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AULA 1 
JORNALISMO E 
DISPOSITIVOS MÓVEIS 
Prof.ª Luciane Leopoldo Belin 
 
 
2 
INTRODUÇÃO 
Qual é o lugar do jornalismo no atual contexto de mobilidade? Essa será a 
questão norteadora desta disciplina. Ao longo desse período, nosso objetivo será, 
mais do que responder a essa pergunta, refletir sobre a relação desta modalidade 
muito específica de comunicação, o do fazer jornalístico, com o cenário de 
transformação digital marcado pelos dispositivos móveis. 
Primeiro, buscaremos discutir a importância alcançada pelos próprios 
dispositivos móveis dentro da área da comunicação e, em seguida, passaremos 
por aspectos que vão desde as práticas de produção, os sujeitos envolvidos nesse 
processo, as lógicas que ditam regras em constante atualização, mas também 
questões relacionadas ao consumo de informação. 
Iniciaremos esta aula com uma introdução sobre cenários contemporâneos 
do jornalismo digital e, mais especificamente, mobile, para, na sequência, discutir 
os principais desafios do jornalismo frente à mobilidade. 
O terceiro tema da aula trata das relações de tempo e espaço no jornalismo 
digital, ou seja, quais são os atravessamentos de mediações e temporalidades 
quando a notícia sai do papel e migra para as telas? Essa discussão está 
diretamente relacionada ao tema 4, no qual discutiremos midiatização e 
transformações digitais, partindo das abordagens institucionalista e social-
construtivista do conceito de midiatização que contribuem para compreender a 
complexidade da mídia como instituição, mas também como meio. 
Por fim, o último tema discutido gira em torno das novas dinâmicas das 
redações e o papel do jornalista – de gatekeeper a fact checker. 
Os conteúdos posteriores serão dedicados a discutir forma e linguagem, 
plataformas e suas Affordances, produção de conteúdo mobile, distribuição e, por 
fim, lógicas de consumo. 
TEMA 1 – JORNALISMO E MOBILIDADE 
Os brasileiros adquirem mais smartphones que os americanos e são 
usuários mais intensos de aplicativos para celular do que o restante do mundo. 
Uma pesquisa divulgada em janeiro de 2021 e conduzida pela empresa Digital 
Turbine mostrou que 38% dos brasileiros instala aplicativos com frequência, ao 
passo que apenas 10% do público dos Estados Unidos o faz (Brasileiros..., 2021). 
 
 
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No entanto, esses aplicativos não necessariamente são voltados a 
consumo de informação. Comunicação (apps de conversação), games, vídeos, 
música e mídias sociais são os nichos que mais consomem dados dos usuários 
de smartphone no Brasil (18ª Pesquisa..., 2020) e diversas pesquisas vêm 
confirmando nos últimos anos que, em vez de utilizar apps específicos para 
organização de feed de notícias ou apps de portais de informação, o público 
brasileiro prefere consumir notícias de maneira gratuita nas mídias sociais. 
Segundo investigação do Pew Research Center (18ª Pesquisa..., 2020), o 
consumo de notícias via smartphone já é a preferência de 58% dos norte-
americanos, contra 39% que utilizam o notebook ou desktop para a mesma 
finalidade. O número, de 2018 mostrou que o consumo de notícias via smartphone 
triplicou em apenas cinco anos, já que, em 2013, apenas 21% apontavam essa 
preferência. 
Os dados dos Estados Unidos refletem um cenário global de mobilidade 
que não é novidade na última década e não se limita ao tipo de plataforma, mas 
também à qualidade do consumo de conteúdo e ao comportamento dos usuários. 
Na chamada Geração Z (1990-2010), 55% utilizam as redes sociais como 
principal fonte de informação e 66% tendem a ler as notícias rápida e 
superficialmente, ao passo que esta parcela é de 53% entre indivíduos da 
Geração X (1960-1980). 
 Os dados são da pesquisa global divulgada no começo de 2020 pela 
companhia de estratégias digitais Comscore e revelam ainda uma fortíssima 
indisposição por pagar pelo conteúdo jornalístico: em todas as gerações, pelo 
menos 80% das pessoas se recusam a dispor de recursos financeiros em troca 
de informação de qualidade (Wakka, 2021). 
Esse cenário traz para empresas e jornalistas dois grandes desafios no que 
diz respeito à produção de conteúdo em contexto digital: como se adaptar aos 
formatos no universo mobile e como encontrar maneiras de fazer com que seus 
conteúdos noticiosos furem as diferentes bolhas e encontrem espaço neste 
grande oceano de informação e desinformação que são as redes sociais digitais. 
Apesar da preocupação com o futuro da profissão, por outro lado, a 
transformação digital também carrega oportunidades e brechas para inovações 
nunca antes possíveis no que diz respeito à circulação da informação. Como isso 
impacta no modo de pensar o jornalismo – ou no próprio fazer jornalístico? E 
quando esses processos se encontram atravessados por smartphones e tablets? 
 
 
4 
 
O jornalismo não se tornou móvel quando esses dispositivos passaram a 
ser comercializados. Ele é móvel desde que o primeiro jornalista se deslocou para 
fazer a primeira cobertura in loco, carregando seu bloquinho de anotações. Da 
mesma forma, embora notebooks e laptops também sejam móveis num sentido 
mais literal, quando falamos em dispositivos móveis, estamos nos referindo 
especificamente a tablets e smartphones, já que foi com a chegada desses 
dispositivos que algumas lógicas precisaram ser reinventadas. 
O que mudou com a evolução tecnológica foi uma sofisticação e aceleração 
dos processos, no que diz respeito à produção, mas também nas lógicas de 
construção e design da notícia e, especialmente, do consumo e mediação de 
plataformas. Assim, o que hoje entendemos como jornalismo móvel – mobile 
journalism ou ainda MoJo, comercialmente – é um conceito muito mais complexo 
e articulado às noções de produção e consumo da informação do que a simples 
ideia de abrir a notícia no browser do smartphone. 
No cenário atual, a prática é caracterizada pela mobilidade física e 
informacional para a produção de conteúdos diretamente do local do 
evento cujas condições são potencializadas pela portabilidade, 
ubiquidade e mobilidade, além da consideração do aspecto de 
espacialização contextualizada com a geolocalização da notícia. (Silva, 
2015, p. 9) 
Essa definição diz respeito especialmente ao que significa o conceito do 
ponto de vista de quem está pensando o jornalismo para dispositivos móveis e, 
embora o âmbito do consumo de alguma maneira também esteja contemplado, já 
que é o objetivo de todo o processo, nos dedicaremos num primeiro momento à 
questão da mobilidade com enfoque na produção. 
Assim como o mercado e a academia perceberam rapidamente que 
jornalismo digital era muito mais do que simplesmente transpor o conteúdo dos 
meios impressos para as telas do computador, o lado da produção jornalística 
também logo se deu conta de que jornalismo mobile era muito mais do que replicar 
ou “vender” o conteúdo do jornal, revista ou site de maneira responsiva – embora 
alguns sites sigam atuando de maneira rudimentar no quesito responsividade. 
Na Figura 1, elaborada por Barbosa (2013, p. 42), a autora descreve a 
evolução do jornalismo digital desde que a internet passou a despontar como um 
espaço de compartilhamento e circulação de notícias. Nele, essa etapa de 
transposição mencionada acima é considerada como uma fase correspondente à 
terceira geração do jornalismo para redes digitais. Embora os dispositivos móveis 
 
 
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tenham surgido durante a quarta fase, quando as redes digitais já demandavam 
alguma produção exclusiva, é somente na quinta geração que se desenvolvem os 
produtos autóctones, ou seja, aqueles em que se exploram as potencialidades 
oferecidas pelos dispositivos móveis. 
Figura 1 – Estágios de evolução do jornalismo em redes digitais 
 
Fonte: Barbosa, 2013, p. 42. 
No processo de adaptar seu conteúdo e o modelo de negócios das 
empresas jornalísticas para aproveitar, de fato, as possibilidades oferecidas pelos 
dispositivos e suas atualizaçõesconstantes, o setor vem encontrando alguns 
desafios e desenvolvendo novas possibilidades, que serão discutidos a seguir. 
TEMA 2 – DESAFIOS E POSSIBILIDADES MOJO 
Uma vez que as tendências de consumo são cada vez mais móveis e com 
telas cada vez menores, o jornalismo em um contexto de mobilidade se depara 
com cinco principais desafios que carregam consigo também possibilidades 
promissoras de evolução, do ponto de vista dos indivíduos que atuam como 
jornalistas e também como campo. Trataremos desses desafios na sequência. 
2.1 Monetização 
O primeiro desafio é a sobrevivência econômica. Como cobrar por um 
conteúdo que o leitor se recusa a adquirir? Ou, ainda, quão lucrativo é um negócio 
quando esse mesmo conteúdo chega ao consumidor por outras vias gratuitas, 
como as redes sociais? 
 
 
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A monetização dos veículos de comunicação – principalmente jornais e 
sites jornalísticos – é um desafio que há anos preocupa gestores de algumas das 
mais importantes e já consagradas empresas do setor. 
Uma pesquisa da PWC Global identificou que o mercado de anúncios, 
historicamente a principal fonte de recursos dessas organizações, seria o mais 
atingido pela pandemia de coronavírus, em comparação com os mercados de 
consumo e acessibilidade (PWC, 2021). Mesmo antes disso, a redução da fatia 
de mercado e a perda de recursos com anúncios, assinaturas e classificados 
enxugavam a estrutura das empresas e levavam à sobrecarga dos profissionais, 
à diminuição da área de cobertura e à consequente queda na qualidade do 
trabalho. 
Por outro lado, é justamente nos dispositivos móveis que estão as 
possibilidades de crescimento. O mesmo relatório indica que a fatia da publicidade 
ocupada pelos celulares em 2019 já era de 60% em 2019, e o segmento sustenta 
88,4% do crescimento do setor em 2020. 
Avanços nos formatos móveis que priorizam opções de medição e 
segmentação – por exemplo, geolocalização – sustentará um forte 
crescimento nos próximos anos, um período em que haverá mais 
conteúdo de vídeo social nos mercados emergentes que priorizam os 
dispositivos móveis e lançamentos 5G que facilitam o consumo de 
conteúdo de vídeo fora de casa. (PWC, 2021) 
Resta às companhias encontrarem brechas e caminhos que otimizem a 
obtenção de recursos, seja com conteúdo pago via novos formatos de assinatura, 
crowdfunding ou branded content. Passaremos brevemente pela questão da 
monetização em outra oportunidade. 
2.2 Conteúdo multiplataforma 
Mesmo apostando nos dispositivos móveis, as companhias não devem 
negligenciar outros canais de informação, já que os modelos de negócio mais 
rentáveis são aqueles que conseguem atender diversas frentes. Nesse sentido, 
uma das principais tendências previstas nos anos 2000 e que já se verificam no 
jornalismo há alguns anos é a do conteúdo multiplataformas, que vai além da mera 
replicação do texto em diferentes canais, mas explora funcionalidades e 
potencialidades de cada uma na forma como se constrói o texto. 
Nessa realidade multifacetada, o jornalista e o desenvolvedor precisam 
estar preocupados em atacar essas diferentes frentes, ainda que, no dia a dia das 
 
 
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redações, as tecnologias e as ferramentas disponíveis muitas vezes não atendam 
a essas necessidades, o que demanda versatilidade e inventividade dos 
profissionais. 
Conceitos como o de convergência midiática, jornalismo convergente e 
narrativas transmidiáticas, que trabalharemos mais a fundo posteriormente, 
ajudam a destrinchar o nó do entrecruzamento de plataformas e as influências 
mútuas entre elas. Por ora, não avançaremos na definição desses conceitos, mas 
cabe apenas mencionar que os três dizem respeito aos diálogos e trocas entre 
plataformas de diferentes naturezas e complementam-se, possibilitando uma 
cobertura mais ampla dos temas das notícias. 
Após analisar e comparar conteúdo jornalísticos presentes em diferentes 
telas e plataformas, Barbosa, Silva e Nogueira (2013) observam que, mesmo 
naqueles veículos midiáticos que investem na otimização dos recursos de cada 
gadget, o site na web ainda continua atuando como catalisador dos demais, de 
forma que estes se organizam em torno dele ou com base nele. 
A distribuição multiplataforma, considerando os dispositivos móveis, 
ainda encontra-se numa fase transpositiva dos conteúdos com a 
realização de adequação destes à interface, mas pouco avanço para 
uma exploração mais intuitiva dos potenciais dos sistemas operacionais 
móveis e de interatividade, em parte esperado pelo curto período de 
existência [...] A inovação está acontecendo mais consistentemente nos 
chamados produtos inovadores, ou seja, aplicações criadas de forma 
nativa com material exclusivo, tratamento diferenciado e proposta nova, 
que denominamos aqui de aplicativos autóctones. (Barbosa; Silva; 
Nogueira, 2013, p. 261) 
É possível perceber, portanto, que aproveitar ao máximo os recursos 
oferecidos pelos dispositivos móveis permanece sendo um dos desafios do 
jornalismo móvel, ao mesmo tempo que se configura como um grande nicho de 
inovação e de novas possibilidades. 
2.3 Demanda por formatos 
Uma consequência direta da diversidade de plataformas à disposição do 
público é a necessidade constante de desenvolver novos formatos de narrativa 
jornalística. A simples divisão entre hard news versus soft news já está obsoleta, 
assim como o combo texto + imagem é insuficiente. 
O jornalismo mobile evidenciou a necessidade de ir além para conversar 
com diferentes gerações. Grupos etários mais jovens vêm demonstrando uma 
tendência à hipervalorização da imagem, especialmente com o conteúdo 
 
 
8 
audiovisual – como o uso do vídeo, demonstrado pelo crescimento do YouTube 
fonte de informação, e o boom dos podcasts entre 2018 e 2020. 
Essas transformações abrem uma gama imensa de possibilidades que, por 
outro lado, esbarram mais uma vez na necessidade de desenvolver formas 
criativas de produzir conteúdo de qualidade, aprofundado, que possa ser rodado 
rapidamente, mas com qualidade de apuração e confiança. 
2.4 Filtro das redes sociais 
Em 2020, 11% dos usuários de Instagram utilizavam essa rede para 
consumir informação. O Brasil é um dos países que faz crescer a média, com o 
consumo de notícias sendo uma função incorporada por 30% dos participantes. 
No Twitter, 17% estão na plataforma para se informar (Reuters Institute, 2020). 
Esse atravessamento das mídias digitais não é uma novidade para os 
veículos de comunicação, e o desafio se intensificou desde 2018, quando algumas 
delas fizeram alterações em seus algoritmos. Naquele ano, após ver reduzir 
drasticamente seu alcance de público graças a uma dessas mudanças no modo 
de organização da timeline dos usuários, a Folha de S. Paulo anunciou que não 
utilizaria mais o Facebook (Folha..., 2018). Ainda assim, mesmo que a própria 
Folha não faça uso da plataforma para publicar suas notícias, é por esse filtro que 
muitos dos leitores chegam até as publicações do jornal, cujo conteúdo é 
compartilhado por outros perfis. 
Ter as redes sociais como intermediárias e acompanhar as tendências dos 
buscadores como o Google foi o que fez nascer estratégias como as chamadas 
manchetes caça-cliques, por exemplo, que distorcem as informações para chamar 
a atenção do leitor já no título do texto. O que acontece com a qualidade do 
conteúdo quando o material publicado precisa performar e não mais apenas 
informar? 
2.5 Descontrole e descaminhos da informação 
Por fim, um dos grandes desafios do jornalismo na era da internet é o efeito 
telefone sem fio e a falta de controle sobre os processos de circulação de 
informação. A responsabilidade com a apuração jornalística cresce à medida que 
a replicabilidade horizontal e em massa permite que tudo o que é publicado possa 
tomar um rumo muito diferente do que aquele almejado pelo jornalista. 
 
 
9 
Esse aspecto passa por questões muito delicadas de ética e direitosautorais, distorções da informação e pela disseminação de fake news, uma vez 
que uma das concepções desse conceito é a de que distorcer um conteúdo para 
levar a interpretações equivocadas. Essa forma de produzir fake news, ainda mais 
perigosa, faz com que mentiras sejam travestidas de notícia com o selo de 
credibilidade da linguagem jornalística. 
TEMA 3 – MEDIAÇÕES E TEMPORALIDADES 
Nas últimas décadas, uma prolífica área de pesquisa se desenvolveu na 
América Latina, baseada no conceito de mediações, articulando alguns 
fenômenos distintos e imbricados entre si e que resultam no tipo de sociedade 
interconectada como a que temos hoje. Esses fenômenos são as transformações 
culturais, a evolução tecnológica em todos os setores das sociedades e as 
reorganizações sociais dela derivadas. No cerne de tudo isso está a comunicação, 
ao mesmo tempo que esses eventos atuam como nós articuladores do processo 
comunicativo. 
A teoria das mediações ganhou força não apenas por demarcar a 
consistência do campo da comunicação latino-americano em sintonia com o que 
vinham desenvolvendo algumas importantes escolas do pensamento na Europa, 
como os estudos culturais, mas também porque alguns de seus pressupostos 
questionavam ou rompiam com modelos de comunicação que entendiam o ato de 
comunicar como puramente mecânico. 
Contrária à ideia de que comunicação envolvia apenas emissão  
mensagem  recepção, a teoria das mediações defende que a fase de recepção, 
entendida pela escola funcionalista como o ponto de chegada de uma 
transmissão, era, na verdade, um processo completo e complexo que 
ressignificava toda a compreensão da comunicação e sugeria repensar algumas 
regras já estabelecidas de atividades como a jornalística. 
Capitaneado por pesquisadores como Martín-Barbero e García-Canclini, o 
conceito de mediações se consolida, pois ajuda a compreender como se 
comportam os indivíduos frente a inovações nos processos de comunicação, para 
além da tecnologia: 
Assim a comunicação se tornou para nós questão de mediações, mais 
do que de meios, questão de cultura e, portanto, não só de 
conhecimentos, mas de reconhecimento. Um reconhecimento que foi, 
de início, operação de deslocamento metodológico para rever o 
 
 
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processo inteiro da comunicação a partir de seu outro lado, o da 
recepção, o das resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a 
partir de seus usos. (Martín-Barbero, 1997, p. 28) 
O consumidor de informação deixa de ser então um mero recipiente e 
passa a ser entendido como, também, um produtor de sentido – e note-se que 
estamos falando de uma teoria desenvolvida antes de toda a evolução que 
colocou, também, na prática, o consumidor na posição de produção, muito antes 
dos smartphones e da comunicação digital. 
O contexto em que está inserido o receptor da mensagem, sua cultura e 
condição social, suas experiências e compreensões do mundo e da vida, bem 
como o instante exato em que tem acesso à mensagem, são, assim, alguns dos 
aspectos que influenciam a interpretação daquele conteúdo – critérios mediadores 
da comunicação. 
São duas as principais mediações discutidas pelo campo, embora não 
sejam as únicas. A primeira é a ideia de “destempos ou heterogeneidade de 
temporalidades” (Souza, 1995, p. 44), ou seja, as discrepâncias relacionadas à 
experiência vivida pelos sujeitos. “Há temporalidades de classe, sem 
fundamentalismos, sem mecanizações para opô-las como se fossem 
metafisicamente distintas, mas são histórica e socialmente distintas das 
temporalidades das raças, das fêmeas, dos sexos, das gerações” (Sousa, 1995, 
p. 44). 
A segunda é a das novas e distintas fragmentações sociais e culturais. Ou 
seja, a forma distinta de ver o mundo quando se contrapõem perspectivas de 
jovens e adultos, nativos digitais e pessoas que cresceram em uma realidade 
analógica, ressignificações de espaço público e privado pelos diferentes grupos 
populacionais, entre outros. Ter ou não um smartphone, saber ou não mexer 
nesse smartphone, acesso à internet móvel, por exemplo, passam a ser também 
mediações para o consumo de jornalismo. 
Embora sejam critérios que atravessam diferentes fenômenos de 
comunicação e cultura, da informação ao entretenimento, mediações como as 
citadas acima podem incidir em diferenças de consumo, interpretação e 
compartilhamento que podem ser facilmente percebidas entre os leitores de 
notícias em dispositivos móveis. 
Compreender como o jornalismo digital nos moldes dos dispositivos móveis 
reorganiza as relações de tempo e espaço entre as notícias e o público é, portanto, 
um passo essencial para superar os desafios discutidos no tópico anterior. 
 
 
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Quando a notícia sai do papel e migra para as telas, a temporalidade por 
gerações aparece com evidência, uma vez que gerações mais jovens tendem a 
ser mais receptivas ao consumo de notícias via smartphone, como vimos 
anteriormente. Por outro lado, a relação desses públicos com a informação resulta 
em uma tendência à desinstitucionalização da notícia e à espetacularização da 
vida cotidiana, de forma que espaços menos formais e que não respondem aos já 
convencionados princípios de ética e credibilidade do jornalismo ganham força e 
se consolidam como espaços de noticiabilidade. Essa midiatização da sociedade 
e as novas circularidades da informação são justamente o tema do próximo tópico. 
TEMA 4 – MIDIATIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES DIGITAIS 
Uma sociedade midiatizada é aquela na qual, mais do que perpassada por 
novos e massificados meios de comunicação, desenvolve “novos processos de 
circulação, circuitos, dispositivos e ambiência midiatizada” (Braga, 2012), de 
forma que tudo – ou quase tudo – o que acontece, encontre uma forma de 
alcançar alguma mídia ou ser “contado” a alguém de alguma maneira. 
longe de caracterizar uma contraposição ou ruptura entre ambos, a 
midiatização se põe hoje como principal mediação de todos os 
processos sociais. Acredito que isso corrobora e desdobra a afirmação 
de Jesús Martín-Barbero [...] de ter passado de uma proposição sobre 
“mediações culturais da comunicação”, para uma ênfase nas 
“mediações comunicativas da cultura”. São os processos da 
midiatização que hoje delineiam e caracterizam, crescentemente, as 
mediações comunicativas da sociedade. (Braga, 2012, p. 51) 
Dito de outra forma e avançando cronologicamente na teoria das 
mediações, já não são mais apenas os aspectos socioculturais que determinam 
os modelos de transmissão da mensagem, mas a própria comunicação passou a 
reorganizar a cultura e a sociedade. 
Verón (2014) defende o fenômeno da midiatização como não universal e 
reforça que este se intensificou no último século. O ser humano se comunica por 
meio do que ele chama de “fenômenos midiáticos, consistindo da exteriorização 
dos processos mentais na forma de dispositivos materiais. Fenômenos midiáticos 
são, de fato, uma característica universal de todas as sociedades humanas.” 
(Verón, 2014, p. 14). 
Esses fenômenos começam, segundo ele, quando o homem passa a 
manipular e utilizar a pedra como ferramenta. A cada nova evolução tecnológica, 
nova mídias acompanham e, com elas, novas formas de reorganizar a relação do 
 
 
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público com a informação. Por essa perspectiva que atrela história e cultura aos 
processos midiáticos e de significação das informações, Verón é considerado um 
autor de uma vertente antropológica ou semiantropológica das pesquisas sobre 
midiatização. Além desta, há outras duas abordagens: a institucional e a 
socioconstrutivista (Santos et al., 2019). 
Não cabe aqui aprofundar a discussão sobre midiatização, uma vez que 
esse é apenas um dos aspectos dos quais trataremos com o intuito de 
contextualizar a comunicação digital e o webjornalismo. Ainda assim, vale 
mencionar que a primeira entende a midiatização como um resultado da 
globalização, já a segunda carrega uma perspectiva de que toda transformação,inclusive as que envolvem a comunicação, é pautada na interação social. São, 
portanto, perspectivas essencialmente complementares. 
Segundo Verón (2014), avaliar o impacto da técnica sobre a reorganização 
dos processos não necessariamente implica uma abordagem pautada no 
determinismo tecnológico. Em outro sentido, o autor sugere que 
em qualquer tempo, a apropriação pela comunidade de um dispositivo 
técnico pode tomar muitas formas diferentes; a configuração de usos que 
finalmente se torna institucionalizada em um lugar e tempo particular ao 
redor de um dispositivo de comunicação (configuração que pode ser 
propriamente chamada de meio) só necessita de explicação histórica. 
(Verón, 2014, p. 16) 
Em outras palavras, ter um meio de comunicação como mediador não 
apenas da comunicação, mas da própria estrutura de inter-relações entre as 
pessoas – daí a própria essência da palavra midiatização – é o que faz com que 
o momento atual tenha caraterísticas tão particulares, pouco lineares, 
assíncronas, em que características como as distâncias espaciais e os fusos 
horários têm sua importância diminuída para a realização dos encontros, mas 
onde o espaço continua atuando como mediação, assim como hábitos culturais. 
No cenário mediatizado mediado por dispositivos móveis, aplicativos como 
Instagram, especialmente depois da popularização dos Instagram Stories e das 
transmissões ao vivo, Twitter, Snapchat e, mais recentemente, o Tik Tok, recriam 
algumas dinâmicas sociais e de trocas interpessoais, reorganizam relações e 
processos e influenciam, também, na maneira como os indivíduos se informam 
sobre o mundo à sua volta. 
 
 
 
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TEMA 5 – DE GATEKEEPER A FACT CHECKER 
Elaborada em um período de intensa credibilidade e até mesmo de uma 
certa romantização do jornalismo, a ideia de que o profissional da imprensa seria 
uma espécie de guardião da informação remete às décadas iniciais da 
communication research, na primeira metade do século 20. 
O conceito de gatekeeper foi desenvolvido com base nas pesquisas de Kurt 
Lewin e David White, em 1947 e 1950, respectivamente, que discutiam os filtros 
pelos quais os conteúdos passavam no processo de construção da notícia para 
que alguns chegassem aos meios de comunicação e outros não. Essa 
nomenclatura sugere que o jornalista é aquele indivíduo que, exposto a toda a 
sorte de informações e dados, é o responsável autorizar ou não a entrada de uma 
determinada informação, na forma de notícia, na sociedade. Identificar quem eram 
essas pessoas e que critérios direcionavam seu olhar eram objetivos de algumas 
das pesquisas seminais da comunicação. 
De acordo com Wolf (2012, p. 185), “O mérito desses primeiros estudos foi 
definir onde, em quais pontos do aparato, a ação de filtro é exercida explícito e 
institucionalmente”. Posteriormente, em outras pesquisas desses autores ligados 
às primeiras tentativas de desenvolver um campo de pesquisa autônomo tendo a 
comunicação e o jornalismo como objetos, “supera-se o caráter individualista da 
atividade do gatekeeper, acentuando-se em particular, a ideia da seleção como 
processo ordenado hierarquicamente e ligado a uma rede complexa de feedback” 
(Wolf, 2012, p. 186). 
À medida que essa compreensão coletiva da organização das informações 
ganha espaço, o conceito de gatekeeper vai dando lugar à noção de newsmaking, 
à qual daremos mais atenção em conteúdos posteriores. Apesar disso, nas 
redações e na própria formação da persona do jornalista, a figura de alguém 
responsável por ditar o que é ou não notícia ainda faz parte do estereótipo da 
profissão. 
Ao guardar e vigiar os portões da sociedade, esse grupo de indivíduos 
detém a autoridade e o poder de moldar os avanços e desdobramentos da 
transmissão de conteúdo. Com a intensificação dos processos de midiatização, 
esse personagem perdeu o controle da função, à medida que os novos canais de 
comunicação abriram, muito rápido, novas brechas que permitiram a circulação 
livre e alternativa da informação. O portão continua em pé, o guardião também 
 
 
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ainda está lá, mas as informações agora entram e saem indiscriminadamente 
pelos fundos, sem filtros, sem mediadores, amparadas por facilitadores 
tecnológicos – alguns deles, robôs. 
Não é possível prever, ainda que se asseverem os mecanismos de controle 
sobre o jornalismo ou sobre a circulação de notícias e informações de maneira 
geral, se algum dia o jornalismo recuperará o status que a internet e suas novas 
formas de comunicação lhe retiraram. Então, para que serve a figura do jornalista 
numa realidade midiatizada? A resposta reside no que Kovach e Rosentiel (2003, 
p. 31) propõem no começo dos anos 2000: “A principal finalidade do jornalismo é 
fornecer aos cidadãos as informações que necessitam para serem livres e se 
autogovernar”. 
Com as novas tecnologias e o amplo alcance dos dispositivos móveis, o 
jornalista não deve mais se encarregar de filtrar o que passa para dentro do 
portão, mas sim contribuir para organizar as informações por parte dos leitores e 
espectadores, checando se são confiáveis, atuando quase como um moderador 
de discussões, uma vez que o cidadão que não é profissional de comunicação 
também se converteu em produtor de conteúdo, não só consumidor. 
Característica inerente à ética e à própria essência da profissão, a busca 
pela verdade deve nortear os jornalistas. Notícias e verdade não são palavras 
equivalentes, uma vez que “Buscar a exatidão não basta, é preciso ajudar o 
público a interpretar o jornalismo. O trabalho do jornalista é caminhar com o leitor 
rumo ao entendimento” (Kovach; Rosentiel, 2003, p. 70). 
Ao longo dessas duas primeiras décadas do século, no entanto, a figura do 
jornalista-mediador foi perdendo a credibilidade e categorizado por uma parcela 
da população como uma figura que manipula e enquadra a realidade a seu bel 
prazer ou em resposta aos interesses comerciais dos grandes conglomerados de 
comunicação. 
Ao mesmo tempo, o jornalista foi assumindo novas e diferentes funções e 
tarefas, de maior ou menor prestígio: assessor de imprensa, redator web, produtor 
de conteúdo digital, digital influencer, youtuber, entre tantas outras. Essas funções 
são necessárias em um diálogo com empresas e instituições dos mais diversos 
setores no contexto atual, mas estão inseridas em um contexto corporativo, em 
muitas situações impossibilitadas de produzir notícias com imparcialidade, um 
tema tão caro à profissão. 
 
 
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Kovach e Rosenthiel (2003, p. 116) defendem, no entanto, que, se a 
verificação é o grande método do jornalismo, isso não deve ser confundido com a 
discussão sobre objetividade: “Os métodos devem ser objetivos, não o jornalista. 
[...] A chave está na disciplina do ofício, não em sua finalidade”, justificam. 
Se, na época, os autores denunciavam uma tendência ao jornalismo 
declaratório e de afirmação e um declínio do jornalismo de verificação, hoje é 
justamente neste que residem algumas das melhores perspectivas para a 
profissão, à medida que a função de fact-checker vem crescendo e se tornando 
mais e mais necessária. 
Vinculadas ou não a empresas tradicionais de comunicação, agências 
especializadas em checagem de fatos como a Aos Fatos e a Lupa são nichos 
jornalísticos nativos digitais, que surgiram como mecanismos de averiguação que 
só se mostraram necessários num contexto de horizontalidade da produção e 
distribuição noticiosa. Conforme pontuam Prado e Morais (2018, p. 2), “a 
checagem de fatos complementa as práticas jornalísticas, ganha força com a 
internet, cria uma metodologia própria e ajuda o jornalismo a exercer parte de suas 
funções democráticas”. 
Assim, a função de fact-checker se apresenta como uma espécie de 
renascimento da credibilidade do jornalista como investigador que, ao desvendar 
a informação e revelar mentiras e verdades, contribui para o combate à 
desinformação e à circulaçãode informações. 
 
 
 
 
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