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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA PLANTAS ORNAMENTAIS E PAISAGISMO PAISAGISMO I – HISTÓRICO, DEFINIÇÕES E CARACTERIZAÇÕES Patrícia Duarte de Oliveira Paiva UFLA - Universidade Federal de Lavras FAEPE - Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão Lavras - MG Parceria UFLA - Universidade Federal de Lavras FAEPE - Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão Reitor Antônio Nazareno Guimarães Mendes Vice-Reitor Ricardo Pereira Reis Diretor da Editora Marco Antônio Rezende Alvarenga Pró-Reitor de Pós-Graduação Luiz Edson Mota de Oliveira Pró-Reitor “Adjunto” de Pós-Graduação “Lato Sensu” Antônio Ricardo Evangelista Coordenadora do Curso Patrícia Duarte de Oliveira Paiva Presidente do Conselho Deliberativo da FAEPE Edson Ampélio Pozza Editoração Centro de Editoração/FAEPE Impressão Gráfica Universitária/UFLA Ficha Catalográfica Preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA Paiva, Patrícia Duarte de Oliveira Paisagismo I – histórico, definições e caracterizações / Patrícia Duarte de Oliveira Paiva. - Lavras: UFLA/FAEPE, 2004. 127p.: il. - Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” (Especialização) a Distância: Plantas Ornamentais e Paisagismo. Bibliografia 1. planta ornamental. 2. Paisagismo. 3. Jardinagem. 4. Classificação. 5. Caracterização. 6. Antigüidade. I. Alves, S.F.N. II. Universidade Federal de Lavras. III. Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão. IV. Título. CDD – 635.9 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, por qualquer meio ou forma, sem a prévia autorização. SUMÁRIO A. CRONOLOGIA ...........................................................................................................................6 B. EVOLUÇÃO DOS JARDINS....................................................................................................6 1. OS JARDINS DA ANTIGÜIDADE ..............................................................................................6 1.1. JARDINS DA MESOPOTÂMIA................................................................................................7 1.2. JARDINS EGÍPCIOS.............................................................................................................. 10 1.3. JARDINS DA PÉRSIA............................................................................................................ 15 1.4. JARDINS GREGOS ............................................................................................................... 17 1.5. JARDINS ROMANOS ............................................................................................................ 19 2. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DO ORIENTE MÉDIO ......................................................................................................................................... 27 2.1. BIZÂNCIO ................................................................................................................................ 28 2.2. PERSIA..................................................................................................................................... 29 2.3. MONGÓLIA.............................................................................................................................. 32 2.4. SÍRIA......................................................................................................................................... 32 2.5. ARÁBIA..................................................................................................................................... 32 3. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DA EUROPA OCIDENTAL ............................................................................................................................... 35 4. JARDIM MEDIEVAL (SÉC. XIII a XV) .................................................................................... 36 5. RENASCIMENTO (SÉCULO XV-XIX) .................................................................................... 47 5.1. JARDIM HUMANISTA............................................................................................................ 47 5.2. ESTILO CLÁSSICO................................................................................................................ 50 5.2.1. Jardim italiano......................................................................................................................56 5.2.2. Jardim francês......................................................................................................................66 5.3. ESTILO BARROCO................................................................................................................ 82 5.4. ESTILO PITORESCO ............................................................................................................ 87 5.4.1. Jardim Inglês (1700)...........................................................................................................87 5.4.2. Jardim de Cottage ...............................................................................................................94 5.4.3. Jardim Eclético Inglês (Séculos XIX e XX)......................................................................96 B. OUTROS ESTILOS DE JARDINS .......................................................................................... 99 1. ESTILO ORIENTAL: CHINÊS E JAPONÊS .......................................................................... 99 1.1. CHINA....................................................................................................................................... 99 1.2. JAPÃO....................................................................................................................................105 2. JARDIM HOLANDÊS...............................................................................................................107 3. JARDIM ÁRABE.......................................................................................................................108 3.1. ÍNDIA.......................................................................................................................................109 3.2. ESPANHA..............................................................................................................................110 3.3. MARROCOS..........................................................................................................................114 4. JARDIM CASTELHANO .........................................................................................................114 C. HISTÓRIA DO PAISAGISMO NO BRASIL .........................................................................116 1 INTRODUÇÃO Em todas as épocas da história e em todos os povos, sempre se faz menção ao jardim. A evolução dos jardins acompanha os fatos históricos: quando ocorria decadência dos impérios, nas épocas de guerra e nos anos que marcaram a Idade Média, os jardins também tiveram seu período de decadência. Ao contrário, nos períodos de ascensão, com o enriquecimento e a necessidade de luxo, vê-se o progresso dos jardins como aconteceu no período do Renascimento. Em Roma, desde a época dos imperadores, os jardins s ignificavam um grande luxo da aristocracia e isto se tornou uma tradição, sendo estes, até hoje, considerados locais nobres. Em função da ordenação e do estilo, do traçado e da seleção de plantas e elementos que compõem um jardim, é revelada a psicologia de quem o concebeu. O jardim refletetambém o coletivo, a sensibilidade dominante em uma geração, uma época, “o modismo que impera numa sociedade e as tendências políticas de um Estado”. A história da arte dos jardins é construída pelas figuras sucessivas da dupla Homem/Natureza; e é neste ponto crucial que esta história encontra uma noção muito próxima: a paisagem, com suas intervenções e reproduções. 2 HISTÓRICO Patrícia Duarte de Oliveira Paiva1 Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcanti Alves2 A. CRONOLOGIA A história da humanidade é assim dividida: - Pré –história: até aproximadamente 4000 a.C. - Antiguidade: 4000 a.C. – 476 d.C (Queda do Império Romano). - Idade Média: 476 d.C. – 1453 d.C. (Tomada de Constantinopla). - Modernismo: 1453 d.C. – 1789 d.C. (Revolução Francesa). - Contemporâneo: 1789 d.C. até os dias atuais. B. EVOLUÇÃO DOS JARDINS 1. OS JARDINS DA ANTIGÜIDADE "No começo Deus criou um jardim. Éden era o seu nome. Segundo a tradição ele se situava na Mesopotâmia, provavelmente ao norte, e possuía um pomar e outras plantas que desenvolviam sem irrigação. Antes da sua queda, o Éden era um lugar de paz e de prazer, de fecundidade e de fragâncias, com os encantamentos da música, do riso e da alegria. Depois dos primeiros reinados assírios, tornou-se um lugar recreativo, um paraíso mítico". (Gabrielle Van Zuylen). Os primeiros jardins surgiram nos planaltos da Pérsia, atual Irã. Mas os primeiros 1 Professora Adjunto, Floricultura e Paisagismo, Departamento de Agricultura, Universidade Federal de Lavras. 2 Engenheira Agrícola, MSC - Jardins, Paysages, Terri toires - École des Hautes Études en Sciences Sociales et École D'Architecture Paris La Villette; Doutoranda pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 7 indícios e documentos encontrados não provêm desta região, e s im, da Mesopotâmia (atual Iraque). Os jardins mais antigos foram plantados no meio dos desertos, como se os homens pudessem dar qualquer preço a esta arte, pois essa começou justo em países onde as condições naturais não favoreciam em nada a seu êxito. O estudo da arte da Mesopotâmia mostra que o gosto pelas formas vegetais aparece bem cedo, e este cresceu com o passar dos séculos. Mas, durante muito tempo, falar sobre “arte de jardins” ainda era uma audácia, pois as culturas ainda eram muito rudimentares. 1.1. JARDINS DA MESOPOTÂMIA Desde o começo do Terceiro Milênio antes de Cristo, Gilgamesh, rei de Uruk, se orgulhava de seus pomares e dos jardins de seu palácio. Há 2000 anos antes de Cristo, todos os reis da Mesopotâmia possuíam seus jardins reais, onde sempre aconteciam banquetes e cerimônias. Os pátios interiores dos palácios eram sombreados por árvores e ornamentados com flores. Os jardins da Mesopotâmia, sem considerar as hortas e os pomares, estritamente utilitários, conservaram por muito tempo um caráter religioso. Os deuses da fecundidade possuíam perto de seus santuários um pouco de terra e uma plantação sagrada que manifestava seu poder. Nos jardins dos templos se plantavam frutas e legumes para se oferecer aos deuses, além de servirem como alimento para os serviçais. Os jardins eram plantados sobre os terraços dos prédios de vários pavimentos onde se celebravam os rituais e suas folhagens eram tão familiares, que os artistas sugeriam sua presença na decoração de palcos ou de altares. Os habitantes da Mesopotâmia conseguiram, após grandes esforços, aclimatar a palmeira. Começaram também a trabalhar suas terras, até então estéreis. Neste clima hostil e em locais que hoje se comparam aos oásis saharianos ou egipcianos, as palmeiras protegiam as plantas que cresciam à sua sombra, e contribuíam para a diminuição da perda de água do solo, fator que favorecia a condensação noturna permitindo assim a criação de jardins. Com o trabalho de manutenção e irrigação manualmente realizados, estes asilos de fecundidade e frescor tornavam-se ainda mais maravilhosos. Assim, os príncipes babilônicos puderam conhecer o prazer de aclimatar espécies. Cada planta era disposta dentro de uma espécie de vaso preparado com antecedência para recebê-la, isoladamente, e onde se mantinha o grau de umidade necessário através de uma irrigação constante. Pouco a pouco, à medida que o mundo babilônico crescia, os jardins ganhavam uma maior importância, com a formação de verdadeiros “parques de aclimatação” e de “jardins botânicos”. No final do século VIII a.C. (721-705), o grande conquistador Sargon II, descreveu em seus anais seu desejo de plantar, na capital Dur Sharroukin, um imenso parque, EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 8 réplica dos montes de Amansus, onde ele dispôs lado a lado todas as essências aromáticas do norte da Síria. Sargon II reuniu assim as essências nativas deste país: coníferas, cedros e ciprestes e ainda plátanos, salgueiros, a murta ou mirto, e todos os tipos de louro. Com isto, ele queria sem dúvida trazer as maravilhas de uma terra estrangeira, de onde a capital de seu reino não haveria mais nada a desejar. Talvez a vontade deste rei fosse também um obscuro desejo de possuir plenamente a sorte deste país abençoado, e este jardim era o símbolo e a imagem desta conquista. Representar o parque de Sargon com alguma precisão é muito difícil hoje em dia. Pode-se imaginá-lo como uma grande “reserva”, ou um destes paraísos onde os persas impuseram como modelo a todo o oriente mediterrâneo. Existem estudos que probabilizam a hipótese de que estes povos não se contentavam em apenas aclimatar as essências desejadas, mas ainda criavam em liberdade nos campos, animais selvagens destinados às caçadas reais, como leões e outros animais. O Rei Sennachérib, sucessor de Sargon, transferiu sua capital para Nínive, onde criou parques e jardins, chegando até a reconstituir com sucesso o meio ambiente natural pantanoso do sul da Babilônia. No terreno do palácio, que foi construído no alto de uma colina, construiu-se um quiosque de colunas sobrepostas, cujo terraço era arborizado. Pode-se observar nestes parques assírios, as velhas formas arquiteturais, e o gosto pelos jardins suspensos, os quais foram conservados, sobrevivendo assim um arcaísmo que maravilhou os viajantes helenos (da Grécia antiga), mais pela sua estranheza e pela sua técnica árdua, do que propriamente por sua beleza. Os jardins mais famosos da Antiguidade foram os Jardins Suspensos da Babilônia, sendo considerados uma das Sete Maravilhas do mundo antigo. Segundo os historiadores, estes jardins foram construídos pelo Rei Nabucodonosor II (605-562 A.C.) e dedicados a sua esposa, rainha Semiramis. A Rainha, que era de origem persa, tinha saudades das montanhas e colinas cobertas dos bosques de seu país (região noroeste do atual Irã) e esta construção tinha a intenção de amenizar este sentimento. Nabucodonosor construiu estes jardins ao longo das muralhas da cidade, próximo à porta de Istar1. 1 Dentro da tradição semita, Istar é deusa do céu e da fecundidade. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 9 FIGURA 1 - Esquema ilustrativo dos Jardins Suspensos da Babilônia (Grimal, 1974). De acordo com os resultados de pesquisas e descrições de historiadores, os Jardins Suspensos eram compostos de uma sucessão de terraços, sendo que os inferiores debordavam bastante sua área em relação aos superiores. Assim eles formavam verdadeiros patamares onde eram plantadas diversas espécies de árvores, e outras plantas de menor porte, as quais eram protegidas pela sombra das árvores. As floreiras presentes nestes patamarestinham o fundo impermeabilizado. Inspirados nestes jardins suspensos, os romanos passaram a cultivar plantas nas partes altas das casas. No eixo dos dois terraços superiores, havia uma grande escada entre duas séries de planos levemente inclinados, onde corria a água da irrigação. Esta água era levada até o terraço superior através de baldes presos a uma corrente. Depois, esta água era distribuída entre os vasos de plantação e o excesso era drenado dentro de um sistema complexo de canais subterrâneos. O conjunto formava em sua base um retângulo de aproximadamente 40x45m. O segundo terraço tinha medidas em torno de 30x40m. As medidas dos terraços superiores eram aproximadamente as mesmas. A parte inferior do edifício era um vasto emaranhado de tijolos crus, recoberto de tijolos cozidos. No alto, cada terraço possuía varias salas e galerias, onde seus vis itantes encontravam sombra e frescor. As folhagens, que se ressaltavam acima das muralhas da cidade, podiam ser avistadas de longe pelos viajantes que por ali passavam. Assim, para estes e suas caravanas, este recinto meio real e meio sagrado, aparecia como um símbolo do poder babilônico, e pouco a pouco, suas descrições forjaram uma imagem tão interessante, a ponto de que os “Jardins de Semiramis” tornaram-se uma das maravilhas do mundo daquela época. Apesar disto, estes jardins não exerceram grande influência sobre os jardins do mundo mediterrâneo. Isto se pode atribuir ao fato de que estes jardins foram admirados pelos gregos e pelos romanos, não pela sua beleza propriamente dita, mas pela força que esta torre representava. Tem-se apenas o registro da influência deste EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 10 jardim na construção do jardim barroco de Borromées em Isola Bella (Itália). Com a decadência do império, a Babilônia provocou o afastamento da Mesopotâmia da cultura ocidental, o que fez com que os jardins suspensos da Babilônia se tornassem uma lenda. FIGURA 2 - Isola Bella (Enge e Schröder, 1992). 1.2. JARDINS EGÍPCIOS Os jardins egípcios são datados de 2000 a.C. O Egito deixou sobre os jardins as mais antigas testemunhas picturais, criando uma tradição que foi transferida ao mundo ocidental. Estes jardins não eram construídos unicamente para o lazer, assim como os jardins da Mesopotâmia, mas produziam também vinho, frutas, legumes e papiros, produtos estes, destinados ao consumo da população. O critério de plantio seguiu a tradição das atividades agrícolas desenvolvidas na planície do rio Nilo. O traçado dos jardins era caracterizado por linhas retas e formas geométricas perfeitamente s imétricas. Tudo orientado segundo os quatro pontos cardeais, expressando a importância da astrologia. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 11 FIGURA 3 - Esquema representativo de um jardim egípcio (Plantas e Flores, 1972). O apogeu do jardim egípcio data da VIII Dinastia, sete séculos antes do parque de Sargon, e oito séculos antes dos Jardins de Semiramis. Mas, como estes, eles devem muito aos exemplos dos paraísos persas. Nesta época, os egípcios entravam em contato com a Ásia através das expedições de Thoutmosis IV e de Anemóphis III, trazendo assim sua influência. O Egito, país agrícola por influência da presença do rio Nilo, já conhecia durante muito tempo a deleitação dos jardins e da água. Desde o antigo império já existiam pomares plantados com videiras, figueiras, sombreados por sicômoros2; divididos em tabuleiros por canais de irrigação. Havia também as palmeiras e plantas aquáticas como o Lotus e o papiros. Todas plantas úteis e sagradas. Nesta época, surgiram as casas de campo, conseqüência direta da transformação do jardim como um lugar de repouso agradável e autosuficiente. 2 Sicômoros: Em grego sykómoros, e latim sycomoru. Falso plátano. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 12 FIGURA 4 - Caixa para coleta e transporte de mudas. Eram colocadas nas pirâmides para a eternidade (Zuylen, 1994). Devido à topografia plana e ao pensamento ético e religioso, não haviam muitos elementos decorativos, efeitos de água ou terraços sobrepostos. Nos jardins egípcios eram cavadas bacias nas beiradas do rio onde a água era captada por infiltração, e estes eram transformados em tanques retangulares, repletos de plantas aquáticas e de pássaros, com árvores dispostas em um traçado regular. Somente com a XVIII Dinastia o luxo dos jardins generalizou, e todos os palácios, fossem do rei ou de um alto funcionário, tinham como complemento obrigatório uma plantação de árvores e de flores. As escavações revelaram que nesta época houve um grande número de jardins. Foram encontradas capelas, em cujo centro haviam recintos retangulares fechados onde se plantavam árvores em linhas bem regulares, ao pé das quais corriam canais de irrigação. No Egito, assim como na Mesopotâmia, os templos tinham seus enclausos sagrados. Nos jardins se criavam os íbis, os flamingos e os pombos que se divertiam em liberdade. No meio das folhagens apareciam o cimo dos pavilhões, torres denteadas, em formas maciças, características da arquitetura egípcia, e que mais tarde figurariam como fab riques3 nos jardins romanos. Assim, alguns dos temas do jardim egípcio, foram modelos diretos do jardim ocidental antigo. Sendo que seu destaque foi devido ao desenvolvimento de canais e à presença da água. 3 Pequenas construções que criavam cenários nos jardins. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 13 FIGURA 5 - Fabrique (Zuylen, 1994). Estes jardins se caracterizavam por serem planos, fechados por muros e subordinados a uma propriedade com seus pavilhões dispersos em vários locais para aproximar o vis itante da natureza. Muitas destas formas reapareceram no sul da Itália onde exerceram por muitos séculos sua influência. Pode-se citar como exemplo de jardins egípcios o de Rekhmirê e Mery-Aton. a. Jardim de Rekhmirê O jardim de Rekhmirê tinha na entrada uma porta monumental e era dividido em três retângulos concêntricos situados em volta de um grande canal, grande o suficiente para um passeio de barco. No perímetro exterior havia uma alameda de sicômoros, seguida de uma faixa de flores aquáticas e palmeiras anãs. Entre estes canteiros e o canal, havia uma vasta alameda descoberta, servindo de caminho para as embarcações. E enfim, no coração do jardim, o canal, sobre o qual um barco passeava com o mestre do palácio, transportado a remo por outros homens. b. Jardim de Mery-Aton Nas escavações do palácio de verão conhecido pelo nome de Mery-Aton, pode-se constatar um jardim análogo ao de Rekhmirê. Encontravam-se neste jardim dois recintos retangulares. Eles eram justapostos, sendo que a superfície de um era o dobro da outra. O jardim maior apresentava na sua parte central um vasto lago de tamanho 130 x 60m, apresentando um trapiche para o embarque que avançava em direção ao centro do lago. A oeste, atrás de um muro, eram dispostos os compartimentos dos serviçais. Três pavilhões se dispersavam entre as árvores, um ao norte, outro ao sul, e outro a leste. Dentre eles, dois tinham seus próprios tanques, e talvez um dentre estes três, era de caráter religioso. O jardim menor se situava ao sul do maior, apresentando uma disposição análoga, porém em menores dimensões. Por entre estes muros encontrava-se o típico jardim EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 14 egípcio. Além da palmeira, havia nestes jardins indícios de espécies vegetais tais como o álamo4 e a espirradeira5. FIGURA 6 - Esquema do Jardim de Mery-Aton (Grimal,1974). A influência dos jardins egípcios no mundo ocidental foi mais direta que a dos povos sírio-babilônicos. Esta influência talvez possa ser explicada pela relativa estabilidade desta civilização, que possuiu uma fortuna mais durável que a dos povos precedentes. 4 Álamo, ou choupo-branco (Populus alba): árvore ornamental da famíl ia das salicáceas de flores pequenas e casca rugosa. Fornece madeira alva, leve e macia. Álamo preto ou choupo-preto(Populus nigra): apresenta casca lisa acizentada, e madeira úti l para marcenaria. 5 Espirradeira rosa ou ainda eloendro, aloendro, loendro, oleandro e adelfa (Nérium oleander): arbusto ornamental da famíl ia das Apocináceas considerado tóxico, de flores róseas. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 15 1.3. JARDINS DA PÉRSIA Os jardins persas, datados desde 3500 a.C., eram caracterizados pela harmonia de plantações, espaçamento de árvores, o prazer de aromas refinados; tudo isto para suprir as aspirações dos reis presas. Estes jardins influenciaram os jardins egípcios e os jardins da Babilônia. O estilo dos jardins persas era estritamente formal. O jardim era cortado por dois canais principais, dividindo o jardim em quatro regiões, que representavam as quatro moradas do universo: terra, fogo, água e ar. Ao centro, havia tanques com fontes, revestidos de azulejos (ladrilhos azuis) para acentuar o frescor da água. Não havia estátuas pois o islamismo não permitia a reprodução de imagens (humanas). Nestes jardins se cultivavam frutíferas, plantas ornamentais e aromáticas (aspecto bastante valorizado pelos persas), plátanos, ciprestes, pinus, álamos, palmeiras, amendoeiras, laranjeiras, roseiras, tulipas, lírios, prímulas, narcisos, jacintos, jasmins, açucenas. Sobre os jardins persas há a descrição do paraíso de Cyrus (424-401 a.C.), localizado em Sardes. Neste jardim ocorriam vastas plantações de árvores de grande porte, alinhadas segundo uma disciplina rígida, e sobre estas árvores, se estendiam um amplo gramado abundantemente irrigado. Ao lado deste alinhamento encontravam-se árvores frutíferas e outras essências. Assim como no parque de Sargon, algumas partes do jardim eram reservas para caça. Além da disposição geométrica do todo, característica que parecia ter dominado esta época, encontrava-se ainda no paraíso de Cyrus a presença de: • Construções (tipo quiosques) dispersas entre as árvores; • Postos de tiro para os caçadores; • Áreas para descanso, onde se realizavam recepções ou simplesmente serviam como locais de frescor para os períodos de calor verão. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 16 FIGURA 7 - Miniatura representativa do jardim persa (Zuylen, 1994). As fontes de informação destes jardins eram as descrições efetuadas pelos viajantes gregos, as quais se assemelhavam às obras de arte persa da época “Sassanida”, dinastia do império Persa, no período 226-651 d.C. Durante a época Sassanida, o jardim persa era dividido em quatro cantos, por dois eixos retangulares. Estes eram demarcados, ora por alamedas, ora por linhas d’água. Em algumas destas intersecções, eram construídos pavilhões, ou um palácio, ou ainda uma fonte, com motivos bem complexos. Uma das hipóteses é de que esta representação significava o universo, muito freqüente na Ásia, ou então a divisão do cosmos em quatro partes por quatro rios divergentes. Estes rios representavam os quatro rios do Paraíso: Leite, Mel, Água e Vinho. O número quatro tem uma simbologia especial nos jardins persas. A divisão dos jardins em quatro partes s imboliza também os quatro elementos sagrados: fogo, ar, água e terra. Para os persas da antiguidade, uma cruz dividia o mundo em quatro partes e no seu centro encontra-se uma fonte, que simboliza a origem e o poder. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 17 FIGURA 8 - Representação de um pequeno jardim privado persa (Zuylen, 1994). Independente do sentido profundo destes jardins, eles exerceram grande influência sobre a história ulterior dos jardins. Agiram diretamente sobre a estética dos jardins muçulmanos, que por sua vez transportaram certos temas até o extremo ocidente. 1.4. JARDINS GREGOS Devido ao solo rochoso e montanhoso, e ao clima quente e seco, a Grécia nunca foi uma região ideal para uma jardinagem organizada. Suas formas se aproximavam das naturais, fugindo das linhas s imétricas Têm-se registros da presença de jardins na Grécia desde o séc IV a.C. Na realidade os jardins gregos eram, sobretudo até a época clássica, um jardim sagrado, cultivado próximo a algum santuário e consagrado a uma das divindades da fecundidade. Os gregos criaram o conceito de Bosque Sagrado, um lugar natural, abençoado e dedicado aos deuses, com vegetação virgem e sem intervenção humana. Era um jardim lírico- religioso, no qual expressava-se a antitese de uma concepção agrícola da exploração da natureza. Os gregos não procuravam a beleza nos jardins. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 18 FIGURA 9 - Jardim Grego (Zuylen, 1994). Os gregos se mostraram contra a moda dos jardins importados do oriente e o que eles fizeram foi seguir uma tradição bem estabelecida da cidade democrática. Os sábios se expressavam da seguinte forma sobre os pavões e os rouxinóis : “não existe lugar para estes ob jetos na Vila”. E completavam: “Existem pessoas que embelezam as culturas com vinhas trepadeiras e arbustos de mirto; eles criam pavões, pombos, perdizes e rouxinóis para cantarem para eles! Em tal situação, não tardará para estarmos a pintar um monte de lixo!” Era este o aspecto do espírito grego, racional, ponderado e, determinantemente intelectual. Eles repugnavam os jardins e tudo aquilo que estava ligado ao prazer em torno dos objetos da natureza que, segundo eles, era a guarda do irracional e do indefinido. A tradição grega apresentava o pequeno jardim de Epicure em Atenas, que segundo suas descrições, tinha um pomar onde se cultivam legumes. Era um jardim sem magnificência e destinado a uma única satisfação: a dos prazeres naturais e necessários. A aridez, e a sobriedade ática (região da Grécia, cuja capital é Atenas) repugnava a este luxo oriental do “paraíso”. Nos jardins gregos, então, se cultivavam legumes para consumo, trigo para confeccionar pão, mas as flores eram destinadas aos deuses. Os gregos cultivavam também peras, romãs, maçãs, figos, uvas, além das azeitonas. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 19 Muitas das descrições de jardins assim como os famosos jardins de Alcinos, descritos por Homero eram irreais. Os jardins naturais eram abundantes na mitologia grega. Eles representavam o locus amoenus ideal, um lugar mágico, distinto do resto da natureza, onde reinavam uma atmosfera e um espírito particular, o genius loci. Genius loci: os gregos se tornavam mestres na utilização do potencial da paisagem. A localização de templos, teatros e ágoras, além de dar uma proteção natural a estas construções, oferecia perspectivas espetaculares. As árvores eram dotadas de uma personalidade mística, divinizadas e faziam parte naturalmente dos projetos. O primeiro traçado de jardim regular foi descoberto próximo ao templo de Hephaistos, no ágora de Atenas. Este jardim que se s ituava na frente do alinhamento de colunas do templo era constituído de dois agrupamentos principais de arbustos, tendo a sua frente, canteiros de flores; É possível que tinham também vinhas cultivadas sobre o muro que o cercava.O traçado das plantações desta construção datada do séc. V d.C., era certamente típico dos santuários do período clássico. A sombra era fornecida pelos ciprestes, louros e plátanos. Os verdadeiros jardins do helenismo foram aqueles criados pelos tiranos sicilianos e pelos reis que sucederam Alexandre. Mas pouco a pouco as “Villas” helênicas foram apresentando os pórticos6 completados com passeios arborizados. O plátano tornou-se uma planta muito estimada. Os ginásios, inicialmente devassados, foram então completados com bosques e passeios. Árvores também foram plantadas próximo aos mercados e aos locais de reuniões como a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles. Na época da conquista romana, os gregos apresentavam a arte de jardins em sua fase inicial, mas foram estes conquistadores que a terminaram, unindo todas estas tendências e criando uma nova estética. Com as conquistas de Alexandre, a aristocracia grega começou a copiar os jardins da Pérsia e do oriente. Os parques públicos ornamentados com fonte e grutas se tornaram então um elemento das Vilas das colônias gregas. As plantas mais utilizadas nos jardins privados, ornamentados de esculturas instaladas em nichos e fontes, eram as rosas, íris , lírios, cravos, bulbosas floridas e as ervas. Encontravam-se também pequenas frutas. O luxo apareceu pela primeira vez no jardim de Epicure, mas pouco se conhece de sua descrição. 1.5. JARDINS ROMANOS O nascimento da arte dos jardins na civilização romana teve diversas causas, sendo que uma das mais profundas está, associada a certas tradições e características deste povo, como por exemplo, o fato de que os romanos, mesmo após tantas conquistas, jamais se esqueceram de suas propriedades familiares. Após vencerem suas batalhas, era para estes lugares que os generais retornavam. A vida política os obrigava a permanecerem nas cidades e então eles começaram a adquirir suas casas de campo nos 6 Do latim porticus. Átrio amplo com teto suspenso por colunas ou pilares, portal. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 20 arredores de Roma. As mais tradicionais famílias da aristocracia possuíam grandes propriedades rústicas próximo a Roma. Estas terras foram se dividindo e aos poucos foram se transformando em Villas onde surgiram os Jardins dos Prazeres. FIGURA 10 - Jardim dos Prazeres (Zuylen, 1994) O jardim romano é uma mistura das artes gregas (eles trouxeram diversos monumentos e estátuas quando saquearam a Grécia) com a criatividade dos romanos. Os jardins eram metódicos e ordenados, integrando-se às residências, característica esta visualizada nas Villas romanas onde havia a interpenetração casa-jardim: as paredes eram pintadas com paisagens e os muros revestidos com trepadeiras. Os refinamentos da época helenística exerceram uma forte influência sobre a arte dos jardins em Roma e seus arredores, a qual se propagou por todo o império. Estes jardins se inspiravam no oriente – do Egito à Pérsia, sem no entanto imitá-los, criando uma estética s intética e sofisticada. Os romanos retomaram o tema da bacia central da arte dos jardins egípcios e quando possuíam espaço suficiente, adotavam um canal para fazer um Euripo7. Os gregos influenciaram na criação destes jardins através da estética de sua poesia, pintura, e escultura. A grande novidade consistia nas composições de paisagens, onde dispor s imetricamente as árvores já não era mais suficiente. As plantas, a água e o solo se 7 Euripo (Euripe): por origem, estreito que separava a Ática da Eubéia. Os Euripos dos jardins são canais percorridos por correntes d’água que, com a ajuda de uma engenhosa combinação de válvulas, variam seu sentido, movimentando ora para um lado, ora para outro, simulando o movimento das correntes marítimas. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 21 tornaram a partir deste momento o suporte para pesquisas de composições plásticas. Os jardins romanos marcaram profundamente a história dos jardins na Europa. Marcus Porcus Catu (234-139 a.C.), funcionário de alto posto do Estado, “agrônomo”, escreveu o tratado De agri cultura, com conselhos práticos e de agricultura. Tinha como intenção valorizar a s implicidade rural e natural. Este tratado foi uma crítica à sofisticação e ornamentação dos jardins e à sociedade romana, valorizando as características do comportamento dos gregos e constituindo uma ode à natureza. Nos primeiros textos em latim, onde são citados os Jardins dos Prazeres, o jardineiro era chamado de topiarius, ou seja, paisagista. Sua arte era chamada de arte topiária, palavra que os historiadores modernos sempre restringiam o sentido, afirmando que esta designava apenas a poda pitoresca de arbustos. Na verdade, esta poda pitoresca foi inventada e praticada pelos jardineiros romanos, mas era somente um dos procedimentos da arte topiária desta época e que só apareceu 50 anos após o início do jardim paisagista romano. Para esta arte, os romanos utilizavam ciprestes, buxos e louro- anão, as mesmas plantas ocorrentes nos jardins gregos e persas. Esta arte dos jardins paisagísticos nasceu graças à pintura grega, que impôs sua estética e seus temas aos jardins. A arquitetura helênica foi caracterizada pelo desenvolvimento sistemático de pórticos e colunas. Cada cidade possuía o luxo de ter em volta de suas praças públicas, de seus ginásios e nos arredores de seus teatros, grandes passeios cobertos. Durante muito tempo, os pintores representavam nos muros cenas mitológicas como os episódios das viagens de Ulisses, a guerra de Tróia, visões do mundo infernal, trabalhos de Hércules e outras imagens deste tipo. Pouco a pouco, os personagens foram perdendo seu lugar de destaque e os artis tas começaram a se interessarem mais pela decoração do que pelo conteúdo histórico. Assim, “Pintavam-se portos, promontórios, margens de rios ou riachos, fontes, canais, santuários, bosques sagrados, montanhas, rebanhos e pastores”. A invenção dos jardineiros romanos consistia simplesmente em destacar a paisagem pintada, e transportá-la para as áreas descobertas que contornavam o pórtico. Em sua origem, o jardim paisagístico romano, era um quadro projetado no espaço, em três dimensões, um diorama8 construído com os verdadeiros materiais da natureza. Estas paisagens deixadas aos jardineiros romanos pela pintura helênica eram paisagens sagradas. A maioria dos temas que as compunham, exprimia uma visão da natureza, onde jamais eram ausentes os deuses, os heróis e os mortos. Capelas, túmulos, santuários de todos os tipos eram sempre encontrados. Segundo os artis tas gregos a natureza era impregnada de um sentido de divino. Para eles, este tratamento da paisagem era por um lado uma intenção de realismo e por outro, uma tradição estética. Nos campos helênicos eram encontrados monumentos sagrados, estátuas e túmulos. A paisagem só era considerada digna de ser interpretada por um artista, quando esta era a testemunha da presença humana. A imagem de um túmulo, por exemplo, não 8 Diorama: pintura panorâmica, que em certos momentos luminosos proporciona a ilusão do real em movimento. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 22 despertava nenhum sentido de tris teza, pois os mortos estavam presentes nestes jardins como estão presentes os gênios da terra. Ali, eles continuavam a viverem a vida secreta da natureza, sensíveis ao retorno da primavera e às flores que lhes eram oferecidas pelos vis itantes. Muitos epigramas da antologia testemunhavam esta crença de uma comunhão entre a vida e a morte. Priape, o deus da fecundidade, estava presente tanto perto dos túmulos,quanto dentro dos pomares. Os temas dos jardins romanos eram inspirados na paisagem helênica, caracterizada pelo panteísmo latente e pelo naturalismo romano, onde a natureza tinha muitos poderes e demônios mal definidos, originados da paisagem sagrada. Os jardins romanos eram obras de arquitetos e estavam, portanto, subordinados à arquitetura. Eles completavam a casa romana com passeios e pórticos dispostos em todas as orientações para gozar do sol, da sombra e da natureza em todas as horas do dia. Construíam-se também varandas que serviam como locais de lazer. Nos jardins romanos se cultivavam coníferas, plátanos, amendoeiras, pessegueiros, macieiras e figueiras. A maioria possuía horta. Os canteiros eram plantados como bordaduras. Havia também lagos, que possuíam o fundo escuro para causar efeito de espelho. FIGURA 11 - Jardim Romano (Grimal, 1974). Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 23 FIGURA 12 - Jardim Romano (Grimal, 1974). O Parque de Amaltheum Este parque foi organizado por Atticus, amigo de Cícero. Era um santuário consagrado à Ninfa, que, segundo a mitologia, em outros tempos, sobre o monte de Creta, havia cuidado de Zeus nos seus primeiros anos de vida. Para chegar à gruta, era preciso percorrer uma alameda de plátanos, ao longo de um riacho. O Amaltheum, propriamente dito, era um conjunto de rochas, uma gruta artificial, evocando a gruta onde Zeus havia passado sua infância. Dentro desta gruta havia uma estátua representando a ninfa alimentando a criança com néctar e mel. Os poetas julgavam ouvir as vozes das ninfas vindas das grutas. O frescor da água corrente, o murmúrio e a impressão da abundância divina faziam deste lugar um santuário digno de uma divindade. Era um quadro mitológico que se transformou em uma verdadeira obra, valorizando todos os sentidos humanos pela magia do jardim. O Amaltheum de Atticus se tornou um modelo que multiplicou pelos jardins romanos. A pedra pomes, comum nos terrenos vulcânicos do sul da Itália, era utilizada para construir a parte rochosa das grutas. Esta tradição se perdeu, não sendo mais encontrada nos jardins modernos, devido às imitações realizadas na época do renascimento. Para os conceitos religiosos da Antigüidade o fato de se servir dos santuários dedicados às divindades para seu próprio prazer, não constituía nenhum sacrilégio. Por todas estas razões, havia nos parques romanos diversas estátuas e os artis tas procuravam representar os cenários das lendas e poesias. Como exemplo têm-se as caçadas de Meleagre9 com outros caçadores e sua tropa de cães, o javali acuado em seu desespero, e toda uma composição vivificada para decorar os bosques. Encontrava-se ainda, o massacre de Niobe, onde Apolo e Artemísia matavam as crianças de Niobe, para punir sua mãe de se comparar insolentemente com Léto. A Niobe dos jardins de Sallustre em Roma também pertencia a uma composição deste gênero. O touro Farnésio (atualmente no Museu de Nápoles) pertencia ao quadro mitológico sobre a punição de Dirceu, destinado a ser valorizado pelo quadro da natureza. As obras da estatuária grega eram largamente utilizadas nestas encenações, conferindo- 9 Um dos caçadores que na mitologia grega, matava o javali de Calydon e o oferecia à Atlante. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 24 lhes assim uma grande valorização. Como nem todos os romanos dispunham de grandes recursos, os jardineiros imaginaram “esculpir”, eles mesmos, as árvores para satisfazer uma clientela cada vez maior naquela época. Foi então que surgiu a poda plástica, a nemora tonsilia, hoje em dia chamada de arte topiária. O buxinho (Buxus sempervivens), o taxus (Taxus baccata), e o louro (Laurus nobilis) eram muito utilizados na arte topiária. Apareceram então gramados ornamentados com barcos, veleiros, e ainda caçadas inteiras, onde uma lebre de buxinho era perseguida pelos cães de caça. Jardineiros engenhosos escreviam também com o mesmo princípio o nome do proprietário. Da mesma maneira como nas paisagens da pintura helênica eram representados capelas e templos, no jardim romano se apresentavam pavilhões, as diaetae. Estes pavilhões eram utilizados como locais para alimentação, repouso, reuniões e ainda para a leitura. Às vezes, estes pavilhões tinham a forma de uma torre de dois andares e evocavam temas da paisagem egípcia, popularizada pela pintura e pelos mosaicos. Próximo as diaetae se cultivavam parreiras, que no verão filtravam a luz do sol, e ofereciam ao salão uma iluminação esverdeada. Algumas também eram rodeadas por um fosso de água, formando uma ilha. Os convidados costumavam se deitar sobre a margem de mármore do fosso e eram servidos por barcos ou pássaros flutuantes que substituíam as bandejas. Haviam banquetes místicos, servidos por gênios invisíveis como o de Psiquê no palácio de Éros. O jardim era assim um mundo encantado, onde os homens se tornavam companheiros de Silene10, que podia ser visto deitado num bosque vizinho. Ou ainda de Dionysos11 que descobria maravilhado a presença de alguma Ariane adormecida. O gosto pela presença divina às vezes se confundia com o bizarro e nos jardins isto reinava como numa cena de ópera italiana, a qual se repetiu quinze séculos mais tarde nos jardins clássicos. Mesmo dominados pela expectativa de evocações legendárias e poéticas, eles ainda eram submissos à arquitetura. Os motivos pitorescos eram sempre apresentados a partir de elementos arquiteturais tais como a presença de perspectiva a partir de um pavilhão ou de uma alameda para caminhadas ajardinada e ainda a de terraços com bordaduras, de onde se podia contemplar uma paisagem ordenada. Assim, o jardim romano perdeu sua unidade e se dividiu em setores de maneira que cada um servia a um pavilhão ou a uma parte do castelo. Freqüentemente era o pórtico que comandava o jardim e por esta razão, os romanos tinham adotado em suas Villas os temas helênicos do ginásio, que nada mais era que um percurso por entre os bosques. Já para os gregos, os ginásios das cidades eram destinados ao exercício físico, com pista de corrida, área descoberta para o lançamento de dardo e de disco. A área descoberta, denominada de xyxtos (lugar plano), se transformava em um simples terraço, normalmente gramado. 10 Filho de Hermes, representado sobre a forma de um velho careca que está sempre embriagado. 11 Deus da vinha, que cultivava a arte e a poesia, e foi o responsável pelo surgimento do teatro. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 25 Cícero, em uma de suas Villas (em Tusculum) construiu dois ginásios: um chamado Academia e o outro Liceu. Estes nomes provam que o valor dado a estas composições é ligado às associações filosóficas e culturais do ginásio. Os ginásios para os romanos eram um lugar de reuniões, colocado sobre a proteção de uma estátua de Atenas, a deusa das atividades intelectuais, se tornando um retiro do filósofo, um local ideal para o lazer estudioso e onde ocorreram os grandes debates retóricos e filosóficos, tais como quando Cícero se rivalizava contra Aristóteles e Platão. O esplendor romano de suas Villas pode ser registrado na Villa do imperador Adriano (117-138 d.C.) em Tivoli, onde se tem o exemplo máximo do Topia, jardim concebido como um lugar imaginário. Este jardim situava-se próximo à colina de Tibur e era uma reconstituição de monumentos e construções admirados pelo Imperador nas viagens que realizava pelo seu império. Assim como em diversos outros jardins romanos, na Villa de Adriano se explorou as perspectivas naturais da paisagem como os vales que eram vistos dos terraços e as construções queeram abrigadas em pequenas grutas. A Villa de Marcus Lucrecius s ituava-se próximo a Pompéia. Era um exemplo dos Jardins dos Prazeres, com arquitetura integrada à paisagem, a qual tinha como fundo o vulcão Vesúvio. Estátuas de Hermes garantiam a proteção divina. No jardim cultivavam árvores frutíferas, rosas, buxinhos destinados à arte topiária, plantas aromáticas, especialmente as perfumadas. FIGURA 13 - Villa de Marcus Lucrecius (Zuylen, 1994). Um século e meio após, apareceu outro motivo arquitetural também originado da Grécia: o Hipódromo. Esta estrutura apresentava uma pista longa, retilínea, com uma curva em uma de suas extremidades. As longas alamedas retilíneas eram às vezes terminadas por um pórtico, ou então plantadas de árvores, onde seus troncos substituíam as colunas. Guirlandas de hera corriam de um tronco a outro, formando arcos vegetais. Ao longo da alameda principal existia sempre um gramado com composições esculturais ou arbustos podados, além de árvores em arco onde se encaixavam bancos semicirculares. Dentro do semicírculo do hipódromo, a alameda se dividia e se perdia EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 26 dentre os bosques e pérgolas cobertas de roseiras. Neste lugar, contemplava-se, à medida que se caminhava, jogos de culturas contrastantes e transições calculadas de luz e sombra. Nos hipódromos, encontravam-se ainda fontes em todos os cantos. Devido ao clima, nos jardins romanos, a presença da água corrente era bastante valorizada. Dentro das diaetaes havia fontes onde o murmúrio e o frescor da água convidavam o visitante ao relaxamento e ao descanso. A água, assim como as árvores, os arbustos e os animais domésticos, eram nestes jardins os elementos de sua magia. Para dar a estes jardins a característica de um lugar imponente, havia sempre no eixo dos setores (que eram fechados), a presença de um canal chamado Euripe. Esta divisão dos jardins levava sempre a uma composição de terraços em diversos níveis. Isto ocorria na maioria das Villas do interior romano e sobre as colinas do Latium. Nestes jardins não ocorriam as vastas perspectivas, pois cada um dos elementos se fechava sobre s i mesmo. A presença de um pórtico ou um contorno transformava o setor em um novo quadro oferecido a cada instante à presença humana. Quando uma peça não podia se abrir, havia pinturas realistas enquadradas, que sugeriam assim uma paisagem se abrindo aos olhos por uma janela (Trompe oeil = “engana olho”). Podiam ser encontradas ainda paredes inteiras da sala de estar, recobertas de afrescos representando bosques, dando a impressão ao visitante de se encontrar no meio de um bosque repleto de pássaros e frutas. Com o tempo, a casa romana começou a se transformar para melhor acolher os jardins. O átrio, que não passava de uma peça de recepção, passou a ser ornamentado com jardineiras, dispostas em torno de uma bacia central para aproveitar a presença da luz. Eram pintadas ainda sobre as paredes das jardineiras, plantas como íris e papiros. As pinturas eram tão realistas que podia se ver no meio das folhagens a s ilhueta de um caracol ou ainda de pássaros. Nas grandes insulae (casas de alguns andares), que foram substituindo as casas de átrio, era freqüente a presença de floreiras nas janelas, traduzindo o forte desejo dos romanos de ter ao menos a imagem de um jardim. Nas casas escavadas em Pompéia, pode-se conhecer como eram os jardins de grande parte da pequena burguesia. Um estudo minucioso das marcas deixadas pelas raízes nas cinzas e das representações dos jardins permitiu se ter uma idéia da flora de que dispunham os romanos. Havia árvores como: bordo (ácer), cipreste, plátano, ébano, sândalo, pinheiro, palmeiras, lódão (ulmo)12, álamo e o carvalho. Os bosques eram uma composição paisagística de grande importância. Apresentavam dimensões médias onde se cultivavam variedades anãs de árvores, como por exemplo, Chamaeplatani (plátano anão), e diversos arbustos, tais como: rosas, 12 Celtis australis, da família Ulmaceae que apresenta em torno de 80 espécies de árvores e arbustos. Ocorrente na regiões sul da Europa, Ásia Menor e Irã. Possui 8-20 m de altura e diâmetro de 5-12 m. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 27 taxus13, buxinho, medronheiro14, giesta, rododendro, oleandros (espirradeira) e louros. Como forração, revestindo os canteiros planos, encontrava-se nestes jardins: o acanto15, a hera e a pervinca16. As capilárias (designação comum dada a algumas avencas) apareciam nestes jardins cobrindo partes das rochas, próximo das fontes. E por fim, os canteiros, que ora ocorriam em maciços uniformes, ora em composições variadas da flora italiana, eram compostos de: violetas, actínia ou anêmona, papoulas, dedaleiras, palmas, jasmins, vários tipos de lírios, íris , jacintos, margaridas, amor-perfeito, narcisos, orégano, trevo. A cultura de rosas também fez grande progresso nesta época, e havia um grande número de variedades, sendo que umas eram originárias do sul da Itália e outras da Grécia. A conquista da Ásia permitiu aos dominadores o conhecimento de novas espécies de árvores frutíferas. A cerejeira, por exemplo, foi introduzida em Roma no primeiro século antes de Cristo. O limoeiro e a laranjeira provavelmente foram introduzidos durante o reinado de Augusto. Nesta época, estas plantas, assim como a palmeira, conservavam ainda um caráter exótico e tanto seus frutos quanto suas formas eram muito apreciados. Estas plantas contribuíam para o caráter exótico e a impressão do maravilhoso, os quais, para os romanos, eram inseparáveis da idéia de jardim. Encontraram-se em algumas pinturas, trabalhos minuciosos dos jardineiros tais como paliçadas em treliças de caniço, guirlandas de parreiras ou de hera, túneis de vegetação, arcos de trepadeiras e fontes de onde a água escorria para tanques redondos e caía sobre um tanque cheio de peixes e rodeado de pássaros. O jardim romano pode ser considerado como uma síntese original destinado a exercer uma influência durável sobre a arte e a civilização ocidentais. 2. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DO ORIENTE MÉDIO O Império Romano impôs uma cultura comum a todo o mundo da Antigüidade. O jardim romano, que unia estética e sentimento em relação à natureza, bem como a arte de viver, persistiu durante séculos e sua influência foi tão durável quanto a de outras artes como escultura, arquitetura e literatura. Com a divisão do império em dois no final século III d.C., quando se separaram as províncias de língua latina das de língua grega, formaram-se duas linhas de influência deste jardim: uma oriental (Oriente médio) e outra 13 Arbusto da família das Taxaceae, apresentando oito espécies similares, dentre as quais cinco são de porte arbustivo. São coníferas primitivas, onde se tem a árvore ou arbusto masculino separado do feminino. 14 Arbusto da família das Ericaceae, gênero Arbutus, ocorrendo cerca de 20 espécies. Comum no sudoeste da Europa e Ásia Menor. 15 Acanthus spinosus, A. moll is. Planta espinhosa, família Acanthaceae, muito decorativa, originária da Grécia e da Itál ia, cujas folhas serviam de modelo para ornatos arquitetônicos. O gênero Acanthus compreende cerca de 50 espécies, são plantas herbáceas e viváceas. 16 Pertencente à famíl ia Apocinaceae, gênero Vinca, que compreende 7 espécies. Planta sub-bosque, com flores tubulares de coloração violeta. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 28 ocidental. Muitos fatores contribuíram para que cada um destes domínios impusesse aos seus jardins estéticas divergentes. 2.1. BIZÂNCIO Existe a hipótese, comprovada pelosescritores da língua grega que tinham como objeto de seus romances a descrição de jardins, de que Bizâncio tenha continuado a preservar os seus jardins da Antigüidade até seu fim. Nestes jardins haviam pomares cultivados com macieiras, pereiras, murtas, romãzeiras, figueiras e oliveiras. A videira, planta predileta destes jardins, era utilizada como trepadeira e era conduzida sobre os troncos das árvores formando arcos. As plantas ornamentais eram cultivadas junto às frutíferas e eram as mesmas dos jardins romanos e dos parques da Babilônia. Estes jardins eram fechados por muros altos, sendo que às vezes se encontrava um pórtico. As flores contribuíam com a cor e o perfume dos jardins. Animais e pássaros de várias espécies animavam este lugar encantador, que apresentava como complemento obrigatório uma fonte central, geralmente uma pia redonda sobre uma coluna, aonde pássaros e pombos vinham banhar-se. Esta descrição caracterizava as típicas Villas imperiais do Bosforo se tornando um tema comum entre os romancistas, que com certeza confirmavam uma realidade. Em romances posteriores, foram se introduzindo elementos menos tradicionais, como a descrição dos autômatos, equipamentos hidráulicos e eólicos que se movimentavam por meios mecânicos. Estes foram citados pela primeira vez em um texto do século XIII, mas com certeza foram criados antes desta época, pois retomavam os mesmos motivos imaginados por Heron de Alexandria, como, por exemplo, animais de pedra figurando uma fonte e dotados de movimentos. Havia ainda estátuas que pareciam nadar em piscinas, enquanto que, em volta destas, cantavam pássaros de ouro. Em outro romance, tinha-se ainda a descrição de um jardim com estátuas de alguns personagens, sendo que umas representavam os guerreiros e outras os músicos, dos quais suas flautas e harpas ressonavam sobre a brisa. Baseado nestas descrições pode-se concluir que as antigas encenações dos romanos não foram esquecidas e s im aperfeiçoadas, à medida que se generalizava a arte destes equipamentos engenhosos. Os jardineiros franceses também utilizaram destes artifícios nessa mesma época, provavelmente transmitidos pela cultura árabe. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 29 FIGURA 14 - Autômatos (Zuylen, 1994). 2.2. PERSIA Ao mesmo tempo, ao lado do jardim Bizantino, continuava a se desenvolver o jardim Persa que, devido às conquistas árabes, se espalhou em todo o oriente asiático, do norte da África até à Espanha. Durante este tempo, os contatos entre os países que tiveram a influência do Império Romano com o reino persa eram freqüentes, o que fez com que a arte do jardim continuasse a se desenvolver nesta troca de influências. Após o século XIII, com novas conquistas, ampliou-se o contato com a China, recebendo algumas influências deste estilo. No século XIV foram introduzidos nos jardins o pavão e o marreco, trazidos da Itália e Ceilão. Uma das simbologias possíveis do traçado deste estilo de jardim seria a representação de um microcosmo que rodeava a moradia de um principado. Dentro deste tema, é s ignificativo lembrar de um costume que durou muito tempo na Pérsia. Até o século XVIII, a cada ano, precisamente no dia 10 de fevereiro, os cortesãos ofereciam ao rei pequenos jardins artificiais de cera pintada, destinados a decorar o centro das mesas. Os artesãos que os fabricavam eram chamados de plantadores de tamareira. A tamareira era considerada a árvore da vida, árvore sagrada, e s imbolizava a fecundidade primaveril, a qual era simbolicamente guardada pelo rei durante o inverno, através destas oferendas de jardins artificiais. Estes apelavam a toda natureza, a benção do príncipe e testemunhavam a aliança entre o príncipe e seu povo. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 30 O jardim persa era formado por um endeusamento naturalista com o qual se poderiam fazer alusões aos jardins romanos, mas com diferenças evidentes. Os jardins persas não eram povoados de deuses e demônios como o topia romano. Neste jardim se ignorava a estatuária ornamental. A representação de seus deuses não possuía corpo, nem contorno definido, era um tanto quanto misteriosa. Não se encontrava nos jardins persas nenhuma destas representações morais, que se aproximavam dos fundamentos da cultura dos romanos. Nos jardins da Pérsia, ao contrário, o luxo estava na sua gratuidade e nos fundamentos do valor que enfatizavam o religioso e moral. Para este povo, a melhor maneira de celebrar as festas dos deuses, era se retirando por um dia das atividades mercantis. Deveria-se recolher na companhia de alguns amigos, perto de uma fonte, à sombra de grandes árvores, ou sob um pavilhão, cuja arquitetura não colocava nenhuma barreira entre o homem e as forças primordiais da natureza. Este sentimento, que para os romanos foi uma descoberta tão laboriosa, no oriente apareceu espontaneamente, inspirando a estética do jardim tanto na Pérsia quanto em todo o mundo muçulmano. O jardim era considerado como a mais nobre forma de vida, aquela que Deus prometeu em seu paraíso: um lugar saudável, repleto de felicidade, de inteligência e de sabedoria. Os tapetes Uma das grandes fontes de informação sobre os jardins persas são os tapetes, pois os persas imortalizaram neles os seus jardins. Um exemplo deste jardim pode ser retirado deste tapete do século XVIII. FIGURA 15 - Esquema de um tapete confeccionado com o tema de jardim (Gr imal, 1974). Pode-se notar que, pelo desenho, o jardim era formado por um vasto enclauso retangular. Dentro deste enclauso, encontravam-se dois eixos retangulares, cuja interseção era marcada pela presença de um tanque de formato quadrado. No centro do Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 31 tanque havia uma fonte com peixes dourado (talvez golfinho), cada um voltado para um dos quatro canais. Os dois grandes eixos eram marcados por um grande canal retilíneo, em cujas margens eram plantados coníferas, pinheiros ou ciprestes em intervalos regulares. Os muros que fechavam o jardim eram cobertos por roseiras trepadeiras. No interior de cada retângulo, dois outros canais se interceptavam, sendo que em cada uma destas interseções, encontravam-se quatro grandes árvores de folhas caducas, tais como carvalho, plátano, sicômoro. Os retângulos eram subdivididos em retângulos menores, formando uma malha, e separados por um sistema de canais que situavam em um nível superior ao dos canteiros que ele dividia, e estavam em um nível inferior ao das alamedas principais. Este era um sistema que permitia a irrigação e foi largamente utilizado pelos jardineiros orientais desta época, pois, devido ao clima desértico, esta era uma necessidade e ao mesmo tempo, definiu um estilo de jardim. Nos canteiros do jardim, haviam flores coloridas e arbustos. Dentre estas, destacavam-se as rosas, as tulipas, as calêndulas, a espirradeira rosa, o mirto, a romã, as laranjeiras e os limoeiros. A estrita disciplina que marcava a organização geral do jardim não era utilizada no plantio dos canteiros. No interior de cada um destes, as sementes das flores eram lançadas ao acaso. O jardim persa era como um bosque sagrado onde se uniam os elementos fundamentais do universo. Nestes jardins, tanto os tanques quanto os canais, eram desprovidos de margem, pois era importante que o nível da água dos canais coincidisse exatamente com o nível das alamedas, para que o céu e a terra se confundissem com seus reflexos, transportando o olhar de um a outro sem nenhuma interrupção (origem da concepção de espelho d’água). Era um universo de sonhos ou de meditações, confusão de formas, onde a luz comandava o espetáculo. Esta mistura de elementos justificava a mistura das artes característicadeste povo, que expressava seu jardim através da música. Nesta cultura encontrava-se a música de jardim, assim como se tem na cultura ocidental a música noturna. A partir do século X a.C., os jardineiros persas começaram a utilizar azulejos (ladrilhos de cor azul) para revestir os fundos e bordas das bacias e canais, como se uma linha de água com seu fundo azul, representasse um pedacinho do céu. Este elemento antecipa a concepção do reflexo, sendo ele o próprio reflexo e não simplesmente um espelho. Desta forma, o jardim recebe o céu. Após o domínio romano sobre o oriente, pode-se notar a presença de pavilhões disseminados na arte dos jardins persas, com a particularidade de estarem sempre dispostos no ponto de fuga de algumas perspectivas. Outra característica destes jardins era a presença de pavilhões ou mesmo do castelo no centro deste, onde antes se encontrava uma bacia. Estes pavilhões, s ituados no lugar onde o s imbolismo colocava a Terra, eram elevados em relação ao resto do parque, e muitas vezes eram ainda contornado por um canal, formando ilhas. Os pavilhões situados em outros pontos dos jardins, tinham formas diversas: alguns lembravam as tendas, outros eram um ponto de parada em forma de baldaquim. Os mais s imples apresentavam um teto plano sobreposto EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 32 por uma pequena torre hexagonal, com colunas de madeira, bastante rústicas. Havia também as pérgolas e diaetae do jardim romano e as construções em forma de torre dos jardins egípcios. Ainda, da pintura romana, a presença de uma arquitetura suave, com colunas finas, ou ainda pérgolas aéreas, abertas sobre as copas frondosas dos jardins. Um outro tema desenvolvido pelos jardineiros persas foram os quiosques instalados entre os troncos mestres das árvores. Nestes, eram colocadas pranchas contornadas por parapeitos e que eram acessadas por uma escada. Segundo as miniaturas, eles tinham o costume de lanchar ou mesmo de dar recepções nesses locais. Os grandes parques reais possuíam também pavilhões que eram verdadeiros palácios, em miniatura, com o seu pátio central, onde se estendia a bacia entre duas alamedas, um tema que teve grande sucesso no prosseguimento histórico dos jardins. 2.3. MONGÓLIA Os imperadores da Mongólia também apreciavam a arte dos jardins. Antes de invadir a Índia, o Imperador Babour (1433 – 1530) vivia em Samarcande, no meio de pomares e jardins irrigados conforme o modelo persa. Este imperador deixou descrições detalhadas dos jardins criados por ele. Nestes jardins, os quatro canteiros geométricos de flores e plantas eram mais altos e separados por canais de irrigação, motivos estes também encontrados nos tapetes. 2.4. SÍRIA Para os conquistadores árabes, os jardins tinham grande importância, tanto que esta cultura se expandiu desde o Irã até o Império Bizantino. Cita-se, por exemplo, os Omeyyades17 na Síria, que cultuavam o máximo possível todo o luxo e a cultura do mundo greco-romano. Os mosaicos da grande mesquita de Damas, que datam do início do século VIII, também são outro exemplo, que retoma temas dos decoradores romanos e bizantinos e, em particular, os temas adotados nos jardins. Haviam, em grande quantidade, pavilhões circulares, verdadeiras diaetae contornadas por folhagens de todos os lados, estruturas estas também encontradas nos parques de Roma e de Pompéia. Através das descrições de Ibhn Abdrabih, viajante que percorreu a Síria no século X, a mesquita de Medina, foi reconstruída por Al-Walid, na mesma época em que se construía a grande mesquita de Damas, apresentando ambas, decorações análogas. Nas suas descrições, registrou-se que os artis tas criaram os mosaicos reproduzindo imagens de árvores e de castelos ali encontrados, refletindo o esplendor dos jardins da época, os quais, para os Omeyyades, eram símbolos da felicidade prometida por Deus ao seu povo. 2.5. ARÁBIA 17 Dinastia de cali fas que governaram de 660-750 o mundo mulçumano, durante o apogeu de sua expansão. Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 33 Nos palácios dos reis Sassanidas, como Quacr’i Chirin, existiam perspectivas formadas pelos canais de água e a presença do verde. As escavações em Samarra, s ituada nas margens do Tigre e a 100 Km de Bagdá, revelaram que no centro dos palácios, por entre os salões de recepção e do harém, se estendia uma vasta esplanada ajardinada de dimensões aproximadas de 300 x 200 m, limitadas por muros. Por esta esplanada corriam canais paralelos aos muros que fechavam o jardim, bordeados por canteiros de flores. Samarra foi considerada o Versailles dos povos Abassidas. Os sassanidas, alguns anos antes da conquista árabe (fim do século VI), já tinham como tradição o hábito de possuir a imagem de seus jardins no interior do castelo durante o inverno. Para isso, eles desenhavam e teciam tapetes imensos onde se reproduziam exatamente as formas e as cores de seus jardins. Esta é a origem dos grandes tapetes com motivos de jardins, cuja produção persistiu durante doze ou treze séculos seguintes, passando esta tradição para a cultura árabe e se tornando preciosos documentos para os pesquisadores. Esta tradição testemunhou tanto a concepção do jardim, quanto teve um significado do seu poder mágico e religioso: como o jardim era a imagem do universo e símbolo do poder sobre a natureza, era necessário que o rei o conservasse ao seu lado. Um rei sem jardim, não era um verdadeiro rei. Assim, quando as estações do ano não lhe permitiam este contato, os artifícios dos tapeceiros rendiam ao rei o seu reino. A arte dos jardins árabes se desenvolveu sobre a base de dois modelos: a dos palácios iranianos e da tradição romano-bizantina, surgindo assim uma síntese bem original. A estética iraniana dos jardins dava uma idéia de vastos paraísos com uma rígida s imetria, graças aos seus pomares, bacias e canais. Da tradição romana vieram os jardins com peristilo18, as fontes com seus jatos d’água e margens trabalhadas e, sobretudo, a onipresença da arquitetura com colunatas19 e pórticos. 18 Galeria de colunas em volta de um pátio ou de um edifício. 19 Série de colunas dispostas simetricamente. EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 34 FIGURA 16 - Colunas de peristilo, Grécia (Goitia, 1995). Em meados do século X o centro do mundo muçulmano foi transferido de Damas para Bagdad, e os príncipes da dinastia Abbassida, herdeiros dos Sassanidas, construíram palácios inspirados em seus antecessores. Nestes palácios, os apartamentos estavam localizados dentro de um grande jardim de forma retangular. E nestes apartamentos, havia quatro salas se abrindo em cruz para uma área central quadrada, motivo este que se repetiria várias vezes na história dos jardins. As maravilhas dos jardins Abassidas foram celebradas no conto "Mil e uma Noites" em uma descrição que se tornou famosa: “Ali-Nour já conhecia Bassorah de muitos belos jardins, mas nenhum nem em sonho como este! A grande porta era formada de arcadas superpostas, do mais belo efeito, e coberta de vinhas trepadeiras que deixavam cair magníficos cachos, uns vermelhos como o rubi, e outros negros como o ébano. A alameda por onde entrávamos era sombreada por árvores frutíferas que deitavam com o peso de seus frutos maduros. Sobre seus galhos, os pássaros gorjeavam na sua linguagem, temas captados pelos ares. O rouxinol moldava seus arredores, a rolinha arrulhava seu lamento de amor, o melro assobiava como os homens, o pombo de coleira respondia como que embriagado por forteslicores. Ali, cada árvore frutífera era representada por duas de suas melhores variedades; encontrávamos damascos de frutas doces e amargas, e até mesmo damascos de Khorassan, ameixeiras com frutos da cor de belos lábios, e ameixas amarelas de uma doçura de encantadora, figos vermelhos, figos b rancos e figos verdes, todos de um aspecto admirável. Quanto às flores, estas eram Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 35 como as pérolas e o coral; as rosas eram mais belas que as mais belas faces, as violetas eram escuras como a chama de enxofre queimando; e ainda existiam as flores b rancas do mirto; o goiveiro, goiveiro lilás, as lavandas e anêmonas. Todas as suas corolas se derramavam em chuva de lágrimas, e as camomilas se enchiam de sorriso para os narcisos, e os narcisos olhavam para as rosas com seus olhos negros e profundos. O cedro arredondado parecia um cálice sem pé nem gargalo, e os limões pendiam como bolas de ouro. Toda a terra era coberta por um tapete de flores de todas as cores, pois a primavera reinava e dominava todo o bosque, os rios fecundos se enchiam e suas fontes tintiliavam, os pássaros produziam seus ecos, o vento cantava como uma flauta, a b risa respondia docemente, e o ar ressonava toda esta alegria”. Não se acredita que toda esta descrição de Haron-al-Raschid seja apenas imaginação e literatura, pois existem detalhes que podem ser encontrados tanto nestas descrições quanto nos palácios de Samarra daquela época, como por exemplo, os jardins frutíferos, pavilhões de descanso, cabanas de jardineiro e grandes viveiros de peixes em canais que se comunicavam com o rio Tigre. Foi dentro da magia deste espaço que os príncipes muçulmanos implantaram os equipamentos construídos a partir dos modelos dos mecanismos bizantinos, criando e encantando a todos em seus jardins. Eram ainda freqüentes nestes jardins pássaros mecânicos que cantavam, e diversos tipos de estruturas que movimentavam como as folhas de metal, além de frutas de pedras preciosas. O jardim se transformou em uma parte essencial da residência mulçumana em todo o mundo is lâmico. Estes jardins foram encontrados em todo o Oriente médio, na Espanha moura e nos palácios s icilianos. Os poetas os descreveram e os jardins, assim como no oriente Bizantino, eram tema obrigatório dos romances de amor e representavam a imagem do Paraíso e da vida feliz. 3. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DA EUROPA OCIDENTAL Ao contrário do que se passou no Oriente, onde os Jardins dos Prazeres nunca foram abandonados, na Europa ocidental a arte dos jardins passou por um longo período de obscuridade com o fim da Antigüidade. A sobrevivência dos jardins no Oriente foi devido à continuidade da tradição religiosa. O jardim no Oriente era parte integrante de uma concepção do mundo. Já no Ocidente, a doutrina cristã nunca permitiu este luxo secular. Os mosteiros deram a esta EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 36 arte uma função dentro de seus valores materiais e espirituais, sendo esta, uma função subalterna, muito diferente do que acontecia no Oriente. Privado de toda significação religiosa, na cultura ocidental o jardim não podia conservar sua eminência. Sua expansão só aconteceu com evolução cultural e espiritual ocorrida por influências externas como o contato renovado com a Antigüidade, a retomada do comércio e das relações com o Oriente, o contato com a cultura céltica e enfim, o renascimento italiano. A tradição do jardim da Antigüidade não desapareceu bruscamente. Esta arte, durante muito tempo, ocupou um lugar de destaque na vida cotidiana. Ovídio, importante escritor da Idade Média, descreve várias sugestões de jardins e temas de paisagens, onde a natureza era interpretada de acordo com a tradição topiária. A técnica do jardim foi transmitida, sem interrupção, de geração em geração, sobretudo na região de Provença, que compreendia as províncias meridionais da França e da Itália, e ainda, em todo o país romano. Foi assim que persistiram, no jardim medieval, as tradições dos jardins da Antigüidade como a utilização de buxinhos podados em bordadura. Havia ainda as treliças de caniço formando paliçadas para conter as cercas-vivas e parreiras formando arcos e pérgolas. A técnica dos jardins persistiu nesta transição da Antigüidade para Idade Média e Renascimento, mas o espírito desta arte sofreu grandes transformações. 4. JARDIM MEDIEVAL (SÉC. XIII a XV) "A Idade média européia estabeleceu uma ponte de séculos entre a queda do Império Romano e o Renascimento. A prática dos jardins foi conservada nos mosteiros e foi a partir desta época que a igreja escolheu como símbolo o Jardim Secreto, ‘Hortus conclusus’. Ao contrário, príncipes e poetas preferiram o ‘Hortus deliciarum’, jardim paradisíaco, fonte de prazeres terrestres. Estas duas metáforas foram a essência do Jardim Medieval." (Gabrielle van Zuylen) A concepção de jardins foi bastante modificada na idade média. A cultura pagã foi renegada, pois todos os povos eram considerados pagãos: egípcios, persas, etc. As guerras devastaram grandes áreas e cidades e, somava-se a isto, a crença de que as florestas e jardins densos eram habitados por demônios. O jardim medieval tinha como característica marcante a simplicidade, reflexo do retraimento que se seguiu à decadência de Roma. Havia, na Idade Média, três tipos de jardins: o jardim dos prazeres fechado, a horta utilitária e o jardim de plantas medicinais, explorado pelas ordens monásticas. Os jardins eram cultivados nos mosteiros e castelos, em pequenos espaços planos, quadrados e fechados por muros que eram revestidos de trepadeiras, Os passeios eram retos, cobertos de pérgolas, e se cortavam em ângulos retos, em alusão à cruz. Os assentos eram rústicos, feitos com troncos. As cercas mais baixas eram recobertas de rosas e as mais altas, por romãs. Neles se cultivavam plantas úteis para alimentação, medicinais e flores, sendo estas utilizadas para ornamentação dos Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações 37 altares. As plantas medicinais eram a base para fabricação de perfumes, cosméticos e remédios. Nos mosteiros, que foram o centro de preservação da ciência e das artes, eram os próprios religiosos que cultivavam os jardins e estes monges tinham um real senso da natureza, incentivado pelo paraíso bíblico. Pelo trabalho com a terra, se purificava e alimentava a alma. Nos jardins dos monges se cultivavam apenas ervas medicinais. Nos jardins dos padres e nos pequenos jardins domésticos (cultivados pelas mulheres), se cultivavam flores, legumes, plantas medicinais e árvores frutíferas. Foi nesta época que teve início a troca de conhecimentos sobre as plantas. Sabe-se, por exemplo, que em Languedoc, o abade Benoît mantinha contato com seus colegas da Alemanha e da Inglaterra, como Alcuin d’York. Eles trocaram em torno de 800 espécies de plantas medicinais. FIGURA 17 - Jardim Medieval (Zuylen, 1994). O Jardim secreto, Hortus conclusus, era um jardim de sonhos e portador de um grande simbolismo religioso, inspirado na descrição da esposa bem amada de o Cântico dos Cânticos 4, 12-15: “Jardim fechado és, irmã minha esposa, / jardim fechado, fonte selada. As tuas plantas formam um jardim de delícias, / toda a qualidade de romãs, / de frutos de cipre e de nardo; nardo e açafrão, canela e cinamomo, / com todas as árvores do Líbano, / mirra e aloés, de todos os perfumes mais finos. Tu, a fonte dos jardins, o poço das águas vivas,... ” EDITORA - UFLA/FAEPE – Plantas Ornamentais e Paisagismo 38 Havia nele uma métafora visual, que tornou este jardim uma alegoria da Igreja, presidida pela virgem em glória. Nestes jardins de Maria, as flores eram portadoras de
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