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1 Introdução O impacto de determinada substancia, a historia do uso da droga entre as gerações, os papéis dos membros familiares, o uso da droga por parte de um dos membros indicando que algo não segue bem dentro do sistema familiar, passaram a receber atenção dos terapeutas familiares, favorecendo o desenvolvimento de novas alternativas para melhor explorar o tema clinicamente. A exemplo disso, formulações mais psicológicas relacionam o cônjuge tanto como uma causa importante no surgimento do problema, quanto como uma vítima (juntamente com os filhos) do stress originário do uso de drogas. Formulações pautadas em contextos sociais examinam basicamente o funcionamento da família como um sistema constantemente em movimento e interação. Apesar da instituição familiar ter uma história antiga, somente a partir da década de 1950, que passou a constituir uma área de interesse da psicologia, contribuindo para o desenvolvimento da psicoterapia familiar como abordagem de tratamento de problemas (30). Abordagens familiares são compreendidas como intervenções com a participação da família no processo de tratamento, destacando-se modalidades como a psicoterapia e a orientação familiar. No que se refere a Dependência Química, o pressuposto básico preconiza que as pessoas que usam drogas estão dentro de um contexto no qual seus valores, crenças, emoções e comportamentos influenciam e são influenciados pelos comportamentos dos membros da família. E por isso, o meio familiar pode ser compreendido como cenário direto do enfoque terapêutico. A partir desta breve introdução, o presente capitulo tem a finalidade de elucidar o entendimento do sistema familiar quando este está inserido na Abordagem Familiar em Dependência Química Roberta Payá – Psicóloga, Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialista em Terapia de Família e Casal/PUC –SP. Neliana Buzi Figlie - Psicóloga, Especialista em Dependência Química pela UNIFESP e Mestre em Saúde Mental pelo Depto de Psiquiatria da UNIFESP 2 complexidade da dependência química , bem como apresentar as abordagens terapêuticas que incluem a família, como uma das peças chaves no tratamento de álcool e drogas. Vale ressaltar que mesmo tendo conquistado um reconhecimento clínico, nenhuma abordagem de terapia familiar tem sido aceita como a mais efetiva no tratamento das famílias, daí a necessidade de se investigar mais sobre o tema, bem como ter conhecimento sobre a ampla gama de intervenções possíveis com famílias. Características Presentes em Famílias de Dependentes Químicos O conceito de família pode ser definido levando-se em consideração as múltiplas funções reguladoras dos papéis familiares, contradições de comportamento, afetos, tensões, conflitos presentes no meio e que ao mesmo tempo, contribuem para que o sistema permaneça vivo, superando uma visão estática sobre a própria construção familiar. A família é um sistema dinâmico e em constante transformação, que cumpre sua função social transmitindo os valores e tradições culturais inseridos. O impacto que a família sofre com o uso de drogas por um de seus membros é correspondente as reações que vão ocorrendo com o sujeito que a utiliza (19), descreve quatro estágios pelos quais a família progressivamente passa sob a influência das drogas e álcool: 1. Na primeira etapa, é preponderantemente o mecanismo de negação. Ocorre tensão e desentendimento e as pessoas deixam de falar sobre o que realmente pensam e sentem. 2. Em um segundo momento, a família como um todo está preocupada com essa questão, tentando controlar o uso da droga, bem como as suas conseqüências físicas, emocionais, no campo do trabalho e no convívio social. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso abusivo de álcool e drogas instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que as drogas e álcool não estão causando problemas na família. 3 3. Na terceira fase, a desorganização da família é enorme. Seus membros assumem papéis rígidos e previsíveis, servindo de facilitadores. As famílias assumem responsabilidades de atos que não são seus, e assim o dependente químico perde a oportunidade de perceber as conseqüências do abuso de álcool e drogas. É comum ocorrer uma inversão de papéis e funções, como por exemplo, a esposa que passa a assumir todas as responsabilidades de casa devido o alcoolismo do marido, ou a filha mais velha que passa a cuidar dos irmãos em conseqüência do uso de drogas da mãe. 4. O quarto estágio é caracterizado pela exaustão emocional, podendo surgir graves distúrbios de comportamento em todos os membros. A situação fica insustentável, levando ao afastamento entre os membros gerando grave desestruturação familiar. Embora tais estágios definam um padrão da evolução do impacto das substâncias, não podemos afirmar que em todas as famílias o processo será o mesmo, mas indubitavelmente a família que passa por essa problemática reage de acordo os valores, compreensão e recursos para lidar com a presença do problema do álcool ou da droga. Também podemos dizer que há uma tendência dos familiares sentirem-se culpados e envergonhados por estar nesta situação. Muitas vezes, deve-se a estes sentimentos, o fato da família demorar muito tempo para admitir o problema e procurar ajuda externa e profissional, o que corrobora para agravar o desfecho do caso. Todavia, os principais sentimentos da família que convivem com dependentes são (18): raiva, ressentimento, descrédito das promessas de parar, dor, impotência, medo do futuro, falência, desintegração, solidão diante do resto da sociedade, culpa e vergonha pelo estado em que se encontram. Do lado oposto, raramente o usuário assume que está bebendo em demasia ou que faz uso de drogas. Seus sentimentos podem ser negados por ele mesmo. A “confirmação” de há presença da droga no meio familiar pode acontecer por iniciativa de terceiros, por um ato falho por parte do próprio usuário, que esquece a droga em lugar visível, ou numa situação extrema, de prisão, overdose, morte e acidentes. A partir dessa revelação, a crise familiar 4 atinge seu ápice, uma vez que geralmente a família vem sofrendo de desequilíbrios anteriormente não perceptíveis ao seu olhar. De modo contraditório, o dependente químico pode parecer ter perdido todos os vínculos com a família, mas mesmo assim, pode ter fortes emoções a respeito daqueles relacionamentos e ainda manter dependências afetivas e financeiras (10; 31) através de estudos com dependentes de heroína, pode identificar que 82% dos pesquisados moravam com a mãe, 58% viam seus pais semanalmente e 66% viam o pai diariamente. Disto, concluiu que apesar dos adictos dizerem-se independentes, a maioria demonstra manter laços estreitos com a família, e os que não moram na casa dos pais, moram nas proximidades. Influência do meio Muitos estudos demonstram a necessidade de compreendermos como e por quê o fenômeno da dependência química pode se repetir em outras gerações. Dentro da perspectiva familiar podemos inferir que o comportamento do dependente é apreendido do mesmo modo que interfere fortemente nas pessoas envolvidas pela convivência. A exemplo disso, no caso do alcoolismo, foi observado que sua perpetuação pode estar associada a manutenção da identidade familiar, pois as famílias que possuem dependentes químicos, são bastante particulares pelas suas características incomuns, e estas serão percebidas e vividas por todos os seus membros (26). Atitudes como “rituais familiares normais”, muitas vezes ocorrem em torno do beber, o que interfere no desempenho normal da família (05). Geralmente, é desta forma que os filhos crescem num contexto cultural onde a bebida torna-se parte de suas vidas. A mitologia familiar é muito provavelmente infestada de cenasrelacionadas ao álcool. Os filhos podem permanecer imersos neste ambiente, inconsciente do que ocorre, podem repetir a identidade familiar, sem muito refletir podem se casar com alcoolistas ou virem a ser um. O desafio destes filhos seria a construção de novos rituais e mitos familiares, abandonando aqueles de sua 5 família de origem, para que assim, possam desenvolver uma identidade familiar não alcoólica, como maneira de não perpetuarem o alcoolismo. Cabe também lembrar que serviços de prevenção aos filhos de dependentes químicos podem atuar diretamente para que a identidade familiar seja re-construída, ou a própria psicoterapia familiar, quando esta permite a inclusão dos filhos, mesmos sendo pequenos. Interferência das drogas no sistema familiar A dependência química afeta o sistema familiar mediante certos fatores, como a substância de escolha; a idade e o sexo do dependente; o estágio em que a família se encontra; os fatores sociais, econômicos e culturais tanto do dependente como da família e as psicopatologias. Segundo Kaufman, (16), todos esses fatores interagem com o efeito do abuso de substância para produzir um sistema familiar disfuncional. Stanton (32), encontrou dados associados ao gênero dos membros ou tipo de vinculo dentro da família. A exemplo disso dependentes químicos masculinos tem suas mães envolvidas em uma relação de superproteção, sendo, em sua grande maioria, extremamente permissivas. No caso das mulheres dependentes, apresentam-se geralmente em competição com suas mães, e seus pais são considerados inaptos. Em alguns casos, como por exemplo, quando a questão de gêneros ou papéis está sendo apontada, o uso de drogas pode aparecer como fator essencial para a interação familiar. Uma vez que revela a desorganização do sistema, anterior ao uso da droga. Stanton e Todd (31) resumiram características dos sistemas familiares de usuários de drogas: • Alta freqüência de drogas e dependência multigeracional; • Expressão rudimentar e direta do conflito com alianças, parcerias entre os membros, de modo explicito; • Mães com práticas simbióticas quando os filhos são crianças, estendendo-se por toda a vida; 6 • Coincidência de mortes prematuras não esperadas dentro da família; • Tentativas dos membros se diferenciarem entre si, como uma pseudo-individuação, mas de modo frágil devido as regras e os limites que deveriam ordenar o funcionamento, e no entanto estão distorcidos. Frente a conduta de dependência química, a família passa a pensar porque um de seus membros se droga, por quem ele é mais protegido, quem deveria assumir a culpa e como poderiam evitar isso. Olievenstein (27), assinala seis características denominadas como patológicas, encontradas nas famílias de dependentes químicos: • Falta das barreiras entre as gerações, ou seja, a autoridade dos membros mais velhos nem sempre é suficiente para impor limites e regras; • Nível de individuação dos adultos é precário; freqüentemente há uma inversão dos papéis na família nuclear, com o filho assumindo o papel do adulto; • Os mitos familiares são acentuados. Por isso é muito comum os familiares manterem certa desesperança, ou até mesmo comodismo, por acreditarem que o problema da droga é algo do “destino” da família como um todo; • Desentendimento no casal parental, principalmente quando um dos cônjuges é alcoolista, ou quando não agem de modo coerente em relação as condutas que devem assumir para apoiarem a recuperação de um dos filhos; • Alianças secretas com filhos frente a desordem das condutas que deveriam ser seguidas, ou as falhas de comunicação entre os membros, que automaticamente fortalecem parcerias dentro do meio familiar. 7 O Ciclo de vida familiar Muitas vezes, membros envolvidos e preocupados com o problema da droga se perguntam como e quando tudo isso começou. A partir disso, considero relevante compreendermos que o momento pelo qual a droga ou álcool passam a existir dentro de um sistema familiar, está fortemente ligado ao próprio ciclo de vida família. Steinglass e colaboradores (33) refere em seu trabalho com famílias farmacodependentes que o ciclo familiar vital serve como um parâmetro para a identificação de variáveis relacionadas aos problemas de abuso de álcool e drogas para assinalar a direção do tratamento. Dentro do amplo conceito do Ciclo de Vida Familiar (08), fases do processo histórico familiar podem ser compreendidos. Apontarei brevemente as fases do ciclo de vida relacionadas a identificação da presença da droga ou do álcool. A primeira fase do processo do ciclo de vida familiar corresponde a formação do casal. A adaptação para uma nova vida familiar demanda tempo, maturidade individual para trocas, respeito mútuo pelas diferenças pessoais e familiares. Em famílias de dependentes químicos esta fase, também chamada de aquisição, encontram-se casais muito jovens, sem maturidade necessária para a construção de um novo sistema familiar; onde são freqüentes casamentos que nascem de uma gravidez precoce. Neste caso podem ser encontrados problemas desencadeadores de uma dependência química e que vão se agravando, uma vez que (08; 23), afirmam que a tarefa de constituir um casal é a mais difícil do ciclo familiar. Esses casais jovens enfrentam muitas dificuldades, que não raramente os impossibilitam de se tornarem um casal e uma família. A presença da dependência química, pode estar revelando o padrão dependente de cada parte do casal, ou entre si, ou com suas famílias de origem. Por isso é aconselhável que a terapia familiar seja centrada no casal, nas demandas comuns dessa fase de aquisição e no seu contexto socio familiar, incluindo a família de origem. A fase adolescente é caracterizada pelo sistema familiar composto de um casal de meia idade com filhos adolescentes. O casal, nesta fase, convive 8 com os filhos que se encontram em fase de transição e mudança, evidenciada por aspectos esperados na vida dos adolescentes, como a iniciação sexual, os riscos da violência e a influencia dos hábitos alcoólicos e uso de drogas, A família está em momento de transição, adaptação e tais aspectos passam a ser grandes preocupações dos pais. Muitas vezes, os responsáveis são obrigados a reviverem suas histórias para conseguirem compreender o que esta se repetindo com um dos filhos. Em tempos atuais, a preocupação com as drogas se intensifica, mas não podemos desconsiderar de modo algum, o fato da disponibilidade destas ter aumentado consideravelmente, tornando-se também uma questão de âmbito social. O que de qualquer forma reforça a vulnerabilidade do jovem que necessita do grupo de amigos para se diferenciar dos pais e ao mesmo tempo, para buscar sua aceitação social. Nesta fase muitas revelações podem surgir, como a descoberta por parte dos pais sobre o uso de algum filho. Ou ainda, o abuso de álcool do pai que vai de encontro com o experimento da maconha do filho. O que se deve estabelecer como foco é questão das mudanças, transições, e o quanto que a família deve receber apoio para criar condições para se adaptar. A crença de que tal crise pode ser apenas uma fase, deve ser mantida. A fase da adolescência exige mudanças estruturais e renegociações de papéis nas famílias. Pois ocorrem mudanças não apenas no físico dos filhos, como também assinalam o inicio da transição psicológica da infância para a idade adulta. Na maioria das famílias com adolescentes, os pais estão se aproximando da meia idade, seu foco está naquelas questões maiores do meio de vida, tais como: reavaliar o casamento e a carreira. De acordo com Carter e McGoldrick (08), este estágio do ciclo de vida familiar, indicaria que a família estaria num processo emocional de transição, tendo no desenvolvimento da flexibilidade o ponto de sucesso deste estágio. Aumentara flexibilidade das fronteiras familiares e, modular a autoridade 9 paterna permitem aos terapeutas promover maior independência e desenvolvimento para os adolescentes Quando isto não ocorre, as demandas da adolescência e as demandas da fase adolescente do ciclo vital familiar se intercruzam, podendo fragilizar o sistema familiar deixando-o mais vulnerável à drogadicção. Conseqüentemente, a interferência da dependência nesta fase do ciclo pode dificultar a passagem para fase seguinte. Geralmente as famílias com dependência química não conseguem chegar na fase de maturidade, ficam presas na fase anterior do ciclo, adolescente, por não conseguirem elaborar perdas, ganhos e/ou situações do “ninho vazio”. A maneira de encarar essas mudanças estão ligados aos padrões não só da família nuclear, mas a padrões multigeracionais, caracterizados pela falta de flexibilidade frente a essas demandas. Geralmente encontramos intensificado o triângulo relacional mão e filho com pai distante. Também é comum receber famílias onde a esposa, por estar enfrentando o desejo de liberdade dos filhos, confronta mais diretamente o abuso de substancia do marido. Sendo não muito raro, agir de modo agressivo com os familiares, principalmente como o cônjuge. De qualquer forma, o terapeuta deve estar ciente de que a passagem desta fase vai depender do estado que cada membro se encontra emocionalmente para então, encarar as mudanças relacionais. Outro tópico correlacionado ao entendimento das fases do ciclo de vida na família que convive com um membro dependente trata-se da probabilidade dos avós ocuparem bom tempo e responsabilidades da educação dos netos, quando se tem no sistema parental um dos respectivos dependentes, e ainda quando outra variável na fase adolescente pode estar presente, da gravidez antecipada. Além dos avós terem que se dedicar aos netos, ao menos enquanto os próprios pais não tenham condições de assumir a paternagem e maternagem, passam a conviver com os receios da fase do ciclo que permeiam fatores biológicos, psíquicos e sociais, que implicam na fragilidade física, problemas 10 psíquicos relacionados com o balanço de vida e sociais advindos, muitas vezes, das perdas financeiras pela redução do poder aquisitivo. Os idosos ao invés de serem cuidados em função da idade continuam a cuidar de familiares mais jovens, e de modo direto ou indireto mantém um padrão de relacionamento no sistema que de alguma forma impede dos pais adolescentes amadurecerem. A fase madura é representada por filhos adultos, a relação pais-filhos se torna horizontal, de adulto para adulto. Os filhos jovens adultos, deveriam apresentar independência econômica, pessoal e emocional, em condições de deixar o lar e desenvolver sua própria família. A família está recebendo novos elementos (genros, noras e netos) e ao mesmo tempo, tendo a sensação de ninho vazio. Historia da Terapia Familiar Segundo Alexander (01), a família, indiscutivelmente, é um fator crítico no tratamento e sua abordagem é um procedimento fundamental nos programas terapêuticos. A terapia familiar evoluiu a partir de uma multiplicidade de influências. A formulação da psicanálise de Freud, desde o início, enfatizou que o interesse do psicanalista deveria ter como direção as relações familiares dos pacientes. Da mesma forma ressaltou, que em alguns casos, a neurose teria relação com conflitos entre membros da família, uma vez que os familiares considerados como “sadios” preferem não prejudicar seus interesses do que colaborar na recuperação daquele que está doente. A Psicanálise muito contribui para o desenvolvimento da terapia familiar, e segue com seu enfoque dando ênfase ao passado, à história da família, como causa de um sintoma e como meio de transformá-lo. Seu método, geralmente, é interpretativo, para ajudar os membros da família a tomar consciência do comportamento passado e presente e das relações entre eles. Porém, importantes abordagens surgiram, tomando notoriamente um espaço 11 importante no campo da Psicologia assim como no tratamento de álcool e drogas. O desenvolvimento teórico da Biologia, da Sociologia, da Antropologia, da Informática, e da Teoria Geral dos Sistemas influenciaram as primeiras formulações do trabalho terapêutico com famílias. Na Psicologia, um importante precursor foi Adler, seguido por Sullivan e Frieda Fromm Reichman (2). No final da Segunda Guerra, surge o movimento proposto por Maxwell Jones, para reformulação da assistência psiquiátrica. Pichon Riviere incluiu a família na sua compreensão da doença mental, desenvolvendo a noção de “bode expiatório” como depositário da patologia que é de toda a família (23). Todos os movimentos e formulações teóricas levaram aos primeiros estudos no campo da terapia familiar. Considerada uma prática de tratamento ainda muito recente em relação aos problemas de álcool e drogas, onde os terapeutas vêem criando novas abordagens através dos pontos de interfaces, a dependência química teve seu início como abordagem familiar em 1940, com a criação dos grupos Al-Anon dos Alcoólicos Anônimos. Em 1981, foi introduzido o conceito de co- dependência por Wegsheider (38), caracterizando uma obsessão familiar sobre o comportamento do dependente, visando no controle da droga, o eixo da organização familiar. O usuário era analisado como doente, e seus familiares como co-doentes. Posteriormente, Andolfi (03), trouxe o conceito do paciente identificado, no qual o sistema familiar necessitara do outro,como forma de pedir ajuda, uma vez que a pessoa sintomática estaria em um papel em que outro membro da família, provavelmente, resistiria de estar. Na década de 90 houve o crescimento das terapias focadas na solução, não examinando causas da doença ou disfunções, mas somente enfatizando as soluções (23). Segundo Figlie e cols. (13), este método parece facilmente aprendido e aparentemente traz resultados rápidos porque se concentra no problema, sendo de aceitação das famílias e dos dependentes, pois não atribui responsabilidades implícitas. O terapeuta utiliza o “reenquadramento”, onde os problemas da família ou do paciente são colocados numa estrutura de 12 significados, oferecendo novas perspectivas e possibilitando novos comportamentos. Na realidade, a abordagem familiar em dependência química como modalidade de tratamento é recente. E como mencionado, vários modelos de atuação estão em operação, sendo que a maioria dos terapeutas familiares vem descobrindo a sua própria mistura, utilizando uma gama de idéias e práticas diferentes (04). Indiscutivelmente, a família é um fator crítico no tratamento e sua abordagem é um procedimento fundamental nos programas terapêuticos (34). Contudo, até o momento não foi estabelecida uma abordagem de maior eficácia nesta área. A tabela 1 mostra as várias modalidades terapêuticas _ Tabela 1. Tabela 1 – Modalidades Terapêuticas na abordagem familiar em Dependência Química Grupos de Auto-Ajuda Enfoque Sistêmico Abordagem Cognitiva-Comportamental Terapia familiar Funcional Terapia Familiar Estratégica Breve Solução de problemas A Importância das Abordagens Familiares - Modalidades Terapêuticas: 1. Grupos de Auto-Ajuda As origens do termo co-dependência são obscuras, havendo indicações de que evoluiu do termo co-alcoólatra, no final da década de 1970, quando o alcoolismo e a dependência a drogas começaram a ser chamadas de dependência química (29). Rapidamente, o termo foi se tornando usual no campo da dependência química, havendo diversas definições. 13 Fundado no início da década de 40, por um grupo de esposas de alcoólicos, foi fundado o Al Anon – grupo de mútua ajuda para familiares e amigos de alcoólicos – com o objetivo de adaptar o programa de recuperação dos Alcoólicos Anônimos (AA) para os que sofreramos efeitos do alcoolismo em suas vidas, definidas nesta época como pessoas que não sabiam administrar suas vidas. A definição mais abrangente de co-dependência foi feita por Schaef (29), que descreve a co-dependência como doença, que cresce no meio relacional em que a pessoa está inserida. A definição mais operacional de co- dependência é a de Wegscheider-Cruse (38), que combina elementos comportamentais e intrapsíquicos na sua definição, descrevendo a co- dependência como condição específica, caracterizada por uma preocupação e dependência extrema a uma pessoa ou coisa. A co-dependência existe indiferente da existência ou não de dependente químico na família, podendo ser vista como uma doença de relacionamentos, onde um dos membros pode ser um membro quimicamente dependente (36). Os grupos de auto-ajuda, com base nas doze etapas dos Alcóolicos Anônimos, representam uma fonte importante de apoio para a recuperação para muitas pessoas que procuram ajuda para problemas com drogas lícitas. Embora os fatores responsáveis para o aumento da participação em grupos de auto-ajuda não sejam bem conhecidos, a ênfase do estilo de vida americano recai sobre o individualismo e o senso de solidariedade sobre aqueles indivíduos que se encontram estigmatizados social, econômica e culturalmente. Uma perspectiva (37), tem sido a de considerar os grupos de auto-ajuda como um método de atender as necessidades não adequadamente satisfeitas por outras instituições sociais. Um outro grupo que merece destaque é o Amor Exigente que atualmente conta com cerca de 1000 grupos em nosso país. É um programa dirigido a pais cujos filhos estão envolvidos com abuso de álcool e drogas, e aos filhos, para que assumam a responsabilidade de seus próprios comportamentos. É basicamente uma proposta de educação destinada a pais e 14 orientadores como forma de prevenir e solucionar problemas com seus filhos (14). 2. O Enfoque Sistêmico A partir da teoria geral dos sistemas e da teoria da comunicação surgiram várias escolas de terapia familiar. A família é vista como um sistema que se mantém em equilíbrio através das regras do funcionamento familiar. A terapia a partir desse enfoque, busca a mudança no sistema entre os membros da família, pela reorganização da comunicação. Os terapeutas se abstém de fazer interpretações, pois novas experiências comportamentais devem provocar modificações no sistema familiar, gerando mudanças. A partir do enfoque sistêmico, escolas importantes de terapia familiar se desenvolveram: Escola Estrutural, Estratégica, de Milão e Construtivista. O principal teórico da Escola Estrutural é Minuchin (22), que entende a família como um sistema que se define em função dos limites de uma organização hierárquica, executando suas funções através de subsistemas (grupo dos pais, filhos, casal e etc). A terapia estrutural é uma terapia de ação, e o sintoma é visto como um recurso do sistema para manter uma determinada estrutura. São com as regras familiares que as fronteiras entre os subsistemas se formam, definindo os papéis dos membros. Neste contexto, as famílias saudáveis emocionalmente têm fronteiras claras. Parte também, desta abordagem conceitos importantes como da “hierarquia” e “definição dos papéis familiares” que permitem ao terapeuta intervir diretamente na estrutura e funcionamento da família. Tais conceitos são aplicados em famílias com dependentes químicos, ainda mais, quando com freqüência encontramos nestas famílias inversões de papeis. A Escola Estratégica tem como um dos seus principais teóricos Jay Haley, juntamente com Jackson, Bateson, Weakland e Watzlawick (23). O que caracteriza o sistema familiar é a luta pelo poder (15). A visão estratégica define o sintoma como expressão metafórica de um problema representado e também uma forma de solução insatisfatória para os membros do sistema. A abordagem terapêutica é pragmática: trabalham-se as interações e evitam-se 15 os porquês. Desta forma, o fenômeno da dependência química é entendido como algo revelador de problemas dentro do sistema. A Escola de Milão é representada por Mara Selvini Palazzoli, Boscolo, Ceccin e Prata, que partiram dos pressupostos teóricos da Escola Estratégica. Partindo do conceito de homeostase, os problemas surgem quando as regras que governam o sistema são tão rígidas que possibilitam padrões de interação repetitivos, vistos como pontos nodais do sistema. A intervenção terapêutica é o ritual familiar, uma ação ou série de ações, das quais todos os membros da família são levados a participar. A Escola Contrutivista surge a partir da concepção de retroalimentação evolutiva de Prigogine em 1979. A crise ganha novo sentido no sistema familiar, passando a ser parte do processo de mudança, assim como o sintoma. A ênfase não é colocada na pergunta, mas na construção da interação e a ação do terapeuta pretende explorar as construções de onde surgem problemas (07). A visão sistêmica da família pressupõe que a pessoa, apesar de sua complexidade, não está isolada do contexto socio familiar. Ao contrário (30), está conectada e interagindo com as outras pessoas que lhe são familiares. A família apesar da diversidade cultural, social e afetiva, é o lugar onde as expectativas são construídas, transformadas ou repetidas, dependendo da qualidade das interações. Sob o aspecto familiar, para avaliar e tratar a dependência química “sistemicamente” é necessário levar em conta as expectativas familiares, não reforçando preconceitos, para desta forma trabalhar as crenças moralistas e culpas sobre a questão da dependência, visando o resgate da autonomia de cada um dos membros e procurando principalmente a mudança de padrões familiares estabelecidos. 3. Abordagem Cognitiva-Comportamental A abordagem cognitiva-comportamental mescla técnicas da escola comportamental e da linha cognitiva. O princípio básico da abordagem comportamental reza que os comportamentos, incluindo o uso de 16 drogas/álcool, são aprendidos e mantidos por meio de reforços positivos e negativos, os quais podem ser provenientes das interações familiares. O foco está na mudança das interações conjugais/familiares, pois servem de estímulo ou provocam recidiva, melhorando a comunicação, as habilidades de solucionar problemas e fortalecendo a capacidade de lidar com recursos e a sobriedade (06). A dependência química tem um efeito perturbador e oneroso sobre a vida dos familiares. Por conseguinte os objetivos da terapia comportamental consistem em reduzir o stress de todos os membros da família e melhorar a capacidade da mesma em lidar com a doença, através de uma combinação de educação, treinamento em comunicação e habilidades em soluções de problemas. A educação refere-se a informações sobre dependência química, formas de tratamento e medicações, motivação para a modificação do comportamento aditivo, bem como trabalhar o conceito de recaída. Ao final das sessões educativas, é recomendado aos membros da família desenvolverem um plano de ação visando a melhoria na relação com o dependente químico. O treinamento de habilidades em comunicação insiste em tornar a comunicação breve e direta através da expressão de sentimentos positivos e negativos, fazer solicitações positivas, escuta ativa, sensibilizar para a necessidade de assumir compromissos e poder de negociação. O objetivo deste tipo de treinamento consiste em diminuir interações tensas e negativas sobre os membros da família, substituindo por habilidades sociais mais construtivas. O treinamento da solução de problemas implica em ensinar os membros da família passos para a resolução de problemas que incluem: definição do problema; lista de possíveis soluções; avaliação das vantagens e desvantagens de cada solução; escolher uma solução e formular um plano de ação. Do pontode vista cognitivo, a dependência de drogas é concebida como um comportamento apreendido, possível de ser modificado com a participação ativa da pessoa e da família no processo. A terapia cognitiva-comportamental 17 visa o resgate de recursos pessoais para lidar com o processo de mudança de padrões de comportamentos familiares antigos, auxiliando na modificação de distorções cognitivas e crenças disfuncionais, possibilitando lidar de maneira mais eficiente com o dependente químico A abordagem cognitiva tenta efetuar mudanças na família enfatizando o momento presente, investigando o núcleo do problema ao invés de se fixar em questões mais superficiais. O objetivo do terapeuta é investigar as crenças e pensamentos familiares e ensinar métodos para que os clientes resolvam os atuais problemas que são fonte de sofrimento (09). 4. Terapia Familiar Funcional A Terapia da Família Funcional é um modelo de terapia familiar que aplica conceitos advindos de abordagens sistemáticas, comportamentais e cognitivas no tratamento do adolescente delinqüente ou atuante. Esta terapia tem sido aplicada a jovens em risco de delinqüência, que foram internados, mas continuam demonstrando problemas, jovens em liberdade condicional e criminosos contumazes, apresentando 100% de reincidência. O modelo tem sido pesquisado com estudos de seguimento de 1 a 3 anos. Os estudos bem controlados, demonstram reduções de 30 a 50% nas reincidências, comparados com os tratamentos alternativos (02;12). Sua aplicabilidade não tem demonstrado limitações étnicas, raciais ou sexuais. A TFF reconhece que o comportamento problemático se desenvolve e é mantido por forças internas (genéticas, aprendizagem, atribuições e emoções) e por forças externas (efeitos interpessoais e sociais). Na TFF a função do comportamento não é vista como boa ou má, saudável ou não, desejável ou indesejável, pois todos os relacionamentos requerem distância e proximidade em vários graus. Certos processos comportamentais podem ser problemáticos, mas representam meios eficazes para ocasionar a distância ou intimidade. As pessoas precisam explicar os eventos pessoais que ocorrem ao seu redor. As qualificações das características são vistas como explicação para o comportamento. Assim os membros da família podem explicar comportamentos com qualificações de características como: “Ele e um jovem criminoso 18 irresponsável, não presta para nada”. As pessoas atendidas não dão todas as informações relevantes, atendo-se ao que lhe é proeminente.Além disso, podem responder a estímulos proeminentes com pouco raciocínio (28). Neste processamento automático as informações provenientes dos sentidos são processadas com rapidez, levando respostas cognitivas comportamentais e emocionais inter-relacionadas sem pensamento consciente. Nas famílias em conflito os membros podem estar envolvidos num padrão de comportamento muitas vezes repetido. O início deste comportamento pode desencadear o processamento automático. Assim, por exemplo quando o pai ou a mãe se dirigem ao filho com uma frase repetida (Exemplo: Já lhe disse mil vezes) o que vem a seguir acabando sendo o mesmo discurso de sempre. Os padrões funcionais de comportamento são complexos. Os resultados desejados pelos indivíduos diferem de um relacionamento para outro e variam conforme as funções do comportamento que estão inter-relacionadas. Uma criança pode estar muito entrosada com os pais, porém quando chega a adolescência os comportamentos de distanciamento aumentam. Caberá ao terapeuta mostrar que o distanciamento e a proximidade são necessários e apropriados e com o tempo precisam ocorrer misturas. Existem maneiras produtivas de se distanciar dos pais. O afastamento, o furto ou problemas com a lei, são meios destrutivos de legitimação ou resultado. Os adolescentes delinqüentes reconhecem o pessimismo sobre sua capacidade de negociar diretamente aquilo que desejam de suas famílias, e por isso que a TFF supõe que os comportamentos-problema tem sido a única forma de conseguir legitimar algumas funções interpessoais. O terapeuta da TFF ajuda a família a fazer alterações cognitivas e alterações comportamentais. Ajuda os membros da família a parar com as censuras mútuas, promovendo uma abertura para uma visão diferente, descobrindo comportamentos novos, não-problemáticos que obtenham os resultados funcionais desejados de seus antigos comportamentos. Para conduzir o tratamento, a Terapia da Família Funcional é precedida pela fase de avaliação, seguidas de duas fases principais: a fase de “terapia” (mudança cognitiva) e a fase de “educação (mudança de comportamento), 19 seguidas da conclusão. É típico que os membros da família ingressem no tratamento com explicações punitivas e acusativas para seus problemas. O terapeuta deve ajudar os membros a ver a si próprios e uns aos outros como partes de um sistema disfuncional, e reconhecer que a mudança pode beneficiar a todos”. Requalificar é um método primário de estabelecer novas perspectivas dentro da família, descrevendo um retrato verbal de um comportamento familiar ou individual “negativo”, sob uma luz benevolente descrevendo a propriedades “positivas” do comportamento e retratando os membros da família como vítimas e não perpetradores (01). 5. Terapia Familiar Estratégica Breve Esta abordagem foi desenvolvida na Universidade de Miami em 1975, para ser aplicada no centro decadente da cidade, famílias de americanos de origem africana e hispânica. Terapia Familiar Estratégica Breve (TFEB) é uma intervenção com base familiar, visando à prevenção e tratamento de problemas comportamentais da criança e do adolescente (de 8 a 17 anos) abrangendo o abuso leve de substâncias. Este tipo de abordagem é fundamentada na hipótese de que as interações familiares adaptativas podem desempenhar um papel na proteção de crianças contra influências negativas, e que as interações de má adaptação da família podem contribuir para a evolução de problemas comportamentais. O objetivo da terapia é melhorar os problemas comportamentais do jovem que se presume estarem relacionados aos sintomas da criança, reduzindo fatores de risco e fortalecendo fatores protetores no caso de abuso de drogas do adolescente e outros problemas de conduta. Os terapeutas procuram diagnosticar as interações de má adaptação e os pontos fortes da família, mudar padrões de interações familiares de má adaptação por meio de treinamento destas interações e reestruturar as interações de má adaptação. A terapia é uma intervenção de curto prazo focalizada no problema. Uma seção dura de 60 a 90 minutos e a extensão média do tratamento é de 12 a 15 sessões durante 3 meses. Nos casos mais graves de abuso de substâncias por 20 adolescentes, o número de sessões e a extensão do tratamento podem ser dobrados. A TFEB tem sido avaliada em estudos com projetos experimentais, nos quais se verificou que as abordagens são eficientes na melhora do comportamento juvenil reduzindo a recaída de jovens agressores. Quanto as expectativas de uma terapia breve, em geral é esperado (20): 1. Fazer com que as pessoas sintam-se mais felizes e menos ansiosas e consigam visualizar atividades, sentimentos ou situações positivas, restabelecedoras de sua saúde mental; 2. Não estar sempre zangado ou frustrado, podendo falar de seus sentimentos, tornando-se mais conscientes de suas reações de violência, podendo evitá-las; 3. Não falar apenas de drogas, mantendo um diálogo saudável sobre outros aspectos da vida; 4. Trabalhar a sensação de impotência, percebendo que existe a possibilidade de fazer algo ou aceitar o fato de não poder fazer nada em determinadas situações; 5. Tentar fazer o melhor para a família e para si mesmo, considerando as necessidades de todos os envolvidos; 6. Estar apto a ouvir pois este simples fato podeser terapêutico. Ser capaz de contar aos outros o que pode ser feito e não ficar chateado quando não ocorrer o esperado; 7. Estimular a capacidade de sair e se divertir, sem culpa, tornando as pessoas aptas a realizarem atividades fora do lar. 6. Solução de Problemas A Terapia Familiar com dependentes de álcool pode ser usada a abordagem da solução de problemas que enfoca diretamente a bebida e as tentativas de modificar a situação através da participação ativa dos membros da família. A solução de problemas é uma abordagem clínica genérica (11), mas em seu contexto comportamental está vinculada ao estímulo e ao controle de 21 reforço. Tanto os comportamentos iniciais como o reforço que se segue precisam ser identificados para que a freqüência dos comportamentos desejados possa ser aumentada e a dos comportamentos indesejáveis diminuída. Os passos são gerais e ressaltam melhor os procedimentos de solução de problemas. 1. Definição clara dos problemas em termos comportamentais que especifiquem o enfoque da mudança. 2. Operacionalização dos aspectos relevantes da situação problemática: a maioria dos problemas são queixas com direção de culpa ao invés de idéias de mudança. É preferível formular o problema de forma consistente, para facilitar as negociações de mudança de comportamento. 3. Tempestade de idéias e geração de soluções alternativas: a geração de soluções envolve a ajuda mútua em seus respectivos esforços para mudar. 4. Avaliação de custo e resultado de cada solução alternativa: cada possível solução precisa ser avaliada com ênfase na qualidade do resultado de cada alternativa em geral. 5. Implementação da solução escolhida: uma combinação de propostas pode ser formulada com um consenso específico de mudança para que os comportamentos necessários de adesão sejam claros, onde cada membro deve saber qual é o seu papel na implementação da mudança. 6. Avaliação do resultado da escolha: este é o passo final da seqüência de solução de problemas, a família deverá ter alguma experiência de êxito ou fracasso na realização da solução do problema que concordou em fazer e ter a oportunidade de alterar o acordo, caso a situação requeira. A solução de problemas é uma abordagem que não pode ser descrita como sistêmica por si mesma, pois a ênfase não está no sistema familiar, mas em como a família unida pode ajudar o dependente de álcool ou drogas a aliviar seu problema. A estratégia de tratamento depende da motivação da 22 família para a mudança, incluindo a participação de todos afetados pelo problema. Como e Quando Encaminhar? A partir das abordagens descritas, torna-se possível compreender a versatilidade das diferentes modalidades terapêuticas dentro de uma intervenção familiar. As Indicações para que o encaminhamento possa ocorrer são: disponibilidade; comprometimento emocional; foco nos problemas familiares ou do casal advindos da dependência química, pois caso contrário o profissional deverá sensibilizar inicialmente a família para os aspectos em detrimento. Inicialmente a disponibilidade dos membros será um fator relevante para um bom encaminhamento, no entanto nem sempre isso é possível. Por isso algumas intervenções que antecedem este processo são favoráveis, como atendimentos individuais às esposas ou pais. É através do atendimento familiar que os membros passam a receber atenção não só para suas angústias, como também começam a receber informações fundamentais para a melhor compreensão do quadro de dependência química, e conseqüentemente melhora no relacionamento familiar. Uma avaliação familiar pode ser um grande auxiliar no planejamento do tratamento; fornece dados que corroboram com o diagnóstico do dependente químico, bem como funcionara como forte indicador do tipo de intervenção mais adequado tanto a família quanto ao dependente. Tratar as famílias de dependentes químicos é uma necessidade uma vez que a família também adoece; o apoio familiar é vital para a reestruturação do dependente químico; tanto o processo de adoecimento quanto a recuperação interfere na dinâmica familiar e por tal se faz necessário algum tipo de orientação de suporte e apoio; e por fim, os profissionais necessitam de auxílio de familiares na recuperação do dependente 23 Segundo dados de pesquisa (34), em pacientes alcoolistas, geralmente o problema relacional encontra-se no casal, sendo indicado terapia de casal. Em relação as drogas, estes estudos revelaram que, devido a intensa relação dos usuários com suas famílias de origem, seria positivamente indicado que todo sistema participasse do atendimento familiar(25). Conforme o local de tratamento, é importante que sejam realizadas algumas adaptações que poderão ser melhor compreendidas a seguir: Meios de oferecer Atendimento Familiar Em termos de objetivos, independente da abordagem terapêutica, é esperado do profissional: • Identificação do padrão familiar; • Considerar que o sistema familiar necessita ser ajudado, e não apenas o membro usuário; • Desafiar este padrão, com profundo respeito a historia familiar presente; • Colocado obstáculo frente ao padrão habitual → recuperar outras capacidades de relacionamento, bem como promover o reconhecimento de outras competências da família; • Ter uma formação teórica, técnica e profissional adequada para lidar com famílias; • Propiciar um ambiente que ofereça condições ao dependente e a sua família de adquirir conhecimentos e ferramentas que propiciem a recuperação e não a criação de um cenário de ataque e críticas. Com relação ao tratamento, famílias sadias podem se beneficiar de técnicas picopedagógicas de modo a receber orientação básica sobre como lidar com a Dependência Química. Por outro lado, famílias patologicamente estruturadas necessitam de tratamento mais aprofundado, sendo indicado psicoterapia familiar. 24 Em termos de abordagem, podemos trabalhar com: • Psicoterapia Familiar: abordagem segundo um referencial teórico de escolha do profissional para a compreensão do padrão familiar e intervenção. Nesta modalidade se reúne a família e o dependente químico. • Grupos de Pares: Nesta modalidade os membros da família são distribuídos em diferentes grupos de pares: dependentes químicos, pais, mães, irmãos, cônjuges, etc. A interação entre pares é facilitadora de mudanças uma vez que escutar de um par não é o mesmo que escutar de um terapeuta. • Grupos de Multifamiliares: através de um encontro de famílias que compartilham da mesma problemática, cria-se um novo espaço terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidariedade e ajuda mútua, onde as famílias se convocam para ajudar a solucionar o problema de uma e de todas, gerando um efeito em rede. Todas as famílias são participantes e destinatárias de ajuda (28). • Psicoterapia de Casal: Casais podem ser atendidos individualmente ou também em grupos, uma vez que o terapeuta tenha habilidades para conduzir as sessões sem expor particularidades de cada casal que não sejam adequadas ao tema focado. Vale ressaltar que a diversidade do atendimento familiar também se refere ao processo. Havendo diferenças entre as famílias que recebem psicoterapia familiar, daquelas que esporadicamente são atendidas dentro do tratamento do dependente químico. Conforme a abordagem adotada, é possível conciliar sessões abertas com sessões dirigidas, tanto em grupos como em atendimentos familiares individualizados, com ou sem a presença do dependente, desde que acordado previamente entre as partes. Torna-se fundamental, seguir bom senso entre a abordagem utilizada e o que se é aplicado. No entanto, cada sistema familiar merece receber um programa de tratamento adequado as suas necessidades e condições. 25 Havendo flexibilidade por parte dos terapeutas, é possível seguiralgumas indicações: As sessões normalmente duram 1 hora e ocorrem em contatos cada vez mais espaçados ao longo de seis a nove meses. Por exemplo: semanalmente durante os três primeiros meses; a cada duas semanas durante os dois meses seguintes e por fim, mensalmente durante os três meses posteriores. Em modalidades de intervenção breve, o numero de sessões deve ser previamente estipulado para organização da participação dos familiares. No entanto, quando falamos de grupos de auto-ajuda, as sessões são abertas e a participação é espontânea. Papel Terapêutico Os terapeutas familiares esperam que a família produza um contexto de idéias, interação e formas organizativas diferente das que produzem até o momento da procura da terapia, isto é, que com sua intervenção seja criado um contexto diferente, que tenha o efeito de promover condutas diferentes daquelas que os preocupam (39). Os terapeutas familiares tem a intenção que os fenômenos que afligem a família, podem deixar de ser repetidos, se forem detidas as interações que os retroalimentam. Certos atributos e comportamentos do terapeuta são importantes para uma Terapia Familiar bem sucedida. Desde o início, o terapeuta deve estruturar o tratamento de modo que o controle do abuso de álcool e drogas seja prioridade principal, antes de tentar ajudar a família com outros problemas. Os terapeutas devem estar aptos a tolerar e a lidar com eficiência com a forte ira nas sessões iniciais e em momentos de crise tardios. O terapeuta pode utilizar a escuta simpática para ajudar cada membro da família a sentir que foi ouvido e insistir que apenas uma pessoa fale por vez. Ajudar a família a acalmar sua intensa raiva é muito importante, visto que deixar de fazê-lo quase sempre leva a maus resultados. Ao mesmo tempo que é indicado não perder o foco da dependência de vista, torna-se fundamental ao terapeuta potencializar as competências dos membros do sistema. A exemplo disso, na prática é muito favorável resignificar 26 à família que o dependente tem e pode ocupar outras habilidades além daquelas observados como problemas. Considerações Finais O sintoma da utilização de drogas num dos membros da família, denuncia que aquela estrutura familiar está comprometida em diversos setores das relações humanas seja individual, grupal ou social. Neste aspecto, é importante compreender qual lugar ocupa o dependente químico no seio da família e como foi estabelecido o re-arranjo dos membros diante disto. O usuário é transformado em um problema único familiar, em que são depositadas todas as atenções, cobranças e expectativas. É solicitado a ele que mude de comportamento, porém ele não tem interesse de fazê-lo. A família reage culpabilizando-se e em muitas vezes responsabiliza suas companhias pelo uso das drogas. O usuário é culpado pelos problemas familiares, já que, se ele não usasse drogas, não haveria problemas. Estas são formas de minimizar, negar os conflitos familiares e de projetar em um só membro a dinâmica do sistema como um todo. O dependente químico denuncia com seu comportamento, a falsa harmonia do mito familiar e insere sua conduta num sistema social: permanece dependente da família e, ao mesmo tempo, apresenta uma aparente independência e rebelião. A problemática das terapias familiares com dependentes químicos tem um caráter muito complexo, e temos que compreender que estas famílias estão sofrendo de uma condição não apenas perigosa ao próprio bem-estar físico e emocional, bem como de outras perdas (11). Deste modo o terapeuta deve assumir a responsabilidade de expor as mentiras que podem estar encobrindo o cerne da questão, buscando lidar com a atitude de resistência de trazer segredos familiares a luz, descartando discussões infrutíferas sobre conceitos certos ou errados, culpa ou inocência (24). Estimular a comunicação entre os membros, e promover o reconhecimento do papel de cada também beneficiam o desfecho terapêutico. 27 Do mesmo modo, o trabalho complementar é fundamental. Conforme o quadro familiar presente, é indicado que o paciente dependente receba acompanhamento individual e ou psiquiátrico individualizado, garantindo desta forma a assistência a dependência química, mas tomando o extremo cuidado de não mantê-lo num lugar mais problemático ainda. O tempo de um processo familiar acaba sendo lento, e claro que terá suas variações conforme o enfoque terapêutico seguido. Mas é a família, muitas vezes que sinalizará o momento de parar, conforme sua necessidade. Por mais que muitas famílias que convivam com a presença do álcool e drogas tenham características semelhantes, devemos considerar a história de vida de cada uma, suas particularidades. Além disso, situações de alianças e cumplicidades, por parte de um dos membros com o terapeuta poderão ser freqüentes, e daí a relevância do terapeuta familiar, sempre ter em mente, que o pedido deve ser dirigido a família, pois é esta, que de modo direto ou não, busca ajuda frente o sofrimento da dependência química. 28 BIBLIOGRAFIA 1. ALEXANDER, J. Empowering families. Helping adolescents Technical Assistence Publications. Series v. 6. USA: 1992. 2. ALEXANDER, J. & PARSONS, B.V. Functional familiy therapy. California: Books /Cole, 1982. 3. ANDOLFI M. A. O casal em crise. São Paulo: Summus Editorial, 1995. 4. ASEN, K. Avanços na terapia de famílias e de casais (1997). In: Griffith E, DARE C. Psicoterapia e tratamento das adições, Porto Alegre: Artes Médicas; pp.102-113. 5. BENETT, A.; WOLIN, S. J. & MC AVITY, K. Family indentity, ritual and mytk: a cultural perspective on life cyrcle transition in falicov. New York: The Guilford Press, 1986. 6. Caballo, V.E. (2003). 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