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CRIMINALIDADE ORGANIZADA 1 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 3 2. O CONCEITO DO CRIME ORGANIZADO ........................................................... 3 3. REGRAS ESPECIAIS QUANTO AO CRIME ORGANIZADO ............................. 7 4. HISTÓRICO ............................................................................................................. 7 4.1 O JOGO DO BICHO...............................................................................................9 4.2 TRÁFICO DE DROGAS.........................................................................................10 4.2.1 COMANDO VERMELHO....................................................................................11 4.2.2 TERCEIRO COMANDO......................................................................................13 4.2.3 TERCEIRO COMANDO PURO..........................................................................13 4.2.4 AMIGO DO AMIGOS..........................................................................................13 4.2.5 PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL................................................................13 4.3 AS MILÍCIAS..........................................................................................................15 5. MECANISMOS DE COMBATE.....................................................................19 5.1 MEIOS ELETRONICOS........................................................................................................20 5.1.1 CONCEITO.........................................................................................................................20 5.1.2 MODALIDADES DE CAPACITAÇÕES...............................................................................21 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 26 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. INTRODUÇÃO Objeto do presente estudo sobre o crime organizado e o processo penal é a análise das características da recente legislação brasileira sobre o tema e, quando pertinente, uma singela comparação com a situação na legislação portuguesa, devido aos propósitos do trabalho. Para tanto, será necessário, ainda que de modo sucinto, expor os principais institutos disciplinados no ordenamento jurídico nacional quanto ao processo penal nos casos de crime organizados. Esse panorama da evolução e do estado atual da legislação brasileira permitirá que se obtenha uma conclusão específica sobre as mudanças legislativas pelas quais passamos nas duas últimas décadas, bem como uma conclusão geral sobre o combate à criminalidade organizada. 4 2. O CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO A definição legal do crime organizado foi objeto de muita polêmica na doutrina e na legislação brasileira, até a recente mudança legislativa operada pela Lei n. 12.850, de 8 de agosto de 2013. Antes de abordar a evolução da legislação interna propriamente dita, é importante destacar que o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que foi promulgada, no direito brasileiro, por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. A primeira lei a disciplinar a organização criminosa no ordenamento jurídico brasileiro foi a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Seu artigo 1º estabelecia que “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando”. Ou seja, limitou-se a equiparar o conceito de crime organizado à antiga figura da quadrilha ou bando prevista no art. 288 do Código Penal, cuja delifinção legal era de 1940. Posteriormente, a Lei 9.034/1995 foi alterada pela Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, que deu nova redação ao art. 1º daquela lei: “ Art. 1º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”. Após muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal acabou firmando posicionamento no sentido de que a Lei nº 9.034/1995, que foi alterada pela Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, não continha uma definição de crime organizado ou organização criminosa. Tal cenário alterou-se, parcialmente, com a edição da Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, que dispôs sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas. Embora não trazendo uma norma incriminadora, nem definindo o tipo penal de organização criminosa, referida lei definiu, para os fins da decisão judicial 5 objetivando instaurar um colegiado de primeiro grau, que “para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional” (art. 2.º). Todavia, a grande e mais significativa mudança ocorreu recentemente, com a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que estabeleceu um conceito legal de organização criminosa, bem como tipificou o crime de organanização criminosa. Ressalte-se que na referida lei, embora haja, do ponto de vista material, a definição (art. 1º) e a tipificação (art. 2º) de organização criminosa, há um claro predomínio de aspectos processuais sobre os substanciais. A nova lei está dividida em três capítulos. O Capítulo I conceitua e tipifica organização criminosa (arts. 1º e 2º). O Capítulo II disciplina as atividades destinadas à obtenção da prova durante a investigação e instrução criminal, estando assim subdividido: Seção I, da colaboração premiada (arts. 4º a 8ª); Seção II, da ação controlada (arts. 8º e 9º); Seção III, da infiltração de agentes (arts. 10 a 14); Seção IV, do acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações (arts. 15 a 17); e, Seção V, que trata dos crimes ocorridos na investigação e na obtenção da prova (arts. 18 a 21). Por fim, o Capítulo III, dispõe sobre as disposiçõesfinais e o procedimento (arts. 22 e 23).6 A definição – mas não a tipificação – de “organização criminosa” está prevista no art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Diante disso, poderia parecer que, atualmente, há dois conceitos de organização criminosa no ordenamento jurídico brasileiro: o primeiro, da Lei nº 12.694, 6 de 24 de julho de 2012, com vista à constituição de um juízo colegiado em primeiro grau de jurisdição, para proferir de decisões e sentença em processo por crimes praticados por organizações criminosas; o segundo, da nova Lei nº 12.850/2013, para a aplicação dos meios de investigação e obtenção de provas nela previstos. Assim, não teria havido uma revogação da primeira lei, pela segunda, com base na máxima lex posterior derrogat legi priori, até mesmo porque, a Lei nº 12.694 define competência “para os efeitos dessa Lei”. Não é essa, contudo, a melhor interpretação. A ressalva acima mencionada, que limita a primeira definição, para os efeitos da lei que dispõe sobre a instituição de juízo colegiado, se justificava, historicamente, pois quando entrou em vigor a Lei nº 12.694/2012, não havia no ordenamento jurídico brasileiro um tipo penal de organização criminosa. Por isso, referida lei pretendeu deixar claro que não estava tipificando tal delito – até mesmo porque não comina sanção penal –, mas apenas conceituando organização criminosa, para fins de instalação do juízo colegiado. Daí a expressão “para os efeitos dessa Lei”. Todavia, com a edição da Lei nº 12.850/2013, passou a existir um conceito de organização criminosa (art. 1º) e um tipo penal do delito de organização criminosa (art. 2º). Logo, na parte em que conceitua organização criminosa, o art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013 revogou tacitamente o art. 2º da Lei nº 12.694/2012. Assim, o conceito de organização criminosa, inclusive para os fins da Lei nº 12.694/2012, passou a ser o da nova Lei nº 12.850/2013.8 Por outro lado, a tipificação do crime de organização criminosa encontra-se no art. 2º da referida lei: “Art. 2 o . Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas cor respondentes às demais infrações penais praticadas”. Apesar do conceito de “crime organizado” não ter sido definido com precisão, suas principais características são conhecidas: a) padrão organizativo; b) racionalidadetipo empresarial visando “cooperação criminosa”: oferece 7 bens e serviços ilícitos (tais como drogas e prostituição) e investe seus lucros em setores legais da economia; c) utilização de métodos violentos com a finalidade de ocupar posições proeminentes ou de ter o monopólio do mercado (obtenção do máximo lucro sem necessidade de realizar grandes investimentos, redução dos custos e controle da mão-de-obra); d) usoda corrupção da força policial e do Poder Judiciário; e) estabelecimento de relações com o poder político; f) uso da intimidação e do homicídio, seja para neutralizar a aplicação da lei, seja para obter decisões políticas favoráveis ou para atingir seus objetivos. A batalha contra o crime organizado na Itália, nos últimos anos, obteve sucesso devido aos seguintes fatores: a) a sociedade manifestou sua disposição de luta contra o crime; b) a adoção de uma estrutura legal tornou possível essa luta; c) a existência de um aparato legal para fazer cumprir a lei em todos os níveis; d) a imprensa foi adequadamente informada sobre o fenômeno e sobre sua sofisticação; e) a produção de uma quantidade significativa de literatura manteve os cidadãos informados; f) como parte de seus programas de ensino, as escolas informaram seus estudantes sobre os problemas do crime organizado. 8 3. REGRAS ESPECIAIS QUANTO AO CRIME ORGANIZADO Houve um avanço significativo, na legislação brasileira, do ponto de vista da legalidade, no que se refere aos dos meios de obtenção de prova aplicáveis às organizações criminosas, em comparação com a legislação anterior. A revogada Lei nº 9.034/1995 se limitava a “nominar” os meios de obtenção de prova, sem estabelecer qualquer disciplina legal. Nao havia previsão de hipóteses de cabimento, prazo de duração da medida, necessidade ou não de autorização judicial, eficácia probatória das medidas, etc. Já a Lei nº 12.850/2013, ainda que possa ser criticada em alguns pontos, no que toca aos meios de obtenção de prova aplicáves ao crime organizado, preocupou- se em estabelecer um efetivo regramento a tais meios de prova, ao invés de simplesmente nominá-los. 9 4. HISTÓRICO A nossa polícia nasceu com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, marcada pela tarefa de conter potenciais inimigos do poder. No Império, o Estado delegou a segurança pública à elite privada através da Guarda Nacional. Talvez se possa localizar aí, na delegação da tarefa de combate ao crime à sociedade civil, cuja elite agrária recebia patentes de coronel da guarda nacional, acompanhadas da autorização de mobilizar empregados privados na manutenção da ordem pública, parte da razão para tolerância com a privatização e informalidade da repressão ao crime (justiceiros, milícias e sofisticadas empresas de segurança privada). Voltando no tempo, é possível reconhecer que a abolição da escravatura, desacompanhada de políticas de inclusão e o progressivo deslocamento do eixo econômico e demográfico do ambiente rural para o urbano acelerou o processo de favelização nas zonas urbanas marginais e contribuiu, de certo modo, para a configuração do atual estágio de violência no Brasil. O projeto de desenvolvimento industrial adotado no país, apoiado na substituição de importações, viabilizada por práticas protecionistas, ampliou a migração do campo para as cidades mantendo o contrabando como atividade criminosa atraente. A proibição do jogo na metade do século XX favoreceu o surgimento de organizações criminosas nos grandes centros urbanos. Enraizou-se nas favelas um mercado varejista de maconha e, no asfalto, começou a sair de cena a “malandragem”, tomada como criminosa pelo modo de vida. Ao mesmo tempo a criminalidade de conduta individual e violenta ganhou visibilidade pela imprensa que se modernizava, personificadas em bandidos célebres como Cara de Cavalo, Mineirinho e Lúcio Flávio. Mas a política desenvolvimentista que seguiu seu curso no pós-guerra favoreceu a continuidade das rotas de contrabando e descaminho que permanecem ativas até hoje, embora, em grande parte, tenham se deslocado, a partir dos anos 90, para o tráfico de entorpecentes e de armas, com o desestímulo ao contrabando de bens de consumo, em decorrência da abertura econômica adotada. No final dos anos 1980, o noticiário destacava uma violenta disputa pelo controle do tráfico de drogas. 10 A ampliação do mercado da droga e a repressão aos distribuidores levou a um incremento nas estatísticas de roubos de carros forte e de extorsão mediante seqüestro. Os anos 1990, por sua vez, foram marcados por 21 rebeliões de presos e pelo fortalecimento do vínculo entre as facções de presidiários e líderes do tráfico das favelas. O “morro” assumiu a intermediação da droga e as rebeliões levaram ao reconhecimento das facções pelo poder público que passou a organizar o sistema penitenciário a partir da filiação dos encarcerados a tais grupos. A falta de uma política habitacional e a instabilidade econômicaaguda até a metade dos anos 90 ampliaram o fenômeno da favelização, com particular intensidade na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Estavam dadas as condições para que as organizações criminosas passassem a agir com domínio territorial. Daí para buscar a eliminação de intermediários, procurando fazer com que seus membros ou parceiros disputassem a ocupação de espaços institucionais, inclusive pelo voto, viciando profundamente a vontade dos eleitores, foi um passo. Que eleitor tem meios de resistir à intimidação armada? O fenômeno não é inédito, pois o artigo 416-bis do CP Italiano que define associação criminosa de tipo mafioso faz referência expressa às ações que visem obstruir o livre exercício do direito de voto, ou a utilização de poder intimidatório para captar votos para si ou para outrem. O crime organizado é favorecido pela existência de leis antiquadas, vagas, mal formuladas, parciais, numerosas, complexas e cheias de contradições, que geralmente não são inspiradas em uma visão sistemática do problema por não se conhecer profundamente o fenômeno que se visa combater. Convivemos com algumas modalidades de organizações criminosas, estabelecidas historicamente em decorrência dos fatores explicitados anteriormente. São elas: 4.1 O “JOGO DO BICHO” A primeira infração penal organizada no Brasil do tipo mafioso consistiu na prática do “jogo do bicho”, iniciada no século XX . Esse jogo foi o pretexto utilizado por João Batista Viana Drumond, o Barão de Drumond, para incentivar pessoas a 11 visitarem o seu zoológico. O jogo do bicho deu origem aos demais grupos, pois desde sua origem ele tinha organização e leis próprias formando um pequeno Estado paralelo. Apesar de sua imensa popularidade e de ser tolerado por muitas autoridades, o jogo do bicho é considerado uma contravenção no Brasil e as pessoas que o praticam ou o promovem são passíveis de punição pela Justiça. Os chefões do jogo do bicho aprenderam a se organizar com o contato mantido com mafiosos do sul da Itália. Antônio Salamone foi um dos diretores da Cosa Nostra durante as décadas de 1960 e 1970. Em 1963, depois do massacre de Ciaculli, quando sua organização matou 07 policiais italianos em um atentado a bomba, Salamone veio se refugiar no Brasil. No Rio de Janeiro, aliou-se a Castor de Andrade (morto em março de 1997), então com 37 anos de idade. Da aliança entre eles, surgia a “máfia” brasileira . O jogo de bicho era tido como uma folclórica contravenção, contudo com o tempo o campo de ação foi sendo ampliado para outras áreas, tornando-se o símbolo da promiscuidade entre mundo legal e submundo. Este quadro não se deve apenas à inoperância das autoridades, mas igualmente da sociedade. Uma disputa sangrenta começou após a morte do capo di tutti capi (chefe de todos os chefes) no Rio, Castor de Andrade, em março de 1997. Uma das primeiras vítimas foi o próprio filho do bicheiro, Paulo de Andrade, executado em outubro de 1998. A ganância impulsionou uma matança à moda Corleone e chegou a colocar em crise o próprio poder da cúpula do jogo, criada no início dos anos 1980, justamente para evitar embates pelos pontos. Até a situação voltar ao normal, o massacre no submundo resultou em dezenas de execuções. Entretanto, os “bicheiros” deslancharam mesmo com a chegada dos “caça níqueis”. Dos Corleonesi, um dos mais temidos clãs do crime organizado siciliano, conseguiram as primeiras máquinas que vieram para o Brasil. E, nos últimos anos, viram seus lucros irem às alturas com os aparelhos de jogatina eletrônica instalados em cada padaria de quase todas as grandes cidades brasileiras. 4.2 O TRÁFICO DE DROGAS 12 Nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, comandado por líderes do tráfico de entorpecentes. Questão suscitada por Fernando Alves Martins Villas Bôas Filho9 , é se existe no Brasil, e particularmente, no Rio de Janeiro, “crime organizado”, especialmente no tráfico de entorpecentes. Argumenta-se que o que existe são quadrilhas semiorganizadas, com estruturas hierárquicas não muito bem definidas, que lutam por territórios, sem qualquer atividade organizada fora do nível das organizações locais de venda, pulverizadas em pequenas unidades nas favelas e conjuntos, recrutando jovens moradores para uma alternativa de trabalho. Esta estruturação e divisão locais se dão em volta das “bocas de fumo”, sem qualquer indicação de que haja uma centralização na compra por atacado ou alguma grande organização por trás deste comércio ilegal. A articulação que se presume entre os grupos armados nas favelas cariocas, de fato, não existiria, os “comandos” e seus derivados não arquitetariam e nem executariam ações planejadas, quando muito, se associariam para adquirir substâncias proibidas. O que muitos acreditam tratar-se de modalidade de crime organizado fluminense seria um poder diluído. Porém, devemos nos atentar para o fato de que ativa o tráfico de armas para a defesa dos territórios e fomenta uma enorme desverticalização operacional, uma grande mobilidade, uma grande simplicidade e flexibilidade, dada inclusive pela terceirização. Nem todos os envolvidos com as “bocas de fumo” têm que ser mantidos por ela. Eles são pagos para fazer serviço em algum momento, “terceirizados”. Por outro lado, não há dúvidas de que fazem parte de uma estratégia criminosa transnacional, especialmente considerando que não se produz, por exemplo, cocaína no Brasil, e muito menos no Rio de Janeiro, assim como os milhares de fuzis apreendidos não são, em sua grande maioria, de produção nacional. A própria movimentação do dinheiro aplicado nestes negócios ilegais exige uma estrutura bem organizada. De acordo com Carlos Amorim: ”Na prática, o governo continua a ver o problema como uma simples questão policial, quando é um desafio de sobrevivência e de soberania.” 13 4.2.1 Comando Vermelho (CV) Com o nome de Falange Vermelha, batizado assim pela própria comunidade carcerária do Estado do Rio de Janeiro, o CV foi criado entre 1969 e 1975 no Rio de Janeiro por encarcerados no Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como Presídio da Ilha Grande ou “Caldeirão do Diabo”, que lutavam contra as condições sub-humanas que os presos enfrentavam, algumas impostas pelo sistema carcerário, outras pelos próprios detentos. Especula-se, quanto à origem do CV, como momento preponderante a reunião de presos políticos com presos comuns na Galeria B do presídio da Ilha Grande, entre 1969 e 1975. Os presos comuns haviam sido condenados com base na Lei de Segurança Nacional numa tentativa por parte do governo militar de equiparar os revolucionários de esquerda a criminosos. Apesar de uma convivência por vezes pouco pacífica, foi nascendo um respeito e admiração por parte dos presos comuns à organização, disciplina e companheirismo existente entre os revolucionários de esquerda, o que lhes permitia sobreviver àquele inferno. Os internos da Galeria B, presos comuns e revolucionários, passaram a partilhar experiências, tendo os presos comuns adquirido, através de longos encontros, o modus operandi das guerrilhas revolucionárias. Entre outros ensinamentos que mais tarde se revelaram fundamentais, a organização interna dos presos contra os abusos das autoridades carcerárias mostrou ser um dos pilares sustentadores do sucesso desta organização, junto com a proibição de ataques, roubos ou violência física e sexual entre presos. Uma das primeiras medidas do CV foi a instituição do “caixa comum” da organização, alimentado pelos proventos arrecadados pelas atividades criminosas daqueles que estavam em liberdade, o dízimo. O dinheiro assim arrecadado serviria não só para financiar novas tentativas de fuga, mas igualmente para amenizar as duras condições de vida dos presos, reforçandoa autoridade e respeito do CV no seio da massa carcerária. No início dos anos 80, os primeiros presos foragidos da Ilha Grande começaram a pôr em prática todos os ensinamentos que haviam adquirido ao longo dos anos de convivência com os presos políticos, organizando e praticando numerosos assaltos a instituições bancárias, algumas empresas e joalherias. Ainda que os sucessos tenham sido relevantes, os assaltos a bancos eram extremamente arriscados, pelo que, no final de 14 1982, muitos daqueles que haviam sido resgatados da Ilha Grande foram recapturados ou mortos. A primeira grande ofensiva do CV fora do presídio havia-se revelado uma derrota parcial. No entanto, uma política de segurança do Estado acabou por se revelar fundamental na propagação da força e hegemonia do CV pelos presídios mais importantes do sistema carcerário carioca. Em vez de isolar os líderes do CV de volta na Ilha Grande, entendeu-se que seria mais prudente separar a comissão dirigente e colocá-los em diversos presídios, de modo a desintegrar a organização. Anos mais tarde a mesma tática foi implementada em São Paulo com efeitos semelhantes, reforçando o poder do PCC – Primeiro Comando da Capital. A história revela que esse foi um erro de julgamento de conseqüências desastrosas. Sinteticamente, seus líderes organizaram e arregimentaram novos membros para o CV, estendendo e cimentando o poder dentro dos presídios cariocas. Quando esses líderes foram novamente reunidos na Ilha Grande, a influência do CV já se encontrava plenamente enraizada e douradora. 4.2.2 Terceiro Comando (TC) O TC é uma extinta facção criminosa carioca, surgida como contraponto ao CV nos anos 90. Os detalhes de sua criação ainda são obscuros, mas acredita-se que tenha surgido a partir da Falange Jacaré, que opunha-se ao CV nos anos oitenta. Outros consideram que o TC surgiu de uma dissidência do CV e por policiais que passaram para o lado do crime. 4.2.3 Terceiro Comando Puro (TCP) O TCP é uma organização criminosa carioca surgida no Complexo da Maré no ano de 2002, a partir de uma dissidência do TC. Durante a maior parte daquele ano o TCP permaneceu como uma facção menor, porém após setembro de 2002, quando Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar liderou uma revolta no 26 presídio Bangu 1 matando alguns rivais, este rompeu sua aliança com a ADA, e os traficantes do então TC ou passaram para o lado da ADA, ou migraram para o TCP. 15 4.2.4 Amigos dos Amigos (ADA) A facção surgiu dentro dos presídios do Rio de Janeiro durante os anos 90, braço direito do TC, para diminuir o poderio do CV. Formada por ex-militares das tropas especiais do Exército e dos Fuzileiros Navais, ex-policiais expulsos das corporações e traficantes . 4.2.5 Primeiro Comando da Capital (PCC) Foi fundado em 31 de agosto de 1993 por oito presidiários, no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (130 quilômetros da cidade de São Paulo), chamada de "Piranhão", até então a prisão mais segura do Estado de São Paulo. Durante uma partida de futebol, quando detentos brigaram e como forma de escapar da punição pois vários haviam morrido, resolveram iniciar um pacto de confiança. Originou-se de um time de futebol interno das cadeias, o “Comando da Capital”. Criado o PCC, um estatuto foi manuscrito: prometiam fidelidade, luta até a morte pelos direitos jamais respeitados dos detentos. Nas rebeliões, lençóis brancos apareciam com as três letras do partido do crime. Subestimado pelo governo, criou raízes em todo o sistema carcerário paulista. Reunindo a massa carcerária contra o sistema, expondo de maneira radical a questão da solidariedade entre os presos, inclusive punindo com a morte eventuais desvios de conduta, os homens do crime paulista reproduziram quase que literalmente, as conquistas dos presos comuns na Ilha Grande no Rio de Janeiro. “O inimigo está fora das celas” – a primeira palavra de ordem do CV ecoa nas prisões paulistas e seu lema – Paz, Justiça e Liberdade – é adotada pela nova organização. O PCC, também chamado no início como Partido do Crime, afirmava que pretendia "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar a morte dos cento e onze presos", em 02 de outubro de 1992, no "massacre do Carandiru”, quando a Polícia Militar matou presidiários no pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção de São Paulo. Com o objetivo de conseguir dinheiro para financiar o grupo, os membros do PCC exigem que os "irmãos" paguem uma taxa mensal. O dinheiro recolhido é usado para comprar armas e drogas, além de financiar ações de resgate de presos ligados ao grupo. De acordo com Roberto Porto (Porto, 16 2007) em São Paulo o PCC é uma força hegemônica que cresce em grande velocidade representando uma enorme sedução para jovens criminosos, entretanto, além do PCC, registra-se a existência do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), Comissão Democrática de Liberdade (CDL), Seita Satânica (SS), Serpentes Negras e Terceiro Comando da Capital (TCC). No Paraná, Terceiro Comando do Paraná (TCP). Paz, Liberdade e Direito (PLD) no Distrito Federal, Primeiro Comando Mineiro (PCM) e Comando Mineiro de Operações (COMOC) em Minas Gerais, os Manos e os Brasas no Rio Grande do Sul. Em Pernambuco, Comando Norte-Nordeste (CNN), no Rio Grande do Norte, Primeiro Comando de Natal (PCN), no Mato Grosso do Sul, Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul (PCMS) e Primeiro Comando da Liberdade (PCL). 4.3 AS MILÍCIAS Milícias são grupos formados por agentes do Estado, da área da segurança pública ou militares, que controlam comunidades por meio de extorsão e violências. Estes grupos parapoliciais atuam com o respaldo de políticos e lideranças comunitárias locais. Além da cobrança de tributos de moradores, os milicianos controlam o fornecimento de muitos serviços, geralmente a preços mais altos, incluindo a venda de gás, eletricidade e outros sistemas de transporte privado, além da instalação de ligações clandestinas de televisão a cabo. Começaram a ser notadas no Estado do Rio de Janeiro a partir da década de 1970, controlando algumas comunidades da cidade. Um dos primeiros casos conhecidos é o da favela de Rio das Pedras, na região de Jacarepaguá, onde comerciantes locais se organizaram para pagar policiais para que não permitissem que a comunidade fosse tomada por traficantes ou outros tipos de criminosos. Os primeiros relatos sobre a expansão das forças milicianas descreviam a milícia como uma forma de segurança alternativa, por oferecer às comunidades a oportunidade de se livrar da dominação das facções do tráfico. A ação das milícias começou a ser relatada na imprensa brasileira em 2005, quando o jornal O Globo denunciou grupos que cobravam pela segurança, marcando símbolos de trevos de quatro folhas, pinheiros, entre outros, nas casas dos clientes, de forma a demonstrar quais destas moradias estariam protegidas por cada grupo. 17 De início, algumas pessoas das comunidades, comentaristas dos meios de comunicação, políticos e até o então prefeito da cidade, César Maia, deram seu apoio aos grupos de milícias. César inclusive chegou a chamá-las de "autodefesas comunitárias" e um "mal menor que o tráfico”. Eis o perigo dessa novidade: o Estado participa, por conivência ou omissão, da instauração do não-governo nessas regiões. Porém, não tardaria para que emergissem histórias nas comunidades que contradiziam a imagem positiva das milícias como um “mal menor”. As milícias tomam conta dos lugares com violência e depois sustentam sua presença através da exigência de pagamentos pelos moradores para manter a segurança. Além disso, como as facções do tráfico, os milicianos impõe toques de recolher e regras rígidas nas comunidades sob pena de castigos violentos em caso de descumprimento, inclusive atuando como grupos de extermínio. Entre 27e 31 de dezembro de 2006, facções do tráfico lançaram uma série de ataques contra a polícia e civis em toda a cidade, aparentemente em represália ao avanço das milícias. As quadrilhas incendiaram ônibus e jogaram bombas em edifícios públicos. Dezenove pessoas foram mortas. Empossado no início de 2007, o governador Sérgio Cabral declarava em fevereiro daquele ano que reprimiria a atuação de milícias na capital fluminense O governo anterior, não reconhecia a existência dos grupos parapoliciais. O secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, confirmou sua existência e iniciou investigações dos policiais suspeitos de envolvimento com as milícias. Diversos políticos do Rio de Janeiro eram notórios milicianos, alguns já julgados e condenados. Assim como o tráfico, as milícias também possuem suas facções. A mais conhecida delas é a chamada "Liga da Justiça", que tem como símbolo o escudo do Batman. Pertenceriam a essa milícias, os políticos, irmãos e, também, policiais, 29 Jerominho e Natalino, respectivamente, ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro e ex-deputado estadual/RJ. Havia poucos registros de guerras entre milícias, sendo o caso de maior repercussão, até então, o assassinato do chefe da milícia de Rio das Pedras, o Inspetor da Polícia Civil Félix Tostes, resultado de um plano de milicianos da Liga da 18 Justiça para matar seus rivais naquela área. No dia 14 de maio de 2008, jornalistas de O Dia que tentavam produzir matérias sobre o tema foram barbaramente torturados por milicianos. O fato gera uma comoção pública e repercute em toda a mídia nacional e internacional, reacendendo o interesse pelo tema. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), sensível a esse clamor, aprova a criação da Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) presidida pelo Deputado Estadual Marcelo Freixo. Diversos políticos foram intimados a depor diante desta CPI, sendo acusados de envolvimento com milicianos. Durante as oitivas realizadas pela CPI das Milícias, ao longo dos meses de junho a novembro de 2008, estudiosos, profissionais de segurança, Delegados e membros do Ministério Público não foram unânimes quanto a uma definição do termo. Embora não exista um consenso sobre o conceito deste fenômeno criminológico, todas as milícias possuem as seguintes características: 1) Controle de um território e da população que nele habita por parte de um grupo armado irregular; 2) O caráter coativo desse controle; 3) O ânimo de lucro individual como motivação central; 4) Um discurso de legitimação referido à proteção dos moradores e à instauração de uma ordem; 5) A participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado. O interesse pela formação destes grupos paramilitares foi incrementada depois que o transporte alternativo (VAN) se instaurou, cresceu e começou a ser uma fonte de lucro muito grande. Antes, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, mais especificamente no bairro de Campo Grande, existiam grupos que faziam segurança particular e exploravam máquinas caça-níqueis. Com o 30 surgimento do transporte alternativo e a quantia enorme de dinheiro arrecadada com esta atividade, praticamente sem nenhum tipo de investimento ou 19 imposto a ser recolhido, esses grupos começaram então a transferir sua área de atuação também para o transporte alternativo, gerando, um poderio financeiro muito grande e violentas disputas. Relatório de organizações não-governamentais brasileiras e internacionais enviado à Organização das Nações Unidas constatou o controle do transporte público por milícias no Rio de Janeiro, que lucram cerca de R$ 60 milhões por ano. Os dados enviados à ONU são conclusões da “CPI da Milícia”. Com o crescimento e a multiplicação das milícias no Estado do Rio de Janeiro, é necessário pesquisar até que ponto o tráfico de drogas foi afetado pela formação e expansão dos grupos paramilitares e quais as comunidades que não apresentavam movimentação de traficantes e foram dominadas pelas milícias. Uma avaliação feita pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, das comunidades possivelmente controladas pelas milícias, demonstrou que os milicianos se expandiram, preferencialmente, em áreas onde não havia tráfico de drogas, ou seja, pequenas comunidades ou áreas da cidade que, por sua condição geográfica e outros fatores, não interessavam aos traficantes e não ofereceriam resistência. Das comunidades onde era registrada a presença de milícias, 70%, não pertenciam a nenhuma facção criminosa. FIGURA 1 POLICIA CIVIL, 2020 20 FIGURA 2 POLICIA CIVIL, 2020 21 5. MECANISMOS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO Diante do desafio do “crime organizado”, uma investigação policial efetiva deve contar com meios que permitam a obtenção de provas, o que torna necessária a regulamentação adequada de diversos mecanismos ou técnicas especializadas de investigação, tais como meios eletrônicos, uso de informantes e réus colaboradores, operações encobertas, agentes infiltrados, investigações financeiras etc.. A luta contra o crime organizado residirá principalmente do uso adequado desses mecanismos ou técnicas de investigação e das ferramentas de aplicação da lei desenvolvidas ao longo de muitos anos de experiência na repressão a esse fenômeno criminológico. 5.1 MEIOS ELETRÔNICOS O emprego de meios eletrônicos, ou suporte eletrônico, representa a mais importante das armas à disposição contra o crime organizado. Fornece confiabilidade, provas objetivas por intermédio dos depoimentos dos próprios participantes e permite conhecer os planos dos criminosos para cometer crimes antes que sejam postos em prática. Por outro lado, se trata de uma técnica bastante sensível, uma vez que se preocupa com os interesses da pessoa quanto a sua privacidade. Essa preocupação, aliás, impõe uma série de restrições ao uso do suporte eletrônico. Por exemplo, o mesmo só pode ser utilizado para se obter evidências de algumas sérias e específicas transgressões listadas em seu estatuto legal. Uma vez que o suporte eletrônico passa a ser usado, os responsáveis pelas investigações tem que enviar relatórios à Justiça informando o que tem sido obtido. Nesses relatórios periódicos, lista-se o número de ligações interceptadas, o número de ligações contendo conversas criminosas, faz-se um resumo das mesmas e se descreve todo e qualquer evento incomum que pareça ter ligação com aquilo que é colhido. Esse constante envio de relatórios é parte do que faz o suporte eletrônico tão extenuante. O suporte eletrônico também é restrito em termos de duração. Seu uso é limitado a 15 dias, que podem ser prolongados por períodos iguais, desde que todos os requerimentos sejam cumpridos e aprovados pelo juiz. 22 5.1.1 Conceito Meios eletrônicos são técnicas operacionais que consistem na utilização de equipamentos específicos para a gravação e reprodução de sons e imagens que instruem ou definem uma determinada situação. O emprego de meios eletrônicos para conhecer ou documentar o conteúdo de conversações telefônicas (ou entre pessoas presentes) é, atualmente, bastante comum e difundido, especialmente considerando os progressos da tecnologia que ampliam a capacidade de coleta de dados a custos cada vez mais baixos. A eletrônica não conhece fronteiras, enquanto que as legislações de todo o mundo criam rígidos limites para essas atividades em prol das universalmente consagradas inviolabilidades do sigilo das comunicações e da privacidade do indivíduo. Quando se trata, especialmente da utilização dos seus resultados no processo penal, aquelas barreiras garantidoras dos direitos individuais assumem, nas vedações probatórias, um contorno publicístico sob a ótica do devido processolegal. Portanto, se a tecnologia não possui limites, as legislações em todo o mundo procuram impor limites a estas atividades. Como valores de fundo, voltam a se confrontar, de modo geral, de um lado, a necessidade de se prover o Estado de meios eficazes de luta contra a criminalidade organizada e, de outro lado, as liberdades públicas, situação que dá margem à aplicação da teoria da proporcionalidade. 5.1.2 Modalidades de captação eletrônica de provas Combinando os elementos apontados pela doutrina, chegamos à noção, em sentido amplo, da interceptação: a captação da comunicação entre duas pessoas, executada por terceiro, a partir da qual cumpre estabelecer alguma distinção tendo em vista diversas modalidades de captação eletrônica da prova: a) interceptação telefônica; b) escuta telefônica; c) interceptação ambiental; 23 d) escuta ambiental; e) gravação clandestina. 24 6. CONCLUSÃO O crime organizado é uma realidade e, respeitando todos os princípios que norteiam o estado democrático de direito, devemos nos preparar para preveni-lo e enfrentá-lo. Inicialmente, não há como se falar de uma estratégia de repressão a organizações criminosas, atividade altamente especializada e lucrativa, sem o moderno e adequado emprego da atividade de inteligência policial, extraindo-se o máximo proveito de seus princípios norteadores: objetividade, amplitude, imparcialidade, simplicidade, oportunidade, segurança, controle e compartimentação. Desta forma, advém a necessidade de contarmos com uma estrutura que atue proativamente e, em parceria constante, com as unidades operacionais da Polícia Judiciária, Ministério Público e Justiça, assim como com todos os órgãos que direta ou indiretamente possam contribuir para o cumprimento desta missão. Num mundo tecnologicamente sofisticado como o atual, em que o crime organizado opera como se fosse uma verdadeira empresa, é preciso que todos os responsáveis pela prevenção e repressão ao crime organizado, e em especial as Polícias Judiciárias, não se circunscrevam aos métodos tradicionais, baseados no isolamento, na auto- suficiência e no descompromisso com resultados. Os criminosos mostram que são capazes de se adaptar rapidamente a novas tecnologias, explorando oportunidades criadas pelo advento da globalização das economias mundiais. Precisamos superar essas adversidades e dar um salto, alcançando o nível de cooperação que buscamos. Somente quando aprendermos a trabalhar eficientemente, em conjunto, é que seremos capazes de montar um ataque efetivo ao crime organizado. Da mesma forma que o crime organizado evoluiu para uma estrutura não vertical e flexível, torna-se cada vez mais difícil a repressão a esta modalidade criminosa por intermédio de uma estrutura policial rígida e centralizada, concebida para a defesa do Estado e que não se modernizou a tempo para atender às demandas atuais. 25 Por outro lado, devemos também praticar um moderno direito penal, trabalhando com aspectos da delação premiada, do co-réu colaborador, interceptação telefônica e ambiental, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo fiscal, infiltração de agente policial ou de inteligência etc., institutos que embora sejam previstos em nossa legislação, dificilmente são aplicados porque não temos a cultura de aplicação de métodos modernos de obtenção de provas. Finalizando, as forças responsáveis pela prevenção e repressão às organizações criminosas organizadas devem redefinir suas prioridades institucionais no combate à criminalidade e redirecionar seus melhores esforços e recursos para enfrentar a realidade de crime organizado, priorizando os trabalhos de inteligência na identificação, mapeamento, monitoração e desarticulação das organizações criminosas através da prisão de seus componentes e, especialmente, na apreensão dos bens e propriedades destas corporações, sem o que, as prisões são inócuas. A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, representa um significativo avanço do ordenamento jurídico brasileiro no combate à criminalidade organizada. Não é uma lei que mereça apenas elogios. Mas, ainda que críticas possam e devam lhe ser dirigidas, certamente há mais acertos do que erros. Mas, ainda que se tenha evoluído no campo legislativo, é preciso ter em conta a advertência de Grevi, de que na luta contra o crime organizado, não é o processo penal o lugar exclusivo, ou mesmo mais adequado, para tal enfrentamento, que deve se desenvolver especialmente antes e fora do processo, nos diversos níveis em que se colocam os fatores criminógenos. Não ter isso em mente pode fazer com que se cobre do processo penal uma tarefa que ele não tem condições de cumprir. A revogada Lei 9.034/1995, de um lado, não definia nem tipificava organização criminosa e, de outro, do ponto de vista processual, se limitava a nominar um rol de meios de obtenção de prova aplicáveis às organizações criminosa. A nova legislação sinaliza para o caminho de um estratégia normativa específica para o combate à criminalidade organizada, ainda que tenha sido omissa em pontos que mereceriam um regime diferenciado, em especial, a criação de regras procedimentais específicas. O grande problema superado pela nova lei é a definição legal de organização 26 criminosa, até então inexistente na legislação brasileira, bem como a criação de um tipo específico de organização criminosa. Por outro lado, é fácil notar o predomínio dos aspectos processuais sobre os de direito penal na Lei 12.850/2013. De direito material há, apenas, definição e tipificação de organização criminosa. Tudo o mais é disciplina processual dos meios de investigação e obtenção de provas. Na Lei 12.850/2013 é inegável que o predomínio do enfoque investigatório gera um grande risco de desvirtuamento do processo penal. Essa hipertrofia pré-processual no combate à criminalidade organizada tem feito com que a posterior fase processual da persecução penal, em que deve se dar a produção das provas pelas partes, em contraditório, perante o juiz terceiro e imparcial, se transforme em uma etapa de escasso significado heurístico, em que há mera ratificação ou chancela de tudo o que foi produzido inquisitorialmente durante a investigação. Essa característica de antecipação da intervenção penal para a fase de investigação é fruto das “sociedades de risco”, para usar a expressão cunhada por Ulrich Beck. A população como um todo se sente ameaçada por graves riscos, de escala global, e com efeitos incontroláveis: crises financeiras em escala mundial, como a ocorrida nos anos de 2008 e 2009, consumindo poupanças de toda uma vida e gerando desempregos em massa; contaminações ambientais por produtos geneticamente modificados; desastres nucleares contaminando pessoas e alimentos, como em Fukushima, no ano de 2011; contaminações e mortes de milhares de pessoas por epidemias provadas por vírus, com no caso da Febre Hemorrágica Ebola, que atingiu vários países da África, neste ano ; ataques terroristas que podem ser desencadeados a qualquer momento e em qualquer lugar, como ocorreu com as torres gêmeas, nos EUA, no fatídico 11 de setembro de 2001, chegando ao extremo como o de grupos ultrarradicais como o Estado Islâmico em 2014. Nesse campo se inclui, é claro, o medo do crime organizado. O risco, como explica Bauman, é um perigo (ou medo) previsível, com o qual é possível conviver. 27 Existem os medos pessoais, que ameaçam o corpo e as propriedades; os medos da durabilidade da ordem social, que implicam perigo para a segurança do sustento (renda, emprego, previdência); e, o medo quanto à posição do ser no mundo, isto é, o perigo de degradação ou exclusão social (hierarquia social e identidade de classe, gênero, religiosa etc) O Estado, falhando nas missões de prover bem estar social, que geram os medos desegunda e terceira ordem, volta-se para prover segurança individual, com repressão penal, isto é, mais e mais incremento da repressão penal. Há, pois, uma inegável relação entre sociedade de risco e maior necessidade de controle. Depois de lançar mão de diversas estratégicas de direito penal, numa antecipação da intervenção penal material, como por exemplo, com a ampla utilização de crimes de perigo abstrato,68 expansão dos crimes omissivos, ou mesmo os crimes de participação em associações criminosas,69 como nova estratégia de “contenção do risco” ou ao menos para gerar na sociedade o efeito sedante de que os riscos estão sendo controlado. 28 REFERÊNCIAS AMORIM, Carlos. Comando Vermelho. s.l.: Record, 1993. AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas: em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da jurisprudência. 3.ed. ver.,ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. CONSELHO de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro: legislação brasileira. Brasília, DF.: UNDCP, 1999. FERRAZ, Claudio Armando. 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