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AULA 5 DIREITO DE FAMÍLIA Prof. Ricardo Calderón 2 INTRODUÇÃO Atualmente, o divórcio é uma das principais medidas antecipatórias familiares, tendo em vista que há um forte interesse das pessoas em se desvincularem dos seus casamentos com a maior celeridade possível. As partes não desejam aguardar o término da resolução das demais questões em litígio para, só então, ver o seu divórcio decretado (como guarda, alimentos, partilha, entre outras). Não se cogita levar anos para que seja possível estar divorciado. Até algum tempo atrás, esta era a regra: o divórcio usualmente vinha em uma ação cumulada com outros pedidos, sendo comum que alguns fossem litigiosos, de modo que somente uma sentença única iria deliberar sobre esses pedidos e, conjuntamente, decretaria o divórcio. Ou seja, antes da entrada em vigor do CPC 2015, se as partes tivessem litígio em algum dos temas correlatos do desenlace, em regra, a decretação do divórcio poderia tardar para ser viabilizada. Como no modelo processual anterior não havia a previsão de “sentença parcial” e não se tinha tão disseminada a concessão de divórcio em tutelas de urgência, era comum só se ver o divórcio decretado com a sentença final ou com o acórdão definitivo. Consequência disso, as partes tinham que aguardar a instrução e trâmite do feito para finalmente obter a ruptura da sociedade conjugal, o que poderia levar alguns anos. Sem o divórcio, as partes permaneciam civilmente casadas e, com isso, não podiam empreender outros projetos afetivos, bem como enfrentavam entraves contratuais e imobiliários. O desconforto era enorme. Cabe analisar os óbices materiais e os processuais. TEMA 1 – LIQUIDEZ DOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS Uma das características desta virada de século é justamente uma liquidez que passa a se apresentar em várias frentes, conforme descreve o sociólogo Zygmunt Bauman (2004), que define o período atual como uma modernidade líquida (período que alguns chamam de pós-modernidade), ou seja, há uma fluidez constante que torna efêmero diversos aspectos que até então eram tidos como estáveis. Essa liquidez da vida chega aos relacionamentos afetivos, tanto é que o mesmo autor fala em “amor líquido”, título de sua obra clássica, na qual descreve 3 estas projeções na vida a dois (Bauman, 2004). Também os relacionamentos passam a ser objetos de rupturas e alterações constantes, o que é de certa forma novo e atual. O tempo de duração das uniões do presente é muito menor do que o tempo das uniões que os nossos bisavós travavam, por exemplo. Em tempos de modernidade líquida, os laços afetivos se apresentam frágeis, efêmeros e passíveis de alteração a qualquer momento. O amor líquido seria um “amor até segundo aviso” (Bauman, 2004, grifo nosso), nas palavras do sociólogo, ou seja, pode acabar a qualquer momento. Comenta-se que o “até que a morte nos separe” deve ser substituído pelo “seja eterno enquanto dure”. Além da menor duração, outra característica marcante do momento é que, após terminar um relacionamento, é provável que as pessoas engatem um outro na sequência e sigam assim sucessivamente. São várias combinações e recombinações constantes, o que é possível perceber nas últimas pesquisas do Censo do IBGE. Consequência disso é que as pessoas têm construído relacionamentos cada vez mais curtos e, ao seu término, logo já estabelecem um novo a seguir. Esse dinamismo das relações afetivas tensiona o direito, em especial no que refere ao tempo para a concessão de um divórcio. Isso porque, a noção de tempo também sofreu alterações na modernidade líquida. O que era de longo prazo é substituído pelo curto prazo ou, até mesmo, pelo imediatismo. Essa preocupação com a celeridade na decretação do divórcio ganhou corpo a partir da edição do CPC/2015, uma vez que ele prevê outros mecanismos de tutela que poderiam ser utilizados nesse caso, para além da mera sentença ou acórdão. Para além da mudança processual, é necessário compreender outras alterações de direito material que simplificaram e facilitaram o divórcio nos últimos anos, o que facilita a percepção da efervescência do momento atual. TEMA 2 – DA EVOLUÇÃO DO DIVÓRCIO NO BRASIL A compreensão da facilidade atual na concessão do divórcio exige a lembrança de como era o cenário anterior no país, antes mesmo da sua aprovação no Brasil, que só ocorreu em 1977. Embora hoje o instituto do divórcio seja visto com naturalidade, a sua aprovação foi objeto de muita luta e uma verdadeira batalha na sociedade brasileira. 4 A possibilidade de dissolução total do casamento somente foi introduzida pela Lei n. 6.515/1977. Até então não era permitida a extinção do vínculo do matrimônio, isto é, uma vez celebrado, o casamento, ele não poderia ser totalmente desfeito (essa era a regra e a lógica da legislação então em vigor). O Código Civil de 1916, em seu art. 315, previa apenas a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal, a qual se referia como desquite (Brasil, 1916). Art. 315. A sociedade conjugal termina: I. Pela morte de um dos cônjuges. II. Pela nulidade ou anulação do casamento. III. Pelo desquite, amigável ou judicial. Parágrafo único. O casamento valido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código, art. 10, segunda parte. (Brasil, 2016) Só que isso não colocava fim ao vínculo matrimonial em si (que era tido como indissolúvel). Com isso, mesmo aos desquitados não era permitido se casar novamente e constituir novas famílias. As que mesmo assim fossem formadas eram tidas como “ilegítimas”. É incontestável a influência exercida da religião na manutenção dessa restrição entre nós até o último quarto do século passado. No Brasil, o casamento permaneceu indissolúvel até 1977, em face da forte resistência da ala conservadora da sociedade. A indissolubilidade do casamento era prevista na Constituição de 1967 e, portanto, para que o divórcio fosse instituído, foi necessária a aprovação da Emenda Constitucional n. 9/1977, de autoria do então senador Nelson Carneiro: Art. 1º O § 1º do art. 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 175 - .......................................................................... § 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos". Art. 2º A separação, de que trata o § 1º do art. 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta emenda. (Brasil, 1977) Saiba mais Constituição de 1967: “Art. 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. § 1º - O casamento é indissolúvel” (Brasil, 1967). Somente após a aprovação da EC 9/1977 é que restou possível implementar o divórcio no Brasil. Isso foi regulado pela Lei n. 6.515, de 26 de file:///C:/Users/Constituicao67EMC69.htm%23art175§1 file:///C:/Users/Constituicao67EMC69.htm%23art175§1 5 dezembro de 1977 – mais conhecida como a Lei do Divórcio – na qual a matéria foi então disciplinada. Ocorre que a turbulência da época exigiu que o divórcio fosse negociado, ou seja, foi aprovado com algumas concessões que o deixavam de acesso não tão fácil. Esses obstáculos foram exigências dos conservadores para aprovação da lei, sendo que muitos desses óbices perduraram por várias décadas. Naquele momento, a dissolução do casamento passou a ser possível somente após uma prévia separação judicial (instituto criado para isso), a qual deveria contar com mais de três anos, ou então após prévia separação de fato, que deveria ser, inicialmente, de mais de cinco anos. Era o chamado tempo de reflexão que a ala resistente à medida acabou por exigir. Outra restrição era que o divórcio só poderiaser requerido uma única vez. Ou seja, a Lei n. 6.515/77 regulamentou no Brasil o chamado sistema dualista, no qual a separação judicial implica o término da sociedade conjugal (deveres matrimoniais), mas somente o divórcio dissolve totalmente o vínculo matrimonial: Nesse sistema dual, as possibilidades de dissolução do casamento comportavam a divisão entre causas dissolutivas e causas terminativas. As causas terminativas atacavam apenas a sociedade conjugal, pondo fim aos deveres recíprocos e ao regime de bens, enquanto as causas dissolutivas atacavam não apenas os deveres e o regime de bens, mas a própria relação jurídica que vinculava os cônjuges, permitindo, assim, as novas núpcias. As primeiras terminavam, mas não dissolviam o casamento (Farias; Rosenvald, 2011, p. 356) Simplificadamente, é possível afirmar que, para poder se divorciar, a pessoa deveria “pagar um pedágio” prévio: ou tinha que fazer a separação judicial e aguardar um tempo após a sua concessão; ou tinha que ter alguns anos de separação de fato. Somente cumprindo esses dois requisitos o interessado, finalmente, poderia requerer o divórcio. O surgimento do divórcio no Brasil já é ligado a dificuldades propositais e temporais, o que deixou longa herança. Ainda assim a possibilidade do divórcio tenha sido uma grande vitória para aquela época, de certo modo é tida por muitos até mesmo como revolucionária. Uma das suas vantagens foi também tirar da clandestinidade muitos relacionamentos, o que foi impactante. Ainda que de difícil acesso, foi relevantíssima a permissão do divórcio, visto que inequivocamente foi a porta de entrada para muitas das mudanças que acabaram por vir. A Constituição Federal de 1988 reduziu um pouco os requisitos para concessão do divórcio, mas manteve os mesmos elementos de pedágio: anos de 6 separação de fato ou um ano separação judicial. No art. 226, parágrafo 6º, a Constituição (Brasil, 1988) estabeleceu que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio, com o atendimento de pelo menos de dois requisitos: i. prévia separação judicial há mais de um ano; ii. dois anos da ruptura de fato da convivência conjugal, separação de fato, quando então era concedido o chamado “divórcio direto”. Saiba mais Constituição de 1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos” (Brasil, 1988). A Carta de 1988 reduziu os prazos e também eliminou a limitação de um único divórcio. O Código Civil de 2002, em seu art. 1.571, manteve o sistema dualista previsto até então, que previa separação e divórcio: Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio. (Brasil, 2002) Conforme dispõem o art. 1.572 e 1580 do mesmo Código, sobre separação e divórcio, respectivamente: Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. § 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. § 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. § 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal. [...] Divórcio Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. 7 § 1 o A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. § 2 oO divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos. (Brasil, 2002) Como é possível perceber, o Código Civil de 2002 repetiu o modelo de exigência do atendimento a pelo menos um de dois requisitos previsto na Constituição Federal de 1988, até mesmo porque a hierarquia dessa norma não lhe permitia ser diferente. Em 2010, ocorreu a aprovação da Emenda Constitucional n. 66, que implementou uma outra alteração significativa em termo de facilitação do divórcio: suprimiu os dois requisitos que eram exigidos para a concessão do divórcio (Brasil, 2010). Era o fim do “pedágio”, ou seja, a partir desta alteração, o divórcio poderia ser concedido sem o atendimento de nenhum requisito formal; bastava o interesse das partes. Para tanto, foi alterado o parágrafo 6º do art. 226 da Constituição, que passou a ter a seguinte redação: Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 226. ................................................................................. .......................................................................................................... § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio."(NR) (Brasil, 2010) A simplicidade e facilitação conferida pelo novo texto constitucional foi celebrada por grande parte da comunidade jurídica. Mais uma vez, a lei brasileira se aproximava do que clamava a sociedade em termos de acesso a esse direito. A partir de então, o casamento civil passou a poder ser dissolvido pelo divórcio, sem requisitos formais prévios; sem a necessidade de prévia separação, seja de fato, seja judicial. Basta o interesse da parte e pronto. Waldyr Grisard Filho (2010) cunhou o termo Divórcio Express para bem descrever a alteração que fora implementada, destacando o vanguardismo e o importante avanço para as famílias brasileiras: O termo Divórcio Express foi utilizado por Waldyr Grisard Filho para explicar a situação que elimina "obstáculos, impedimentos, prazos e atividades burocráticas (audiências, interrogatórios, pareceres, perícias, testemunhas, sentenças e recursos)", ou seja, expurga tudo o que invade a privacidade do par, que deve se subjugar tão-somente à sua vontade, como valor garantido pelo sistema jurídico, apartando uma excessiva intervenção estatal na vida privada dos indivíduos. file:///C:/Users/Constituicao.htm%23art226§6. 8 Essa mudança era alvissareira até mesmo para o Poder Judiciário, pois simplificava os processos de dissolução do casamento, tornando-os mais céleres. O Superior Tribunal de Justiça confirmou os termos da facilitação e simplificação que o novo texto constitucional passou a veicular PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL DIRETO. AUDIÊNCIA PARA TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIVÓRCIO HOMOLOGADO DE PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em razão da modificação do art. 226, § 6º, da CF, com a nova redação dada pela EC 66/10, descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio. 2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na suaausência, a anulação do processo. 4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art. 226 da CF/88, modificada pela EC 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem do substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do Divórcio Consensual Direto. 5.Não cabe, in casu, falar em inobservância do Princípio da Reserva de Plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas sim apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (Brasil, 2015, grifo nosso) Em vista disso, após 2010, o direito material facilitou sobremaneira a concessão do divórcio, acabando com os “pedágios” e períodos de tempo que havia anteriormente. Diante desse novo quadro, passa-se a sustentar o divórcio como um direito subjetivo de qualquer um dos cônjuges (ou seja, que pode ser exercido apenas pela vontade do titular). É possível afirmar que essa mudança reflete melhor o paradigma da afetividade, grande vetor dos relacionamentos familiares contemporâneos e atualmente um princípio do direito de família, conforme sustento em obra sobre o tema (Calderón, 2017). Entretanto, ainda que o direito material tenha sido sobremaneira facilitado após 2010, restavam os entraves e obstáculos processuais aos divorciandos, ou seja, para ver o divórcio decretado, ainda é necessária uma decisão judicial nesse sentido. Muitas ações têm longo tempo de tramitação para chegar à sentença final. 9 Como dito anteriormente, a regra antes de 2015 era a concessão do divórcio em decisões definitivas (sentenças ou acórdãos), o que em caso de algum litígio em um dos temas do desenlace (guarda, alimentos, convivência, partilha) poderia levar anos. Restava agora superar esses entraves processuais para poder entregar ao jurisdicionado o divórcio no tempo que os interessados estão a exigir, o que indica em algo logo após a sua solicitação. E é nesse contexto que passam a surgir, mesmo antes de 2015, decisões pioneiras que concedem o divórcio antes da sentença, mas eram exceções que destoavam da regra geral. Decisões muitas vezes de homologações de acordos das partes que concediam o divórcio no curso do feito, mas antes do seu término. Ainda assim, eram tímidas essas medidas. A alteração significativa vem mesmo com a aprovação do Código de Processo Civil de 2015, que passa a prever uma grande gama de tutelas provisórias ou parciais, todas anteriores à sentença. A orientação da legislação processual é por facilitar a obtenção de direitos incontestes antes mesmo da sentença final do feito. A razoável duração do processo é a diretriz do sistema. Nessa perspectiva, passam a ser recorrentes as concessões de divórcios nas mais variadas decisões, todas anteriores a sentença, o que veremos a seguir. TEMA 3 – DIVÓRCIO EM TUTELAS DE URGÊNCIA O CPC de 2015 tem como uma das suas preocupações o tempo do processo, ou seja, quanto tempo o interessado levará para obter a tutela que está a requerer. Prova disso é o seu sistema de tutelas provisórias (de urgência e de evidência), o qual procura minimizar a espera em muitos casos. As tutelas de urgência, cautelares ou antecipatórias, podem ser concedidas de modo célere, anteriormente a uma sentença final que defina o processo. Essas medidas podem ser liminares (no início do processo) ou incidentais (durante o curso de um feito já em trâmite). Diante disso, uma das grandes possibilidades para os pretendentes ao divórcio é solicitá-lo via essas tutelas de urgência, de modo a obter a sua decretação de forma ágil e sem ter que esperar um longo tempo que a solução do processo como um todo pode exigir. Em se tratando de um direito subjetivo, essa concessão antecipada parece adequada e recomendada. 10 Em face das vantagens que podem trazer a ao menos um dos divorciandos, são cada vez mais recorrentes os pedidos liminares de divórcio, ou seja, requerimentos para eles sejam concedidos em tutelas de urgência no início do feito. Essa celeridade atende aos reclamos desta sociedade em franca modernidade líquida. Confira-se: PEDIDO LIMINAR DE DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE ANGULARIZAÇÃO PROCESSUAL. O DIREITO AO DIVÓRCIO É POTESTATIVO E INCONDICIONADO. DEMONSTRADA A EXISTÊNCIA DA RELAÇÃO MATRIMONIAL POR MEIO DE DOCUMENTO HÁBIL E HAVENDO PEDIDO EXPRESSO DE DIVÓRCIO, É VIÁVEL A SUA IMEDIATA DECRETAÇÃO. NESSE CONTEXTO, A AUSÊNCIA DE ANGULARIZAÇÃO PROCESSUAL NÃO IMPEDE O ACOLHIMENTO LIMINAR DO PEDIDO FORMULADO PELO DIVORCIANDO. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, VENCIDO O RELATOR. (Rio Grande do Sul, 2019, grifo nosso) A doutrina também corrobora esse entendimento, deixando claro que não deveria haver óbices para a concessão liminar do divórcio na atualidade, em face de a outra parte não poder se obstar ao pedido com elementos que venham a impedi-lo Na medida em que o réu não pode se opor ao pedido de divórcio propriamente dito (não se confundindo com outros direitos decorrentes do divórcio, como partilha e alimentos), não haveria razão para não o decretar liminarmente (Pugliese, 2021) Para Pablo Stolze (2014), o divórcio liminar é uma antecipação dos efeitos definitivos e incontroversos da futura sentença, ou seja, sendo o divórcio um direito potestativo, nada justificaria o impedimento de sua decretação de forma liminar. Cabe lembrar que há muito que o divórcio pode ser concedido antes da celebração da partilha de bens. De acordo com a Súmula n. 197 do STJ, “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens.” ( (Brasil, 1997). Esse entendimento sumulado foi reiterado pelo Código de Processo Civil 2015 e segue presente. Ocorre que o momento atual está indo além disso, pois vem se entendendo que o divórcio pode ser decretado sem que se equacionem quaisquer uma das questões correlatas (seja partilha, guarda, convivência, alimentos, entre outros). Algumas decisões, portanto, estão a conceder o divórcio em tutelas de urgência, mas o fazem após ouvir a parte requerida. Entretanto, há algumas 11 decisões que estão a conceder o divórcio liminarmente antes mesmo de citar o reú! A 3ª Vara de Família da comarca de Joinville proferiu decisão que decretou do divórcio de forma liminar, sem a citação da parte requerida, visto que a magistrada entendeu que se estava diante de um direito previsto no texto constitucional, com a configuração de um direito incondicionado de se divorciar: A 3ª Vara da Família de Joinville, em Santa Catarina, deferiu pedido de tutela antecipada para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação do réu. A decisão é da juíza Karen Francis Schubert, que admitiu o divórcio como um direito potestativo incondicionado. Não há necessidade de prova ou condição, tampouco de formação de contraditório, sendo a vontade de um dos cônjuges o único elemento exigível. Em sua decisão, a magistrada citou o artigo 311, incisos II e IV, do Código de Processo Civil, que assegura o direito da parte autora. Ela também determinou a expedição de mandado para averbação no registro civil de casamento, em que deverá constar a opção de nome e que a partilha de bens segue pendente. Ainda cabe recurso ao Tribunal de Justiça. (Divórcio, 2019) O perigo de dano pode ser demonstrado pela vulnerabilidade do autor diante da impossibilidade de prosseguir com a sua vida pessoal caso seja mantido o vínculo matrimonial que ele se quer extinguir.A concessão do divórcio em tutelas de urgência, até em liminares inaudita altera pars, é uma realidade e se apresenta até como tendência. Comparando-se com o que era feito há 10 anos atrás, fica evidente o quão revolucionária é a mudança, seja no aspecto do direito material, seja no do direito processual. TEMA 4 – DIVÓRCIO EM TUTELAS DA EVIDÊNCIA Dentre as tutelas provisórias, o Código de Processo Civil de 2015 regulou também a chamada tutela da evidência, que se trata de uma espécie de tutela provisória que prescinde de urgência. Essa medida está prevista no art. 311 do CPC e a sua concessão contempla uma hipótese chamada não emergencial. Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; 12 IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (Brasil, 2015) Percebe-se que a tutela da evidência abarca casos nos quais a força do direito pleiteado se mostra tão cristalina que não se recomenda fazer o autor aguardar até a sentença final para poder exercê-lo. As situações descritas não exigem qualquer urgência fática, bastando atender aos requisitos da evidência para que possa ser concedida (Bodart, 2015). Nas palavras de Paulo Mazini (2020, p. 24): É justamente nesta moldura que se encontra a tutela da evidência seja, uma tutela diferenciada, caracterizada pela redução cognitiva tanto sua amplitude (aspecto horizontal), quanto em sua profundidade (plano vertical), na medida em que a cognição sumária que caracteriza esta técnica processual é fundada em juízo de probabilidade ou verossimilhança, assim sobre como ocorre com as tutelas de urgência. Isto ocorre porque, ao reportar-se em evidência, estamos diante de hipóteses em que a fattispecie invocada pelo autor está respaldada em critérios previamente estabelecidos pelo legislador, mas que exigem a prova documental necessária para formar-se a convicção quanto à probabilidade da existência do direito invocado, cuja concessão provisória é permeada especialmente pelo critério da efetividade da prestação jurisdicional, dispensando-se o periculum in mora, embora, conforme será visto mais adiante, não seja com ele incompatível. Importa registrar ainda que, para alguns autores, as hipóteses de tutela de evidência não são apenas as previstas expressamente no texto legal. Enunciado 422 do FPPC (art. 311): “A tutela de evidência é compatível com os procedimentos especiais. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)” (V FPPC, 2015). Logo, outras situações seriam passíveis de concessão por essa via. Tendo em vista que o divórcio é um direito potestativo, parece trazer uma evidência incontestável. Entretanto, seja por ser um instituto inovador, seja por ter requisitos expressos bem específicos, a tutela de urgência não vem sendo muito utilizada pelos tribunais para a concessão do divórcio. Ainda assim, sustenta-se ser possível a concessão de divórcio também em tutelas de evidência, o que uma compreensão ampla desse instituto processual delineará com maior clareza. Acredita-se que, como outras vias estão concedendo os divórcios antecipados sem tantos embaraços, quiçá a tutela da evidência não venha a ser utilizada para esse mister. 13 TEMA 5 – DIVÓRCIO EM DECISÕES PARCIAIS DE MÉRITO Uma outra novidade do CPC/2015 é a possibilidade de que sejam proferidas decisões parciais de mérito anteriormente à prolação final da sentença. Ou seja, decisões que decidirão apenas um ou alguns dos pedidos da parte. Ao lado do conhecido julgamento antecipado da lide (que é a possiblidade do julgador decidir o feito todo antes da instrução), a legislação processual passou a descrever também a possibilidade de decisões parciais de mérito no curso do feito (que diferem do primeiro, porque parte do feito seguirá o seu curso). Do Julgamento Antecipado do Mérito Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349. Do Julgamento Antecipado Parcial do Mérito Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. § 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva. § 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento. (Brasil, 2015) Como se vê, a decisão parcial antecipada de mérito cuida da hipótese nas quais o juiz esteja apto a julgar parte da ação, mas existam outros tópicos que ainda não estão maduros para deliberação. Nesses casos, fica permitido ao juiz dar uma decisão que julgue parte do mérito e prossiga com o feito nos demais pedidos. Esta decisão parcial de mérito pode ser bastante adequada para as ações nas quais o divórcio é cumulado com diversos outros pedidos (guarda, convivência, alimentos) – que é o que se apresenta em grande número de casos. Na forma como já foi descrito, é usual que muitos desses pedidos sigam em litígio, mas nada justifica a não concessão, desde logo ao menos, do pedido de divórcio. 14 Em outras palavras, nas ações de divórcio cumulado com outros pedidos, é recomendável que o julgador conceda o divórcio em decisão parcial de mérito e, ao mesmo tempo, prossiga no feito com os demais pedidos (Tartuce, 2020). Esta orientação já perfilou no Enunciado n. 18 do FPPC: Enunciado 18 – Nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC), para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas. (V FPPC, 2015) A jurisprudência já vem reconhecendo a decisão parcial de mérito como alternativa o divórcio: DIVÓRCIO – Decretação antecipada por decisão parcial de mérito, prosseguindo-se o feito em relação à controvertida partilha de bens – Insurgência de um dos cônjuges, sob alegação de risco de prejuízo patrimonial – Não acolhimento – Término da sociedade conjugal incontroverso nos autos, sendo o divórcio um direito potestativo do cônjuge – Aplicação do art. 356, I do CPC – Possibilidade – Existência de meios próprios, que não a manutenção do casamento, para garantir proteção patrimonial ao cônjuge em relação aos bens a serem partilhados – Decisão mantida, nos termos do art. 252 do RITJSP – Recurso improvido. (São Paulo, 2020, grifo nosso) No mesmo sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO – TUTELA DE EVIDÊNCIA PARADECRETAÇÃO ANTECIPADA DO DIVÓRCIO – DESACOLHIMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – INSURGÊNCIA RECURSAL – DIREITO POTESTATIVO EVIDENCIADO NO CASO CONCRETO – INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM DO CASAL OU CONSTITUIÇÃO DE FILHOS EM COMUM – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO – INEVITÁVEL CONCESSÃO DA MEDIDA – FIM DA VIDA EM COMUNHÃO JÁ RECONHECIDO A PARTIR DO PEDIDO INICIAL - NECESSIDADE DE GARANTIR A LIBERDADE INERENTE À RESCISÃO DA RELAÇÃO MATRIMONIAL E PROSSEGUIMENTO DA VIDA PESSOAL SEM VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE – LIBERDADE FAMILIAR QUE TEM COMO UMA DAS SUAS DIMENSÕES A LIBERDADE AO DIVÓRCIO E DISSOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR – NÃO SE TRATA DE RECONHECER DIREITO ABSOLUTO, MAS A MERA SUJEIÇÃO DO DEMANDADO A UM DOS EFEITOS DO DIREITO POTESTATIVO PLEITEADO PELA AUTORA – PRETENSÃO COM NATUREZA DE JULGAMENTO ANTECIPADO DE MÉRITO – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 355 E 356 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – APLICABILIDADE NO CASO CONCRETO – NECESSIDADE DA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DE MODO ADEQUADO, INDEPENDENTEMENTE DA FORMA JURÍDICA APLICADA – DECISÃO REFORMADA – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO INAUDITA ALTERA PARS INCIDENTE – CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR RECURSAL OUTRORA CONCEDIDA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1. (PARANÁ, 2020) 15 REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. BODART, B. V. R. Tutela de evidência – Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. (Coleção Liebman). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 24 jan. 1967. _____. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, 5 jan. 1916. _____. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. _____. Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 29 jun. 1977. _____. Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 14 jul. 2010. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ - REsp: 1483841 RS 2014/0058351-0, Relator: Ministro Moura Ribeiro, julgamento em 17 de março de 2015, T3 - Terceira Turma, DJe, 27 mar. 2015. _____. Súmula n. 197. Segunda Seção, 8 out. 1997. DJ, 22 out. 1997. CALDERÓN, R. Princípio da afetividade no direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2017. _____. Vitória da liberdade. Gazeta do Povo, 25 dez. 2017. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2021. DIAS, M. B. Manual de direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2020. DIVÓRCIO é decretado antes mesmo da citação do marido. IBDfam, 2019. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2021. FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 16 GRISARD FILHO, W. Divórcio Express: uma mudança de vanguarda. IBDFAM, 9 jul. 2010. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2021. MAZINI, P. G. Tutela de evidência: perfil funcional e atuação do juiz à luz dos direitos fundamentais do processo. São Paulo: Almeida, 2020. PARANÁ. Tribunal de Justiça. 12ª C. Cível - 0041434-50.2020.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin, julgamento em 24 de setembro de 2020. PUGLIESE. W. S. O Direito Evidente ao Divórcio: decisões recentes a respeito do divórcio liminar. Consultor Jurídico, 11 jan. 2021. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2021. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do RS. Agravo de Instrumento n. 70079918231, Oitava Câmara Cível. Relator: José Antônio Daltoe Cezar, julgado em 28 de fevereiro de 2019. DJ, 11 mar. 2019. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. AI: 21909945320208260000 SP 2190994-53.2020.8.26.0000, Relator: Alvaro Passos, Julgamento em 23 de setembro de 2020, 2ª Câmara de Direito Privado, DJ, 23 set. 2020. STOLZE, P. Divórcio liminar. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3.960, 5 maio 2014. TARTUCE, F. Divórcio liminar como tutela provisória de evidência: avanços e resistências. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre: v. 95, mar.-abr. 2020, p. 37-50. 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