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Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 1� CAPÍTULO 6 Estrutura Atômica e Molecular dos Materiais Oswaldo Cascudo1 Doutor, Universidade Federal de Goiás e-mail: ocascudo@eec.ufg.br 1 Estrutura atômica Na descrição de um material, pode-se dizer, de maneira simplificada, que sua constituição se dá pelo conjunto de uma unidade básica que é o átomo. A estrutura de um material, conforme destacado por Askeland (1990), pode ser dividida em quatro níveis: estrutura atômica, arranjo atômico, microestrutura e macroestrutura. Embora no âmbito das engenharias e para os fins tecnológicos que as norteiam os estudos em níveis micro e, principalmente, macroestruturais sejam os que mais importam, há que retroceder à estrutura dos átomos e seus arranjos. Isso é necessário porque o arranjo dos átomos formando estruturas molecular, cristalina ou amorfa influencia de maneira significativa as propriedades físicas e, em particular, o comportamento mecânico dos materiais. Em suma, as características micro e macroestruturais dos materiais, tão importantes para a engenharia, são ditadas pela natureza da ligação atômica, que, por sua vez, depende essencialmente da estrutura eletrônica do átomo. Assim sendo, a seguir, faz-se uma revisão da estrutura atômica e, no item subseqüente, sobre as ligações atômicas. 1.1 A estrutura do átomo: nêutrons, prótons e elétrons A fim de se compreender o tipo e a natureza da ligação que ocorre entre os átomos, considerar-se-á, no presente contexto, o modelo planetário simplificado, como mostrado na Figura 6.1. (a) modelo planetário: núcleo no centro (b) detalhes do átomo com elétrons “orbitando” ao seu redor Figura 6.1 – Modelos simplificados do átomo. 1 O autor expressa seus sinceros agradecimentos ao Eng. Mário Sérgio Jorge dos Santos, do Núcleo de Tecnologia das Argamassas e Revestimentos, da Universidade Federal de Goiás (NUTEA/UFG), pela relevante colaboração na confecção das figuras deste capítulo. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 2� Nesses modelos, percebem-se os elétrons orbitando ao redor de um núcleo, que, por sua vez, é composto por prótons e nêutrons. Os elétrons são partículas carregadas, sendo sua carga elétrica convencionada negativa e igual a 1,6 x 10-19 coulombs. Os prótons são também partículas carregadas, de carga elétrica numericamente igual à do elétron, porém de sinal contrário. Os elétrons mantêm-se, então, de certa forma, “ligados” a determinado núcleo por atração eletrostática, uma vez que os elétrons e o núcleo têm cargas de sinais opostos. Tem-se, assim, o modelo clássico de descrição atômica, em que se tem um núcleo carregado positivamente, formado por prótons (carregados positivamente) e nêutrons, e uma eletrosfera carregada negativamente, constituída de elétrons, os quais circundam esse núcleo e se mantêm ligados a ele por forças de natureza eletrostática. Evidentemente, esse modelo de descrição atômica é simplificado, já que a física tem avançado muito nos últimos anos, especialmente no âmbito da física quântica e no campo do estudo das partículas subatômicas. De acordo com Shackelford (1996), por exemplo, a estrutura detalhada do núcleo de um átomo tem o registro atualmente de um vasto número de partículas elementares, em oposição à descrição tradicional que contempla apenas prótons e nêutrons. Contudo, para os objetivos deste capítulo, vale a descrição clássica tradicional. 1.2 Massa atômica e número atômico 1.2.1 Massa atômica A massa atômica de um átomo está majoritariamente concentrada no núcleo, isto porque a massa de cada próton ou nêutron é igual a aproximadamente 1,67 x 10-24 g, enquanto que a massa de um elétron é aproximadamente 9,11 x 10-28 g, ou seja, a massa do elétron é apenas 0,0005 g da massa de um próton ou de um nêutron. Por isso, em termos práticos, pode-se dizer que a massa dos elétrons é desprezível e que a massa total de um átomo é proporcional ao número de prótons e de nêutrons no núcleo. A essa massa total de prótons e nêutrons dá-se o nome de massa atômica, que é a massa representativa de um átomo. Como a soma das massas dos prótons e dos nêutrons para se obter a massa do elemento resulta em valores essencialmente baixos para as unidades disponíveis de massa, utiliza-se para esse fim uma unidade especial para representar a massa de um elemento, a saber, a unidade de massa atômica (u.m.a.). A u.m.a. é definida como sendo 1/12 da massa do carbono – 12 (C-12), o mais comum dos isótopos de carbono, o que significa que 1 grama equivale a 6,02 x 1023 u.m.a. Este número é o Número de Avogadro2, que, portanto, representa o número de prótons e/ou nêutrons necessário para se produzir a massa de 1 g. Em outras palavras, a massa atômica de um dado elemento é a massa do número de Avogadro (N) de átomos desse elemento, que, por sua vez, é chamado de átomo-grama, ou seja, um átomo-grama contém 6,02 x 1023 átomos. A massa atômica, então, é a massa do número de Avogadro (N) de átomos. N = 6,02 x 1023/mol é o número de átomos ou moléculas em um g.mol. Assim, a massa atômica tem a unidade de g/g.mol. Na tabela periódica (Figura 6.2), aparece a massa atômica dos elementos; a determinação da massa do átomo se dá pela divisão da massa atômica pelo número de Avogadro (6,02 x 1023). Exceto pela densidade e pelo calor específico, a massa atômica exerce pequena influência sobre as propriedades dos materiais. Ao contrário, o número atômico é um fator bastante significativo. 2 Amadeo Avogadro (1776-1856) foi um físico italiano que, dentre várias contribuições, “cunhou” a palavra molécula. A despeito de sua importância, sua hipótese de que todos os gases (a uma dada temperatura e pressão) contêm o mesmo número de moléculas por unidade de volume não foi em geral reconhecida no meio científico. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 3� 1.2.2 Número atômico O número atômico indica o número de elétrons ou de prótons de cada átomo (considerando o átomo neutro, ou seja, com cargas elétricas negativas e positivas iguais). Por exemplo, um átomo de cobre, que contém 29 elétrons e 29 prótons, tem um número atômico igual a 29. Como salienta Van Vlack (1984), são os elétrons, particularmente os mais afastados do núcleo, que afetam a maioria das propriedades de interesse da engenharia, a saber: “eles determinam as propriedades químicas; estabelecem a natureza das ligações interatômicas e, conseqüentemente, as características mecânicas e de resistência; controlam o tamanho do átomo e afetam a condutividade elétrica dos materiais; e influenciam as características óticas”. Na subseção 1.3 e na seção 2, dedica- se especial atenção, respectivamente, à descrição da estrutura eletrônica do átomo e ao que vem em decorrência disso, ou seja, os tipos de ligação atômica, que, por sua vez, são determinantes nas características e propriedades dos materiais. 1.2.3 Tabela periódica Não se pretende aqui discutir a tabela periódica, mas apenas apresentá-la a título de complementação do contexto considerado, enfatizando que os elementos possuem periodicidade3 e que estão agrupados seqüencialmente (da esquerda para a direita) de acordo com onúmero atômico e massa atômica. Figura 6.2 – Tabela periódica dos elementos. 3 A periodicidade dos elementos baseia-se na ordem crescente dos seus números atômicos, calcada no fato de que muitas propriedades físicas e químicas dos elementos são funções periódicas de seus números atômicos. Assim, na tabela periódica, existem 7 linhas horizontais (7 períodos) e 18 colunas. Os períodos (linhas) obedecem ao critério da quantidade de camadas quânticas principais que o átomo de determinado elemento possui. Por exemplo, H e He têm apenas uma camada quântica principal e, por essa razão, pertencem ao 1o período. As colunas, por sua vez, agrupam os elementos químicos cujas propriedades químicas são bastante semelhantes entre si. A análise mais imediata da tabela periódica permite a distinção entre metais e não-metais (tendo o B, Si, Ge, As, Sb, Te e Po como semimetais). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 4� Salienta-se que os elementos4 mais à esquerda da tabela, os metais, são ionizados para gerar cátions (íons positivos), cedendo seus elétrons mais externos. Os elementos mais à direita, os não-metais, recebem ou compartilham elétrons. Essa característica geral é determinante no tipo de ligação que ocorrerá entre os átomos na formação das moléculas ou compostos, como se verá na seção 2. 1.3 Estrutura eletrônica do átomo Os elétrons que circundam o núcleo de um átomo não o fazem dentro de um mesmo nível energético. Eles respeitam níveis ou grupos quânticos, assim como, dentro desses níveis, estão sujeitos a subníveis ou subgrupos específicos. A seguir, tem-se uma sucinta revisão de como se dá a disposição eletrônica dos átomos. 1.3.1 Números quânticos O nível energético ocupado por cada elétron obedece, inicialmente, a uma estrutura de níveis ou camadas quânticas principais, designada por números quânticos principais (n), cujos valores são: 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Esta seqüência diz respeito ao sentido crescente dos níveis quânticos – também representada pelas letras K (n = 1), L (n = 2), M (n = 3), N (n = 4), O (n = 5), P (n = 6) e Q (n = 7) –, o que significa também níveis crescentes de energia. Assim, elétrons que pertençam ao nível quântico K pertencem ao primeiro nível quântico (n = 1), de menor energia em relação aos demais níveis. Para se saber o número máximo de elétrons em um dado nível quântico, pode-se utilizar o termo 2n2, onde “n” é o número quântico principal do nível. Dessa forma, no primeiro nível quântico (K, com n = 1), que representa o nível de menor energia, somente se pode ter um máximo de 2 elétrons. Para os outros níveis, os números máximos possíveis de elétrons são: 8 para o nível L, 18 para o nível M, 32 para o nível N, 32 para o nível O, 18 para o nível P e 2 para o nível Q (os níveis O, P e Q constituem exceções quanto ao uso do termo “2n2” para se determinar o número máximo de elétrons por camada quântica principal). O fato de os elétrons estarem em um mesmo nível quântico, a rigor não significa dizer que eles estão em um mesmo nível energético; trata-se de uma simplificação. Na verdade, há que se detalharem as posições energéticas dos elétrons dentro de um nível, o que é possível por meio de uma estrutura hierarquizada em termos de subníveis. São quatro subníveis possíveis (para cada nível quântico), quais sejam: s, p, d, f5. O subnível de menor energia de um dado nível é “s”, e o número máximo de elétrons desse subnível é igual a 2; “p” tem maior nível energético que “s” e pode ter no máximo 6 elétrons; “d” tem maior nível energético que “p” e “s” e pode ter um máximo de 10 elétrons; finalmente, “f” é o subnível de maior energia em um dado nível, podendo ter no máximo 14 elétrons. Para esse tipo de notação, a designação do nível é feita por meio do número quântico do nível antes das letras e a quantidade de elétrons por subnível vem em forma sobrescrita (do lado direito superior) a cada letra do subnível. Na descrição, obedece-se à seqüência crescente, por níveis de energia, do menor para o maior nível quântico, assim como dentro de um mesmo nível, do mais baixo para o mais alto subnível. Em relação a essa notação eletrônica, há alguns casos especiais que não seguem rigidamente essa regra, denominados por Askeland (1990) de “desvios da estrutura eletrônica esperada”. Um exemplo é o ferro (com 26 elétrons), cujos últimos 8 elétrons deveriam ser “3d8” e, na realidade, são “3d6 4s2”. Mais informações podem ser encontradas em publicações de Askeland (1990, 1998) e Van Vlack (1970, 1984). Na Figura 6.3, tem-se exemplificada a 4 Conceitualmente, elemento (químico) é o conjunto de todos os átomos com o mesmo número de prótons; portanto, com o mesmo número atômico. Para efeito deste capítulo, elemento e átomo assumirão, na maioria das vezes, o mesmo significado. 5 As letras que designam os subníveis, “s”, “p”, “d” e “f”, referem-se, respectivamente, aos seguintes termos: sharp, principal, diffuse e fundamental. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 5� estrutura eletrônica do átomo de sódio, com os níveis quânticos e seus elétrons (por camada) ilustrados esquematicamente, acompanhada de sua notação eletrônica (com os elétrons “detalhados” por subnível). Um último comentário sobre o assunto em discussão diz respeito ao fato de que, mesmo detalhando a posição energética dos elétrons dentro de um nível quântico por meio dos subníveis (como apresentado anteriormente), ainda assim se trata de uma simplificação. O aprofundamento dessa questão passa obrigatoriamente pelo princípio de exclusão de Pauli, que especifica haver não mais do que dois elétrons presentes em um mesmo orbital6, ou seja, apenas dois elétrons, no máximo, podem possuir o mesmo número quântico orbital e, mesmo assim, eles não são idênticos, pois possuem diferentes comportamentos magnéticos (têm spins opostos). O spin está relacionado com o movimento rotacional do elétron em torno do seu eixo. Como a rotação de uma partícula carregada eletricamente (como o elétron, que possui carga negativa) gera no seu entorno um campo magnético, então efeitos de atração ou de repulsão podem advir desse fenômeno. Caso os movimentos rotacionais de dois elétrons sejam em sentidos opostos, diz-se que estes elétrons têm spins contrários, havendo atração entre eles. Por outro lado, quando as rotações ocorrem no mesmo sentido, os dois elétrons são ditos de spins paralelos e há repulsão entre eles. Associa-se aos spins um número quântico de spin, por convenção igual a +1/2 ou -1/2, para representar os diferentes spins. 1.3.2 Valência do átomo A valência de um átomo está relacionada com a habilidade do átomo para entrar em combinação química com outros elementos, sendo freqüentemente determinada pelo número de elétrons na camada mais externa, em especial nos subníveis “s p” (ASKELAND, 1994). A camada mais externa é, portanto, chamada de camada de valência, a qual tem uma importância muito grande no tipo de ligação química que o átomo desenvolverá. Em geral, os átomos tendem a buscar um arranjo altamente estável de 8 elétrons na última camada ou camada de valência (exceto para hidrogênio – e hélio – que se estabiliza com 2 elétrons), mesmo que eles eventualmente deixem de ser eletricamente neutros. Notação eletrônica do Na: 1s2 2s2 2p6 3s1 Figura 6.3 – Estrutura eletrônica do Na, mostrando as camadas ou níveis quânticos K, L e M com seus elétrons (em vermelho) e, abaixo da ilustração,a notação eletrônica desse elemento. Em busca desse arranjo estável na última camada, átomos de valência baixa, em geral igual ou inferior a 3, tendem a perder seus elétrons da camada de valência. Já átomos de 5 a 7 elétrons na última camada tendem a receber elétrons. Átomos de 6 Para cada subnível há um determinado número de orbitais, que é calculado pelo termo (2ℓ + 1), em que ℓ representa o número correspondente do subnível (também chamado de número quântico secundário), sendo igual a 0, 1, 2 ou 3 conforme o subnível s, p, d ou f, respectivamente. Portanto, existem 1, 3, 5 e 7 orbitais, respectivamente para os subníveis s, p, d, e f. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 6� valência 4, em geral, compartilham elétrons. Dependendo desses mecanismos (perda/recebimento de elétrons ou compartilhamento de elétrons), vão se caracterizar diferentes tipos de ligação entre os átomos na formação das moléculas ou compostos, que ditarão, por sua vez, a maior parte das propriedades do material ou composto formado. 2 Ligações atômicas A seguir, são apresentados e discutidos os principais aspectos relacionados às ligações atômicas, que dão origem aos arranjos atômicos na formação dos materiais. 2.1 Ligações primárias (fortes) – ligações iônicas, covalentes e metálicas 2.1.1 Ligações iônicas A ligação iônica dá-se pela atração entre íons de carga elétrica contrária (íons positivos-cátions e íons negativos-ânions), motivada por forças coulombianas7. Constitui- se numa ligação forte. Conforme comentado no item 1.3.2, em busca de alcançar o arranjo estável de 8 elétrons na camada de valência, átomos podem perder elétrons (tornado-se íons positivos) ou podem receber elétrons (tornando-se íons negativos). Nessas situações, motivados por forças de atração coulombianas8, esses íons de carga oposta se atraem, dando origem à ligação iônica. Um exemplo clássico de ligação iônica é a que prevalece no sal de cozinha, o cloreto de sódio (NaCl), cujo esquema se vê na Figura 6.4. É importante salientar, como ressalta Shackelford (2000), que a ligação iônica é não-direcional e, como afirma Van Vlack (1970), o requisito principal que um material iônico sempre satisfaz é o da neutralidade elétrica, ou seja, o número de cargas positivas é sempre igual ao de cargas negativas. A rigor, uma carga negativa é atraída por todas as cargas positivas, assim como uma carga positiva é atraída por todas as negativas. No exemplo da Figura 6.4, os íons de sódio ficam envolvidos por íons de cloro; estes, por sua vez, ficam envolvidos por íons de sódio, com atração igual em todas as direções. Os materiais iônicos, quando submetidos a esforços mecânicos que ultrapassam sua capacidade resistente, normalmente se comportam de maneira frágil, isto é, apresentam-se pouco dúcteis, com baixas deformações até a ruptura. Sobre essa questão, Askeland (1998) argumenta que parte importante da explicação para tal efeito reside no fato de que, quando uma força é aplicada sobre um material com ligação iônica, o balanço elétrico que mantém os átomos fortemente ligados é perturbado. Dessa forma, havendo alteração da força de atração elétrica que une os átomos, a ligação pode ter reduzida a sua força e a ruptura ocorrer de modo frágil (caso da ruptura de um cristal de NaCl). Também é interessante destacar-se que os materiais iônicos possuem, em geral, condutividade elétrica baixa. Isto decorre da premissa básica de que, nesse tipo de material, a transferência de carga elétrica é dada pelo movimento de íons inteiros, os quais não se movem tão facilmente como os elétrons. 7 São forças de atração de natureza eletrostática, originadas pela atração que ocorre entre espécies carregadas com cargas elétricas opostas. A força de atração coulombiana que une íons na ligação iônica é função direta de uma constante que depende da valência do íon carregado e da carga elétrica de um elétron isolado, além de uma constante de proporcionalidade igual a 9 x 109 V.m/C, sendo também inversamente proporcional ao quadrado da distância de separação entre os centros dos íons ligados. Mais informações podem ser obtidas em publicação de Shackelford (2000). 8 Forças coulombianas são assim denominadas em homenagem ao físico francês Charles Augustin de Coulomb (1736- 1806). Ele foi o primeiro cientista a experimentalmente demonstrar a natureza das equações que descrevem as forças de atração eletrostática entre íons de cargas opostas. Além de grandes contribuições para a eletricidade e para o magnetismo, Coulomb foi também um importante pioneiro no campo das mecânicas aplicadas (especialmente nas áreas de fricção e torção). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 7� Figura 6.4 – Ligação iônica – exemplo do NaCl: a) ionização dos elementos e b) atração e ligação iônica (SHACKELFORD, 1996). 2.1.2 Ligações covalentes Outro tipo de ligação atômica considerada forte é a ligação covalente, cuja descrição é um pouco menos simples do que a da ligação iônica. No caso, também em busca de atingir o arranjo estável de 8 elétrons na última camada, os elementos não perdem e nem ganham elétrons, mas sim os compartilham. O que ocorre é uma aproximação muito intensa, por exemplo, entre dois elementos químicos que vão se ligar. Isso propicia que alguns elétrons da camada de valência de um dos átomos circundem o núcleo do outro átomo, e vice-versa. Ou seja, propicia que os elétrons compartilhados “pertençam” à eletrosfera dos dois átomos ligados, ao mesmo tempo. Enquanto a ligação iônica é não-direcional, a ligação covalente é fortemente direcional. Embora as ligações covalentes sejam muito fortes, materiais ligados dessa maneira são, em geral, pouco dúcteis e têm baixa condutividade elétrica. Isso ocorre porque não se consegue facilmente alterar a posição relativa entre os átomos (o que propicia ductilidade ao material), nem promover o transporte de carga elétrica via movimento de elétrons (o que propicia condutividade elétrica) sem ruptura da ligação covalente, o que se consegue, respectivamente, com altas temperaturas e altas voltagens. Em linhas gerais, materiais cuja ligação covalente seja majoritária são preferencialmente frágeis e pouco condutores elétricos. Como exemplos, têm-se muitos dos materiais cerâmicos, semicondutores e polímeros, que podem ser totalmente ou parcialmente constituídos de ligações covalentes. De modo simplista, tem-se uma explicação de por que o vidro se estilhaça quando cai ou por que o tijolo é um péssimo condutor elétrico (ASKELAND, 1990). Exemplos de ligação covalente podem ser vistos na Figura 6.5. Na Figura 6.5a, tem-se o exemplo de uma molécula de oxigênio, em que 4 elétrons ao todo estão sendo compartilhados, 2 de um átomo de oxigênio e 2 do outro. Na Figura 6.5b, tem-se o exemplo do metano, em que 4 átomos estão ligados por ligações covalentes, sendo que cada elétron dos 4 átomos de H é compartilhado com os 4 elétrons da camada de valência do C (um para cada átomo de H). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 8� Figura 6.5 – Exemplos de ligação covalente: a) molécula do oxigênio (O2) e b) molécula do metano (CH4). 2.1.3 Ligações metálicas Um último tipo de ligação forte na formação dos materiais é a ligaçãometálica. Nesse caso, elementos metálicos que tenham baixa valência liberam seus elétrons de valência, de maneira que há a formação de uma “nuvem” de elétrons ao redor dos átomos. Ressalta-se que, quando há a perda dos elétrons de valência, os átomos metálicos remanescentes na realidade tornam-se íons positivos, pois, com a saída dos elétrons da última camada, há um desbalanceamento elétrico, tendo o núcleo uma maior quantidade de cargas positivas do que a eletrosfera de cargas negativas. Os elétrons de valência passam, então, a não estar mais associados com algum átomo em particular; ao contrário, movem-se livremente dentro da “nuvem” eletrônica, estando associados com vários núcleos de átomos. Dessa forma, os núcleos dos átomos carregados positivamente (pela saída dos elétrons de valência) permanecem juntos formando uma rede de átomos, pela atração mútua que existe entre esses núcleos (positivos) e a “nuvem” eletrônica (negativa). A Figura 6.6 ilustra esquematicamente esse tipo de ligação. Ligações metálicas são não-direcionais, pois os átomos “presos” na “nuvem” eletrônica não são fixados em uma única posição. Os materiais ligados por ligação metálica, em geral, têm boa ductilidade, uma vez que sob tensão, quando os átomos são forçados a mudar a relação que têm entre si, simplesmente a direção da ligação é alterada, ao invés de haver quebrar ou ruptura da ligação, como nos outros casos. Tais materiais também são bons condutores elétricos, porque, sob efeito de um campo elétrico, há o movimento dos elétrons da “nuvem”, provocando um fluxo de corrente elétrica se o circuito for fechado. Em outras circunstâncias, como nos materiais iônicos e covalentes, as tensões elétricas do campo terão que ser bem mais altas para, em primeiro lugar, liberar os elétrons da estrutura atômica e, só depois, promover a condução de carga elétrica (ASKELAND, 1994). (b) (a) Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 9� Figura 6.6 – Modelo explicativo da ligação metálica, em que se têm os elétrons de valência deixando os seus átomos originais para formarem uma “nuvem” eletrônica, que mantém presos (ligados) os íons positivos (oriundos da saída dos elétrons) (ASKELAND, 1998). 2.2 Ligações secundárias – forças de van der Waals9 As ligações secundárias são genericamente agrupadas por forças de van der Waals, muito embora existam, dentro dessa denominação geral, tipos e mecanismos diferentes pelos quais os átomos são atraídos. As ligações de van der Waals juntam moléculas ou grupos de átomos por meio de atrações eletrostáticas relativamente fracas (ASKELAND, 1998). O princípio das ligações secundárias é, aproximadamente, similar ao da ligação iônica, ou seja, dá-se pela atração de cargas opostas. A diferença básica entre elas reside no fato de que nas ligações secundárias não há transferência de elétrons. Neste caso, a atração depende das distribuições assimétricas de cargas positiva e negativa dentro de cada átomo ou de uma unidade molecular sendo ligada. A essa assimetria dá- se o nome de dipolo (SHACKELFORD, 1996). Van Vlack (1984) reúne três diferentes tipos para as forças de van der Waals – moléculas polares, dipolos induzidos e ponte de hidrogênio, cujas explicações básicas de seus mecanismos são apresentadas a seguir. Moléculas polares são moléculas que apresentam um desbalanceamento elétrico, ou seja, o centro de carga positiva não é coincidente com o centro de carga negativa. Tem-se, portanto, uma assimetria na molécula no tocante à configuração das cargas elétricas, o chamado dipolo elétrico. Um exemplo de molécula polar ou dipolo elétrico é a molécula do ácido fluorídrico (HF), mostrada na Figura 6.7. Internamente, nesse caso, o hidrogênio está ligado ao átomo de flúor por uma ligação primária, a ligação covalente. No entanto, por ser essa molécula assimétrica, a ligação intermolecular para formar a substância se dá pela atração eletrostática entre as extremidades positiva e negativa de cada molécula polar (dipolo). 9 Johannes Diderik van der Waals (1837-1923), físico holandês que formulou equações descrevendo os estados líquido e gasoso. Estudou e concluiu que o tamanho das moléculas e as forças que atuam entre gases e líquidos afetam seu comportamento. Embora as moléculas de gás sejam extremamente pequenas, cada uma delas tem um tamanho diferente – circunstância que afeta o comportamento das moléculas de diferentes gases. As forças que atuam entre as moléculas de um gás são denominadas forças de van der Waals. Em virtude desse trabalho, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física de 1910. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 10� (a) (b) (c) Figura 6.7 – Exemplo de molécula polar, o HF (a), em que se tem ligação covalente intramolecular e forças de van der Waals intermoleculares – dadas pela atração entre os dipolos (b) e (c) (adaptada de VAN VLACK, 1970). Dipolos induzidos ocorrem com moléculas inicialmente simétricas, que, por alguma razão, sofrem uma polarização momentânea. Formam-se, então, dipolos, que se atraem seguindo o mesmo mecanismo descrito para as moléculas polares. Van Vlack (1984) comenta que essa alteração momentânea da simetria elétrica é decorrente do movimento ao acaso dos elétrons e da vibração atômica; são os chamados efeitos de dispersão. Trata-se, então, de uma “polarização flutuante”, na qual, em cada pequena fração de segundo (entre 10-16 e 10-12 s), os centros de cargas positiva e negativa tornam- se temporariamente não coincidentes, formando um pequeno dipolo. A atração entre dipolos é fraca, todavia não desprezível. Ponte de hidrogênio é um caso particular de atração por moléculas polares, em que a carga positiva do núcleo do átomo de hidrogênio de uma molécula é atraída pelos elétrons de valência de átomos de moléculas adjacentes. O exemplo mais difundido desse tipo de ligação é o da água, como se vê na Figura 6.8, em que o pequeno núcleo do hidrogênio, que é um próton, é atraído por elétrons não compartilhados de uma molécula adjacente próxima de H2O, formando, assim, as “pontes de hidrogênio” entre moléculas de H2O. Talvez a ponte de hidrogênio tenha o status de um tipo específico de forças de van der Waals em função de ser ela a mais forte das ligações secundárias. De acordo com Van Vlack (1984), a máxima energia dessa ligação é de aproximadamente 30 kJ/mol, enquanto para os outros tipos de forças de van der Waals atinge-se um máximo de 5 kJ/mol (usualmente menor que 1 kJ/mol). Certamente por essa razão, percebem-se, no comportamento da água, as evidências da influência da ponte de hidrogênio, refletidas, sobretudo, em propriedades tais como tensão superficial e viscosidade, e também nos fenômenos de sorção de modo geral (o Capítulo 7 traz mais detalhes sobre este assunto). Figura 6.8 – Esquema ilustrativo da atração das moléculas de H2O, na formação da água, por pontes de hidrogênio. Percebe-se a atração entre os núcleos “expostos” de hidrogênio de uma molécula pelos elétrons não compartilhados do oxigênio das moléculas adjacentes. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 11� 2.3 Espaço interatômico e energia de ligação 2.3.1 Espaço interatômico O espaço interatômico, que é a distância de equilíbrio entreos átomos, é determinado por um balanço entre forças de atração e de repulsão. Em um metal sólido, o espaço interatômico é igual ao diâmetro do átomo ou a duas vezes o raio do átomo. Já para os materiais ligados ionicamente, não vale essa proposição, pois o espaço interatômico é, na verdade, a soma de dois diferentes raios iônicos. Surgem, então, os conceitos de raio iônico e raio atômico, bastante usados na ciência dos materiais, existindo uma catalogação desses parâmetros para os vários elementos. Na constituição dos materiais, o espaço interatômico será fruto dessa distância de equilíbrio, regida por relações força-distância ou energia-distância, o que significa dizer que átomos com distâncias inferiores à distância de equilíbrio sofrem os efeitos repulsivos dos seus núcleos, ao passo que átomos separados por distâncias superiores à distância de equilíbrio vão perdendo a força que os mantém unidos. 2.3.2 Energia de ligação A energia de ligação é, por definição, a energia mínima requerida para criar ou para quebrar a ligação. A força que une dois ou mais átomos, ou que une as moléculas ou fases de um material, depende basicamente do tipo de ligação e dos elementos envolvidos, estando relacionada com o espaço interatômico. Em um material, nem sempre existe apenas um único tipo de ligação, como se comentará no item 2.4, mas sim um tipo que prevalece, o que torna a análise do material (quanto à energia de ligação de seus átomos e fases constituintes) bastante mais complexa do que quando se avalia a energia apenas de um tipo de ligação. De qualquer maneira, o Quadro 6.1 ilustra as faixas de energia envolvidas por tipo de ligação, que são mais elevadas para as ligações primárias. Quadro 6.1 – Faixas de energia em função do tipo de ligação atômica (ASKELAND, 1990). Ligação Energia de ligação (kJ/mol) Iônica 625 – 1550 Covalente 520 – 1250 Metálica 100 – 800 Forças de van der Waals < 40 Exemplos de propriedades dos materiais que são afetadas por essas relações força-distância ou energia-distância são o módulo de elasticidade e o coeficiente de variação térmica, dentre várias outras. O módulo de elasticidade, que representa a capacidade de deformação, em regime elástico, que dado material apresenta quando uma força ou tensão é aplicada, tem, ao nível atômico, uma explicação que se respalda na relação entre a força ou energia da ligação atômica com a distância ou espaço interatômico. Assim, módulos altos significam que uma grande dificuldade existe para se alterar a posição original relativa entre os átomos de um material. Isso está associado a uma alta energia de ligação, sendo o inverso verdadeiro. Da mesma forma, o coeficiente de variação térmica, que descreve quanto um material se expandirá ou se contrairá sob o efeito da temperatura, é fortemente relacionado com essa curva energia-distância (atômica). Desse modo, quando um material é aquecido, uma energia adicional é fornecida a ele, provocando separação Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 12� atômica. Sendo alta a energia de ligação entre os átomos desse material, a energia adicional oriunda do aquecimento é pouco significativa para provocar separação atômica, o que significa que esse material possui um baixo coeficiente de variação térmica, sendo também nesse exemplo verdadeira a situação inversa. 2.4 Ligações atômicas características dos principais materiais Conforme comentado anteriormente, muitas vezes não existe um único tipo de ligação que une os átomos na formação dos materiais. Utilizando, então, a classificação genérica fundamental para os tipos de materiais, conforme Shackelford (2000), têm-se, no Quadro 6.2, os tipos predominantes de ligação atômica para esses tipos fundamentais de materiais. A Figura 6.9 ilustra parte do conteúdo presente no Quadro 6.2, destacando de forma esquemática os tipos de ligação predominantes em função dos diferentes materiais. Quadro 6.2 – Tipos predominantes de ligação em função do tipo de material e outras informações. Materiais Tipo de ligação predominante Informações gerais Metais Metálica Metais apresentam elevadas ductilidade e condutividades elétrica e térmica – os elétrons livres transferem com facilidade carga elétrica e energia térmica. Cerâmicos e vidros Iônica, mas às vezes aparece em conjunto com ligações covalentes fortes. Cerâmicas em geral são duras e frágeis, com baixa ductilidade e baixas condutividades elétrica e térmica – não existem elétrons livres, e ligações iônicas e covalentes têm alta energia de ligação. Polímeros Covalente, mas às vezes existem ligações secundárias entre cadeias. Polímeros podem ser pouco dúcteis e, em geral, são pobres condutores elétricos. Se existirem ligações secundárias, podem ter sua ductilidade bastante aumentada, com quedas de resistência e do ponto de fusão. Semicondutores Covalente, mas alguns compostos semicondutores têm elevado caráter iônico. Semicondutores em geral têm baixas ductilidade e condutividade elétrica em função das ligações covalentes e iônicas. Figura 6.9 – Tetraedro representando a contribuição relativa de diferentes tipos de ligação para as quatro categorias fundamentais de materiais de engenharia (SHACKELFORD, 1996). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 13� Tais materiais fundamentais são os metais, os materiais cerâmicos e os vidros, os polímeros e os semicondutores. Sabe-se que, além desses, existem outros tipos que não se encaixam exatamente em uma dessas categorias; todavia, não se constitui objeto deste capítulo explorar tais materiais. O objetivo é apenas exemplificar os tipos de ligação para os casos principais, apresentando algumas informações inerentes aos efeitos que as ligações provocam em algumas propriedades dos materiais. 3 Arranjos atômicos – estrutura dos materiais Seguindo a classificação proposta por Van Vlack (1970), os arranjos atômicos, que propiciam a formação dos materiais, podem ser de três tipos básicos, gerando, então, três classes estruturais principais: as estruturas moleculares, cristalinas e amorfas. Nesta seção, são apresentados e discutidos aspectos referentes a cada um desses tipos de estrutura dos materiais. 3.1 Estrutura molecular A estrutura molecular pode ser genericamente caracterizada por um agrupamento de átomos. Na realidade, existem grupos limitados de átomos fortemente ligados entre si, formando moléculas, e essas moléculas se ligam entre si por meio de ligações secundárias. A característica principal dos materiais de estrutura molecular é, portanto, apresentar forças de atração intramoleculares muito fortes, ao passo que as ligações intermoleculares são do tipo forças de van der Waals. Em geral, as ligações fortes que caracterizam as estruturas moleculares são as ligações covalentes, mas ligações iônicas podem existir. Exemplos de materiais com estrutura molecular envolvem moléculas como H2O, O2, N2 e HNO3, entre outras, que são moléculas não orgânicas relativamente pequenas, ligadas entre si por forças de van der Waals. Há, todavia, um grupo significativo de materiais com estrutura molecular caracterizado por moléculas grandes (macro- moléculas), de natureza orgânica, ou seja, caracterizado pela presença de carbono e hidrogênio. Essas moléculas grandes orgânicas, obtidas por uma reação de síntese chamada de polimerização (que converte vários monômeros em um polímero), possuem a repetição de uma unidadebásica ao longo de toda a cadeia polimérica, chamada “mero”, e têm o mesmo princípio anteriormente comentado para os materiais moleculares, qual seja, o de ter ligações fortes intramoleculares e ligações fracas intermoleculares. Não é objeto deste capítulo discorrer sobre os polímeros (que estão tratados no Capítulo 12 – Microestrutura dos materiais poliméricos), porém como eles representam parte significativa dos materiais de estrutura molecular, são a seguir apresentados alguns aspectos da estrutura dos polímeros. Com base em informações organizadas por Bolina, Costa e Santos (2006), são tecidas breves considerações sobre a conformação de cadeias poliméricas de estrutura molecular, destacando-se as cadeias lineares, as ramificadas e as cruzadas, assim como as cadeias em rede. Dessa forma, ter-se-á uma noção de como se apresenta a estrutura de um material molecular. 3.1.1 Conformação de cadeias poliméricas10 Cadeias lineares são aquelas em que os meros se unem uns aos outros pelas extremidades ativas em cadeias simples. Essas longas cadeias são flexíveis e podem ser comparadas a uma massa de macarrão. A estrutura linear possui ligações covalentes ao longo de sua cadeia principal, mas pode haver forças de van der Waals intensas entre as cadeias (CALLISTER Jr., 1991). 10 Para maior detalhamento do assunto, ver Capítulo 12 – Microestrutura dos materiais poliméricos. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 14� Nas cadeias ramificadas, as ramificações ocorrem quando um átomo ligado à cadeia linear principal é removido e substituído por outra cadeia linear. Isso pode ocorrer várias vezes na cadeia principal do polímero. As ramificações previnem o empacotamento e a cristalização das cadeias, reduzindo, assim, a densidade, a dureza e a resistência do polímero. O processo de ramificação controlada para a produção de plásticos é importante porque se a quantidade de ramificações for grande, os movimentos entre as moléculas adjacentes serão restringidos pelo “embaralhamento” das moléculas entre si (CALLISTER Jr., 1991). Com as ramificações, o material perde em geral capacidade de deformação (ductilidade) e torna-se de comportamento mais frágil. As cadeias cruzadas em polímeros ocorrem quando cadeias lineares adjacentes são unidas umas às outras, em várias posições, por meio de ligações covalentes. O processo de cruzamento das cadeias é alcançado durante a síntese do polímero ou por reação química irreversível, que é usualmente obtido através da elevação da temperatura. Geralmente esse cruzamento das cadeias é acompanhado pela adição de átomos ou moléculas que se ligam covalentemente. O efeito das ligações cruzadas é evidente; os movimentos entre as cadeias adjacentes são restringidos e, dessa forma, as propriedades mecânicas são alteradas. Ao se observar o comportamento de uma borracha natural, em temperaturas normais sua resistência é baixa, assim como seu limite de elasticidade também é baixo. Embora possam se distender elasticamente, as suas moléculas individuais escorregam umas em relação às outras ao invés de se deformarem elasticamente. Contudo, certo grau de “ancoramento” evita os movimentos intermoleculares e torna possível a deformação elástica sob tensão. Tais pontos de ancoragem podem ser obtidos por vários métodos; o mais comum deles é a vulcanização com enxofre. A elasticidade de uma borracha é, portanto, determinada pelo número de ligações cruzadas ou pela quantidade de enxofre adicionada ao material. Baixas adições de enxofre deixam a borracha macia e flexível. Aumentando o teor de enxofre, as cadeias desenrolam e a borracha torna-se endurecida, mais rígida e quebradiça. Tipicamente, é adicionado de 0,5% a 5% de enxofre em relação à massa da borracha para melhorar as ligações cruzadas nos elastômeros (ASKELAND, 1994; CALLISTER Jr., 1991). As cadeias em rede são obtidas quando existem na molécula unidades de mero polifuncionais (ou, pelo menos, trifuncionais), que apresentam, no mínimo, três ligações covalentes ativas ou radicais livres. Estes radicais possibilitam a conexão da molécula original com três ou mais moléculas adjacentes, gerando, assim, um polímero na forma de rede, tridimensional. Um polímero que possui um grande número de ligações cruzadas pode ser classificado como em rede; tal material possui propriedades mecânicas e térmicas distintas (CALLISTER Jr., 1991). A formação de rede aumenta significativamente a massa molecular do polímero e a viscosidade da mistura. 3.1.2 Materiais típicos com estrutura molecular Materiais que tipicamente apresentam uma estrutura molecular são os gases, tais como o oxigênio (O2), o nitrogênio (N2) e o gás carbônico (CO2), além de substâncias líquidas como a água (H2O) e o ácido nítrico (HNO3), dentre uma enorme gama de outros gases e líquidos. Também têm estrutura molecular os materiais betuminosos, como destacado por Agopyan (s. d.). Outra categoria de materiais bem representada pela estrutura molecular é a de polímeros, como discutido no presente item. Boa parte desses materiais tem estrutura molecular, especialmente os polímeros de cadeia linear, como as resinas termoplásticas, pois elas se enquadram bem no conceito de estrutura molecular, em que as ligações intramoleculares (dentro da cadeia) são fortes, enquanto forças de van der Waals se desenvolvem para ligar as cadeias (ligações fracas intermoleculares). Exemplos de polímeros termoplásticos são as resinas vinílicas, as resinas celulósicas e as poliamidas, além de borrachas tratadas como a borracha clorada, por exemplo, dentre outros. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 15� Alguns polímeros apresentam certa regularidade na disposição espacial de suas moléculas e, portanto, ganham a denominação de materiais cristalinos ou cristais moleculares. O fato de se aplicar o termo cristalino ou amorfo (quando não apresentam regularidade) para os materiais poliméricos não invalida sua inserção mais genérica como materiais moleculares. Nesse sentido, cabe o comentário de Van Vlack (1970) de que a cristalização nos polímeros raramente é perfeita, aliás, na maioria das vezes, ela é imperfeita, sendo completamente ausente em alguns casos. Esse mesmo autor ressalta três distinções para os arranjos cristalinos dos polímeros em relação aos sistemas cristalinos clássicos de íons e átomos, como será tratado no item 3.2, a saber: 1) nos polímeros, as moléculas não são esféricas; 2) a molécula funciona como uma unidade; e 3) as atrações intermoleculares são, em geral, forças de van der Waals fracas. Por essas razões, a despeito de apresentarem arranjos cristalinos ou amorfos, os polímeros são materiais de estrutura genérica molecular, mesmo aqueles que não seguem à risca o princípio da atração intermolecular fraca, como as resinas termofixas (ou termoestáveis), cuja estrutura é caracterizada por cadeias em rede, tridimensionais e rígidas, nas quais ligações cruzadas ocorrem unindo rigidamente as cadeias por ligações covalentes. Exemplos de polímeros termoestáveis são as resinas epóxi, poliéster e furânica, entre outras. Também os elastômeros, que são polímeros cuja estrutura se caracteriza por cadeias lineares com ligações cruzadas, são exemplos de materiais moleculares (menos rígidos e resistentes do que os polímeros termofixos). No caso dos elastômeros, as ligações cruzadas auxiliam na restrição à deformação plástica, mas permitem ocorrer a deformação elástica do material. 3.2 Estrutura cristalina A estrutura cristalinaé caracterizada quando existe uma organização na disposição espacial dos átomos que constituem determinado arranjo atômico. Percebe-se, então, uma regularidade estrutural, com a repetição, nas três dimensões, de uma umidade básica. A esses tipos organizados de estrutura dá-se o nome genérico de cristais. A seguir, são propostos os conceitos de cristalinidade e de célula unitária, apresentados os sistemas cristalinos e seus aspectos peculiares, sendo, por fim, contempladas informações sobre as transformações alotrópicas e sobre os materiais típicos de estrutura cristalina. 3.2.1 Cristalinidade e célula unitária O conceito de cristalinidade se aplica à estrutura interna de um material cujo arranjo atômico gera um modelo tridimensional ordenado e repetitivo. Há, dessa forma, uma regularidade na estrutura interna do material, com a repetição, nas três dimensões, de uma unidade básica, chamada de célula unitária. Salienta-se que esse modelo ordenado e repetitivo da estrutura cristalina se estende por todo o material, o que o caracteriza como um modelo ordenado de longo alcance. Tal ordenação se deriva da coordenação atômica11 no interior do material, cuja característica principal é a de uma configuração atômica que se repete indefinidamente até os limites ou contornos finais do material, formando um reticulado, ou seja, um conjunto de átomos regularmente distribuídos no espaço. No reticulado cristalino, considerando cada ponto do reticulado como um átomo individual, cada ponto tem características similares entre si, isto é, os átomos são idênticos. 11 Coordenação atômica diz respeito à ordenação que os átomos têm e às suas relações com os átomos vizinhos mais próximos. Da coordenação atômica extrai-se um parâmetro, o número de coordenação (NC), que representa o número de vizinhos mais próximos de um átomo em seu arranjo atômico. Na Figura 6.5b, do metano, o NC do carbono é 4 porque ele tem 4 átomos vizinhos de hidrogênio, enquanto o NC do hidrogênio é 1 porque cada hidrogênio só tem um átomo mais próximo de carbono. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 16� A célula unitária é, portanto, uma subdivisão do reticulado cristalino, na qual são mantidas as características gerais de todo o reticulado. Em outras palavras, trata-se de um pequeno volume (a unidade básica) que contém todas as características encontradas no cristal como um todo. Conhecendo, pois, a célula unitária, pode-se descrever a estrutura do cristal que caracteriza o material, uma vez que essa estrutura se refere ao tamanho, à forma e ao arranjo atômico dentro do reticulado. O reticulado possui alguns parâmetros, os chamados parâmetros do reticulado ou parâmetros cristalinos, os quais descrevem o tamanho e a forma da célula unitária, o que inclui as dimensões (lados ou arestas) da célula unitária e os ângulos entre os lados (esses parâmetros estão mostrados no Quadro 6.3). No modelo de longo alcance, os parâmetros cristalinos se repetem “indefinidamente” (até os contornos finais do material). A Figura 6.10 ilustra didaticamente um reticulado cristalino, com os pontos (átomos) distribuídos regularmente no espaço e a célula unitária. Figura 6.10 – Ilustração esquemática de um reticulado cristalino com o destaque para a célula unitária (região em azul) (ASKELAND, 1998). 3.2.2 Sistemas cristalinos O arranjo atômico ordenado e regular propicia que configurações atômicas gerem reticulados cuja unidade básica forme uma figura geométrica. Tal nível de organização permitiu uma classificação da estrutura cristalina em sete sistemas cristalinos principais, conforme a geometria do cristal. Com alguns aspectos peculiares, esses sete sistemas se desdobram em um total de 14 reticulados cristalinos, como se vê em 3.2.2.1 a seguir. Em 3.2.2.2, são tratados de alguns detalhes dos sistemas cristalinos, como as descrições de suas direções e de seus planos. 3.2.2.1 Sistemas e reticulados cristalinos A geometria diversificada dos cristais permite a identificação de sete diferentes sistemas cristalinos, a saber: cúbico, monoclínico, triclínico, hexagonal, ortorrômbico, romboédrico e tetragonal. Uma descrição desses sistemas é apresentada no Quadro 6.3. Alguns desses sete sistemas possuem variações da sua configuração básica, o que essencialmente se dá pela presença de alguns átomos adicionais no reticulado, além daqueles presentes nas posições normais, nos vértices da figura geométrica definida pela célula unitária. Esses átomos adicionais podem se posicionar ou no centro da figura geométrica (célula unitária), ganhando a denominação de corpo centrado, ou em faces dessa figura, ganhando a denominação de face centrada. Dessa forma, mais sete possibilidades de configuração atômica se somam às sete opções básicas comentadas anteriormente, gerando, então, 14 tipos possíveis de reticulados cristalinos, aos quais se dá o nome de reticulados de Bravais12. A descrição consolidada das 14 alternativas 12 Esta denominação é em homenagem ao pesquisador francês Auguste Bravais (1811-1863), que, dentre várias realizações, contribuiu decisivamente para o estudo dos arranjos atômicos dos cristais, na consolidação das possíveis configurações de reticulados cristalinos. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 17� básicas de arranjos atômicos (os reticulados de Bravais) para os materiais de estrutura cristalina pode ser vista na Figura 6.11. Quadro 6.3 – Os sistemas cristalinos e os parâmetros do reticulado (adaptado de SHACKELFORD, 1996). Sistema Comprimentos axiais e ângulos Geometria da célula unitária Cúbico a = b = c, α = β = γ = 90º Tetragonal a = b ≠ c, α = β = γ = 90º Ortorrômbico a ≠ b ≠ c, α = β = γ = 90º Romboédrico a = b = c, α = β = γ ≠ 90º Hexagonal a = b ≠ c, α = β = 90º, γ = 120º Monoclínico a ≠ b ≠ c, α = γ = 90º ≠ β Triclínico a ≠ b ≠ c, α ≠ β ≠ γ ≠ 90º Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 18� Figura 6.11 – Reticulados cristalinos de Bravais – 7 sistemas cristalinos e 14 reticulados característicos dos materiais cristalinos. Os pontos em vermelho representam os átomos. É interessante observar-se que alguns sistemas são facilmente descritos, como o sistema cúbico, por exemplo. Nesse caso, como os ângulos entre as arestas do cubo da célula unitária são todos iguais a 90º e as arestas nas três dimensões são iguais, conhecendo-se tão somente o parâmetro “a” do reticulado (aresta “a” da célula unitária, conforme o Quadro 6.3), tem-se a descrição da estrutura interna do material. Já para sistemas como o triclínico, o ortorrômbico ou o hexagonal, por exemplo, as descrições são mais complexas, pois demandam o conhecimento de mais parâmetros. 3.2.2.2 Direções e planos cristalinos A descrição mais completa da estrutura cristalina passa pela identificação das direções e dos planos no cristal, o que se faz por meio de um sistema de eixos cartesianos aplicados na célula unitária. Utiliza-se para tais finalidades notações particulares que empregam os índices de Miller, chamados desta forma em homenagem ao cientista britânico William Hallowes Miller (1801 – 1880), que, juntamente com Bravais, constituiu-se em um dos principais estudiosos da cristalografia de materiais do século dezenove.O desenvolvimento de uma eficiente notação para descrever os planos cristalográficos foi uma de suas contribuições mais relevantes (SHACKELFORD, 1996). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 19� No caso das direções do cristal, vetores partindo da origem do sistema de eixos cartesianos (ou coordenados, em três dimensões), onde se posiciona a célula unitária com um de seus vértices na origem do sistema de eixos, permitem identificar qualquer posição da célula unitária ou reticulado por meio das coordenadas x, y e z (ou, respectivamente, h, k, l pela notação de Miller), sendo o número um (1) convencionado como a maior dimensão da célula e o número zero (0) a menor, conforme se pode visualizar na Figura 6.12. Essas coordenadas do ponto cuja posição se quer identificar no reticulado normalmente são representadas entre colchetes [h, k, l]. Figura 6.12 – Descrição das direções no cristal, utilizando-se como exemplo um reticulado ortorrômbico simples (VAN VLACK, 1970). Com relação aos planos, são empregados para a sua descrição os índices de Miller (h, k, l) entre parênteses. Esses índices são definidos como os recíprocos das três interseções axiais de um plano, reduzidos aos menores números inteiros (VAN VLACK, 1984). Isso significa que, por exemplo, um plano (010) é paralelo aos eixos cristalográficos x e z, cortando o eixo y no parâmetro do reticulado (convencionado igual a 1). Como a origem é escolhida arbitrariamente, ou seja, poderia ser tanto o 0 como o 0’ (ver Figura 6.13a para o sistema cúbico), então os três planos sombreados nessa figura (Figura 6.13a) podem corresponder ao plano (010), muito embora, a rigor, considerando a origem em 0, o plano do meio dentre os três sombreados (identificado na cor vermelha) é o plano (010). Tomando outro exemplo, o do plano (110), esta notação quer dizer que se trata de planos que cortam os eixos x e y nas distâncias correspondentes ao parâmetro do reticulado (igual a 1, contado a partir da origem) e que são paralelos ao eixo z, como destaca a Figura 6.13b para o sistema cúbico (o plano indicado em vermelho corresponde ao plano (110) tomando a origem em 0, na interseção dos três eixos coordenados). Na verdade, os índices (h, k, l) são recíprocos e, portanto, para se saber onde o plano em análise estará cortando, respectivamente, os eixos cristalográficos em x, y e z, observa-se o inverso dos índices de Miller. Assim, no exemplo do plano (010) para o sistema cúbico (Figura 6.13a), o inverso de 0 é ∞ (infinito), o inverso de 1 é 1, e o inverso de 0 é ∞. Portanto, o plano (010) é paralelo aos eixos x e z, uma vez que “cortaria” esses eixos no infinito, e corta o eixo y na distância correspondente ao parâmetro do reticulado (igual a 1). Pode-se, então, aplicar esse raciocínio para todos os demais planos, inclusive para planos que se situarem aquém da origem dos eixos, colocando-se, nesse caso, uma barra sobre o(s) índice(s) de Miller para representar posições negativas no sistema de eixos cartesianos. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 20� Figura 6.13 – Ilustrações esquemáticas dos planos (010) e (110) (regiões sombreadas em vermelho), respectivamente partes (a) e (b) da figura, para o sistema cristalino cúbico simples (adaptada de VAN VLACK, 1970). Cabe ressaltar, por último, que o estudo dos materiais cristalinos ao nível cristalográfico pode ser muito relevante, o que justifica todo o conteúdo tratado neste subitem. Em termos de direções no cristal, é sabido que diferentes direções podem determinar diferentes propriedades do material, ou seja, as propriedades de dado material podem ser dependentes da direção no cristal ao longo da qual elas foram medidas. Da mesma forma, certos planos cristalinos podem ser bastante significativos; por exemplo, metais se deformam ao longo de planos de átomos que estão mais fortemente empacotados (ASKELAND, 1990). 3.2.3 Alotropia (ou polimorfismo) dos materiais cristalinos Alotropia ou polimorfismo diz respeito a diferentes formas cristalinas que um sólido cristalino pode assumir, mantendo a mesma composição química. As transformações alotrópicas, que fazem com que o mesmo material possa ter diferentes arranjos cristalinos, em função de variáveis como a temperatura, por exemplo, têm muita importância no contexto tecnológico e para os interesses da engenharia, na medida em que as propriedades do material podem ser significativamente alteradas dependendo da sua forma alotrópica vigente, a despeito de sua composição química manter-se a mesma. Um exemplo de polimorfismo é o da grafita e do diamante, que são considerados dois polimorfos de carbono, cujas propriedades, entretanto, são bastante diferentes. Outro exemplo que vale o registro é o caso ímpar do composto SiC, que chega a ter até vinte modificações cristalinas, não sendo esta, porém, uma situação comum entre os materiais cristalinos (VAN VLACK, 1984). Um último exemplo a ser destacado é o caso do ferro, que talvez seja o exemplo mais difundido de alotropia aplicado aos materiais. O ferro é, portanto, alotrópico, com variações de sua estrutura entre o sistema cúbico de corpo centrado (ccc) e cúbico de faces centradas (cfc). Na estrutura ccc, a célula unitária tem um átomo de ferro em cada vértice do cubo e outro átomo no centro do cubo (Figura 6.14a), de forma que cada átomo de ferro é cercado por outros oito átomos de ferro adjacentes, independentemente de o átomo considerado estar localizado no vértice ou no centro da célula unitária. Dessa maneira, há uma regularidade geométrica dos átomos de ferro, de modo que dentro de cada célula unitária há sempre dois átomos no total, um localizando-se no centro do cubo e mais oito oitavos nos oito vértices (Figura 6.14a). Já na estrutura cfc, além de um átomo em cada vértice da célula unitária, há um no centro de cada face e nenhum no centro do cubo. Neste caso, cada célula unitária contém dentro dela quatro átomos de ferro no total; os oito oitavos dos vértices contribuem com um átomo e as seis metades nos centros das faces representam um total de três átomos (Figura 6.14b). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 21� Figura 6.14 – Células unitárias cúbica de corpo centrado – ccc (a) e cúbica de faces centradas – cfc (b), representando duas diferentes formas alotrópicas do ferro. As esferas e suas frações designam, respectivamente, os átomos de ferro e suas partes contidas na célula unitária. A forma alotrópica do ferro ccc é estável em temperaturas ambientes, permanecendo assim até temperaturas em torno de 912oC (há uma outra faixa em que volta a ser estável a estrutura ccc, entre 1394oC e 1538oC, porém sem interesses comerciais e práticos). Em temperatura ambiente, o fator de empacotamento atômico dessa estrutura ccc é igual a 0,68, o número de coordenação é oito e o raio atômico 1,241 Å. O ferro ccc é mais duro que o ferro cfc e apresenta, diferentemente deste último, a característica de ferromagnetismo. A estrutura cfc é estável em temperaturas entre 912oC e 1394oC, tendo um fator de empacotamento à temperatura de 912oC igual a 0,74, um número de coordenação 12 e raio atômico igual a 1,292 Å13 (ASKELAND, 1990). O ferro cfc é mole e dúctil, prestando-se bem para os processos metalúrgicos de conformação mecânica, como: laminação a quente e forjamento. Vê-se, portanto, que diferentes formas alotrópicas domesmo material implicam diferentes propriedades, aplicações e usos. 3.2.4 Materiais típicos de estrutura cristalina Existe uma grande diversidade de materiais e compostos presentes na natureza, assim como os processados pelo homem, que apresenta estrutura cristalina. O ferro e os aços de construção são exemplos clássicos de materiais cristalinos, que se alternam entre as formas alotrópicas estruturais cúbicas de corpo centrado (ccc) – em temperatura ambiente – e de face centrada (cfc). Nos aços de construção à temperatura ambiente, além da ferrita, que apresenta estrutura ccc, podem-se ter outras fases cristalinas, tais como: a cementita (estrutura ortorrômbica com 12 átomos de ferro e 4 átomos de carbono), a perlita (que é uma fase mista contendo cementita e ferrita) e a martensita (estrutura tetragonal de corpo centrado, obtida pelo tratamento térmico de têmpera)13. Os metais, que são considerados sólidos elementares, possuem estrutura cristalina. Os compostos principais do cimento Portland, assim como seus derivados hidratados, em geral são fases cristalinas. A saber, os silicatos de cálcio anidros (C3S e β- C2S) apresentam uma estrutura complexa constituídas de tetraedros de sílica ( −44SiO ) e íons de cálcio (Ca2+), com uma coordenação irregular dos íons de oxigênio em torno do cálcio. Essa coordenação irregular, mais acentuada para o C3S, produz grandes vazios estruturais, o que explica a alta reatividade da estrutura quando em contato com a água (maior para o C3S em comparação ao β-C2S). As fases aluminato e ferroaluminato (C3A e C4AF) são também cristalinas, com o C3A puro apresentando uma estrutura cúbica e as formas impuras do C3A e do C4AF possuindo estrutura ortorrômbica. Os compostos hidratados da pasta de cimento também são cristalinos, tais como o hidróxido de cálcio, a 13 Esse assunto concernente à estrutura dos aços e suas fases constituintes é tratado com mais detalhes no Capítulo 10 – Microestrutura dos materiais metálicos. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 22� etringita, o monossulfato e o C-S-H; todavia, alguns tipos de C-S-H têm cristalinidade baixa. Muitos materiais naturais, sem o processamento humano para a sua formação, possuem também estruturas cristalinas. Um exemplo desses materiais é a areia natural, constituída essencialmente de sílica em sua forma cristalina, que é o quartzo. O quartzo possui estrutura trigonal (romboédrica), e a areia é o material mais largamente utilizado como agregado miúdo nos concretos e argamassas de cimento Portland. Assim como a areia, várias rochas naturais são igualmente empregadas como agregado, em especial como agregado graúdo para concretos. Muitas delas são constituídas de fases minerais diversas contendo estrutura cristalina, como a rocha granítica, por exemplo, que se trata de um conglomerado poliminerálico. Por fim, na lista de materiais naturais ressaltadas neste parágrafo, não se pode deixar de mencionar o gelo, que se constitui em um sólido cristalino de reticulado hexagonal. Além dos exemplos anteriormente citados, há uma grande diversidade de outros materiais e compostos que possuem estrutura cristalina. Cabe destacar-se aqui, por fim, o papel da técnica de difração de raios X como ferramenta de caracterização dos materiais cristalinos14. O feixe de raios X incidente na estrutura cristalina propicia uma difração posterior desses raios através de determinados planos de átomos ou de íons que constituem o cristal. Pela medida dos ângulos de difração que correspondem a certas distâncias interplanares, têm-se os picos característicos que identificam uma série de materiais de estrutura cristalina. Isso credencia a técnica de difração de raios X como ferramenta imprescindível no estudo dos materiais cristalinos. 3.3 Estrutura não cristalina – amorfa Materiais de estrutura amorfa ou vítrea, ao nível de seus arranjos atômicos, são aqueles em que os átomos não resguardam qualquer tipo de regularidade ou organização em termos de sua disposição espacial, ou, caso exista algum ordenamento, ele ocorre a curto alcance (em pequenas distâncias). A seguir, apresenta-se o conceito de amorfismo aplicado aos materiais, bem como são destacados aspectos gerais dos materiais amorfos, especialmente dos sólidos de estrutura não-cristalina. 3.3.1 O conceito de amorfismo De modo geral, o conceito de amorfismo diz respeito a uma estrutura interna “sem forma” e, portanto, se aplicado aos materiais em geral, em suas diversas configurações atômicas, são amorfos os gases, os líquidos e os sólidos não-cristalinos como o vidro, por exemplo. Convém observar-se que esse conceito não exclui o conceito de estrutura molecular, discutido em 3.1, já que substâncias como o vapor de água e a própria água em forma líquida são materiais moleculares por definição, ao mesmo tempo em que são considerados materiais de configuração amorfa (com ordenamento em pequenas distâncias). Nesse sentido, a Figura 6.15 ilustra quatro diferentes arranjos atômicos para materiais diversos, em que se vêem as seguintes situações: a) um gás inerte sem qualquer tipo de ordenamento, que se constitui em uma configuração amorfa por excelência; b) vapor de água, que apresenta ordenamento a pequena distância; c) a estrutura do vidro, que também apresenta ordem em pequenas distâncias; e d) a estrutura de um metal, que é essencialmente cristalina, com ordenamento ao longo de todo o material. Nesses quatro casos, os três primeiros representam materiais amorfos (sendo o vidro um sólido amorfo) e o último refere-se a um material essencialmente cristalino. 14 Mais detalhes sobre este assunto podem ser encontrados no Capítulo 14, que trata das técnicas experimentais para estudo dos materiais. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 23� Figura 6.15 – Diferentes arranjos atômicos de materiais. a) gás inerte, sem nenhum ordenamento regular de átomos (estrutura amorfa); b) e c) vapor de água e estrutura do vidro, com ordem em pequenas distâncias (estruturas amorfas); e d) metal, com um ordenamento regular de átomos que se estende por todo o material (estrutura cristalina) (ASKELAND, 1998). 3.3.2 Sólidos não-cristalinos e materiais típicos de estrutura amorfa Os sólidos não-cristalinos representam o foco principal de abordagem neste capítulo para os materiais de estrutura amorfa, já que os gases e líquidos estariam, em sua maioria, inseridos, perante a classificação adotada neste capítulo, no item de materiais moleculares, embora, como dito anteriormente, os dois conceitos não sejam excludentes. Assim, ao se falar doravante em materiais amorfos, estarão sendo reportados os sólidos de estrutura vítrea ou não-cristalina. Os sólidos amorfos apresentam estrutura de natureza vítrea, tendo aspecto estrutural não-cristalino, com ordem apenas em pequenas distâncias. A Figura 6.16 ressalta as diferenças de ordenamento atômico entre um sólido cristalino e um sólido não- cristalino, propiciando a distinção entre o ordenamento em pequenas distâncias e em grandes distâncias. Nessa figura, percebe-se, na estrutura do vidro (a), um ordenamento apenas em pequenas distâncias, com cada pequeno átomo de boro (pontos em vermelho) se acomodando entre três átomos maiores de oxigênio, e este sendo coordenado com dois átomos de boro. Todavia, não se vê regularidade ou ordenamento numa situação “menos ampliada”, ou seja, vista sob um espectro mais amplo. Já no caso do cristal(b), embora se visualize a figura apenas em duas dimensões, fica nítida a percepção de regularidade e de similaridade na disposição atômica da figura como um todo, além da ordem vista em pequenas distâncias (igual à situação do vidro). Figura 6.16 – Exemplos de ordenamento atômico para a estrutura do B2O3. (a) caso do vidro, que é um sólido não cristalino, com ordenamento apenas em pequenas distâncias; (b) caso do cristal, que é um sólido cristalino, com ordem em grandes distâncias, além de pequenas distâncias (VAN VLACK, 1970). Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 24� De modo genérico, diz-se que o vidro é um líquido super-resfriado. De algum modo faz sentido essa afirmação, porque a sua estrutura interna, em termos de ordenamento atômico, tem muita similaridade com a estrutura dos líquidos. Como visto anteriormente, os líquidos, quando guardam alguma ordem estrutural, assim o fazem em pequenas distâncias, da mesma forma como ocorre com os sólidos não-cristalinos como o vidro. De fato, assim como a maior parte dos sólidos não-cristalinos em seus processos de fabricação ou produção, o vidro é submetido a altas temperaturas, o que o faz atingir seu estado de fusão. Dessa forma, em estado líquido, tal material naturalmente só pode desenvolver ordenamento atômico, no máximo, em pequenas distâncias. Ocorre que a transição desse estado líquido de fusão para o estado sólido normalmente se dá mediante bruscos resfriamentos, o que impede o material de buscar, mediante uma eventual redução gradativa de temperatura, um rearranjo organizado, regular e ordenado a longo alcance (que caracteriza os materiais cristalinos). Literalmente, é como se o arranjo pouco ordenado do líquido ficasse “estagnado” quando da mudança do material do estado líquido para o estado sólido, dada a repentina redução de temperatura. Esta é a principal característica associada aos materiais amorfos. Deve-se ressalvar para o término desta discussão, consoante o que foi colocado no início deste parágrafo de que o vidro é um líquido super-resfriado, que, embora válida tal argumentação em termos de reflexão científica, ela não se aplica no rigor conceitual, porque o vidro tem uma resistência ao cisalhamento considerável e, sendo assim, não pode ser considerado um líquido verdadeiro. Como exemplo de material de estrutura amorfa, o vidro é o mais difundido sólido não-cristalino existente na literatura científica. Além dele, podem ser citados vários materiais que são obtidos por brusco resfriamento, como algumas adições minerais usadas na tecnologia dos cimentos e dos concretos Portland, a saber: a sílica ativa, a escória de alto-forno, a cinza volante e a cinza de casca de arroz, dentre outros. Um exemplo de material do cotidiano da vida doméstica que tem estrutura amorfa é o baquelite. 4 Fases dos materiais O termo fase aplicado aos materiais diz respeito, conceitualmente, a uma ou mais partes do material que resguarda homogeneidade do ponto de vista estrutural, ou seja, que mantém um arranjo atômico próprio. Dessa forma, se um material possui como um todo um mesmo arranjo atômico, ele é dito homogêneo e unifásico. Se, por outro lado, coexistem no material partes com identidades estruturais próprias, o material será bifásico, trifásico ou, de modo genérico, polifásico (ou multifásico), em função do número de partes estruturalmente homogêneas (fases) existentes nesse material. 4.1 Considerações sobre fases cristalinas e amorfas As fases podem ser cristalinas ou amorfas, considerando os conceitos de cristalinidade e amorfismo discutidos em 3.2.1 e 3.3.1, aplicados a essas partes estruturalmente homogêneas dos materiais. No entanto, a identificação de fases distintas e, portanto, a clara definição de partes com identidades próprias na constituição do material, caracterizando assim o material como possuidor de mais de uma fase, adequa- se basicamente aos materiais cristalinos. No material não cristalino, que possui ordenamento, no máximo, em pequenas distâncias, é difícil estabelecer claramente os limites entre uma fase e outra fase. Dentro de uma fase cristalina, por sua vez, pode haver a dissolução de alguns elementos ou “impurezas” dentro da estrutura característica do material, formada por um ou mais elementos preponderantes. Têm-se, então, as fases impuras, que representam Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 25� melhor os materiais disponíveis e utilizados na engenharia e no cotidiano do ser humano, como se descrevem a seguir. 4.2 Fases impuras – soluções sólidas ou estruturas de cristais mistos As fases impuras pressupõem, então, a formação de soluções sólidas ou estruturas de cristais mistos, na qual átomos de um soluto (em menor quantidade) conseguem se “dissolver” em uma estrutura principal, com átomos de solvente. A seguir, são apresentados os tipos de soluções sólidas aplicados aos metais, além de outros tipos e de considerações gerais. 4.2.1 Soluções sólidas em metais15 O aço é um exemplo de material que desenvolve uma solução sólida (em uma de suas formas alotrópicas), na qual átomos de carbono se dissolvem na estrutura do ferro. O latão é outro exemplo de material “impuro”, em que o zinco é acrescentado à estrutura do cobre. Nestes casos, o produto resultante tem propriedades superiores aos constituintes “puros”. O aço tem maiores resistência, limite de escoamento e dureza que o ferro puro, enquanto o latão é mais duro, mais resistente e mais dúctil do que o cobre. As soluções sólidas em metais podem ser do tipo substitucional ou intersticial, conforme considerações apresentadas a seguir. 4.2.1.1 Solução sólida substitucional Solução sólida substitucional ocorre quando o átomo do soluto tem dimensões e estruturas eletrônicas semelhantes ao átomo do solvente. Dessa forma, podem ocorrer substituições de alguns átomos da matriz do solvente por átomos “semelhantes” do soluto, formando-se uma solução sólida substitucional. A quantidade de átomos que pode substituir átomos do solvente não é ilimitada; ela é restringida pelo limite de solubilidade que a matriz do solvente estabelece, de modo que a sua estrutura original não venha a ser alterada. Exemplos conhecidos de solução sólida substitucional em metais são o bronze, cuja estrutura forma uma solução sólida substitucional de estanho na matriz do cobre, e o latão, que consiste em uma estrutura de cristal misto, com átomos de zinco substituindo parte dos átomos de cobre na matriz do cobre (Figura 6.17). Nos casos do bronze e do latão, os átomos do soluto estão dispersos ao acaso ou de forma aleatória entre os átomos do solvente. Todavia, a substituição pode se dar também de forma ordenada, com a maioria dos átomos do soluto disposta de forma coordenada entre os átomos do solvente. Se isto ocorrer, a solução sólida é dita ordenada. Figura 6.17 – Solução sólida substitucional característica do latão, em que se têm os átomos de zinco (soluto) substituindo, de forma aleatória, os átomos de cobre do solvente (modelo de descrição planar, sendo os átomos de zinco os círculos escuros e os átomos de cobre os círculos claros) (VAN VLACK, 1970). 15 Mais detalhes sobre o assunto podem ser encontrados no Capítulo 10, que trata da microestrutura dos materiais metálicos. Instituto Brasileiro do Concreto . Livro Materiais de Construção Civil 26� 4.2.1.2
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