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Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 5 
 
http://dx.doi.org/10.1590/2176-457320904 
 
Quando prolixidade é arte: entendendo os romances francófonos 
africanos de Ahmadou Kourouma / Where Prolixity is Art: Understanding 
the Francophone African Novels of Ahmadou Kourouma 
 
 
Foara Das Gupta Adhikari 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
A ficção de Ahmadou Kourouma, escritor africano da Costa do Marfim, tem constituído 
um desafio para os críticos, sobretudo pelo intenso uso do registro, do léxico e do ritmo 
africanos com o escopo de criar um novo idioma francês através do malinkê, língua 
materna do autor. Embora a linguagem seja central para o entendimento da literatura 
francófona, a abordagem crítica tradicional tem dado pouca ênfase a esses romances de um 
ponto de vista linguístico. Propondo que a crítica literária limitada à reflexão isolada de 
parâmetros contextuais ou textuais ignora a dimensão criativa da arte no romance, este 
trabalho busca adotar a poética do dialogismo de Bakhtin na leitura do romance Alá e as 
crianças-soldados, de Kourouma, para compreender o princípio (de linha dialógica) que 
anima e articula todo o trabalho. 
PALAVRAS-CHAVE: Dialogismo; Prolixidade; Polêmica velada; Pós-colonial 
 
 
 
ABSTRACT 
Understanding the fiction of the West African Ivorian writer, Ahmadou Kourouma has 
remained a challenge to critics primarily due to his powerful use of African rhythm, 
register and lexicon to create a new French through Malinke, his mother tongue. Although 
language is central to the understanding of Francophone literature, the classical approach 
has consisted in narrowly focusing on language from a linguistic point of view. Arguing 
that literary criticism limited to the isolated meditation on textual or contextual parameters 
ignores the creative dimension of art in the novel, this paper attempts to adopt Bakhtin's 
poetics of the dialogical to Kourouma's novel, Allah is Not Obliged, to understand the 
living principle (of dialogic threads) that animates and binds the entire work. 
KEYWORDS: Dialogism; Prolixity; Hidden Polemic; Postcolonial 
 
 The English and Foreign Languages University, Hyderabad, Andhra Pradesh, India; foara1968@yahoo.co.in 
mailto:foara1968@yahoo.co.in
6 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
Perspectivas linguísticas ou sócio-históricas na abordagem dos romances africanos 
francófonos tornaram-se usuais, há algum tempo, nos campos da interpretação e da crítica. 
Da mesma forma, há uma tendência a se entender o caráter político do uso da língua por 
escritores africanos como forma de traduzir suas identidades. Se, por um lado, 
investigações dessa natureza são frutíferas para que se revelem alguns aspectos da obra, 
elas ignoram dinâmicas sutis da linguagem na criação artística literária. Consequentemente, 
os romances francófonos africanos acabam sendo considerados, mais que obras de arte, 
panfletos políticos, documentos históricos ou base sociológica de informação. 
O estudo e a interpretação crítica dos romances do escritor da África Ocidental 
Ahmadou Kourouma (1927-2003) não são exceções. Kourouma é conhecido como 
romancista da segunda geração na história da literatura africana de língua francesa, cuja 
obra surgiu durante o período do pós-independência, compreendido entre o final da década 
de 1960 e os anos 1970. Como a maioria dos escritores africanos de sua geração, 
Kourouma buscou inspiração em eventos históricos e seus romances passam-se em 
períodos específicos atravessados por seu país. Criou-se, assim, aliado a essa indelével 
dimensão histórica, um poderoso retrato interno da sociedade africana, que conferiu à sua 
ficção um impulso sociológico. Kourouma, no entanto, tornou-se conhecido também por 
sua originalidade na escrita e seu primeiro romance, Les soleils des indépendances (1968)1, 
criou um rebuliço em círculos literários por sua inovação em estruturas sintáticas africanas 
transpostas para o francês. De certa maneira, a obra anunciou uma nova era no pensar, 
escrever e entender linguagem. 
Nos tempos de pós-independência em que surgiu Les soleils des indépendances, o 
primeiro romance de Kourouma, os críticos pós-coloniais rapidamente sustentaram que o 
trabalho era um brilhante exemplo de subversão linguística2. Estudos sobre o romance logo 
tomaram o viés usual de suas associações históricas e políticas. Jacques Chévrier, em sua 
categorização da literatura africana, classificou-o como o “romance do desencantamento” 
 
1 O livro foi inicialmente recusado por editores na França e Kourouma finalmente conseguiu publicá-lo no 
Quebec, após consideráveis supressões e correções. Posteriormente, foi publicado pelas Editions du Seuil, 
Paris. Veja a tese de doutorado de Ekoungoun (2005). O romance foi traduzido para o inglês com o título The 
Suns of Independence, por Adrian Adams em 1981. 
2 Ver Chantal Zabus (1991). 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 7 
 
(“desencantamento” que veio depois da independência), enquanto a linguagem da obra se 
tornou objeto de análises linguísticas da sintaxe do francês africanizado, de sua expressão e 
vocabulário. 
A obra de Kourouma chamou a atenção dos pesquisadores quando seu romance Alá 
e as crianças-soldados (2000) ganhou o prestigioso prêmio literário Renaudot, na França. 
As análises linguístico-literárias que se seguiram debruçaram-se sobre vários aspectos de 
sua escrita3. Estudiosos da África inauguraram leituras antropológicas do romance, ligadas 
à experiência e à imaginação africanas4, para descobrir o que Abiola Irele chamou de 
“caráter específico” da literatura africana (1990, p.9). Contudo, o predomínio de leituras 
políticas e temáticas em detrimento da estética criou uma lacuna na crítica literária 
francófona, além de ter deixado certas questões sobre a forma sem resposta. 
 
A necessidade de uma abordagem alternativa 
 
As obras de Ahmadou Kourouma beneficiaram-se de várias leituras críticas, embora 
o imperativo político de sua ficção seja sempre muito forte. Quando o foco dessas leituras 
recaiu sobre a forma, elas limitaram-se a aspectos estilísticos como ritmo, oralidade, uso de 
provérbios e expressões idiomáticas africanas ou técnicas de apropriação da língua do 
colonizador. Esses estudos apresentavam natureza muito seletiva, reducionista em certo 
sentido, pois tendiam a excluir aspectos do romance que não se enquadrassem numa análise 
textual. Além disso, havia a suposição generalizante de que toda a literatura africana pós-
colonial seria uma resposta para a empreitada colonial, o que levou a uma estereotipada 
politização da arte. 
 
3 Justin Bisanswa, em The Adventure of the Epic and the Novel in Ahmadou Kourouma’s Writings, estuda a 
forma dos romances de Kourouma e conclui que ela é uma mistura de épico e romance. Christiane Ndiaye, 
em Kourouma, the Myth: The Rhetoric of the Commonplace in Kourouma Criticism, trata do aspecto político 
da escrita e mostra como Kourouma cria uma autêntica prosa africana para libertar o romance africano da 
dominação do francês. Amadou Koné, em Discourse in Kourouma’s Novels: Writing two Languages to 
Translate Two Realities, examina a difícil relação entre o uso do malinkê e do francês na obra de Kourouma. 
Carrol Coates relaciona a ficção de Kourouma à sua vida real, com especial referência a Houphouet Boigny, 
ditador da África Ocidental. 
4Ver Lobna Mestaoui (2012). 
8 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
A complexidade da obra de Kourouma continuou a confundir os críticos, que 
questionaram uma contradição inerente relacionada a vozes e sistemas de valores em seus 
romances. Comentando a inconsistência da voz do narrador-criança, Madeleine Borgomanoclassificou Alá e as crianças-soldados como uma das obras de Kourouma “menos 
originais”, “menos radicais”, com um narrador adulto maduro frequentemente assumindo o 
lugar da criança (2004, p.136). Pela mesma razão, Heidi Bojsen considerou problemático o 
uso do discurso direto no romance, por este não ser um retrato realista dos pensamentos e 
distúrbios emocionais de uma criança (2011, p.175). Em relação ao sistema de valores, 
Isabelle Constant mostrou-se inconclusiva sobre a questão do status do narrador-criança: 
anti-herói ou porta-voz do autor? (p.66)5. Lajri Nadra, por sua vez, questionou a forma e o 
funcionamento da narrativa de Kourouma nos seguintes termos: 
 
Essa “tagarelice” aparentemente fragmentada, incoerente e prolixa é de 
fato construída, organizada e coerente; pode-se perguntar se Kourouma é 
crítico da personagem “tagarela” como uma categoria empática (de 
discurso) ou se ele tenta opor essa personagem a um contradiscurso 
racionalista como crítica a “pseudodiscursos” racionais na história da 
África (OUEDRAOGO, 2010, p.92; tradução minha)6. 
 
Os problemas evocados pelos pesquisadores apontam para uma inadequação dos 
métodos estilísticos para explicar questões relacionadas à forma dos romances de 
Kourouma e para a necessidade de um enquadramento conceitual alternativo adequado a 
questões estéticas. Portanto, proponho que se leia o romance de Kourouma Alá e as 
crianças-soldados com o aporte da teoria metalinguística de Bakhtin, que possibilita uma 
investigação elaborada sobre a matriz linguística da obra em relação a seu contexto 
 
5 O artigo Figures de l’ironie dans Quand on refuse on dit non, de Isabelle Constant, em L’Imaginaire 
d’Ahmadou Kourouma (OUEDRAOGO, 2010, p.65-85), é sobre o quinto romance do autor, Quand on refuse 
on dit non, que é uma continuação de Alá e as crianças-soldados, em que se encontra o mesmo narrador, o 
menino Birahima. 
6 No original: “Ce ‘bavardage’ en apparence fragmentaire, décousu et dilaté, est en fait construit, organizé et 
coherent; on peut se demander si Kourouma critique le ‘bavardage’ en tant que discours emphatique, ou s’il 
tente de lui opposer un discours rationnel, tout en critiquant les ‘pseudo-discours’ rationnels sur l’histoire de 
l’Afrique.” (Lajri Nadra. Construction(s), déconstruction(s) dans l’œuvre d’Ahmadou Kourouma. In: 
L’Imaginaire d’Ahmadou Kourouma (OUEDRAOGO, 2010, p.92). 
 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 9 
 
histórico específico. A leitura assume um posicionamento crítico partindo da posição da 
personagem no romance, tentando entender a razão de sua prolixidade, e, assim, o projeto 
artístico acabado do autor. 
 
A teoria bakhtiniana do romance: alguns conceitos-chave 
 
Bakhtin define o romance como uma “diversidade social de linguagens organizadas 
artisticamente, às vezes de línguas e de vozes individuais” (2010a, p.74)7. Num mundo em 
que a língua é “ideologicamente saturada” (2010a, p.81)8, os discursos entram em contato 
uns com os outros e confrontam-se o tempo todo. São os chamados discursos 
dialogicamente inter-relacionados. Mas no romance, segundo Bakhtin, cabe ao romancista 
essa tarefa de organizar línguas e vozes sociais artisticamente, de modo a permitir sua 
interação. O romance é, nesse sentido, não uma mera história, mas um fórum de debates, 
devido à interação entre falantes, línguas e visões de mundo. 
Se o confronto dialógico é uma consequência natural da pluralidade de línguas, de 
visões de mundo, diálogo, para Bakhtin, não representa absolutamente uma resolução de 
conflito. Pelo contrário, diálogo, num sentido bakhtiniano, implica uma constante luta entre 
“pontos de vista específicos sobre o mundo” que “podem ser confrontadas, podem servir de 
complemento mútuo entre si, oporem-se umas às outras e se corresponder dialogicamente” 
(2010a, p.98-99)9. Não há finalização nesse jogo interminável de línguas. Num 
determinado momento, uma língua pode parecer triunfar sobre outra, mas não pode clamar 
pela vitória final, já que “a última palavra do mundo e sobre o mundo ainda não foi 
pronunciada” (2010b, p.191)10. 
O romancista, segundo Bakhtin, inspira-se nas línguas da heteroglossia social para 
estruturar seu trabalho artístico com base em princípios dialógicos. As línguas no romance, 
 
7 BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do 
romance. 4. ed. Trad. Aurora Fornoni, José Pereira Jr et al. São Paulo: UNESP: Hucitec, 2010a. p.71-210. 
8 Cf. nota de rodapé 7. 
9 Cf. nota de rodapé 7. 
10 BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. revista. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro, 
Forense Universitária, 2010b. 
10 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
sendo, portanto, inter-relacionadas dialogicamente com contextos históricos 
extralinguísticos, não podem ser estudadas com ferramentas linguísticas de análise. 
Justificando a necessidade de uma nova metodologia, que chamou de metalinguística, para 
estudar nos romances de Dostoiévski a língua como ela existe na vida, Bakhtin explica: 
 
Intitulamos este capítulo “O discurso em Dostoiévski” porque temos em 
vista o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva, e 
não a língua como objeto específico da linguística, obtido por meio de 
uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da 
vida concreta do discurso (2010b, p.207)11. 
 
O principio dialógico é visto por Bakhtin como operante no romance e considerado 
por ele natural numa língua em sociedade. Tal princípio baseia-se na coexistência de 
múltiplas línguas como visões de mundo específicas dos falantes e sua intersecção 
vigorosa, muitas vezes violenta, no tempo histórico. Tanto na vida real como no romance, a 
condição de existência da língua como opinião plurilíngue múltipla complica o discurso de 
um falante cujas palavras inevitavelmente colidem com outras línguas acentuadas ou com 
“palavras de outrem” enquanto ele tenta descrever o objeto do discurso. Tal é a importância 
das palavras de outrem na visão dialógica da linguagem: o ouvinte como “outro” assume 
importância fundamental para o falante, servindo como princípio norteador da conversação, 
pois, como afirma Bakhtin, o “discurso vivo e corrente está imediata e diretamente 
determinado pelo discurso-resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a e 
baseia-se nela.” (2010a, p.89)12. 
 
A personagem falante Birahima em Alá e as crianças-soldados 
 
É verdade, por um lado, que os romances de Ahmadou Kourouma são 
predominantemente históricos e realistas por estarem situados em momentos decisivos da 
história da África Ocidental; por outro, uma evidente característica dessas obras é a sua 
 
11 Cf. nota de rodapé 8. 
12 Cf. nota de rodapé 7. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 11 
 
abrangência discursiva. Os narradores da ficção de Kourouma são adeptos da arte de contar 
histórias da maneira como os tradicionais contadores de histórias que seguem a tradição 
local das narrativas orais africanas, os quais aperfeiçoaram tal arte por séculos. Misturando 
fatos resgatados pela memória a crenças, trechos de discursos citados, provérbios e 
canções, eles produzem uma narrativa reveladora, cuja complexidade não pode ser negada 
Comentando esse aspecto, Jean Ouédraogo escreve sobre os romances de Ahmadou 
Kourouma: 
 
A vocação do homem era a de provocar discussões, de convidar os 
mestres da fala, os melhores oradores, os bajuladores profissionais 
(contadores de histórias como griots, jelis, os soras, os intérpretes e os 
políticos), para se unir em debates sobre os grandes males, em que não 
faltariam nem injúrias nem palavras de sabedoria e beleza (2004,p.iv). 
 
Em seus dois últimos romances, Alá e as crianças-soldados (original em francês 
publicado em 2000)13 e Quand on refuse on dit non (2004, incompleto, publicado 
postumamente), Kourouma concede a seu narrador-protagonista criança, Birahima, um 
grande papel falante. E apesar da asserção de Ouédraogo e Dakouo de que “o narrador de 
Kourouma é geralmente ‘falante’ e sua postura argumentativa restringe-se ao diálogo 
verbal em seus romances” (2011, p.49)14, seria mais exato dizer que a responsividade e a 
escolha de palavras e de tonalidade dos narradores de Kourouma animam encontros 
dialógicos cujas ressonâncias se sentem não apenas no texto, mas além dele, na vida real. 
Em Alá e as crianças-soldados (2003), o protagonista e narrador, Birahima, é um 
menino de dez ou doze anos (como ele mesmo se descreve) que narra suas experiências 
traumatizantes como criança-soldado numa guerra tribal que atinge a África Ocidental. No 
decorrer da história, o pequeno Birahima tem de deixar sua casa na Costa do Marfim, 
devido à morte de sua mãe, para encontrar sua tia Mahan na Libéria. Na jornada, ele é 
acompanhado pelo feiticeiro Yacouba. Cruzando a fronteira com a Libéria, eles são 
 
13 NT: Em todas as citações da obra analisada, utilizamos a tradução do texto existente no português: 
KOUROUMA, A. Alá e as crianças-soldados. Trad. Flávia Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. 
14 No original: “Le narrateur de Kourouma est généralement ‘bavard’, presque logomachique, de sorte que le 
dialogue verbal est peu développé dans ses récits”. 
12 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
capturados e levados a um campo de rebeldes e Birahima é forçado a se tornar uma criança-
soldado. Depois, eles vivem a miséria, a fome, a destruição e a loucura dos ditadores. 
O romance começa de uma maneira nada convencional, com a longa 
autoapresentação de Birahima, a qual se estende por mais de quatro páginas. No início, ele 
parece ser uma pequena e alegre criança que fala informalmente em francês pidgin, 
enquanto discorre sobre o longo título de sua história: “Eu decidi o título definitivo e 
completo do meu blablablá: é Alá e as crianças-soldados ou Alá não é obrigado a ser justo 
em todas as coisas aqui embaixo. Pronto. Começo a contar minhas bobagens”15, 
(KOUROUMA, 2003, p.9)16. 
A longa apresentação feita por Birahima cobre seis pontos, os quais incluem sua 
educação, sua natureza falante e seu desrespeito aos costumes e tradições africanos, que o 
levam a ter de deixar sua casa ainda criança em circunstâncias incontornáveis. O argumento 
que Birahima constrói numa estranha mistura de gírias, vocabulário colonial, modos de 
dizer africanos e linguajar infantil é o de que ele foi alienado de sua própria terra por ter 
matado, como criança-soldado, “muitos inocentes” (KOUROUMA, 2003, p.12)17, o que 
justificaria a inadequação de seus modos à cultura africana Essa é, sem dúvida, uma 
maneira de contextualizar e preparar o leitor para aceitar o que ele tem a dizer, corrigindo 
uma noção pré-estabelecida sobre a criança africana que esse leitor possa ter em mente. 
Mas Birahima parece ser excessivamente prolixo ao longo de toda a narrativa, usando 
muitas palavras e quatro dicionários para se expressar. No quinto item de sua apresentação, 
ele justifica sua necessidade de usar dicionários, expondo um projeto impressionante e 
inconcebível para alcançar um público amplo e heterogêneo, o qual inclui seu 
colonizador18: 
 
 
15 No original: “Je décide le titre définitif et complet de mon blablabla est Allah n’est pas obligé d’être juste 
dans toutes ses choses ici-bas. Voilà. Je commence à conter mes salades” (KOUROUMA, 2000, p.9). 
16 Cf. nota de rodapé 13. 
17 Cf. nota de rodapé 13. 
18 Lajri Nadra sustenta que Kourouma privilegia a forma em detrimento do sentido, a linguagem em 
detrimento da mensagem e questiona o uso de dicionários num contexto em que tudo é desordem e numa 
história criada para testemunhar e denunciar (OUEDRAOGO, 2010, p.106). 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 13 
 
Esses dicionários me servem para procurar os palavrões, para verificar os 
palavrões e principalmente para explicá-los. É preciso explicar porque 
meu blablabá é para ser lido por todo tipo de gente: tubabs (tubab 
significa branco), colonos, pretos nativos selvagens da África e 
francófonos de tudo que é gabarito (gabarito significa tipo) 
(KOUROUMA, 2003, p.11)19. 
 
A expressão infantilizada e informal de Birahima, seu autorretrato como uma pessoa 
falante e o fato de ele tachar sua história de “blablablá”20 dão uma pista errada para o leitor, 
que pode ignorar a seriedade de seu empreendimento. Na extensa análise que Jean 
Ouédraogo e Yves Dakouo fazem do romance, a convocação que o narrador-criança 
africano promove para que o Ocidente e o Oriente escutem juntos sua historia é interpretada 
como um diálogo entre línguas e ouvintes francófonos, sem que se chegue à efervescência 
que tal diálogo entre línguas e pontos de vista distintos e hierarquizados pode produzir no 
contexto pós-colonial do romance. Eis um dos trechos do estudo: 
 
A estratégia narrativa é desenhada para facilitar um diálogo entre 
diferentes falantes do mundo francófono. Porém, sob o ato do narrador de 
nomear grupos geograficamente diferenciados como seu público, 
esconde-se uma intenção diferente: a de se estabelecer um diálogo entre 
falantes que não falam no mesmo registro linguístico [...] O uso de 
explicações entre parênteses, seja no francês padrão seja num falar local, 
justifica essa estratégia comunicativa, embora a tendência seja a de 
privilegiar o modo africano popular de expressão21 (OUEDRAOGO & 
DAKOUO, 2011, p.55; minha tradução). 
 
Examinemos o primeiro ponto da apresentação introdutória de Birahima para 
entender o que ele realmente está fazendo ao falar tanto: 
 
 
19 Cf. nota de rodapé 13. 
20 Na tradução para o inglês de Frank Wynn, a palavra “blablabla” é traduzida como “bullshit story”. 
21 No original: “La stratégie communicative du narrateur consiste à instaurer un dialogue entre les différents 
locuteurs de la francophonie. Mais derrière cette typologie générale des destinataires fondée sur les aires 
géogaphiques du français, on décèle un autre dessein dans la stratégie du narrateur: celui de permettre un 
dialogue avec les narrataires qui ne parlent pas dans le même register…Cette option communicative explique 
l’insertion de certaines parentheses centrées soit sur des mots soutenus, soit sur des termes populaires, meme 
si la tendance principale est de privilégier le narrataire “populaire” (OUEDRAOGO & DAKOUO, 2011, 
p.55). 
14 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
E primeiro… e um… Meu nome é Birahima. Sou um neguinho. Não 
porque sou black e moleque. Não! Mas sou neguinho porque falo mal 
francês. Isso aí. Mesmo quando a gente é grande, velho, mesmo quando é 
árabe, chinês, branco, russo ou até americano, se a gente fala mal francês, 
a gente fala que nem um neguinho, a gente é um neguinho. Essa é a lei do 
francês de todo o santo dia22 (KOUROUMA, 2003, p.9)23. 
 
Uma leitura cuidadosa, ou melhor, uma escuta do enunciado de Birahima revela que 
não se trata de uma fala superficial, mas de um discurso cuidadosamente enquadrado num 
contexto. Birahima não está expondo fatos: a negação e a justificativa em seu discurso 
carregam uma forte nota de persuasão. Ele está antecipando e respondendo perguntas que 
estariam na mente de seu interlocutor. Seu diálogo oculto (com o apagamento da pergunta 
do interlocutor) é, de alguma maneira, similar à postura defensiva que Bakhtin identifica no 
diálogo entre Makar Diévuchkin e Várienka Dobrossiélova na novela Gente Pobre, de 
Dostoiévski(BAKHTIN, 2010b, p.241)24, no trecho em que diferentes motivações 
conduzem os personagens. Quando Diévuchkin descreve seu quarto, que nada mais é do 
que um cantinho do lado da cozinha, numa carta a Várienka, ele teme a impressão que 
possa causar na mente de sua interlocutora. 
Antecipando a reação negativa de Várienka, ele defende sua escolha de quarto como 
quem replica os comentários da interlocutora. Já o diálogo oculto de Birahima não é nem 
ansioso nem confuso como o de Diévuchkin. O seu (de Birahima) é um diálogo entre 
iguais, provocado pelo olhar ignorante de seu interlocutor, ironicamente do Ocidente: 
- Birahima: Meu nome é Birahima. Sou um neguinho. 
- Interlocutor (pergunta apagada): Oh! Então você é negro e pequeno? 
- Birahima: Não porque sou black e moleque. Não! Mas sou neguinho porque falo 
mal francês 
- Interlocutor (pergunta apagada): Isso não é estranho? 
 
22 No original: “Et d’abord… et un… M’appelle Birahima. Suis p’tit nègre. Pas parce que suis black et gosse. 
Non! Mais suis p’tit nègre parce que je parle mal le français. C’é comme ça. Même si on est grand, même 
vieux, même arabe, chinois, blanc, russe, même américain; si on parle mal le français, on dit on parle p’tit 
nègre, on est p’tit nègre quand même. Ça, c’est la loi du français de tous les jours qui veut ça” 
(KOUROUMA, 2000, p.9). 
23 Cf. nota de rodapé 13. 
24 Cf. nota de rodapé 8. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 15 
 
-Birahima: Isso aí 
- Interlocutor (pergunta apagada): Acho que entendo. Então, os africaninhos, como 
você, que não falam bem o francês, são neguinhos, é isso que você quer dizer? 
- Birahima: Mesmo quando a gente é grande, velho, mesmo quando é árabe, chinês, 
branco, russo ou até americano, se a gente fala mal francês, a gente fala que nem 
um neguinho, a gente é um neguinho. Essa é a lei do francês de todo o santo dia 
(grifos meus). 
Entende-se agora por que a apresentação de Birahima é tão longa. Não satisfeito em 
apenas dar informações sobre si mesmo, ele engata um diálogo com o “outro”. Uma 
autoapresentação monológica, não orientada ao outro, não se estenderia por mais de 
algumas sentenças. A negação “Não porque sou black” e a justificativa que se segue “Mas 
sou neguinho porque [...]” podem ser explicadas dialogicamente da seguinte maneira: assim 
que Birahima pronunciou a palavra “neguinho”, ele antecipou uma avaliação depreciativa 
da palavra (a ela conferida por seus usos anteriores, num passado colonial) na mente de seu 
interlocutor. Na época colonial, o termo “neguinho” era um epíteto desdenhoso para fazer-
se referência a um pequeno menino africano que não falasse bem o francês. Birahima 
rejeita essa avaliação com a negação em seu enunciado e, ao mesmo tempo, adiciona um 
novo sentido ao termo, adequado ao contexto pós-colonial. De acordo com essa reavaliação 
da palavra, “neguinho” aplica-se a qualquer um na comunidade global (com países dos 
mais evoluídos, como ele faz notar em “até americano”) que não possa falar bem o francês. 
Birahima se apropria de uma palavra, “neguinho”, do contexto colonial e a encaixa 
num contexto pós-colonial transformado. Sobre a apropriação de um discurso ao qual se 
confere novo sentido, Bakhtin, no ensaio O discurso no romance, afirma: 
 
o discurso não se encontra numa língua neutra e impessoal […], ele está 
nos lábios de outrem, nos contextos de outrem e a serviço das intenções 
de outrem: e é lá que é preciso que ele seja isolado e feito próprio. […] A 
linguagem não é um meio neutro […] Dominá-la, submetê-la às próprias 
intenções e acentos é um processo difícil e complexo (2010a, p.100)25. 
 
 
25 Cf. nota de rodapé 8. 
16 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
Birahima não apenas corrige a versão colonial da palavra, mas também insinua a 
arrogância dos franceses (os colonizadores) relativa à importância que atribuem à sua 
língua. O enunciado “Essa é a lei do francês de todo o santo dia” é enfático, é uma imitação 
da autoridade colonial (ele fala como seu colonizador). O enunciado inocente de Birahima, 
visto sob esse ângulo, é, de fato, uma polêmica velada26 dirigida ao colonizador. 
De maneira similar, outros pontos na apresentação de Birahima, que aparentemente 
intencionam quebrar barreiras linguísticas, decorrem de convicções ideológicas profundas, 
como mostra o seguinte enunciado: 
 
Mas ir até o segundo ano primário não é exatamente grande coisa. A gente 
sabe um pouco, mas não o bastante; a gente parece aquilo que os negros 
africanos nativos chamam de broa queimada dos dois lados. A gente não é 
mais um bicho do mato, selvagem como os outros pretos negros africanos 
nativos: a gente escuta e entende os pretos civilizados e os tubabs exceto 
os ingleses como os americanos pretos da Libéria27 (KOUROUMA, 
2003, p.10)28. 
 
Birahima (o interlocutor) orienta seu discurso para dois sistemas linguísticos, o 
africano e o colonial, cada um com seu horizonte conceitual, incorporando, assim, palavras 
dos dois sistemas em seu discurso. Ele descreve seu nível educacional de ambas as 
perspectivas. O uso de termos como “selvagem” e “pretos civilizados”, colonialistas e 
tendenciosos (estranhos ao sistema conceitual africano) para descrever seus compatriotas 
cria uma tensão em seu discurso bilíngue que levou críticos a questionar seu sistema de 
valores29. Uma escuta atenta à entonação de seu enunciado revela que, além das palavras 
“selvagem” e “civilizado”, com conotação racista, há outras com conotações não-racistas 
que são igualmente estranhas ao sistema conceitual africano. A palavra “autônomo”, por 
exemplo, tem conotações individualistas (características da ideologia capitalista ocidental). 
 
26A polêmica velada, neste caso, é um ataque ao orgulho que o colonizador tem de sua língua. Ela é velada 
porque a intervenção do colonizador que poderia ter causado esse jorro de raiva está ausente. 
27 No original: “Mais fréquenter jusqu’à cours élémentaire deux n’est pas forcément autonome et mirifique. 
On connaît un peu, mais pas assez; on ressemble à ce que les nègres noirs africains indigènes appellent une 
galette aux deux faces braisées. On n’est plus villageois, sauvages comme les autres noirs nègres africains 
indigènes: on entend et comprend les noirs civilisés et les toubabs[...]” (KOUROUMA, 2000, p.10). 
28 Cf. nota de rodapé 13. 
29 O problema é evocado neste trabalho na seção A necessidade de uma abordagem alternativa. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 17 
 
Um fenômeno interessante parece estar em jogo aqui. As palavras dos colonizadores 
de outrora entram no discurso de Birahima e, conforme a narração avança, provocam uma 
rica penetração dialógica em suas próprias palavras. Assim, as palavras colonialistas 
lançam um desafio à criança africana que se engaja com elas, usando-as em seu próprio 
contexto, respondendo a elas. Essa resposta, contudo, não é direcionada a palavras isoladas, 
mas a “palavras de outrem” que soam de modo diferente, sendo opostas ideologicamente. 
Dessa forma, a língua dominante do colonizador e de sua sociedade assume um papel 
participativo nesse diálogo. Numa leitura pós-colonial, a busca pelo deliberado 
enfraquecimento do discurso colonizador dominante é um entrave à compreensão do 
funcionamento do romance como um todo. 
Birahima é o “personagem falante” no romance de Kourouma Alá e as crianças-
soldados. Sua ambição é alcançar um público amplo e diversificado e ele precisa falar 
incessantemente, mudando de uma língua para outra para ser entendido. Como ele diz, 
“meu blablablá é para ser lido por todo tipo de gente: tubabs (tubab significa branco) 
colonos, pretos nativos selvagens da África e francófonos de tudo que é gabarito (gabaritosignifica tipo)”30 (KOUROUMA, 2003, p.11). Contudo, do ponto de vista do autor, nota-se 
um senso de humor marcado pela ironia na maneira como Birahima (o narrador), tentando 
dirigir-se a ambos os grupos (africanos e ocidentais) educa da mesma forma os “brancos 
civilizados” e os “nativos selvagens”. O uso explícito de explicações entre parênteses, 
decorrentes de pesquisas feitas em seus quatro dicionários, serve para mostrar de maneira 
flagrante que o branco é tão selvagem como o nativo africano: 
 
Eu não sou arrumadinho e bonitinho porque sou perseguido pelos gnamas 
de várias pessoas (Gnama é um palavrão preto negro africano nativo que 
tem que ser explicado aos franceses brancos. Ele significa, segundo o 
Inventário das particularidades lexicais do francês da África negra, a 
sombra que sobra depois da morte de um indivíduo. A sombra que se 
 
30 No original: “Il faut expliquer parce que mon blablabla est à lire par toute sorte de gens: des toubabs 
(toubab signifie blanc) colons, des noirs indigènes sauvages d’Afrique et des francophones de tout gabarit 
(gabarit signifie genre)” (KOUROUMA, 2000, p.11). 
18 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
torna uma força imanente má que segue aquele que matou uma pessoa 
inocente)31 (KOUROUMA, 2003, p.12). 
 
E agora estou apresentado em seis pontos, nem um a mais, em carne e 
osso, e com meu jeito malcriado e insolente e falar na ponta da caneta. 
(Não é na ponta da caneta que se deve dizer mas sim ainda por cima. É 
preciso explicar o que significa ainda por cima aos pretos negros africanos 
nativos que não entendem nada de nada. Segundo o Larousse, ainda por 
cima significa aquilo que se diz a mais, en rab)32 (KOUROUMA, 2003, 
p.12-13)33. 
 
Tensões dialógicas entre pontos de vista sócio-ideológicos 
 
Se o apelo de Birahima ao vocabulário do colonizador é frequentemente 
interpretado como subversivo em relação à autoridade imperial, seu antagonismo à sua 
própria comunidade é um ponto de discórdia, como o seguinte enunciado parece sugerir: 
 
O gyo é a língua dos negros pretos africanos nativos de lá, daquele fim de 
mundo deles. Os malinquês chamam eles de bushmen, de selvagens, de 
antropófagos… Porque eles não falam o malinquê que nem a gente e não 
são muçulmanos que nem a gente. Os malinquês, com seus enormes 
bubus, parecem bonzinhos e acolhedores, quando na verdade são racistas 
e sacanas34 (KOUROUMA, 2003, p.62)35. 
 
Há uma aparente contradição criada pelo pertencimento de Birahima à comunidade 
malinquê, expressa pelas palavras “que nem a gente” seguidas de uma avaliação de sua 
 
31 No original: “Suis pas chic et mignon parce que suis poursuivi par les gnamas de plusieurs personnes. 
(Gnama est un gros mot nègre noir africain indigène qu’il faut expliquer aux Français blancs. Il signifie, 
d’après Inventaire des particularités lexicales du français en Afrique noire, l’ombre qui reste après le décès 
d’un individu. L’ombre qui devient une force immanente mauvais qui suit l’auteur de celui qui a tué une 
personne innocente)” (KOUROUMA, 2000, p.12). 
32 No original: “Me voilà présenté en six points pas un de plus en chair et en os avec en plume ma façon 
incorrecte et insolente de parler. (Ce n’est pas en plume qu’il faut dire mais en prime. Il faut expliquer en 
prime aux nègres noirs africains indigènes qui ne comprennent rien à rien. D’après Larousse, en prime 
signifie ce qu’on dit en plus, en rab” (KOUROUMA, 2000, p.12). 
33 Cf. nota de rodapé 13. 
34 No original: “Le gyo est la langue des nègres noirs indigènes africains de là-bas, du patelin. Les Malinkés 
les appellent les bushmen, des sauvages, des anthropophages…Parce qu’ils ne parlent pas malinké comme 
nous et ne sont pas musulmans comme nous. Les Malinks sous leurs grands boubous paraissent gentils et 
accueillants alors que ce sont des salopards de racists” (KOUROUMA, 2000, p.61). 
35 Cf. nota de rodapé 13. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 19 
 
comunidade como “racistas e sacanas”. Isso levou críticos a questionar seu pertencimento a 
grupos éticos e religiosos e a personagem foi até mesmo considerada iconoclasta 
(BORGOMANO, 2004, p.137). Alguns críticos também reconhecem a voz do autor por 
trás das denúncias categóricas e enérgicas de Birahima contra seu próprio povo (Kourouma 
tem origem malinkê). 
Uma orientação dialógica dada ao enunciado desvela uma interação sutil entre 
línguas. A avaliação da tribo Gyo é entrecruzada na consciência de Birahima com uma 
avaliação da tribo Malinkê. A hostilidade ética entre tribos é expressa pelo uso de palavras 
do colonizador. Pela introdução do vocabulário colonial no enunciado de Birahima como 
palavras de outrem, assumindo uma posição semântica de outrem, relações dialógicas são 
estabelecidas entre o outro e a voz de Birahima, numa composição híbrida36. 
Ouçamos o enunciado atentamente. Na primeira parte da construção híbrida, a 
avaliação da tribo Gyo, que transforma em linguagem depreciativa colonialista “bushmen”, 
“selvagens” e “antropófagos” é completada pelas palavras de Birahima “Porque eles não 
falam o malinquê que nem a gente e não são muçulmanos que nem a gente”. Visto da 
perspectiva ampla do autor, o vocabulário desumano do colonizador que relega homens ao 
nível dos animais é ridicularizado pela inocente indicação de uma razão mesquinha para 
isso, uma diferença de língua e religião. De maneira similar, as palavras de Birahima “com 
seus enormes bubus” conferem uma estranha acentuação à avaliação colonialista e racista 
da tribo malinkê, os “racistas sacanas”, e torna infundada a denigração do africano pelo 
colonizador na base da aparência física. 
A interação entre línguas no enunciado de Birahima acima citado não permite uma 
inferência superficial sobre sua voz como opinião não mediada do autor. Pelo contrário, a 
opinião do autor é refratada na entoação e na acentuação particulares que são dadas ao 
discurso colonialista e racista que acompanha a expressão característica do narrador-
criança. Movendo a palavra colonialista de um contexto para outro (da hostilidade 
colonialista para a hostilidade inter-racial) na criação estética, Kourouma dá vida a um 
 
36 Se o enunciado é tomado como voz de um único falante numa relação lógico-formal, parece não haver 
contradição. A contradição é resolvida quando duas vozes distintas, correspondentes a duas posições 
semânticas distintas, são ouvidas num mesmo enunciado. Bakhtin chama essa construção de enunciado 
híbrido (BAKHTIN, 2010a, p.156-157). 
20 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
encontro dialógico entre a palavra colonial e a pós-colonial, de modo que a denúncia 
infundada do homem no terreno da língua, da religião e na aparência física, em ambos os 
períodos, fica exposta. 
 
Negociando com discursos dominantes 
 
Birahima é constantemente provocado pelos discursos ideológicos e religiosos de 
sua sociedade. Ele reage a esses discursos, falando constantemente para resolver suas 
contradições internas, e a intersecção entre eles em sua consciência torna sua fala dialógica. 
Birahima recorda, por exemplo, alguns dos discursos de sua primeira infância no quadro 
religioso e conservador a que sua família pertencia. Quando a mãe do menino se encontrava 
acometida por uma terrível úlcera na perna, sua avó a consolava com as seguintes palavras: 
 
Foi Alá que criou cada qual lhe dando a sorte que tem, os olhos, o 
tamanho e os sofrimentos. Ele te nasceu com as dores da úlcera. […] 
Você tem mais é que dizer Alá kubaru! Alá kubaru! (Alá é grande!) Alá 
não manda fadigas sem razão. Ele te faz sofrer nessa terra para te purificar 
e te conceder amanhã o paraíso, a felicidade eterna37 (KOUROUMA, 
2003, p.17)38.Esses discursos ecoam na consciência de Birahima como discursos autoritários 
isolados sobre Alá, livres de quaisquer questionamentos. Um dos dogmas da fé muçulmana 
proclama que o “julgamento final” de Alá prevaleceu e que todos os humanos ficaram à sua 
mercê. Mas quando a mãe de Birahima morre e todos se satisfazem porque isso aconteceu 
de acordo com a vontade de Alá, o menino justapõe seu ponto de vista ao da avó para 
assinalar sua objeção: 
 
Vovó explicou que Alá tinha matado mamãe só com a úlcera e com as 
lágrimas que ela tanto derramava. Porque ele, Alá, faz o que quer lá do 
 
37 No original: “C’est Allah qui crée chacun de nous avec sa chance, ses yeux, sa taille et ses peines. Il t’a née 
avec les douleurs de l’ulcère [...] Il faut redire Allah koubarou ! Allah koubarou ! (Allah est grand.) Allah ne 
donne pas de fatigues sans raison. Il te fait souffrir sur terre pour te purifier et t’accorder demain le paradis, le 
bonheur éternel” (KOUROUMA, 2000, p.17). 
38 Cf. nota de rodapé 13. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 21 
 
céu; ele não é obrigado a ser justo em tudo o que faz nesta terra39 
(KOUROUMA, 2003, p.28)40. 
 
Em outra instância dialógica, Birahima testa a verdade da crença muçulmana 
durante a viagem à Libéria em busca de sua tia. Antes do início da viagem, o feiticeiro 
Yacouba lhe assegura que eles passariam fome, já que “Alá nunca deixa uma boca criada 
por ele sem subsistência”. No início, eles encontram suprimentos com facilidade, mas com 
o passar dos dias a comida torna-se cada vez mais escassa. Apesar disso, Birahima é 
constantemente provocado pela crença de Yacouba, que insere em diferentes contextos, 
como mostram o trecho abaixo (por questão de extensão deste artigo, apenas quarto 
enunciados serão reproduzidos). A cada repetição, uma nova camada de sentido é 
acrescida, modificando gradualmente o significado original: 
 
1. Nós estávamos otimistas e fortes porque Alá em sua imensa bondade 
nunca deixa uma boca por ele criada sem subsistência […]41 
(KOUROUMA, 2003, p.48). 
 
2. Por causa do haxixe,42 a gente sentia ainda mais fome […]. A gente 
tinha começado a comer frutas, depois foi a vez das raízes, depois as 
folhas. Apesar disso, Yacouba disse que Alá, em sua imensa bondade, 
nunca deixa vazia uma boca por ele criada43 (KOUROUMA, 2003, p.89). 
 
3. Tinha uns cabritos andando de lá para cá. A gente abateu eles e assou 
também. A gente passava a mão em tudo o que era bom embolsar. Alá 
nunca deixa vazia uma boca por ele criada44 (KOUROUMA, 2003, p.95). 
 
4. A gente saqueou e surrupiou comida. Surrupiar comida não é roubar, 
porque Alá, em sua excessiva bondade, Alá nunca quis deixar vazia 
 
39 No original: “Grand-mère a expliqué que maman avait été tuée par Allah seul avec l’ulcère et les larmes 
qu’elle a trop versées. Parce que lui, Allah, du ciel fait ce qu’il veut ; il n’est pas obligé de faire juste toutes 
ses choses d’ici-bas” (KOUROUMA, 2000, p.28). 
40 Cf. nota de rodapé 13. 
41 No original: “Nous étions optimistes et forts parce que Allah dans son immense bonté ne laisse jamais une 
bouche qu’il a créée sans subsistance” (KOUROUMA, 2000, p.48-49). 
42 Na tradução para o inglês, de Frank Wynne’s, a forma “hash” é usada. 
43 No original francês: “Avec le hasch, nous avions encore faim… Nous avons commencé à manger des fruits, 
puis ç’a été des racines, puis des feuilles. Malgré ça, Yacouba a dit que Allah dans son immense bonté ne 
laisse jamais vide une bouche qu’il a créée” (KOUROUMA, 2000, p.88). 
44 No original: “Des cabris se promenaient. Nous les avons abattus et braisés aussi. Nous prenions tout ce qui 
était bon à grignoter. Allah ne laisse jamais vide une bouche qu’il a créée” (KOUROUMA, 2000, p.94). 
22 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
durante dois dias uma boca por ele criada45 (KOUROUMA, 2003, p.137; 
grifos meus)46. 
 
No primeiro enunciado, as palavras de Birahima estão em absoluto acordo com a fé 
muçulmana. No segundo, encontramos traços do embate e um desvio dessa fé marcado 
pelas palavras “apesar disso”. No terceiro enunciado, o desespero de Birahima, perceptível 
no trecho “tudo o que era bom embolsar”, que acompanha o discurso da crença muçulmana, 
lança uma sombra de dúvida sobre a eficácia dessa crença. O último enunciado (4) é o mais 
irônico pela irracionalidade de “Surrupiar comida não é roubar”. A entonação dada às 
palavras “em sua excessiva bondade” e “durante dois dias” é sugestiva de uma participação 
autoral no discurso que veicula a fé muçulmana. 
Dessa maneira, Birahima tenta estabelecer um diálogo com o discurso autoritário da 
religião. O título que ele confere à sua história, “Alá não é obrigado a ser justo em todas as 
coisas aqui embaixo”, é construído dialogicamente e contém sua reação ao Islã na forma da 
negação da crença muçulmana de que tudo está de acordo com a vontade de Alá. 
Na criação artística de Kourouma, Birahima é particularmente prolixo quando fala 
dos missionários cristãos e dos ditadores africanos. Marcado por repetições, como o trecho 
abaixo mostra, o discurso é ou desqualificado como redundante ou considerado carregado 
de traços estilísticos da tradição oral africana47. Contudo, a narrativa ganha em 
complexidade como voz e sistema de valores da criança e do adulto que coabitam o mesmo 
território48. 
 
O fato de instituição de Maria Beatriz ter podido resistir durante quatro 
meses aos saqueadores era extraordinário. Parecia milagre. Alimentar 
umas cinquenta pessoas naquela Monróvia saqueada, abandonada, durante 
quatro meses era extraordinário. Parecia milagre. Tudo o que Maria 
Beatriz tinha conseguido fazer durante os quatro meses daquele cerco era 
 
45 No original:“Nous avons pillé et chapardé de la nourriture. Chaparder de la nourriture n’est pas dérober 
parce que Allah, dans son excessive bonté, Allah n’a jamais voulu laisser vide pendant deux jours une bouche 
qu’il a créée” (KOUROUMA, 2000, p.135). 
46 Cf. nota de rodapé 13. 
47 A esse respeito, ver, de Lajri Nadra, Construction(s), déconstruction(s) dans l’œuvre d’Ahmadou 
Kourouma. In. L’imaginaire d’Ahmadou Kourouma (OUEDRAOGO, 2010, p.87-109). 
48 O problema foi evocado na seção deste artigo intitulada A necessidade de uma abordagem alternativa. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 23 
 
extraordinário. Parecia milagre. Maria Beatriz tinha realizado atos 
milagrosos. Ela era uma santa, a santa Maria Beatriz. 
Apesar de todo mundo saber e dizer que Alá nunca deixa vazia uma boca 
por ele criada, todo mundo se espantou e todo mundo concordou que 
Maria Beatriz era uma verdadeira santa por ter alimentado tanta gente 
durante quatro meses. Ora essa, não vamos criar polêmicas, vamos dizer 
como todo mundo: santa Maria Beatriz. Uma verdadeira santa! Uma 
santa de touquinha e kalach! Gnamokodé [...]!49 (KOUROUMA, 2003, 
p.145, grifos meus)50. 
 
O dialogismo começa muito antes do trecho acima citado. Quando Birahima afirma 
que Maria Beatriz, madre superiora de uma instituição escolar religiosa, “transava como 
qualquer mulher no mundo” (KOUROUMA, 2003, p.142), uma segunda voz penetra a 
narração, defendendo a excepcional proeza da feira cristã ao proteger o convento dos 
saqueadores (KOUROUMA, 2003, p.143). Essa segunda voz pode se distinguir da de 
Birahima por uma mudança de entonação e vocabulário e explica a inconsistência da voz da 
criança, uma questão levantada pelos críticos. Um confronto entre línguas e ideologias pode 
explicar as reiterações de Birahima, que repete as palavras da segunda voz, “milagre” e 
“santa”, para acomodá-las, como ele as vê, a seu contexto. Birahima então apresenta um 
consenso, como se percebe nas palavras “todo mundo se espantou e todo mundoconcordou 
que Maria Beatriz era uma verdadeira santa” (grifos meus). Sua negociação repleta de 
tensão com outras vozes é evidente quando ele diz “Ora essa, não vamos criar polêmicas”. 
A representação de duas línguas numa contradição final é inesperada: “Uma verdadeira 
santa! Uma santa de touquinha e kalach!”. Paralelamente à primeira avaliação, pertencente 
ao senso comum, Birahima habilmente insere sua própria apreciação, que, pela 
incompatibilidade das palavras “touquinha” (indumentário de freira) e kalach (armamento 
bélico), é carregada de uma entonação profana. Mais uma vez, a justaposição de duas 
 
49 No original: “Le fait que l’institution de Marie-Béatrice ait pu résister pendant quatre mois aux pillards était 
extraordinaire. Ça tenait du miracle. Nourrir une cinquantaine de personnes dans Monrovia pillée, 
abandonnée pendant quatre mois était ordinaire. Ça tenait du miracle. Tout ce qu’avait réussi Marie- Béatrice 
pendant les quatre mois de siège était extraordinaire. Ça tenait du miracle. Marie- Béatrice avait fait des actes 
miraculeux. Elle était une sainte, la sainte Marie- Béatrice». 
Malgré ce qu’on sait et dit: Allah ne laisse jamais vide une bouche qu’il a crée, tout le monde s’est étonné et 
tout le monde a soutenu que Marie-Béatrice était une véritable sainte d’avoir nourri tant de gens pendant 
quatre mois. Allons, n’entrons pas dans les polémiques, disons comme tout le monde la sainte Marie-Béatrice. 
Une vraie sainte! Une sainte avec cornette et kalach!” (KOUROUMA, 2000, p.143). 
50 Cf. nota de rodapé 13. 
24 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
opiniões drasticamente opostas, entre o sacro e o profano, resulta num desmascaramento 
dialógico da hipocrisia da freira em diálogo com outras vozes. 
O enunciado fica ainda mais complexo pela penetração dialógica da crença 
muçulmana (apresentada aqui como vã) “Apesar de todo mundo saber e dizer que Alá 
nunca deixa vazia uma boca por ele criada” (grifo meu) posta ao lado do dito milagre 
cristão (igualmente infundado, já que desmascarado pela voz de Birahima). Confere-se 
assim ao enunciado um tom amargamente sarcástico. 
 
Conclusão 
 
Ao definir o romance como gênero dialógico, Bakhtin nos dá um instrumental 
teórico importante para entender o uso artístico do discurso social pelos romancistas. Os 
estudos que embasaram este artigo justificam-se pela inadequação de métodos para explicar 
certos aspectos dos romances francófonos de Ahmadou Kourouma e pela possibilidade de 
expandir/suplementar noções estereotipadas da literatura francófona africana pelo viés do 
cânone ocidental. A leitura bakhtiniana do romance de Ahmadou Kourouma, Alá e as 
crianças-soldados, aqui brevemente proposta, enquadra o romance pós-colonial de 
Kourouma numa perspectiva mais ampla, para além de convenções binárias aceitas, além 
de contribuir para a explicação do sistema de vozes e valores, do qual a crítica tradicional 
não se ocupa. 
O estudo dialógico ajuda a compreender a autonarrativa digressiva de uma 
perspectiva inteiramente diferente, em virtude do interesse pela “pessoa que fala”. A 
prolixidade de Birahima dá pistas do princípio dialógico implícito que opera no romance. 
Uma escuta cuidadosa revela as deliberações enérgicas de Birahima numa teia repleta de 
tensões entre linguagens sócio-ideológicas e visões de mundo para as quais ele foi 
inevitavelmente talhado e às quais ele responde. Se Birahima ficasse inerte e alheio aos 
discursos e conflitos sócio-ideológicos que o rodeiam, ele teria pouco a dizer e, nesse caso, 
sua fala seria condensada, sem ambiguidades e uniforme. 
Qual, então, é a forma artística do romance de Kourouma? Sua obra ganha forma 
diretamente pela sua concepção como discurso orientado para o discurso de outrem. 
Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 25 
 
Contudo, tal orientação não intenciona ser uma rejeição absoluta às normas aceitas pela 
sociedade, no sentido de que desconstrói formações discursivas problemáticas51. A arte de 
Kourouma apoia-se em animados e vivos encontros dialógicos, que se dão pelo 
deslocamento da palavra de um contexto a outro, de uma boca a outra, facilitando novos 
encontros dialógicos. Assim, na raiz da prolixidade de Birahima encontra-se uma palavra 
provocativa que interrompe sua narração, tornando seu discurso plurivocal. 
Essa forma artística em Alá e as crianças-soldados permite que o narrador-criança 
assuma o papel principal de instrutor do Ocidente e de seu próprio povo. Referindo-se aos 
dicionários, entra em fortes discussões com seus interlocutores. Além disso, Kourouma põe 
as palavras do colonizador na boca da criança africana. Para conferir certa autenticidade e 
unidade à obra, ele providencia uma autoapresentação da personagem infantil que prepara o 
leitor para aceitar o jogo narrativo. Naturalmente as palavras do colonizador, habitadas por 
avaliações colonialistas de usos anteriores (racistas), atravessam o discurso de Birahima, 
num hibridismo intencional. Similarmente, Kourouma constrói uma intersecção do discurso 
autoritário de Alá com a perspectiva infantil do narrador e da ideologia cristã. Sem que se 
entenda a orientação do discurso Birahima para outras vozes e apreciações, é impossível 
que se compreenda o romance de Kourouma apenas pelo princípio estrutural. 
Em relação aos estudos pós-coloniais, o importante aspecto que a poética do 
dialogismo ajuda a entender é o motivo por trás da máscara e do desmascaramento do 
discurso, bem como a constituição da polêmica velada. O discurso de Birahima está tão 
integrado ao social que seu olhar é exteriorizado, sua fala é alta e pública. Contrariamente a 
algumas personagens de Dostoievski, que têm sua vida interior caracterizada por diálogos 
interiores, Birahima não se importa em criar uma impressão; ele é apenas o seu “eu 
natural”, “errado que nem barba de bode,” (KOROUMA, 2003, p.10)52, como ele se 
descreve. Além disso, a leitura mostra que o sujeito pós-colonial tende a atribuir novos 
sentidos a palavras, não ficando aprisionado no sombrio passado colonial, pois, como diz 
Bakhtin: “Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos passados, 
 
51A esse respeito, ver Lajri Nadra, Construction(s), déconstruction(s) dans l’œuvre d’Ahmadou Kourouma. In: 
L’imaginaire d’Ahmadou Kourouma (OUEDRAOGO, 2010, p.87-109). 
52 Cf. nota de rodapé 13. 
26 Bakhtiniana, São Paulo, 10 (1): 5-27, Jan./Abril. 2015. 
 
podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por todas) […]”. (2003, 
p.410)53. 
 
REFERÊNCIAS 
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translated by Vern W. McGee. Austin: University of Texas Press, 1986a. pp.159-172. 
_______. Discourse in the Novel. In: BAKHTIN, M. The Dialogic Imagination: Four 
Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and translated by Caryl Emerson and 
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Traduzido por Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva - appucci@uol.com.br 
Recebido em 13/10/2014 
Aprovado em 27/04/2015

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