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Uma Análise Comparativa da Evolução Histórica do Sistema 
de Propriedade de Terras no Brasil e nos Estados Unidos 
 
Bernardo Mueller 
Departamento de Economia 
Universidade de Brasília 
 
Introdução 
 
Tanto Portugal como Inglaterra enfrentaram tarefas semelhantes, ao ocuparem 
suas colônias no Novo Mundo. Naturalmente as circunstâncias encontradas por cada 
nação não eram idênticas e cada uma enfrentou problemas diferentes, com dotações e 
restrições próprias. Não espanta, portanto, que os caminhos seguidos não foram 
similares. O que intriga, porém, é que os caminhos não tenham convergido, apesar de 
um ser claramente superior ao outro, no que toca a propiciar crescimento econômico e 
prosperidade. Ao analisar os diferentes caminhos tomados pelo Brasil e Estados 
Unidos, quanto à evolução de um sistema de uso e propriedade da terra, este trabalho 
busca contribuir para a compreensão de uma importante questão econômica: a 
persistente má performance de uma série de economias e sociedades ao longo do 
tempo e através do espaço, mesmo diante de claras evidências da superior viabilidade 
de outros arranjos econômicos. A primeira seção deste trabalho analisa a evolução do 
sistema americano de uso e propriedade de terra, enquanto a evolução do sistema 
brasileiro é analisada na segunda seção. 
 
Seção 1 – O Sistema Americano de Prosperidade e Uso da Terra 
 
Seção 1.1 – Introdução 
 
 À época em que os Estados Unidos se tornaram um país independente, após 
menos de duzentos anos de colonização, um padrão claro de propriedade e uso da 
terra já havia emergido. Alguns detalhes ainda seriam mudados e havia diferenças 
regionais, mas praticamente todos os princípios que persistem até hoje já haviam sido 
estabelecidos quando da Revolução, em 1776. Era um padrão onde predominavam 
propriedades familiares, mas onde havia também grandes plantações. As condições de 
propriedade haviam evoluído de formas mais restritas para um sistema livre e 
igualitário, muito semelhante àquele que existe hoje. Em outras palavras, a terra havia 
rapidamente completado a transição para uma mercadoria e fator produtivo, de posse 
e controle privado, para o qual havia um mercado bem evoluído. 
 O fato de o sistema americano ter-se definido desse modo pode levar alguns a 
concluírem que o processo pelo qual isso ocorreu foi relativamente tranqüilo e sem 
controvérsias. Poder-se-ia supor que todas as condições — históricas, políticas, 
religiosas, econômicas, geográficas, climáticas e outras — eram tais que seria quase 
inevitável que um padrão de pequenas propriedades familiares se tornasse a norma. 
No entanto, se se examina a evolução do sistema americano de propriedade de terras 
em detalhe, fica logo evidente que o resultado não se produziu dessa forma, como se 
não tivesse havido alternativas.1 De fato, um dos principais propósitos desta seção é 
demonstrar que não foi óbvio nem natural que se tivesse evoluído para um padrão de 
 
1 Segundo North (1990: 98), referindo-se à história do uso da terra nos Estados Unidos: “If, however 
the foregoing story sounds like an inevitable, foreordained account, it should not. At every step along 
the way there were choices – political and economic – that provided real alternatives.” 
 
 
2
pequenas propriedades. Pelo contrário, por vários aspectos é até surpreendente que 
fosse esse o resultado. Houve, de fato, um processo, em que vários arranjos 
institucionais se enfrentaram, e por meio do qual emergiu o padrão final, moldado 
pelas condições da fronteira. Pela análise dos detalhes dessa competição entre 
diferentes formas de dispor, usar e regulamentar a terra, esta seção mostrará como 
surgiu o sistema norte-americano. 
 A experiência colonial americana é particularmente rica para o estudo da 
criação e evolução de instituições, devido à grande variedade de arranjos pelos quais 
as treze colônias originais foram assentadas. Algumas foram colonizadas diretamente 
pela Coroa Britânica, enquanto outras foram cedidas a companhias de colonização, e 
outras mais cedidas a proprietários individuais. Comparações entre as similaridades e 
diferenças em métodos e resultados da colonização, sob esses diferentes arranjos, bem 
como a interação entre eles, serão usadas, neste trabalho, para mostrar quais as 
condições, motivações e restrições que foram mais influentes na determinação do 
padrão de propriedade e uso da terra que afinal emergiu. Isto servirá de base, na seção 
seguinte, para se comparar o padrão bastante diverso que evoluiu no Brasil. 
 Mesmo uma descrição superficial dos métodos empregados em algumas 
colônias americanas é suficiente para demonstrar a grande diversidade de arranjos 
tentados. A primeira colônia onde se tentou o assentamento foi a Virgínia, no início 
do século XVII e, portanto quase um século após os primeiro assentamentos no Brasil. 
A colônia havia sido cedida pela Coroa à companhias de colonização, que tinham a 
idéia de basear o assentamento em propriedade e trabalho comunitários, com posterior 
distribuição da terra, de acordo com as ações possuídas por cada membro. Este arranjo 
logo se mostrou desastroso, levando a muitas dificuldades, fome e mortes. Foi só 
quando se desistiu do ideal comunitário e se permitiu a possa individual que os 
assentamentos começaram a prosperar (Hughes, 1976: 61).. 
Na Geórgia, em contraste, a colônia havia sido montada como uma 
organização de caridade, cuja finalidade era prover alívio aos pobres e desafortunados 
da Inglaterra, dando-lhes terra e um meio de obter a subsistência de suas famílias 
(Hughes, 1976: 79). A colônia foi cedida a uma companhia sem fins lucrativos, que 
para atingir os seus objetivos estabeleceu regras bastante rígidas para a posse de terra. 
Havia um limite máximo que cada indivíduo poderia possuir; a escravidão era 
proibida; a terra só poderia ser herdada pelos filhos homens, revertendo para a 
corporação na ausência de filhos; os colonos deveriam prestar trabalho público 
durante quatro anos e servir de soldados quando necessário. Essas restrições e outras 
tinham o objetivo de evitar que se formassem grandes propriedades, o que atentaria 
contra os objetivos para os quais a colônia foi fundada. Apesar de ter começado com 
arranjos tão peculiares, o padrão de propriedade e uso de terra na Geórgia logo 
convergiu para aquele que evoluiu nas outras colônias. Tanto as condições da 
fronteira como as políticas adotadas pelas outras colônias fizeram com que, aos 
poucos, as restrições fossem relaxadas. Seu arranjo inicial era muito excêntrico para 
sobreviver ao lado de outros arranjos mais vantajosos. 
Em Massachusetts, a colônia foi cedida pela Coroa ao Conselho da Nova 
Inglaterra, o qual tinha a liberdade de escolher como dispor da terra no seu domínio. 
Por meio de uma companhia de assentamento, o modelo escolhido foi a distribuição 
de terras em pequenas propriedades, geralmente a grupos religiosos coesos que 
recebiam áreas na forma de vilarejos completos (Harris, 1953:286). Esse não foi um 
processo tranqüilo, porém, pois durante algum tempo alguns proprietários influentes 
no Conselho tentaram desenvolver um sistema feudal na Nova Inglaterra, tendo feito 
várias doações de grandes áreas. 
 
 
3
As colônias de Maryland e Pennsylvania foram cedidas a proprietários 
individuais, que tinham ampla escolha de como assentar suas terras, e tentaram 
estabelecer sistemas feudais e cobrar tributos (Harris, 1953:120 e 220). O fato de que 
um sistema de propriedade livre dominado por pequenas fazendas tenha evoluído 
nessas colônias, apesar das intenções iniciais dos proprietários, ilustra o embate que 
houve entre diferentes arranjos institucionais. 
A colônia de Nova Iorque foi originalmente assentada pelos holandeses, que 
estabeleceram um sistema de grandes propriedades (patroons). Esse sistema teve 
grande influência no padrão que evoluiu nesta região, mesmo depois que os 
holandeses foram expulsos e um sistema baseado em pequenaspropriedades 
familiares começou a evoluir (Huges, 1976: 73). 
Cada uma das outras colônias teve sua própria história de luta entre arranjos 
institucionais para determinar o sistema de propriedade de terra. Os exemplos 
mencionados acima, apesar de breves, servem para dar uma amostra da diversidade de 
tentativas de elaborar regras para o uso e distribuição de terras, ilustrando assim que 
não havia nada pré-determinado no padrão que veio a predominar. 
 
Seção 1.2 – Premissas Comportamentais 
 
 Para melhor entender o desenvolvimento do sistema de propriedade e uso de 
terra que evoluiu nos Estados Unidos, convém ser cuidadoso e expressar 
explicitamente quais as motivações básicas que se supõe terem fundamentado as 
escolhas feitas pelos atores envolvidos. Estes eram a Coroa, as companhias, os 
proprietários e os colonos. Embora as motivações tenham variado, mesmo dentro de 
cada um destes grupos, a premissa neste trabalho é de que o comportamento de todos 
grupos possa ser explicado pela maximização de riqueza. 
 Que a Coroa tenha sido motivada pela maximização da riqueza significa que 
ela estaria disposta a usar a colônia da maneira que gerasse o maior fluxo de renda. 
Uma vez que se constatou a inexistência de metais precisos, era preciso buscar outra 
forma de derivar renda de sua possessão. Apesar de não haver nenhuma fonte 
significativa imediata de renda na América, permanecia a crença na eventual 
descoberta de metais, e a percepção de que, isso feito, apareceriam outras 
oportunidades de ganho pelo comércio, venda de terra e bens primários, taxação, etc. 
Essa percepção levou a Coroa a incentivar a ocupação da colônia, para não perder 
essas fontes futuras de renda para outros países, que já ameaçavam ocupar suas terras. 
Uma opção seria a Coroa tentar assentar a colônia diretamente, mas esse estilo 
centralizado já havia sido tentado no século anterior pela Inglaterra e havia sido a base 
da colonização feita por Portugal e Espanha, tendo claramente demonstrado as 
desvantagens impostas pela administração à distância. Em vez disso, a Coroa Inglesa 
optou pela concessão de grandes áreas para companhias e indivíduos, formando as 
treze colônias mencionadas acima. Embora tal estratégia não representasse nenhuma 
fonte de renda imediata para a Coroa, essa era a melhor forma de apressar a ocupação 
da América e possibilitar que oportunidades de renda viessem a surgir. Se tivesse sido 
possível vender as terras em vez de concedê-las, tal procedimento certamente teria 
sido adotado. Como será visto adiante, nessa época as terras da colônia americana 
eram praticamente sem valor, de modo que a única forma de convencer empresários e 
indivíduos a ocupá-las era através da concessão. 
 As companhias, quase que por definição, eram maximizadoras de riqueza. O 
surgimento das companhias para exploração, assentamento e execução de serviços 
havia sido uma inovação institucional do século XVII, nos Países Baixos e na 
 
 
4
Inglaterra, que permitiu que esses países tomassem de Portugal o monopólio da rota 
marítima para a Índia (Mueller, 1992). A instituição das companhias criava um capital 
permanente, através de um mercado de ações, possibilitando um meio pelo qual 
investidores dispersos pudessem financiar empreitadas específicas, como o 
assentamento de uma colônia. Este formato foi tremendamente bem adaptado para tal 
tipo de empreitada, pois, como os empresários diretamente envolvidos com a 
implementação da tarefa eram possuidores de ações da companhia, eles tinham seus 
interesses alinhados com o interesse dos demais investidores, tendo, portanto o 
incentivo a agir de forma a beneficiar a todos os acionistas. Isto evitava os problemas 
que a administração centralizada costumava criar, onde os interesses dos agentes nem 
sempre estavam alinhados com os da Coroa. Veremos que, à medida que a terra passa 
a ter valor, as companhias de assentamento passam a se tornar companhias de venda 
de terras. Isto demonstra que o interesse das companhias era maximizar renda, e não 
implementar algum tipo de assentamento preconcebido, ou simplesmente reter 
controle e poder sobre a terra que lhes foi concedida. 
Quanto aos proprietários que receberam da Coroa concessões de colônias, já 
não é tão aparente que tenham agido de acordo com o postulado de maximização de 
riqueza, dado que poderiam ter sido movidos por motivações pessoais 
idiossincráticas. No entanto, argumenta-se aqui que quaisquer motivos que tenha 
havido, esses eram fundamentalmente subservientes à maximização de riqueza. 
William Penn, proprietário da Pennsylvania, havia planejado sua colônia como um 
refúgio para exilados religiosos, mas tanto ele quanto seus descendentes esperavam 
receber consideráveis somas por meio de taxas, aluguel e eventualmente da venda de 
terra (Gates, 1968:41). Os colonos de suas terras levaram vários anos para quitar suas 
obrigações, e raros receberam terra de graça. Em Maryland, o proprietário, Lord 
Baltimore, não possuía os ideais humanitários de William Penn e era ainda mais 
explícito do que este no uso de sua colônia como fonte de renda (Harris, 1953, p. 
121). 
Finalmente, havia os colonos e migrantes. Durante o século anterior, a 
Inglaterra havia passado por mudanças estruturais na organização de sua agricultura, 
expulsando a população do campo e gerando um excesso de população nos centros 
urbanos, abaixando com isto os salários e gerando desemprego. Embora fugir de tais 
condições possa ser interpretado como maximização de riqueza, é verdade que havia 
uma variedade muito grande de migrantes, cada um com sua própria motivação. 
Aqueles que eram política e religiosamente perseguidos tinham razões que não eram 
puramente econômicas, assim como os prisioneiros, vagabundos, indesejáveis e 
escravos, que foram enviados contra sua vontade. Porém, o ponto importante a notar 
na motivação dos migrantes para a América, que os diferenciava dos colonizadores 
portugueses no Brasil, era a intenção de residir permanentemente no Novo Mundo. 
Essa diferença se deve justamente ao excesso de população na Inglaterra, e às 
resultantes condições de vida que esse excesso criava, gerando incentivos para que 
grande número de migrantes se dispusessem a enfrentar os riscos e dificuldades de 
uma terra nova. Nenhuma das outras nações colonizadoras tinha contingentes 
populacionais suficientemente grandes para possibilitar a ocupação das extensas 
colônias do Novo Mundo, o que foi um fator central na determinação dos diferentes 
caminhos tomados na América e no Brasil. 
 
Seção 1.3 – A Dinâmica da Colonização dos Estados Unidos 
 
 
 
5
 Que a Coroa Britânica tenha delegado a colonização da possessão americana 
às companhias e proprietários, em vez de fazê-lo diretamente, foi uma escolha 
economicamente racional, que deve ser entendida considerando as dificuldades 
inerentes a tal tarefa. Essa delegação foi não somente uma forma de financiar a 
colonização e de evitar os riscos de uma empreitada incerta, mas também foi uma 
forma de evitar os consideráveis custos de transação e problemas de informação que 
naturalmente assolariam uma administração centralizada. O caso de Nova Iorque, que 
foi tomada dos holandeses e administrada diretamente pela Coroa a partir de 1664, 
ilustra bem os problemas que se queria evitar através da delegação. Embora a Coroa 
tentasse controlar o processo de concessões e doações de terra, seus agentes na 
América tinham incentivos para agir contra suas determinações. Estes apressavam-se 
em conceder e doar terras rapidamente e em grandes lotes, dado que suas rendas eram 
derivadas das taxas pagas sobre a terra, que eram proporcionais à área concedida. 
Além disso, grandes áreas de terras foram concedidas a eles próprios. A resultante 
concentração da propriedade atentava contra o interesse da Coroa, já que as rendas 
que esta auferia provinham basicamente dos impostos sobre o comércio, que seriam 
maiores num ambiente de propriedades mais densamente povoadas. Outro exemplo da 
dificuldadede controlar as colônias a partir do centro deu-se na Virgínia, onde a 
Coroa tentou proibir a venda de terra nas áreas mais remotas, e manter o sistema de 
doações de terra, com o propósito de incentivar maior número de colonos a se 
assentarem nessas áreas e com isso garantir sua ocupação. Apesar das determinações 
da Coroa, as vendas continuaram, e os colonos, e mesmo os agentes da Coroa, 
deixaram-se levar mais pela realidade das transações do dia-a-dia do que das 
imposições de administradores distantes (Harris, 1953: 290). 
 Ao delegar a colonização da América às companhias e proprietários, a Coroa 
britânica reconhecia os problemas de auferir renda diretamente da venda ou 
lançamento de impostos sobre a terra, e optava, em vez disso, por um caminho que 
assegurasse a ocupação mais rápida. Com isto garantiria sua soberania, que já estava 
sendo desafiada em diversas áreas. Além disso, tal caminho criava as bases para que o 
estabelecimento do comércio entre as colônias e a Inglaterra, gerando assim um fluxo 
de renda que poderia ser objeto de taxação, a possibilidade de suprimento de matérias 
primas para a metrópole e um mercado consumidor para os produtos ingleses. As 
companhias e os proprietários, por sua vez, dificilmente estariam dispostos a 
empreender um investimento tão arriscado e incerto, se não lhes fossem oferecidas 
condições vantajosas. Explicam-se, assim, as extensas liberdades e poderes 
outorgados àqueles por Cartas de Concessão recebidas da Coroa, permitindo que se 
apropriassem de toda renda que pudessem gerar no processo de ocupação das 
colônias. Ao estabelecer tais regras, a Coroa criava incentivos para que as companhias 
e proprietários promovessem o assentamento rápido das colônias, sendo esse o maior 
interesse da Coroa — dado não haver outra forma de obter renda da posse de sua 
colônia. 
 No entanto, tal quadro não era estático. À medida que as colônias se tornavam 
mais densamente habitadas, cidades surgiam, o comércio se desenvolvia e as terras 
adquiriam valor. Com isto, as oportunidades para se obter renda, antes escassas, se 
multiplicavam. Com essas mudanças, os arranjos anteriormente estabelecidos 
deixaram de alinhar harmonicamente os interesses dos diversos atores, como no 
período anterior. Isto se deu por duas razões. Primeiro, uma vez que o investimento 
inicial havia sido feito, que o aprendizado por tentativa e erro havia ocorrido e que as 
dificuldades iniciais haviam sido contornadas, chegou-se a uma situação em que seria 
rentável à Coroa envolver-se diretamente no processo de assentamento. Assim, 
 
 
6
embora nenhuma das treze colônias tivesse sido assentada pela Coroa, esta havia, na 
época da Revolução (1776), conseguido retomar o controle sobre sete das colônias, e 
tentado o mesmo nas demais. 
 A segunda razão pela qual houve pressões para reestruturar os papéis 
desempenhados pelos vários atores envolvidos foi o efeito que a prosperidade das 
colônias teve sobre os instrumentos de incentivo às companhias, proprietários e 
colonos. Tal prosperidade se devia, em grande parte, ao fato de o assentamento ter 
sido feito com base na concessão de propriedade privada, que trazia consigo o direito 
de participar no governo e na tomada de decisões sobre seus próprios interesses. 
Embora houvesse variações entre as diversas colônias, em geral o regime de 
propriedade de terra sem restrições, e o direito de apropriação de todos os frutos de 
seu trabalho, deram aos colonos o interesse, a motivação e a oportunidade de se 
envolverem na administração das colônias. À medida que as rendas aumentavam, e as 
oportunidades se multiplicavam, essa motivação crescia. Dado que também crescia, 
simultaneamente, a disposição da Coroa de receber uma parte cada vez maior 
daquelas rendas, a lealdade e submissão dos colonos à Coroa começaram a 
desintegrar-se. Essa é a história, bem conhecida, da Revolução Americana: a 
intensificação dos controles pela Coroa, após 1763, numa tentativa de aumentar seu 
quinhão naquelas rendas em expansão, gerou uma reação por parte dos interesses, 
àquela altura já bem enraizados, na América; interesses que eram suficientemente 
fortes para justificar uma luta em sua defesa. 
 A dinâmica da colonização inglesa da América, descrita acima, é de 
importância central para que se entenda a evolução do sistema de propriedade e uso 
da terra. Ao deixar a colonização inicial nas mãos de proprietários e companhias, a 
Coroa incentivou um assentamento rápido, onde prevaleceram propriedades familiares 
de pequena extensão. Esse padrão de ocupação gerou condições para o 
desenvolvimento de um mercado interno, o que serviu para atrair mais colonos, 
fazendo com que a terra gradualmente passasse a ter valor, nas áreas mais centrais. À 
medida que isto acontecia, porém, não era mais do interesse das companhias e 
proprietários simplesmente conceder terras, mas sim vendê-las. Com isto, a sincronia 
com os interesses da Coroa foi se desfazendo, pois a esta interessava manter o rápido 
ritmo de assentamento, para que o comércio com as colônias continuasse a crescer. 
Isso resultou em mais de cinqüenta anos de conflitos, período em que a Coroa tentou, 
com reduzido sucesso, retomar o controle sobre o destino das colônias. A esta altura, 
porém, o padrão básico do sistema de propriedade e uso de terra já estava bem 
estabelecido, e não mudaria mesmo após a independência, quando foram 
estabelecidas as Land Ordinances (1785-87-90), disciplinado a ocupação das imensas 
áreas ao Oeste, que então começavam a ser ocupadas. 
 
Seção 1.4 – A Evolução de um Mercado de Terra 
 
Seção 1.4.1 – O Aumento do Valor da Terra 
 
 Na época da Revolução, já existia um mercado de terra relativamente bem 
estabelecido. A terra tinha se tornado uma mercadoria amplamente transacionada. 
Não havia restrições quanto a preços ou ao tamanho das propriedades, e havia, assim, 
tanto pequenas como grandes unidades. Por definição, um mercado de terras só 
poderia ter surgido se a terra tivesse passado a ter valor. A relativa rapidez com que 
isto sucedeu foi crucial para a definição do sistema de propriedade e uso de terra que 
emergiu. No entanto, não era óbvio que esse teria sido o caminho que os eventos 
 
 
7
seguiriam. Pelo contrário, seria de se esperar que, dada a grande abundância de terras 
e a relativa escassez de outros fatores, o processo de valorização da terra tivesse sido 
mais lento. Tal foi o caso no Brasil, onde a abundância de terras inibiu o aumento do 
seu valor, por um período muito mais longo do que nos Estados Unidos, dificultando 
o surgimento de um mercado de terras e propiciando uma distribuição extremamente 
concentrada. Torna-se necessário, portanto, explicar quais as forças que permitiram, 
no caso dos Estados Unidos, contornar a tendência contrária ao surgimento de um 
mercado de terras, dada pela abundância destas. 
 Como foi visto acima, no início da colonização a terra não tinha valor, nas 
colônias britânicas da América, e portanto não podia ser vendida, mas sim distribuída 
através de concessões e doações, àqueles dispostos a para lá migrar. Já pelo fim do 
século XVIII, a terra era o item que melhores oportunidades de ganhos oferecia 
(Harris, 1953, p.252). A seguir, busca-se mostrar como se deu a transição de uma 
situação para a outra, e explicar por que esse processo foi tão rápido e bem-sucedido, 
quando comparado com a experiência brasileira. O argumento se baseia na dinâmica 
da colonização britânica, analisada acima. Na primeira fase, como a terra não possuía 
valor e não podia ser vendida, as companhias e proprietários buscaram criar 
instituições que facilitassem a migração dos colonos e sua colocação na terra, de 
forma a gerar outras fontes de renda, por meio do comércio e da taxação. Essas 
instituições foram bem-sucedidas em contornar diversas dificuldades inerentes à 
migração e assentamento nas terras no Novo Mundo. As instituições analisadas aqui 
são o sistema de headrights (servidão temporária) e as concessõesem forma de vilas. 
As companhias também se incluem na lista de instituições que tiveram um papel 
importante no processo de colonização, mas já foram analisadas acima. Com o 
sucesso dessas instituições em superar os entraves à colonização, o preço da terra 
aumentou, o que fez com o que tais métodos de assentamento deixassem de ser os 
mais apropriados, sendo gradualmente substituídos pela simples venda de terra — a 
segunda fase de assentamento. A existência de concorrência entre as colônias, para 
conquista de novos colonos, desempenhou também um papel importante, nesse 
processo. Tal concorrência teve o efeito de propagar as instituições mais apropriadas e 
inibir as menos eficientes, e foi um fator central na determinação de um padrão de 
propriedade da terra onde dominaram as pequenas propriedades familiares. 
 
Seção 1.4.2 – O Sistema de Headrights2 
 
 O sistema de headrights foi o principal mecanismo através do qual a terra foi 
concedida, nos primeiros períodos da colonização. Sob esse sistema, a terra era 
concedida a qualquer pessoa que pagasse sua ida, ou a ida de outro, para a as colônias 
americanas. Assim, o sistema gerava incentivos não só para que migrantes se 
dispusessem a enfrentar a travessia, mas — mais importante — fornecia um 
instrumento pelo qual a migração pudesse ser financiada, por aqueles que tinham os 
meios de fazê-lo. Como a terra tinha pouco valor, no início, isso por si só propiciava 
um incentivo para que alguém se interessasse em levar outros. Porém, quando 
associado a um contrato pelo qual o migrante se obrigava a trabalhar, por um tempo 
especificado, para aquele que financiasse sua ida, o negócio se tornava bem mais 
atraente.Estes contratos de servidão temporária geralmente especificavam um período 
 
2 Não parece haver uma boa tradução para headrights, além de “regime de servidão por tempo 
limitado” usado por Furtado (1982, p.21). 
 
 
8
de sete anos, durante o qual o migrante trabalharia em troca de transporte, roupa, 
habilitação; e ainda o direito a um pedaço de terra, no final do termo. 
 Este sistema mostrou-se bastante ágil em fazer com que migrantes fossem 
trazidos à América, e em promover a concessão de terras. Na Virgínia, por exemplo, 
três quartos dos migrantes foram levados sob contratos de headrights. A quantidade 
de terras concedida por este sistema foi ainda maior do que a planejada, dado os 
muitos abusos que surgiram, distorcendo e evadindo as regras originais (Gates, 
1968:35). 
Um exemplo disso era a manipulação para permitir que o transporte de um 
migrante gerasse direito a três pedaços de terra; um para o dono do navio, um para o 
dono da fazenda onde ele trabalharia e um para o próprio migrante ao final do 
contrato. O sucesso do sistema de headrights estava baseado na sua capacidade 
de superar restrições que se opunham à migração, restrições que existiam apesar do 
excesso de população que havia na Inglaterra. Uma delas era o custo da viagem, 
freqüentemente alto demais para que as famílias pudessem se autofinanciar. Outra 
restrição eram as incertezas associadas à nova terra. Essas eram mitigadas pelo 
sistema de servidão temporária, já que o migrante trabalharia por algum tempo sob a 
supervisão de alguém já estabelecido, e com isto poderia adquirir a experiência e 
conhecimentos necessários para sobreviver e prosperar, quando recebesse sua própria 
terra. Sem esse período de adaptação, e sem a recompensa da terra no final do 
período, muitos daqueles que migraram para a América teriam optado por não fazê-lo, 
ou não teriam podido fazê-lo, com o que o volume da migração certamente teria sido 
menor. 
 É verdade que esse sistema permitiu que muitos indivíduos obtivessem 
grandes áreas de terra. Não havia limites para o número de headrights concedidos, e 
várias grandes fazendas onde trabalhavam grande número de migrantes, sob esse 
regime, foram estabelecidas por pessoas que conseguiam aproveitar-se do sistema 
para obter trabalho e terra a baixo custo. Mas é muito importante notar que o sistema 
era tal que gerava forças contrárias à predominância de grandes propriedades. Em 
primeiro lugar, não se tratava de uma concessão gratuita, como no caso das sesmarias 
no Brasil. Havia um custo para se obter a concessão, dado que era preciso primeiro 
trazer o migrante e pagar diversas outras despesas. Embora as condições fossem 
vantajosas, a terra não era gratuita e havia custo de oportunidade em obtê-la, ou deixá-
la ociosa. Em segundo lugar, como os próprios migrantes eventualmente deixavam de 
trabalhar para os outros e se tornavam proprietários, havia uma força que empurrava 
na direção da existência de propriedades pequenas. Essa força aumentava 
proporcionalmente ao número de migrantes trazidos sob este regime, e só foi mitigada 
mais tarde, quando aumentou o uso de escravos na colônia. Finalmente, pode ser 
constatado que, apesar de muitas grandes propriedades terem sido adquiridos, a partir 
do sistema de servidão temporária, a grande maioria das concessões foi para pequenos 
proprietários (Gates, 1968). 
 Devido ao sucesso do sistema de servidão temporária, e dos outros métodos, 
no que toca à ocupação das colônias e assentamento de migrantes, as terras bem 
localizadas tornaram-se mais escassas e, portanto, passaram a adquirir valor. Esta foi 
a segunda fase da dinâmica da colonização dos futuros Estados Unidos, na qual a 
venda de terra passou gradualmente a predominar, como forma de alocação da 
propriedade fundiária. Isto ocorreu em épocas diferentes nas diferentes colônias, mas 
pode-se generalizar que, à medida que a terra começou a subir de preço, os 
proprietários, as companhias e a Coroa britânica abandonavam os métodos iniciais de 
concessão de terras, passando simplesmente a vendê-la. Naturalmente, a venda da 
 
 
9
terra era preferível ao sistema de headrights, pois gerava uma renda mais facilmente 
apropriável. Em geral, a transição não foi abrupta, e, mesmo antes que a venda de 
terras se tornasse comum, as condições do regime de servidão temporária foram 
adaptadas ao aumento do valor da terra. Nas Carolinas do Norte e do Sul, por 
exemplo, oferecia-se aos servos temporários, depois de 1666, metade da área 
oferecida aos que haviam chegado em anos anteriores. À medida que o assentamento 
progredia, diminuía a extensão de terras que era preciso oferecer, para atrair os 
migrantes ou induzir alguém a financiá-los. A certa altura, as terras nas áreas mais 
assentadas passaram a valer o suficiente para compensar, então, a sua venda. 
 
Seção 1.4.3 – Concessões de Vilarejos 
 
 As colônias na Nova Inglaterra (no nordeste americano) foram originalmente 
concedidas à Massachusetts Bay Company, que por sua vez redistribuía a terra através 
de diversos métodos. O mais comum foi a concessão de terras a grupos específicos, na 
forma de vilarejos (townships), organizados à base de pequenos lotes para cada 
membro. Essas concessões podiam ser obtidas por meio de uma petição feita por um 
grupo junto à Corte Geral das colônias, sendo que, no caso de o pedido ser aprovado, 
o grupo recebia a terra sem custo algum e estava livre para distribuí-la aos seus 
membros. 
 A natureza homogênea e de base religiosa da maioria dos grupos que 
compunham o vilarejo típico foi crucial na determinação do padrão de propriedade e 
uso da terra que se desenvolveu. A ideologia que orientava esses colonos é um 
componente importante na análise da escolha dos vilarejos como método de 
distribuição de terras. Seus ideais de igualdade, moderação, abstinência, poupança, 
trabalho duro e educação tiveram importantes conseqüências. Porém, além desses 
fatores, outros foram também importantes no moldar do sistema de posse da terra e, 
como foi feito no caso do regime de servidão temporária, focalizaremos aqui a 
capacidade do sistema de vilarejos de superar os obstáculos iniciais ao assentamento. 
É bastante claro que as concessões por vilarejos tiveram sucesso em facilitar o 
assentamentodas colônias na Nova Inglaterra. Embora essa região possuísse as terras 
menos propícias à agricultura, ela logo se tornou a área mais densamente povoada, o 
que se deveu em parte ao fato desse sistema levar a um padrão de assentamento 
compacto e ordenado. Isto não era vantajoso somente por que propiciava proteção 
contra os índios e facilitar a ajuda mútua, mas principalmente por que criava 
condições para que emergisse um mercado, no qual a produção excedente pudesse ser 
negociada. A existência de um mercado permitiu a integração dos vilarejos entre si, 
levando à especialização, divisão do trabalho e, conseqüentemente, crescimento 
econômico. Isso, por sua vez, atraia mais colonos, aumentava o valor das terras e 
reforçava o padrão de posse baseado em pequenas propriedades (Turner, 1920). 
 Outra vantagem da distribuição por vilarejos era economizar nos custos de 
transação envolvidos em fornecer terras a cada colono. Era mais fácil lidar com 
grupos inteiros, por meio de poucos interlocutores, do que tratar com cada colono 
individualmente. Além disso, como as expectativas de sucesso nos assentamentos 
eram maiores para os grupos, devido à sua união e organização, esse método impunha 
menos riscos às próprias companhias. É interessante notar que as companhias não 
opunham restrições à auto-gestão dos grupos em suas áreas. Seu interesse não era 
reter o controle para poder governar, mas sim acelerar o assentamento, de modo a 
gerar outros fluxos de renda dos quais pudesse se apropriar, como o comércio com a 
Inglaterra e a eventual venda da terra, uma vez que esta passasse a ter valor. Essa 
 
 
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liberdade para decidir seus próprios caminhos foi certamente um poderoso incentivo 
para que os vilarejos se desenvolvessem, e para que outros grupos requisitassem suas 
próprias áreas. 
 Com o sucesso desse método de assentamento, foi inevitável que o preço da 
terra subisse e, como foi o caso nas áreas onde predominou o regime de servidão 
temporária, a venda da terra gradualmente viesse a substituir os métodos iniciais de 
distribuir terra. Na colônia de New Hampshire, em 1760, por exemplo, a terra ainda 
era distribuída em forma de vilarejos, mas agora, em vez de concessões gratuitas, 
faziam-se vendas a especuladores, os quais revendiam lotes ao grande número de 
novos migrantes que chegavam, em busca de terra. Essa transição ocorreu em todas as 
colônias onde se usou a distribuição em forma de vilarejos. Isto ilustra, novamente, a 
dinâmica da colonização da América do Norte, descrita acima, onde as instituições 
criadas para superar as dificuldades iniciais de assentamento foram substituídas pela 
simples venda da terra, à medida que esta aumentava de valor. 
 
Seção 1.4.4 – Concorrência 
 
 O fato de a possessão britânica na América ter sido dividida em treze colônias, 
e que em cada uma fossem tentadas diferentes combinações de controle sobre a 
distribuição de terra e de controle político, resultou no surgimento de várias diferentes 
abordagens quanto aos métodos de assentamento e as formas de superar os obstáculos 
iniciais. Seria natural esperar que, quando uma colônia desenvolvesse um arranjo 
particularmente bem-sucedido para fomentar o assentamento, esse arranjo seria, 
eventualmente, copiado, até certo ponto, por outras colônias. Mesmo que tal arranjo 
não fosse em princípio desejável para proprietários, companhias ou a Coroa, em 
muitos casos a competição por novos colonos, entre as colônias, teria o efeito de 
induzir a adoção desse arranjo. Isto não significa que houvesse tendência a uma 
completa homogeneização das políticas de terras, já que havia diferenças regionais de 
geografia, clima, cultura e padrões de referencia dos agentes envolvidos, além de 
outros fatores. Mas permanece o fato que esses agentes teriam que enfrentar o custo 
de oportunidade dado pela existência de uma maneira melhor de agir. 
 Se de fato existiu esse efeito de demonstração, ele terá tido um importante 
papel na determinação do padrão de propriedade e uso da terra. É fácil perceber que 
tal competição teria o efeito de disseminar formas de posse da terra mais livres e sem 
restrições, na medida em que as colônias que impusessem condições mais onerosas 
recebessem menos migrantes, sendo assim incentivadas a mudar sua política. Embora 
isso seja menos aparente, é possível demonstrar, também, que a competição teria 
propiciado a prevalência do padrão onde predominavam pequenas propriedades. 
Poder-se-ia tentar atrair migrantes oferecendo lotes maiores, mas havia um limite para 
isso, dado existir um trade-off entre o tamanho dos lotes e o número de colonos que 
poderiam ser assentados em determinada área. Além disso, lotes grandes resultariam 
num assentamento disperso, o que diluiria as importantes externalidades positivas de 
aglomeração. Documentos relativos à coleta de impostos na Pennsylvania, no final do 
século XVIII, mostram que as terras mais cultivadas eram aquelas em propriedades de 
menor área (Gates, 1969: 41). Era, portanto do interesse do proprietário conceder lotes 
menores, pois seu ganho dependia do comércio, e era proporcional à produtividade 
dos colonos. É provável, então, que a competição se desse menos por meio do 
tamanho dos lotes que por outros fatores, como as regras de posse e os métodos de 
distribuição. 
 
 
11
 Para que a competição tenha existido, é necessário que os migrantes tivessem 
tido a opção de escolher entre as colônias, e que existisse a possibilidade de migração 
interna entre elas, transferindo-se os migrantes para aquelas que oferecessem as 
melhores condições. Já vimos acima alguns exemplos de que, de fato, essas condições 
existiram. Em Nova Jersey, as condições liberais de posse visavam não tanto agradar 
os colonos existentes, mas sim atrair novos migrantes (Harris, 1953: 130). Vimos 
também que, na Geórgia, cuja ocupação começou norteada por objetivos de caridade, 
as duras regras iniciais tiveram de ser relaxadas uma a uma, dada a existência de 
regras mais flexíveis nas colônias vizinhas. 
 Vários outros exemplos podem ser encontrados, na história colonial norte-
americana, de que a competição entre as colônias foi, realmente, um fenômeno 
generalizado e relevante, tendo ocorrido mudanças de política visando atrair 
migrantes, respondendo estes àquelas mudanças deslocando-se de uma colônia a 
outra, “votando com os pés”. Harris (1953, p.251), por exemplo, afirma que um dos 
principais fatores que dificultou a cobrança de impostos sobre a terra, conhecidos 
como quitrents, foi justamente a existência de concorrência entre as colônias. Esses 
impostos eram, tipicamente, a única exigência feita aos colonos que recebiam terra na 
América do Norte, e mesmo essa exigência acabou desaparecendo, na maioria das 
colônias. Outro exemplo é o caso da Pennsylvania, onde o proprietário verificou que 
um grande fluxo de migrantes desviou-se para a vizinha Virginia, quando ele tentou 
cobrar um preço muito alto pela terra, em 1713 (Gates 1968: 41). 
 
Seção 1.5 – Plantações e o Sistema Americano de Propriedade de Terra 
 
 Foi argumentado acima que no padrão de propriedade e uso de terra que 
emergiu na América do Norte colonial predominavam fazendas familiares, mas havia 
também numerosas grandes plantações. Argumentou-se também que houve uma 
convergência nos métodos de distribuição e uso da terra para um sistema 
relativamente uniforme. Mas é verdade que, em certas regiões das colônias do sul da 
América do Norte, as grandes plantações se tornaram mais comuns, ao longo do 
período considerado. A existência dessas plantations, especialmente aquelas baseadas 
no trabalho escravo, pode levar alguns à conclusão de que o desenvolvimento do 
sistema de propriedade e uso da terra no Sul dos Estados Unidos tenha sido 
fundamentalmente diferente daquele do Norte, e que a análise acima só seria válida 
para este último caso, enquanto nas colônias do Sul outras forças, instituições e 
motivações estariam atuando. De fato, a existência de grandes lavouras pode atésugerir que o desenvolvimento do sistema de terras no Sul tenha tido mais em comum 
com as regiões tropicais, como o Brasil, onde a grande lavoura, a monocultura e a 
escravidão eram a norma, do que com as colônias do Norte. 
 O propósito desta sub-seção é mostrar que tais conjecturas não são 
sustentáveis. Será mostrado que a história da emergência e evolução das plantações no 
Sul não diferiu fundamentalmente daquela das outras colônias britânicas, e que apesar 
das aparentes similaridades, a grande lavoura norte-americana era de natureza muito 
diferente da brasileiras, tanto no que diz respeito ao seu funcionamento como nos 
efeitos que pçroduziu sobre os mercados de bens e de terras. 
 As primeiras plantations surgiram logo no início do processo de assentamento 
das colônias, no século XVII. Grandes propriedades baseadas em trabalho de servidão 
temporária foram estabelecidas, ao lado das numerosas pequenas propriedades que 
eram distribuídas. Como foi visto acima, havia uma interdependência entre ambos os 
tipos de propriedade, já que as plantations traziam migrantes, exploravam seu 
 
 
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trabalho por um tempo determinado e depois, quando esses trabalhadores tivessem 
recebido sua própria terra, traziam outros migrantes. Isso não só tinha o efeito de 
aumentar o número de pequenas propriedades e de trabalhadores livres, mas também 
fazia com que o processo de estabelecimento de grandes plantações fosse mais lento 
do que seria o caso se o uso de trabalho escravo tivesse se generalizado desde o 
começo. 
 Como conseqüência, as grandes plantações no Sul não surgiram como a forma 
predominante de organização, como fora o caso no Brasil. Na América do Norte elas 
evoluíram lentamente, e em conjunto com numerosas pequenas propriedades. A 
própria Coroa britânica percebia que um padrão baseado em pequenas em vez de 
grandes propriedades era de seu interesse. Grey (1958, p. 400) afirma que na Virginia, 
ao redor de 1700, a renda para a Coroa a partir de impostos sobre a produção de 
fumo, no caso em que houvesse um fazendeiro em cada 50 acres (20 hectares), 
resultaria num montante arrecadado duzentas vezes maior do que o que seria obtido 
através da taxação da terra (quitrents), mesmo sem considerar a dificuldade prática de 
se coletar este último tipo de imposto. 
 Foi somente nas primeiras décadas do século XVII que as plantações passaram 
a ser predominantemente baseadas em trabalho escravo. Nessa época, o tráfico de 
escravos pelos ingleses, e outros intermediários, tornou-se uma atividade econômica 
cada vez mais rentável, e propiciou a adoção da escravidão pela grande maioria das 
lavouras. Nas regiões onde as condições eram mais favoráveis, as plantations 
baseadas no trabalho escravo rapidamente suplantaram os pequenos fazendeiros. Uma 
dessas condições favoráveis era um clima que permitisse a produção de um bem para 
o qual houvesse grande demanda na Europa. O clima no Sul permitia a produção de 
bens como açúcar, tabaco, arroz e algodão, para os quais não havia competidores na 
Europa. As gandes plantações tendiam, portanto a se especializar naquele bem que 
gerasse o maior retorno. Esta especialização permitia grandes economias de escala 
para as plantações do Sul, o que permitia que pagassem mais pelos escravos do que os 
fazendeiros do Norte, atraindo assim praticamente todo o contingente de escravos no 
mercado. Essas economias de escala se deviam a custos fixos, e aos altos custos de 
monitoramento que eram exigidos pela natureza do trabalho escravo. Pela sua 
natureza, a monocultura permitia que esses custos de monitoramento do trabalho 
escravo fossem minimizados pela organização do trabalho em turmas, 
supervisionadas por poucos feitores. 
 Até aqui se procurou explicar por que as plantations se localizavam no Sul, 
por que usavam trabalho escravo, por que se especializavam em um só produto e por 
que eram relativamente grandes. O objetivo principal de nosso argumento é mostrar 
que, apesar dessas diferenças, o sistema de propriedade e uso de terra no Sul pode ser 
considerado como uma variação do sistema norte-americano, em vez de ser um 
sistema fundamentalmente diferente, mais próximo daquele observado em países 
tropicais. 
 Para ver isto, deve-se notar que quando as plantações começaram a usar 
trabalho escravo, tornando-se cada vez mais produtivas, já tinha se passado 
praticamente um século de assentamento, durante o qual as pequenas propriedades 
foram a principal forma de ocupação. Ali onde as condições eram apropriadas, 
particularmente quanto ao clima, solo e política de terras, as grandes plantações 
suplantaram as pequenas fazendas. Contudo, há dois pontos que restringem a extensão 
desse fenômeno. Em primeiro lugar, embora as pequenas fazendas tenham sido 
sobrepujadas pelas grandes em muitas áreas, elas não deixaram de existir. Muitos dos 
pequenos proprietários mudaram-se para áreas adjacentes, que não eram adequadas 
 
 
13
para a grande lavoura. Assim, ocorreu um proceso de especialização geográfica, pelo 
qual as áreas onde se concentraram as pequenas fazendas desenvolveram-se 
rapidamente, atraindo uma população crescente. As duas regiões se tornaram 
interdependentes: as grandes plantações se especializaram no produto de exportação e 
passaram a adquirir produtos de subsistência dos pequenos proprietários. 
 Esses fatos tornam importante verificar qual a real extensão da existência de 
grandes plantações, no Sul. Muitas áreas no Sul eram, por um motivo ou outro, 
imprestáveis para a grande lavoura, e nestas as pequenas propriedades foram as 
principais formas de organização. Pelos dados do primeiro censo dos Estados Unidos, 
em 1850, mesmo adotando uma definição de plantation que inclua até fazendas com 
poucos escravos, somente 18 % dos estabelecimentos do Sul (101.335 dos 569.201 
estabelecimentos) podiam ser consideradas plantations (U.S. Bureau of the Census. 
1970). Isto não significa que as grandes plantações não eram uma das principais 
forças econômicas da região. Mas esses dados mostram que o sistema de grande 
lavoura não excluía as pequenas propriedades, e que a importância destas não era 
pouco significativa. 
 Evidências adicionais sobre a distribuição das propriedades por tamanho 
podem ser obtidas pela proporção de escravos em cada grupo de área. De acordo com 
Grey (1958, p.531), em 1790, 30 % dos escravos, no Sul, pertenciam a 
estabelecimentos com mais de 50 escravos. Esses dados mostram que mesmo entre as 
plantations, grande parte era de porte reduzido. 
 Quanto à proporção da área sob cada forma de organização, não há dados, 
mas, de acordo com Grey (1958, p.80), a organização da agricultura sob a forma de 
pequenas propriedades pioneiras no sul dos Estados Unidos era a regra, “tanto em 
número quanto em extensão geográfica”. 
 Um ponto final a notar sobre as grandes plantações no Sul era a propensão de 
seus proprietários a esgotar rapidamente os solos e migrar para o Oeste, na busca de 
novas terras férteis. A existência de abundantes terras férteis, disponíveis para 
incorporação ao cultivo, tornava essa estratégia economicamente racional, em 
comparação com a alternativa de adotar métodos que preservassem e recuperassem a 
fertilidade da terra original. O efeito desse movimento migratório era deixar para trás 
grandes áreas de terra que, embora esgotadas para plantação do algodão, eram 
adquiridas por outros fazendeiros para o cultivo de outros produtos, como o trigo, para 
o que havia grande demanda. Como esses produtos apresentavam características 
diferentes, em comparação com os que eram produzidos nas grandes plantações, a 
distribuição de terras que resultava desse processo tendia a ser consideravelmente 
menos concentrada. 
 
Seção 1.6 – Conclusão 
 
 Ao analisar a evolução do sistema de propriedade e uso da terra, é importante 
compreender a natureza de dependência histórica (path dependence) que permeia tal 
processo. Ao longo do período colonial, as “regras do jogo” estavam sendo definidas 
pelas ações e escolhasdos agentes. Essas ações e escolhas não eram adotadas num 
vácuo, pois eram influenciadas e constrangidas pelas ações e escolhas adotadas 
anteriormente. Ou seja, o caminho seguido até qualquer ponto era importante na 
determinação do caminho futuro. Assim, é de se esperar que as trajetórias seguidas, 
sejam elas produtivas ou improdutivas, tendam a se reforçar e persistir. No caso de 
uma trajetória onde, no regime de propriedade e uso de terra, predomina 
historicamente um sistema de posse segura e pequenas fazendas familiares, é fácil 
 
 
14
entender que tal trajetória se reforça. Proprietários são por natureza conservadores e 
relutantes a mudanças, já que têm algo a perder. Uma vez que um grande contingente 
de pessoas têm acesso à propriedade de terras, é natural que esses proprietários 
defendam aquelas políticas e ideais que permitiram que eles adquirissem tais 
propriedade. Essa posição favorável ao regime vigente pode se difundir precisamente 
por que o status de proprietários também tende a dar aos indivíduos uma voz ativa no 
governo da coletividade. Essa participação na administração dos assuntos locais 
surgiu como conseqüência da forma pela qual o assentamento se deu, e fez parte do 
mecanismo pelo qual aquele padrão se reforçou e propagou. 
 Um elemento crucial nesse mecanismo foi o fato de que as políticas adotadas 
logo levaram a um aumento do valor da terra. O valor relativamente alto da terra e a 
conseqüente existência de um mercado por terra reforçavam o padrão de pequenas 
propriedades, dado que existia um custo de oportunidade em se deixar grandes 
propriedades sem cultivo, o que gerava uma pressão para sua fragmentação. Ou seja, a 
situação era tal que o uso e venda de terra era o melhor caminho para os agentes 
realizarem o seu valor, em contraposição ao latifundiarismo (Hurst, 1956). 
 Finalmente, o reforço também se deu pelo fato de que, ao tornar-se a terra 
prontamente disponível aos novos migrantes, mais gente era atraída. Novos colonos 
vieram em grandes números, e permitiram a reprodução do sistema, dado que 
demandavam e obtinham terras por meio do das regras que os haviam atraído. 
Observa-se assim uma endogeneidade básica: o sistema igualitário de propriedade e 
uso da terra atraia os migrantes, enquanto que o grande número de migrantes 
favorecia, por sua vez, um sistema igualitário de propriedade e uso da terra. 
 Após a independência dos Estados Unidos, nenhuma mudança fundamental 
ocorreu no sistema de propriedade e uso da terra herdado do período colonial. Esse 
sistema foi a base da grande expansão e ocupação das terras para o Oeste que se deu 
nas décadas seguintes, e certamente teve um papel fundamental em propiciar um 
ambiente favorável ao espetacular crescimento do país, no século XIX. 
 
 
Seção 2 – O Sistema Brasileiro de Propriedade e Uso da Terra 
 
Seção 2.1 – Introdução 
 
 Ao contrário do que se passou na América do Norte, no Brasil o sistema de 
propriedade e uso da terra não se encontrava fundamentalmente definido, ao final do 
período colonial. Na época da independência, não se havia chegado a um padrão claro 
de posse da terra, e muitas mudanças importantes ainda iriam ocorrer, até que se 
chegasse a um estágio onde se pudesse dizer que a estrutura básica desse sistema já se 
havia desenvolvido. Somente ao final do século XIX surgiram as condições que 
permitiram que o valor da terra passasse a subir a ponto de propiciar o surgimento de 
um mercado de terras. Durante os quatro séculos precedentes, as atividades produtivas 
que deram dinâmica à economia eram tais que a terra não se tornou um fator escasso. 
 
 Esta seção analisa a evolução do sistema brasileiro de propriedade da terra 
usando a mesma estrutura da seção anterior. A primeira sub-seção trata das premissas 
comportamentais dos atores envolvidos; a segunda sub-seção examina as instituições 
específicas que foram desenvolvidas para ocupar o Brasil; a terceira sub-seção analisa 
a evolução do sistema durante os ciclos do açúcar e do ouro; e a quarta sub-seção usa 
 
 
15
um modelo de mudança institucional induzida para analisar o processo de aumento do 
preço da terra, no século XIX. 
 
Seção 2.2 – Premissas Comportamentais 
 
 Como na seção anterior, a premissa quanto ao comportamento da Coroa 
Portuguesa é a de maximização de riqueza. Contudo, apesar das mesmas motivações, 
cada chefe de estado enfrentou condições e restrições diferentes, e em conseqüência 
as escolhas quanto à forma de extração de renda das colônias não coincidiram. A 
descoberta do Brasil ocorreu quase simultaneamente com a descoberta da rota 
marítima para a Índia. O monopólio desta rota durou cem anos, e foi a base do 
rendoso ciclo da pimenta, que substituiu o ciclo português da exportação do ouro 
africano. Logo nas primeiras jornadas na rota para as Índias, delineou-se uma escolha 
clara e racional, por parte dos portugueses, de usar tal rota, e a superioridade naval do 
país, não para fins comerciais, mas sim de conquista (Steensgaard, 1974). Embora o 
Conselho do Rei estivesse dividido, em 1501, sobre qual caminho tomar, a primeira 
viagem de Cabral trouxe argumentos suficientes para que se optasse pelo uso da força 
e pela cobrança de tributos sobre o comércio local, em vez de desviar esse comércio 
das caravanas para as caravelas. Nesta viagem, os portugueses tentaram o 
estabelecimento de feitorias e relações diplomáticas, mas logo mudaram a estratégia 
para a de saques e pirataria, o que rendeu lucros da ordem de cinqüenta vezes o valor 
investido. Durante todo o século XVI, a estratégia portuguesa foi de desviar as rotas 
comerciais existentes de modo a capturar a rendosa cobrança de tributos sobre o 
comércio, ao invés de usar o monopólio da rota marítima para suplantar as caravanas 
no mercado de especiarias. A curto prazo, essa estratégia foi rendosa, mas os custos 
de defender esse bloqueio era alto e mostrava retornos decrescentes, à medida que 
surgiam formas de evasão. Ao redor de 1560, as caravanas já conduziam novamente 
mais especiarias à Europa do que os navios portugueses. 
 Para entender que a escolha da conquista, em lugar do comércio, foi 
economicamente racional, dadas as circunstâncias, é preciso entender como estava 
estruturado o envolvimento Português na Ásia, em particular a relação entre a Coroa e 
seus agentes nesse empreendimento. A centralização da tomada de decisões em 
Portugal, associada à dificuldade de monitoramento das ações de seus próprios 
representantes, levou a uma situação onde esses representantes podiam perseguir seus 
próprios interesses, mesmo quando isso fosse contrário aos interesses da Coroa. É 
fácil visualizar os incentivos perversos que devem ter surgido para os envolvidos num 
empreendimento voltado à pirataria, aos saques e à cobrança de proteção. Godinho 
(1963) descreve como se cobiçava uma participação nesse empreendimento, em 
Portugal, dadas as grandes oportunidades de ganho pessoal que tal posição 
possibilitava. Os cargos, em tal empreendimento, eram geralmente ocupados por três 
anos, e, com conseqüência do excesso de procura, freqüentemente eram leiloados pela 
Coroa. Como o envolvimento de cada indivíduo tinha essa duração limitada, havia 
todo incentivo para que os escolhidos agissem de forma oportunista, buscando extrair 
o máximo de ganho, em tal período. Era inclusive bem difundido o envio, para 
Portugal, de recursos obtidos no Oriente por meio de instrumentos financeiros, como 
cartas de crédito. O fato de que o interesse dos agentes se sobrepusesse ao da Coroa é 
bem exemplificado pelas quintaladas, o espaço de carga nas viagens de volta. Como 
esse espaço era escasso, e sua utilização propiciasse enormes lucros, ele era 
extremamente disputado. Até 1517, as regras para a divisão de quintaladas eram tais 
 
 
16
que os bens da Coroa eram freqüentemente preteridos, em benefício dos bens 
particulares (Simonsen, 1937; Godinho 1936). 
 Naturalmente a Coroa tinha ciência da forma como seus negócios eram 
conduzidos,mas os interesses individuais estavam bem enraizados e estabelecidos, 
inclusive entre altos oficiais da Corte. Assim, qualquer tentativa de mudança 
esbarrava na oposição dos próprios agentes que estariam envolvidos em sua 
implementação. Esses interesses se desenvolveram nos períodos em que os lucros do 
empreendimento português eram altos, e não compensava efetuar gastos para coibir o 
comportamento oportunista dos agentes. Pelo contrário, esses ganhos individuais 
serviam de poderoso incentivo para a solidificação do poder português. Contudo, uma 
vez que esses interesses estavam estabelecidos, já não era possível fazer as mudanças 
necessárias, quando os efeitos perversos da forma como o empreendimento estava 
organizado começaram a se fazer sentir. Assim a Coroa teve que se contentar em 
apropriar as rendas através de mecanismos como o leilão dos postos, e da taxação dos 
bens ao chegassem a Portugal. A Coroa havia sido capturada pelos seus próprios 
agentes, que impunham a manutenção de uma forma de organização ineficiente e que 
levaria seu domínio a ser rapidamente minado pelas companhias holandesas e inglesas 
na primeira década do século XVII. Essas companhias, financiadas por ações 
negociadas no mercado, eram uma inovação institucional estruturada de forma tal a 
evitar os incentivos adversos que enfraqueceram o empreendimento português. 
 
 Essa exposição é relevante para o estudo do sistema de propriedade de terra no 
Brasil por duas razões. Em primeiro lugar as mesmas motivações básicas que 
nortearam o comportamento da Coroa Portuguesa e seus representantes na Ásia se 
estenderam ao Brasil. Em segundo lugar, fica claro que, durante o século que seguiu à 
descoberta do Brasil, havia grandes custos de oportunidade relativos à aplicação de 
recursos em sua colonização. Com tamanhas oportunidades de ganhos para a Coroa e 
para indivíduos, na Ásia, a atração que o Brasil exercia devia ser muito reduzida, uma 
vez que se constatou não haver metais preciosos na colônia. Foi somente em meados 
do século XVI que se descobriu a possibilidade de produzir açúcar no Brasil. 
Contudo, a produção desse bem necessitava consideráveis investimentos de capital e 
gerava, como veremos, poucas oportunidades para a maior parte dos migrantes 
potenciais. Embora houvesse terra em abundância, sua posse não apresentava atrativo 
para a população portuguesa, que, ao contrário da inglesa, era muito escassa na época. 
As motivações dos portugueses que se aventuravam no Brasil eram, em geral, muito 
diferentes das dos migrantes ingleses, que viajavam com o intuito de fazer da América 
seu novo lar. Os que migravam para o Brasil não cortavam seus elos com a mãe-
pátria, para onde pretendiam retornar após fazerem fortuna, tal como era o caso nas 
viagens para a Ásia (Moog, 1955). É fácil perceber que as escolhas feitas por 
imigrantes temporários seriam muito diferentes — e levariam a um padrão de 
investimento e uso de recursos muito diverso — daquelas tomadas por colonos 
permanentes. Isto, naturalmente, teria um efeito importante no padrão de evolução do 
sistema de propriedade e uso da terra, e conseqüentemente no surgimento de um 
mercado por terras. 
 
Seção 2.3 – Instituições para a Ocupação do Brasil 
 
 Embora as atenções portuguesas durante o século XVI estivessem 
primordialmente voltadas para seus negócios na Ásia, a expectativa de que 
eventualmente se descobrissem metais preciosos, e outras fontes de renda, no Brasil 
 
 
17
impunha que se estabelecesse uma forma de ocupar esta colônia. A descoberta 
oficialmente atribuía a Portugal direitos sobre o Brasil, mas na prática só a efetiva 
ocupação asseguraria esses direitos. A ocupação era dificultada pela falta de 
oportunidades econômicas que justificassem o custo de oportunidade da Coroa, ou de 
empreendedores privados, de aqui investirem recursos. Como forma de incentivar a 
iniciativa privada a engajar-se na ocupação do Brasil, uma das primeiras estratégias da 
Coroa foi a divisão da colônia em quatorze capitanias hereditárias, um sistema que 
havia funcionando bem na colonização portuguesa das Ilhas da Madeira e São Tomé. 
Cada capitania foi concedida a um indivíduo que se incumbiria de prover o governo 
da província e distribuir terras a outros indivíduos, para fomentar sua ocupação. 
 Este sistema, que é freqüentemente confundido com uma tentativa de 
transplantar instituições feudais para o Brasil3, foi uma estratégia semelhante àquela 
adotada pela Coroa inglesa para incentivar a ocupação da América do Norte, ao 
conceder colônias a companhias e a proprietários individuais. Como a terra não tinha 
valor, ela não podia ser vendida, e alguma outra forma de assentá-la tinha que ser 
elaborada. Com as capitanias, a idéia era delegar a distribuição da terra a indivíduos 
dispostos a enfrentar as duras condições brasileiras. As restrições impostas aos 
donatários eram inclusive mais rígidas do que as colocadas para os proprietários nas 
colônias inglesas. Lord Baltimore, proprietário de Maryland, tinha a liberdade de 
determinar o uso e a distribuição da terra em sua colônia quase sem restrições. Já os 
donatários, no Brasil, eram obrigados a conceder terra gratuitamente a pessoas de 
“qualquer qualidade ou condição” sem qualquer obrigação a não ser o dízimo da 
Ordem de Cristo, não podendo tomar para si além de 20% da área da capitania, nem 
doá-la a seus filhos ou esposa (Simonsen 1937, p.128; Lima 1954, p.33-34). 
 O sistema de capitanias durou somente dezesseis anos, antes de ser 
substituído, em 1548, por um sistema que envolvia um Governador Geral. O fracasso 
do primeiro sistema de ocupação deveu-se não a sua fraqueza intrínseca, mas sim à 
falta de uma fonte de recursos, ou atividade econômica, que tornasse a exploração das 
terras brasileiras atraente para imigrantes potenciais. Considerando sua pouca duração 
e limitada influência na determinação do uso da terra no Brasil, fica claro que carece 
de sentido a visão convencional que atribui a tal sistema a gênese da alta concentração 
da propriedade de terras no Brasil. Pelo contrário, tendo em vista o efeito benéfico da 
competição entre as colônias americanas, ressaltado na seção anterior, pode-se 
conjecturar que, caso as capitanias iniciais houvessem encontrado condições 
econômicas mais vantajosas e tivessem florescido, tal forma de organização teria 
pressionado uma desconcentração na posse da terra. 
 Ao longo de todo o período da colonização, a principal instituição adotada 
para a distribuição de terras foi a sesmaria. Esta era uma concessão por parte do Rei, 
ou seu representante no Brasil, de um pedaço de terra a um indivíduo, sendo as únicas 
obrigações seu cultivo e o pagamento de dizimo à Ordem de Cristo. Os termos da 
propriedade concedidos por uma sesmaria eram seguros e livre de restrições quanto à 
herança e alienação. Caso a condição de cultivo não fosse observada, a terra reverteria 
à Coroa. Esse sistema de distribuição de terra já era usado desde o século XIII em 
Portugal, como forma de incentivar a ocupação do seu próprio território, que em 
diversas ocasiões teve problemas de escassez demográfica (Godinho, 1963). Seu uso 
no Brasil foi uma opção natural, dado que a essência do problema a ser resolvido era a 
mesma, um excesso de terra relativamente à população disponível para ocupá-la e 
torná-la rentável. As sesmarias eram, portanto uma forma de incentivar a ocupação do 
 
3 Ver, por exemplo, Guimarães, AP. 1968, pp 27-30. 
 
 
18
Brasil, e não uma tentativa de estabelecer qualquer padrão preconcebido de 
propriedade da terra. 
Embora o propósito das concessões fosse tornar a terra produtiva, o 
monitoramento desta condição, por um governo centralizado, apresentava um custo 
excessivo. Além do mais a Coroa não podia ser muito restritiva se tencionasse atrair 
os escassos entrepreneurs que tivessem condições de estabelecer uma unidade 
produtiva no Brasil. Ambos esses pontos levaram a que a simples posseda terra, sem 
passagem pelo processo administrativo de requerer uma sesmaria, se tornasse cada 
vez mais freqüente ao longo da colonização (Lima, 1954). A Coroa não tinha os 
meios, e freqüentemente nem o desejo, de impedir que posseiros cultivassem a terra 
que havia sido deixada abandonada pelo proprietário original, que muitas vezes era a 
própria Coroa. 
 O fato de que as sesmarias eram concedidas de graça e sem maiores restrições 
de propriedade e uso era uma conseqüência direta do baixo valor da terra. Nas áreas 
dos engenhos, naturalmente a terra tendia a adquirir mais valor, porém tais áreas não 
eram extensas; em 1600 havia somente 120 engenhos. Onde o preço da terra se 
tornava mais alto, a Coroa tentava apropriar parte da renda pela cobrança de foros, 
mas mesmo essa cobrança apresentava grandes dificuldades, e a principal fonte de 
renda para a Coroa, derivada do Brasil, provinha de impostos sobre o açúcar que 
entrava em Lisboa. Como as atividades econômicas que deram dinâmica à economia 
brasileira, durante a colonização, não tiveram o efeito de aumentar o preço da terra, é 
natural que não tenha havido nenhuma mudança fundamental na forma de distribuição 
ou de regulamentação do seu uso. 
Durante os três séculos até a independência, as sesmarias permaneceram como 
a única forma usada pela Coroa para esse fim. Pelo final do século XVII, até mesmo 
as sesmarias estavam caindo em desuso e, por força de costume, a simples posse havia 
gradualmente se tornado numa forma legítima de aquisição de terra (Lima 1954, p. 
47-53; Guimarães 1968, p.73). Seria de se esperar que, caso a terra houvesse 
adquirido valor, o uso de sesmarias teria evoluído e eventualmente sido substituído 
pela venda da terra, num processo similar àquele descrito para a América do Norte, na 
seção anterior. 
 
Seção 2.4 Atividades Econômicas e Terra no Brasil 
 
O propósito desta seção é analisar o efeito das atividades econômicas que 
predominaram no período colonial sobre a evolução do sistema de uso e propriedade 
da terra no Brasil. Durante os primeiros dois séculos da colonização, a produção do 
açúcar foi a atividade predominante. Como a terra era abundante, o fator escasso para 
esta produção era o capital, na forma de equipamentos e escravos. Havia significativas 
economias de escala na produção de açúcar, e somente empresários com grandes 
quantidades de capital e acesso a crédito estavam em condições de montar engenhos 
suficientemente grandes para serem rentáveis. Esses retornos de escala se deviam à 
natureza da tecnologia de produção de açúcar, que envolvia mais de duzentas tarefas 
separadas e, portanto, permitia ganhos de produtividade pela divisão do trabalho. 
Os engenhos não eram somente grandes, mas também auto-suficientes em 
praticamente todos os insumos que consumiam. O equipamento e escravos eram 
importados, assim como os bens de consumo das famílias dos donos de engenho, e 
insumos como sal e pólvora. Todos os outros insumos eram produzidos dentro dos 
próprios engenhos, como a cana, lenha, alimento dos escravos e senhores, velas, 
produtos de madeira, tijolos, meios de transporte, etc. Assim, a atividade produtiva 
 
 
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dentro dos engenhos não se traduziu em oportunidades de desenvolvimento de 
produção fora dos engenhos, e apesar da grande quantidade de riqueza que era gerada 
no Brasil, o efeito multiplicador dessa produção sobre o resto da economia era 
extremamente baixo. É verdade que as fazendas de gado, que supriam os engenhos 
com animais para alimentação, transporte e força motriz, levaram à ocupação de 
grandes áreas do interior, desbravando aquelas fronteiras. Mas esse tipo de atividade 
gerava uma ocupação extensiva que pouco efeito tinha em gerar um mercado interno. 
A auto-suficiência da indústria do açúcar é um fator central na explicação do 
sistema de propriedade e uso da terra que surgiu no Brasil. Essa independência 
significou que as oportunidades econômicas para um imigrante potencial eram muito 
limitadas. Fora as poucas funções engenhos não exercidas por escravos, restava a 
possibilidade de requerer uma sesmaria, ou mesmo tomar posse e uma extensão de 
terras. Tal perspectiva, no entanto, era pouco atraente, pois a auto-suficiência dos 
engenhos e a ausência de aglomerados urbanos implicavam que o migrante estaria 
excluído de toda atividade econômica, produzindo simplesmente para sua 
subsistência. Tal situação não gerou um fluxo de migração para o Brasil e, em 
conseqüência, a terra não se tornou escassa. Como a demanda por açúcar não poderia 
crescer suficientemente para permitir a instalação de um número substancialmente 
maior de engenhos, a pressão sobre o preço da terra no Brasil foi praticamente nula, 
fora das imediações dos centros produtivos. Em conseqüência, o ciclo do açúcar não 
gerou nenhuma tensão sobre o sistema de sesmarias através do qual terra era 
distribuída, e não se observou nenhuma mudança fundamental nesse sistema, ao longo 
de tal período. 
Com a quebra no monopólio na produção do açúcar, na segunda parte do 
século XVII, a colônia só voltou a experimentar considerável atividade econômica 
com a descoberta de ouro no interior. Durante o século XVIII, grandes contingentes 
populacionais foram atraídos ao Brasil, com importantes efeitos na economia da 
colônia. No período de 1700 a 1776, no qual a produção de ouro atingiu seu ápice, o 
crescimento da população foi de 6% a 8% ao ano, passando de 300 mil para 2,7 
milhões de habitantes. Como a migração não requeria necessariamente elevadas 
somas de capitais, ao contrário do açúcar, essa atividade atraiu ao Brasil muitos 
indivíduos, em busca de fortuna. Mesmo sem escravos, um migrante poderia tornar-se 
minerador, embora houvesse grandes empreendimentos mineradores baseados em 
trabalho escravo. 
Um importante efeito do aumento populacional e da atividade econômica foi a 
geração de um mercado para vários bens que poderiam ser produzidos localmente. 
Como a mineração era em geral migratória, alimentos tinham de ser produzidos em 
outras regiões da colônia. Isto gerou não somente uma demanda por alimentos, mas 
também por animais de carga, para o transporte entre o interior, o litoral e as regiões 
de produção de alimentos. Mas quando produção de ouro declinou, no final do século 
XVII, essa articulação entre as regiões e o incipiente mercado interno que havia sido 
gerado rapidamente se decompuseram. O ciclo do ouro, apesar de haver produzido 
imensa riqueza, deixou poucos centros urbanos, indústria ou outra atividade 
econômica que pudesse substituir a mineração como centro dinâmico de atividade. 
Surtos esporádicos de demanda por bens tropicais geravam curtos impulsos em 
determinadas áreas, mas estas logo voltavam à produção para subsistência, após o 
crescimento da oferta em outros centros coloniais. 
Tal como foi o caso com o ciclo do açúcar, a mineração não gerou mudanças 
no sistema de uso e propriedade da terra. Embora a população houvesse aumentado, a 
falta de uma atividade econômica que motivasse uma maior utilização da terra 
 
 
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significou que seu preço não aumentou e, em conseqüência, as instituições básicas 
relativas à terra não evoluíram. No final do século XVIII, as sesmarias permaneciam o 
principal método de distribuição de terras, complementado, cada vez mais, pela posse 
direta, como meio informal de aquisição de terra. Grande parte das melhores terras 
haviam sido apropriadas em latifúndios, que eram só marginalmente cultivados. 
Indivíduos sem terra podiam tomar posse de terras na fronteira de exploração agrícola, 
ou podiam entrar em contratos de parceria com algum sesmeiro. Como a terra era 
abundante, porém, esses contratos tendiam a ser pouco restritivos e a gerar pouca 
interdependência entre as partes, dado que o arrendatário tinha sempre a opção de se 
mudar para outra propriedade ou para terras desocupadas (Viana, 1982, p.139). Com o 
baixo valor da terra, freqüentemente não compensava invadir terras alheias ou 
defender as grandes propriedadesvazias, o que se reflete na imutabilidade das regras 
concernentes à terra. 
 
Seção 2.5 – O Aumento no Preço da Terra 
 
 Apesar de ocasionais aumentos de atividade gerados por surtos periódicos de 
melhora de preços de produtos tropicais, e pela mudança da Coroa Portuguesa para o 
Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, o sistema de propriedade e uso da terra 
não evoluiu além do sistema de sesmarias. Pelo contrário, a falta de uma atividade 
dinâmica que tornasse a terra um fator escasso levou à abolição desse sistema em 
1822, dois meses antes da Independência. O fato que nenhuma regra ou lei alternativa 
que regesse a distribuição, propriedade e uso da terra fosse colocada em seu lugar, 
nesta ocasião ou dois anos depois, quando foi elaborada a primeira Constituição 
brasileira, é evidência da ausência de valor da terra. Durante quase trinta anos, haveria 
um vácuo institucional, em que prevalecia a simples tomada de posse de extensões de 
terra. Notar, porém, que, devido à longa decadência do sistema de sesmarias, a 
generalização das posses não foi uma mudança fundamental, mas sim uma 
continuação, ou talvez o recrudescimento, de uma prática que já vinha ocorrendo, 
especialmente nas áreas menos centrais. 
 O processo pelo qual o valor da terra começou a aumentar, no Brasil, ao longo 
do século XIX, levando a uma evolução das instituições relativas ao direito de 
propriedade sobre a terra, pode ser analisado por meio de um modelo de mudança 
institucional induzida. 
 Quando surgem possibilidades de ganho que não podem ser capturadas sob as 
instituições existentes, é de se esperar que surja uma demanda no sentido da 
transformação de tais instituições. Em geral, essa possibilidade surge quando ocorre 
uma mudança nos preços relativos, tal como ocorreria, no caso da terra, com o 
descobrimento de ouro, ou com um aumento do preço dos produtos produzidos com o 
uso da terra. O novo arranjo institucional pode tanto aumentar os benefícios como 
reduzir os custos de ter o direito de propriedade, ou então podem facilitar a aquisição 
desse direito, por parte dos que demandam a mudança das instituições. Mas tal 
mudança não ocorre automaticamente, pois vai depender da vontade daqueles com o 
poder de efetuá-la, e da habilidade de bloqueá-la por parte dos que sairiam perdendo. 
Portanto, mesmo existindo demanda por um novo sistema de direitos de propriedade, 
não se espera uma mudança imediata, pois deve-se levar em conta também o lado da 
oferta dessas novas instituições (Alston e Muller, 2003). 
 Na primeira metade do século XIX, houve de fato mudança nos preços 
relativos da terra, num período em que a estagnação da economia foi gradualmente 
superada pela demanda crescente por café, uma cultura para a qual as terras brasileiras 
 
 
21
se mostraram particularmente adequadas. Logo após a Independência, o café era 
responsável por 18 % do valor das exportações brasileiras; pela década de 1840, já 
havia ultrapassado o açúcar e o algodão, atingindo 40% daquele valor (Furtado, 
1959). O volume de café exportando passou de 9,7 milhões de sacas, na década de 
1830, para 17,1 milhões e 26,2 milhões nas décadas seguintes. Com esse crescimento 
da atividade agrícola, o preço da terra começou a aumentar. Isso se deu inicialmente 
na região próxima ao Rio de Janeiro, expandindo-se rapidamente o fenômeno para o 
interior, e depois para São Paulo. Como o preço da terra ainda fosse baixo, quando 
comparado com os outros insumos, especialmente a mão-de-obra escrava, havia 
incentivo ao uso extensivo da terra; com a exaustão da fertilidade nas áreas plantadas, 
a cultura se deslocava para terras não utilizadas. Assim, grandes áreas foram 
incorporadas à economia, e o preço das terras, nessas regiões, passou a refletir a 
crescente escassez de terras aptas ao cultivo e bem localizadas. 
 A questão, portanto, é analisar como esse aumento de valor alterou os custos e 
benefícios para os possuidores de terras. Como seria de esperar, num contexto em que 
não existiam instituições de direitos de propriedade para estabelecer regras, conflitos e 
violência se tornaram um problema de ocorrência generalizada. Com o vácuo 
institucional legado pela abolição das sesmarias, e sua não substituição por outras 
regras, os conflitos eram resolvidos na base da força ou de instituições informais. À 
medida que a fronteira em expansão encontrava posseiros que haviam ocupado terras 
marginais, vários conflitos surgiam. Estes ou eram resolvidos pelo judiciário (apesar 
da inexistência de leis específicas regendo o assunto) ou pela violência.4 
 Antes do aumento no valor da terra, geralmente os benefícios de tomar posse 
de uma propriedade não utilizada não eram suficientes para justificar os conflitos que 
poderiam ocorrer, e os posseiros simplesmente procuravam terras vagas na fronteira 
de ocupação. Analogamente, o custo de expulsar posseiros de terras com pouco valor 
eram muito altos para justificar tal ação. Contudo, com o aumento do preço da terra, 
os benefícios de apossar-se alguém de uma propriedade, e os custos de defendê-la se 
alteravam. Em muitas regiões, passou a ser compensadora a tentativa de tomar uma 
terra que já tivesse dono, mesmo que as chances de conflito fossem maiores. Da 
mesma forma, o valor mais alto também compensava os investimentos na defesa de 
propriedades, e a remoção, mesmo que contenciosa, de posseiros. 
 Naturalmente tal situação gerava consideráveis custos para aqueles que 
possuíam terras. A existência desses custos criava a oportunidade de ganhos a partir 
de alterações no sistema vigente de direitos de propriedade, de modo a reduzir tais 
custos. Pode-se supor, portanto, que tal possibilidade tenha gerado uma demanda por 
novas regras de propriedade e uso da terra. Mas como a oferta de novas instituições 
depende não só da existência da demanda, mas também de outros fatores políticos, foi 
só em 1850 que se promulgou a Lei nº 601, que estabeleceu um novo sistema de 
propriedade e uso da terra. 
A Lei de Terras de 1850 foi aprovada num período em que estava por ser 
abolido, por pressão inglesa, o tráfico transatlântico de escravos; a medida estava, 
portanto, associada à necessidade de encontrar uma forma de suprir a deficiência de 
mão-de-obra, que já se manifestava. Naturalmente, a possibilidade de atrair imigrantes 
europeus para o Brasil envolvia a questão das regras quanto à distribuição e uso da 
terra. O ponto que se quer acentuar aqui é que de fato a Lei de Terras foi elaborada 
 
4 Ver Stein (1985) p.12 e pg 57 para exemplos de conflitos na região de Vassouras, quando esta cidade 
era um centro produtor de café, em meados do século XIX. 
 
 
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também com a intenção de promover uma alteração nos custos e benefícios de possuir 
terra, tal como foi antecipado acima. 
Um dos principais pontos da lei foi estabelecer que a venda seria a única 
forma de distribuição de terras públicas. Isso marca a transformação da terra em um 
bem econômico, e reflete o fato de que seu preço havia aumentado, o que mostra que 
apenas a essa altura o sistema de propriedade e uso da terra no Brasil estava, de fato, 
se consolidando. Grande parte da lei, que foi debatida durante sete anos, relacionava-
se com a preocupação de garantir a propriedade da terra àqueles que a haviam 
adquirido, como sesmarias ou pela posse direta, até aquela data; e de proibir que, a 
partir de então, se pudesse obter terras por aqueles mesmos métodos. Isso se conforma 
com o argumento de que a lei foi promulgada em resposta às demandas daqueles que 
já haviam adquirido terras, os quais se beneficiariam com uma tal mudança nas 
instituições de direitos de propriedade. Além de garantir a propriedade das terras já 
apossadas, a lei reduzia os custos de mantê-las, ao eliminar a possibilidade de outros 
tomarem, por sua vez, tais terras, por simples posse. Além disso, a lei dificultava a 
aquisição de terras por parte de novos plantadores, que agora teriam que

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