolha de oficiais e cavaleiros baseava-se no mé- rito, não nos títulos de nobreza, o que proporcionava à organização maior participação popular. Os comitês que tomavam as decisões franqueavam ao soldados certa abertura. Com essa estrutura militar, os soldados tiveram mais contato com as questões políticas, o que contribuiu para a formação de uma consciência mais profunda sobre os motivos da luta. disponíVel em: . 3.3. A República Puritana (1649-1658) A ascensão de Oliver Cromwell consolidou o regime repu- blicano na Inglaterra com o apoio do Parlamento majorita- riamente puritano. O novo regime nascia com o apoio do exército e da burguesia e com compromisso de consolidar o capitalismo britânico. Fonte: Youtube Morte ao Rei O filme aborda os desdobramentos da Revolução Puri- tana na Inglaterra, que culminou na condenação e de-capitação do rei Carlos I, enfocando a relação entre o general Fairfax e Oliver Crommwel. multimídia: vídeo Ainda em 1649, o Exército da jovem República viu-se ame- açado por uma rebelião católica na Irlanda, favorável ao retorno do Absolutismo. Cromwell esmagou essa rebelião com mão de ferro, confiscou as terras dos católicos irlande- ses e entregou-as aos protestantes. Foi também impiedoso com as tentativas de separação por parte da Escócia. Extremamente poderoso e com grande prestígio entre os militares e puritanos fanáticos, Cromwell desencadeou uma onda de “nacionalismo” extremado. Fez de si mesmo a imagem desse “nacionalismo”, declarando-se, em 1651, Lorde Protetor da Comunidade Britânica (Inglaterra, Escó- cia e Irlanda). Commoonwealth, a ideia de comunidade britânica, foi retomada quase um século depois, quando a Inglaterra montava seu império. Em 1651, foram promulgados os Atos de Navegação, cujos objetivos eram consolidar e incrementar o capitalis- mo comercial inglês, determinando que toda mercadoria comercializada nos portos ingleses fosse transportada por navios ingleses. Essa medida visava fortalecer a marinha e o comércio naval da Inglaterra ao mesmo tempo que li- mitava a participação econômica e o poder mercantil dos holandeses. Isso desencadeou uma guerra entre Inglaterra e Holanda, entre os anos de 1652 a 1654, da qual a Ingla- terra saiu vencedora, consolidando sua hegemonia naval. oliVer cromwell Desde 1653 até sua morte, Cromwell governou como um verdadeiro ditador. Dividiu a Inglaterra em 12 províncias e entregou o governo de cada uma delas a um militar. Cromwell dissolveu quatro parlamentos, eliminou grupos radicais, executou os principais líderes niveladores, dizimou os cavadores e promoveu uma violenta repressão contra os católicos irlandeses. Sua política também foi marcada pelo puritanismo radical, a ponto de criar uma espécie de polí- tica dos costumes, que proibia os bailes e qualquer atitude considerada mundana, em preparação às medidas discipli- nares de educação dos trabalhadores ingleses. 54 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 3.4. O retorno da dinastia Stuart (1660-1688) Em 1658, com a morte de Oliver Cromwell, seu filho Ri- chard assumiu o cargo de Lorde Protetor. Sem o reconhe- cimento do exército, Richard não tinha condições políticas de continuar a exercer o poder. Foi destituído e o Parlamen- to foi convocado a legitimar o poder dos generais. Com o crescimento da mobilização das camadas populares, as elites assustadas começaram a articular a restauração da monarquia. Em 1660, Carlos II, filho do rei decapitado, Car- los I, por meio da Declaração de Breda, prometeu governar mantendo a tolerância religiosa e respeitando o Parlamen- to e as relações de propriedade. Com apoio de Luís XIV, o rei Sol, da França, Carlos II converteu-se ao catolicismo, provocando o descontentamento da população e do Parla- mento, que em 1679 aprovou o Habeas Corpus, garantin- do segurança aos cidadãos em caso de abusos do governo. Por meio do Ato de Exclusão, ficou proibido a qualquer ca- tólico exercer funções públicas, incluindo a de rei. Em todos os níveis, a nação e o Parlamento viam com desconfiança as tendências absolutistas de Carlos II, que muitas vezes havia repetido a frase do francês Jacques Bossuet: “Os reis são, com justiça, chamados de Deus...“. Na Inglaterra, em virtude das condições políticas do Parla- mento, os reis sempre gozaram do poder absolutista sem se declararem como tal, ao que os historiadores chamaram de “Absolutismo consentido”. carlos ii Com a morte de Carlos II em 1685, subiu ao trono seu ir- mão, o católico Jaime II, que procurou novamente conduzir o país para o catolicismo, fortalecendo seu poder por meio do Absolutismo, em prejuízo do Parlamento. Jaime puniu com rigor quem se revoltava contra o seu go- verno, negando o direito de Habeas corpus. Desrespeitou o Ato de Exclusão, nomeando católicos para funções impor- tantes no governo. Em virtude dessas ações, a Inglaterra passou a viver uma situação de agravante convulsão social em face das aspirações absolutistas mais pretensiosas que as de Carlos II alimentadas por Jaime II. A burguesia inglesa temia a perda do seu poder e o desen- cadeamento de uma rebelião armada que levasse a uma situação como a que chegou o governo ditatorial de Oliver Cromwell. Os burgueses esperavam que o rei morresse, e uma de suas filhas protestantes assumisse o poder. Mas o rei teve um filho homem, o que garantiria a sucessão cató- lica ao trono. Os problemas prometiam continuar. jaime ii 3.5. A Revolução Gloriosa (1688-1689) guilherme iii e maria stuart. No entanto, em acordo secreto com Guilherme de Oran- ge, príncipe protestante da Holanda e genro de Jaime II, o Parlamento, dominado pela burguesia puritana, mobili- zou-se contra o rei com o intuito de entregar o poder a Guilherme. As tropas abandonaram Jaime II e, em junho de 1688, Guilherme de Orange foi consgrado rei com o CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 55 V O LU M E 3 nome de Guilherme III. Esse episódio ficou conhecido como Revolução Gloriosa. Sem derramamento de sangue e representando um compro- misso de classe entre os grandes proprietários rurais e a bur- guesia inglesa, a Revolução Gloriosa marginalizava o povo, além de mostrar que, para acabar com o Absolutismo, não era preciso eliminar a figura do rei, desde que ele aceitasse se submeter às decisões do Parlamento. Representando a transição política de uma monarquia que insistia em se au- toproclamar absolutista para uma Monarquia parlamentar, a Revolução Gloriosa inaugurava a atual política inglesa, cujo poder real está submetido ao Parlamento. A partir de então, passou a prevalecer na Inglaterra o princípio de que “o rei reina, mas não governa”. Preocupado com qualquer possibilidade de ser restaurada a autoridade absoluta do rei, o Parlamento promulgou, em 1689, a Declaração de Direitos (Bill of Rights), que foi aceita pelo rei em 1689 e marcou o fim do choque entre rei e Parlamento. Essa declaração eliminava a censura po- lítica e reafirmava o direito exclusivo do Parlamento de es- tabelecer impostos e de apresentar livremente petições. O recrutamento e a manutenção do exército somente seriam admitidos com a aprovação do Parlamento; as reuniões parlamentares e as eleições seriam regulares; o orçamento anual seria votado pelo Parlamento; as contas reais seriam controladas por inspetores; e os católicos seriam afastados da sucessão. Em 1694, foi criado o Banco da Inglaterra, fato que organizou o tripé fundamental para o desenvolvi- mento do capitalismo na Inglaterra: Parlamento, Tesouro e Banco da Inglaterra. declaração de direitos (bill oF rights) Com a Revolução Gloriosa, a burguesia inglesa libertava-se do Estado absolutista, que, com seu permanente interven- cionismo, havia sido benéfico numa determinada fase de constituição do capitalismo, mas tornara-se uma barreira para a continuidade da acumulação e incremento do ca- pitalismo. Aliada à aristocracia rural, a burguesia, passou a exercer diretamente o poder político pelo Parlamento, caracterizando a formação de um Estado liberal, adequa- do ao desenvolvimento do capitalismo e que, conjugado a outros fatores, permitiria o pioneirismo inglês na Revolução Industrial em meados do século XVIII. 56 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 REVOLUÇÃO INGLESA DO SÉC. XVII REVOLUÇÃO INGLESA CONTEXTO: DISPUTA ENTRE PODER ABSOLUTISTA E PARLAMENTO DINASTIA TUDOR DINASTIA STUART (REIS ESCOCESES) A REPÚBLICA PURITANA (1649-1658) REVOLUÇÃO PURITANA OU GUERRA CIVIL INGLESA (1642-1648) • ELIZABETH I (1533-1603) JAIME I (1603-1625) • FORTALECE O ABSOLUTISMO • DISPUTAS COM O PARLAMENTO • PERSEGUE CATÓLICOS E PURITANOS (FUGA PARA AS 13 COLÔNIAS) CARLOS I (1625-1648) • 1629 - FECHA O PARLAMENTO • 1640 - REABRE PARA VOTAÇÃO DE MAIS IMPOSTOS (DEPUTADOS QUEREM APROVAR “PETIÇÃODOS DIREITOS”) • 1642 - AMEAÇA FECHAR O PARLAMENTO OLIVER CROMWELL • DITADURA MILITAR • COMUNIDADE BRITÂNICA COMMONWEALTH • DISSOLVE QUATRO PARLAMENTOS • FORTALECE A MARINHA • ATOS DE NAVEGAÇÃO (1651) • 1648 - DECAPITAÇÃO DE CARLOS I X TROPAS PARLAMENTARES (CABEÇAS REDONDAS) BURGUESIA MERCANTIL, NOVA NOBREZA, LEVELLERS (GRUPO RADICAL URBANO), DIGGERS (GRUPO RADICAL RURAL) TROPAS REAIS CATÓLICOS E ANGLICANOS DA NOBREZA TRADICIONAL FORMAÇÃO DA MONARQUIA INGLESA INGLATERRA DISPUTA ENTRE REI E NOBREZA PARLAMENTO MAGNA CARTA DIAGRAMA DE IDEIAS RETORNO DOS STUART (1660-1688) CARLOS II (1660-1685) • TENSÃO COM O PARLAMENTO • PARLAMENTO APROVA HABEAS CORPUS E ATO DE EXCLUSÃO (1679) JAIME II (1685-1688) • TENDÊNCIA ABSOLUTISTA • REVOGA HABEAS CORPUS REVOLUÇÃO GLORIOSA (1688-1689) • ACORDO DO PARLAMENTO COM GUILHERME DE ORANGE (GENRO DE JAIME II) • HEGEMONIA DO PARLAMENTO SOBRE O PODER REAL • 1689 - DECLARAÇÃO DOS DIREITOS (BILL OF RIGHTS) • CONSOLIDAÇÃO DO PODER BURGUÊS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 57 V O LU M E 3 HABILIDADE 22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas. A habilidade 22 é recorrente no Enem. A prova entende ser fundamental que os candidatos consigam compreender que as legislações e a própria organização política sofrem constantes modificações e que tais mudanças, muitas vezes, ocorrem após longos processos de disputas e tensões sociais. MODELO 1 (Enem) Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento. Que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio. Que é indispensável convocar com frequência o Parlamento para satisfazer os agravos, assim como para corrigir, afirmar e conservar as leis. (declaração de direitos. disponíVel em: http://disciplinas.stoa.usp.br. acesso em: 20 dez 2011 – adaptado) No documento de 1689, identifica-se uma particularidade da Inglaterra diante dos demais Estados europeus na Época Moderna. A peculiaridade inglesa e o regime político que predominavam na Europa continental estão indicados, respectivamente, em: a) Redução da influência do papa – Teocracia. b) Limitação do poder do soberano – Absolutismo. c) Ampliação da dominação da nobreza – República. d) Expansão da força do presidente – Parlamentarismo. e) Restrição da competência do congresso – Presidência. ANÁLISE EXPOSITIVA A Declaração dos Direitos ou Bill Of Rights foi um documento de grande relevância. Produzido com o desfecho da “Revolução Gloriosa” de 1689, tinha por objetivo colocar limites claros à atuação dos reis, fortalecendo o Parlamento enquanto instituição e fazendo com que suas deliberações passassem a ter considerável força em detrimento das vontades monárquicas. Portanto, quando comparada a alguns países do continente europeu que viviam o apogeu de governos de feições “absolutistas”, a Inglaterra consegue consolidar instituições sólidas, pautadas em regras e ordena- mentos jurídicos que tinham por finalidade impor freios ao poder real. RESPOSTA Alternativa B ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM 58 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Frontispício da encYclopédie (1772), desenhado por charles- nicolas cochin e graVado por bonaVenture-louis préVost. trata-se de uma obra carregada de simbolismo: a Figura do centro representa a Verdade – rodeada por luz intensa (o símbolo central do iluminismo). duas outras Figuras à direita, a razão e a FilosoFia, estão a retirar o manto sobre a Verdade. 1. Iluminismo O século XVIII foi marcado pela consolidação do sistema capitalista, tendo como elemento central a Revolução Industrial, bem como a consolidação da burguesia, que atingiu maturidade econômica e social em busca da deli- mitação de seu espaço, superando definitivamente velhos entraves feudais. O Iluminismo ou Ilustração é a expressão do pensamento da burguesia. O Iluminismo floresceu primeiro onde o ca- pitalismo estava consolidado, ou seja, Inglaterra e França. 1.1. Origens do Iluminismo Apesar de alcançar o auge no correr do século XVIII, parece não haver dúvida de que os primeiros passos do surgimen- to desse pensamento filosófico, político, social e econômi- co, que afetaria a cultura ocidental de modo geral, foram dados durante os cem anos anteriores. Trata-se uma de sé- rie de acontecimentos importantes entre 1400 e 1600: as Grandes Navegações, as descobertas marítimas, a ascen- são da burguesia, o Renascimento Cultural e a Reforma. As origens do movimento iluminista remontam à Revolu- ção Científica do século XVII, período em que ocorreram grandes progressos na filosofia e na ciência (Física, Quími- ca, Matemática e Mecânica), com destaque para o cres- cente desenvolvimento e difusão do método experimental. As bases do pensamento no século XVIII assentavam-se nas ideias geradas no século anterior. René Descartes, John Locke e Isaac Newton foram precursores das teorias do chamado Século das Luzes, como ficou conhecido o século XVIII. 1.1.1. René Descartes (1596-1650) rené descartes O filósofo e matemático francês René Descartes, autor das Meditações metafísicas e do Discurso sobre o mé- todo, é considerado o fundador da doutrina racionalis- ta moderna, assim como do método racional. Descartes afirmava que, na filosofia, era necessário partir de alguns axiomas – verdades indiscutíveis que não precisam ser demonstradas – para depois, mediante o método mate- ILUMINISMO COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 CH AULA FUNDAMENTO CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 59 V O LU M E 3 mático da dedução, atingir verdades mais amplas. Para chegar a um axioma, Descartes recorreu ao princípio da dúvida sistemática. Deve-se a ele também a introdução de um conceito mecanicista do universo, segundo o qual todo o mundo material, orgânico e inorgânico, podia ser definido em razão da extensão e do movimento. 1.1.2. John Locke (1632-1704) john locke Autor da obra Segundo tratado sobre o governo civil, John Locke é um dos precursores do movimento iluminista. Ele defendia a ideia de que os homens são portadores de di- reitos naturais, como vida, liberdade, propriedade e resis- tência contra governos tirânicos. Tais direitos deviam ser garantidos pelo Estado. Em sua obra, o filósofo inglês dá continuidade à lógica contratualista de Hobbes e defende que o Estado seria legitimado por um consentimento entre governantes e governados. Contudo, o rompimento desse contrato pelo governante para obtenção de vantagens particulares ou devido à não preservação dos direitos naturais do homem poderia levá-lo à destituição, no que se opõe às ideias pro- postas por Hobbes. Sua teoria política influenciou a Revo- lução Gloriosa (1688-1689) – que pôs fim ao Absolutis- mo na Inglaterra –, a independência dos Estados Unidos (1776) e os teóricos da Revolução Francesa. A maior contribuição de Locke para a filosofia foi sua teo- ria do conhecimento, em que rejeita a doutrina das ideias inatas defendida por Descartes. De acordo com o pensa- dor inglês, os homens não nascem com algumas ideias já formadas. A percepção sensorial é o elemento básico para aquisição do conhecimento. O empirismo – cuja base é a experimentação – de Locke fundamenta-se no princípio de que as ideias derivam de duas fontes: a sensação e a per- cepção da operação na própria mente. Ora, como só é pos- sível pensar com ideias, e como essas ideias procedem da experiência, conclui-se que nada no conhecimento pode ser anterior à experiência. Essa teoria de que o homem vem ao mundo com a mente sem nenhuma ideia preconcebida é conhecida como tábula rasa. 1.1.3. Isaac Newton (1642-1727) isaac newton Deve-se a Isaac Newton uma mudançaradical na visão do mundo. Físico, matemático e filósofo inglês, organizou pro- vas de que o mundo seria regido por leis mecânicas físicas invariáveis, além de determináveis e cognoscíveis. O papel da ciência seria determiná-las e conhecê-las. Seu princípio da gravidade, “matéria atrai matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das dis- tâncias”, revolucionou as concepções e ideias da época. A filosofia de Newton não excluía a ideia de Deus, mas nega- va sua intervenção no cotidiano do Universo, que funciona- ria por leis próprias sem necessidade de uma intervenção divina que zelasse por seu movimento. 1.2. Princípios básicos do Iluminismo O pensamento iluminista tinha abrangência filosófica, so- cial, econômica e política e expressava os interesses da burguesia do século XVIII. A liberdade, a igualdade, a tolerância, o progresso e o homem (estabelecimento de um novo pensamento antropológico), com ênfase para o racionalismo, foram os elementos básicos do Iluminis- mo. A razão foi estabelecida como o único princípio verda- deiro para se atingir o conhecimento. Os iluministas estabeleceram a crítica sistemática ao Ab- solutismo, ao poder real ilimitado, ao conceito de direito divino dos reis e aos privilégios da nobreza e do clero. Suas propostas consistiam na limitação do poder real e no fim dos privilégios fiscais e jurídicos do Estado. Com- batiam também as práticas mercantilistas, baseadas na intervenção estatal, no protecionismo, no colonialismo e nos monopólios que limitavam as relações comerciais e econômicas. Os iluministas faziam ainda criticas à postu- 60 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 ra da Igreja católica e das religiões reformadas, que sus- tentavam as práticas do Antigo Regime e contrariavam o pensamento racional, defendendo dogmas, verdades incontestáveis e valores místicos e irracionais. Apesar das críticas feitas às religiões, o Iluminismo não foi exatamente um movimento ateu. Deus era visto como o criador do universo, inclusive das leis naturais que regem a vida, não sendo, porém, um ser pessoal, mas uma ener- gia racional universal. Os pensadores iluministas defendiam a limitação do poder real por meio de um sistema constitucional: a igualdade fiscal e jurídica, a não intervenção do Estado no campo econômico e a universalidade dos direitos, ou seja, sua extensão a todos os seres humanos, independen- temente de barreiras nacionais, religiosas ou étnicas. O Iluminismo pregava a individualidade, isto é, afirmava que as pessoas possuem identidade própria e não são meros integrantes de uma coletividade. Defendia a liberdade de pensamento e expressão, sem a tutela da religião ou do Estado, para que os homens pudessem expressar suas con- cepções sem barreiras; a tolerância religiosa e filosófi- ca, ou seja, o respeito por ideias diferentes; a propriedade privada, o livre comércio e a livre iniciativa econômi- ca – o liberalismo econômico. Os iluministas defendiam o racionalismo e o empirismo como fontes do conhecimento, bem como a percepção de que o mundo é regido por leis naturais cuja compreensão se alcançaria por meio da ciência. 1.3. Principais filósofos iluministas 1.3.1. Barão de Montesquieu (Charles de Secondat, 1689-1755) montesquieu As principais obras de Montesquieu foram Cartas persas (1721) e o O espírito das leis (1748). Contrário ao Abso- lutismo monárquico, ele defendia a divisão de poderes como forma de evitar os abusos resultantes da concen- tração de poder nas mãos do rei. Sua proposta de divisão de poderes, representada na monarquia constitucional, celebrizou-se com a teoria dos “freios e contrapesos”. Defendia a harmonia e autono- mia entre os poderes que constituem o Estado: Executi- vo, Legislativo e Judiciário. Em O espírito das leis, Montesquieu afirma: “É uma ver- dade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder”. 1.3.2. Voltaire (François-Marie Arouet, 1694-1778) Voltaire Voltaire era dotado de forte espírito anticlerical. Acusava os membros do clero de hipocrisia, de falta de escrúpulos, de usura e preguiça à custa dos impostos pagos pela bur- guesia e de omissão por não contribuírem para o bem da coletividade. Era um grande defensor da igualdade jurídica e da liberdade de pensamento, de expressão e de associa- ção religiosa. A britânica Evelyn Beatrice Hall, sua biógrafa, sintetiza a defesa da liberdade pelo filósofo na frase: “Pos- so até não concordar com suas palavras, mas lutarei até a morte por seu direito de dizê-las”, atribuída equivocada- mente a Voltaire. As teorias defendidas por Voltaire foram bem aceitas pe- las camadas burguesas da França. Apesar de radicais, suas ideias não podiam ser consideradas populares, pois Voltaire nutria um profundo desprezo pelas camadas mais pobres da população. Apesar de contrário ao Absolutismo, Voltaire era favorável ao regime monárquico, desde que ele se mostrasse sensível aos interesses e direitos da burguesia. Inspirou com suas obras os chamados déspotas esclarecidos. Trocou corres- pondência com alguns deles e chegou a viver na corte de Frederico II, da Prússia. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 61 V O LU M E 3 Entre suas obras constam Dicionário filosófico (1764), Cartas inglesas (1734), Zadig (1748), Cândido (1759), Tratado sobre a Intolerância (1763). Cândido (ou o otimismo) – Voltaire Romance de Voltaire, no qual o grande pensador do ilu- minismo francês tematiza questões como a liberdade e a democracia. Adaptação em português do clássico da literatura france- sa, com linguagem acessível para o público jovem. Sátira do credo otimista dos filósofos Leibniz e Rousseau, Cân- dido é uma fábula, inspirada no terremoto de Lisboa de 1755, e demonstra as calamidades que recaem sobre o homem. As desventuras do jovem Cândido começam quando ele é expulso do castelo do Barão da Vestfália, por ter sido surpreendido namorando Cunegundes, a filha do barão, seu protetor. Pangloss, tutor do herói, é a personifi- cação do otimismo, e Cândido, em meio às desgraças que lhe sucedem a partir da expulsão, tenta pôr em prática as lições aprendidas com o mestre. multimídia: livro 1.3.3. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) rousseau Autor de Do contrato social (1762), Rousseau foi um crítico feroz do Absolutismo e da propriedade privada, o que levou a burguesia a rejeitar suas ideias. Apesar de considerar a aparição da propriedade priva- da um mal, Rousseau a reconhecia como inevitável. A solução que propunha era a limitação da propriedade: “Para melhorar o estado social, é preciso que todos te- nham o suficiente e que ninguém tenha demasiado”. Suas teorias foram amplamente aceitas entre a pequena burguesia (artesãos e pequenos comerciantes), os cam- poneses e as camadas de trabalhadores mais miseráveis que sonhavam com um mundo em que todos fossem pequenos proprietários. Em sua obra, Rousseau defende a ideia de que todos os ho- mens são iguais e livres e, por isso, devem se libertar de suas correntes. O filósofo lançou as bases da democracia atual ao defender a ideia de que as leis devem corresponder aos interesses dos cidadãos, à vontade geral dos indivíduos. Assim, ele estabeleceu o princípio de soberania popular. Em Discurso sobre a origem da desigualdade entre os ho- mens (1755), Rousseau defende a tese da bondade natural dos homens, pervertidos posteriormente pela civilização. Consagra em sua obra a tese da reforma necessária da so- ciedade corrompida. Rousseau ainda criticou a opulência de muitos filósofos da época, corrompidos nos saloons. Defendeu a educação das crianças para o progresso da sociedade e foi perseguido du- rante boa parte da sua vida. Suas ideias influenciaram a fase mais radical da Revolução Francesa. Fonte: Youtube Jimi Hendrix – A Star Spangled Banner multimídia: música 1.4. Enciclopédia Organizadapor Jean Baptiste d’Alembert (1717-1783) e Denis Diderot (1713-784), a Enciclopédia foi elaborada entre os anos de 1751 e 1780. Compreende 35 volumes com a colaboração de vários pensadores e filósofos. Com o objetivo de reunir o conhecimento da época centrado nos ideais iluministas, os filósofos pretendiam divulgar o conhecimento racional e criar o “cidadão esclarecido”. 62 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Capa da Enciclopédia (disponíVel em: .) Instrumento de difusão das ideias iluministas, a Enciclopé- dia pretendia abranger todos os conhecimentos filosóficos e científicos da época, criticando os valores do Antigo Re- gime. Contou com cerca de 300 colaboradores e reuniu a elite intelectual francesa do século XVIII, dentre os quais Montesquieu e Voltaire. Rousseau colaborou, escrevendo artigos a respeito de economia política e música. 1.5. Teorias econômicas As ideias iluministas também se desenvolveram no cam- po econômico, com destaque para a crítica ao mercan- tilismo e às praticas intervencionistas que limitavam o livre comércio. De modo geral, os iluministas defendiam o lema: “Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même” (Deixai fa- zer, deixai passar, que o mundo anda por si mesmo). En- tendiam que a economia era regida por leis naturais e não deveria sofrer os empecilhos do mercantilismo. O Iluminis- mo deu origem a duas correntes econômicas: fisiocratismo e liberalismo econômico. 1.5.1. Fisiocratismo quesnaY De origem francesa, a corrente fisiocrata teve como princi- pais defensores François Quesnay (1694-1774), Vincent de Gournay (1712-1759), Honoré Mirabeau (1749- 1791) e Jacques Turgot (1727-1781). A palavra fisiocracia vem dos termos gregos fisio, “nature- za”, e cratos, “riqueza”. Para os fisiocratas, a riqueza de- veria vir da natureza; portanto, as atividades econômicas mais importantes de um país eram as atividades “natu- rais”, como agricultura, mineração e pecuária. Ao contrário do que pensavam os mercantilistas, para os fisiocratas o comércio era considerado uma atividade estéril, já que não passava de uma troca de riquezas. Os fisiocratas contestavam as práticas mercantilistas e o in- tervencionismo estatal, defendendo a liberdade econômi- ca. São dessa escola as origens do liberalismo econômico, especialmente o princípio do Laissez-faire. 1.5.2. Liberalismo econômico O liberalismo econômico desenvolveu-se na Inglaterra, in- corporando e adotando alguns princípios fundamentais do fisiocratismo, como a existência de leis naturais que regem a economia – lei da oferta e da procura, a livre concorrên- cia e o livre cambismo, a defesa da propriedade privada, a liberdade de contrato e o combate ao mercantilismo. adam smith CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 63 V O LU M E 3 O grande destaque do liberalismo clássico foi o britânico Adam Smith (1723-1790), autor de Teoria dos sentimen- tos morais (1759) e A riqueza das nações (1776), sua obra mais difundida e que lança os fundamentos da economia como ramo independente do pensamento. Segundo Smith, a riqueza nacional provém do trabalho, e a economia é re- gulada pela lei de oferta e demanda, que não deve sofrer interferência estatal para regulamentar os preços dos produ- tos. A intervenção governamental retarda o progresso eco- nômico e reduz o valor real da produção anual proveniente da terra e do trabalho assalariado. Se as pessoas perseguem seus próprios interesses em busca da melhoria de sua con- dição, elas favorecem naturalmente a expansão econômica e beneficiam toda a sociedade. Em sua obra, Smith defende especialmente a livre concorrência. Por esses motivos, ele é considerado o “pai” do liberalismo econômico. 1.6. Despotismo esclarecido catarina ii, a grande O Iluminismo foi uma ideologia burguesa do século XVIII, cujas origens provêm das regiões em que a burguesia estava mais consolidada, como a Inglaterra, com a con- solidação do capitalismo, e a França, com as crescentes contradições feudais. Apesar das contradições feudais ou do próprio capitalismo em outros países europeus, a bur- guesia não tinha poder suficiente para promover questio- namentos à ordem vigente. Nesse contexto, teve origem o despotismo esclarecido. Tratava-se da tentativa de reformar o Estado absolutista pelo próprio Estado, à medida que se conciliavam Abso- lutismo e ideais iluministas, principalmente o liberalismo. Sem abalar o próprio poder, os déspotas (soberanos abso- lutos) puseram em prática algumas reformas, influenciados pelo espírito liberal do século XVIII expresso pela filosofia iluminista. Entre eles, destacaram-se: § Frederico II, da Prússia, “aboliu as torturas apli- cadas aos presos em seu país [...], incentivou as letras, as artes e as ciências [...] e dirigiu pes- soalmente a reforma de Berlim, capital da Prússia na época” (BOULOS JR, 2011). § Marquês de Pombal, “principal ministro do rei D. José I [...]. Valendo-se de seu enorme poder, decretou a eman- cipação dos indígenas na América portuguesa, a aboli- ção da escravidão africana e a fundação da Imprensa Régia, em Portugal” (Idem, ibidem). § Conde de Aranda, presidente do Conselho de Ministros na Espanha durante o reinado de Carlos III, reorganizou o exército e as universidades e expulsou os jesuítas. § José II, da Áustria, adotou a tolerância religiosa, mas man- teve intocados o militarismo e a servidão (Idem, ibidem). § Catarina II, da Rússia, “mandou construir escolas, fun- dou hospitais, dirigiu a reforma da capital (São Petersbur- go) e combateu a corrupção nos meios civis e religiosos” (Idem, ibidem). 64 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Charles de Montesquieu (1689- 755) se debruçou sobre o legado do filósofo grego Aristóteles para criar a obra O Espírito das Leis. Nesse livro, o pensador francês aborda um meio de reformulação das instituições políticas por meio da chamada “teoria dos três poderes”. Segundo tal hipótese, a divisão tripartite poderia se colocar como uma solução frente aos desmandos comumente observados no regime absolutista. Mesmo propondo a divisão entre os poderes, Montesquieu aponta que cada poder deveria se equilibrar entre a autonomia e a intervenção nos demais poderes. Dessa forma, cada poder não poderia ser desrespeitado nas funções que deveria cumprir. Ao mesmo tempo, quando um dos poderes se mostrar excessivamente autoritário ou extrapolar suas designações, os demais poderes têm o direito de intervir contra tal situação desarmônica. Nesse sistema, observa-se a existência dos seguintes poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O Poder Executivo tem a função de observar as demandas da esfera pública e de garantir os meios cabíveis para que as necessidades da coletividade sejam atendidas no interior daquilo que é determinado pela lei. Dessa forma, mesmo tendo várias atribuições administrativas em seu bojo, os membros do executivo não podem ex- trapolar o limite das leis criadas. Por sua vez, o Poder Legislativo tem como função congregar os representantes políticos que estabelecem a cria- ção de novas leis. Assim, aos serem eleitos pelos cidadãos, os membros do Legislativo se tornam porta-vozes dos anseios e interesses da população como um todo. Além dessal tarefa, os membros do Legislativo contam com dispositivos por meio dos quais podem fiscalizar o cumprimento das leis por parte do Executivo. Dessa maneira, os “legisladores” monitoram a ação dos “executores”. Em diversas situações, é possível observar que a simples presença da lei não basta para que os limites entre o lícito e o ilícito estejam claramente definidos. Nessas ocasiões, os membros do Poder Judiciário têm por função julgar, com base nos princípios legais, de que forma uma questão ou problema serão resolvidos. Na figura dos juízes, promotores e advogados, o Judiciário garante que as questões concretas do cotidiano sejam resolvidas à luz da lei. Países como Brasile Estados Unidos adotaram tais prerrogativas de Montesquieu em seu arranjo político e em suas premissas constitucionais. CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 65 V O LU M E 3 HABILIDADE 14 Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas. A Habilidade 14 é recorrentemente cobrada pelo Enem. O contexto intelectual de uma época é comu- mente apresentado por meio de fragmentos de textos escritos por grandes intelectuais. Por esse motivo, o conhecimento prévio dos grandes intelectuais do Ocidente é cobrado pela prova. O aluno deverá ser capaz de compreender a principal reivindicação política de cada autor, inserindo-a no contexto histórico e em sua posição social. Questões inseridas nessa habilidade são comumente interdisciplinares com filosofia e sociologia, o que força o estudante a compreender as principais vertentes de pensamento abordadas por tais disciplinas. MODELO 1 (Enem) O texto abaixo, de John Locke(1632-1704), revela algumas características de uma determinada corren- te de pensamento. “Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a utilização do mesmo é muito incerta e está constantemente exposto à invasão de terceiros porque, sendo todos senhores tanto quanto ele, todo homem igual a ele e, na maior parte, pouco observadores da equidade e da justiça, o proveito da propriedade que possui nesse estado é muito inseguro e muito arriscado. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de propriedade.” (os pensadores. são paulo: noVa cultural, 1991.) Do ponto de vista político, podemos considerar o texto como uma tentativa de justificar: a) a existência do governo como um poder oriundo da natureza; b) a origem do governo como uma propriedade do rei; c) o absolutismo monárquico como uma imposição da natureza humana; d) a origem do governo como uma proteção à vida, aos bens e aos direitos; e) o poder dos governantes, colocando a liberdade individual acima da propriedade. ANÁLISE EXPOSITIVA John Locke pode ser considerado precursor do ideário iluminista. Um dos pontos fundamentais de sua filosofia considera que a origem do governo significa uma superação do estado de natureza por meio do estabelecimento de um “contrato” entre governantes e governados, em que os direitos naturais (vida, bens e direitos) são preservados. RESPOSTA Alternativa D ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM 66 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS • VALORES: LIBERDADE, IGUALDADE, TOLERÂNCIA E PROGRESSO • SUPREMACIA DA RAZÃO HUMANA • CRÍTICA AO ABSOLUTISMO • CRÍTICA AO DOGMA RELIGIOSO MONTESQUIEU (1698-1755) • DEFESA DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL • DIVISÃO DOS TRÊS PODERES (EXECUTIVO, • LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO) VOLTAIRE (1694-1778) • CRÍTICA AO ABSOLUTISMO • CRÍTICA À DOMINAÇÃO INTELECTUAL DA IGREJA • DIVULGAÇÃO DAS IDEIAS ILUMINISTAS • SISTEMATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO • CRÍTICA AO COLONIALISMO E MERCANTILISMO • LIBERDADE DE EXPRESSÃO • DEFESA DA PROPRIEDADE PRIVADA • INDIVIDUALISMO ROUSSEAU (1712-1778) • CRÍTICA À CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE PRIVADA • DEFESA DA SOBERANIA POPULAR • “O HOMEM NASCE BOM, MAS A SOCIEDADE O CORROMPE.” • REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DO SÉCULO XVII • MÉTODO EXPERIMENTAL EXPOENTES: • RENÉ DESCARTES • JOHN LOCKE • ISAAC NEWTON ILUMINISMO ANTECEDENTES PRINCÍPIOS DO ILUMINISMO EXPOENTES ENCICLOPÉDIA • CRÍTICA AO MERCANTILISMO • DEFESA DAS LEIS NATURAIS DA ECONOMIA • A RIQUEZA VEM DA TERRA • CRÍTICA À INTERFERÊNCIA DO ESTADO • OFERTA E PROCURA • LIVRE CONCORRÊNCIA • DEFESA DA PROPRIEDADE PRIVADA • LIVRE INICIATIVA (ADAM SMITH) ECONOMIA FISIOCRATISMO LIBERALISMO • FREDERICO II DA PRÚSSIA • MARQUÊS DE POMBAL, EM PORTUGAL • CATARINA II DA RÚSSIA • CONDE DE ARANDA, NA ESPANHA • JOSÉ II DA ÁUSTRIA DESPOTISMO ESCLARECIDO REFORMAS DO ESTADO ABSOLUTISTA LIVRO TEÓRICO HISTÓRIA DO BRASIL HISTÓRIA INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS A proposta do Enem é interpretativa. Na maioria das questões, o candidato deve ler os textos propostos atentamente, pois as soluções quase sempre estarão contidas neles. Abordagem conteudista sobre Consti- tuição outorgada de 1824, jogo político entre os quatro poderes, representação eleitoral, cafeicultura e uso de mão de obra escrava. Em relação à República, aborda o processo de transição. Com forte análise social, quando Brasil Imperial e os anos iniciais da República são apresentados. Vale salientar a cons- trução do Estado monárquico constitu- cional e suas relações com a sociedade imperial, assim como a transição para a República. Não são abordadas questões de História, mas há interdisciplinaridade que permite o uso dos conhecimentos históricos para auxílio da resolução dos exercícios e es- crita da redação, principalmente no que se refere ao contexto atual. Aborda aspectos sociais e econômicos, como o desenvolvimento da sociedade imperial estruturada em torno do plan- tio de café, a partir da segunda metade do século XIX. Normalmente, apresenta questões com textos médio/grandes. É uma prova desafiadora, que prioriza a intertextualidade entre Medicina e História, principalmente em relação ao Estado brasileiro e ao Período Imperial, abordando Ciência e História a partir do cenário atual de pandemia. Nos últimos dois anos, a prova apresenta uma tendência de temas relacionados à História do Brasil, com ênfase em ques- tões relacionadas ao Período Regencial. A prova aborda as temáticas por meio de uma correlação entre os aspectos sociais, econômicos e políticos que ocasionaram a construção de Estado no Brasil. Nos últimos três anos, Brasil Imperial e República da Espada têm sido recor- rentes e exigem análise de imagens, documentos escritos e debates histo- riográficos. Há um tema, determinado pela própria organização do vestibular, que percorre toda a prova e que pode englobar as temáticas abordadas neste caderno, por meio da associação entre os aspectos sociais, econômicos e políticos. A prova privilegia análises e inter- pretações sobre diferentes processos históricos e as percepções de suas con- tinuidades e rupturas. Brasil Imperial é abordado por meio da correlação dos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. Não são abordas questões de História, entretanto, há um grau de interdiscipli- naridade que permite o uso dos conhe- cimentos históricos para auxílio da reso- lução dos exercícios e escrita da redação. A prova realiza análises de estruturas históricas brasileiras, que propõem uma reflexão sobre temas contemporâneos, como preconceito e desigualdade social. Utiliza textos introdutórios, trechos de registros documentais, mapas, tabelas e imagens. Nessa prova, há uma tendência em te- mas relacionados à História do Brasil, com certa interdisciplinaridade que per- mite o uso dos conhecimentos históricos para auxílio da resolução dos exercícios e escrita da redação. Com uma tendência em abordar temas contemporâneos, a prova apresenta questões de múltipla escolha direciona- das aos candidatos que pretendem uma vaga nos cursos de Enfermagem, Biome- dicina e Medicina. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 69 V O LU M E 3 1. As guerras de independência do Brasil (1822-1823) acLamaçãode d. pedro i, de jean-baptiste debret O processo de Independência do Brasil não foi pacífico, pois algumas províncias, como Bahia, Maranhão, Grão-Pará, Piauí e Cisplatina se rebelaram e não reconheceram a autoridade do imperador D. Pedro I. O fato de essas províncias serem governadas por portugueses fez com que as autoridades quisessem se manter fiéis aos interesses portugueses. As províncias do Grão-Pará, Maranhão e Piauí, devido à sua posição geográfica, acreditavam que a união com Por- tugal seria mais vantajosa do que a submissão a um Estado que atenderia, prioritariamente, aos desejos dos grandes proprietários do sul do Brasil. A exceção era a Cisplatina, anexada ao Brasil em 1821, não tendo vínculos fortes com as tradições brasileiras, desejando, por isso, sua autonomia. Para impor sua autoridade e consolidar a independência do Brasil, evitando a fragmentação do território, D. Pedro I lançou mão da força e enviou tropas às províncias rebeldes. retrato de d. pedro i. óleo sobre tela, de benedito caliXto (1902). Entretanto, o Exército Brasileiro não era suficientemente aparelhado e organizado, assim como não possuía uma Ma- rinha capaz de enfrentar os navios portugueses que auxilia- vam as províncias rebeladas. A solução foi recorrer à compra de navios no exterior e contratar mercenários estrangeiros para ocupar os postos de comando; ao mesmo tempo, a po- pulação foi convocada a se organizar em milícias para ajudar na luta. Entre os estrangeiros contratados, destacaram-se os ingleses John Taylor, John Greenfell e James Norton; o esco- cês lorde Cochrane; e o francês Pierre Labatut. A Bahia foi um dos principais focos de resistência, onde as tropas portuguesas eram comandadas pelo general Ma- deira de Melo. Depois de violentas batalhas e do cerco do porto de Salvador por uma esquadra naval comandada por lorde Thomas Cochrane, as tropas fiéis a D. Pedro I conse- guiram a rendição dos rebeldes no dia 2 de julho de 1823, marco da vitória definitiva. No Pará, a repressão foi coman- dada pelo lorde Grenfell, subordinado de Cochrane. Depois de violentos embates entre os revoltosos e as tropas do Império, mais de 250 pessoas (há divergências quanto aos números) foram presas e quase todas morreram asfixiadas no porão de um navio. No Piauí, a resistência foi organiza- da pelo governador João José da Cunha Fidié, português, e a vitória das tropas brasileiras ocorreu na Batalha de Jeni- papo, em março de 1823. Depois de fugir do Piauí, Fidié foi ao Maranhão juntar-se a outro foco de resistência à inde- pendência, quando foi derrotado por tropas comandadas pelo lorde Cochrane. PRIMEIRO REINADO (1822-1831) COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 22, 24 e 29 CH AULAS 17 E 18 70 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 lorde cochrane, importante na consolidação da independência, Foi contratado pelo imperador d. pedro i para enFrentar a esquadra lusa. aristocrata escocês, Fora eXcluído da marinha britânica em razão de um escândalo ocorrido na bolsa de Valores em 1814. em seguida, tornou-se Figura central da independência do chile e do peru. A resistência na Cisplatina, liderada por D. Álvaro da Costa Macedo, foi a última a ser sufocada, em 1824, pelas tropas sob o comando de Carlos Frederic Lecór. Naquela oportunidade, o Brasil enfrentava sérias dificul- dades econômicas que obrigaram o governo a recorrer a empréstimos junto a banqueiros ingleses para suportar as despesas militares. Esse fato resultou no agravamento da crise econômica do jovem Império, tornando-o mais de- pendente do capital estrangeiro. Fonte: Youtube Hino da Independência – Evaristo da Veiga multimídia: música 1.1. O reconhecimento externo da independência Era necessário que a independência política fosse reconhe- cida por outros países para que o Brasil pudesse estabele- cer relações políticas e econômicas com o exterior. Apesar de a Inglaterra se mostrar interessada, tratou-se de um processo lento e difícil. Pelo fato de ter sido conduzida pelo herdeiro do trono português, a independência brasileira suscitava descon- fiança no exterior. Alguns países se questionavam se o rompimento de D. Pedro I com Portugal era para valer, já que, depois da morte de D. João VI, ele poderia acumular os tronos brasileiro e português, reunindo outra vez os países sob um só comando. A maioria dos países europeus apoiava a postura política antiliberal e recolonizadora da Santa Aliança, que previa a intervenção militar em países ou colônias europeias onde ocorressem movimentos de caráter liberal. Por outro lado, os países americanos não viam com bons olhos a adoção do regime monárquico no Brasil, bem como o governo de um príncipe português. O fato de vá- rias províncias terem se rebelado contra D. Pedro I e a falta de participação popular no movimento de Independência causavam estranheza. Os Estados Unidos foram os primeiros a reconhecer ofi- cialmente a Independência do Brasil, em 1824, em virtude da Doutrina Monroe, que defendia a “América para os americanos”, isto é, o direito à soberania e autodetermi- nação dos povos americanos em oposição aos interesses antiliberais da Santa Aliança. Além disso, os EUA ambicio- navam ampliar seu mercado consumidor e sua importância política na região e, para isso, era necessário reduzir a influ- ência inglesa no continente. Embora a Inglaterra fosse a maior beneficiária da indepen- dência brasileira, o reconhecimento oficial dependia do reconhecimento de Portugal. Aos ingleses não interessava abalar o bom relacionamento diplomático e as alianças po- líticas entre os dois países. Portugal ainda nutria a esperan- ça de recuperar sua antiga Colônia, mas, pressionado pelo Estado inglês, acabou aceitando negociar o reconhecimen- to da autonomia brasileira mediante algumas vantagens. Em agosto de 1825, Portugal assinou o acordo de reconhe- cimento da Independência brasileira mediante uma inde- nização de dois milhões de libras esterlinas e a concessão do título de imperador Honorário do Brasil para D. João VI como forma de homenageá-lo. Além disso, o Brasil se com- prometia a não se unir a qualquer outra colônia portugue- sa. Sem recursos financeiros para arcar com a indenização, o Brasil novamente recorreu aos banqueiros britânicos, au- mentando sua dependência econômica e a dívida externa da jovem nação. Em 1826, a Inglaterra reconheceu a Independência do Brasil. Entretanto, procurou obter vantagens econômicas exigindo a manutenção das tarifas alfandegárias preferen- ciais de 15% para os produtos ingleses e o compromisso do governo brasileiro de extinguir o tráfico negreiro num prazo de cinco anos. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 71 V O LU M E 3 O reconhecimento de Portugal e Inglaterra foi seguido pelo de vários outros países, como Áustria e França, que tam- bém buscaram obter vantagens econômicas ou alfandegá- rias. Em 1828, D. Pedro I estabeleceu que as tarifas alfan- degárias de 15% valeriam para qualquer nação, adotando uma política livre-cambista e sepultando definitivamente as chances de sucesso da indústria nacional, incapaz de concorrer com as nações europeias. tio sam protegendo os americanos contra os europeus. a placa diz: “não ultrapasse – américa para os americanos – tio sam”. disponíVel em: . Fonte: Youtube Primeiro Reinado (1822-1831) multimídia: vídeo 1.2. A Assembleia Nacional Constituinte (1823) Embora tenha sido convocada em julho de 1822, antes mesmo da independência, a Assembleia Nacional Cons- tituinte ocorreu em maio de 1823. Apenas 14 das 19 províncias que compunham o Império enviaram seus de- putados para a elaboração da Constituição. Os deputados representavam diversos segmentos sociais: aristocracia rural, comerciantes, Igreja Católica, funcioná- rios públicos, militares e profissionais liberais. Participaram da Assembleia os ex-inconfidentes JoséResende Costa Fi- lho e o padre Manuel Rodrigues, que tiveram a pena de morte comutada para degredo e depois retornaram ao Brasil, e os irmãos Andrada, cuja participação no processo de independência foi determinante. O imperador abriu os trabalhos e, para demonstrar suas intenções, citou as palavras do rei Luis XVIII na abertura da carta constitucional francesa de 1814. Afirmou que acei- taria e juraria a Constituição desde que ela fosse “digna do Brasil e de mim”. E foi o que se viu, uma constituinte marcada por acalorados debates entre os deputados pela distribuição das atribuições e competências entre os pode- res e pela defesa da concentração de amplos poderes nas mãos do poder Executivo. D. Pedro e seus aliados defen- diam a centralização política. Fonte: Youtube 10 Coisas que você não sabe sobre a Independência do Brasil multimídia: vídeo O projeto constitucional cujo relator foi Antônio Carlos de Andrada e Silva ficou conhecido como Constituição da Mandioca, uma vez que estabelecia o voto censitário, ou seja, a participação política de acordo com uma renda anual equivalente aos alqueires de mandioca plantados. Além disso, instituía outras medidas, como eleições indi- retas, manutenção da escravidão, divisão do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário (com predomínio do Le- gislativo sobre o Executivo: o imperador não poderia vetar as decisões do Legislativo) e a proibição de portugueses ocuparem cargos públicos. José Bonifacio de Andrada e Silva – Jorge Caldeira Esse volume, organizado por Jorge Caldeira, traz os tex- tos mais importantes de José Bonifácio, pronunciamen- tos públicos, correspondências e anotações, além de uma apresentação da vida e da obra do autor, possibili- tando uma visão acurada da relevância desse formador do Brasil, o chamado "Patriarca da Independência". multimídia: livro Descontente com o projeto, D. Pedro I desentendeu-se com os irmãos Andrada e vários outros deputados cons- 72 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 tituintes e determinou o fechamento da Assembleia, que permaneceu reunida sob protesto. Era noite do dia 11 para 12 de novembro de 1823, episódio que ficou conhe- cido como Noite da Agonia. Ao amanhecer, o prédio estava cercado por tropas imperiais, a Constituinte foi dissolvida e diversos deputados foram presos. Apesar de ter sido uma Constituinte marcada pela predo- minância da elite agrária, os embates e seu desfecho deixa- ram claros os choques de interesses e opiniões conflitantes no interior da classe dominante. 1.3. A Constituição de 1824 Depois de dissolver a Assembleia Constituinte de 1823, D. Pedro I nomeou um Conselho de Estado composto por dez membros com a função de elaborar, sob sua supervisão pessoal, um novo projeto constitucional para o Brasil. Ape- sar de ter adotado alguns pontos do projeto da “Constitui- ção da Mandioca”, a nova Constituição ficou pronta em 1824 e foi outorgada, imposta, por D. Pedro I em 25 de março com as seguintes características: § monarquia hereditária constitucional; § unitarismo, ou seja, centralização do poder político; províncias sem autonomia com presidentes nomeados pelo poder central; quatro poderes: Legislativo, Execu- tivo, Judiciário e Moderador; § eleições indiretas, com voto censitário e em dois ní- veis; eleitores homens maiores de 25 anos (exceto para homens casados que votavam a partir dos 21 anos), com renda mínima anual de 100 mil réis para os eleito- res de paróquia (primeiro grau), e de 200 mil réis para os eleitores de província (segundo grau); candidatos a deputado e senador deveriam ter renda mínima de 400 e 800 mil réis, respectivamente; § senadores vitalícios; morto um senador, eleições seriam convocadas; caberia ao imperador escolher um dos nomes da lista de mais votados; § religião católica adotada como oficial pelo Estado; proibidos templos e manifestações públicas de quais- quer outras religiões, sendo permitido, nesses casos, apenas culto privado; § padroado; Igreja católica subordinada ao Estado; § beneplácito; leis da Igreja só teriam validade com a autorização do imperador. O poder Legislativo seria exercido por deputados e sena- dores, e o Judiciário, pelos juízes de paz. O poder Executi- vo seria exercido pelo imperador, por ministros de Estado e presidentes das províncias. Já o poder Moderador seria exclusivo do imperador, com direito a intervir nos demais poderes como ponto de equilíbrio político do Estado. alegoria do juramento da constituição de 1824 (d. pedro salVa a índia, o brasil da ameaça do absolutismo). gianni. 1824. Fundação biblioteca nacional. A Carta de 1824 não era democrática. Guardava os prin- cípios do liberalismo, desvirtuados pelo excessivo centralis- mo do imperador e pela manuteção da escravidão. Graças à discrepância entre o avanço da definição dos poderes e o cumprimento das suas determinações, não passava de um Estado escravocrata cuja elite costumava fazer suas próprias leis e o favoritismo marcava as relações sociais e políticas. A tradição autoritária continuava intocável. Era impossível o exercício do liberalismo real. Fonte: Youtube Hino Nacional Brasileiro – Joaquim Osório Duque Estrada multimídia: música 1.4. A Confederação do Equador (1824) A dissolução da Assembleia Constituinte de 1823 e a ou- torga da Constituição de 1824 foram grandes exemplos do autoritarismo de D. Pedro I e geraram descontenta- mento em várias províncias, especialmente em Pernam- buco, que já havia liderado um movimento em 1817 em reação à presença da Corte portuguesa no Brasil e à situ- ação da província. A crise econômica persistia, especialmente na agroma- nufatura açucareira, atingindo os diversos segmentos so- ciais em Pernambuco. As ações autoritárias do monarca brasileiro frustaram também os liberais, outrora empolga- dos com a independência. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 73 V O LU M E 3 Figuras como Cipiriano Barata e Frei Caneca se manifesta- ram publicamente contra D. Pedro I. Veterano da Conjura dos Alfaiates e da Revolução de 1817, Cipriano Barata ficou conhecido como “o homem de todas as revoluções”. Em 1823, dirigia um de seus inúmeros jornais, A Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, em que atacava violentamente o despotismo de D. Pedro I e as ameaças de recolonização. Foi preso em novembro, antes do início do movimento revolucionário que pregava, e permaneceu na prisão até 1830. Joaquim do Amor Divino, o carmelita Frei Caneca, assim conhecido porque vendia canecas nas ruas do Recife quan- do criança, havia participado também da Revolução de 1817. Logo depois da prisão de Cipriano Barata, fundou o Tifis Pernambucano, jornal que atacava a Carta outorgada, em especial seu caráter centralizador, defendendo a neces- sidade de uma estrutura federalista para o Brasil. O movimento revolucionário teve início quando D. Pedro I destituiu Manoel Carvalho Paes de Andrade do governo de Pernambuco e nomeou para seu lugar Francisco de Paes Barreto. Em 2 de julho de 1824, Paes de Andrade rompeu com o governo e proclamou o regime republicano na pro- víncia, contando com a adesão de liberais de províncias vizinhas: Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. bandeira da conFederação do equador (nota-se a importância da cana-de-açúcar e do algodão para a região, pois tais produtos estão representados na bandeira) Os rebeldes pregavam a implantação do regime republi- cano, o federalismo e a adoção provisória da Constituição da Grã-Colômbia (inspirada em Bolívar). O nome esco- lhido para a república nordestina foi Confederação do Equador, em virtude de sua localização próxima à linha imaginária do equador. O desembarque de escravizados no porto do Recife foi proibido, e a questão abolicionista se tornou o centro das discussões, provocando a insatisfação da elite agrária e dos demais defensores da escravidão, o que os afastou do movimento e o enfraqueceu. O governo imperial organizouuma violenta repressão con- tra Pernambuco e as demais províncias nordestinas até derrotar completamente o movimento em novembro de 1824. Muitos foram presos e muitos rebeldes morreram em combate. Paes de Andrade conseguiu fugir do país, e Frei Caneca foi preso e condenado à forca. Como os car- rascos de Recife se recusaram a enforcá-lo, o frei carmelita foi fuzilado por ordem expressa de D. Pedro I. A repressão demonstrou como o Imperador trataria qualquer movimen- to que contestasse sua autoridade. a eXecução de Frei caneca. óleo. murilo la greca. Frei Joaquim do amor divino Caneca – Evaldo Cabral de Mello Os textos reunidos nesse livro mostram os passos que levaram Frei Caneca, em pouco mais de três anos, da defesa de um governo institucional ao desencanto com a política de D. Pedro I e, em seguida, à busca de uma saída revolucionária com a Confederação do Equador, em consequência da qual foi julgado e condenado à morte. multimídia: livro 74 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 2. A crise do Primeiro Reinado 2.1. A Guerra da Cisplatina (1825-1828) A posse da Região do Prata tinha grande significado na ge- opolítica sul-americana. Contudo, o Brasil enfrentava pro- blemas, pois a região da Cisplatina não poderia continuar como um apêndice do Império, e o uso da força militar não impediria a consolidação do ideal nacionalista de emanci- pação política. Além disso, a independência da região, de um modo geral, era vista com simpatia pelos brasileiros. Os líderes nacionalistas Juan Antônio Lavalleja e Fuctuoso Rivera arregimentaram os militares contra os contingentes brasileiros estacionados na Cisplatina. Os uruguaios reuni- dos constituíram um regime republicano e decidiram pela incorporação à atual Argentina, então chamada Província Unida do Prata. O Império brasileiro declarou-lhes guerra num momento complicado para o país entrar em luta, pois a situação no Prata era resultado da política expansionista de D. João VI, que não era popular, o que provocava críticas a D. Pedro I, acusado de preferir a herança portuguesa de con- quista ao verdadeiro interesse nacional de harmonia e paz. O clima de desentendimento entre o general Carlos Frede- rico Lécor, comandante das forças terrestres, e o marechal Felisberto Caldeira Brandt Pontes, Marquês de Barbacena, comandante naval, levou D. Pedro a entregar o comando à Brandt, em 1826. Buenos Aires havia sido bloqueada e assolada pela fome. O comércio internacional sofria perdas consideráveis. Ocorriam ataques de piratas de ambos os lados. As negociações falhavam e as tropas brasileiras acu- mulavam derrotas. Por fim, a Inglaterra interveio, intermediando a Convenção Preliminar de Paz entre os representantes do Brasil e das Províncias Unidas do Prata, entre os dias de 11 e 27 de agosto de 1828. A independência da província e o fim da guerra interessavam muito a Inglaterra, que buscava ga- rantir as suas transações comerciais e a ampliação dos mercados consumidores. BRASIL ARGENTINA Montevideo Melo Salto Rivera Paysandú Maldonado Tacuarembó Artigas Mercedes 30 km Por meio da Convenção Preliminar da Paz, Brasil e Argen- tina reconheciam a independência da Província Cisplatina. Em 28 de agosto de 1828, foi assinado o Tratado do Rio de Janeiro, ratificado em 4 de outubro daquele mesmo ano, reconhecendo a independência do Uruguai. Segundo esse tratado, D. Pedro I renunciou a qualquer direito sobre a Pro- víncia Cisplatina e recuperou as terras das Missões. O Uru- guai se comprometeu a não se unir à Argentina e, como Estado independente, passou a se chamar Estado Oriental. Somente em 1918 adotou o atual nome: República Orien- tal do Uruguai. Os gastos militares agravaram os problemas econômico- -financeiros e as perdas sofridas na Guerra da Cisplatina acabaram por comprometer e desgastar politicamente D. Pedro I. Dom Pedro, a história não contada – Paulo Rezzutti O primeiro imperador do Brasil foi um personagem que entrou nos livros de história e no imaginário do brasileiro, cercado por uma aura, a um só tempo cari- catural e enigmática. multimídia: livro 2.2. A crise econômica A cada dia aumentavam as dificuldades econômicas do Brasil. Exportações brasileiras tradicionais, como algodão, açúcar, couro e fumo, continuavam em declínio no mercado internacional, criando uma balança de comércio deficitária. A dívida externa tornava-se cada vez maior em razão da cri- se do comércio exterior, da indenização paga a Portugal pela independência e das despesas com a Guerra da Cisplatina. A pobreza do Estado, que padecia da crônica falta de recur- sos, agravava a crise. As rendas do governo central, depen- dentes em grande parte do imposto sobre produtos importa- dos, eram insuficientes. Além de lançar mão de empréstimos externos, o Império recorreu a uma intensa emissão de mo- eda, produzindo uma inflação desenfreada. Inicialmente, D. Pedro I foi considerado herói por ter rom- pido com Portugal e liderado o processo de independência do Brasil. Entretanto, em apenas seis anos sua imagem se desgastou, e o Imperador passou a ser criticado por suas ati- tudes autoritárias, o que provocou a perda de apoio político e de popularidade. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 75 V O LU M E 3 A falta de atitudes concretas para resolver a crise econô- mica que afetava o país também desagradava. Além dis- so, a exposição da vida pessoal do imperador, suas várias amantes, a publicização do seu romance com a marquesa de Santos, Domitila de Castro, a quem chegou a nomear camareira da imperatriz, afetavam sua imagem de diri- gente político e estadista. 2.3. A questão sucessória do trono português e a impopularidade de D. Pedro I A atuação de D. Pedro I na questão da sucessão do tro- no português também contribuiu para o desgaste de sua imagem. Com a morte de D. João VI, em 1826, a Coroa portuguesa seria herdada por D. Pedro I, que renunciou ao trono luso em nome de sua filha mais velha, D. Maria da Glória. Como ela era menor de idade quando o monarca falecera, ficou acertado que D. Miguel, irmão de D. Pedro I, assumiria o trono português como regente até sua so- brinha atingir a maioridade. Naquele momento, os dois se casariam e assumiriam em definitivo o trono. Em 1828, descumprindo o acordo, D. Miguel usurpou o trono luso e autoproclamou-se rei. A situação revoltou D. Pedro, que mobilizou a diplomacia brasileira e ameaçou enviar tropas a Portugal. Os brasileiros não aprovaram as atitudes de D. Pedro I, pois julgavam que o monarca não devia usar recursos ou tropas nacionais para interferir em assuntos internos de Portugal. D. Pedro I, porém, não desistiu da luta pelo trono luso e, com apoio de tropas mercenárias, expulsou seu irmão de Portugal, garantindo o trono a sua filha. No Brasil, muitos se perguntavam de onde vinha o dinheiro para a luta em solo português em plena crise econômica do Império. caricatura dos dois antagonistas portugueses: d. pedro (à esquerda) e d. miguel, amparados e instigados pelo rei Francês luís Filipe, que representaVa o espírito liberal, e pelo czar nicolau da rússia, que representaVa a santa aliança e o absolutismo. A insatisfação contra o governo era constantemente expressa na imprensa Malagueta e Aurora Fluminense, jornais que assumiram a postura de denunciar as ar- bitrariedades do Imperador, fomentando a insatisfação popular. D. Pedro, por sua vez, ordenou o fechamento de jornais, o espancamento e a prisão de jornalistas e o impedimento da investigação acerca do assassinato do jornalista Líbero Badaró (1830), editor do jornal O Observador Liberal. 2.4. O fim do Primeiro Reinado D. Pedro I resolveu tentar melhorar sua imagem no Brasil. Ele decidiu realizar uma viagem de visita a algumas provín- cias, onde poderia manter contato com a população. Outra medida nesse sentido foi a nomeação de um ministério composto somente por brasileiros, reduzindo a influência política dos membros doPartido Português. abdicação do imperador d. pedro i. aurélio de Figueiredo (1831). A viagem começou por Minas Gerais, onde o imperador foi recebido friamente: os sinos das Igrejas tocavam um som fúnebre e várias casas tinham panos pretos exibidos em suas janelas, demonstrando luto pela morte do jornalista Libero Badaró. Insatisfeito e contrariado, D. Pedro I resolveu voltar ao Rio de Janeiro. Para animar o Imperador e manifestar seu apoio, os portu- gueses prepararam uma festa de boas-vindas, no dia 13 de março. Sabendo da recepção, os brasileiros oposicionistas foram ao local da festa e entraram em conflito com os por- tugueses na chamada Noite das Garrafadas. Diante da situação e das críticas, D. Pedro I percebeu que a nomeação de um ministério composto somente por brasi- leiros não surtira o efeito desejado e resolveu substituí-los por portugueses – o ministério dos marqueses, no dia 5 de abril de 1831. Essa medida provocou o aumento das manifestações contra o Imperador, que se viu politicamente isolado e sem apoio popular. 76 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 A Noite das Garrafadas – Chico Castro No dia 13 de fevereiro de 1831, os portugueses feste- javam o regresso da viagem de D. Pedro I a Minas Ge- rais. Em meio à comemoração, brasileiros desconten- tes com atitudes do soberano e inconformados com a influência dos portugueses na vida administrativa do País investiram contra os lusitanos e usaram pedras e garrafas como arma. multimídia: livro D. Pedro I resolveu abdicar do trono brasileiro no dia 7 de abril de 1831, em nome de seu filho D. Pedro de Al- cântara, que, na época, tinha apenas cinco anos de idade. A medida pôs fim ao Primeiro Reinado e há quem veja nela a consolidação da Independência do Brasil, afastando definitivamente o perigo da recolonização. o menino pedro de alcântara. armand julien pallière. (c. 1830). Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei muito voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado e prezado filho o Senhor D. Pedro de Alcântara. Boa Vista, 7 de abril de mil oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e do Império. d. pedro i Fonte: Youtube Império Brasileiro 1822 a 1889 multimídia: vídeo planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm mapa.an.gov.br multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/noite_agonia.html infoescola.com/historia/confederacao-do-equador/ mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/abdi- cacao-d-pedro-i.htm multimídia: site CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 77 V O LU M E 3 CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS O Poder Moderador (Ciência Política) O Poder Moderador foi idealizado a partir de um conceito do pensador suíço Henri-Benjamin Constant de Re- beque, que afirmava que o poder real, durante o período de monarquia constitucional, deveria agir como um mediador neutro entre os outros três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). A Constituição de 1824, em seu artigo 98, afirmava que o Poder Moderador estava “delegado privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação, e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos”. Muitos apontam que o quarto poder simbolizaria tirania ao invés de estabilidade, uma vez que, caso o imperador achasse necessário, ele previa a dissolução de todo o Legislativo. No Segundo Reinado, alternando os dois partidos aris- tocráticos no poder, o Poder Moderador assegurou ao país mais de quarenta anos de paz interna, liberdade de expressão e de imprensa, práticas eleitorais (que se tornaram pouco fiéis ao desejo dos eleitores devido aos políticos da época), debates parlamentares e uma orga- nização representativa. Por outro lado, promoveu a con- ciliação das facções em torno e à custa dos empregos do Estado e tutelou o sistema político nacional. 78 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM HABILIDADE 12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades. A concepção sociológica subjacente a muitas questões do Enem é a de que as leis e o Direito não são neutros, mas frutos de amplos conflitos econômicos, sociais e culturais e devem ser compreendidos como tal. Diante disso, a prova lança mão de fragmentos de Constituições ou de livros de historiadores para fundamentar suas questões. No caso da história brasileira, o aluno deve compreender os embates relativos à redação de nossas principais Constituições. A Habilidade 12 requer que o aluno saiba como alguns grupos sociais são representados ou sub-representados pelo Direito em seus distintos momentos históricos. MODELO 1 (Enem) Art. 92. São excluídos de votar nas Assembleias Paroquiais: I. Os menores de vinte e cinco anos, nos quais não se compreendam os casados, e Oficiais militares que forem maiores de vinte e um anos, os Bacharéis Formados e Clérigos de Ordens Sacras. IV. Os Religiosos, e quaisquer que vivam em Comunidade claustral. V. Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos. constituição política do império do brasil (1824). disponíVel em: https://legislação.planalto.goV.br. acesso em: 27 abr. 2010 (adaptado). A legislação espelha os conflitos políticos e sociais do contexto histórico de sua formulação. A Constituição de 1824 regulamentou o direito de voto dos “cidadãos brasileiros” com o objetivo de garantir: a) o fim da inspiração liberal sobre a estrutura política brasileira; b) a ampliação do direito de voto para maioria dos brasileiros nascidos livres; c) a concentração de poderes na região produtora de café, o Sudeste brasileiro; d) o controle do poder político nas mãos dos grandes proprietários e comerciantes; e) a diminuição da interferência da Igreja Católica nas decisões político-administrativas. ANÁLISE EXPOSITIVA A Constituição de 1824 foi imposta pelo imperador e reflete a elitização política. Seu componente mais importante foi o voto censitário, ou seja, baseado na renda do indivíduo. Dessa forma, apenas aqueles que tinham renda proveniente da terra (os fazendeiros) ou do comércio (geralmente indivíduos de origem portuguesa) tiveram garantido o direito político de votar. RESPOSTA Alternativa D CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 79 V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA RECONHECIMENTO EXTERNO DA INDEPENDÊNCIA CONSTITUIÇÃO DE 1823 AÇÃO MILITAR DE D. PEDRO I CONSTITUIÇÃO DA MANDIOCA MANUTENÇÃO DO PORTO COLONIAL MERCENÁRIOS COMPRA DE NAVIOS MASSACRE E RENDIÇÃO DOS INOCENTES BAHIA, MARANHÃO, GRÃO-PARÁ PIAUÍ E CISPLATINA ENDIVIDAMENTO ELITES POR- TUGUESAS ESTADOS UNIDOS (1824) VOTO CENSITÁRIO DOUTRINA MONROE “AMÉRICA PARA OS AMERICANOS” EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO SUBMISSÃO DO IMPERADOR AO LEGISLATIVO DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA POR D. PEDRO (NOITE DA AGONIA) PORTUGAL (1825) ELEIÇÕES INDIRETAS INDENIZAÇÃO DE 2 MILHÕES DE LIBRAS INGLATERRA (1826) FIM DA ESCRAVIDÃO EM 5 ANOS E VANTAGENS COMERCIAIS 80 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 CONSTITUIÇÃO DE 1824 CONSTITUIÇÃO DE 1824 CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR (1824) OUTORGA DE D. PEDRO CENTRALIZAÇÃO MONÁRQUICA ELEIÇÕES INDIRETAS VOTO CENSITÁRIO MASCULINO EXECUTIVO, LEGISLATIVO, JUDICIÁRIO E MODERADOR DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA POR D. PEDRO I (NOITE DA AGONIA) CRISE ECONÔMICACRISE POLÍTICA CRISE DO PRIMEIRO REINADO RENÚNCIA DE D. PEDRO I ENDIVIDAMENTO PÚBLICOAUTORITARISMO DO IMPERADOR GUERRA DA CISPLATINA (1828) CRISE ENTRE PORTUGUESES E BRASILEIROS INDENIZAÇÃO A PORTUGAL“NOITE DAS GARRAFADAS” CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 81 V O LU M E 3 1. Período Regencial (1831-1840) Em 7 de abril de 1831, D. Pedro I abdicou, dando início ao Período Regencial, que se estendeu até o Golpe da Maiori- dade, em 1840, quando, com a antecipação da maioridade de D. Pedrotecnologias 7 V O LU M E 3 1. Processo de decadência do feudalismo As características do sistema feudal não permaneceram as mesmas durante toda a Idade Média. Aos poucos, os elementos próprios do feudalismo foram sofrendo modifi- cações e criando um novo sistema e novos modos de vida. Estava sendo gerada uma nova sociedade. Os conflitos en- tre a Igreja e o poder temporal cresceram. Ocorreram as Cruzadas. As cidades e o comércio renasceram. O poder político foi sendo centralizado gradativamente na figura do rei, constituindo-se as monarquias nacionais. No século XIV, fome, pestes, guerras e rebeliões camponesas abala- ram ainda mais as já combalidas instituições feudais. Ao mesmo tempo em que abalaram as estruturas do feudalis- mo, todos esses acontecimentos aceleraram as mudanças que estavam sendo gestadas no seu interior. Profundas transformações, como as revoluções na economia, na política e nos costumes, inauguraram um pe- ríodo que viria a ser chamado de Idade Moderna (séculos XV, XVI, XVII e XVIII), inaugurada pelo que se denominou revolução comercial. 2. As Cruzadas (1095-1270) 2.1. Definição e fatores As Cruzadas foram expedições de cunho religioso-militar que ocorreram a partir dos últimos anos do século XI com o intuito de combater os inimigos da cristandade. A Igreja legitimou essas expedições conferindo-lhes um caráter de respeitabilidade. Oferecia privilégios espirituais e materiais aos cruzados. As Cruzadas também atuaram como uma forma de aliviar as pressões provocadas pelo aumento populacional ocorrido a partir do século X. Uma de suas principais consequências foi a reabertura do Mediterrâneo ao comércio europeu. Ao lado do fervor religioso1 – o cruzado seria recompen- sado com o perdão dos pecados por intermédio das Indul- gências –, fatores de ordem econômica, social e política atuaram como elementos determinantes das Cruzadas. Com o fim das invasões bárbaras no século X, a Europa passou por um período de relativa tranquilidade. Com a diminuição das guerras e o quase desaparecimento das epidemias, criou-se um ambiente favorável à estabilidade social, que favoreceu o crescimento populacional. Foi de- terminante para esse crescimento a abundância de recur- sos naturais e inovações técnicas na agricultura. Conjuga- dos, esses fatores favoreceram uma dieta mais saudável, o que contribuiu para a queda da mortalidade infantil. As novas técnicas agrícolas permitiram o aumento da pro- dução, e os excedentes passaram a ser comercializados. Por outro lado, bens produzidos fora da Europa passaram a ser adquiridos. Os mercados bizantino e muçulmano tam- bém passaram a demandar matérias-primas e gêneros ali- mentícios ocidentais. O incremento desse comércio de am- bos os lados do Mediterrâneo favoreceu muito as cidades italianas de Veneza e Gênova, que viram suas condições econômicas aumentarem, bem como suas possibilidades de desempenharem um papel importante, quando não fundamental, nas Cruzadas. 1. “A todos que partirem e morrerem no caminho, em terra ou mar, ou que per- derem a vida combatendo os pagãos, será concedida a remissão dos pecados” (Discurso do papa Urbano II, em Clermont, França, no ano de 1095). BAIXA IDADE MÉDIA COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 22 e 29 CH AULAS 17 E 18 8 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Fonte: Youtube As cruzadas – Paulo Ó multimídia: música Em virtude da expansão demográfica, a sociedade feudal europeia passou a ter mais mobilidade social. Uma parce- la dos camponeses foi expulsa do campo e obriganda a buscar outras formas de ganhar a vida. Paralelamente, a produção do excedente agrícola permitia que os campo- neses vissem no comércio uma alternativa mais vantajosa. A vida urbana passou a ser expressão da liberdade em contraposição à vida rural ligada à servidão. Essa situação fez aumentar a população que buscava viver do comércio e das atividades artesanais, isto é, sobreviver economi- camente fora dos feudos. Em consequência, incontáveis marginais, divididos entre contestadores e pobres, dispu- seram-se a se engajar nas Cruzadas como modo de vida. O contexto político do período criou um ambiente favo- rável para que os nobres despossuídos ou empobrecidos engrossassem o contingente de voluntários a atender os desejos da Igreja de lutar contra os heréticos e pagãos como modo de manter seu poder, conquistar novas terras e riquezas e controlar uma população cada vez mais difícil de ser dominada. A todos esses fatores somavam-se os motivos religiosos que impregnavam a vida medieval. Havia um sentimen- to sincero de resgate da Terra Santa. De fato, uma par- cela significativa de cruzados que participava das lutas sem nada ganhar. As Cruzadas envolveram a sociedade europeia de tal modo, que, em geral, todos seriam be- neficiados direta ou indiretamente por essa empresa mili- tar-religiosa que buscava romper o cerco muçulmano em expansão pelo Oriente. Para a Igreja romana, a conquista dos locais santos da Ásia ocidental pelas Cruzadas configurava-se instrumento de expansão do cristianismo, da supremacia do papado sobre o Império e da expansão de sua influência religiosa. Por sua vez, o Império Bizantino, pressionado por inimigos externos, via nas Cruzadas uma forma de conter o avan- ço dos turcos sobre seus territórios. As cidades comerciais italianas de Veneza, Pisa e Gênova, que consideravam as Cruzadas um instrumento de reabertura do Mediterrâneo, ambicionavam conquistar entrepostos comerciais na Ásia ocidental. Finalmente, os setores marginais da população europeia buscavam nas Cruzadas um meio de obterem ganhos que lhes possibilitassem sobreviver ou mesmo enriquecer. O movimento das Cruzadas teve como causa imediata o bloqueio à peregrinação dos cristãos ao Santo Sepulcro (túmulo de Cristo em Jerusalém), dominado pelos muçul- manos. 2.2. Cruzadas do Ocidente: a Guerra de Reconquista Paralelamente às Cruzadas que investiram contra o Orien- te, foram realizadas expedições denominadas Cruzadas do Ocidente, com o objetivo de expulsar os muçulmanos do território europeu. Em 711, os árabes muçulmanos haviam conquistado e submetido ao seu poder a penín- sula Ibérica, com exceção das Astúrias, onde se formaram os pequenos reinos cristãos de Leão, Castela, Aragão e Navarra. Reunidos, esses reinos iniciaram no século XI a Guerra de Reconquista. Mapa da evolução da Reconquista cristã na península Ibérica Granada Córdoba Castela Aragão Navarra (Francos) Leão Portugal antes 914 914 - 1080 1080 - 1130 1130 - 1210 1210 - 1250 1250 -1480 1480 - 1492 Fonte: . As terras reconquistadas dos muçulmanos foram doadas ao clero ou incorporadas pela nobreza. Esses territórios fo- ram explorados segundo as regras do sistema feudal de produção. Da Guerra de Reconquista, resultou a formação das monarquias nacionais de Portugal e Espanha. Na Itália, os muçulmanos haviam conquistado a Sicília, a Cór- sega e a Sardenha, além de terem bloqueado a navegação de embarcações europeias no mar Mediterrâneo. A Guerra de Reconquista na Itália teve início no século X. Entretanto, o contato entre cristãos e muçulmanos, inicialmente bélico, as- sumiu gradualmente um caráter mercantil e resultou na rea- bertura do Mediterrâneo para os europeus. Os comerciantes, fossem eles cristãos ou muçulmanos, sempre encontravam uma forma de acordo. Em vez de desperdiçar o capital na guerra, preferiam ampliá-lo pelo comércio. As trocas foram ampliadas e diversificadas, facilitando o ressurgimento das relações entre Ocidente e Oriente. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 9 V O LU M E 3 2.3. Cruzadas do Oriente Roma Constantinopla Acre Veneza Ratisbona Clermont Vézelay Metz Jerusalém Edessa Tripoli Antioquia Marselha Dominíos muçulmanos, 1095 Primeira Cruzada, 1096-1099 Segunda Cruzada, 1147-1149 TerceiraII, iniciou-se o Segundo Reinado. O Período Regencial é um dos mais conturbados da história política do Brasil, marcado por crise econômica, instabilida- de política e revoltas em várias províncias. Nesse sentido, a unidade do território brasileiro estava ameaçada. Apesar das dificuldades, as elites nacionais assumiram o controle do poder político e afastaram definitivamente o risco de recolonização do Brasil, consolidando o Estado nacional. A Regência foi necessária porque, de acordo com a Consti- tuição de 1824, o imperador era considerado menor de ida- de até os 16 anos. Caso o trono ficasse vago por qualquer motivo, o governo deveria ser exercido por uma Regência, que deveria incluir o parente mais próximo do imperador com mais de 25 anos. Caso essa exigência não pudesse ser atendida, o país deveria ser governado por uma Regência trina e permanente escolhida pela Assembleia Geral até que o imperador completasse a maioridade. Como D. Pedro II, o herdeiro do trono brasileiro, tinha ape- nas cinco anos de idade no momento da abdicação de seu pai, a instalação da Regência se tornou necessária. 1.1. Regência Trina Provisória (1831) A abdicação de D. Pedro I ocorreu num momento em que a Assembleia Geral estava em recesso e os deputados e se- nadores estavam fora do Rio de Janeiro, em suas respecti- vas províncias. Em virtude das dificuldades de comunicação, agravadas pelas distâncias entre as províncias, especialmen- te as do Norte e Nordeste, era impossivel a rápida presença dos políticos para que a Assembleia Geral pudesse se reunir e escolher a regência permanente. Assim, para que o país não ficasse sem governo, os de- putados e senadores que estavam no Rio de Janeiro or- ganizaram, em caráter de urgência, uma Regência Trina Provisória, que governaria o país até a Câmara eleger a Regência Permanente. Os regentes foram escolhidos segundo o critério político de contemplar os partidos políticos existentes e as forças armadas. Desse modo, foi escolhido um liberal, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro; um conservador, o senador José Joaquim Carneiro de Campos, o marquês de Caravelas; e um militar, o general Francisco de Lima e Silva. da esquerda para a direita: nicolau de campos Vergueiro, josé joaquim carneiro de campos e Francisco lima e silVa. Nos dois meses e meio em que esteve no poder, a Regência Provisória adotou as seguintes medidas: § reintegração do Ministério Brasileiro que havia sido demitido por D. Pedro I; § anistia aos prisioneiros políticos; § obrigação de estrangeiros deixarem o Exército; § suspensão do Poder Moderador, que era exclusivo do imperador; e § aprovação da Lei da Regência, que proibia os regentes de dissolver a Câmara, decretar guerra ou conceder títulos de nobreza. REGÊNCIA (1831-1840) E SEGUNDO REINADO: POLÍTICA INTERNA (1840-1889) COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3 e 5 HABILIDADE(s) 1, 9, 10, 11, 13, 14, 15 e 22 CH AULAS 19 E 20 82 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 1.2. Regência Trina Permanente (1831-1835) joão bráulio muniz, josé da costa carValho e Francisco lima e silVa. Foram adotados critérios de caráter econômico, geográfico e político para a formação da Regência Trina Permanente. Os escolhidos foram: José da Costa Carvalho, marquês de Monte Alegre, deputado pela Bahia e representante da eli- te agrária nordestina; João Braulio Muniz, deputado pelo Maranhão; e o general Francisco de Lima e Silva, barão de Barra Grande, senador pelo Rio de Janeiro, representante do exército e responsável pela manutenção da ordem polí- tica e social do país. Ao padre Diogo Antonio Feijó, deputado moderado, coube a pasta de Ministro da Justiça, cargo para o qual exigiu e recebeu dos regentes autonomia de ação para poder en- frentar os motins que pipocavam, principalmente no Rio de Janeiro, e as agitações políticas e sociais do período. Em 1831, foi criada a Guarda Nacional, com o objetivo de combater os distúrbios que ameaçavam a ordem vi- gente. A Guarda era subordinada ao Ministério da Justiça e responsável pela manutenção da ordem pública, cujos membros eram dispensados do serviço militar obrigatório, o que enfraqueceu o Exército nacional, pois também retirava dele a exclusividade de manutenção da ordem. A Guarda Nacional era constituída por província e estava subordinada ao governador provincial. batalhão de Fuzileiros da guarda nacional (1840-1845). disponíVel em: . Essa situação permitiu que as funções da Guarda fossem desvirtuadas, ou seja, a instituição assumiu um caráter de milícia e se tornou uma força paramilitar comandada por membros da elite agrária que compravam a patente de co- ronel e recrutavam e armavam suas milícias. Dessa forma, a Guarda Nacional passou a servir como instrumento de poder das oligarquias agrárias. Além disso, o enfraquecimento do Exército foi uma manei- ra de limitar suas posições cada vez mais revolucionárias, pois muitos militares pertenciam à classe média e, em ge- ral, apoiavam medidas descentralizadoras e republicanas. Em 1832, o ministro Feijó entrou em atrito com deputados e senadores que se opunham ao aumento dos seus po- deres. Feijó tentou destituir José Bonifácio de Andrada do cargo de tutor de D. Pedro II, acusando-o de conspiração por ser do partido restaurador. Os desentendimentos levaram à renúncia de Feijó do cargo de Ministro da Justiça. Também em 1832, foi criado o Código de Processo Cri- minal, que ampliou os poderes dos municípios aumentan- do sua autonomia judiciária, com os juízes de paz sendo eleitos pela população local e com a instituição do júri para julgar a maioria dos crimes e dos habeas corpus. 1.3. Correntes políticas O período regencial também foi marcado pelo surgimento de partidos políticos no Brasil, originados nos grupos políti- cos que existiam no Primeiro Reinado: o partidos português, o partido brasileiro e o partido dos liberais radicais. Os gru- pos partidários surgidos na Regência foram os Liberais Mo- derados, os Liberais Exaltados e os Restauradores. Mais tar- de, esses partidos passariam por transformações, levando ao surgimento dos Partido Liberal e do Partido Conservador, os mais importantes durante o Segundo Reinado (1840-1889). 1.3.1. Liberais Moderados ou Chimangos § Compunham a principal força política que controlava o governo na época. § Pertenciam à aristocracia rural, especialmente do Su- deste, e à classe dos grandes comerciantes. § Eram monarquistas e escravistas que não admitiam a volta de D. Pedro I. § Defendiam o voto censitário. § Defendiam um forte controle do poder imperial sobre as províncias (centralizadores). § Eram ligados à Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional. § Eram apoiados pelos jornais A Aurora Fluminense, As- trea e O Sete d’Abril. 1.3.2. Liberais Exaltados, Farroupilhas ou Jurujubas § Eram proprietários rurais de regiões periféricas ao Rio de Janeiro ou elementos das camadas médias urbanas. § Defendiam o regime republicano e a extinção do Poder Moderador. § Defendiam o federalismo (autonomia provincial). CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 83 V O LU M E 3 § Defendiam alguns ideais democráticos, como o voto universal. § Eram ligados à Sociedade Federal. § Eram apoiados pelos jornais: A Malagueta, A Trombeta dos Farroupilhas e O Grito dos Oprimidos. 1.3.3. Restauradores ou Caramurus § Eram portugueses, descendentes de portugueses e bu- rocratas ligados ao antigo governo de D. Pedro I. § Eram contrários a qualquer reforma política (conserva- dores). § Eram absolutistas. § Defendiam um objetivo básico: a volta de D. Pedro I. § Constituíam um clube político: a Sociedade Militar. § Eram apoiados pelos jornais O Caramuru, O Caolho e O Tamoio. 1.3.4. Partido Liberal (Luzias) § Formado por profissionais liberais urbanos e agriculto- res ligados ao mercado interno. § Descendentes políticos; defendia a autonomia das pro- víncias(federalismo). § Posicionava-se contra o poder moderador e o senado vitalício. 1.3.5. Partido Conservador (Saquaremas) § Formado por burocratas do Estado, grandes comerciantes e fazendeiros ligados à exportação. § Defendia o fortalecimento do poder executivo e a centralização. § Defendia a diminuição da autonomia das províncias. Primeiro Reinado Part. Brasileiro Part. Português Período Regencial (1831-1840) Part. Liberal Exaltado Part. Liberal Moderado Part. Restaurador Progressistas Regressistas Part. Liberal Part. Conservador Segundo Reinado (1840-1889) Part. Liberal Part. Conservador 1.4. O Ato Adicional (1834) Em 1834, com o objetivo de minimizar os conflitos regio- nais e a fim de acalmar as agitações sociais e políticas, foi realizada uma reforma na Constituição de 1824: o Ato Adicional de 1834, aprovado pela Lei n.º 16, em 12 de agosto. Ele introduziu mudanças significativas na Cons- tituição de 1824: extinguiu o Conselho de Estado, órgão que assessorava o governo imperial, substituindo-o pelas Assembleias Legislativas Provinciais. Essa nova assembleia tinha poderes para legislar a respeito da organização local no que se referisse ao funcionalismo, à polícia, à economia e às questões de caráter civil, judici- ário, eclesiástico e educacional. O presidente da província, isto é, o chefe do Poder Executivo, continuava a ser indica- do pelo imperador ou regente. A Regência Trina Permanente foi substituída por uma Re- gência Una, eletiva e temporária, da qual o regente seria eleito por voto censitário e direto para um mandato de 4 anos. Além disso, o Ato Adicional estabeleceu a cidade do Rio de Janeiro como Município Neutro, onde ficaria a cor- te, definindo como sede da Província do Rio de Janeiro a cidade de Niterói. As medidas e mudanças desencadeadas pelo Ato foram consideradas uma “experiência republicana” no Brasil, levando o período a ser considerado um avanço liberal. No mesmo ano, foram marcadas eleições para a escolha do novo regente, em que foi eleito, concorrendo pelo partido Liberal Moderado e por uma pequena diferença de votos, o padre Diogo Antonio Feijó, que representava as oligarquias agrárias sulistas. 1.5. Regência Una de Feijó (1835-1837) O paulista Feijó enfrentou diversos problemas: revoltas nas províncias (Cabanagem, Sabinada e Farroupilha), crise eco- nômica, divergências com a Igreja Católica (uma vez que o governo defendia a extinção de ordens eclesiásticas e do celibato clerical e mais autonomia para os membros do clero), falta de apoio político, e divisão interna no partido. O governo não era apoiado por uma parcela significativa dos membros do Partido Liberal Moderado, o mesmo do Regente. A divergência provocou uma divisão no partido. Os feijosistas apoiavam-no na tentativa de criar um novo partido, o Partido Progressista, sem êxito. Os demais, conservadores, formaram o partido Regressista, que fez forte oposição a Feijó. 84 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 diogo antônio Feijó, regente único de 1835 a 1837. miguelzinho dutra (1810-1870). Como o mandato do Regente Uno era de quatro anos, o mandato de Feijó iria até 1839. Entretanto, diante das dificuldades econômicas e políticas que seu governo en- frentava e com a saúde seriamente comprometida, Feijó renunciou ao mandato em 1837. 1.6. Regência Una de Araújo Lima (1837-1840) Pedro de Araújo Lima, representante dos regressistas, as- sumiu interinamente o cargo de Regente Uno depois da renúncia do padre Feijó e foi efetivado no cargo em 1838, após vencer as novas eleições regenciais. O governo de Araújo Lima se caracterizou pelo conservado- rismo, justificado como necessário para conter as revoltas cada vez mais graves que agitavam o país e ameaçavam a unidade do território nacional. O liberalismo do Ato Adi- cional era apontado como principal responsável pelas agi- tações do período e a volta à centralização era vista como necessária para restabelecer a ordem no país. Bernardo Pereira de Vasconcelos foi nomeado para Ministro da Justiça, o que significou uma vitória para os adeptos que questionavam na Câmara dos Deputados e no Senado a res- peito da interpretação do Ato Adicional. Assim, em 1840, foi aprovada a Lei de Interpretação do Ato Adicional, que anulava diversas medidas descentralizadoras do Ato Adicional. O controle do sistema judicial exercido pelas Assembleias Provinciais passou a ser exercido pelo poder central; as câ- maras municipais e as assembleias provinciais tiveram suas competências redefinidas e as províncias perderam sua auto- nomia. As medidas conservadoras e centralizadoras continu- aram, como a reconstituição do Conselho de Estado. Por fim, o governo central voltou a ter todo o poder administrativo e judiciário em suas mãos. Por isso esse período foi definido como Regresso Conservador ou “Duplo regresso”. pedro de araújo de lima Os Progressistas/Liberais, por sua vez, não se deram por vencidos. Contrários à centralização do regime, fundaram o Clube da Maioridade, cujo objetivo era antecipar a maiori- dade de D. Pedro II, permitindo sua imediata ascensão ao trono e afastando os Regressistas/Conservadores do poder. Iniciaram então a Campanha da Maioridade, que cresceu e ganhou adeptos em todas as províncias, especialmente no Rio de Janeiro, inclusive entre o grupo palaciano que goza- va de grande intimidade junto ao jovem herdeiro do trono. Em 22 de julho de 1840, a proposta foi levada ao jovem herdeiro por uma comissão. O regente Araújo Lima chegou a propor que a maioridade lhe fosse concedida no próximo dia 2 de dezembro, quando completaria 15 anos. D. Pedro de Alcântara respondeu que queria a antecipação de sua maioridade imediatamente. coroação de d. pedro ii. óleo sobre tela. François-rené moreauX (1807-1860). O Golpe da Maioridade decretou o fim do Período Regen- cial e marcou o início do Segundo Reinado, que duraria até 1889, quando foi proclamada a República no Brasil. 1.6.1. Versos: Golpe da mariodidade “Queremos D. Pedro II, Ainda que não tenha idade. A nação dispensa a lei. viva a maioridade!” CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 85 V O LU M E 3 “Por subir Pedrinho ao trono, Não fique o povo contente; Não pode ser coisa boa Servindo com a mesma gente.” 1.7. Revoltas regenciais Os movimentos sociais do período mostram a inquietação, por motivos diversos, dos diferentes segmentos sociais e das elites dominantes. Havia quem desejasse reformas mais profundas, especialmente depois da abdicação de D. Pedro I, pois o centralismo que vigorava no I Reinado era incompatível com o interesse de diferentes grupos sociais, dos marginalizados aos proprietários de terras no Sul. 1.7.1. Levante dos Malês (Bahia, 1835) Foi a revolta de escravizados mais importante da história da Bahia. Os malês eram negros muçulmanos africanos. O nome malê vem de imalê, que significa “muçulmano” na língua iorubá; na Bahia, os malês são conhecidos como nagôs. Outros grupos islamizados também participaram da revolta. Como tantas outras ocorridas no Brasil, foi uma re- volta contra a escravidão. negro de origem muçulmana. Viagem pitoresca e história do brasil. debret. A rebelião contou com aproximadamente 600 participantes. Na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, os revoltosos ocuparam algumas ruas de Salvador. A revolta durou algu- mas horas. O movimento negro repercutiu no Império, permanecendo por longo tempo na memória das classes dominantes da Bahia e da Corte, que tomaram diversas me- didas para impedir que outro movimento similar ocorresse. Fonte: Youtube Revolta dos Malês – Rafael Pondé multimídia: música “Mestres muçulmanos formaram a liderança do movi- mento da revolta [...] e, durante o levante, seus segui- dores ocuparam as ruas usando vestimentas islâmicas e amuletos contendo passagens do Alcorão, sob cuja proteção acreditavam estar de corpo fechado contra as balas e espadas dos soldados.” joão josé reis. "nos achamos em campoa tratar da liberdade: a resistência negra no brasil". in: MOTA, carlos g. (org.) Viagem incompleta (1500-2000). Vol.1. 2.ed. são paulo: senac, 2000. p. 241 A repressão foi violenta, como era de se esperar das auto- ridades contra um movimento de escravizados. Os envol- vidos foram condenados a penas de prisão simples, prisão de trabalho, açoites, morte e deportação para a África. Dos 16 condenados à morte por fuzilamento, 12 conseguiram a comutação da pena. Rebelião Escrava no Brasil – João José Reis Na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, em Sal- vador, enquanto os católicos comemoravam, na igreja do Bonfim, a festa de Nossa Senhora da Guia, negros africanos celebravam o Ramadã em suas senzalas. A celebração evoluiu para uma revolta, da qual não par- ticiparam exclusivamente muçulmanos, mas que foi por eles concebida e liderada. multimídia: livro 86 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Fonte: Youtube Revolta dos Malês - 180 Anos multimídia: vídeo A Noite dos Cristais – Luís Fulano de Tal A partir de um relato encontrado na Guiana Francesa, escrito pelo negro Gonçalo, conhecemos a história des- sa personagem que viveu na primeira metade do século XIX, foi escravizado em um engenho de Pernambuco e conseguiu fugir para a Guiana, depois de dez anos. multimídia: livro 1.7.2. Cabanagem (Grão-Pará, 1835-1840) A economia do Grão-Pará baseava-se no extrativismo de drogas do sertão, de madeira e na produção de cacau e arroz à custa da exploração da mão de obra indígena, uma vez que o número de escravizados era reduzido na Provín- cia. Havia ainda um pequeno comércio controlado por por- tugueses e seus descendentes. A maioria da população era formada por mestiços, brancos pobres e índios destribaliza- dos que viviam de forma miserável em casas de palafitas, razão pela qual os rebeldes eram chamados de cabanos. Era uma região marcada pela miséria, pela exclusão social e pela fome, terreno propício, portanto, para as revoltas da população, que provocava constantes levantes no interior e na capital, Belém. Fonte: . No início de 1835, os revoltosos tomaram o poder na capi- tal da Província. Eles eram chefiados pelo fazendeiro Félix Clemente Malcher, que, no entanto, entrou em atrito com os cabanos mais radicais e jurou lealdade ao Império. Com isso, Malcher foi deposto e executado pelos rebeldes. O poder foi assumido por Francisco Pedro Vinagre. Assim, intensificou-se a repressão ao movimento por parte do Governo Regencial. Em 21 de fevereiro, Vinagre foi derrotado pelas forças re- genciais, mas outro líder, Eduardo Angelim, conseguiu ar- regimentar cerca de três mil homens e atacar Belém em 14 de agosto de 1835. Angelim derrotou as forças fiéis ao governo regente e foi aclamado presidente da Província pelos cabanos da República Independente do Pará. A partir disso, a Cabanagem se espalhou pela região. À medida que a participação dos extratos mais pobres e desfavorecidos da sociedade aumentava, os grupos do- minantes se afastavam do movimento, temendo o radi- calismo das massas, enfraquecendo o governo rebelde e facilitando a ação das tropas repressoras. Os conflitos se estenderam até 1840, caracterizados pela violência cres- cente de ambos os lados, mas principalmente por parte das tropas legalistas. A província foi finalmente pacificada no começo do Segundo Reinado. Fonte: Youtube O Cônego – Senderos da Cabanagem Uma ficção inspirada em fatos históricos cuja trama tem por base a experiência vivida pelo Cônego Batista Campos no período preparatório a eclosão da revolução cabana que teve seu desfecho em 7 de janeiro de 1835 com a tomada de Be- lém. Seguindo a trilha do Cônego, o espectador será levado ao encontro com Lavor Papagaio, Manoel Vinagre e diversos homens e mulheres que por sua condição social e ímpeto re- volucionário passariam com a alcunha coletiva de Cabanos. multimídia: vídeo No início da revolta, a província do Pará possuía 100 mil habitantes, dos quais entre 30 e 40 mil morreram durante a guerra, uma porcentagem enorme (30% a 40%) e im- pensável nos dias atuais. Além da implantação de uma Re- pública, do desejo de uma reforma agrária e da luta contra desigualdades, os rebeldes não tinham um programa polí- tico definido e não mantiveram a unidade necessária con- tra a repressão governamental. A Cabanagem foi o único movimento genuinamente popular do Período Imperial, em CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 87 V O LU M E 3 que camadas populares tomaram e mantiveram por certo período o poder em uma província. Fonte: Youtube Cabano – Ligia Saavedra multimídia: música 1.7.3. Sabinada (Bahia, 1837-1838) Liderada pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, a Sabinada teve início em setembro de 1837, resulta- do da insatisfação de segmentos sociais médios de Salvador com a realidade da província esquecida pelo poder central. Revoltados com o centralismo político regencial e com a imposição de presidentes à província, os revoltosos procla- maram a República Bahiense, que se separaria do Império Brasileiro provisoriamente até que D. Pedro II alcançasse a maioridade e assumisse o trono. Os grandes proprietários rurais baianos não apoiaram a revolta e auxiliaram a repressão governamental ao mo- vimento, que acabou sufocado. Casas foram incendiadas e rebeldes atirados às fogueiras. As estatísticas apontam para mais de 2 mil mortos. O líder, o médico Sabino, foi degredado para Goiás, de onde partiu para Mato Grosso, onde morreu algum tempo depois. O período das Regências – Marco Morel Esse volume apresenta o momento-chave que foi o período das Regências para a construção da nação brasileira, quando, ao custo de muitas vidas e despe- sas, garantiu-se a independência e o caminho de uma ordem nacional ao mesmo tempo próspera e desigual. multimídia: livro É importante destacar que os revoltosos baianos auxilia- ram na fuga de Bento Gonçalves do chamado Forte do Mar (atual Forte de São Marcelo), fugitivo que foi o grande líder da Revolução Farroupilha, ocorrida no Sul do Brasil. Fonte: Youtube O Brasil por Eduardo Bueno – A Sabinada multimídia: vídeo 1.7.4. Balaiada (Maranhão, 1838-1840) Nas primeiras décadas do século XIX, a economia ma- ranhense enfrentava uma séria crise, principalmente em virtude da concorrência norte-americana na produção e exportação de algodão. A retração econômica agravava a fome e a miséria de grande parte da população local. Fonte: Youtube Balaiada – uma história de amor e fúria multimídia: vídeo O poder político da província era disputado por liberais (“bem-te-vis”) e conservadores, que frequentemente recor- riam à violência para alcançar seus objetivos. Era comum a impunidade pelos crimes políticos, o que agrava a violência de ambas as partes. A instabilidade política e social favo- recia as constantes fugas de escravizados para quilombos, que, para sobreviver, saqueavam as fazendas. A revolta teve início quando o vaqueiro Raimundo Gomes, ligado aos “bem-te-vis”, e alguns companheiros atacaram a cadeia para libertar seu irmão preso e acusado de assas- sinato. Alguns soldados reuniram-se a eles e iniciaram uma marcha que receberia adesão de mestiços, escravizados e quilombolas, chefiados pelo negro Cosme e por artesãos, entre eles Francisco dos Anjos Ferreira, cujo ofício – fazer e vender balaios – derivou o nome da revolta. Como resultado da insatisfação das camadas populares com a miséria e a falta de compromisso das autoridades, o movimento não tinha objetivos bem definidos. Mesmo desorganizados, os rebeldes conseguiram tomar a cidade de Caxias, promovendo saques e ataques a diversas vilas. 88 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Fabricantes de balaios, século XiX. Em 1840, Luís Alves de Lima e Silva, futuro barão de Caxias, foi nomeado presidente da província, promovendo forte repressão aos revoltosos. Quando ascendeu ao trono, D. PedroII concedeu anistia aos rebeldes que ainda restavam e pôs fim ao movimento. 1.7.5. Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul e Santa Catarina, 1835-1845) O movimento revolucionário mais longo ocorrido no Brasil teve inicio no Rio Grande do Sul e, posteriormente, esten- deu-se para Santa Catarina, onde foram proclamadas, res- pectivamente, as Repúblicas de Piratini e Juliana. pintura de 1893 que homenageia a carga de caValaria Farroupilha. representações posteriores transFormaram essa braVura em característica dos gaúchos. museu júlio de castilhos. disponíVel em: . Entre as principais causas da Guerra dos Farrapos está a co- brança, pelo poder central, de altos impostos dos estanciei- ros criadores de gado, e dos charqueadores, dificultando a concorrência com o charque platino. Além disso, a excessiva centralização política do Império, que nomeava presidentes para a província sem consultas as mesmas, desagradava di- versos setores da elite local. Os revoltosos queriam mais autonomia provincial e o di- reito de escolher governantes mais sensíveis aos proble- mas da região e comprometidos com a solução deles. Por isso, a revolta foi encabeçada pelos grandes estancieiros, charqueadores, comerciantes e representantes da cúpula militar rio-grandense, interessada em atender aos inte- resses dessa elite, de caráter separatista e republicano. Sem preocupação social, não deveria haver divergências entre os farroupilhas. Aqueles preocupados com ques- tões sociais e econômicas, inclusive com a abolição da escravidão, confrontavam-se com os defensores de seus interesses pessoais. O Ato Adicional de 1834, embora determinasse a criação das Assembleias Legislativas Provinciais, não resolveu o problema das insatisfações gaúchas, uma vez que o presidente da província continuava a ser nomeado pelo governo central da Regência. Já na primeira reunião da Assembleia Gaúcha, em 1835, houve sérias divergên- cias entre os deputados estancieiros, liderados por Bento Gonçalves, e o presidente nomeado para a província, An- tonio Rodrigues Braga. Fonte: Youtube Hino Rio-Grandense multimídia: música Insatisfeitos, os estancieiros formaram uma tropa que ata- cou Porto Alegre, depôs o presidente da província e procla- mou a República Rio-grandense ou República de Piratini, nomeando Bento Gonçalves como presidente. A República gaúcha estimulou a criação de gado e a exportação do charque e do couro. A resposta do Governo Regencial foi imediata: enviou tro- pas para a região, que venceram os rebeldes em batalha próxima a Porto Alegre, prenderam Bento Gonçalves e o conduziram a uma prisão na Bahia. O prisioneiro recebeu ajuda dos rebeldes da Sabinada, conseguiu fugir da prisão e retornar ao Rio Grande do Sul, onde reassumiu a presi- dência da República de Piratini. Fonte: Youtube Céu Farroupilha – Mariê Nunes multimídia: música A partir de 1837, as forças rebeldes passaram a contar com a ajuda do revolucionário italiano Giuseppe Garibal- di, que, auxiliado pelo estancieiro Davi Canabarro e por seus homens, conseguiu estender a revolução até San- ta Catarina, em 1839. A princípio, tomaram a cidade de CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 89 V O LU M E 3 Laguna e proclamaram a Republica Juliana. Em Laguna, Giuseppe conheceu e se apaixonou por Anita Garibaldi, habilidosa amazona que chegou a lutar ao lado das tro- pas republicanas. giuseppe garibaldi, bento gonçalVes e daVi canabarro. Em 1840, simultaneamente ao início do Segundo Reinado, a Revolução Farroupilha perdia força, e se agravavam as discordâncias entre os revoltosos. Então, foi definida sua divisão em dois grupos: os “majoritários”, progressistas, e os “minoritários“, conservadores favoráveis a manter o Rio Grande do Sul como província do Império. Fonte: Youtube O Tempo e o Vento O filme retrata uma história de 150 anos da família Terra Cambará e da oponente família Amaral, a partir da pers- pectiva da personagem Bibiana. A história de lutas entre as duas famílias começa nas Missões e vai até o final do século XIX. O longa metragem apresenta também o perí- odo de formação do estado do Rio Grande do Sul e a dis- puta de território entre as coroas portuguesa e espanhola. multimídia: vídeo A Casa das Sete Mulheres – Letícia Wierzchowski Um envolvente romance histórico sobre a Revolução Farroupilha de 1835 e sete mulheres da família de Ben- to Gonçalves, comandante das tropas revolucionárias. O livro descreve as aventuras de sete gaúchas da famí- lia do general Bento Gonçalves, chefe da revolução que pretendia separar o Sul do resto do país. multimídia: livro Entre 1841 e 1842, o poder de decisão do conflito passou para as mãos dos conservadores. Em 1842, Luiz Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias, foi nomeado pelo Impera- dor presidente e comandante de armas da província. A sua missão era estabelecer a paz na região e a reintegração do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina ao Império. Com esse objetivo em mente, Caxias traçou uma estratégia dúbia, os- cilando entre violentos combates e concessões aos rebeldes. A posição social de prestígio e o poder econômico das lideranças rebeldes fizeram o Império tratar a revolução Farroupilha de maneira diferente dos outros movimentos populares. Apesar de combater o movimento, Caxias pro- curava uma solução negociada, atendendo a várias reivin- dicações dos rebeldes, o que não aconteceu com outros movimentos populares. Em 28 de fevereiro de 1845, foi firmado o Acordo de Ponche Verde, que estabelecia: § anistia dos envolvidos gaúchos; § incorporação dos farrapos ao exército nacional; § permissão para escolher o presidente de província; § devolução de terras confiscadas durante a guerra; § proteção ao charque gaúcho da concorrência externa com sobretaxa sobre o charque importado; e § libertação dos escravizados envolvidos. O Governo Imperial era contrário à libertação dos escraviza- dos do exército republicano. Entretanto, firmou-se a promes- sa de libertação que os rebeldes não aceitavam quebrar. A solução foi enviar soldados negros para outras regiões, onde foram trucidados pelas forças imperiais. Dessa maneira, re- duziu-se o número de escravizados alforriados na região. Fonte: Youtube A Casa das Sete Mulheres – O Filme Ambientada na década de 1830, durante a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, a trama conta a histó- ria da Guerra dos Farrapos a partir da visão das mulheres da família do líder dos revolucionários, Bento Gonçalves (Werner Schünemann). Durante os dez anos que durou o conflito, Ana Joaquina (Bete Mendes), Maria (Nívea Maria), Manuela (Camila Morgado), Rosário (Mariana Ximenes), Mariana (Samara Felippo), Caetana (Eliane Giardini) e Perpétua (Daniela Escobar) se refugiaram em uma estância para esperar a volta dos homens. O diário de Manuela conduz a narrativa. multimídia: vídeo 90 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 2. Segundo Reinado (1840-1889) Em julho de 1840, graças ao Golpe da Maioridade, D. Pe- dro II se tornou imperador do Brasil com apenas 14 anos. Era o início do Segundo Reinado. Tratava-se de uma hábil manobra dos liberais, que desejavam retomar o controle do poder central, do qual foram afastados desde a ascensão do regente Araújo Lima. Por intermédio da figura do impe- rador, em que se conjugavam prestígio e poder, e por meio da restauração do poder Moderador, esperava-se resgatar a estabilidade política do Império e controlar as rebeliões que ameaçavam a integridade do território. O estudo do Segundo Reinado pode ser dividido em três fases: o joVem pedro, aos doze anos de idade. FéliX émile taunaY (1837). § Estruturação (1840-1850) – período de consolida- ção do governo, marcado pela pacificação das revoltas que surgiram na regência e no próprio Segundo Reina- do, pela criação de leis voltadas para o equilíbrio interno e pela estruturação de dois grandes partidos (Liberal e Conservador). § Apogeu(1850-1870) – fase de prosperidade e de- senvolvimento econômico, realizações modernizantes e surto industrial, resultado das grandes rendas geradas pela exportação de café. Nesse período, o Império se envolveu em questões na Região Platina e na Guerra do Paraguai (1864–1870), vencendo-as todas, apesar de a última ter deixado grandes sequelas. § Declínio (1870-1889) – período de crescimento dos movimentos abolicionista e republicano, bem como de prestígio do Exército. O Império se envolveu em ques- tões que solaparam importantes bases de sua susten- tação, o que contribuiu para sua queda e para a Procla- mação da República. 2.1. Política interna do Segundo Reinado O Segundo Reinado se caracterizou pela disputa política e alternância à frente dos ministérios e gabinetes entre os partidos Liberal e Conservador. Este último era adep- to de mais centralização política. Fora isso, eram poucas as divergências ideológicas entre os dois partidos, que representavam basicamente os mesmos grupos sociais: grandes proprietário rurais, comerciantes e funcionários públicos ávidos pelo poder. Em 1840, D. Pedro II formou o primeiro ministério, compos- to por políticos do Partido Liberal responsáveis pelo Gol- pe da Maioridade. Ficou conhecido como Ministério dos Irmãos, pois dele faziam parte os irmãos Antonio Carlos e Martim Francisco de Andrada, os viscondes de Suassuna e Albuquerque, a família Cavalcanti e os irmãos Aureliano e Antonio Coutinho. No mesmo ano, foram realizadas as primeiras eleições do Segundo Reinado. No poder, os liberais utilizaram a coação, a fraude e a violência para garantir a vitória dos deputados de seu partido e a maioria das cadeiras no Congresso. Em função disso, essas eleições ficaram conhecidas como as “eleições do cacete”. Dois anos depois, os incidentes levaram D. Pedro II a anular as eleições e a dissolver o gabinete liberal, nomeando ou- tro, dessa vez composto pelos conservadores. No poder, eles restauraram o Conselho de Estado (Órgão do Poder Mode- rador extinto na Regência), o Código de Processo Criminal, modificado em 1841, e todo o aparelho judicial e adminis- trativo foi novamente concentrado pelo poder imperial. To- davia, as práticas eleitorais fundamentadas nas fraudes e na violência continuaram por todo o Segundo Reinado, sempre procurando favorecer o partido que estava no poder. Revoltados com a saída do poder e com a anulação das “eleições do cacete”, os liberais passaram a fomentar revoltas em algumas províncias, conhecidas como Revol- tas Liberais de 1842. Eclodiram movimentos em São Paulo, sob a liderança do ex-regente Feijó e do senador e ex-regente provisório Ni- colau Pereira de Campos Vergueiro. Em Minas Gerais, o movimento teve início na cidade de Barbacena, liderado por Teófilo Otoni. Reprimidos por Luís Alves de Lima e Silva, suas lideranças foram presas e anistiadas em 1844, quan- do um gabinete liberal ascendeu novamente ao poder. Tentando evitar atritos entre as facções políticas, em 1853, por iniciativa de Honório Hermeto Carneiro Leão, o Mar- quês do Paraná, foi formado o gabinete da Conciliação, composto por liberais e conservadores. A conciliação se caracterizou pela alternância política pacífica entre liberais e conservadores, que adotavam a mesma política no go- verno e na oposição. O gabinete durou até 1858, quando acabou desfeito devido à intrigas políticas. 2.1.1. Partidos políticos Atribuída ao político pernambucano Holanda Cavalcanti, uma famosa frase diz: “Nada se assemelha mais a um ‘sa- quarema’ do que um ‘luzia’ no poder”. “Saquarema” era CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 91 V O LU M E 3 o apelido dos conservadores e deriva do município flumi- nense de Saquarema, onde os principais chefes do partido possuíam terras e se tornaram famosos pelos desmandos eleitorais. “Luzia” era o apelido dos liberais, em alusão à Vila de Santa Luzia, em Minas Gerais, onde ocorreu a maior derrota deles durante as Revoltas Liberais de 1842. d. pedro ii representado como o poder moderador entre os partidos liberal e conserVador. graVura de henrique Fleiuss (1824-1882) Ainda que as diferenças entre os partidos Liberal e Conser- vador não fossem marcantes, seus programas apresenta- vam pontos que os distinguiam. Os liberais defendiam mais autonomia provincial, justiça eletiva, separação da política e da justiça, redução do po- der moderador, eleição direta nas cidades maiores, senado temporário, abolição da Guarda Nacional, liberdade de consciência, de educação, do comércio e da indústria. A composição social dos liberais contava com profissionais li- berais, comerciantes e donos de terras de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Os conservadores defendiam o fortalecimento do poder central e moderador e o controle centralizado da magis- tratura e da polícia. Coube a eles imprimirem o tom e defi- nirem o conteúdo político do Estado Imperial. Em geral, os conservadores eram donos de terras e burocratas. Tanto liberais quanto conservadores não tinham problemas em mudar de lado ou defender propostas que lhes interes- sassem pessoalmente, o que criou um perfil ideologicamente frouxo e de pouca convicção para os partidos do período. A manutenção da estrutura escravista de produção e a alienação das massas do processo político era o denomi- nador comum dos partidos. Ao mesmo tempo em que se mantinham os privilégios da elite, evitava-se a ascensão social dos menos favorecidos, mantendo a estrutura po- lítica quase intacta. A pacificação do país depois do fim da Guerra dos Farra- pos, em 1845, fez o Sul voltar a fazer parte da nação. No fim da década de 1840, o Império estava suficientemente calmo e assentado no revezamento dos partidos no poder. 2.2. O parlamentarismo “às avessas” Em 1847 foi criado o cargo de Presidente do Conselho de Mi- nistros – primeiro-ministro –, que formalizava a implantação do sistema Parlamentarista no Brasil. A pouca idade e inexpe- riência do Imperador D. Pedro II e a influência inglesa no Brasil foram as razões para a implantação do novo sistema. Contudo, o parlamentarismo brasileiro funcionava de manei- ra diferente do britânico. No sistema britânico, o povo elegia os membros do Parlamento, e o partido que obtivesse mais votos ganhava o direito de indicar o primeiro-ministro, que, por sua vez, indicava os demais ministros. Além disso, o pri- meiro-ministro tornava-se Chefe de Governo, enquanto o rei era Chefe de Estado, representando o país no exterior e res- guardando internamente o sistema com o poder de demitir o primeiro-ministro, dissolver o parlamento e convocar novas eleições. Daí a frase: “O rei reina, mas não governa”. No Brasil, o Imperador se utilizava do Poder Moderador para nomear o primeiro-ministro e os demais ministros e, somente depois, convocava eleições. Se o primeiro-ministro fosse con- servador, procurava-se a qualquer custo garantir a vitória dos conservadores; se fosse liberal, fazia-se o mesmo para garan- tir a maioria liberal no Legislativo. Por funcionar de maneira diferente do modelo clássico inglês, o parlamentarismo bra- sileiro era chamado de “parlamentarismo às avessas”. Daí a frase:”O rei reina, governa e administra”. Funcionamento do parlamentarismo no Brasil 2.3. Revolução Praieira (Pernambuco, 1848) Entre as principais causas da Revolução Praieira é possível destacar a situação de Pernambuco, os movimentos libe- rais ocorridos em 1848 (“Primavera dos povos”) na Europa e a excessiva centralização política do Império. A concentração de terras e a exclusão social e política da maioria da população predominavam na província. Cerca de um terço dos engenhos concentrava-se em poder da família Cavalcanti, o que bem atesta uma trovinha popu- lar da época: Quem nascer em Pernambuco, Deve ser desenganado, Ou há de ser Cavalcanti Ou há de ser cavalgado... 92 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 O restante das melhores terras estava em poder das famíliasRego Barros, Souza Leão e Albuquerque Maranhão. A con- centração fundiária provocava a miséria e a dependência da maioria da população. O comércio na província era controla- do por portugueses, que se recusavam a oferecer trabalho a brasileiros, agravando a exclusão social na região. A política pernambucana era controlada pelos Cavalcanti, que comandavam tanto o Partido Liberal quanto o Con- servador, garantindo sua perpetuação no poder. Os liberais mais radicais, revoltados com a situação, fundaram um novo partido para se opor aos latifundiários. Como a sede do novo partido ficava situada no prédio do jornal Diário Novo, na Rua da Praia, no Recife, o partido ficou conhecido como partido da Praia, e seus membros, como os praieiros. Suas ideias comportavam propostas do socialismo utópico, do nacionalismo e do liberalismo. a rebelião começou em olinda e logo se alastrou pelo interior da proVíncia. O movimento praieiro eclodiu em novembro de 1848, quando o liberal Antonio Pinto Chichorro da Gama foi de- mitido da presidência de Pernambuco e substituído pelo conservador Herculano Pena. Os principais líderes do mo- vimento foram o próprio Chichorro da Gama, o capitão Pe- dro Ivo Veloso, os deputados Nunes Machado e Felix Pei- xoto de Brito e o jornalista e proprietário do Jornal Diário Novo, Antonio Borges da Fonseca, autor do “Manifesto ao Mundo”, que trazia as principais reivindicações dos revoltosos: República, federalismo, voto universal, liberda- de de imprensa, nacionalização do comércio, extinção do senado vitalício e do Poder Moderador, independência dos poderes, garantia de emprego para os brasileiros, expulsão dos portugueses e reforma do Poder Judiciário de forma a assegurar os direitos individuais dos cidadãos. O programa não trazia proposta de grandes mudanças nas estruturas sociais, como abolição da escravatura ou limites ao latifúndio, mesmo porque era liderado por membros da elite revoltados com o autoritarismo e o centralismo impe- rial e não contra o status quo da sociedade local. Ocorreram combates em Recife, Olinda e no interior, com constantes derrotas dos rebeldes, numa das quais morreu Nunes Machado. Pedro Ivo e Borges da Fonseca decidi- ram atacar a Paraíba, onde o último foi morto e o primei- ro ofereceu resistência até ser preso em 1850. Conhecido como “Capitão da Praia”, Pedro Ivo foi levado para o Rio de Janeiro, de onde conseguiu fugir em um navio com destino à Europa. Faleceu logo depois de o navio zarpar. A liberdade de imprensa foi concedida na província. Em 1852, os rebeldes presos foram anistiados, encerrando definitivamente o movimento e inaugurando um período de paz e estabilidade no Segundo Reinado. www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/rev_norte.html mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/periodo- -regencial.htm sala19.wordpress.com/2009/08/06/o-segundo-reinado- -brasileiro-1840-1889-a-politica-interna/ histfacil.blogspot.com.br/2009/09/segundo-reinado-poli- tica-interna.html multimídia: site CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 93 V O LU M E 3 CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS História e Sociologia O desejo de autodeterminação dos povos, muito fortalecido no momento de vacância do trono nacional, fez com que eclodissem inúmeras revoltas pelo Brasil. As revoltas de cunho social (Cabanagem e Balaiada) desejavam alcançar melhores condições de vida, além de conseguir auxílio do governo federal, que negligenciava essas popu- lações. Outras revoltas tiveram caráter político, buscando autonomia frente à instabilidade da regência e desejando a autodeterminação. Ainda deve ser destacada a Revolta dos Malês, escravizados muçulmanos que desejavam a liberdade e, apesar de massacrados em uma noite, expuseram uma questão que estaria na pauta de discussões nos anos seguintes: a abolição da escravidão. jean baptiste debret, negro de origem mulçulmano, Viagem pitoresca e histórica ao brasil. 94 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM HABILIDADE 13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder. A Habilidade 13 é muito cobrada em questões da história brasileira, uma vez que se trata de um tema repleto de manifestações políticas e profundamente marcado pela atuação de movimentos sociais. O pe- ríodo tratado especificamente aqui, a Regência (1831-1840), foi notadamente marcado por diversas ma- nifestações que colocaram a unidade territorial brasileira em xeque. Em geral, as questões do Enem não exigem conhecimentos específicos de cada manifestação, mas uma contextualização geral desse período. MODELO 1 (Enem) Após a abdicação de D. Pedro I, o Brasil atravessou um período marcado por inúmeras crises: as diversas forças políticas lutavam pelo poder e as reivindicações populares eram por melhores condições de vida e pelo direito de participação na vida política do país. Os conflitos representavam também o protesto contra a centra- lização do governo. Nesse período, ocorreu também a expansão da cultura cafeeira e o surgimento do poderoso grupo dos”barões do café”, para o qual era fundamental a manutenção da escravidão e do tráfico negreiro. O contexto do período regencial foi marcado: a) por revoltas populares que clamavam a volta da monarquia; b) por várias crises e pela submissão das forças políticas ao poder central; c) pela luta entre os principais grupos políticos que reivindicavam melhores condições de vida; d) pelo governo dos chamados regentes, que promoveram a ascensão social dos “barões do café”; e) pela convulsão política e por novas realidades econômicas que exigiam o reforço de velhas realidades sociais. ANÁLISE EXPOSITIVA O período regencial é normalmente entendido como “de crise”, perceptível pelas grandes rebeliões que ocorreram nas diversas regiões do Brasil, levadas a cabo pelas camadas excluídas do poder e agravadas pela exclusão econômica e social em alguns casos. O tráfico ainda existiu por quase 20 anos após a abdicação de D. Pedro I. A Lei de 1831 do ministro Feijó não foi cumprida, dada a tendência da elite tradicional em manter o braço escravo na lavoura (situação que se modificou, em grande parte, fruto das pressões inglesas). RESPOSTA Alternativa E CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 95 V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS PERÍODO REGENCIAL 1831 (ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I ) / 1840 (GOLPE DA MAIORIDADE) CARACTERÍSTICAS PARTIDO LIBERAL PARTIDO CONSERVADOR PROGRESSISTAS REGRESSISTAS PRIMEIRO REINADO PERÍODO REGENCIAL SEGUNDO REINADO • DISPUTAS PARTIDÁRIAS PELO PODER • REVOLTAS NAS PROVÍNCIAS • AMEAÇA À UNIDADE TERRITORIAL • MANUTENÇÃO DA GRANDE PROPRIEDADE ESCRAVOCRATA CORRENTES POLÍTICAS PARTIDO LIBERAL EXALTADO PARTIDO LIBERAL MODERADO PARTIDO RESTAURADOR PARTIDO RESTAURADOR PARTIDO LIBERAL PARTIDO PORTUGUÊS PARTIDO BRASILEIRO 96 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 GOLPE DA MAIORIDADE (1840) REGÊNCIA UNA PERMANENTE (1831-1834) REGÊNCIA TRINA PROVISÓRIA (1831) REGENTE FEIJÓ (1834-1837) REGENTE ARAÚJO LIMA (1837-1840) • SUSPENDE O PODER MODERADOR • AVANÇO LIBERAL • REGRESSO CONSERVADOR • CRIAÇÃO DA GUARDA NACIONAL • ATO ADICIONAL (À CONSTITUIÇÃO) DE 1834 MEDIDAS LIBERAIS AUTONOMIA PROVINCIAL CRIA A REGÊNCIA UNA CRISE INSTITUCIONAL CRISE ECONÔMICA REVOLTAS 1837 - RENÚNCIA LIMITA PODER DO ATO ADICIONAL REVOLTAS REGÊNCIA MECANISMO CONSTITUCIONAL REVOLTA QUANDO PROVÍNCIA AMBIENTE QUEM MALÊS 1835 BAHIA URBANO (SALVADOR) ESCRAVIZADOS NEGROS ISLÂMICOS CABANAGEM 1835-1840 GRÃO-PARÁ BELÉM E INTERIOR DA PROVÍNCIA ELITE, COMERCIANTES, LIBERTOS, ÍNDIOS, ESCRAVIZADOS NEGROS SABINADA 1837-1838 BAHIA URBANO (SALVADOR) SETORES MÉDIOS BALAIADA 1838-1841 MARANHÃO RURAL (SUL DO MARANHÃO) POBRES LIVRES E ESCRAVIZADOS FARROUPILHA 1835-1845 RIO GRANDE DO SUL INTERIOR DO RS E PORTO ALEGRE ELITE CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 97 V O LUM E 3 POLÍTICA INTERNA REVOLTA SISTEMA POLÍTICO “PARLAMENTARISMO ÀS AVESSAS” REVOLUÇÃO PRAIEIRA (PERNAMBUCO - 1848) CONSELHO DE ESTADO (ÓRGÃO CONSULTIVO) ELEIÇÕES (VOTO CENSITÁRIO) IMPERADOR PODER MODERADOR PRESIDENTE DO CONSELHO DE MINISTROS (PODER EXECUTIVO) SENADO (PODER LEGISLATIVO) ESTRUTURAÇÃO (1840-1850) CÂMARA DOS DEPUTADOS (PODER LEGISLATIVO) NOMEIA ORGANIZA APROVA ELEGEM NOMEIA ESCOLHE • FEDERALISMO • REPÚBLICA • VOTO UNIVERSAL • LIBERDADE DE IMPRENSA • NACIONALIZAÇÃO DO COMÉRCIO • FIM DO PODER MODERADOR E DO SENADO VITALÍCIO PAUTAS DERROTADA 98 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 1. Política externa do Segundo Reinado Durante o Segundo Reinado, a política externa brasileira foi marcada por uma aproximação mais estreita entre o Brasil e a Inglaterra. Esse fato aumentou a dependência brasileira em relação ao capital britânico, especialmente depois da Guerra do Paraguai, não obstante o rompimento de relações diplomáticas entre os dois países em virtude da Questão Christie (entre 1863 e 1865). Nesse período, o Brasil consolidou sua hegemonia na Amé- rica do Sul em meio a diversos conflitos na Região Platina, com destaque para a Guerra do Paraguai, que atingiu dire- tamente o Império e contribuiu significativamente para sua posterior queda. dom pedro ii, imperador do brasil, em 1850. François rené moreauX (1807-1860). museu imperial, rio de janeiro (rj). 1.1. A Questão Christie (1861-1865) Em 1863, um incidente diplomático que ficou conhecido como Questão Christie provocou o rompimento das rela- ções entre Brasil e Inglaterra. O incidente foi resultado da absoluta falta de habilidade política do embaixador inglês no Brasil, William Christie, que transformou questões sérias em um escândalo diplomático. Os problemas começaram em 1861, quando o navio inglês Prince of Walles, que naufragou no litoral do Rio Grande do Sul, teve a carga saqueada. Além disso, a tripulação desa- parecera. O embaixador exigiu uma indenização pela car- ga e uma investigação acompanhada por um oficial inglês para punir os responsáveis pelo saque. O Brasil admitiu, depois de muita relutância, pagar a indenização, mas não aceitou a interferência britânica nas investigações, contra- riando o embaixador William Christie. “Em um quadro de forte sentimento antibritânico ha- via décadas, Daryle Wiliams, professor da Universida- de de Maryland, nos Estados Unidos, mostrou que foi por denunciar as tentativas de burlar a proibição ao tráfico negreiro e à escravização ilegal de africanos e seus descendentes na década de 1850 que Christie e outros diplomatas britânicos caíram em desgraça no país e fizeram com que os incidentes de 1863 ganhas- sem uma proporção muito maior do que mereciam.” keila grinberg. departamento de história da uniVersidade Federal do estado do rio de janeiro. disponíVel em: . Em 1862, para agravar a situação, oficiais da marinha bri- tânica que serviam na fragata Fort foram presos no Rio de Janeiro por embriaguês e desordem. A prisão dos oficiais desagradou o embaixador Christie, que exigiu a punição dos policiais brasileiros responsáveis por elas e voltou a exi- gir a indenização pela carga do navio naufragado. Como o governo imperial se recusava a atender às exigên- cias do embaixador e protelava uma resposta sobre a in- denização, em represália, a Inglaterra ordenou o bloqueio naval dos portos do Rio de Janeiro. Aprisionou cinco navios brasileiros, fato que gerou grande manifestação popular antibritânica no Rio de Janeiro e em algumas províncias. Temendo mais represálias por parte dos ingleses, D. Pedro II procurou acalmar os ânimos pagando a indenização pe- dida (6.525 libras e 19 cents em valores da época), mas rompeu relações com a Inglaterra e submeteu o conflito à arbitragem internacional do rei belga Leopoldo. O rei ouviu as duas partes e concedeu parecer favorável ao Brasil, determinando que a Inglaterra pedisse desculpas oficiais pelo incidente. Em face da recusa britânica de se desculpar, o governo brasileiro manteve o rompimento das relações diplomáticas com a Inglaterra em 1863. SEGUNDO REINADO: POLÍTICA EXTERNA E ECONOMIA COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4 e 5 HABILIDADE(s) 1, 4, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 18 e 22 CH AULAS 21 E 22 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 99 V O LU M E 3 Para o governo de Londres, ficou claro que era mau negócio a ruptura com o Brasil, país que dava grandes vantagens aos ingleses pelas importações e empréstimos tomados. Em 1865, com a Guerra do Paraguai em curso, o governo britânico tomou a iniciativa de pedir desculpas formais e reatar relações com o Império brasileiro. Em seguida, ban- queiros ingleses fizeram um grande empréstimo ao Brasil para financiar a guerra. 1.2. As questões platinas mapa da bacia platina O Brasil se envolveu em questões com o Uruguai e a Ar- gentina, intervindo na política interna de ambos para ga- rantir o poder a seus aliados com os seguintes objetivos: manter livre a navegação dos rios platinos, essenciais à comunicação com as províncias do Centro-Oeste e Sudeste (principalmente o Mato Grosso); evitar a reconstituição do Vice-Reinado do Prata (Argentina, Uruguai, Paraguai e Bo- lívia); e garantir sua hegemonia na Região Platina. 1.2.1. A intervenção contra Oribe e Aguirre (Uruguai, 1851-1854) Depois da independência, o Uruguai viu-se mergulhado num período de intensa disputa política entre dois parti- dos: o Colorado, representante dos comerciantes de Mon- tevidéu, chefiados por Frutuoso Rivera, e o Blanco, liderado por Manuel Oribe, que representava os interesses dos pe- cuaristas do interior do país. Oribe contava com a ajuda do ditador argentino Juan Manuel Rosas, enquanto o governo de Rivera, em Montevidéu, era ajudado pelo Brasil. Em 1851, o Brasil interveio no Uruguai para derrubar Ma- nuel Oribe, do Partido Blanco, e entregar o poder ao Partido Colorado, comandado por Frutuoso Rivera e aliado brasileiro. Em 1864, os Blancos retomaram o poder no Uruguai, li- derados por Atanásio Aguirre, que apoiou os ataques de pecuaristas locais às fazendas gaúchas da fronteira e, pos- teriormente, recusou-se a pagar as indenizações exigidas pelo governo brasileiro. Essa recusa levou tropas brasilei- ras, comandadas pelo general Mena Barreto, a invadirem o Uruguai, depor Aguirre e recolocar os Colorados no poder com Venâncio Flores, que assinou A Convenção de Paz, em 20 de fevereiro de 1865, atendendo às exigências brasilei- ras, ao mesmo tempo em que o Brasil devolvia ao Uruguai as terras sob seu controle. 1.2.2. A intervenção contra Rosas (Argentina, 1852) A ditadura de Juan Manuel Rosas teve início na década de 1830, em meio à luta entre federalistas e unitaristas que, durante longos anos, ensanguentou a Argentina. Os federalistas representavam as províncias do interior do país e lutavam por mais autonomia provincial e descentra- lização política. Os unitaristas defendiam a centralização, com a hegemonia comercial e política da região do porto de Buenos Aires sobre o restante do país. A política do ditador argentino, que ameaçava a livre na- vegação dos rios e a independência do Uruguai, contra- riava os interesses do Brasil. Em razão disso, o governo imperial passou a ajudar os adversários de Rosas, lidera- dos por Justo José de Urquisa, governador da província de Entre Rios. Em 1852, o Império brasileiro interveio na Argentina e depôs o ditador Francisco Rosas, do partido federalista. Vitoriosos, os unitaristas assumiram o poder no país, que passou a ser governado por Urquiza. 1.3. Guerra do Paraguai (1864-1870) 1.3.1. As causas da guerra O estopim do maior e mais sangrento conflito na América do Sul teve início com o ato de represália do ditador para- guaio Solano López contra a deposição de seu aliado, Ata- násio Aguirre, do Partido Blanco, no Uruguai. Em novembro de 1864, López determinou a apreensão do navio brasi- leiro Marquêsde Olinda, que navegava pelo rio Paraguai em direção ao Mato Grosso, e não atendeu ao ultimato brasileiro pela libertação do navio. López rompeu relações com o Império brasileiro em dezembro de 1864 e atacou o sul do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. A atitude paraguaia dava início à concretização do sonho de Solano López de criar o “Paraguai Mayor”, ou seja, de estender o território do país até o litoral do oceano Atlântico, conquistando uma saída para o mar pelas ter- ras brasileiras, uruguaias e argentinas. “No Brasil, a partir da década de 1960, havia uma in- terpretação que culpava o imperialismo britânico por fomentar a guerra a fim de destruir a suposta auto- nomia econômica do Paraguai. Por isso, tanto o Brasil quanto a Argentina teriam sido meros fantoches a serviço do capitalismo britânico, que se constituiria no único vencedor do conflito. 100 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Segundo o historiador Francisco Doratioto, a guerra fez parte do processo de consolidação dos Estados nacionais da região. A livre navegação dos rios Pa- raná e Paraguai era fundamental para o Império Brasileiro, única entrada para a Província de Mato Grosso. Desde sua independência, a Argentina ti- nha a aspiração de formar uma grande nação com a incorporação do Uruguai (independente do Brasil em 1828) e do Paraguai, cuja independência só foi reconhecida em 1852. Tratou-se, portanto, de uma relevante questão geopolítica.” (prado, maria ligia; pellegrino, gabriela. história da américa latina. são paulo: conteXto, 2014, p. 68). 1.3.2. A guerra Em maio de 1865, foi firmada uma aliança militar entre Argentina, Brasil e Uruguai denominada Tríplice Aliança e apoiada pela Inglaterra. No início da guerra, o exército pa- raguaio contava com cerca de 90 mil homens, além de pól- vora e armamentos fabricados em seu território, enquanto os exércitos da Tríplice Aliança contavam com mais ou menos 30 mil homens e dependiam totalmente de armas e munições importadas da Inglaterra. Para reforçar o exército brasileiro, D. Pedro II convocou os escravizados, prometendo a eles e às suas esposas e filhos a garantia da liberdade ao fim da guerra. A Tríplice Aliança foi comandada inicialmente pelo presi- dente argentino Bartolomé Mitre. Sob seu comando, os aliados venceram a batalha naval do Riachuelo, em junho de 1865, bloqueando a ofensiva Paraguaia. A partir daí, todas as batalhas ocorreram em território paraguaio. Durante o conflito, as forças da Tríplice Aliança cresce- ram, com predominância de aproximadamente dois ter- ços de brasileiros, entre 135 mil e 200 mil, para uma população brasileira masculina estimada, à época, em 4,9 milhões de indivíduos. Em 1867, as tropas aliadas passaram a ser comanda- das por Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Naquele mesmo ano, Argentina e Uruguai se retiraram da guerra alegando problemas econômicos. Caxias reorganizou e reaparelhou as tropas, comprou ar- mas e canhões, filtros de água para evitar a epidemia de cólera e estendeu cabos telegráficos até a região do com- bate para facilitar as comunicações. Sob seu comando, ocorreram as vitórias brasileiras de Itororó, Avaí e Lomas Valentinas. Em 1869, Assunção foi tomada, e Solano Ló- pez se retirou para o interior, de onde continuou a re- sistir. Alegando problemas de saúde, Caxias solicitou seu desligamento do comando das tropas e foi substituído pelo genro de D.Pedro II, Gastão de Orléans, o Conde d’Eu. Este perseguiu Solano López até Cerro Corá, onde, derrotado, o ditador paraguaio se suicidou, encerrando definitivamente o conflito em 1870. batalha naVal do riachuelo, de Victor meirelles. A Guerra É Nossa - a Inglaterra Não Provocou a Guerra do Paraguai – Alfredo da Mota Menezes Este livro conta a história das mudanças na socie- dade e na economia brasileiras a partir da segunda metade do século XIX, depois da transformação do café no principal produto de exportação brasileiro. Aborda o processo de desenvolvimento econômico e social em virtude da expansão da lavoura cafeeira e as transformações ocorridas no campo e na cidade: a substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho dos imigrantes, a expansão das ferrovias, da indústria e da fronteira agrícola, a urbanização, os novos seto- res sociais, o avanço tecnológico e a industrialização e intensificação da vida artística e cultural. multimídia: livro CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 101 V O LU M E 3 A Guerra do Paraguai – Luiz Otávio de Lima Um épico latino-americano de interesse universal. Maior confronto armado da história da América do Sul, a Guer- ra do Paraguai é uma página desbotada na memória do povo brasileiro. Passados quase 150 anos das últimas batalhas deste conflito sangrento que envolveu Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o tema se apequenou nos livros didáticos e se restringiu às discussões acadêmicas. multimídia: livro 1.3.3. Consequências da guerra A guerra custou ao Paraguai consequências devastado- ras: dizimação quase total da sua população, economia em ruínas e perda de parte de seu território para Brasil e Argentina, que passaram a fazer ingerências em suas questões internas. Estima-se que morreram 99% da po- pulação adulta masculina e 55% da feminina. Mergu- lhado em grave crise econômica, o Paraguai nunca mais conseguiu se recuperar. A vitória na guerra consolidou a hegemonia do Brasil no continente, mas agravou sua situação econômica em virtu- de da elevação da dívida externa e do aumento da depen- dência brasileira em relação à Inglaterra. O Exército saiu fortalecido. Grande parte de seus membros assumiram po- sições abolicionistas e republicanas, passando a contestar o regime imperial. mapa dos territórios perdidos pelo paraguai na guerra. Fonte: Youtube Netto Perde Sua Alma Antônio de Souza Netto, general brasileiro, é ferido du- rante a Guerra do Paraguai (1861-1866) e recolhido ao Hospital Militar de Corrientes, na Argentina. No hospi- tal, o general percebe que coisas estranhas acontecem ao seu redor. Um paciente, o capitão de Los Santos, acu- sa o cirurgião de amputar suas pernas sem necessidade. Nessa mesma noite, Netto recebe a visita de um antigo camarada, o sargento Caldeira, ex-escravizado. multimídia: vídeo Maldita Guerra – Francisco Doratioto Escrito em linguagem clara e objetiva, este livro é fruto de quinze anos de pesquisas em arquivos e bibliotecas do Brasil, do Rio da Prata e da Europa. Francisco Dora- tioto, graduado em história pela USP e doutor em his- tória das relações internacionais pela Universidade de Brasília, viveu durante três anos no Paraguai, o que lhe permitiu visitar locais e conhecer a memória oral ainda existente sobre a guerra. multimídia: livro 2. Economia e sociedade 2.1. As transformações na estrutura socioeconômica brasileira A partir dos anos 1850, o Brasil passou por um conjunto de transformações econômicas e sociais em virtude da expan- são cafeeira. Assim, assumiu-se definitivamente a liderança das exportações conjugada às transformações do capitalis- mo internacional. O café, embora um gênero agrário, exigiu um conjunto de ações que resultaram em uma modernização do con- junto da população e em melhorias na infraestrutura e 102 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 no desenvolvimento do mercado interno (bancos, portos, ferrovias, urbanização, iluminação, comércio). Os avanços só não foram maiores porque esbarraram na mentali- dade conservadora das elites agrárias que detinham o poder. Não obstante, é possível destacar algumas inicia- tivas, como as de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, que teve papel fundamental no relativo surto industrial vivido naquele momento. A propósito da mão de obra, a pressão dos ingleses pela abolição da escravidão se intensificou, pois a Inglaterra necessitava que os capitais investidos no tráfico fossem liberados para aplicação na infraestrutura a fim de que seexpandissem os mercados consumidores dos produtos industrializados. Havia, ainda, a necessidade de que o tra- balho assalariado se tornasse a forma dominante da explo- ração da força de trabalho. Com a proibição do tráfico negreiro por meio da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, os senhores de escravizados precisa- ram criar alternativas para a substituição do trabalho escra- vo. Nesse sentido, a alternativa imigrantista surgiu como a solução ideal dos problemas da transição do trabalho escra- vo para o trabalho livre e assalariado. Fonte: Youtube Brasil Império – O ciclo do café brasileiro no século XIX multimídia: vídeo 2.2. A economia cafeeira Depois da independência política, o Brasil manteve sua economia estruturada em bases coloniais, com predomi- nância do latifúndio agrário-exportador e escravista, o que agravava a sua dependência externa. Ao longo do Primeiro Reinado e do Período Regencial, a grande lavoura exporta- dora entrou em crise, provocando sérias dificuldades finan- ceiras. Além disso, a pequena arrecadação devido às baixas taxas alfandegárias praticadas em virtude dos acordos re- alizados com várias nações, especialmente a Inglaterra, em troca do reconhecimento da Independência brasileira. Com a transformação da lavoura cafeeira na principal base da economia nacional, o cenário da crise econômica come- çou a mudar no final da Regência, alterando-se significati- vamente durante o Segundo Reinado. o ramo de caFé, que passou a Fazer parte da bandeira do brasil imperial, atesta a importância do produto na economia nacional à época. 2.2.1. Café: das origens à expansão Originário da Etiópia, o café ganhou significativa aceitação entre os povos árabes, que conheceram o produto por volta do século XV. Da Arábia, o produto foi introduzido na Euro- pa em meados do século XVI, onde fez muito sucesso gra- ças ao sabor e às propriedades estimulantes e medicinais. O café chegou à América por volta do século XVII e passou a ser produzido em larga escala na América Central, tendo o Haiti como seu principal produtor. No Brasil, o café chegou no início do século XVIII, contraban- deado da Guiana Francesa pelas mãos do oficial português Francisco de Melo Palheta, que trouxe as primeiras mudas e instalou as primeiras grandes lavouras no Rio de Janeiro, onde a cultura cafeeira alcançou grande desenvolvimento. Os instrumentos básicos de trabalho eram baratos. Em com- pensação, o cafeeiro, além de ser uma planta frágil, sensível às geadas, não produz imediatamente após o plantio, exi- gindo grandes e constantes investimentos de capitais. Dado o modelo agroexportador baseado na grande propriedade escravista, os pequenos proprietários ficaram de fora da possibilidade de cultivá-lo. O capital investido no início da expansão cafeeira foi re- colhido internamente, uma vez que os estrangeiros não se expunham ao risco de investir em um país que se debatia em profunda crise econômica. A situação não foi a mesma da época açucareira, quando os capitais flamengos foram responsáveis pelo financiamento. As somas iniciais investidas no plantio eram significativas. Em geral, os pioneiros na implantação das culturas cafe- eiras foram os comerciantes da capital, enriquecidos pela intermediação de compra e venda de produtos agrícolas. Comercializavam a própria produção e retinham a maior parte da renda gerada. As condições gerais da economia favoreciam a lavoura ca- feeira. Havia mão de obra escrava ociosa graças à decadên- cia das minas. As terras continuavam à disposição em larga escala e a baixo preço. A facilidade de obtenção dos fatores CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 103 V O LU M E 3 de produção encorajou os investidores a tentarem o café. Além disso, não havia grandes opções para inversões dos capitais obtidos no comércio. Ao mesmo tempo, difundia-se o hábito de beber café. O produto brasileiro ganhava os mercados da Europa e dos Estados Unidos. transporte de caFé por escraVos. graVura. jean-baptiste debret. Na primeira metade do século XIX, a lavoura cafeeira se expandiu no Vale do Rio Paraíba do Sul, em territórios do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais, embora as principais culturas tenham se estabelecido nas terras do extenso Vale do Paraíba, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nelas, a produção de café estruturou-se nos moldes da plantation, caracterizada pelo latifúndio agrário-exportador escravista. Por volta da década de 1830, o produto já se destacava em primeiro lugar nas exportações brasileiras, representando aproximadamente 25% delas. Nas décadas seguintes, essa por- centagem só aumentou. Brasil – Exportação de mercadorias (% do valor dos oito produtos principais sobre o valor total da exportação) Decênio Total Café Açúcar Cacau Erva-mate Fumo Algodão Borracha Couro e Peles 1821-1830 85,8 18,4 30,1 0,5 – 2,5 20,6 0,1 13,6 1831-1840 89,8 43,8 24,0 0,6 0,5 1,9 10,8 0,3 7,9 1841-1850 88,2 41,4 26,7 1,0 0,9 1,8 7,5 0,4 8,5 1851-1860 90,9 48,8 21,2 1,0 1,6 2,6 6,2 2,3 7,2 1861-1870 90,3 45,5 12,3 0,9 1,2 3,0 18,3 3,1 6,0 1871-1880 95,1 56,6 11,8 1,2 1,5 3,4 9,5 5,5 5,6 1881-1890 92,3 61,5 9,9 1,6 1,2 2,7 4,2 8,0 3,2 1891-1900 95,6 64,5 6,6 1,5 1,3 2,2 2,7 15,0 2,4 Explica-se o crescimento das exportações brasileiras graças à queda da produção haitiana, à difusão do hábito de tomar café na Europa e nos EUA e à boa adaptação do produto ao solo e ao clima brasileiros, destacadamente na Região Sudeste. A produção de café se expandiu do Vale do Paraíba para o chamado Oeste Paulista, nas regiões das cidades de Campinas, Rio Claro, Limeira, Itu, Ribeirão Preto, Catanduva e Franca. Nessas regiões, observava-se, entre os produtores de café, uma men- talidade mais adequada às exigências do capitalismo de meados do século XIX, pois os senhores procuravam se adequar cada vez mais às exigências do mercado externo e modernizar a produção. Nas três últimas décadas do século XIX, a região do Oeste paulista se tornou a principal área produtora e exportadora de café do país, e os fazendeiros da região passaram a amealhar mais poder econômico e prestígio político, o que lhes favore- ceria o predomínio político nacional. 104 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Apesar de a produção do Oeste Paulista seguir as características gerais da agricultura do Vale do Paraíba, como o uso de grandes propriedade e diversas técnicas de produção, os solos de terra roxa eram mais propícios e mais bem aproveitados racionalmente para a lavoura cafeeira. Além disso, no Oeste Paulista foram introduzidas importantes modernizações na produção, como o arado, as máquinas e a mão de obra livre dos imigrante, compostos principalmente por italianos, espanhóis e alemães. a marcha do caFé 2.3. A imigração europeia para o Brasil A necessidade de extinção do trabalho escravo impôs à classe dominante brasileira, particularmente aos fazendei- ros de café, o desafio de pensar como promover a passa- gem do trabalho escravo para o livre. A aprovação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, trouxe como consequência imediata o tráfico interprovincial de es- cravizados da região Nordeste para o Sudeste, especialmen- te para os cafezais do Vale do Paraíba e do Oeste paulista. Também ocorreram tentativas da criação de fazendas de procriação de escravizados. Nessas fazendas, buscava-se a aquisição de novos escravos por meio de relações sexuais não consentidas pelas mulheres, com abortos e suicídios sendo o resultado comum dessa prática, que levou o Brasil a criar a Lei do Ventre Livre (1871), extinguindo o processo. Ao perceberem a proximidade do fim da escravidão no Brasil, mesmo porque o tráfico interprovincial não conse- guira atender à demanda de escravizados para os cafezais, os prósperos fazendeiros do Oeste Paulista começaram a pensar na possibilidade de importar trabalhadores brancos europeus para substituírem os escravizados. trabalho de imigrantes nas laVouras de caFé. acerVo do museu da imigração.Paralelamente aos projetos de promoção da imigração, o governo fazia aprovar, em 1850, a Lei de Terras, que determinava que as terras devolutas (desocupadas) passa- riam para o controle do Estado, que poderia vendê-las. A Lei de Terras subiu o custo para a aquisição e regularização da terra de acordo com seu objetivo: criar obstáculos para o acesso às terras pelas populações pobres nacionais, prin- cipalmente os imigrantes. A ideia de estimular a imigração europeia para o Brasil não era nova, pois já tinham sido realizadas algumas experiên- cias no período joanino e no Primeiro Reinado. Naquela época, os imigrantes europeus eram vistos como solução para duas questões: escassez de mão de obra e desejo, disseminado entre a classe dominante da época, de bran- queamento da população brasileira. Produziram-se vários documentos com projeções de quantos anos seriam neces- sários para os brasileiros tornarem-se brancos. A crença de que os trabalhadores assalariados eram mais produtivos do que os escravizados era um argumento ideológico a fim de fundamentar os projetos imigrantistas. Vale destacar que as teorias raciais do século XIX consi- deravam o branco europeu uma raça superior, mais evo- luída e desenvolvida. Essas teorias davam força para a defesa do branqueamento da população brasileira como base para o desenvolvimento do pais. Antes da publicação da Lei Eusébio de Queirós, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro criou, em 1847, um sistema de parceria com o intuito de trazer imigrantes eu- ropeus para trabalhar nos seus cafezais na fazenda Ibica- ba, no interior de São Paulo. O funcionamento do sistema era aparentemente simples: mediante uma firma fundada pelo senador, a Vergueiro e Cia., os imigrantes seriam trazi- CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 105 V O LU M E 3 alguns períodos, os europeus se recusaram a vir para o Brasil. Em 1859, o governo prussiano chegou a proibir o embarque de imigrantes para o Brasil. Fonte: Youtube Hospedaria do Imigrante – São Paulo multimídia: vídeo O fracasso do sistema de parceria e a péssima imagem brasileira no exterior levaram o governo a interferir na imigração europeia, financiando a viagem dos imigran- tes e interferindo na contratação deles pelos fazendeiros. O custeio da viagem dos imigrantes foi uma vitória dos imigrantistas paulistas, que conseguiram transferir para o conjunto da sociedade os custos com o financiamento da importação da mão de obra européia. Por meio de um decreto assinado por D. Pedro II, o Estado custeava as passagens e permitia que os fazendeiros se creden- ciassem para contratar os imigrantes, que só poderiam ser levados para as suas fazendas depois de acertado, diante de representantes do Império, os salários e as condições de trabalho. O número de imigrantes cresceu consideravelmente, com destaque para alemães, italia- nos, suíços e poloneses. O projeto imigrante paulista foi vitorioso, e os fazendeiros puderam contar com uma relativa abundância de mão de obra para substituir os escravizados, mantendo as taxas de lucro e sem elevar os custos do trabalho. Imigração no Brasil (1820-1975) Fonte: www.ibge.goV.br Parceria (fracasso) Colonato (sucesso) Primeiro sistema introduzido (1847) Oeste Paulista (c, 1870), subvencionada pelo governo Trabalho familiar camponês Trabalho familiar camponês Colono dividia lucros e prejuízos e ficava com metade do produzido Camponês recebia dois salários: um fixo anual e outro por produtividade dos da Europa, receberiam um adiantamento em dinheiro a juros de 6% para os custos de viagem de sua família e se instalariam na terra que receberiam para cultivar. Os imigrantes receberiam também determinado número de pés de café para cultivar e dividiriam os lucros da venda com o dono da fazenda. Por volta de 80 famílias de imi- grantes oriundos da Alemanha e da Suíça foram trazidas por Vergueiro para trabalhar em suas terras. O Café e a Imigração – Sônia Maria de Freitas Este livro conta a história das mudanças na sociedade e na economia brasileiras a partir da segunda metade do século XIX, depois da transformação do café no principal produto de exportação brasileiro. Aborda o processo de desenvolvimento econômico e social em virtude da ex- pansão da lavoura cafeeira e as transformações ocorridas no campo e na cidade: a substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho dos imigrantes, a expansão das fer- rovias, da indústria e da fronteira agrícola, a urbanização, os novos setores sociais, o avanço tecnológico e a indus- trialização e intensificação da vida artística e cultural. multimídia: livro Na teoria, as condições do sistema pareciam benéficas para os dois lados, mas a prática se revelou diferente. Os juros de 6% eram acumulativos e a dívida crescia muito, pois os pés de café só começam a produzir depois de quatro anos de plantio. Durante esse tempo, os imigran- tes eram obrigados a consumir produtos no armazém da fazenda a preços mais altos do que os regulares, geran- do uma dívida crescente. Na hora do acerto de contas, praticamente tudo que caberia ao imigrante era utilizado para pagamento de suas dívidas. Como o contrato deter- minava que eles só poderiam sair da fazenda depois de quitar todas as dívidas, os imigrantes eram obrigados a trabalhar anos e anos sem renda. Além disso, muitos fazendeiros, acostumados ao trato com os escravizados, tinham dificuldades de entender que o tra- balhador livre tinha uma série de direitos. Dessa forma, os fazendeiros maltratavam os imigrantes como faziam com os escravizados, não reconhecendo seus direitos, impondo- -lhes castigos físicos e privando-os da sua liberdade. Muitos imigrantes mandavam cartas do Brasil para a Eu- ropa denunciando a situação; por esse motivo, durante 106 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Parceria (fracasso) Colonato (sucesso) Colonos endividavam-se (passagens, mantimentos, juros elevados) Governo paulista pagava as passagens Permitida uma pequena roça ao imigrante Garantido um pedaço de roça para subsistência ou comércio Fonte: prado junior, caio. história econômica do brasil. p. 190-191. Fonte: Youtube A Imigração em São Paulo multimídia: vídeo 2.4. A questão da escravidão no século XIX Por volta de 1880, ficava cada vez mais evidente que a abo- lição da escravidão estava iminente. O movimento abolicio- nista tornou-se irresistível nas áreas cafeeiras, onde estavam concentrados quase dois terços da população escravizada. Cada vez mais conscientes de si mesmo e encontrando apoio em segmentos da população que simpatizavam com a causa abolicionista, muitos escravizados fugiam das fazendas ou se tornavam mais rebeldes. A escravidão se tornou uma institui- ção difícil de se manter. Quase ninguém se opunha à ideia da abolição, embora houvesse quem reivindicasse indenização para os fazendeiros pela perda de seus escravizados. No Parlamento, o único grupo que resistiu até o último minuto à abolição da escravidão foi o dos representantes dos fazen- deiros das antigas áreas cafeeiras, para quem os escravizados representavam um terço do valor de suas hipotecas. Em maio de 1888, votaram contra a lei que aboliu a escravidão no Brasil. As questões relativas à urgência de se extinguir o traba- lho escravo estavam no campo da economia, da política e da sociedade. Os fazendeiros reagiram diferentemente nas diferentes áre- as. Entretanto, por volta de 1880, a maioria deles estava con- vencida de que a escravidão era uma causa perdida. Além disso, outro tipo de investimentos tinha se aberto a eles: estradas de ferro. Com o preço dos escravizados aumentan- do vertiginosamente, o custo de manutenção da escravidão parecia, em algumas áreas, igualar-se ou mesmo exceder o nível salarial local. O desenvolvimento da sociedade brasileira durante a se- gunda metade do século XIX e o processo de modificação das relações de produção proporcionaram mais diversifi- cação social,Cruzada, 1189-1192 Quarta Cruzada, 1202-1204 Domínios Fonte: . Em 1099, avistaram Jerusalém. A cidade estava tomada por um número muito maior de defensores. No entanto, depois de sangrentas batalhas, os cristãos tomaram a cidade. As terras conquistadas dos muçulmanos foram or- ganizadas em Estados cristãos: o reino de Jerusa- lém, o principado de Antioquia e os condados de Edessa e Trípoli. Nesses Estados, doados a nobres europeus, foi implantada uma estrutura essencial- mente feudal, comparável à da Europa medieval. Foram fundadas novas ordens religiosas, integradas por soldados religiosos, entre os quais os mais importantes eram os hospitalários, os cavaleiros da Ordem Teutônica e os templários, que se alojaram no local do antigo templo de Jerusalém. Em 1140, os muçulmanos passaram à con- traofensiva e reconquistaram o condado de Edessa. Pres- sionados, os Estados cristãos recorreram aos europeus. § Segunda Cruzada (1147-1149): Em 1147, Luis VII, rei da França, Conrado III, imperador do Sacro Império, e um grupo formado por europeus do norte – ingleses, flamengos e frísios – organizaram a Segunda Cruzada. Esse terceiro grupo atravessou a península Ibérica aju- dando os cristãos a expulsarem os muçulmanos de Lis- boa. Entretanto, os integrantes dessa Segunda Cruzada foram derrotados pelos turcos na Ásia Menor em 1148. Algumas décadas mais tarde, em 1187, Saladino, um sultão muçulmano, reconquistou Jerusalém, causando grande comoção na Europa. § Primeira Cruzada (1095-1099): As peregrinações de cristãos ao Santo Sepulcro não eram raras. Os ca- lifas árabes não se opunham às visitas, que acabavam sendo lucrativas paras os muçulmanos. Contudo, na segunda metade do século XI, os turcos dominaram grande parte da Ásia ocidental, expulsaram os cristãos e proibiram suas peregrinações no local. O papa Urbano II incentivou a Primeira Cruzada sob o pretexto de libertar a Terra Santa e impedir o avanço mu- çulmano na Europa oriental. Ele fez um apelo no Concílio de Clermont (1095). Organizada pelo monge Pedro, o Eremita, e dirigida por um nobre sem terras, Gautier Sans- -Avoir (Sem Vintém), a Primeira Cruzada desdobrou-se na Cruzada dos Mendigos e na Cruzada dos Senhores. Na Cruzada dos Mendigos, depois de vários saques, pi- lhagens, fome e pestes, os cruzados conseguiram chegar a Constantinopla, para horror do imperador bizantino. Diante daquela multidão de pobres e famintos e temen- do pela segurança da capital, o imperador os enviou para a Ásia, onde foram massacrados pelos muçulmanos. Enquanto isso, os cavaleiros preparavam-se lentamente sob a supervisão do papado. Com efeito, tratava-se de vários exércitos feudais autônomos. Em 1096, a Cruza- da dos Senhores partiu para Constantinopla, onde re- ceberam o apoio do imperador em troca da promessa de receber dos cruzados os territórios que tomassem dos turcos na Ásia Menor e no norte da Síria. 10 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 § Terceira Cruzada (1189-1192): Com a notícia da perda da Terra Santa, o papa passou a preparar a Terceira Cruzada. A Igreja espalhou a informação de que as indulgências seriam estendidas àqueles que, impossibilitados de participarem pessoalmente, contri- buíssem com bens materiais para financiar a participa- ção de terceiros. Os três mais importantes soberanos da Europa atenderam ao chamado do papa. Em 1190, Frederico Barba Ruiva, do Sacro Império, Felipe Augus- to, da França, e Ricardo Coração de Leão, da Inglater- ra, lideraram a Cruzada dos Reis. Barba Ruiva avançou por terra, venceu os turcos na Ásia Menor, mas morreu acidentalmente ao banhar-se em um rio. Ricardo e Felipe Augusto seguiram por mar. Obtiveram algumas vitorias na Síria, mas Felipe decidiu retornar à França. Ricardo Coração de Leão, apesar de sua coragem e bravura demonstrada nos combates, não conseguiu retomar Jerusalém. No entanto, obteve do sultão Sa- ladino a autorização para que os cristãos pudessem peregrinar até Jerusalém. § Quarta Cruzada (1202-1204): Com o ardor religio- so já bastante arrefecido, os comerciantes de Gênova e Pisa, enriquecidos pelo comércio com o Oriente, pre- tendiam conquistar os portos de suas cidades rivais. Em 1200, durante o pontificado de Inocêncio III, foi organizada a Quarta Cruzada, financiada por esses mercadores e viciada em suas origens pelos interesses mercantis. Desvirtuada de seus objetivos, tornou-se a primeira cruzada contra cristãos. Como condição para seu financiamento, Veneza exigiu a destruição de Zara, cidade cristã e sua rival mercantil no comércio no Mar Adriático. Fonte: Youtube Monty Python em busca do cálice sagrado (1975) O rei Artur (Graham Chapman) está à procura de cava- leiros que possam acompanhá-lo em uma importante jornada: a busca do Santo Graal. Sir Lancelot, o Bravo (John Cleese); Sir Robin, o Não-tão-bravo-quanto-Sir Lancelot (Eric Idle); Sir Galahad, o Puro (Terry Jones); e outros cavaleiros se dispõem a participar da busca real. O longa satiriza diversos eventos histórios ocorri- dos na Idade Média. multimídia: vídeo as cruzadas eram representadas em diVersas obras de arte. Depois da destruição de Zara, os cruzados marcharam sobre Constantinopla, cidade cristã ortodoxa – não obe- diente ao papa –, capital do Império Bizantino e ponte para as rotas comerciais do Oriente. A Quarta Cruzada assinalou o declínio mercantil de Constantinopla, região que passou a ser conhecida por Império Latino, e a as- censão das cidades italianas, que passaram a monopoli- zar o comércio de especiarias no Mediterrâneo. § Quinta Cruzada (1217-1221): Tornou-se conhecida como a Cruzada das Crianças. Para justificar as derrotas anteriores, foi difundida a lenda de que o Santo Sepulcro só poderia ser conquistado por crianças, uma vez que suas almas eram puras e livres de pecados. Em 1212, foram reunidas 20 mil crianças alemãs e 30 mil france- sas em uma cruzada que seria enviada para Jerusalém. As que não foram exterminadas foram aprisionadas ou vendidas como escravas nos mercados do Oriente. § Sexta Cruzada (1228-1229): Organizada por André II, rei da Hungria, e comandada por Frederico II, do Sa- cro Império, a Sexta Cruzada resultou em um acordo com o sultão, que determinava a posse de Jerusalém pelos cristãos durante dez anos. Mais tarde, os muçul- manos dominaram a região e o acordo foi rompido. Je- rusalém voltou a ser controlada pelos turcos até 1917. § Sétima (1248-1250) e Oitava Cruzadas (1270): A Sétima e a Oitava Cruzadas foram organizadas entre 1248 e 1270, sob o comando de Luís IX, rei da Fran- ça. Ambas foram um fracasso. Luis IX morreu vítima da peste, em Tunis, e foi canonizado pela Igreja. 2.4. Consequências das Cruzadas O caráter superficial da conquista, a falta de enraizamento dos conquistadores no seio da população local, as disputas entre cruzados, as rivalidades nacionais e a incapacidade da Igreja em superá-las foram fatores que ocasionaram o fracasso das Cruzadas. A Europa ocidental continuou superpovoada e sem con- dições de absorver essa mão de obra; os salários que não CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 11 V O LU M E 3 baixaram ficaram estagnados, enquanto subiram os preços dos cereais. Do ponto de vista econômico, a maior conquis- ta das Cruzadas foi a reabertura do Mediterrâneo à navegação e ao comércio da Europa, fator que permitiu o reatamento das relações entre Ocidente e Oriente, in- terrompidas pela expansão muçulmana, e contribuiu para acelerar o renascimento comercial no ocidente da Europa. O malogro das Cruzadas acelerou indiretamente a deca- dência do sistema feudal. A conjugação de fatores polí- ticos, econômicos e sociais agravou significativamente essa situação. De um lado, houve enfraquecimento da aristocracia feudal e da servidão como forma de trabalho; de outro lado, ocorreu o fortalecimento da burguesia comercial, bem como o reaparecimentoque resultou no surgimento de segmentos sociais não vinculados diretamente aos interesses dos pro- prietários agrícolas. Comerciantes, médicos, funcionários, advogados, artesãos, engenheiros, jornalistas compunham setores sociais urbanos cujos interesses levaram-nos a questionar a escravidão e a propor a abolição como condi- ção para sua própria liberdade. Os fazendeiros das áreas em expansão haviam encontrado na imigração a resposta para seus problemas de extinção da escravidão e formação do mercado de trabalho basea- do na força de trabalho livre. Numa sociedade em que os homens precisam confrontar-se como juridicamente livres – condição do exercício da cidadania, ainda que exista de- sigualdade por determinação do processo de produção –, a escravidão desnuda a desigualdade e entranha o ato do trabalho de negatividade: o ato do trabalhador pertencer a outrem e a dor do ato do trabalho como castigo. Para que o Brasil pudesse se transformar em uma Monar- quia constitucional ou em uma República democrática, fa- zia-se necessário enfrentar a abolição da escravidão como pressuposto da sociedade democrática, ambição de parce- las significativas da classe dominante e da “classe media” em formação. A abolição foi resultado de um processo lon- go que serviu às conveniências da elite proprietária. 2.5. Surto industrial e processo de modernização Em meados do século XIX, o Brasil foi marcado por intenso desenvolvimento, caracterizado pelo surto industrial e pela modernização, responsáveis pela montagem das primei- ras fábricas brasileiras, com destaque para os setores de tecelagem, fiação, alimentos e calçados. Construíram-se estradas de ferro na região Sudeste; barcos a vapor pas- saram a ser utilizados em larga escala no transporte de mercadorias e passageiros; importaram-se máquinas para beneficiamento do café; fundaram-se bancos, companhias de transportes urbanos, crédito e seguro; introduziu-se também o trabalho livre assalariado dos imigrantes euro- peus. O mercado interno crescia e se diversificava. 2.5.1. Lucros provenientes das exportações de café A exportação de café gerou vultosos lucros para os ca- feicultores e foi a principal responsável pelos constantes superavit comerciais brasileiros a partir da segunda me- tade do século XIX. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 107 V O LU M E 3 Expansão das ferrovias brasileiras no século XIX adaptado de: CAMPOS, FláVio de; DOLHNIKOFF, miriam. atlas história do brasil. são paulo: scipione, 1998. p. 25. Os recursos gerados foram investidos pelo governo e pelos próprios cafeicultores. Algumas ações de respon- sabilidade do Estado foram: a modernização dos trans- portes com a construção de estradas de ferro ligando áreas produtoras de café aos portos, a modernização e a construção de portos para atender ao crescimento das exportações, a modernização das cidades com ilu- minação a gás nas ruas e praças, o favorecimento do comércio e de outras atividades urbanas e o estímulo à imigração europeia. Os cafeicultores, por sua vez, particularmente os do Oeste Paulista, foram responsáveis pelo investimento na produ- ção e na mecanização da agricultura, por oferecer novas condições de trabalho aos imigrantes e pelas primeiras experiências do assalariamento. Fonte: Youtube “ENTRE RIOS” - a urbanização de São Paulo multimídia: vídeo 2.6. Tarifa Alves Branco (1844) Desde a independência, o Brasil adotava taxas alfandegárias baixas para os produtos importados, reflexo dos tratados de 1810, assinados entre Portugal e Inglaterra, em virtude da necessidade de o Brasil obter o reconhecimento externo da sua autonomia, além da sua dependência frente ao capital estrangeiro. Em 1828, D. Pedro I assinou um decreto que estabelecia taxas alfandegárias de 15% ad valorem para to- dos os produtos importados pelo Brasil, o que contrariava os privilégios ingleses e rendia baixa arrecadação para o Estado, obrigando-o a elevar os impostos para a população. Esse “liberalismo alfandegário” foi extinto em 1844 com a entrada em vigor da Tarifa Alves Branco, que elevava as taxas alfandegárias brasileiras a dois patamares: 20% a 30% sobre o valor dos produtos importados não produzi- dos no Brasil, com variação para alguns produtos especi- ficados; 60% sobre o valor dos produtos importados que eram produzidos no Brasil. As novas taxas alfandegárias tinham por objetivo garantir o protecionismo alfandegário e o aumento da arrecadação do Estado brasileiro. A maior parte da captação de recursos foi utilizada pelo Império em políticas públicas e no desenvolvi- mento de mais fábricas no Brasil (destaque para o empreen- dedorismo do Barão de Mauá), além da concorrência com produtos estrangeiros. Apesar de algumas modificações, a tarifa Alves Branco vigorou até o final do Segundo Reinado. 108 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Em virtude da falta de ação eficaz do Brasil para reprimir o tráfico e em represália à Tarifa Alves Branco, o parlamento inglês aprovou, em 1845, o Bill Aberdeen, que dava à marinha inglesa a permissão para aprisionar navios ne- greiros, prender os traficantes, libertar os negros e afundar o navio utilizado no tráfico. Essa medida foi considerada arbitrária pelos brasileiros, pois afetava a soberania do país em suas águas territoriais. Diante da situação, o governo brasileiro resolveu aprovar, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós, que determinava a extinção definitiva do tráfico internacional de escravizados. Quadro do tráfico negreiro no Brasil Ano N.o de escravizados 1849 54.000 1850 23.000 1851 3.000 1852 700 Fonte: prado junior, caio. história econômica do brasil, p. 152. As consequências mais diretas dessa medida foram a eleva- ção dos preços dos escravizados, o intenso tráfico interpro- vincial de escravizados da região Nordeste para os cafezais do Vale do Paraíba e do Oeste Paulista, e o favorecimento dos processos de modernização e do surto industrial do período, na medida em que os recursos utilizados na com- pra de escravizados puderam ser investidos na compra de máquinas, na infraestrutura e na modernização. 2.8. A importância do Barão de Mauá O processo de modernização e o surto industrial ocorridos no Segundo Reinado foram marcados pela atuação desta- cada de um empresário empreendedor e visionário: Irineu Evangelista de Sousa, o Barão e Visconde de Mauá. Nascido no Rio Grande do Sul, em 1813, aos nove anos foi levado para o Rio de Janeiro por um tio. Aos vinte anos passou a trabalhar na firma britânica Casa Carruthers, que atuava no ramo de importação e exportação. Chegou a se tornar sócio da empresa. Em 1839, foi à Inglaterra, onde conheceu o sistema de fábricas e passou a alimentar o de- sejo de trazê-lo para o Brasil. Mauá fundou vários empreendimentos, com destaque para o Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro Pon- ta da Areia, que fabricava navios, guindastes, peças, caldei- ras para máquinas a vapor e engenhos de cana-de-açúcar. Criou ainda a Companhia Fluminense de Transportes, a Companhia de Navegação a Vapor do Rio Amazonas, a Companhia de Bondes do Jardim Botânico e a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro. No final da década Fonte: Youtube Caminhos de Pedra – Tempo e Memória na Linha Palmeiro multimídia: vídeo 2.7. Lei Eusébio de Queirós (1850) Desde os tratados assinados em 1810 entre Inglaterra e Portugal, o Brasil era pressionado pela Inglaterra para ex- tinguir o tráfico negreiro. Para reconhecer a independência brasileira, em 1825, os ingleses exigiram a manutenção das tarifas alfandegárias em 15% e o compromisso do Brasil de extinguir o tráfico negreiro em cinco anos. O resultado desse acordo foi a Lei Feijó ou Lei Antitráfico de 1831, pro- mulgada pela Regência Trina Permanente, mais conhecida como lei para “inglês ver”, ou seja, o Brasil fazia de conta que proibia o tráfico, mas na prática ele continuava a existir. como ministro da justiça (1848-1852), eusébio de queirósFoi o autor de uma das mais importantes leis do império. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 109 V O LU M E 3 de 1850, fundou o Banco Mauá, que chegou a ter agências em Londres, Paris, Nova Iorque, Montevidéu e Buenos Ai- res. Construiu a Estrada de Ferro Barão de Mauá e instalou um cabo telegráfico submarino ligando o Brasil à Europa. barão de mauá Fundou o banco mauá, macgregor & cia, com Filiais em Várias capitais brasileiras, bem como em londres, noVa iorque, buenos aires e monteVidéu. O empreendedorismo de Mauá contrastava com a estrutura agrária da economia brasileira, dependente dos interesses externos contrários à industrialização do Brasil. Além disso, algumas iniciativas governamentais prejudica- vam seus negócios, como a Tarifa Silva Ferraz, de 1860, que reduzia as taxas alfandegárias de produtos como navios, ferramentas e armas. Entretanto, os principais fatores que frustraram as inicia- tivas de Mauá e impediram a efetiva industrialização do período foram a falta de uma indústria de base, a concor- rência britânica e o reduzido mercado consumidor interno. Em 1875, Mauá decretou moratória após a falência de seu banco. Depois de vender quase todas as suas indústrias e bens pessoais, terminou a vida fazendo corretagem de café. Morreu em 1889, aos 76 anos. Mauá – empresário do Império, Jorge Caldeira multimídia: livro 2.9. O desenvolvimento das cidades Durante a segunda metade do século XIX, ocorreu o de- senvolvimento dos centros urbanos no Brasil. O processo de concentração urbana já havia sofrido um impulso signi- ficativo no início do século. Novas atividades urbanas, de- senvolvimento comercial, imigração estrangeira e reforma dos núcleos administrativos impulsionaram as cidades. Com o advento do café, os centros urbanos tomaram seu maior impulso. Nos núcleos urbanos, localizavam-se as ca- sas de exportações e as bolsas que estabeleciam o preço das sacas de café, além de agenciadores, corretores, inter- mediários e armazéns de estoque. Os fazendeiros não permaneciam todo o tempo em suas fazendas. Gerentes e administradores cuidavam das con- tas e da produção. Os proprietários passavam boa parte do ano em confortáveis casas nas cidades, desfrutando as comodidades dos serviços, o burburinho social e a proje- ção política. Nas fazendas mantinham a velha residência senhorial, símbolo de seu status. Vista da praça d. pedro ii, a partir do morro do castelo. rio de janeiro. Foto: marc Ferrez, c.1870. O poder aquisitivo dessa camada social privilegiada refletia nas importações do Brasil. Entre 1839 e 1875, a média de importações de calçados e vestuários atingiu 51,1% do total importado pelo país, enquanto os alimentos ocupa- ram 20,3% do total importado; máquinas e carvão, apenas 3,8%. Tratava-se de uma queima de preciosas divisas com produtos de consumo, divisas que poderiam ter custeado o desenvolvimento do país, que, no entanto, não fazia parte das perspectivas das camadas dominantes. 110 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 As cidades tiveram os melhoramentos da época. As comuni- cações diminuíram as distâncias graças ao telégrafo. Portos desenvolveram-se graças às estradas de ferro e à melhoria das instalações portuárias. A alta concentração econômica e a diversificação das atividades e serviços proporcionaram trabalho para os bacharéis, funcionários burocratas, liberais e artesãos. A renda per capita nacional elevou-se no século XIX. Em consequência desse crescimento geral, as classes sociais aumentavam e assumiam contornos mais nítidos. Tijolo Sobre Tijolo: Os Alemães Que Construíram São Paulo – Adriane Acosta Baldin As grandes cidades são resultantes de complexos pro- cessos históricos, econômicos, sociais e têm uma sóli- da base na geografia natural e humana. Uma enorme quantidade de pessoas teve participação ativa em sua formação, deixando sua marca no que foi edificado e na cultura que as caracteriza. multimídia: livro 2.10. Sociedade: o fim do domínio da aristocracia do açúcar A independência do Brasil não havia trazido profundas trans- formações estruturais à sociedade. De modo geral, tudo es- tava como antes. Apenas o país havia alcançado a indepen- dência política. Os padrões de comportamento e organização social e familiar moldavam-se pela velha sociedade colonial. O café conseguiu fazer o que a separação de Portugal não conseguiu: alterou alguma coisa na sociedade brasileira. Durante a Colônia, os proprietários rurais ligados ao açú- car e ao tabaco, sediados no Nordeste, detinham as ré- deas do poder. Sua preocupação consistia em criar uma estrutura administrativa voltada para a facilitação de suas exportações para o mercado mundial e a importação de escravizados a baixo preço. Esses fatores compunham as seções dinâmicas do processo agroeconômico, uma vez que os latifundiários já eram donos das melhores terras. A participação política dos aristocratas escravistas, sem vi- são alguma do conjunto político nacional, girava em torno do controle das câmaras municipais. Contudo, aliados aos interesses ingleses, realizaram a independência política do país no início do século XIX. O império nasceu para preservar a estrutura de privilégios, na qual os aristocratas estavam instalados. O Estado brasi- leiro foi articulado por uma burocracia política que lançou as premissas da constituição do Império. Os desentendimentos posteriores não assumiram caráter contestatório das estrutu- ras sociais pelos menos por parte da aristocracia rural. Fonte: Youtube Globo Repórter – A Imigração Italiana multimídia: vídeo 2.11. As origens da coffee society Durante o Segundo Reinado, o desenvolvimento das cultu- ras cafeeiras transferiu a hegemonia política do Nordeste para o Centro-Sul. O eixo econômico do país já havia se deslocado no Período Colonial. Todavia, desde o renasci- mento agrícola, no final do século XVIII e início do XIX, o Nordeste revela sua preponderância. Apenas a presença física da capital estava no Centro-Sul. A partir da terceira década do século XIX essa situação se inverteu. A capital do Império foi engolida pelas plantações de café. A Corte imperial passou a ser formada pelos fazen- deiros de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O centro agrário-exportador estava assentado definitiva- mente na região Centro-Sul da nação. Novas necessidades faziam-se presentes. A aristocracia cafeeira apossou-se do aparelho burocrático do Estado, transformando a máquina administrativa em um instrumento de seu interesse. Fonte: adoro cinema Andiamo In’merica – Os Italianos no Brasil multimídia: vídeo CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 111 V O LU M E 3 Havia necessidade de adequar as arcaicas estruturas eco- nômicas do país à nova realidade do capitalismo mundial livre cambista. A concorrência econômica entre as potên- cias despontou em todo século. No final do século XIX, o agravamento das disputas internacionais fez reviverem as velhas práticas do protecionismo. Era a gênese do capita- lismo monopolista. Os cafeicultores cariocas, mineiros e paulistas davam à sociedade imperial uma conotação mais burguesa, euro- peia e moderna. henrique dumont (1832-1892), Filho de imigrantes Franceses, Foi considerado um dos três reis do caFé da sua época. era pai de alberto santos dumont. 112 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS História, geografia e sociologia A entrada do Brasil na Guerra do Paraguai (1864-70) e o massacre da população guarani demonstram que a política imperialista não ocorreu somente sobre populações africanas e asiáticas. Os números de mortos no Paraguai depois da guerra são assombrosos, levantando um questionamento sobre crimes contra a humanidade. batalha do riachuelo, importante Vitória sobre os guaranis durante a guerra do paraguai Também cabe a análise da campanha governamental à vinda de imigrantes europeus para o Brasil, os quais fugiamde instabilidades em suas terras natais em busca de melhor condição de vida. O Brasil apresentava novamente seu lado preconceituoso, pois buscava somente europeus para minimizar os efeitos da miscige- nação racial com os negros. É importante lembrar que ocorreu a ocupação de boa parte das terras do sul do Brasil, que o governo tinha interesse em ocupar para garantir suas fronteiras, o que explica o grande número de descendentes de alemães e italianos na região. No mesmo período, o Brasil passava por um surto industrial, impulsionado pelo fim do tráfico negreiro (1850), e vivia a “era Mauá”, na qual o senhor Irineu Evangelista de Souza investiu toda a sua fortuna na tentativa de modernizar o país, investindo principalmente no setor de transportes (ferrovia) e comunicação (telégrafos). primeiras locomotiVas instaladas no brasil, sonho Frustrado de mauá e implantado por companhias estrangeiras CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 113 V O LU M E 3 ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM HABILIDADE 14 Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas. O uso de fontes históricas das mais distintas é recorrente dentro da Habilidade 14. Em História do Brasil, são utilizados muitos fragmentos de grandes obras brasileiras, como, nesse caso, de O abolicionismo, do político e intelectual Joaquim Nabuco. Ele, como tantos outros pensadores abordados pelo vestibular, procura narrar e expressar seu ponto de vista acerca da questão da escravidão no Brasil. O aluno deve compreender o contexto histórico vivido pelo autor, bem como seu posicionamento diante do fato. Trata-se de uma análise da história brasileira por meio dos intelectuais que a viveram ou a estudam. Para responder às questões desse gênero, o aluno deve ser perspicaz ao interpretar a mensagem passada pelos fragmen- tos dados no enunciado. MODELO 1 (Enem) TEXTO I Já existe, em nosso país, uma consciência nacional que vai introduzindo o elemento da dignidade humana em nossa legislação, e para qual a escravidão é uma verdadeira mancha. Essa consciência resulta da mistura de duas correntes diversas: o arrependimento dos descendentes de senhores e a afinidade de sofrimento dos herdeiros de escravos. adaptado de: nabuco, j. o abolicionismo. disponíVel em: www.dominiopublico.goV.br. acesso em: 12 out 2011. TEXTO II Joaquim Nabuco era bom de marketing. Como verdadeiro estrategista, soube trabalhar nos bastidores para impulsionar a campanha abolicionista, utilizando com maestria a imprensa de sua época. Criou repercussão internacional para a causa abolicionista, publicando em jornais estrangeiros lidos e respeitados pelas elites brasileiras. Com isso, a campanha ganhou vulto e a escravidão se tornou um constrangimento, uma vergonha nacional, caminhando assim para o seu fim. adaptado de: costa e silVa, p. um abolicionista bom de marketing. disponíVel em: www.reVistadehistoria.com.br. acesso em: 27 jan. 2012. Segundo Joaquim Nabuco, a solução do problema escravista no Brasil ocorreria como resultado da: a) evolução moral da sociedade; b) vontade política do imperador; c) atuação isenta da Igreja católica; d) ineficácia econômica do trabalho escravo; e) implantação nacional do movimento republicano. ANÁLISE EXPOSITIVA Como ambos os textos deixam claro, Nabuco associou o “ter escravos” ao “constrangimento”, deixando claro que, para a sociedade do Segundo Reinado, a escravidão era uma herança moral vergonhosa. RESPOSTA Alternativa E 114 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS SEGUNDO REINADO 1840 (GOLPE DA MAIORIDADE) / 1889 (PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA) TRÊS FASES ESTRUTURAÇÃO (1840-1850) APOGEU (1850-1870) DECLÍNIO (1870-1889) POÍTICA EXTERNA QUESTÕES PLATINAS GUERRA DO PARAGUAI (1864-1870) INGLATERRA QUESTÃO CHRISTIE (1861-1865) URUGUAI - INTERVENÇÃO CONTRA ORIBE E AGUIRRE (1851-1854) MOTIVO - EXPANSÃO PARAGUAIA TRÍPLICE ALIANÇA × PARAGUAI (BRASIL, ARGENTINA E URUGUAI) • DESTRUIÇÃO DO PARAGUAI • FORTALECIMENTO DA INFLUÊNCIA BRASILEIRA • AUMENTO DA DÍVIDA EXTERNA COM INGLATERRA • FORTALECIMENTO DO EXÉRCITO • EXÉRCITO COM IDEIAS ABOLICIONISTAS E REPUBLICANAS ARGENTINA - INTERVENÇÃO CONTRA ROSAS (1857) CONSEQUÊNCIAS CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 115 V O LU M E 3 ECONOMIA E SOCIEDADE • EXPANSÃO - VALE DO PARAÍBA E OESTE PAULISTA • BAIXO CUSTO PRODUTIVO • OFERTA DE TERRAS • EXPANSÃO DO MERCADO CONSUMIDOR INTERNACIONAL • AUMENTO DA MÃO DE OBRA ASSALARIADA IMIGRANTE • MODERNIZAÇÃO • TERRAS PASSAM A SER VENDIDAS • MANUTENÇÃO DA GRANDE PROPRIEDADE • POUCOS PROPRIETÁRIOS • CRISE DE EXPORTAÇÃO NO 1º REINADO E REGÊNCIA • CAFÉ ENQUANTO ALTERNATIVA • LEI DE TERRAS (1850) ECONOMIA CAFEEIRA ESTRUTURA FUNDIÁRIA MÃO DE OBRA ESCRAVA IMIGRANTE • PRESSÃO INGLESA PARA ABOLIÇÃO LEI BILL ABERDEEN (1845) LEI EUSÉBIO DE QUEIROZ (1850) • COMÉRCIO INTERNO DE ESCRAVIZADOS NORDESTE PARA SUDESTE • FORÇA DO MOVIMENTO ABOLICIONISTA EXÉRCITO E PROFISSIONAIS LIBERAIS • ESTÍMULO À IMIGRAÇÃO (GOVERNO) • EXPANSÃO DA MÃO DE OBRA LIVRE NAS FAZENDAS DE CAFÉ (OESTE PAULISTA) SISTEMA DE PARCERIA (FRACASSO) SISTEMA DE COLONATO (SUCESSO) • TENTATIVA DE EMBRANQUECIMENTO DA POPULAÇÃO • TARIFA ALVES BRANCO (1844) • SURTOS INDUSTRIAIS • CRESCIMENTO URBANO • CONSTRUÇÃO DE PORTOS E FERROVIAS • ACUMULAÇÃO DE CAPITAL • FORMAÇÃO DE BANCOS • NOVAS ELITES MODERNIZAÇÃO CONSEQUÊNCIAS DA ECONOMIA CAFEEIRA 116 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 1. Introdução A partir da década de 1870, o Império brasileiro passou a enfrentar uma propaganda republicana organizada e efe- tiva, particularmente nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo, perdendo importantes apoios da suas bases de sustentação. A crise política que afetava o Império foi pro- vocada por frações da classe dominante que conseguiram se organizar e ansiavam por ter o poder para executar o seu projeto político. Essa situação tem relação direta com a modernização pela qual o país passava e com as transformações econômicas resultantes, principalmente a expansão da lavoura cafeeira e o desenvolvimento de uma nova mentalidade econômi- ca, especialmente no Oeste Paulista. A vitória militar na Guerra do Paraguai fortaleceu o Exército, que exigia cada vez mais espaço e não era atendido plenamente, o que colocava alguns militares contra o Império. O isolamento político do Império cresceu com a questão religiosa, que opôs setores da Igreja ao governo, e a aboli- ção da escravidão, que afastou grandes proprietários rurais escravistas e políticos conservadores do Império. Segundo alguns historiadores, a perda das bases religiosa, militar e sociopolítica foi antes o resultado do enfraquecimento da monarquia do que propriamente o efeito da força do mo- vimento republicano. Embora tenha sido um movimento comandado por uma fração da classe dominante, o movimento republicano con- seguiu envolver setores da classe média nascente, a quem interessava o estabelecimento de um novo estatuto políti- co e jurídico que garantisse o exercício da cidadania. “o rei, nosso senhor e amo, dorme o sono da... indiFerença. os jornais, que diariamente trazem os desmandos desta situação, parecem produzir em sua majestade o eFeito de um narcótico. bem aVenturado, senhor! para Vós, o reino do céu, e para o nosso poVo... o do inFerno!” (angelo agostini. reVista illustrada, 5 FeV.1887. adaptado). As Barbas do Imperador – Lilia Moritz Schwarcz Misto de ensaio interpretativo e biografia de d. Pedro II, As barbas do imperador, de Lilia Moritz Schwarcz, foi um marco na historiografia brasileira, apresentando uma visão nova e reveladora de nosso passado. O livro mate- rializava o mito monárquico ao descrever, por exemplo, a construção dos palácios, a mistura de ritos franceses com costumes brasileiros, amaneira como a boa sociedade praticava a arte de bem civilizar-se, a criação de medalhas, emblemas, dísticos e brasões, a participação do monarca e o uso de sua imagem em festas populares. multimídia: livro 2. A questão religiosa A Constituição de 1824 estabelecia o padroado (indicação de pessoas a cargos na igreja) e o beneplácito (direito de analisar qualquer decreto antes de entrar em vigor no Bra- sil, autorizando-o ou não), subordinando a religião católica ao Estado, cujos governos passariam a pagar os membros da Igreja como se fossem funcionários públicos. Esses dis- positivos constitucionais distanciavam o clero brasileiro de Roma. Uma parcela dos padres passou a adotar posturas pouco condizentes com sua função: desrespeito ao voto de castidade, constituição de família, acúmulo de riquezas, e participação ativa da política imperial. CRISE DO IMPÉRIO COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4 e 5 HABILIDADE(s) 1, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 20, 21, 22, 23 e 25 CH AULAS 23 E 24 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 117 V O LU M E 3 Os conflitos entre o Estado imperial brasileiro e a Igreja tive- ram inicio em 1848, com as novas diretrizes estabelecidas pelo papa Pio IX, condenando as “liberdades modernas” e defendendo o monopólio espiritual da Igreja. Em 1864, a Bula Syllabus papal proibiu católicos e membros do clero de participarem de sociedades secretas. No Brasil, a ordem papal atingiu diretamente a maçonaria, uma sociedade se- creta que tinha padres, membros de irmandades católicas e principalmente políticos e pessoas da elite brasileira como membros. Pelo dispositivo constitucional do beneplácito, o imperador proibiu a aplicação da bula papal no Brasil. Nos anos de 1869 e 1870, realizou-se o Concilio Vaticano I, que proclamou a “infalibilidade” do papa e reafirmou seu poder. Apesar da atitude do imperador e da resistência do Estado brasileiro ao poder papal, a Igreja passou a exer- citar mais disciplina e vigilância religiosas, reivindicando autonomia perante o Estado. Desse modo, embora parte do clero brasileiro insistisse em apoiar a decisão do governo, alguns bispos resolve- ram seguir a orientação papal. Em 1872, o bispo do Rio Janeiro suspendeu o padre Almeida Martins, que era ma- çom, por ter participado de uma cerimônia maçônica que homenageava o Visconde do Rio Branco pela assinatura da Lei do Ventre-Livre. Ainda em 1872, os bispos de Olinda e de Belém, respecti- vamente D. Vital de Oliveira e D. Antonio de Macedo, orde- naram que os padres que participassem da maçonaria em suas dioceses deveriam abandonar a sociedade ou seriam suspensos de suas ordens. Diversos padres se recusaram a abandonar a maçonaria e foram suspensos ou suas irman- dades foram fechadas. Em virtude da pressão do Visconde do Rio Branco, que era maçom, o governo interveio e ordenou a prisão dos bispos, condenando-os a quatro anos de prisão com trabalhos for- çados. A prisão dos bispos foi considerada arbitrária pelos católicos, obrigando o imperador a transformar a pena em prisão simples. charge com a legenda, “aFinal... deu a mão à palmatória”. bordallo pinheiro. 1875. Em 1875, os bispos foram anistiados, não sem a insatis- fação da Igreja com o beneplácito. Desde então, clérigos e fiéis católicos deixaram de prestar apoio ao governo de D. Pedro II, que via mais uma das bases de sustentação política do Império fragmentar-se. 3. A questão militar O Exército brasileiro havia crescido e se fortalecido com a Guerra do Paraguai, superando a posição secundária que passara a ocupar desde a criação da Guarda Nacional pelo Ministro da regência, Padre Diogo Feijó. A vitória brasileira na Guerra do Paraguai levou os militares a exigirem a valo- rização da instituição, que crescera e organizara-se. Os oficiais do Exército eram geralmente originários das cama- das médias urbanas e não tinham recursos suficientes para arcar com a educação superior, razão pela qual seguiam a carreira militar, que lhes oferecia estudos. A visão política dos oficiais era geralmente progressista, contrária aos políticos re- acionários do Império. Com a Guerra do Paraguai, a base das tropas passou a ser constituída por brancos pobres, mestiços, escravizados e ex-escravizados, que, ao final da guerra, com o apoio de oficiais, passaram a lutar contra a escravidão. Além disso, muitos militares haviam entrado em contato com regimes republicanos durante a guerra e passaram a defender a implantação desse regime no Brasil. Nas esco- las militares, difundia-se e ganhava cada vez mais adeptos o positivismo, teoria com a qual os militares se identificam, considerando-se os únicos capazes de, graças à ordem e à disciplina, “salvar” o Brasil do atraso e da estagnação econômica e social. A filosofia positivista é uma corrente ideológica cujos princí- pios foram elaborados pelo pensador francês Auguste Com- te. Tendo como referências a tradição romana e a experiência jacobina na Revolução Francesa de 1789, Comte conside- rava ser a ditadura republicana a melhor forma de governo para as condições de seu tempo. Era contrário à República liberal, que se baseia na ideia de soberania popular, cujo po- der é exercido em nome do povo por meio de um mandato. A ditadura republicana concebida por Comte implicava a ideia de um governo de salvação no interesse do povo. oFiciais brasileiros ao lado de um canhão (1886). marc Ferrez. 118 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Nos meios militares brasileiros, a ditadura republicana preco- nizada por Comte adquiriu a forma da defesa de um Executi- vo forte e intervencionista, capaz de modernizar o país. Além disso, a atração dos militares brasileiros por essa ideologia pode ser explicada pelo fato de os positivistas defenderem a separação entre Igreja e Estado, a formação técnica e a ciência como meios de se promover o desenvolvimento da nação. Assim, o positivismo apresentava uma fórmula de modernização conservadora que era muito atraente para os militares do país. Contudo, a ideia republicana vencedora na propaganda e no movimento republicano foi uma mistura das ideias de Comte e do liberalismo. “amor como princípio, ordem como base e progresso como Fim”, auguste comte. essas ideias inspiraram os militares que proclamaram a república do brasil em 1889. Os militares brasileiros não aceitavam mais a subordinação a políticos civis. Por isso, entraram em atrito diversas vezes nas chamadas questões militares. A primeira delas ocorreu em 1883, quando o tenente-coronel Sena Madureira, criti- cou pela imprensa as reformas propostas pelo governo ao montepio militar, uma espécie de aposentadoria dos oficiais. Insatisfeito, o Ministro da Guerra Carlos Afonso de Assis Fi- gueiredo proibiu militares de se manifestarem pela imprensa. Em 1884, Sena Madureira prestou uma homenagem na uni- dade que comandava, a Escola de Tiro de Campo Grande, no Rio de Janeiro, ao jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, abolicionista que havia lide- rado um grupo de jangadeiros que se recusaram a embarcar escravizados para os navios. O Ministro da Guerra demitiu o tenente-coronel e enviou-o para o Rio Grande do Sul. Em 1886, o coronel Cunha Matos percebeu irregularidades na compra de fardamentos ao inspecionar um quartel no Piauí. Pediu o afastamento do comandante da unidade, ca- pitão Pedro José de Lima, e o caso foi parar na imprensa. O coronel Cunha Matos foi acusado de perseguição política. Ao se defender pela imprensa sem a autorização do Minis- tro da Guerra, Cunha Matos foi advertido e condenado a 48 horas de prisão. O caso repercutiu em todo o Brasil. No Rio Grande do Sul, o tenente-coronel Sena Madureira atacou novamente o Ministro da Guerra pela imprensa, o que provocou uma reunião de oficiais gaúchos exigindo do Marechal Deodoro da Fonseca, que ocupava os cargos de comandante das armas e vice-presidente da província, mais autonomia para os militares. Deodoro foi convocadopelo Ministro da Guer- ra a prestar esclarecimentos no Rio de Janeiro. Na capital do Império, Deodoro foi festejado pelos milita- res, que exigiam, pela imprensa, a revogação das punições e da proibição das manifestações dos oficiais. D. Pedro II não atendeu às exigências, mas demitiu o Ministro da Guerra. Ainda assim, a oposição dos militares a seu gover- no não deixou de crescer. 4. A questão social: abolicionismo No final da década de 1870, o movimento em prol da abo- lição da escravidão cresceu significativamente no Brasil. Fo- ram fundados clubes e sociedades abolicionistas que denun- ciavam as arbitrariedades da escravidão e colhiam apoio da sociedade civil a favor da libertação dos escravizados. O movimento abolicionista atuava de diversas formas. Era co- mum a realização de rifas e leilões, além do reconhecimento de doações para a compra de escravizados e concessão de alforria. Na imprensa e na literatura, intelectuais criticavam a escravidão, lembrando a vergonha que era para o Brasil ser o único país americano livre a possuir escravizados e o atraso que isso representava. Caifazes atacavam fazendas para libertar os negros das senzalas e jangadeiros cearenses e ferroviários se recusavam a transportar escravizados. Homens como André Rebouças, Luis Gama, José do Patro- cínio e Joaquim Nabuco foram grandes expoentes sociais na luta pela abolição da escravatura. O Abolicionismo – Joaquim Nabuco Redigido em 1883, O Abolicionismo é um clássico do pensamento político brasileiro. Nele não há apenas uma defesa apaixonada e engenhosa da libertação dos escravizados, mas um amplo programa de reforma da sociedade imperial e uma corrosiva crítica de suas estruturas e instituições. multimídia: livro CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 119 V O LU M E 3 É importante lembrar que muitos soldados que haviam atuado na Guerra do Paraguai eram negros, e grande parte do Exército passou a defender abertamente a abolição, in- clusive prestando homenagens a integrantes do movimen- to abolicionista. De modo geral, militares se recusavam a caçar escravizados fugitivos, não aceitando o humilhante papel de capitão do mato. Os grandes proprietários rurais estavam divididos: enquanto uma parcela dos fazendeiros nordestinos e paulistas perce- bia a necessidade de adotar o trabalho livre em apoio à abo- lição, representantes das lavouras mais tradicionais, como os donos de velhos engenhos nordestinos e os cafeicultores do Vale do Paraíba, eram contrários à abolição. Eles temiam os prejuízos que teriam com a abolição da escravidão, pois perderiam o dinheiro que haviam aplicado na compra dos escravizados e não tinham capital para investir em projetos imigrantistas. Alguns fazendeiros até eram capazes de acei- tar a libertação dos escravizados, desde que fosse gradativa e o Estado se encarregasse de indenizá-los. emancipação: uma nuVem que não para de crescer. ilustração de ângelo agostini. capa da reVista ilustrada, jan. 1880. 4.1. As leis abolicionistas As pressões internas e externas levaram o governo imperial a assinar leis de caráter abolicionista, respondendo à de- manda dos abolicionistas e aos interesses dos proprietários escravistas. Em 1871, foi assinada a Lei Visconde do Rio Branco, co- nhecida como Lei do Ventre-Livre, que declarava livres os escravizados nascidos a partir de setembro daquele ano. Os negros recém-nascidos poderiam ficar com seus pais até completarem oito anos, estando, portanto, sob a autoridade do senhor. Quando a criança atingisse tal idade, o senhor poderia decidir se a libertaria a troco de uma indenização do Estado ou se usaria o trabalho do jovem até que completas- se 21 anos, quando então seria libertado sem custos. Apesar da repercussão inicial, a lei suscitou muitas críticas; não alterava a estrutura da escravidão, beneficiando ape- nas os senhores de escravizados. Em resposta às críticas, o governo decretou em 1885 a Lei Saraiva-Cotegipe, que li- bertava os escravizados com mais de sessenta e cinco anos de idade, por isso chamada Lei dos Sexagenários. De- pois de muitas críticas, a idade foi reduzida para 60 anos. reVista illustrada. ilustração de ângelo agostini. crítica às medidas abolicionistas, lei dos seXagenários, que adiaVam a solução deFinitiVa. Fundação biblioteca nacional. disponíVel em: . A lei foi considerada desnecessária e alvo de severas e varia- das críticas. Dificilmente um escravizado chegava a essa ida- de e, se chegasse, provavelmente não teria mais condições de trabalhar. Além disso, os escravizados sexagenários teriam de trabalhar de três a cinco anos para indenizar seu senhor. A Abolição – Emília Viotti da Costa Esta 8ª edição, revista e ampliada, do livro A Abolição, da professora Emilia Viotti da Costa, aborda o pro- cesso de luta pela abolição da escravidão no Brasil e desmistifica a imagem da abolição como doação da Princesa Isabel em 1888 e não como exigência de um sistema de produção. A autora relata os diversos mo- mentos, personagens e aspectos do processo abolicio- nista que libertou os brancos do fardo da escravidão e abandonou os negros à sua própria sorte. multimídia: livro 120 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Sem condições de manter a escravidão por mais tempo, o governo imperial acabou extinguindo totalmente a es- cravidão no Brasil no dia 13 de maio de 1888, quando a princesa regente Isabel sancionou a Lei Áurea. Lei Áurea Declara extinta a escravidão no Brasil A princesa Imperial Regente, em nome de Sua majesta- de, o Imperial, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1o. É declarada extinta desde a data desta lei a es- cravidão no Brasil. Art. 2o. Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o co- nhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O secretário de Estado dos Negó- cios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67 o da Independência e do Império. Princesa Imperial Regente. Rodrigo Augus- to da Silva Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembleia geral, que houve por bem sancionar, declarando extinta a escravi- dão no Brasil, como nela se declara. Para vossa Alteza Imperial ver. Chancelaria-mor do Império – Antônio Fer- reira Viana. Transitou em 13 de maio de 1888. José Júlio de Albuquerque. 4.2. Consequências da abolição A libertação dos escravizados não foi acompanhada de po- líticas públicas que garantissem a integração dos negros na sociedade e no mercado de trabalho; não foi elaborado um programa de inserção dos negros que contemplasse edu- cação, saúde, terras ou empregos. Como foram deixados à sua própria sorte, os ex-escravizados tiveram dificuldade em se integrar ao mercado de trabalho, sendo em sua maioria marginalizados, o que ajudou na manutenção da ideia de inferioridade da qual os negros eram alvo no Brasil. No Sudeste, particularmente no Oeste Paulista, o trabalho nas fazendas foi ocupado pelos imigrantes europeus, bem como nas cidades, de acordo com a crença de que eles eram trabalhadores mais preparados para o trabalho in- dustrial, o que não era verdade, uma vez que a maioria dos imigrantes era proveniente de regiões rurais na Europa. A abolição da escravidão não foi um golpe na economia do país. No entanto, os decadentes cafeicultores do Vale do Paraíba e alguns grandes proprietários rurais que depen- diam do trabalho escravo não perdoaram o governo. Recla- mavam especialmente da indenização que nunca existiu. Em represália, passaram a engrossar as fileiras do movi- mento republicano,retirando seu apoio político ao Império e sendo conhecidos depois disso como “Republicanos do 13 de maio”, em alusão a data da lei Áurea. Da Senzala à Colônia - 5ª Ed. 2012 – Emília Viotti da Costa Neste livro fundamental, a autora demonstra que a abolição dos escravizados no Brasil representou apenas uma etapa na liquidação da estrutura colonial, mas gol- peou duramente a velha classe senhorial e coroou um processo de transformações que se estendeu por toda a primeira metade do século XIX. multimídia: livro Fonte: Youtube 100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão – Beth Carvalho multimídia: música CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 121 V O LU M E 3 Vasques, edgar. a lei do cão e mais alguma coisa. porto alegre l&pm, 1988. p.38 armada de caráter popular para derrubar o Império. As ideias de Silva Jardim eram tidas como radicais e incomodavam a direção do Partido Republicano, interessada na mudança pa- cífica sem pôr em risco o poder e os desejos da classe domi- nante. Assim, no congresso realizado em São Paulo, em maio de 1889, venceu a proposta de Bocaiuva. O grupo militar, distanciado da agitação partidária, tinha entre seus líderes o tenente-coronel Benjamin Constant, pro- fessor da Escola Militar que, assim como inúmeros militares, havia sido fortemente influenciados pelas ideias positivistas. Os Bestializados – José Murilo de Carvalho 1888: Abolição do trabalho escravo. 1889: Proclamação da República. Neste livro, José Murilo de Carvalho con- vida-nos a revisitar o Rio de Janeiro em suas primeiras encenações como Capital Federal. Cidade Maravilhosa, se acrescentarmos ao belo, o terrível; ao cômico, o trági- co; à lógica, a loucura. multimídia: livro retrato de benjamin constant. óleo sobre tela. 1890. décio Villares. 5. O movimento republicano (1870-1889) O crescimento do movimento abolicionista estava vincula- do aos avanços das ideias e da organização do movimento republicano. Vale lembrar que a classe mais prejudicada pela abolição, os barões do café na província do Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, constituiu, junto à decadente aristocracia açucareira, a oligarquia dominante na política do Segundo Reinado. Os ideais republicanos não eram suficientemente represen- tativos para se impor como um movimento político na épo- ca da independência e do período regencial, ao contrário do que ocorreu a partir da dissidência no interior do Partido Liberal, em 1868, quando surgiu um movimento capaz de ganhar força política. Em dezembro de 1870, foi publicado no Rio de Janeiro o Manifesto Republicano, que defendia o federalismo em oposição ao unitarismo que caracterizava o Império. Além disso, os republicanos defendiam o fim do senado vitalício e da união Estado-Igreja. As ideias republicanas logo ganhariam força nas províncias de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Depois da publicação do manifesto, foram fundados par- tidos republicanos com expressão mais regional ou pro- vincial, ao contrário dos partidos do Império, fortemente unidos em âmbito nacional. Em 1873, numa convenção na cidade de Itu, foi fundado o Partido Republicano Paulista (PRP), que capitaneou a propaganda republicana e veio a ser o mais forte da cha- mada Primeira República, dominada pelos grandes cafei- cultores do Oeste Paulista. À medida que aumentavam em número, os republicanos di- vidiam-se em dois grupos: históricos (evolucionistas) e revolu- cionários. Os históricos, liderados por Quintino Bocaiuva, esta- vam ligados aos cafeicultores paulistas e eram chamados de evolucionistas por pretenderem chegar à República por meio de reformas graduais. Os revolucionários, ligados às camadas médias urbanas, liderados por Silva Jardim, advogavam a luta 122 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 6. A Proclamação da República (1889) proclamação da república. henrique bernardelli. acerVo do museu da república. Sob o comando de D. Pedro II, o mais longo governo bra- sileiro enfrentava sérias dificuldades para manter a esta- bilidade, especialmente depois da Guerra do Paraguai, da qual os militares saíram fortalecidos e com maior consci- ência política. Além disso, a participação dos escravizados naquele conflito contribuiu para mudar a visão de alguns militares, que passaram a simpatizar com a causa abolicio- nista. O avanço dessas ideias comprometia muito a relação do imperador com os proprietários de escravizados, que cobravam uma atuação mais enérgica do Estado a fim de que não tivessem seus interesses econômicos contrariados. 1889 – Como Um Imperador Cansado, Um Marechal Vaidoso e Um Professor Injustiçado... - Laurentino Gomes Nas últimas semanas de 1889, a tripulação de um na- vio de guerra brasileiro ancorado no porto de Colombo, capital do Ceilão (atual Sri Lanka), foi pega de surpresa pelas notícias alarmantes que chegavam do outro lado do mundo. O Brasil havia se tornado uma república. multimídia: livro A relação do trono com a Igreja também estava desgas- tada depois dos episódios envolvendo a Igreja, o Estado e a maçonaria. A condição de continuidade da monarquia parecia cada vez mais remota em razão da saúde do Imperador e da questão de gênero da sucessora, a Princesa Isabel, a tal ponto que o fim do Império foi, no dizer de alguns historiadores, uma simples parada militar sem tentativas de reação. O ano de 1889 foi marcado por grandes agitações políticas nos meios civis e militares brasileiros. O movimento republi- cano crescia e ganhava mais adeptos a cada dia, enquanto o Império fraquejava e D. Pedro II perdia bases políticas. O desgaste da monarquia demandava reformas urgentes. Para efetuá-las, foi nomeado um novo presidente para o Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto. Fonte: Youtube Hino da Proclamação da República – Medeiros e Albuquerque & Leopoldo Augusto Miguez multimídia: música Fonte: Youtube Proclamação da República | Nerdologia 190 multimídia: vídeo Afiliado ao Partido Liberal, ele era consciente da difícil situa- ção enfrentada pela monarquia e da necessidade de refor- mas políticas urgentes para evitar seu fim. Apresentou à Câ- mara um projeto de reforma política cujas principais medidas eram o fim do senado vitalício, a elaboração de um código civil e a concessão de mais autonomia para as províncias. Composto majoritariamente por membros do partido conservador, o Legislativo não aprovou as medidas. No dia 17 de julho de 1889, a Câmara foi dissolvida e no- vas eleições legislativas foram convocadas. O impasse aumentou a turbulência política no país e levou os repu- blicanos, militares e civis a tramarem um golpe de Estado para derrubar D. Pedro II. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 123 V O LU M E 3 D. Pedro II, tentando reverter sua perda de apoio nos mais va- riados setores, apostou suas fichas em um tradicional evento, o Baile da Ilha Fiscal. Nesse baile, eram convidados apenas as pessoas de maior proeminência na sociedade, e o imperador tentava assim, reverter sua crescente impopularidade. Conta a história que, no momento do início da valsa, D. Pedro II teria escorregado, caindo sentado no chão. Nesse momen- to, ainda caído, o imperador teria quebrado o mal-estar da queda com uma piada: “caio eu, mas não cai o Império”. Tal frase teria arrancado risos e devolvido um clima leve à festa, ocorrida no dia 09 de novembro de 1889. Seis dias depois, D. Pedro II perderia seu trono. o baile da ilha Fiscal, aurélio de Figueiredo. A Proclamação da Republica - Descobrindo o Brasil – Celso Castro 15 de novembro de 1889: um grupo de militares der- ruba a Monarquia e “proclama” a República no Brasil. Nesse livro, o autor acompanha passo a passo o golpe republicano e retrata seus protagonistas, desvendando os motivos que os levaram à conspiração e narrando como se forjou um dos momentos mais importantes da história brasileira. multimídia: livro No dia 14 de novembro, o major Sólon Ribeiro plantou nos meios militareso boato de que o Visconde de Ouro Preto tinha ordenado a prisão do marechal Deodoro da Fonseca e do tenente-coronel Benjamim Constant. Em resposta, vários militares aquartelaram-se, enquanto Deodoro preparava uma reação. Liderando uma marcha iniciada na madru- gada do dia 15 de novembro, o marechal conduziu seus homens ao Ministério da Guerra, onde se encontrava o Visconde de Ouro Preto, para exigir sua renúncia e não para derrubar a monarquia. A marcha pela cidade do Rio de janeiro fez a população pensar que se tratava de uma parada militar, reflexo da falta de participação popular no movimento, como resume muito bem a famosa frase atribuída a Aristides Lobo: “E o povo assistiu bestializado...”. Diante dos acontecimentos, o Visconde de Ouro Preto foi deposto e a República proclamada em meio a gritos repe- tidos dos militares que acompanhavam Deodoro: “Viva a República!”. Ainda no dia 15 de novembro de 1889, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro se reuniu sob a liderança de José do Patrocínio e lavrou a ata de Procla- mação da República. D. Pedro II estava em Petrópolis e voltou imediatamente para o Rio de Janeiro, mas não conseguiu reverter a situ- ação. A república já era um fato consumado e o Segundo Reinado chegava ao fim. Essa Tal Proclamação da República – Edison Veiga A República foi proclamada em 15 de novembro de 1889. Porém, você sabe o que aconteceu meses antes do fim do Império? Com linguagem irreverente, o autor revela os fatos que antecederam a expulsão de dom Pedro II e da família imperial – como a ascensão da cafeicultura, a promulgação da Lei Áurea, a Guerra do Paraguai, o baile da Ilha Fiscal, a briga entre a maçonaria e a Igreja Católica, a revolta dos militares –, apresenta os personagens que participaram da queda da Monarquia, faz um panorama da sociedade brasileira do século XIX e conta a história dos hinos e da bandeira nacional. multimídia: livro O golpe republicano em 1889 foi resultado da conjugação de interesses convergentes entre cafeicultores, camadas mé- dias urbanas e militares, sendo mais uma vez, um momento político-social brasileiro no qual a maioria da população es- teve alijada do processo. proclamação da república. 1893. óleo sobre tela. benedito caliXto (1853-1927). acerVo da pinacoteca municipal de são paulo. 124 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Fonte: Youtube La Cecilia, une commune anarchiste au Brèsil Este filme de Jean-Louis Comolli, lançado em 1975, já está disponível em DVD. “O Cecilia, no final do século 19, os anarquistas italianos, dez homens, uma mulher, libertário, coletivista, emigrou para o Brasil para iniciar uma comunidade sem liderança, sem hierarquia, sem patrões, sem polícia, mas não sem conflitos, ou paixão. Esta utopia ontem convocou alguns dos temas canden- tes da atualidade: o de uma organização não-repressi- vo, o da libertação das mulheres ea luta contra a unida- de familiar ... “Jean-Louis Comolli. multimídia: vídeo www.colegioweb.com.br/segundo-reinado-governo-de- -d-pedro-1840-1889/a-queda-do-imperio.html alunosonline.uol.com.br/historia-do-brasil/leis-abolicio- nistas-no-imperio.html educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/questao- -religiosa-igreja-e-estado-entram-em-conflito.htm multimídia: site Fonte: Youtube Os Cinco Bailes da História do Rio – d. Ivone Lara multimídia: música Fonte: Youtube Proclamação da República #1 multimídia: vídeo Fonte: Youtube Hino à Bandeira – Olavo Bilac & Francisco Braga multimídia: música Fonte: Youtube Liberdade, Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós – Imperatriz Leopoldinense (samba-enredo 1989) multimídia: música CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 125 V O LU M E 3 CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS História e Sociologia O fortalecimento das ideias republicanas e do positivismo de Augusto Comte foram determinantes para a der- rocada do Segundo Reinado e para a Proclamação da República. Essas ideologias ganharam espaço na jovem oficialidade do exército brasileiro e, somadas às ideias abolicionistas adquiridas pelos militares depois da Guerra do Paraguai, pressionaram o monarca D. Pedro II até sua queda, em 1889. (caricatura de d. pedro ii ilustrada na reVista ilustrada, representando um líder Velho, cansado e desatento ao momento político nacional) É importante destacar que a abolição, apesar de extinguir oficialmente a escravidão (1888), não acabou com o sofrimento dos negros no Brasil, pois não houve nenhuma ação do governo para integrar os negros como cidadãos. Essa camada da sociedade vive até os dias atuais as consequências dessa marginalização sofrida no início da República. Também é possível analisar a produção literária da época, em autores como: Castro Alves atacando a instituição escravista; Machado de Assis relatando suas observações de uma sociedade racista; José de Alencar defendendo a manutenção do escravismo. (rara FotograFia do momento após a assinatura da lei áurea (13 de maio de 1888), na qual é possíVel obserVar a princesa isabel ao centro) 126 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM HABILIDADE 11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço. Fundamentais à historiografia, as fontes históricas assumem diversas formas, como relatos históricos ou obras literárias – que, por muitas vezes, podem se confundir. O Enem, ciente disso, exige dos estudantes algo além de uma simples memorização dos eventos históricos, como a capacidade de interpretar registros escritos em tempos pretéritos. A Habilidade 11 requer a capacidade de interpretação de texto e a sua devida associação ao período histórico. MODELO 1 (Enem) O texto abaixo foi extraído de uma crônica de Machado de Assis e refere-se ao trabalho de um escravo. “Um dia começou a Guerra do Paraguai e durou cinco anos, João repicava e dobrava, dobrava e repicava pelos mortos e pelas vitórias. Quando se decretou o ventre livre dos escravos, João é que repicou. Quando se fez a abolição completa, quem repicou foi João. Um dia proclamou-se a república. João repicou por ela, repicaria pelo Império, se o Império retornasse.” (assis, machado de. “crônica sobre a morte do escraVo joão”, 1897.) A leitura do texto permite afirmar que o sineiro João: a) por ser escravo tocava os sinos, às escondidas, quando ocorriam fatos ligados à Abolição; b) não poderia tocar os sinos pelo retorno do Império, visto que era escravo; c) tocou os sinos pela República, proclamada pelos abolicionistas que vieram libertá-lo; d) tocava os sinos quando ocorriam fatos marcantes, porque era costume fazê-lo; e) tocou os sinos pelo retorno do Império, comemorando a volta da princesa Isabel. ANÁLISE EXPOSITIVA A narrativa enfatiza a atividade rotineira do escravizado João, encarregado de tocar o sino sempre que algum acontecimento importante ocorria no país. Ao apresentá-lo como personagem apático e desinte- ressado quanto à relevância política que este ou aquele acontecimento poderia apresentar para alterar a sua condição de escravo, Machado de Assis expõe, ironicamente, a falta de participação do povo brasileiro nos eventos históricos que o afetam diretamente. Ou seja, o sineiro João tocava os sinos quando ocorriam fatos marcantes apenas porque era costume fazê-lo. RESPOSTA Alternativa D CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 127 V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS • PADROADO E BENEPLÁCITO (1824) • BULLA SYLLABUS (1864) • FORTALECIMENTO DO EXÉRCITO • IDEOLOGIA PROGRESSISTA (POSITIVISMO) • PENSAMENTO REPUBLICANO • PENSAMENTO ABOLICIONISTA (EX-ESCRAVIZADOS NO EXÉRCITO) • FORÇA DO MOVIMENTO ABOLICIONISTA (EXÉRCITO E CAMADAS URBANAS) • FUGA DE ESCRAVIZADOS DAS FAZENDAS • OESTE PAULISTA - MÃO DE OBRA LIVRE • VALE DO PARAÍBA - BARÕES DO CAFÉ QUEREM INDENIZAÇÃO * NÃO HÁ POLÍTICA DE AUXÍLIO AOS LIBERTOS • 1870 - MANIFESTO REPUBLICANO • FORÇA EM SP, RJ E RS • MUDANÇA POLÍTICA SEM AFETAR ELITE • 1873 - CRIAÇÃODO PARTIDO REPUBLICANO PAULISTA (PRP • ALIANÇA ENTRE CAFEICULTORES, CLASSE MÉDIA E MILITARES • SEM PARTICIPAÇÃO POPULAR • SEM MUDANÇAS ESTRUTURAIS • PROCLAMADA PELO MARECHAL DEODORO DA FONSECA D. PEDRO II APOIA PADRE MAÇOM E PERDE APOIO DA IGREJA TENSÕES ENTRE MILITARES E O GOVERNO LEIS: 1845 - BILL ABERDEEN 1850 - EUSÉBIO DE QUEIROZ 1871 - LEI DO VENTRE LIVRE 1885 - LEI DOS SEXAGENÁRIOS 1888 - LEI ÁUREA QUESTÃO RELIGIOSA QUESTÃO MILITAR ABOLIÇÃO MOVIMENTO REPUBLICANO (1870-1889) PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA (1889) CRISE DO IMPÉRIO 128 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 1. Introdução Nas próximas aulas será estudada a Primeira República no Brasil, tradicionalmente conhecida como República Ve- lha (1889–1930). A história da República brasileira é marcada por golpes, rupturas e permanências sem nenhuma ou com pouquís- sima participação popular direta. Os primeiros anos da República, que chegaram carregados de expectativas por parte dos segmentos menos favorecidos da população, foram marcados por decepções, especialmente pelo proje- to da Constituição de 1891, que excluía a grande maioria da população do direito ao voto, ou seja, do exercício da cidadania. O próprio equilíbrio entre os poderes proposto naquele projeto durou pouco, uma vez que Deodoro da Fonseca, cujos interesses centralizadores encontravam re- sistência no Congresso, de maioria civil e de ideais federa- listas, optou pelo fechamento do poder Legislativo, numa clara atitude golpista. Embora a atuação popular pelo voto fosse limitada, a Re- pública Velha presenciou diversos movimentos sociais que, de alguma forma, representavam uma reação ao latifún- dio, à miséria e à repressão política das oligarquias domi- nantes, como nos movimentos messiânicos de Canudos e do Contestado. Como os dois primeiros presidentes brasileiros eram milita- res, convencionou-se chamar o período de República da Espada (1889–1894). Apesar da grande instabilidade política e da ocorrência de alguns motins, inclusive militares, o período foi marcado pela consolidação do regime republicano, do qual foram afastados os últimos resquícios monarquistas e seus dese- jos de reação. Fonte: Youtube PANORAMA DA REPÚBLICA DA ESPADA multimídia: vídeo 2. Governo provisório (1889–1891) primeira bandeira republicana, criada por rui barbosa. Vigorou entre 15 e 19 de noVembro de 1889. Proclamada a República em 1889, iniciou-se um governo provisório, com um ministério formado por republicanos históricos, positivistas e militares, mas não por revolucio- nários. Compunham o ministério: Rui Barbosa (Fazenda), almirante Eduardo Wandenkolk (Marinha), tenente-coro- nel Benjamin Constant (Guerra), Demétrio Nunes Ribeiro (Agricultura), Campos Sales (Justiça), Quintino Bocaiuva (Relações Exteriores) e Aristides Lobo (Interior). As primeiras medidas do Governo Provisório foram os decre- tos de implantação do regime republicano e o banimento da família imperial, publicados no Diário Oficial no dia seguinte à Proclamação. Ao receber a notícia de que teria de deixar o Brasil em 24 horas, D. Pedro II não resistiu e embarcou com sua família para a Europa. O embarque sem resistência frus- trou os monarquistas que imaginavam poder reverter a situ- ação, especialmente na Bahia, onde a proposta de resistên- cia previa até mesmo a separação da província. Essa partida também frustou a chamada “guarda negra”, formada por negros libertos pela Lei Áurea, e que tinham jurado lutar para defender o futuro trono da princesa Isabel se necessário. REPÚBLICA DA ESPADA COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4 e 5 HABILIDADE(s) 1, 9, 11, 13, 14, 15, 18, 22 e 24 CH AULAS 25 E 26 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 129 V O LU M E 3 As câmaras municipais e assembleias legislativas provinciais foram dissolvidas e seus presidentes destituídos. As provín- cias foram transformadas em estados. Foram nomeados interventores para governá-los. Adotaram-se também as seguintes medidas. § A naturalização em massa de estrangeiros residentes no Brasil, que residiam no Brasil no dia 15 de novembro de 1889 e que não declarassem, no período de seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o desejo de conservar a nacionalidade de origem. § A separação entre Estado e Igreja (Estado laico). § A administração de cemitérios pelas prefeituras e não mais pela Igreja. § O catolicismo deixou de ser a religião oficial no Brasil, que oficializou o livre culto de crenças religiosas. § A criação do registro civil para nascimento e falecimen- to das pessoas. § A instituição do casamento civil. § A criação da bandeira da República, mantendo-se as cores da bandeira do Império. § A mudança do nome do país para República dos Estados Unidos do Brasil, francamente federalista. § A reforma financeira de Rui Barbosa (Encilhamento). § A promulgação da Constituição de 1891. Quando foi criada a bandeira nacional e o que significam suas cores? Ainda não se parecia com a atual, a primeira bandeira brasileira foi criada em 19 de setembro de 1822 por de- creto de D. Pedro I (1798–1834). Mas foi em 1889, com a Proclamação da República, que as armas do Império fo- ram substituídas pela esfera azul, emblema republicano. O losango amarelo, considerado único entre as bandeiras nacionais, foi concebido pelo pintor francês Jean-Baptis- te Debret (1768–1848), fundador da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. Muito além da associação com o verde das matas e o amarelo do ouro, as cores da bandei- ra têm profundo significado histórico § Verde – escolhido por dom Pedro I como a cor do Império. Foi o tom da bandeira de várias batalhas portuguesas na Europa, uma forte associação com as lutas libertárias. § Amarelo – a partir de 1250, após a conquista da re- gião do Algarve, o amarelo passou a figurar no brasão de armas de Portugal. Essa cor também representava os castelos conquistados dos mouros. § Azul e branco – muitos donatários de capitanias hereditárias usavam a combinação para representar seu território. § Estrelas – presentes na bandeira, nas armas e nos selos nacionais. As constelações representam os Es- tados brasileiros e o Distrito Federal e retratam o céu carioca no dia da Proclamação da República. § Ordem e Progresso – trata-se da redução de um lema positivista do filósofo francês Auguste Comte (1798–1857), que proclama: “O amor por princípio e a ordem por base, o progresso por fim”. disponíVel em: . acesso em: 7 mar. 2015. É interessante observar que a própria bandeira da Repú- blica está simbolicamente marcada por continuidades e descontinuidades históricas, trazendo até o presente uma série de superposições conflitantes. 2.1. A Constituição de 1891 constituição de 1891. Em 3 de dezembro de 1889, o Governo Provisório nomeou uma comissão para elaborar o projeto da Constituição repu- blicana, a ser submetido ao futuro Congresso Constituinte. Foram elaborados três projetos, finalmente fundidos em um, que foi entregue ao governo em maio de 1890. Rui Barbosa foi o responsável pela redação final do projeto. 130 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Em setembro de 1890, foi eleito o Congresso Constituinte, que discutiu, emendou, votou e aprovou a primeira Cons- tituição Republicana, em 24 de fevereiro de 1891, cujo modelo foi a Constituição norte-americana. Propunha para o Brasil uma república federativa, presidencialista e libe- ral. O princípio federativo, defendido desde o Império por grupos exaltados e republicanos e incorporado ao primeiro decreto do Governo Provisório, foi finalmente consagrado na Constituição, garantindo ampla autonomia aos estados, que passariam a: § ter sua própria Constituição; § eleger seus governadores; § criar orçamentos e impostos votados pelas assembleias estaduais; § contrair empréstimos no exterior; e § organizar forças militares próprias. À União caberia cobrar osimpostos de importação, criar bancos emissores de moeda, organizar as forças armadas nacionais e intervir nos estados para restabelecer a ordem a fim de que se mantivesse a forma republicana federativa. A Constituição estabeleceu os três poderes – Execu- tivo, Legislativo e Judiciário – “harmônicos e inde- pendentes entre si”. O Poder Executivo seria exercido por um presidente da República, eleito por um período de quatro anos. Como no Império, o Legislativo foi dividido em Câmara dos Deputados e Senado, mas os senadores deixaram de ser vitalícios. Os deputados seriam eleitos nos estados em número proporcional ao de seus habi- tantes, por um período de três anos. Os senadores teriam um mandato de nove anos, com três representantes por estado e três do Distrito Federal, capital da República. Para as eleições, fixou-se o sistema de voto direto e universal masculino e suprimiu-se o censo econômico (voto censitá- rio). Foram considerados eleitores todos os cidadãos brasilei- ros maiores de 21 anos, com exceção dos analfabetos, men- digos, praças militares e religiosos de ordens monásticas. Essa nova Constituição apresentava um caráter liberal que não foi posto em prática pelas oligarquias rurais, que con- tinuavam cometendo uma série de práticas fraudulentas e opressivas contra a população. A Constituição de 1891 era a expressão de uma República que, proclamada em 1889, não havia alterado a estrutura socioeconômica do Brasil, mas preservara o poder das oligarquias. Assim, apesar da adoção do sufrágio universal masculino, a maioria da po- pulação permaneceu à margem da vida política e do pleno exercício da cidadania. 2.2. A crise do Encilhamento Ocupado por Rui Barbosa, o Ministério da Fazenda do Governo Provisório tentou realizar uma reforma financeira com o objetivo de desenvolver a industrialização do Brasil, reduzir a dependência em relação ao capital estrangeiro e aumentar o meio circulante – quantidade de moeda em circulação no país. À época, ela era incompatível com as novas realidades do trabalho assalariado e do ingresso em massa de imigrantes no mercado de trabalho. rui barbosa Para conseguir realizar seus objetivos, o governo adotou uma política de emissão monetária para garantir a circu- lação monetária e o pagamento dos operários, bem como para facilitar a concessão de créditos para a criação de em- presas. As tarifas alfandegárias foram elevadas e a entrada de matérias-primas no país foi facilitada. O crédito e a emissão de dinheiro, que também foram re- alizados por bancos privados, levaram a uma especulação financeira desmedida. Empresas fantasmas vendiam de- senfreadamente ações na bolsa de valores. Da noite para o dia, especuladores acumularam grandes fortunas exploran- do o dinheiro de pessoas ludibriadas. charge de pereira neto, publicada na reVista ilustrada em dezembro de 1890, satiriza a especulação Financeira causada pelo encilhamento. A vultosa emissão monetária que desvalorizava constante- mente mil-réis, provocou uma crise inflacionária que refletia diretamente no aumento do custo de vida da população e CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 131 V O LU M E 3 na alta constante dos preços, ao mesmo tempo em que pre- judicava as empresas que importavam produtos e matérias- -primas, levando-as à falência e aumentando o desemprego. Na tentativa de socorrer empresas falidas e compensar a especulação financeira na bolsa de valores, o governo au- mentou ainda mais a emissão monetária, aprofundando a espiral inflacionária. A especulação e a inflação descontro- ladas deixaram clara a falência da política econômica de Rui Barbosa, que ficou conhecida como Encilhamento. Essa desvalorização monetária favoreceu inicialmente os ca- feicultores, que produziam gastando em mil-réis e vendiam em moeda estrangeira valorizada. Entretanto, a instabilidade econômica prejudicava seus negócios internos e a proteção dada à indústria desagradava-lhes, posicionando-os contra a política financeira do Governo Provisório. Os importadores também exigiam estabilidade cambial, uma vez que, com as constantes desvalorizações da moeda nacional, as importa- ções ficavam cada vez mais caras e o mercado consumidor de produtos importados decrescia aceleradamente. Fonte: Youtube Policarpo Quaresma - Herói do Brasil Policarpo Quaresma, herói do Brasil é um filme brasileiro de 1998 dirigido por Paulo Thiago, baseado na obra Tris- te Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, adapta- do por Alcione Araújo. multimídia: vídeo 2.3. As eleições indiretas e a escolha do primeiro presidente Como determinava a Constituição de 1891, a Assembleia Constituinte transformou-se em Congresso Nacional, que teve de escolher o primeiro presidente e o vice. Duas cha- pas foram inscritas para a eleição: uma encabeçada pelo Marechal Deodoro da Fonseca e o Almirante Eduardo Wa- ndenkolk (vice); a outra, pelo cafeicultor Prudente de Mo- raes e o Marechal Floriano Peixoto (vice). Havia uma clara tendência no Congresso para a escolha de Prudente de Moraes. Contudo, a forte pressão dos militares sobre os parlamentares poderia levar a não aceitação de um presidente civil. Devido à pressão, Marechal Deodoro foi eleito com pequena diferença de votos. No entanto, o vice escolhido foi o ma- rechal Floriano Peixoto, da chapa oposicionista, com mais votos do que o próprio Deodoro da Fonseca. Isso foi possível devido ao fato de a eleição ser realizada com chapa aberta, ou seja, os eleitores podiam votar no presidente e no vice de chapas diferentes. 3. Governo de Deodoro da Fonseca (1891) O primeiro presidente brasileiro, ex-chefe do Governo Pro- visório, foi eleito indiretamente, a contragosto de um Con- gresso pressionado pelo Exército, que evitou o uso da força e as divergências entre o Executivo e o Legislativo. Alvo de muitas críticas, especialmente pelo autoritarismo, centralismo e pelas acusações de corrupção que envolviam membros do governo, Deodoro também era apontado como responsável direto pela crise econômica e pela infla- ção herdadas do Encilhamento. deodoro da Fonseca Sem o apoio da maioria do Legislativo, indispensável para a administração pública, Deodoro dissolveu o Congresso no início de novembro de 1891 e decretou estado de sítio para fortalecer o poder Executivo, medida apoiada por todos os presidentes de províncias, exceto por Lauro Sodré, do Pará. 3.1. A Primeira Revolta da Armada (1891) Contestado por membros da Marinha, o estado de sítio levou-os a organizarem uma revolta – Primeira Revolta da Armada –, liderada pelo contra-almirante Custódio de Melo, que obteve apoio de Eduardo Wandenkolk e do vice-presidente Floriano Peixoto. Navios de guerra foram posicionados na Baía da Guanabara, com seus canhões 132 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 apontados para a cidade, e foi enviada uma mensagem ao presidente Deodoro: se não renunciasse à presidência, o Rio de Janeiro seria bombardeado pela Armada. A situação tornou-se insustentável para o presidente, que preferiu renunciar ao cargo em 23 de novembro de 1891. A presidência da República foi assumida pelo vice-presi- dente, o Marechal Floriano Peixoto. Fonte: Youtube Sessenta e um Anos de República – Império Serrano (samba-enredo 1951) multimídia: música 4. Governo Floriano Peixoto (1891–1894) Assim que assumiu a presidência da República, Floriano Peixoto determinou a reabertura do Congresso Nacional, suspendeu o estado de sítio e destituiu todos os presidentes dos estados que apoiaram o golpe de Deodoro da Fonseca. Floriano peiXoto Para aliviar os efeitos da crise econômica que o país atra- vessava, o novo presidente adotou medidas de incentivo à indústria, como a isenção de impostos para a importação de máquinas, a concessão de empréstimos e financiamen- tos e a adoção de tarifas alfandegárias protecionistas, que elevariam os preços dos produtos importados e incentiva- riam o consumo dos produtos nacionais. FlorianoPeixoto adotou também medidas de grande al- cance popular, como o tabelamento de preços de aluguéis e alimentos. O presidente contava com o apoio de setores militares e das oligarquias agrárias. Não obstante, o mandato de Floriano sofria contestações em virtude do artigo 42 da Constituição de 1891, que esta- belecia mandato presidencial de quatro anos e a assunção do vice-presidente caso o presidente não pudesse concluir seu mandato e caso já tivesse decorrido mais da metade de seu mandato; se faltassem mais de dois anos para que se completasse o mandato, o vice-presidente deveria con- vocar novas eleições. A primeira contestação à permanência de Floriano Peixoto na presidência foi um manifesto assinado por 13 generais, tornado público em abril de 1892, que exigia o cumpri- mento da Constituição de 1891 e a convocação de elei- ções presidenciais, uma vez que Deodoro renunciara com menos de um ano de mandato. A resposta do “Marechal de Ferro”, apelido de Floriano, foi a exoneração, o afastamento e até a determinação da prisão de alguns desses generais. Floriano alegava que o artigo em questão deveria valer somente para o pró- ximo presidente a ser eleito pelo voto direto, uma vez que sua escolha e a de Deodoro haviam sido feitas pelo Congresso, de acordo com as disposições transitórias da Constituição de 1891. 4.1. A Segunda Revolta da Armada (1893–1894) Outra contestação à continuidade de Floriano Peixoto na presidência da República constituiu a Segunda Revolta da Armada (1893–1895), liderada pelo contra-almirante Cus- tódio de Melo, que exigia a convocação de eleições presi- denciais, para as quais ele desejava se candidatar. Assim como haviam feito com Deodoro, o contra-almiran- te Custódio de Melo estacionou navios de guerra na Baía de Guanabara e ameaçou bombardear o Rio de Janeiro caso Floriano não renunciasse. A resposta do “Marechal de Ferro” foi diferente da de seu antecessor: decretou estado de sítio e ordenou o deslocamento de tropas do Exército para o litoral para combater os rebeldes e defen- der a cidade. Os combates foram intensos, e os revoltosos decidiram se retirar da Baía de Guanabara, rumando em direção ao Sul do país, onde se encontraram na ilha do Desterro (atual Florianópolis, SC), com membros da Revo- lução Federalista que vinham marchando do Rio Grande do Sul rumo ao Rio de Janeiro. Com uma esquadra formada de velhos navios adquiri- dos nos Estados Unidos e Inglaterra e adaptados para o CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 133 V O LU M E 3 combate, Floriano iniciou em março de 1894 a ofensiva final. Centenas de rebeldes, muitos deles vitimados pelo beribéri, abandonaram as armas e pediram asilo político em navios portugueses ancorados no Rio de Janeiro. marechal Floriano peiXoto e a reVolta da armada. bico de pena. angelo agostini. reVista d. quiXote, 29 jun. 1895. 4.2. Revolução Federalista (Rio Grande do Sul, 1893–1895) O poder político no Rio Grande do Sul era controlado pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), liderado por Júlio de Castilhos, o presidente do estado. Os mem- bros do partido eram chamados “castilhistas” ou “pica- -paus”, em virtude das fardas azuis e quepes vermelhos de suas tropas. Como a Constituição gaúcha permitia reeleições ilimitadas para presidente do estado, Júlio de Castilhos usava a máquina pública estadual para se re- eleger indefinidamente. A oposição aos castilhistas era liderada pelo Partido Fede- ralista, que exigia alterações na Constituição gaúcha que impedissem a reeleição para presidente do estado. Fonte: Youtube Guerra da Degola – resistência no Sul à Proclamação da República multimídia: vídeo No início de 1893, os federalistas, liderados por Gumercin- do Saraiva, pegaram em armas para tentar derrubar Júlio de Castilhos. Partiram da fronteira com o Uruguai e con- tavam com grande número de uruguaios em suas tropas, razão pela qual passaram a ser chamados de “maragatos”, um termo local para estrangeiros. júlio de castilhos, Fundador e líder do partido republicano rio-grandense. Os combates foram intensos e violentos, com relatos de atro- cidades praticadas pelos dois lados. Com o apoio do governo federal, as tropas castilhistas derrotaram os federalistas, ape- sar de ainda restarem alguns focos de resistência. Ainda sob a liderança de Gumercindo Saraiva, os federalistas atribuíram sua derrota ao apoio dado por Floriano Peixoto aos castilhis- tas e resolveram marchar em direção ao Rio de Janeiro com o intuito de derrubar o presidente da República. www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui- cao91.htm educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/encilha- mento-politica-economica-tentou-impulsionar-a-indus- trializacao.htm www.historiadobrasil.net/resumos/revolta_armada.htm www.todamateria.com.br/revolucao-federalista/ multimídia: site Quando os rebeldes gaúchos encontraram-se com os re- voltosos da Armada em Santa Catarina, resolveram se unir na luta contra Floriano Peixoto. Dominaram a cidade de Desterro (atual Florianópolis), a capital de Santa Catarina, e se dirigiram para o Paraná, onde Custodio de Melo e 134 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS Gumercindo Saraiva planejaram a tomada da cidade de Lapa, que conseguiu resistir. O almirante Saldanha da Gama aderiu à revolta e com ele grande parte de marinheiros, que colocaram mais navios à disposição dos rebeldes. Para combatê-los, Floriano ad- quiriu navios de guerra junto aos EUA e à Inglaterra, muito caros e em péssimo estado de conservação, o que lhes ren- deu apelido de “Esquadra de Papelão”. As tropas federais e a nova (velha) esquadra conseguiram derrotar os rebeldes, que tentaram fugir ou pediram asilo po- lítico à Portugal, o qual foi concedido. Em represália, Floriano Peixoto rompeu relações diplomáticas com os portugueses. Contrariando temores de que continuaria por meio da for- ça na presidência da República, Floriano Peixoto convocou eleições para o seu sucessor no prazo legal e passou regu- larmente a faixa presidencial para Prudente de Morais, que venceu as eleições, garantindo a ascensão dos cafeiculto- res ao comando do poder federal. Essas revoltas ocorridas no início do período republicano dei- xaram claro que a chamada “Proclamação da República” foi um golpe comandado por alguns setores militares e civis que excluiu do processo significativos segmentos da sociedade. Triste fim de Policarpo Quaresma - Lima de Barreto Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), filho de um tipógrafo da Imprensa Nacional e de uma pro- fessora pública, era mestiço e foi iniciado nos estudos pela própria mãe. Ainda estudante, começou a publicar seus textos em pequenos jornais e revistas estudantis, incrementando mais tarde sua militância na imprensa, lutando contra as injustiças sociais e os preconceitos de raça, de que ele próprio era vítima. Publicado inicialmente em folhetins no ano de 1911, Triste fim de Policarpo Quaresma é um romance do pe- ríodo do pré-modernismo brasileiro. multimídia: livro História e Sociologia Em 1891, foi promulgada a primeira Constituição da República, que era mais includente do que a Constituição de 1824, pois acabava com o critério censitário do voto. Entretanto, não significava que a Carta de 1891 amplia- ria muito o conceito de cidadania, pois o voto continuava restrito somente aos homens com mais de 21 anos e alfabetizados. Isso excluía as mulheres e boa parte dos homens, pois os alfabetizados no Brasil compunham um número pouco significante. (capa da primeira edição da constituição de 1891, a primeira do período republicano e que eXtinguiu o Voto censitário e o poder moderador) CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 135 V O LU M E 3 ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM HABILIDADE 2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas. A produção da memória pelas sociedades humanas, principalmente no Ocidente, é em boa parte constituída pelado comércio, que se intensificou com a re- abertura do Mediterrâneo, propiciando o renascimento das cidades e o crescimento da burguesia mercantil. Em síntese, o renascimento comercial e urbano da Europa ocidental, a decadência do feudalismo, o declínio do poder da nobreza e o fortalecimento da burguesia foram, direta ou indiretamen- te, consequências das Cruzadas. A partir do século XI, duas rotas comerciais se estabeleceram como as principais da Europa: ao norte, pelos mares Báltico e do Norte; e ao sul, pelo mar Mediterrâneo. As feiras de Champagne eram o grande ponto de encontro dos comer- ciantes, assim como as feiras periódicas na Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha e Itália foram um grande passo no desen- volvimento de um comércio estável e permanente. Os mer- cados semanais dos primeiros tempos de feudalismo eram pequenos e negociavam produtos locais. As grandes feiras do século XII ao XV comercializavam mercadorias por ataca- do, originárias de variadas e longínquas regiões, ocupando papel central na revitalização dos mercados. A Igreja talvez tenha sido a maior perdedora com as Cru- zadas. Seus objetivos não foram alcançados, pelo contrário: a tolerância entre cristãos e muçulmanos se intensificou. A partir do século XIII, as ordens mendicantes – franciscanos e dominicanos – substituíram os ideais cruzadistas pelos dos missionários. 3. Renascimento comercial O ressugimento da atividade mercantil na Europa ocidental a partir do século XI ficou conhecido como renascimento comercial. Esse processo não foi linear, sofreu avanços e recuos, mas sua tendência foi a expansão mercantil até a crise geral da sociedade feudal nos séculos XIV e XV. Ao possibilitarem as condições para o desenvolvimento in- cipiente da atividade mercantil, as Cruzadas, conjugadas às condições intrínsecas ao modo de produção feudal, impul- sionaram o que se transformou no renascimento comercial. A abertura do mar Mediterrâneo aos mercados da Europa ocidental restabeleceu as relações entre Ocidente e Oriente e dinamizou as atividades comerciais. Outros fatores, como a expansão da produção agrícola com o desenvolvimento de novas técnicas – como a charrua, que é uma espécie de arado puxado manualmente ou por animal – e a ampliação da área destinada à plantação – derruba- da de florestas e drenagem de pântanos, além do fim dos ataques dos invasores bárbaros (vikings), permitiram que a Europa vivesse um período de relativa paz, experimentando mais segurança e assistindo ao crescimento da população. O comércio se desenvolveu principalmente por rotas flu- viais e marítimas, devido às péssimas condições das estra- das. Os mares Mediterrâneo, ao sul, e do Norte e Báltico, ao norte, foram os eixos econômicos da Europa entre os séculos XI e XIV. O Mediterrâneo voltou a ser a via principal das atividades mercantis. As cidades italianas de Veneza, Gênova e Pisa redistribuíam pela Europa os produtos vindos do Oriente. A grande rival de Veneza foi Genova, revendendo produ- tos orientais, particularmente tecidos. Após o século XII, exportava para o Oriente tecidos de lã confeccionados em Flandres e Florença. Ao norte da Europa florescia outro eixo comercial impor- tante. Os produtos vindos do mar Báltico e do Norte – madeira, peliças, couros, peixe – encontravam na região de Flandres (parte das atuais Holanda e Bélgica) um dinâ- mico polo comercial nas suas principais cidades, Bruges e Antuérpia. Mais tarde, essas cidades se tornariam gran- des produtoras de tecidos, especialmente de lã. A intensificação do comércio na Europa setentrional e na Europa meridional resultou no estabelecimento de ligações entre as duas regiões. A região de Champagne, no les- te da França, passou a ser um ponto de confluência entre Flandres, ao norte, e a Itália, ao sul. Mercadores de todo o continente se dirigiam para Champagne, o que dinamizava um comércio intenso e diversificado. As feiras da Europa realizadas em Champagne ganharam fama. Como a maior parte das cidades não possuía condições de ter um comércio permanente, as feiras periódicas desempenhavam um papel fundamental graças ao volume de negócios que realizavam, ao mesmo tempo em que preparavam as condições para a consolidação de mercados estáveis e permanentes. Os últimos dias das feiras eram dedicados às transações financeiras. Desde o início da Idade Média até o século XII, a moeda foi se tornando cada vez mais rara. Com o renascimento comercial, ela passou a reaparecer com o esterlino, peça de prata inglesa. Em ouro eram cunha- dos o escudo, da França, o ducado, de Veneza, e o florim, de Florença. No centro da feira, os banqueiros, na época 12 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 chamados de cambistas, pesavam, avaliavam e trocavam os mais variados tipos de moedas. Faziam-se empréstimos, liquida- vam-se velhas dívidas, movimentavam-se letras de câmbio. A terra deixava de ser a única riqueza na Europa Ocidental. Essa verdadeira revolução econômica enfraquecia a nobreza, ligada à terra, e fortalecia a burguesia, ligada ao comércio e às finanças. Principais rotas comerciais da Europa durante o renascimento comercial Fonte: . 3.1. As associações de artesãos e comerciantes O progresso das cidades, a ampliação do mercado con- sumidor e o reaparecimento do dinheiro propiciavam um novo mercado para os artesãos mais hábeis, possibilitan- do-lhes abandonar a agricultura e viver da atividade ar- tesanal. Os artesãos organizaram-se em associações para defender seus interesses. Todos que trabalhavam em uma mesma atividade, numa determinada cidade, juntavam- -se e formavam uma associação denominada corpora- ção de ofício. A indústria artesanal era composta por três níveis hierár- quicos: o aprendiz, o jornaleiro e o mestre. O aprendiz era iniciado pelo mestre nos segredos do ofício. Depois de um longo período de aprendizagem, viria a ser um mestre. O jornaleiro recebia por jornadas trabalhadas, mas raramente passava a mestre. Por fim, o mestre de artes e ofícios era o proprietário da oficina artesanal. As corporações tinham o objetivo de regulamentar a profissão evitando excesso de pessoas no mesmo ofício, controlar a qualidade e o preço do produto dificultando a concorrência, dirigir o aprendizado da profissão e amparar os artesãos necessitados. Os mercadores também associaram-se para defender seus interesses. No século XII, as hansas ou guildas aglutinavam mercadores de diversas cidades. A mais po- derosa de todas foi a Hansa Teutônica ou Liga Hanseá- tica, que reuniu cerca de noventa cidades do norte da Europa. Elas exerciam monopólio sobre o comércio por atacado nas cidades incorporadas por elas. Fonte: Youtube O exército de Brancaleone (1966) No ano 1000 d.C., um bravo cavaleiro parte da França para tomar posse de suas terras. No caminho, ele é assaltado e assassinado por um bando de foras da lei que, de posse da escritura, decidem pegar para si o terreno. Para isso, eles precisam de alguém que finja ser o cavaleiro e acabam en- contrando a pessoa perfeita no atrapalhado Brancaleone. multimídia: vídeo CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 13 V O LU M E 3 4. Renascimento urbano e formação da burguesia O processo de reurbanização da Europa, caracterizado pelo ressurgimento das cidades, está estreitamente ligado ao re- nascimento comercial, que, embora não tenha sido o único fa- tor do renascimento urbano, foi, sem dúvida, o fator principal. Prova disso é o fato de as cidades ressurgirem com mais inten- sidade onde primeiro renasceu o comércio: Itália e Flandres. © W ik im ed ia C om m on s Veüe de la Ville de Feurs. graVura de louis boudan. loire, 1460. Fora das muralhas da cidade, estendiam-se o campo e os pomares. no entanto, o crescimento constante das cidades leVou à ampliação do raio urbano, de modo que se construíram noVas muralhas para acolher a população. À medida que o comércio se ampliava,construção de uma narrativa histórica. Em geral, trata-se da escrita de uma história nacional que nem sempre busca a objetividade e a atenção aos documentos históricos. Isso ocorre devido ao fato de a construção de uma memória nacional ser fruto de disputas entre diversos grupos políticos, que tendem a valorizar-se e a atacar os respectivos adversários. A Habilidade 2 exige essa percepção dos candidatos. Eles devem ser capazes de compreender as motivações e os resultados da produção das narrativas históricas. O aluno normalmente vai se deparar com um texto ou imagem de base para analisar, refletir e assinalar a alternativa correta. MODELO 1 (Enem) O instituto popular, de acordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier o principal dos Inconfidentes, e colocou os seus parceiros a meia ração de glória. Merecem, decerto, a nossa estima aqueles outros; eram patriotas. Mas o que se ofereceu a carregar com os pecadores de Israel, o que chorou de alegria quando viu comutada a pena de morte dos seus companheiros, pena que só ia ser executada nele, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, esse tem de receber o prêmio na proporção do martírio, e ganhar por todos, visto que pagou por todos. assis, m. gazeta de notícias, n. 114, 24 abr. 1892. No processo de transição para a República, a narrativa machadiana sobre a Inconfidência Mineira associa: a) redenção cristã e cultura cívica; b) veneração aos santos e radicalismo militar; c) apologia aos protestantes e culto ufanista; d) tradição messiânica e tendência regionalista; e) representação eclesiástica e dogmatismo ideológico. ANÁLISE EXPOSITIVA Os agentes proclamadores da República buscaram forjar novos heróis nacionais para legitimar o novo regime. Dentre os heróis escolhidos estava Tiradentes, cuja figura, para ser exaltada, foi aproximada da imagem crística e colocada como defensora da soberania nacional. RESPOSTA Alternativa A 136 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS REPÚBLICA DA ESPADA 1889 (PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA) / 1894 (ELEIÇÕES DIRETAS) • NÃO TEM APOIO NO CONGRESSO • DECLARA ESTADO DE SÍTIO • 1ª REVOLTA DA ARMADA • RENÚNCIA • COMBATE À INFLAÇÃO • SETORES MILITARES QUEREM NOVAS ELEIÇÕES • 2ª REVOLTA DA ARMADA (1893-1894) • REVOLUÇÃO FEDERALISTA (RS: 1893-1895) • EMISSÃO DE PAPEL MOEDA • EXPANSÃO DO CRÉDITO • MARECHAL DEODORO DA FONSECA (PRESIDENTE) • MARECHAL FLORIANO PEIXOTO (VICE) PRESSÃO DO EXÉRCITO • INFLAÇÃO • ESPECULAÇÃO FINANCEIRA GOVERNO DEODORO (1891) GOVERNO FLORIANO PEIXOTO (1891-1894) (MARECHAL DE FERRO) REFORMA FINANCEIRA A CRISE DO “ENCILHAMENTO” ELEIÇÕES DE 1891 (CHAPA ABERTA) CRISE • CONSOLIDAÇÃO DO REGIME REPUBLICANO • MILITARES NO PODER • INTERVENÇÃO NOS ESTADOS • EXPULSÃO DA FAMÍLIA REAL DO BRASIL • REFORMA FINANCEIRA (ENCILHAMENTO) • MUDA O NOME DO PAÍS (ESTADOS UNIDOS DO BRASIL) • ELEIÇÃO DE ASSEMBLEIA CONSTITUINTE • LIBERAL • PRINCÍPIO FEDERATIVO • 3 PODERES (EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO) • PRESIDENCIALISTA • ESTADO LAICO • VOTO DIRETO, ABERTO E PARA HOMENS BRASILEIROS, ALFABETIZADOS, MAIORES DE 21 ANOS • ELEIÇÕES INDIRETAS PARA O PRÓXIMO PRESIDENTE CARACTERÍSTICAS CONSTITUIÇÃO DE 1891 GOVERNO PROVISÓRIO (1889-1891)surgiam cidades na confluência de estradas, na desembocadura de rios ou em regiões de declive elevado. Esses eram os pontos geográficos preferidos pelos mercadores. Ali havia sempre uma igreja ou uma fortificação, denominada burgo, que, ao mesmo tempo que protegia, facilitava a defesa dos comerciantes. Nas ci- dades medievais, conhecidas genericamente como burgos, foi-se formando uma nova classe social ligada ao comércio, que passou a ser conhecida como burguesia. As cidades situadas dentro dos feudos estavam submetidas à tutela e à autoridade dos senhores feudais. Não tinham au- tonomia e deviam à nobreza impostos e obediência. Com o crescimento do comércio, o enriquecimento dos comerciantes e as cidades fortalecidas, a burguesia procurou obter sua auto- nomia administrativa e judiciária, liberdade essa que era fun- damental para a continuidade e expansão de seus negócios. Inseridos em uma sociedade ainda feudal, o comércio e as feiras ocorriam no interior dos feudos, o que beneficiava a arrecadação de tributos para a aristocracia feudal. De um lado, essa aristocracia favorecia o comércio, franqueando os feudos para a realização das transações; de outro, trava- va sua expansão com excessivos pedágios e tributos. Outro obstáculo ao desenvolvimento mercantil era a diversidade de moedas, leis, pesos e medidas, que variavam de feudo para feudo. Sem esquecer as próprias relações servis de produção, que constituíam um obstáculo ao desenvolvi- mento pleno da economia de mercado. Para criar condições básicas para a expansão da nova eco- nomia mercantil e monetária, era preciso abolir as relações de vassalagem e o direito consuetudinário, bem como unificar o mercado, diminuir os impostos, padronizar a le- gislação, a moeda, os pesos e as medidas. Para isso, seria necessário subordinar a nobreza e fortalecer o poder cen- tralizador do rei, que poderia impor essas reformas. Tal processo mencionado durou séculos e é conhecido como a “formação dos Estados modernos”. No plano político, o monopólio do poder e da força acabou sendo a resposta para os problemas que impediam a expansão do comércio e das cidades. Todo esse conjunto de transformações, porém, serão melhor detalhadas em um capítulo posterior. 5. Crise do século XIV e decadência do feudalismo A partir do início do século XIV, uma profunda crise se disse- minou pela Europa. Fome, pestes, guerras e rebeliões cam- ponesas atingiram a essência do sistema feudal já bastante desgastado. Ao fim do século XV, as monarquias nacionais es- tavam consolidadas, a nobreza enfraquecida e as obrigações feudais contestadas pelas frequentes revoltas camponesas. 5.1. Grande Fome (1315-1317) Antes do ano 1000, a subalimentação na Europa era crô- nica. Do século XI ao XIII, a farta produção agrícola reduziu consideravelmente a fome. Nesse período, a população au- mentou. A exploração predatória das novas terras contribuiu para o desgaste da fertilidade do solo, e o desmatamento intenso provocou alterações ecológicas e climáticas. Períodos excessivamente chuvosos alternavam-se com outros extre- mamente secos, o que, já no início do século XIV, fez diminuir a produção agrícola e encarecer os produtos. Três anos de péssimas colheitas (1315-1317) produziram uma terrível fome coletiva que provocou a morte de milhões de pessoas. 5.2. Peste Negra (1347-1350) A Peste Negra, como ficou conhecida na época, foi uma manifestação epidêmica de peste bubônica transmitida pela pulga do rato. Acredita-se que tenha sido trazida do Oriente por um navio veneziano e dali tenha se propagado por toda a Europa. A subnutrição causada pelas crises de fome e as precárias condições de higiene das cidades medievais contribuíram decisivamente para a disseminação da doença. O auge da epidemia ocorreu entre os anos de 1347 e 1350. Estima-se 14 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 que mais de 30% da população europeia foram vítimas da peste. Para se ter uma ideia do que isso significou, a Europa precisou esperar quase 300 anos para voltar a ter a mesma população de antes da crise. ilustração da peste bubônica, em edição da bíblia de toggenburg, de 1411 Fonte: . 5.3. Guerra dos Cem Anos (1337-1453) Por mais que não tenham sido cem anos de guerra con- tínua, a guerra entre a Inglaterra e a França foi uma das transformações políticas mais significativas que ocorreram no interior dos dois reinos. Foi uma guerra que ocorreu de maneira intermitente, durante um século, em que as duas monarquias mantiveram-se em estado beligerante. A região de Flandres, no norte da França, rica em manufa- turas e pródiga em impostos, era desejada pela França que pretendia anexá-la aos seus domínios. Os grandes merca- dores e artesãos de Flandres não queriam submeter-se ao domínio francês e mantinham fortes ligações com a Ingla- terra, um dos principais fornecedores de lã para os teares desses mercadores e artesãos. Outro fator importante dessa guerra foi a disputa por territó- rios na França. Os reis da Inglaterra eram senhores de grandes feudos na França, o que os tornava vassalos do rei francês. No século XIV, o rei francês não deveria ter em seu território um vassalo tão poderoso, bem como o monarca inglês não podia suportar a humilhação de ser vassalo de outro rei. Ao mesmo tempo, havia uma acirrada luta pela sucessão do trono francês. Em 1328, morrera o último descendente de Felipe IV, o Belo, sem deixar sucessor. Os grandes nobres franceses tinham dois candidatos para o cargo: um nobre da família Valois, de nome Filipe, e Eduardo III, rei da Inglaterra, neto de Filipe IV, por parte de mãe. Os nobres franceses es- colheram o membro da família Valois, que recebeu o nome de Filipe VI, escapando, portanto, do domínio inglês.2 O rei inglês não acatou a decisão e partiu para a guerra com a 2. Uma assembleia de nobres franceses escolheu Filipe de Valois para o trono com base na Lei Sálica, segundo a qual, desde o início da Idade Média, mu- lheres não podiam ocupar ou transmitir o trono francês. França, em 1337. O palco do conflito foi o território francês. Numa primeira fase, as vitórias foram inglesas. Arqueiros e soldados da infantaria impuseram uma dura derrota à pesa- da e lenta cavalaria francesa na Batalha de Crécy, em 1346. A segunda fase foi marcada pela reação francesa graças ao nacionalismo despertado por uma camponesa que conse- guiu organizar um exército e derrotar em várias ocasiões os ingleses: Joana D’Arc. Ao cair prisioneira dos ingleses e bor- guinhões, foi acusada de feitiçaria e executada na fogueira. Morta, Joana D’Arc transformou-se em heroína, símbolo do patriotismo popular francês. Imbuídos de novo espírito, os franceses continuaram a conquistar vitórias. Em 1453, os in- gleses foram definitivamente expulsos da França. As brumas de Avalon – Marion Zimmer Bradley (1979) Uma obra de 1979, da escritora estadunidense Marion Zimmer Bradley, feita em quatro volumes. É ambientada durante a vida do lendário rei Artur e seus cavaleiros e tem por escopo narrar a já conhecida lenda arturiana a partir de uma outra perspectiva. multimídia: livro CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 15 V O LU M E 3 CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS A Peste Negra (Biologia) Entre os anos de 1346 e 1352, nos porões dos navios de comércio que vinham do Oriente, chegavam milhares de ratos. Esses roedores encontraram nas precárias condições de higiene das cidades europeias um ambiente favorável. O esgoto corria a céu aberto e o lixo acumulava-se nas ruas. Assim, a população de ratos aumentou significativamente. Esses ratos estavam contaminados com a bactéria Pasteurella pestis. As pulgas desses roedores transmitiam a bactéria aos homens através da picada. Os ratos também morriam da doença e, quando isso acontecia, as pulgas passavam rapidamente para os humanos para obterem seu alimento,o sangue. Depois de adquirir a doença, a pessoa apresentava vários sintomas. Primeiro, apareciam nas axilas, nas virilhas e no pescoço diversas bolhas de pus e sangue. Em seguida, vinham os vômitos e a febre alta. Era questão de dias para os doentes morrerem, pois não havia cura para a doença e a medicina era pouco desenvolvida. Vale lembrar que, para piorar a situação, a Igreja católica opunha-se ao desenvolvimento científico e farmacológico. Os poucos que tentavam desenvolver remédios eram perseguidos e condenados à morte, acusados de bruxaria. A doença só foi identificada e estudada séculos depois da grande epidemia. quadro de pierre bruegel (1562) intitulado “o triunFo da morte”, inspirado na peste negra do século XiV. museu do prado Acreditava-se que apenas os pecadores ou devedores da Igreja seriam infectados pela doença. A peste dizimou um terço da população europeia. Com o surgimento dos problemas econômicos em decorrência das epidemias, foram discutidas diversas questões sobre a higiene e o ambiente trabalho, tornando as condições de trabalho mais favoráveis. As epidemias se perpetuaram até 1889, e o único tratamento disponível era a utilização do vinagre como repelente de insetos, devido ao seu odor forte. Somente com a descoberta dos antibióticos que a peste negra se tornou um problema menor de saúde. 16 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM HABILIDADE 18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais. Nas ciências humanas, existe o reconhecimento de que a economia, ou seja, a relação entre os homens e a natureza mediada por tecnologia, é fundamental para se explicar as transformações socioespaciais. Isso quer dizer que a maneira como o homem se organiza economicamente determina, em última instância, todos os outros aspectos da sociedade. A habilidade 18 exige a compreensão de como novos ou antigos processos de produção e circulação de bens econômicos determinam sociologicamente e geograficamente as civilizações humanas. Quando uma nova forma de produzir algo é descoberta, há habitualmente um impulso produtivo que redimensiona as relações sociais. Vale ressaltar, por exemplo, o caso da máquina à vapor durante a Revolução Industrial – sua implementação transformou profundamente a vida urbana, as relações de trabalho e as trocas co- merciais entre as nações. Trata-se, assim, de um caso que a habilidade 18 pode abordar. MODELO 1 (Enem) Mas era sobretudo a lã que os compradores, vindos da Flandres ou da Itália, procuravam por toda a parte. Para satisfazê-los, as raças foram melhoradas através do aumento progressivo das suas dimensões. Esse crescimento prosseguiu durante todo o século XIII, as abadias da Ordem de Cister, onde eram utilizados os métodos mais racionais de criação de gado, desempenharam certamente um papel determinante nesse aperfeiçoamento. dubY. g. economia rural e Vida no campo no ocidente medieVal. lisboa: estampa, 1987 (adaptado). O texto aponta para a relação entre aperfeiçoamento da atividade pastoril e avanço técnico na Europa ociden- tal feudal, que resultou do(a) a) crescimento do trabalho escravo; b) desenvolvimento da vida urbana; c) padronização dos impostos locais; d) uniformização do processo produtivo; e) desconcentração da estrutura fundiária. ANÁLISE EXPOSITIVA A alternativa B é a correta, pois o crescimento das cidades na Europa feudal, em paralelo ao crescimento demográfico, aumentou o consumo dos produtos, impelindo o aperfeiçoamento das raças bovinas com métodos mais racionais de criação. Isso está inserido no contexto do final da chamada Baixa Idade Média, momento de surgimento da cultura renascentista, quando algumas modificações importantes marcaram a vida europeia. Dentre tais modificações, o ressurgimento das cidades e do comércio merece destaque. Esses ressurgimentos contribuíram para um novo desenvolvimento da vida urbana. RESPOSTA Alternativa B CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 17 V O LU M E 3 DIAGRAMA DE IDEIAS BAIXA IDADE MÉDIA CRISE E DECADÊNCIA DO FEUDALISMO CAUSADAS POR: RENASCIMENTO COMERCIAL RENASCIMENTO URBANO • ABERTURA DO COMÉRCIO NO MAR MEDITERRÂNEO • MELHORA TÉCNICA E AU- MENTO PRODUTIVO • RETOMADA DO COMÉRCIO EUROPEU • MONETARIZAÇÃO DA ECONOMIA • FORTALECIMENTO DA BURGUESIA • NOVAS CIDADES SURGEM NAS ROTAS DE COMÉRCIO (BURGOS) • ENFRAQUECIMENTO DA NOBREZA • FORTALECIMENTO DOS ARTESÃOS • (CRIAÇÃO DAS CORPORAÇÕES DE OFÍCIO) • FIM DAS INVASÕES BÁRBARAS • CRESCIMENTO PO- PULACIONAL • TURCOS PROÍBEM CRISTÃOS DE PEREGRI- NAR A JERUSALÉM • FERVOR RELIGIOSO CRISTÃO • MOVIMENTO MILITAR • CONTENÇÃO DE CON- FLITOS DEMOGRÁFICOS • CONQUISTA DE ANTIGOS TERRITÓRIOS ROMANOS • GUERRA CONTRA ISLÂMICOS • REABERTURA DO COMÉR- CIO DO MEDITERRÂNEO • ENFRAQUECIMENTO DA IGREJA CATÓLICA CONSEQUÊNCIAS EXPULSÃO DOS MUÇULMA- NOS DA PENÍNSULA IBÉRICA GUERRA DE RECON- QUISTA (722-1492) CRUZADAS (1095-1270) CONTEXTO ESTOPIMCARACTERÍSTICAS CRISE GERAL DO SÉC. XIV • FOME • PESTE • GUERRA DOS CEM ANOS (1337-1453) • REVOLTA DOS CAMPONESES 18 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 a criação de adão. aFresco. michelangelo (c. 1511). teto da capela sistina, Vaticano 1. Renascimento cultural e transição para a Idade Moderna Entre os séculos XI e XIV, a Europa experimentou importan- tes transformações econômicas, sociais, políticas, intelectu- ais, artísticas e culturais que promoveram uma gradativa reorganização estrutural e o redimensionamento do seu entendimento do mundo, no qual a valorização do conhe- cimento, o desenvolvimento material e o incremento do comércio se reforçaram mutuamente. Essas mudanças, ocorridas desde o final da Baixa Idade Média, proporcionaram o renascimento urbano, cujo ele- mento propulsor foi o comércio, que trouxe consigo o sur- gimento e o crescimento de uma nova classe social: a bur- guesia mercantil. Coube à burguesia o papel fundamental de consolidar os territórios e as monarquias nacionais mo- dernas e financiar a técnica, a ciência e a arte. Esse longo processo histórico marca a passagem da Idade Média para Idade Moderna. Essas transformações estruturais estimu- laram mudanças no comportamento e na forma de pen- sar dos europeus, que passaram a ter uma nova visão de mundo caracterizada pelo humanismo. Desde o século XIV, vivia-se o esforço de trazer o homem para a posição central do mundo e torná-lo objeto de estudos e das artes. Os homens do Renascimento não nutriam desprezo pelas ideias ou pelo período medieval nem eram desligados da religiosidade, apenas separaram o mundo da religião do centro das suas preocupações a ponto de abraçarem o hu- manismo sem abandonar a crença em Deus. 1.1. Renascimento cultural: definição e fatores O Renascimento foi uma verdadeira revolução cultural que marcou e definiu o final da Idade Média e os primeiros sé- culos da Idade Moderna. Nesse período, ganham força os ideais e a visão de mundo da nova sociedade emergente com o desenvolvimento da economia mercantil e do capita- lismo. Contudo, em vários aspectos esse movimento cultural representou mais uma continuidade do que uma ruptura em relação ao mundo da Baixa Idade Média. Sua origem data do século XIV, e sua máxima plenitude, dos séculos XV e XVI. O desenvolvimento das atividades comerciais permitiu a abertura e a consolidação de rotas comerciais e feiras. Com elas, a distribuição de produtos na Europa foi dinamizada, estimulando a fundação e a evolução de centros comer- ciais que se tornaram grandes e importantes cidades. As atividades bancárias e financeiras foram incentivadas, e a burguesia enriqueceu, ocupando posição de prestígio e destaque na sociedade europeia. o cambista e a sua mulher. detalhe. 1514. quintino de metsYs Como forma de consolidar seu poder em uma sociedade dominada por nobres e clérigos, a burguesia, apoiada em seu poder econômico, passou a financiaratividades cultu- rais e artísticas que traduziam e representavam sua visão de mundo. Esses incentivos às artes tornaram-se comuns no período renascentista e receberam a denominação de mecenato. É importante observar que clérigos e nobres chegaram a atuar como mecenas, mas em escala reduzida em relação aos burgueses. RENASCIMENTOS CULTURAL E CIENTÍFICO COMPETÊNCIA(s) 1, 2, 3, 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 CH AULAS 19 E 20 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 19 V O LU M E 3 No plano intelectual, a retomada dos estudos das obras clássicas greco-romanas foi fundamental e se tornou pos- sível graças aos mosteiros medievais, que preservaram muitas dessas obras, protegendo-as da destruição pelos bárbaros no período das invasões. O desenvolvimento da imprensa também foi determinan- te no Renascimento cultural, uma vez que a impressão e a publicação das obras favoreceram a difusão e a divul- gação dos novos padrões culturais que se desenvolviam. Esses financiadores de uma nova cultura – burgue- sia, príncipes e monarcas – eram chamados mece- nas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo não era somente a autopromoção, mas também a propagan- da e difusão de novos hábitos, valores e comporta- mentos. Mais do que sua imagem, que podia ou não aparecer nas obras, o que elas deveriam veicular era uma visão racional, dinâmica e opulenta do mundo e da sociedade. Uma visão na qual o modo de vida e os valores da burguesia e do poder centralizado apa- recessem como única forma de vida e o conjunto de crenças mais satisfatório para todas as pessoas. […] Ser eternizado numa tela, com ar altivo, cercado de símbolos de poder e de uma clientela subserviente era uma tentação a que os ricos e poderosos não po- deriam mais resistir. Esses atributos simbólicos, gló- ria e eternidade, deixaram de ser um privilégio divino e se tornaram um valor de mercado, à disposição de quem pudesse adquiri-los. seVcenko, nicolau. o renascimento. são paulo: atual, 1994, p. 26 e 62. 1.2. Características A cultura renascentista se opõe aos valores clericais teo- cêntricos e dogmáticos preponderantes na Idade Média, com destaque para estas características: § Humanismo – valorização do homem, de sua inte- ligência e capacidade criadora. Os humanistas defen- diam um novo comportamento do homem europeu a partir da reinterpretação dos modelos estéticos artísti- cos e literários da Antiguidade. O objetivo era a cons- trução de uma mentalidade na qual o homem tivesse condições de se superar por meio de seus feitos. § Antropocentrismo – valorização de temas do cotidia- no humano, do comportamento e da realidade vivencia- da nas cidades europeias. Na visão antropocêntrica do Renascimento, o homem é a obra-prima entre as ma- ravilhas da natureza criadas por Deus. Sem esquecer a importância de Deus, as necessidades sociais, políticas, religiosas e as angústias existenciais do homem deve- riam se tornar o centro das preocupações. § Racionalismo – valorização do conhecimento baseado na razão, nos sentidos e no que possa ser explicado à luz dos estudos da natureza e da explicação científica dos fenômenos; o racionalismo passou a ser privilegiado em lugar da compreensão sobrenatural dos fenômenos. São exemplos disso a observação científica, os métodos experimentais e a organização racional do Estado. § Negação dos valores medievais – a cavalaria, uma das mais importantes instituições da Idade Média, entrou em declínio com o advento da pólvora e das armas de fogo. No âmbito filosófico, a Escolástica, que buscava a conciliação da fé com a razão, passou a ser desdenhada no Renascimento. § Valorização da cultura clássica – artistas e intelec- tuais renascentistas tomaram o humanismo e o racio- nalismo greco-romanos como referência e inspiração. § Individualismo – o Renascimento refletiu a realidade do capitalismo nascente, que estimulava o individualismo, a concorrência, o acúmulo de riquezas e a criatividade. § Naturalismo – ao individualizar e decompor as partes por meio do racionalismo, chegou-se à aguda análise e percepção da natureza. § Hedonismo – valorização do prazer e da felicidade terrenas sem medo do pecado ou do inferno. VISÃO DE MUNDO MEDIEVAL VISÃO DE MUNDO RENASCENTISTA Teocentrismo Antropocentrismo A verdade está na Bíblia, na tradição e na autoridade da Igreja. A verdade é resultado da observação, da experimentação e principalmente da razão. A vida material não importa. A vida dedicada à religião é tudo. Afinal, a realidade é explicada somente pela vontade de Deus. A vida terrena e material também é importante. A realidade terrestre é explicável pelo que acontece na Terra. Conformismo: todas as mudanças são contrárias à vontade de Deus. O homem pode e deve progredir material e culturalmente. Conhecer para contemplar a realidade. Conhecer para transformar a natureza: saber = poder. A natureza é fonte do pecado. O caminho é ficar afastado de suas “tentações”. A natureza é maravilhosa e o homem faz parte dela. Ascetismo: vida simples e afastada dos prazeres e desejos. Hedonismo: valorização do corpo e dos prazeres materiais e intelectuais. Filosofia escolástica Filosofia humanista Adaptação de São Tomás de Aquino ao pensamento do grego Aristóteles – filosofia aristotélico-tomista. A contestação da Escolástica. Busca de novas verdades e questionamento dos dogmas tradicionais. Dogmatismo: aceitação de certas “verdades” sem questionamento. Separação entre fé e razão: a fé cuida do céu; a razão, da Terra. A razão é serva da fé. Revalorização dos estudos clássicos greco-romanos. 20 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 2. Península Itálica: o berço do Renascimento Não foi por acaso que o Renascimento teve origem na Itá- lia. A península Itálica era o centro do dinâmico comércio mediterrâneo, que interligava os entrepostos orientais à rota de Champagne e do mar do Norte. Os centros urbanos se tornaram ativos e surgiam grandes companhias comer- ciais e grupos financeiros. As condições fundamentais para o Renascimento foram criadas a partir de uma economia dinâmica, mercantil, ge- radora de excedentes que podiam ser investidos na pro- dução cultural. Com o desenvolvimento mercantil, nasceu uma nova classe social: a burguesia italiana, que buscava projeção social e legitimação de seus valores. o nascimento de Vênus. 1485-1486. sandro botticelli. a arte e a literatura renascentistas recorrem aos mitos e diVindades clássicos. Na época do Império Romano, numerosos templos e mo- numentos foram levados para a Itália, que se tornou um centro de Antiguidade Clássica. Além disso, o afluxo de intelectuais bizantinos chegados à Itália depois da tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 1453, con- tribuiu para o novo clima cultural. 3. Renascimento italiano É comum a divisão do Renascimento Italiano em três fases: Trecento (século XIV), Quattrocento (século XV) e Cinque- cento (século XVI). O Trecento se caracterizou pelo empre- go do dialeto toscano e pela forte influência medieval. No Quattrocento houve grande empolgação com a cultura clássica, retorno ao grego e ao latim e ênfase na filosofia clássica. No Cinquecento, a língua italiana foi sistematiza- da e consolidada. 3.1. Literatura § Na literatura se destaca Dante Alighieri. A Divina comédia, sua principal obra, prenuncia o Renascimen- to em alguns aspectos, como a substituição do latim pelo dialeto toscano – que viria a se tornar o padrão da língua nacional italiana – e a citação de autores da Antiguidade Clássica. § Francesco Petrarca, considerado o “pai do Humanis- mo” e autor de De África e Odes a Laura, levou mais longe a recuperação dos clássicos ao fazer uma tentativa siste- mática de descobrir as raízes da retórica italiana medieval. § Giovanni Boccaccio escreveu suaobra mais notá- vel por volta de 1348, o Decameron, uma coletânea de contos. Nela é representada a crise de valores da época. Diferencia-se da literatura medieval por suas ca- racterísticas anticlericais e pela utilização do elemento erótico e picaresco. § Nicolau Maquiavel é considerado o precursor do pen- samento político moderno. Sua obra O Príncipe é uma espécie de manual de política destinado a ensinar aos príncipes como conquistar o poder e mantê-lo, mesmo contra todas as normas da moral cristã. Maquiavel não pretendeu retratar um ideal que levasse em considera- ção as ideias de justiça e perfeição; apenas determinou os meios pelos quais os homens de Estado de sua época alcançariam os fins a que se propunham. Ao promover a radical separação entre religião e política, Maquiavel abriu caminho para a criação de uma teoria política. nicolau maquiaVel 3.2. Artes plásticas § Giotto foi a principal figura do Trecento, considerado o precursor da pintura renascentista. Com ele a pintura alcançou a posição de arte independente da arquite- tura e assumiu um caráter naturalista. A humanização das figuras representadas e o cuidado nas proporções são traços que distinguem sua arte da medieval. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 21 V O LU M E 3 § Sandro Botticelli foi um pintor que procurou conci- liar o paganismo clássico com os valores cristãos. Seus melhores trabalhos se baseiam em temas da mitologia clássica. Entre eles, destacam-se a Alegoria da prima- vera e o Nascimento de Vênus. § Michelangelo Buonaroti foi, sem dúvida, um gênio da escultura, além de grande pintor e arquiteto. A har- monia artística criada por ele derivava de seu domínio da anatomia e do desenho. Entre suas principais es- culturas se destacam Davi, Pietá e Moisés. Patrocinado pelo papa Júlio II, Michelangelo projetou a abóbada da nova basílica de São Pedro em Roma. Mas sua obra mais admirável talvez seja o teto da capela Sistina, no Vaticano, encomendada pelo papa Júlio II. pietá, de michelangelo § Rafael Sanzio realizou uma síntese entre os grandes mestres de seu tempo. Produziu trabalhos marcados pelo equilíbrio e suavidade e notabilizou-se pela glorificação da forma e da cor em si mesmas. Entre suas obras mais importantes estão Escola de Atenas e Madona Sistina. detalhe da pintura escola de atenas, de raFael. no centro, platão segura o timeu e aponta para o alto, representando o mundo das ideias. aristóteles segura a ética e tem a mão Voltada para o chão, indicando o mundo material. disponíVel em: . § Leonardo da Vinci, cientista, engenheiro, excelente ar- tista, especialista em fortificações e em artilharia, inventor, anatomista e naturalista, transferiu para suas pinturas a cuidadosa observação da natureza, combinada com uma poderosa percepção psicológica. Produziu obras de reco- nhecida e insuperável genialidade, entre as quais se des- tacam A última ceia e La Gioconda ou Mona Lisa. La gioconda ou mona lisa, de leonardo da Vinci manuscrito de leonardo da Vinci que reVela a anatomia de um Feto no útero. Fonte: Youtube Leonardo da Vinci – Sônia Rocha multimídia: música 22 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias V O LU M E 3 Fonte: Youtube O código Da Vinci (2006) Baseado no livro homônimo do escritor estaduniden- se Dan Brown, desenrola-se a partir do assassinato de Jacques Saunière, curador do museu do Louvre. Robert Langdon, Sophie Neveu e Leigh Teabing vivem várias aventuras ao tentar desvendar os códigos que levam à resposta para os enigmas que Jacques Saunière deixou em seu leito de morte. multimídia: vídeo 4. Expansão do Renascimento cultural pela Europa No início do século XVI, as grandes navegações e o desen- volvimento comercial e urbano estimularam transforma- ções culturais em diversos países europeus. Essa expansão coincidiu com a consolidação de grande parte dos Estados modernos, que adaptaram a cultura renascentista às suas condições específicas. 4.1. Península Ibérica O espanhol Miguel de Cervantes foi um dos maiores nomes da literatura renascentista europeia. Em sua obra- -prima, Dom Quixote de La Mancha, o protagonista, D. Quixote, acredita ser um cavaleiro romântico medieval que, com seu escudeiro Sancho Pança, viaja pela Espanha em busca de aventuras. Trata-se de um louco e santo ao mesmo tempo, cujo humor era desconhecido até então. O estilo é bastante inovador graças à introdução do diálogo entre os personagens. Tem-se a clara impressão de que esse personagem adormeceu na história durante a Idade Média e acordou numa época em que a cavalaria medieval já estava completamente derrotada e ultrapassada. O comportamento de D. Quixote é o de um espanhol que vive a decadência de seu país, mas guarda na lembrança a época de opulência da exploração que a Espanha exerceu sobre as minas e os índios da América. Desse modo, a obra satiriza a nobreza espanhola, que insistia em se considerar a grande dominadora do mundo, o que não podia estar mais longe da verdade. Nações mais dinâmicas, como In- glaterra e Holanda, derrotavam econômica e militarmente a outrora gloriosa Espanha. Don Quijote de la Mancha – Miguel de Cervantes (1605) O livro surgiu em um período de inovação e diversidade por parte dos ficcionistas espanhóis. A obra-prima de Cervantes parodiou os romances de cavalaria, que ha- viam gozado de imensa popularidade e se encontravam em declínio. Trata-se de um dos livros mais conhecidos do mundo, e sua influência na história da literatura e em outras artes é incontestável. multimídia: livro Nas artes plásticas, a Espanha forneceu pelo menos um grande pintor: El Greco (Domenikus Theotokopoulos). Entre suas obras, O enterro do conde de Orgaz é um desta- que. Nela prenunciam-se elementos que seriam dominantes no Barroco, fase posterior ao Renascimento. o enterro do conde de orgaz, el greco Gil Vicente e Luís Vaz de Camões foram as figuras mais importantes do Renascimento em Portugal. Gil Vicente, te- atrólogo, produziu uma vasta obra com destaque para o Auto da barca do inferno e Farsa de Inês Pereira; Camões escreveu a epopeia Os Lusíadas, cujo assunto é a viagem de Vasco da Gama às Índias. CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias 23 V O LU M E 3 4.2. Inglaterra No século XVI, a Inglaterra se encontrava em condições econômicas desenvolvidas e começava a superar as potên- cias europeias. Os principais autores britânicos da época são Thomas Morus e William Shakespeare. laurence oliVier, no Filme hamlet (1948) O intelectual humanista Thomas Morus deixou uma obra clássica, Utopia (do grego “em nenhuma parte”), que des- creve as condições de vida da população de uma ilha ima- ginária sem propriedade privada, ou seja, sem pobres nem ricos. A sociedade é ideal e igualitária. Morus viveu em plena Reforma Protestante, quando Henrique VIII rompeu com a Igreja católica e fundou a Igreja anglicana. Por não reconhe- cer o monarca como chefe religioso, Morus foi executado. william shakespeare William Shakespeare é considerado o maior drama- turgo de todos os tempos. O auge de sua produção tea- tral coincide com o reinado da rainha Elizabeth I, que fez crescer os grandes negócios e enriqueceu uma burguesia nascente e uma nova nobreza ligada aos negócios. Essa nova camada social desejava desfrutar de uma sociedade estável, ordenada e sem agitações ou revoltas coletivas para desenvolver plenamente seus negócios. A obra de Shakespeare reflete esse contexto sociopolítico, que teme a anarquia e apela constantemente para a ordem. As tragédias ”Hamlet”, ”Ricardo III”, ”Macbeth” e ”Otelo” destacam-se pela forte crítica ao ideal de cavalaria, carac- terístico do pensamento medieval. Fonte: Youtube Agonia e Êxtase (1965) Agonia e êxtase é um filme biográfico estadunidense de 1965, produzido e dirigido por Carol Reed. O enredo busca retratar os conflitos entre o artista Miquelângelo e o papa Júlio II, durante a realização das