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ATIVIDADE AVALIATIVA I — LET053 ESTUDOS DO DISCURSO 
DATA: 15/06/2025 
DOCENTE: Paulo Henrique Aguiar Mendes 
DISCENTE: João Gabriel Ribeiro Passos 
• 
 De antemão — isto é, antes de nos enveredarmos nas estradas longas, sinuosas e 
bifurcadas do discurso —, parece justo e necessário a rememoração do fértil solo cultural 
e filosófico que enseja toda e qualquer leitura crítico-discursiva contemporânea: se trata 
do solo francês. A imaginação teórica gálica da segunda metade do século XX — 
imediatamente sucedânea ao crepúsculo da filosofia sartreana — radicou toda uma sorte 
de pensadores que abalaram indelevelmente o pensamento ocidental em suas múltiplas 
áreas, de modo não só a formar verdadeiros cenáculos universitários, mas, como diria 
Paulo Arantes, departamentos franceses de ultramar. Quer seja Claude Lévi-Strauss e sua 
antropologia estrutural; quer seja a psicanálise lacaniana; o marxismo heterodoxo de 
Louis Althusser e Nicos Poulantzas; a esquizoanálise de Deleuze e Guattari; o 
desconstrutivismo de Derrida; o situacionismo de Guy Debord, a semiótica de Barthes ou 
a historiografia foucaultiana, todas estas emblemáticas abordagens epistemológicas tem 
um ponto em comum: a preocupação inequívoca com o problema do signo. Embora 
imprecisa historicamente, a convencional categorização destes autores na clivagem de 
uma virada linguística dá testemunho de que essa geração de autores, por diferentes vias, 
estavam implicados num amplo projeto de reavaliação dos méritos da teoria sausserana 
clássica que permitiu a vivência de um “momento de glória, como se a fé do prosélito lhe 
houvesse, de repente, permitido resgatar quase um século de atraso num átimo de 
segundo” (Compagnon, 2001, p. 11). Contudo, para parafrasearmos o mesmo 
Compagnon, a pergunta incessante a se fazer no contemporâneo é, decisivamente, o que 
restou destes amores? 
 Uma área que ganhou especial preponderância neste rol de experimentações 
teóricas — e, neste sentido, segue como herdeira desta difusa tradição — é a assim 
chamada análise do discurso, representante de uma tendência de solucionar o grande 
ocaso da linguística geral, qual seja, a inarticulação entre a matéria linguística e o seu 
substrato, em última instância, social. Este esforço precípuo de deslocar a língua de uma 
artificialidade abstrata — como se a linguagem repousasse incólume num espaço 
soberano — para uma materialidade objetiva, rastreável e historicamente postulada 
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permitiu um inédito agenciamento das categorias linguísticas: poderíamos enfim dizer, 
sem temores, que elementos linguístico-textuais como fonemas, morfemas e sintagmas 
importam, mas desde que atravessados pelo paradigma da enunciação, da interação verbal 
e, por suposto, da ideologia. Numa espécie de nó borromeano — ou seja, enquanto fatores 
covariantes incapazes de serem desprezados ou enfocados separadamente, sob o prejuízo 
de colapsar todo o circuito analítico — entre estas três determinações nasceu, 
precisamente, a ideia de discurso, “o ponto de articulação dos processos ideológicos e 
dos fenômenos linguísticos” (Brandão, 2004, p. 11). Evidentemente, tratativas de 
conciliação entre a realidade social e a linguagem já haviam sido aventadas desde os 
prolegômenos do século XX — especialmente por Mikhail Bakhtin e os pensadores que 
lhe orbitavam, como Pavel Medvdev e Valentin Volóchinov, quase que protoanalistas do 
discurso. A pertinência hermenêutica do estudo do discurso — que, levado às últimas 
consequências, é de ordem política —, diria, pode ser sintetizada no célebre apotegma 
foucaultiano: “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de 
dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar” 
(Foucault, 2014, p. 10). Entretanto, como todo arcabouço teórico só revela sua força e 
dignidade axiológica pela sua capacidade descritiva — uma teoria incapaz de ser 
operacionalizada de nada serve —, tomemos um caso qualquer — a saber, a nota da 
diretoria da ADUFOP (Associação dos Docentes da UFOP) sobre o racismo na UFOP 
(Universidade Federal de Ouro Preto), em especial frente ao caso de blackface ocasionado 
no Centro Acadêmico da Escola de Minas — e nos dediquemos a estudá-lo sob o olhar 
privilegiado dos estudos do discurso, manejando passo a passo certas categorias nodais 
da área. 
• 
 Diálogo, no conjunto lexical da língua portuguesa, possui um significado e uma 
etimologia decisiva: é a “fala entre duas pessoas” ou a “conversação entre muitas 
pessoas”, do latim dialogus (Cunha, 1986, p. 261, 262). Mas, no vocabulário bakhtiniano, 
a ideia de diálogo implica mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã 
gramática. E por isto desemboca numa ideia fundamental, que a análise do discurso toma 
de empréstimo, que não é outra senão a de dialogismo. Mikhail Bakhtin, enquanto se 
dedicava a estudar certas peculiaridades genéricas, narrativas e composicionais dos 
romances dostoievskianos, se deparou com duas características nevrálgicas que, no seu 
entender, representavam o átomo irredutível de sua poética: por um lado, seus 
emblemáticos personagens — Ivan Karamázov, Raskólnikov, o príncipe Míchkin, 
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Stravróguin etc. — operavam como verdadeiras ideias ambulantes — o intelectualismo 
ateu, o bonapartismo, a inocência, o niilismo aristocrático etc. —; mas por outro, e isto é 
ainda mais decisivo, em cada um deles se dava uma “multiplicidade de vozes e 
consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes” 
(Bakhtin, 1997, p. 4). Ou seja, os romances e contos de Dostoiévski possuíam uma 
formalização textual que irradiava personagens cuja consciência jamais se dava de forma 
indivisível, estável e única, mas numa conformação múltipla típica de um sujeito 
seccionado, cindido: diversas consciências, respeitadas as suas disposições isonômicas e 
plenivalentes, que interagem e dialogam entre si. É esta premissa, ou seja, de que a vida 
social, em franco processo formativo, se dá como a unidade da diversidade, como o devir 
sempre inconcluso de vozes em diálogo, que permitiu o parto da ideia de dialogismo. A 
categoria expõe, em suma, que toda e qualquer comunicação humana é apenas um elo de 
uma gigantesca corrente comunicativa-verbal sem interrupção. Se trata, em última 
instância, da ideia de que todo enunciado pressupõe outrem, que toda enunciação 
aparentemente oclusa em si mesma está, em verdade, em franca remissão a outra — seja 
este diálogo consciente ou não. A dialogicidade representa este ponto definitivo que 
determina não só que todo novo dito se orienta para algo já dito — ou seja, de que toda 
enunciação é responsiva, sendo sempre réplica —, como igualmente condiciona que este 
dito espere uma resposta futura. Se trata da negação de um discurso adâmico, isto é, que 
pensa o discurso monologicamente sob o prisma de um subjetivismo individualista: todo 
texto, ao contrário, seria heterogêneo, comportando diversas vozes sociais, por vezes 
antitéticas, num mesmo objeto: “em sua essência, a palavra é um ato bilateral. Ela é 
determinada tanto por aquele de quem ela procede quanto por aquele para quem se dirige. 
Enquanto palavra, ela é justamente o produto das inter-relações do falante com o ouvinte” 
(Volóchinov, 2017, p. 205). 
 No texto da ADUFOP vemos esta permeabilidade de discursos heteróclitos em 
diversas enunciações, em inúmeras marcas textuais. Um exemplo óbvio é a nominal 
citação do Coletivo Negro Braima Mané, uma organização de estudantes negros da 
UFOP, com quem eles francamente entram em interlocução ao citar a carta-denúncia 
emitida por eles. Mas existem, não obstante, exemplos mais sutis. Quando eles escrevem 
da “vida dos filhos e filhas da classe trabalhadora” ouve-se claramente os ecos de um 
glossário tipicamente socialista, afinal a própria ideia de um proletariado tem seu índice 
na ideia, em último grau marxiana, de queos trabalhadores despossuídos dos meios de 
produção só possuem, efetivamente, sua força de trabalho e sua prole, isto é, seus filhos. 
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Igualmente, uma afirmativa como “o racismo, que é estruturante da sociabilidade 
capitalista” tem lastro em toda uma produção crítico-bibliográfica da tradição do 
movimento negro nacional e internacional — poderíamos falar em Clóvis Moura, Solano 
Trindade e Lélia Gonzalez, para citar o caso brasileiro; mas também Frantz Fanon, Aimé 
Césaire e Fred Hampton, em nível internacional. “Suas raízes são seculares e estão nas 
senzalas”, não obstante, diz evidente respeito à própria história municipal de Ouro Preto, 
Mariana e a Região dos Inconfidentes como um todo, fortemente marcada pela extração 
aurífera e a exploração da mão-de-obra escravizada africana — representada, em mais 
um processo dialógico, na polaridade freyreana entre a casa-grande e a senzala, a 
branquitude e a negritude. Poderíamos citar, a título de exemplo de uma atividade 
inerentemente responsiva da linguagem, a menção à fatídica e pretérita visita da assim 
chamada família real — qual seja, a descendência ainda viva dos Orleans e Bragança do 
Brasil imperial, hoje sem efetivamente nenhum poder político — à cidade de Ouro Preto; 
bem como a frase — propositalmente alocada entre aspas como símbolo de um 
distanciamento ideológico — “‘aclamado ato de bondade de uma princesa’ comemorado 
no dia 13 de maio, que se avizinha”, referência evidente a abolição da escravatura operada 
pela então princesa Isabel. 
 Todos estes exemplos dão testemunho de uma imaginação iminentemente 
polifônica em atuação no texto: se, em matéria de música, a polifonia diz respeito à 
sobreposição de diferentes texturas e sons — instrumentais ou vocais —, ainda que sob 
diferentes ritmos, a se confluir numa mesma harmonia ou armadura melódica1; em 
matéria do discurso a polifonia nada mais é do que os registros lexicais e sintáticos que 
dão prova, como primeiramente anteviu Bakhtin — e depois fora formalizado por Ducrot 
— de que existem inúmeras instâncias ideológicas e linguísticas, quer seja em aliança ou 
antagonismo, dentro de um mesmo texto. No texto da ADUFOP conseguimos vislumbrar 
os rastros linguísticos que remetem tanto a apóstolos da democracia racial, bem como de 
socialistas ortodoxos, marxistas negros nacionais e internacionais, monarcas decadentes 
e toda a historiografia do Brasil setecentista: vozes aparentemente inconciliáveis que, sob 
o manto do discurso, sintetizam suas múltiplas determinações. Em função desta condição 
é que se pode perceber uma heterogeneidade discursiva latente no texto em questão: a 
composição quase orquestral do discurso impede a localização imediata e definitiva de 
um verdadeiro sujeito — assim como, na escuta de uma sinfonia, é especialmente difícil 
 
1 Talvez a música noise seja o melhor exemplo contemporâneo deste tipo de operação. 
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para um leigo diferenciar um concertino de um segundo violino, por exemplo. A noção 
de uma subjetividade autocentrada está efetivamente posta a prova, pois ela é 
“relativizada no par EU-TU, incorporando o outro como constitutivo do sujeito” 
(Brandão, 2004, p. 59). Se abre alas, deste modo, para uma exploração da semântica 
textual muito mais afeita à alteridade, à dimensão intersubjetiva que solapa qualquer 
solipsismo tacanho, que depreende o quanto o ser humano é inconcebível sem sua relação 
com o Outro. O texto da ADUFOP, ao se utilizar de formas marcadas de conotação 
autonímica — o já citado exemplo do “‘aclamado ato de bondade de uma princesa’” — 
está deliberadamente acusando o uso de palavras que, embora não sejam suas, fazem parte 
da construção discursivo-identitária do texto — ainda que por uma antítese concreta. 
• 
 Um conceito muito caro aos estudos do discurso — em especial os balizados por 
Dominique Maingueneau ou um tanto quanto mais pragmático — diz respeito à assim 
chamada cena enunciativa ou cena de enunciação. O termo por vezes é empregando em 
sinonímia — ou concorrência — à ideia das efetivas situações comunicacionais, mas a 
ideia de uma cena engendra, por natureza, uma metáfora de ordem teatral, dramatúrgica, 
que não é irrelevante: em última instância ela remete à noção — popularizada pela 
decidida frase de Shakespeare, “o mundo inteiro é um palco”, e o teatro elisabetano — de 
theatrum mundi, qual seja, de que toda a ordem cosmológica, todo o mundo, se equivale 
metaforicamente a um teatro, sendo reservado a cada indivíduo um papel: “A vida é 
sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. E 
ninguém mais o nota. É uma história narrada aí por um idiota, cheio de sons, de ímpeto e 
não dizendo nada (Shakespeare, 2007, p. 103). Contudo, como as máscaras, as personas, 
tradicionalmente indicam, o teatro é consagrado por sua diferenciação genérica — a 
saber, a tragédia e comédia. A metáfora teatral é determinante pois revela como as cenas 
enunciativas dizem respeito acentuado à enunciação não só dada num espaço instituído, 
mas efetivamente definida pelo gênero textual em questão — que, como diria Bakhtin, é 
relativamente estável. 
 O próprio Maingueneau assevera que “em lugar de elaborar uma lista impossível 
de gêneros do discurso, é melhor nos questionarmos sobre a maneira de conhecer as 
próprias coerções genéricas” (Maingueneau, 1997, p. 35): noutras palavras, é muito mais 
produtivo nos desviarmos de tentar organizar certo número de padrões formais e 
procedimentais a fim de catalogar gêneros e, ao contrário, pensarmos em sua instância 
decisivamente institucional: sua forma de transmissão, meio de circulação, circuitos de 
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difusão, modo de destinação, elementos paratextuais etc., que afirmam como “a cada 
gênero associam-se momentos e lugares de enunciação específicos e um ritual 
apropriado” (Maingueneau, 1997, p. 36). Se tratando do texto em análise, é nítido em 
primeiro lugar que ele foi elaborado para vetor da escrita — o que nos permite intuir uma 
certa expectativa de leitura individual — e foi peremptoriamente circulado no ambiente 
virtual-cibernético2 — o texto em si foi vinculado ao site da associação, mas foi também 
propagandeado em mídias sociais como o Instagram, o X, o Linkedln, o Facebook e o 
Whatsapp. O seu circuito de difusão é bem definido: embora se enderece de forma 
virtualmente infinita a qualquer leitor que porventura acesse o texto, ele circula em 
especial entre os membros da comunidade acadêmica da UFOP, sobretudo o grupo 
professoral que é associado da organização. Mesmo com o tom contundente, o texto 
parece destinado a ser reproduzido em massa e numa leitura passageira, rápida, sucinta, 
afinal seu propósito é ser muito mais uma chamativa a um ato público futuro — uma 
manifestação em frente ao restaurante universitário do campus do Morro do Cruzeiro às 
11h30min do dia 11 de maio de 2022 — do que um discurso meticuloso e engenhoso. 
Como o texto fora publicado num site, evidentemente existem toda sorte de recursos 
visuais a povoar o olhar do leitor — desde a logo da associação até os hiperlinks de outras 
matérias jornalísticas do site. Para uma taxonomia textual clássica, se trata decisivamente 
— como o próprio título assegura — de uma nota jornalística, um gênero objetivo, curto 
e incisivo no nível das suas ideias e das suas demandas. 
 Por isto é igualmente produtivo pensarmos esta mesma nota nos termos de uma 
formação discursiva. O termo é um tanto quanto instável, mas cuja formalização clássica 
feita por Michel Foucault — no seu emblemático trabalho arqueológico do saber — e por 
Pêcheux, diz respeito ora a um conjunto de enunciados que se associam um outro sob a 
égide de um mesmo sistema de regras historicamente determinadas, ora às formas 
ideológicas que interpelam os sujeitos e lhes implicam o que pode e deve ser dito: ou seja, 
demostrando toda uma gama de posicionamentos políticos e ideológicosque não são 
propriamente individuais, mas organizados formativamente em intricadas relações de 
antagonismo ou aliança. Ora, a formação discursiva representada pelo texto da ADUFOP 
tem certas características discursivas latentes: primeiramente, seus autores se inserem 
como representantes de duas vias institucionais claras: de um lado, o funcionalismo 
público docente no ensino superior; do outro, as organizações sindicais e os movimentos 
 
2 Originalmente se encontra disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2025. 
https://www.adufop.org.br/post/nota-da-diretoria-da-adufop-sobre-racismo-na-ufop-caso-de-blackface
https://www.adufop.org.br/post/nota-da-diretoria-da-adufop-sobre-racismo-na-ufop-caso-de-blackface
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sociais de esquerda. Presumivelmente, os destinatários imediatos deste texto são também 
professores universitários ou sujeitos minimamente ligados à base militante da esquerda 
brasileira nas cidades históricas de Ouro Preto e Mariana. É esta qualidade enunciativa 
que torna a separação entre forma e conteúdo absolutamente insípida: o texto mobiliza 
todo um jargão e um conjunto subreptício de ideias que são compartilhadas entre sujeitos 
alinhados à esquerda — em sua categorial defesa da igualdade radical e da soberania 
popular. Por isto o texto não precisa se aprofundar com prolixidade a definir certos 
conceitos manejados — o de racismo estrutural, por exemplo, desenvolvido no Brasil 
pelo jurista e ex-ministro Silvio Almeida — ou a explicar fatos jornalísticos — o 
assassinato policial do jovem negro Igor Mendes em 2017, por exemplo — afinal está 
implicado que estes conhecimentos já são produzidos e reproduzidos no interior desta 
formação discursiva. A forma, portanto, é conteúdo, e “a eficácia da enunciação resulta 
necessariamente do jogo entre as condições genéricas, o ritual que elas implicam a priori 
e o que é tecido pela enunciação efetivamente realizada” (Maingueneau, 1997, p. 40). 
• 
 Entrando nos aspectos propriamente cenográficos do discurso, um elemento 
fundamental de se observar é a noção de dêixis, em suma, “as coordenadas espaço-
temporais implicadas em um ato de enunciação” (Maingueneau, 1997, p. 41) que 
formatam uma triangulação equilátera entre o eu, o outro e o aqui/agora. Toda e qualquer 
expressão dêitica remete, portanto, à referentes de ordem espacial — topográfica, neste 
sentido — e temporal — cronográfica, no mesmo sentido — afinal todo ato de linguagem 
não se inscreve num vazio asséptico e indeterminado, mas numa contingência concreta 
de lugares e temporalidades, no nível “do universo de sentido que uma formação 
discursiva constrói através de sua enunciação” (Maingueneau, 1997, p. 41). Ora, no 
discurso da ADUFOP marcações de tal natureza espaço-temporal são recorrentes, aliás, o 
texto se inicia com uma — “no fim do mês de abril, na UFOP” — e se encerra com outra 
— “todos e todas no dia 11 de maio às 11h30min em frente ao RU do campus Morro do 
Cruzeiro em Ouro Preto”. Todo o texto demarca que a enunciação está espacialmente 
pressuposta na cidade história de Ouro Preto e que os eventos a serem discutidos se deram 
nela: nos centros de sociabilidade como o restaurante universitário ou o Centro 
Acadêmico da Escola de Minas; o campus do Morro do Cruzeiro que abriga, 
majoritariamente, os cursos de ciências exatas e da natureza; as repúblicas federais 
estudantis etc. Igualmente, inúmeras dimensões temporais são discutidas no texto: desde 
o fatídico evento festivo quando os estudantes realizaram o blackface — ocorrido nos 
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estertores de Maio de 2021 —, as cinco décadas de existência da UFOP, a data da 
manifestação antirracista, o dia de comemoração da abolição da escravatura etc. Mas para 
além desta dêixis discursiva manifesta, há também uma dêixis fundadora — qual seja, 
“a(s) situação(ões) de enunciação anterior(es) que a dêixis atual utiliza para a repetição e 
da qual retira boa parte de sua legitimidade” (Maingueneau, 1997, p. 42). Penso ser 
possível depreender múltiplas dêixis fundadoras no texto: se considerarmos o próprio 
gesto performático do blackface como um acontecimento discursivo, é nítido que o 
discurso predecessor e catapultor do atual é ele. A carta-denúncia do Coletivo Negro 
Braima Mané, a Portaria Prace nº 62 e a manifestação institucional da UFOP, igualmente, 
são três documentos/discurso anteriores cuja citação é estratégica com fins de 
legitimação: uma maneira de demonstrar que a nota, em si mesma, se encadeia a mais 
uma série de discursos realizados recentemente na cidade em torno do problema do 
racismo na comunidade estudantil. Contudo, penso haver toda uma dêixis fundadora 
muito mais sútil e implica: se trata do discurso historiográfico em torno da cidade de Ouro 
Preto, isto é, da antiga Vila Rica, o espaço físico mais representativo de todo o zeitgeist 
colonial: o símbolo representativo dos esplendores e misérias do Brasil setecentista, 
marcado por uma produção cultural profícua — os árcades mineiros, Aleijadinho, 
Athayde etc. — pari passu a uma exploração violenta e bárbara sem precedentes: esta 
dêixis originária parece se confirmar na frase “suas raízes são seculares e estão nas 
senzalas, no tráfico e relação de compra e venda de seres humanos, marcas da 
escravização do povo negro no passado colonial”. 
 Estes múltiplos mecanismos textuais derivam, por suposto, um ethos discursivo e 
retórico, que nada mais é do que a imagem identitária que o locutor constrói de si mesmo 
ao elaborar seu discurso, ao se autoatribuir uma posição institucional, ao marcar seu 
relacionamento com um saber: se trata, portanto, do enquadramento do enunciador numa 
persona, numa representação ética coletiva que condiciona a eficácia do discurso: “não o 
que diziam a propósito deles mesmos, mas o que revelavam pelo próprio modo de se 
expressarem” (Maingueneau, 1997, p. 45). No texto em análise isto se procede 
limpidamente: o tom e o caráter do discurso não deixam dúvidas de que o enunciador — 
a saber, a ADUFOP enquanto instituição — se apresenta como veementemente 
antirracista, antiburguesa e antimachista, se afirmando como uma organização orientada 
ao campo político da esquerda histórica e herdeira das suas tradições ideológicas e 
militantes — o socialismo, o anarquismo, o republicanismo etc. Quando os elementos do 
ethos — poderíamos citar, a título de exemplo, o uso da crítica sardônica, a recorrência 
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da exclamação para se pontuar de forma belicosa, expressões emblemáticas como “classe 
trabalhadora”, “luta sindical” etc. — são de alguma forma acoplados à discursividade, o 
próprio discursa se transforma substancialmente, ele “é, a partir daí, indissociável da 
forma pela qual ‘toma corpo’” (Maingueneau, 1997, p. 48). Isto é o que, em análise do 
discurso, chamamos de incorporação: por um primeiro lado, o discurso corporifica o 
enunciador, permite que o destinatário dinamicamente crie uma representação dele — não 
se trata mais da ADUFOP como uma entidade abstrata e amorfa, mas de uma imagem da 
mesma numa encarnação quase física, ainda que estereotípica —; por outro, quando o 
destinatário do discurso incorpora e assimila os esquemas característicos deste 
enunciador, ele mesmo descobre uma maneira de se corporificar e se mover no mundo. 
Nesta dialética, o ganho fundamental é a possibilidade do destinatário se incorporar 
imaginariamente à determinadas comunidades discursivas: ele agora, ao reconhecer a 
ética do enunciador, pode se reconhecer ou não nela e assim participar ativamente do ciclo 
dos que aderem ao ethos discursivo agenciado. 
• 
 À guisa de encerramento, é necessário enfim trabalharmos com o elemento 
contratual que integra o circuito do fazer-situacional — isto é, a dinâmica múltipla entre 
os sujeitos comunicante, enunciador, destinatário e interpretante. Ao falarmos de umcontrato de comunicação estamos pensando — quer seja em nível semiótico, 
psicossociológico ou analisante — qual é a condição última de possibilidade semântica 
de um discurso, isto é, qual seria o fator a permitir que os envolvidos num ato de 
linguagem reconheçam, simultaneamente, a validade e legitimidade do mesmo sob a ótica 
da construção do sentido. Envolve, portanto, uma expectativa discursiva e performática 
típica do gênero em ação que, se violada, interpõe a efetividade da comunicação: “ela 
depende do ‘desafio’ construído no e pelo ato de linguagem, desafio este que contém uma 
expectativa” (Charaudeau, 2001, p. 30). Se, por exemplo, um parlamentar brasileiro, 
numa votação qualquer do Congresso, usa seu espaço de fala para realizar piadas 
esdrúxulas e laudar torturadores, o contrato comunicacional entre ele — enquanto sujeito 
comunicante — e seus ouvintes — enquanto sujeitos interpretantes — é imediatamente 
dissolvido: se espera que o ambiente político-parlamentar seja solene, sóbrio e respeitoso, 
e por isto atitudes de natureza vexatória, infantil e virulenta são, via de regras, lidas como 
quebra de decoro — que, por sinal, pode implicar na deposição do cargo —, indignas de 
sequer serem interpretadas. Neste sentido, “a relação contratual depende, portanto de 
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componentes mais ou menos objetivos, tornados pertinentes pelo de jogo de expectativas 
que envolvo o ato linguageiro” (Charaudeau, 2001, p. 30). 
 Estes componentes a rigor são o comunicacional — o quadro físico da situação 
interacional —, o psicossocial — os estatutos que os parceiros reconhecem entre si — e 
o intencional — o conhecimento a apriorístico que os parceiros possuem ou constroem 
sobre o outro e que apelam para saberes compartilhados. Se trata, na verdade, de 
componentes que permitam o ato de linguagem sob o prisma da identidade — o que define 
os sujeitos em ação —, da finalidade — qual seria o telos, o objetivo daquele ato —, das 
circunstâncias — quais as coerções materiais que regem este ato — e do propósito — 
qual é o objeto temático em jogo na interação. Na nota da ADUFOP vemos estes 
elementos firmarem o contrato de comunicação: o enquadramento físico é decisivamente 
virtual e se dá por um canal gráfico-escrito, não havendo simultaneidade de presença entre 
os sujeitos — que são múltiplos, afinal existe uma gama virtualmente infinita de 
interpretantes, a saber, todos os que travarem contato com a nota. Paralelamente, há um 
claro pendor psicossocial e identitário no ganho de reconhecimento dos sujeitos: se espera 
que ambos os polos do ato de linguagem sejam pessoas de esquerda, comprometidas com 
pautas sociais, membros da UFOP — quer sejam discentes, docentes, técnicos ou 
terceirizados —, preocupados com o problema da opressão racial etc. É este nível 
identitário que mais parece garantir a estabilidade do contrato em tempos de tamanha 
polarização ideológica: toda a possibilidade de significação e construção de sentido do 
texto ruiria se ele fosse destinado a pessoas de direita, bolsonaristas, liberais etc. E o nível 
intencional é evidente: o que está sendo decisivamente colocado em questão é a crítica ao 
racismo recreativo dos estudantes universitários republicanos da UFOP e o chamamento 
ao protesto público; e está veiculado de uma maneira convicta, assertiva, forte etc., para 
demonstrar uma firmeza inquebrantável de posicionamentos. 
 Para o contrato se realizar plenamente é exigido, para além disto, um arsenal de 
procedimentos que se valem de determinadas categorias linguísticas com vistas de uma 
finalidade discursiva no ato comunicacional. Isto é o que comumente se chama de modos 
de organização do discurso, que a rigor são quatro — enunciativo, descritivo, narrativo e 
argumentativo — embora, o primeiro comande os demais por ter como vocação principal 
dar conta da posição do locutor com relação ao interlocutor. A nota da ADUFOP parece 
se enquadrar como um modo de organização veementemente argumentativa — ou seja, 
por realizar a exposição e comprovação de uma série de casualidades, racionalmente 
organizadas, que influenciam seu interlocutor. A nota, resumidamente, isola um 
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acontecimento — o caso de blackface — e parte dele para elencar inúmeros argumentos 
capazes de comprovar o racismo como elemento sine qua non da sociabilidade capitalista 
no Brasil — exemplos são a privação de direitos de moradia adequada e empregos dignos 
para a população ouropretana que é majoritariamente negra, o passado histórico 
escravagista, o homicídio de Igor Mendes, a recepção ostensiva da família Orleans e 
Bragança etc. Ou seja, a nota tem como princípio motor a organização da lógica 
argumentativa e a encenação argumentativa. 
 O modo de organização se integra a um quadro mais amplo de estratégias 
discursivas, ou seja, de ações coordenadas com vistas de atingir um objetivo. Na acepção 
charaudeauniana clássica, as estratégias discursivas passam por etapas de legitimação — 
a posição de autoridade do sujeito —, credibilidade — a posição de verdade do sujeito — 
e captação — de entrada no quadro de pensamento do sujeito enunciativo. Nos parece 
que, no texto da ADUFOP, o grande elemento legitimador é extrínseco ao discurso — 
embora lhe seja constitutivo — e envolve a posição institucional da própria ADUFOP: se 
trata de uma associação de docentes universitários, isto é, de figuras que num geral 
passaram por uma formação acadêmica completa — graduação, mestrado e doutorado —
, ativamente publicam artigos em periódicos científicos, estão comprometidos com 
pesquisa, ensina e extensão, falam mais de uma língua e, é claro, entraram no magistério 
superior por meio de concursos disputados. Todos estes elementos declinam que a 
organização possui um capital cultural muito rico e que, por isto, está investida de uma 
autoridade intelectual que é legítima e pertinente. No que tange a credibilidade, a nota se 
afastar ao máximo possível da coloquialidade, do humorístico e do familiar lhe loureia 
um tom decoroso, responsável e sério, que parece respaldar o estatuto de verdade do 
discurso: o assunto em questão é examinado com uma dignidade elocutória que não nos 
permite julgar as posições do sujeitos como falsas, mentirosas, ignorantes ou 
manipuladas. Se tratando da captação, a decisão de mencionar elementos do universo 
cultural da urbe — o CAEM, o RU, a Escola de Minas, o Coletivo Negro Braima Mané 
etc. — parecem contribuir para uma progressiva e facilitada entrada do leitor no mundo 
semântico do enunciador; igualmente, o já citado uso recorrente do ponto de exclamação 
é uma tática retórica que nos prede a uma frase decisiva e impactante e, assim, nos faz ser 
capturados pelo discurso. 
 Por fim, para completar a análise discursiva da nota da ADUFOP, resta 
delimitarmos a encenação do ato de linguagem, isto é, a “totalidade da encenação 
linguageira com seus dois circuitos, externo — o da relação contratual entre parceiros — 
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e interno — o da encenação do dizer, com seus dois protagonistas” (Charaudeau, 2001, 
p. 36). Neste quadro conceitual do fazer-situacional, observamos a existência de quatro 
subjetividades: no circuito interno, o sujeito enunciador (EUe) e o sujeito destinatário 
(TUd); no circuito externo, o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito interpretante (TUi). 
No caso da nota, o interpretante pode ser qualquer leitor que, por desejo próprio ou 
involuntariamente, se depare e leia o texto; ao passo que o comunicante é a ADUFOP 
enquanto instituição. O destinatário parecem ser as pessoas antirracistas da UFOP — 
mesmo que a expressão “todos e todas” possa passar uma impressão de universalidade — 
e o enunciador é propriamente a diretoria da ADUFOP — a saber, Kathiuça Bertollo, 
Gabriela de Lima Gomes, Tays Torres Ribeiro das Chagas, Rodrigo Fernandes Ribeiro, 
Paulo Ernesto Antonelli e Pedro Henrique Barbosa de Abreu. O espaço do dizer é a nota, 
enquanto oespaço do fazer é o site onde o texto se encontra. Desta forma, se completa a 
encenação do ato linguageiro e nossa análise discursiva. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 1997. 
BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas: 
Editora da UNICAMP, 2004. 
CHARAUDEAU, Patrick. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: MARI, Hugo et al. 
Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do 
Discurso-FALE/UFMG, 2001. 
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo 
Horizonte: Ed. UFMG, 2001. 
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua 
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, 
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2014. 
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: 
Pontes, Editora da UNICAMP, 1997. 
SHAKEASPEARE, William. Macbeth. São Paulo: Martin Claret, 2007. 
VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas 
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 
2017.

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