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1 LICENCIAMENTO AMBIENTAL O Licenciamento ambiental é o instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que permite a ação preventiva do Poder Público no que tange a empreendimentos potencialmente poluidores ou degradadores, implementando, assim, o princípio da prevenção dos danos ambientais, preconizada pela Conferência de Estocolmo/72. Breve Histórico No Brasil, o licencimento ambiental tem início nas leis estaduais editadas na década de 1970 e tinha por objeto fontes de poluição previamente definidas. O enfoque voltava-se, claramente, para atividades emissoras de poluentes nas águas, no ar ou no solo, especialmente as indústrias de qualquer porte ou natureza. A elas somavam-se os parcelamentos do solo, as atividades minerárias, os serviços de saneamento (estações de tratamento de esgotos, aterros sanitários, etc.) os serviços de saúde (hospitais e similares) e algumas outras atividades menores. No Estado do Rio de Janeiro, a licença era concedida em três etapas: licença prévia, de instalação e de operação. No Estado de São Paulo, em duas etapas: licença de instalação e de funcionamento, concedidas sem prazo de validade definido. Com o advento da Lei nº 6938/81, a licença ambiental foi disciplinada em seu artigo 10, que tem esta redação: “Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. § 1º - Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação. § 2º - Nos casos e prazos previstos em resolução do CONAMA, o licenciamento de que trata este artigo dependerá de homologação do IBAMA. § 3º - O órgão estadual do meio ambiente e o IBAMA, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das 2 atividades geradoras de poluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido. § 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, o licenciamento previsto no "caput" deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.” Examinando o artigo citado, podemos destacar o seguinte: a) o licenciamento não se limita às fontes de poluição mas abrange também atividades degradadoras que não emitam matéria ou energia mas podem prejudicar o ambiente; b) O artigo refere-se a atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, mas deveria referir-se apenas às atividades potencialmente poluidoras já que não se licencia atividade que não controle suas emissões; c) O licenciamento dá-se, ordinariamente, no âmbito estadual e só extraordinariamente no âmbito federal. Voltaremos a essa questão, ao tratarmos da Resolução nº 237/97, do CONAMA; d) A necessidade de publicação tanto do pedido quanto da concessão da licença enfatizando sua publicidade. Por outro lado, o inciso I do artigo 8º da mesma lei incluiu entre as competências do CONAMA, estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA. Na falta dessas normas e critérios e, especialmente, de uma definição mais precisa de quais as atividades tidas como potencialmente poluidoras ou degradadoras, os Estados mantiveram-se apenas às disposições de suas próprias leis, até o advento de Resoluções específicas do CONAMA. A Lei nº 6938/81, veio a ser regulamentada pelo Decreto nº 88.351, de 01.06.83, sucessivamente alterado, vigorando, hoje, o Decreto nº 99.274, de 06.06.1990 e que disciplina o licenciamento em seus artigos 17 a 22. Voltaremos a esse decreto. A Resolução nº 1, de 23.01.86, do CONAMA, tratou da Avaliação de Impacto Ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente e enumerou as atividades modificadoras do meio ambiente cujo licenciamento depende de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) A partir de então, os Estados passam a licenciar, tanto as atividades enumeradas na Resolução nº 1/86, quanto aquelas exigíveis pela legislação estadual não constantes da referida Resolução, exigindo o EIA-RIMA para as primeiras. 3 Mais de dez anos depois, o CONAMA regulamentou o licenciamento ambiental pela Resolução nº 237, de 19.12.97, abrangendo todas as atividades a ele sujeitas, relacionadas em seu Anexo, relação essa bastante aberta e abrangente. Destarte, o licenciamento ambiental é hoje regulado, de forma geral, pela Resolução nº 237/97 e, especificamente, no que tange às atividades de maior potencial poluidor, pela Resolução nº 1/86. Além disso, devem ser observadas as normas estaduais e municipais relativas à matéria que suplementem as citadas Resoluções. Por motivos de ordem didática, trataremos primeiro do ordenamento geral e, em seguida, do ordenamento mais específico. Antes, porém, é necessário examinar a natureza jurídica do licenciamento ambiental. A Natureza Jurídica do Licenciamento Ambiental Qual a natureza jurídica do licenciamento ambiental? É ele ato vinculado, pelo qual o órgão público limita-se a verificar o cumprimento das normas previamente estabelecidas para o exercício da atividade? Ou é ato discricionário, pelo qual o órgão público livremente autoriza ou não uma atividade segundo o juízo que faz sobre sua conveniência ou oportunidade? Exemplo típico de ato vinculado é o alvará municipal de construção porque as condições para o exercício do direito de construir estão claramente expressos na legislação municipal, notadamente no Código de Obras e nas leis de zoneamento. Basta ao órgão municipal verificar o exato cumprimento, pelo construtor, das normas definidas na lei. Exemplo de ato discricionário é a autorização para uso de bem público por particular. Se o órgão competente o julgar oportuno, dará a autorização. Caso contrário nega-la-á. Autorização é o nome jurídico que se dá aos atos discricionários e licença, aos atos vinculados. A autorização, por sua própria natureza, é precária e pode ser revogada, sem que caiba indenização ao autorizado. A licença, pelo contrário, confere direito de exercer a atividade licenciada e sua pura e simples revogação, por mero interesse ou conveniência da administração, equivale à desapropriação e implica em indenização. A licença pode e deve ser anulada, se outorgada sem observância das normas que a vinculam e cassada por desobediência insanável das condições e normas que regem sua atividade. Feitas essas considerações iniciais procuraremos responder à indagação inicial. Quais as normas legais que vinculam o licenciador ambiental ? A Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 3º, define poluição, nos seguintes termos: 4 “poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matériaou energia em desacordo com os padrões estabelecidos.” Somente a última alínea diz respeito a padrões previamente estabelecidos vinculando o licenciador. Porém, as quatro outras alíneas não contém normas objetivas, claras e explícitas, mas definem a poluição pelo resultado danoso que possa causar, quer aos recursos naturais, quer ao ambiente habitado. Portanto, a vinculação do legislador, em todos esses casos, relaciona-se com os efeitos potenciais da atividade a licenciar e não com padrões previamente definidos. Por isso, será indispensável que o licenciador examine cada caso concreto e avalie qual o efeito potencial da atividade a licenciar no seu entorno. Uma mesma atividade – p.ex. uma fábrica – poderá ser livremente licenciada, licenciada com restrições ou ter sua licença negada, conforme estiver situada em ambiente que possa absorver mais ou menos, os impactos por ela causados, direta ou indiretamente. Por essa razão, qualquer licenciamento ambiental envolve, essencialmente, um exame do impacto ambiental potencial causado no entorno, notadamente quanto aos bens protegidos: saúde, segurança e bem estar da população, a flora, a fauna, etc. O deferimento ou indeferimento da licença deve ser tecnicamente fundamentado e essa fundamentação é a motivação do ato administrativo. Não se trata de ato discricionário, fundado no juízo da conveniência ou oportunidade mas de ato vinculado às normas legais genéricas estabelecidas na Lei 6938/81. Convém lembrar que os padrões de lançamento de matéria ou energia são fixados na presunção de que, se desobedecidas, as normas genéricas não serão atendidas. A fundamentação técnica pode ser bastante objetiva e inquestionável, no que tange a danos potenciais conhecidos ou estudados como o são os danos à saúde e à segurança. É certo que não se exige, nem se pode exigir que o conhecimento científico a respeito seja inquestionável. Basta haver boa razão técnica para motivar o indeferimento de licença, mesmo que se possa sustentar teses mais favoráveis. Aliás, o princípio da precaução exige que, em caso de dúvida fundada quanto a possível dano ambiental, não seja outorgada a licença. Já no que respeita ao bem estar da população e a atividades sociais e econômicas a fundamentação será menos técnica e precisa, incorporando elementos culturais da coletividade, mas nunca será meramente subjetiva e pessoal do licenciador. 5 Tudo quanto acima dissemos refere-se ao licenciamento ambiental de qualquer atividade potencialmente poluidora ou degradadora. No que tange às atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental, o exame técnico da questão, isto é o exame do impacto, que é indissociável de qualquer licenciamento é feito através de Estudos de Impacto Ambiental, por equipe multidisciplinar, compreendendo o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto e a análise dos impactos positivos e negativos do projeto. A diferença entre o licenciamento comum e o sujeito a prévio EIA é, na realidade, uma diferença de grau de complexidade e não uma diferença na natureza essencial da licença. Para finalizar, respondemos que a licença ambiental é um ato vinculado aos objetivos gerais de proteção ambiental estabelecidos na Lei nº 6938/81 o que importa necessariamente em uma avaliação de cada caso concreto, mediante decisão tecnicamente motivada. Havendo dúvida séria e fundada, a decisão penderá pelo lado da proteção ambiental, em razão do princípio da precaução. O LICENCIAMENTO GERAL O CONAMA pela Resolução nº 237, de 19.12.97, regulamentou o licenciamento ambiental previsto no art. 10 da Lei nº 6938/81. O art. 2º dessa Resolução, repete quase literalmente o art. 10 da Lei mas a ela acrescenta a localização como objeto da licença, explicitando o que era implícito na lei. Atividades sujeitas a licenciamento O Anexo I da Resolução relaciona os empreendimentos e atividades sujeitas ao licenciamento. Várias dessas atividades são relacionadas com clareza, especialmente as relativas à mineração e à indústria, o que reflete a ênfase tradicional dada às indústrias como principal causa da poluição. Em contraposição, outras são muito imprecisas. Entre elas, por exemplo, “outras obras de arte”, parcelamento do solo e criação de animais. Por isso, o § 2º do art. 2º atribui competência ao órgão ambiental para definir critérios de exigibilidade dessas atividades, considerando suas características. Certamente, um galinheiro doméstico em região rural não será considerado “criação de animais”, embora o seja. Várias atividades incluídas no Anexo, também constam da relação daquelas cuja licença depende de prévio EIA-RIMA. Porém isso será objeto de exame posterior. 6 A competência para outorgar a licença A Resolução trata da competência para licenciar em seus artigos 4 a 7 e determina que este se dê em um único nível de competência (art. 7º). Ao IBAMA compete o licenciamento de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, definidas no artigo 4º, merecendo destaque: as localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados e aquelas cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados. Ao órgão ambiental estadual compete o licenciamento de empreendimento e atividades definidas no artigo 5º, merecendo destaque as localizadas ou desenvolvidas em mais de um Município e aquelas cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios. Ao órgão ambiental municipal compete o licenciamento de empreendimento e atividades de impacto ambiental local. Em suma: o licenciamento ambiental é único. Outorgado pelo IBAMA, pelo órgão ambiental do Estado ou pelo órgão ambiental do município, conforme definido na Resolução para cada um dos três níveis de governo. Afora critérios específicos definindo a competência do IBAMA ou do órgão estadual, podemos dizer que os dois critérios básicos adotados pela Resolução são: a) a abrangência físico-territorial da atividade ou empreendimento e b) os limites territoriais dos impactos ambientais diretos. Essas disposições merecem consideração especial sobre sua constitucionalidade e legalidade o que fazemos um trabalho anexo concluindo por sua ilegalidade e inconstitucionalidade. As fases do licenciamento ambiental A licença ambiental é dada em três fases: Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, definidas no art. 8º da Resolução, repetindo o que já dispunha o art. 19 do Decreto nº 99.274/90, que regulamenta a Lei nº 6938/81. A Licença Prévia é dada na fase preliminar do planejamento do empreendimento. O Decreto nº 99.274/90, em seu art. 19, diz que ela contém os requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação. Já o art. 8º da Resolução diz que ela aprova sua localização e concepção e estabelece os requisitos a serem 7 atendidos nas próximas fases. Destarte a Resolução dá um sentido mais efetivo à Licença Prévia eis que ela aprova a localização e a concepção do empreendimento, o que o Decreto não fazia, deixando a localização para fase posterior, que é a instalação. A Licença de Instalação, nos termos do art. 19 do Decreto nº 99.274/90, autoriza o início da implantação, de acordo com o projeto executivo aprovado. Nos termos da Resolução, não há menção a projeto executivo mas a planos, programas e projetos aprovados, inclusive das medidas de controle ambiental. Em qualquer hipótese, só com a licença de instalação podem ser iniciadas obras para implantar a atividade. A Licença de Operação autoriza o início da atividade, se cumpridas as condições constantes das licenças anteriores. Procedimento de LicenciamentoAmbiental O artigo 10 da Resolução define as etapas desse procedimento merecendo atenção o disposto em seu § 1º: “§ 1º - No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar, obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para supressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes.” 1) A Certidão da Prefeitura diz respeito à disciplina de uso do solo e é correto considerá- la como preliminar da licença ambiental. Todavia, a disposição trai os princípios de competência definidos nos artigos 4º, 5º e 6º. Não tem sentido exigir essa certidão nos casos de competência municipal. Nos demais casos, sendo obrigatória a oitiva dos municípios, por que não incluir aqui sua manifestação sobre os aspectos ambientais da licença pedida, sem prejuízo dos aspectos urbanísticos ? Note-se que essa oitiva não consta, em qualquer outro lugar, do procedimento de licenciamento. Por derradeiro, parece-nos que o mais exato não seria pedir certidão de conformidade mas a própria aprovação municipal para o empreendimento. 2) A autorização para a supressão de vegetação não deveria ser preliminar à licença ambiental mas integrar-se a ela já que o exame do desmate face ao empreendimento que se quer implantar é aspecto intrínseco da análise dos impactos ambientais do projeto. 3) A outorga do direito de uso da água pode, realmente, ser tida como questão preliminar, no que tange à quantidade da água disponível. Porém, com relação à garantia de sua qualidade, o exame das condições da outorga do direito de uso está também intrinsecamente ligado à análise, quer da qualidade da água devolvida ao corpo receptor, quer da alteração da qualidade da água desse mesmo corpo, em 8 razão da diminuição de sua quantidade. Destarte, qualquer outorga de direito de uso deveria ser condicionada à posterior concessão da licença ambiental, em todos os casos em que esta for exigível. Prazo de validade das licenças A licença ambiental não é uma licença definitiva como o é a licença municipal para construir. Esta vincula-se principalmente ao direito de construir, decorrente do direito de propriedade e tem por objeto a edificação que não é uma atividade mas um bem imobilizado. Daí seu caráter definitivo. A licença ambiental tem vínculo com o direito de empreender uma atividade em determinado local e também com a garantia de que esse direito decorrente da propriedade não prejudique outro direito: o da saúde pública e da salubridade ambiental. Por isso, a licença condiciona o direito individual de exercer atividade com o direito coletivo de proteção à saúde e ao meio ambiente equilibrado. Destarte, de tempos em tempos é necessário rever essa equação, eis que, de um lado, as inovações tecnológicas possibilitam controles mais efetivos do que os exigidos ao tempo da outorga da licença e, de outro lado, a alteração das condições do entorno da atividade e da capacidade de suporte do meio, podem exigir maior rigor no controle. Por isso, em decorrência da própria natureza da licença ambiental, ela deve ser temporária, para permitir que o direito de empreender se compatibilize com o direito à saúde e à salubridade ambiental. Essas considerações dizem respeito, especialmente, à licença de operação pois, ao fim do prazo, ela sujeita-se a novas exigências e, em caso extremo, à negação de sua permanência no local. OS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL: DA RESOLUÇÃO 1/86 À RESOLUÇÃO 237/97, DO CONAMA A referência à avaliação de impacto ambiental como condição para implantação de atividades potencialmente poluidoras foi feita, pela primeira vez, na Lei 6.803/80 que dispõe sobre diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Essa Lei reservava à União a competência para aprovar a delimitação e autorizar a implantação de zonas de uso estritamente industrial destinadas à localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos e carboquímicos, bem como a instalações nucleares, condicionadas a prévios estudos especiais de alternativas e de avaliação de impacto para estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada (artigo 10, §§ 2º e 3º). 9 A citada Lei integra o grupo daquelas que não têm história. Suas diretrizes foram dirigidas aos legislativos municipais e jamais incorporadas às leis locais. A Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, incluiu a avaliação de impactos ambientais entre os doze instrumentos daquela Política, enumerados em seu artigo 9º. Porém, limitou-se a seu enunciado sem nada mais dispor a respeito. Foi seu Regulamento (inicialmente Decreto 88.351/83 e, atualmente, Decreto 99.274/90) que definiu a avaliação de impacto ambiental como estudo de impacto ambiental para fins de licenciamento. Vale aqui transcrever o artigo 17 do citado Regulamento, enfatizando seus §§ 1º, 2º e 3º: “Artigo 17 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem assim os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. § 1º - Caberá ao CONAMA fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento, contendo, entre outros, os seguintes itens: diagnóstico ambiental da área; descrição da ação proposta e suas alternativas; e identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos. § 2º - O estudo de impacto ambiental será realizado por técnicos habilitados e constituirá o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, correndo as despesas à conta do proponente do projeto. § 3º - Respeitada a matéria de sigilo industrial, assim expressamente caracterizada a pedido do interessado, o RIMA, devidamente fundamentado, será acessível ao público.” Institui-se, dessa forma, o estudo de impacto ambiental, para fins de licenciamento e surge o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, estabelecendo-se as normas básicas disciplinadoras desse instrumento, hoje conhecido como EIA-RIMA. Finalmente, a Resolução nº 1/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, no uso de suas atribuições normativas e dando cumprimento ao artigo 17 do Decreto acima citado, regulamentou o estudo de impacto ambiental como condição de licenciamento das atividades modificadoras do meio ambiente. 10 O artigo 1º dessa Resolução considera impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante de atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: 1) a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) as atividades sociais e econômicas; 3) a biota; 4) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e 5) a qualidade dos recursos ambientais. Essa definição é essencialmente a mesma que o artigo 3º, inciso III, da Lei nº 6938/81, dá à poluição. No entanto, em seu artigo 2º, a Resolução do CONAMA diz que dependem de EIA-RIMA, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente que enumera nos dezoito incisos daquele artigo. Esses incisos não enquadram grande parte das atividades modificadoras do meio ambiente que possam poluir ou degradar o meio ambiente, mas apenas aquelas cujo impacto ambiental é mais significativo. Basta examinar a lista das atividades sujeitas ao licenciamento ambiental constantesda legislação dos Estados, ao tempo da edição da Resolução, para constatar que muitas delas não constam de seu artigo 2º. Ou, se dela constam, estão limitadas a porte significativo. À guisa de mero exemplo, citamos os loteamentos. Sujeitos ao licenciamento pela legislação estadual paulista em qualquer hipótese, estão condicionados a EIA-RIMA apenas quando superiores a 100 hectares ou quando situados em áreas de relevante interesse ambiental. A leitura dos dezoito incisos do artigo 2º da Resolução 1/86 leva à conclusão de que eles têm por objeto as atividades com significativo impacto ambiental. Por isso mesmo ganhou corpo a tese de que a enumeração constante do artigo 2º da Resolução não é taxativa mas exemplificativa, podendo exigir-se o EIA-RIMA de atividade nele não prevista, se potencialmente tiver significativo impacto ambiental, ou, por outro lado, dispensar-se o EIA-RIMA quando, apesar de previsto no artigo 2º, seu impacto potencial não for significativo. A discussão ganhou novo alento com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que incluiu, entre as incumbências do Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa (grifo meu) degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. (artigo 225, § 1º, IV da C.F.) Note-se que a Resolução nº 1/86 jamais usou a expressão “significativa degradação do meio ambiente”. Pelo contrário, o conceito contido em seu artigo 1º abrange qualquer atividade potencialmente poluidora. Porém, o elenco de seu artigo 2º induz e conduz ao conceito de significativo impacto ambiental. A Constituição Federal consolidou esse conceito. 11 A tese de que a relação constante do artigo 2º da Resolução é exemplificativa e não taxativa foi defendida pela Dra. Yara Maria Gomide Gouvêa, em Parecer que consta desta publicação e com o qual concordamos plenamente. Porém, outros juristas dela discordam, entendendo taxativa a relação, obrigando o licenciamento de qualquer atividade nela descrita a EIA-RIMA, mesmo quando não seja significativo seu impacto ambiental. O ilustre Dr. Édis Milaré, ex Procurador de Justiça e ex Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, tratou da questão de forma magistral em seu livro “Estudo Prévio de Impacto Ambiental”1 escrito em parceria com o Dr. Antonio Hermann Benjamin. Permitimo-nos transcrever seu entendimento: “Parece-nos que a maneira de contornar a divergência e atender ao comando impositivo da norma será considerar como relativa a presunção2 de gravidade dos casos enumerados no artigo 2º da Resolução nº 001/86. A presunção relativa (juris tantum), como se sabe, tem o condão de inverter o ônus da prova, de sorte que o Administrador, à vista de um caso listado, determinará a elaboração do EIA. O empreendedor, querendo, poderá produzir prova no sentido de que a obra ou atividade pretendida não provocará impacto ambiental significativo. Portanto, em vez do agente público ter que provar a significância do impacto, é o empreendedor quem deve provar sua insignificância. Resumindo: não há dúvida que o Administrador tem certa liberdade para verificar a presença ou não de ‘significativa degradação ambiental’ a ensejar a realização do EIA, mas, identificada a hipótese positiva, não pode deixar de exigir o estudo, certo de que, como observou Sílvia Capelli3, ‘nenhum ato é absolutamente discricionário, eis que estará sempre vinculado ao princípios da finalidade do ato administrativo, que é, necessariamente, o interesse público’.” Apesar disso, continuam as divergências e, até hoje, não existe Jurisprudência consolidada sobre a matéria. No entanto, a tese do Dr. Édis Milaré tem sido adotada em atos normativos estaduais e federais. 1. Milaré, Édis e Benjamin, Antonio H. V. Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Teoria, Prática e Legislação. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993. 2. Presunção é um instituto jurídico pelo qual se dispensa prova de certos fatos na ocorrência de uma situação definida em lei. No caso, o artigo 2º da Resolução 1/86, elenca atividades que se presumem de significativo impacto ambiental. A presunção é absoluta quando não admite prova em contrário. Relativa, quando tal prova é admitida. 3. “O Estudo de Impacto Ambiental na realidade brasileira”. In: Revista do Ministério Público, Rio Grande do Sul, n º 27, 1992, p. 54. 12 O Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, em 22 de dezembro de 1994, propôs procedimentos relativos à tramitação de EIA/RIMA, no âmbito da Secretaria do Meio Ambiente, consubstanciada em minuta de resolução, que se transformou na Resolução SMA-42, de 29.12.94. Note-se que o grupo de conselheiros que elaborou a minuta teve a presidência do representante ambientalista, João Paulo Capobianco. A Resolução SMA-42/94 aprovou os procedimentos de análise de EIA e RIMA, para os casos previstos no artigo 2º da Resolução nº 1/86, do CONAMA, ou seja, aqueles em que é presumível o significativo impacto ambiental. Exige que, nesses casos, o requerimento de licença seja instruído com um Relatório Ambiental Preliminar – RAP. A análise do RAP levará o licenciador a: 1) indeferir, de plano, a licença em razão de impedimentos legais ou técnicos; 2) exigir a apresentação do EIA/RIMA ou 3) dispensar esse Estudo. A exigência do RAP é, em essência, uma medida de economia processual, pois permite o indeferimento inicial de projeto legal ou tecnicamente inviável e possibilita a dispensa do EIA/RIMA quando o RAP demonstrar a inexistência de significativo impacto ambiental, afastando a presunção relativa. Posteriormente, a Resolução SMA nº 66/95, atendendo deliberação do CONSEMA, disciplinou a tramitação dos pedidos de licença ambiental para os empreendimentos minerários. Seu artigo 5º possibilita a dispensa do EIA/RIMA quando atendidos, simultaneamente, os requisitos nele especificados. Entre eles, a substância mineral extraída, a área total da atividade, o montante da produção mensal, entre outros. A Resolução SMA nº 50/97 dispensou de Licença Prévia instruída com RAP os aterros sanitários e usinas de reciclagem e compostagem de resíduos sólidos domésticos operados por municípios, em quantidade de até 10 toneladas por dia e deu outras providências. Essas Resoluções confirmam a tese de que não é exigível o EIA-RIMA, tal como estruturado na Resolução nº 1/86 do CONAMA, nos casos em que é evidente não haver significativo impacto ambiental. O mesmo se dá no âmbito federal. A Resolução nº 10/90, do CONAMA, ao disciplinar o licenciamento ambiental de extração de bens minerais da classe II (Decreto Lei nº 227/67) já admitia que essa atividade, em razão de sua natureza, localização, porte e demais peculiaridades, pudesse ser dispensada da apresentação de EIA/RIMA. A recente Resolução nº 237/97, do CONAMA, alterou profundamente o regime inaugurado pela Resolução nº 1/86 e tratou do licenciamento ambiental de forma mais ampla. Abrangendo todas as atividades consideradas potencialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente, e não apenas as que tenham significativo impacto ambiental. Seu Anexo relaciona todas as atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, inclusive as que não causem significativo impacto ambiental. Inclui, também, as 13 relacionadas no artigo 2º da Resolução nº 1/86 mas o faz genericamente, sem as condicionantes específicas caracterizadoras da presunção de significativo impacto. Por exemplo: Parcelamento do solo na Resolução nº 237 e projetos urbanísticos, acima de 100 hectares ou em áreas de interesse ambiental, na Resolução 1/86; atividades agropecuárias na Resolução 237 e projetos agropecuários com áreaacima de 1.000 hectares na Resolução nº 1/86. O artigo 2º da Resolução nº 1/86 continua em vigor e define a presunção relativa de significativo impacto ambiental, nos casos aí descritos. Mas, a Resolução nº 237 consagrou, no âmbito federal, a tese da presunção relativa já adotada no Estado. Com efeito, diz seu artigo 3º: “Artigo 3º - A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação. Parágrafo Único – O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.” A isso acresce que a mesma Resolução, em seu artigo 1º, elenca entre os estudos ambientais o relatório ambiental preliminar já instituído no Estado. Portanto, hoje não resta mais dúvida alguma sobre a relatividade da presunção de significativo impacto ambiental das atividades relacionadas no artigo 2º da Resolução nº 1/86 do CONAMA. Para encerrar estas considerações - que nada mais são senão um relatório sucinto da evolução histórica do EIA/RIMA – queremos lembrar que o artigo 225, § 1º, IV, da Constituição Federal incumbe ao Poder Público exigir o estudo prévio de impacto ambiental, na forma da lei. Inexistindo lei posterior à Constituição, o EIA/RIMA é de ser exigido na forma da lei anterior que, como já vimos, não é lei em sentido estrito, mas norma legal em sentido amplo abrangendo as normas administrativas editadas ao abrigo da lei. No caso, as Resoluções do CONAMA que tem competência normativa deferida pelo artigo 8º da Lei nº 6938/81. Francisco Thomaz Van Acker (Apostila Básica III - Licenciamento Ambiental)
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