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Leo Kanner e os onze 
casos de autismo infantil 
 
 
 
 Leo Kanner nasceu em Chaskel Leib Kanner, 
num parto em casa, em uma pequena aldeia austríaca 
chamada Klekotow, em 1894. Foi um menino solitário, 
com memória fantástica, que perdurou por toda a vida. 
Sua mãe foi morta pelos nazistas a tiros enquanto 
cochilava numa cadeira de balanço. Suas três irmãs e 
suas respectivas famílias foram mortas em campo de 
concentração, ao passo que o irmão Klias, um 
advogado, suicidou-se quando os nazistas se 
aproximavam da cidadezinha em que ele vivia. Sua 
irmã Dora, tornou-se bibliotecária na Universidade 
Hebraica de Jerusalém e o irmão Wolf, fugiu para 
Xangai, onde trabalhou como farmacêutico e em 
seguida foi para a Áustria onde se tornou 
violinista. Conviveu com os avós que eram 
http://csautismo.blogspot.com.br/2011/08/leo-kanner-e-os-onze-casos-de-autismo.html
http://1.bp.blogspot.com/-WqkWZyU3KB4/TkGSH7VeEvI/AAAAAAAAA8k/gig8mEC7wwE/s1600/dfasfs.jpg
emocionalmente inexpressivos, incapazes de 
demonstrar sentimentos. Kanner tinha uma 
sensibilidade aguçada para as deficiências sociais que 
se tornariam sintomas para o diagnóstico do autismo, 
talvez em razão de sua história de vida e da 
convivência com pessoas estranhas e frias. 
Na sua formação intelectual, ouve alguns 
turbulências iniciais e embora possa ter sido 
interrompida pelo serviço militar, durante a Primeira 
Guerra Mundial, no final ele conseguiu cursar 
medicina na Universidade de Berlim e depois decidiu 
migrar para a América, principalmente por razões 
econômicas. Em 1924, Kanner começou a trabalhar 
como médico-assistente no Hospital Estadual de 
Yankton, Dakota do Sul. Naquela época, não era 
fazendo residência psiquiátrica que os médicos 
tornavam-se psiquiatras mas simplesmente 
trabalhando em instituições para doentes mentais. Os 
psiquiatras daquele tempo possuíam apenas um 
pequeno conjunto de termos com os quis podiam 
trabalhar, tais como esquizofrenia, psicose maníaco 
depressiva, paranóia, senilidade, epilepsia e o mais 
popular “distúrbio não diagnoticado”. Kanner sentia-
se frutrado pela incapacidade da psiquiatria de tratar 
as pessoas e não gostava de rótulos, pois achava-os 
desumanizadores. Ele protestava pelo fato das 
pesquisas denominarem as doenças e determinarem 
sua freqüência mas não fornecerem elementos para 
tratá-las. Tinha uma aparência tristonha mas 
http://csautismo.blogspot.com.br/2011/08/leo-kanner-e-os-onze-casos-de-autismo.html
transmitia grande confiança associada a ambição e 
gentileza, especialmente quando o assunto em questão 
era o bem-estar das crianças. Possuía habilidades 
sociais e uma extraordinária compaixão e empatia por 
seus pacientes se identificando em parte com os 
autistas. 
 
A primeira publicação de Kanner foi um artigo 
sobre índios americanos que tratara em Yankton. Esse 
artigo chamou atenção de todo o país. Nele Kanner 
argumentava que os índios não sofriam tanto de 
insanidade quanto o restante da população, o que se 
devia ao fato de incidência de sífilis, uma das 
principais causas de loucura da época. Segundo 
Grinker (2010) que este foi o primeiro indicio de sua 
genialidade clínica. Com este artigo Kanner chamou 
tanta atenção que o médico Emil Kraepelin, fundador 
da psiquiatria científica moderna ( e provavelmente o 
psiquiatra mais famoso do mundo no início do século 
XX), decidiu visitar Yankton em sua viagem a América. 
Com isso Kanner então tornou-se professor na 
Universidade Johns Hopskins, em Baltimore, 
trabalhando sob a chefia do psiquiatra suíço Adolf 
Meyer, talvez o mais respeitado psiquiatra dos Estados 
Unidos do seu tempo, e também fundador da primeira 
ala psiquiátrica infantil num hospital no mundo. 
Apesar de Kanner ser mais conhecido por causa do 
autismo, Grinker (2010) diz que em Maryland, onde 
ele passou o resto da vida, era mais lembrado pelo seu 
grande trabalho junto aos retardados mentais. 
http://csautismo.blogspot.com.br/2011/08/leo-kanner-e-os-onze-casos-de-autismo.html
 
Em 1943, Kanner publicou seu artigo “Autistic 
Disturbances of Affective Contact” (Distúrbios autistas 
do contato afetivo), onde descreve onze crianças 
diferente entre si, todas nascidas nos anos de 1930, 
mas que tinham muito em comum. Todas elas 
possuiam autismo infantil. Nestes onze casos iniciais 
Kanner se baseou para iniciar seu trabalho sobre o 
tema. Veja abaixo sua descrição dos casos 
apresentados no artigo já citado, incluindo depois 
discussão e comentários referentes aos casos e que 
foram extraídos da home page da AMA. 
 
 
 
http://www.ama.org.br/autismo-artigos.htm
http://4.bp.blogspot.com/-QrJgRrboK30/TkFzL_dtKHI/AAAAAAAAA7c/u3SP7xRI3eA/s1600/DFASDAS.jpg
 Donald T. foi avaliado pela primeira vez em 
outubro de 1938, com a idade de cinco anos e um mês. 
Antes da família chegar de sua cidade natal, seu pai 
mandou-nos umas trinta e três páginas datilografadas 
sobre o caso que, apesar de preenchidas com muitos 
pormenores obsessivos, forneceu um excelente histórico. 
Donald nasceu no final da gravidez, em oito de setembro 
de 1933. Pesava aproximadamente três quilos e duzentos 
gramas ao nascer. Foi amamentado, com alimentação 
suplementar até o fim do oitavo mês; houve freqüentes 
mudanças de dieta. "Comer", dizia o relatório, "foi sempre 
um problema para ele. Essa criança nunca demonstrou um 
apetite normal. Ver as crianças comendo doces ou sorvete 
nunca constituiu uma tentação para ele". A dentição 
ocorreu satisfatoriamente. Ele começou a andar com treze 
meses. Com a idade de um ano "cantava ou murmurava de 
boca fechada algumas melodias com perfeição". Antes dos 
dois anos de idade, tinha "uma memória invulgar para 
rostos e nomes, sabia o nome de um grande número de 
casas" de sua cidade natal. "A família o encorajava a 
aprender e recitar pequenos poemas e até decorou o 
salmo XXIII e vinte e cinco perguntas e respostas do 
catecismo presbiteriano". Os pais observaram que "ele não 
aprendia a perguntar ou responder perguntas a menos que 
contivessem rimas ou coisa parecida, e então quase nunca 
perguntava nada a não ser com palavras isoladas". Sua 
pronuncia era clara. Interessou-se por gravuras "e logo logo 
ficou conhecendo um extraordinário número de gravuras 
de uma seção da enciclopédia Compton". Ele conhecia os 
retratos dos presidentes "e também muitos de seus 
ancestrais e da parentela do lado materno e paterno". 
Aprendeu com rapidez o alfabeto inteiro, "até de trás para 
adiante" e a contar até cem. Desde cedo observamos que 
ele se sentia mais satisfeito quando deixado sozinho, 
praticamente nunca chorou pedindo a mãe, nunca pareceu 
dar-se conta da volta do pai para casa e ficava indiferente 
ao visitar parentes. O pai fez especial menção ao fato que 
Donald parou até de prestar a mínima atenção ao Papai 
Noel com todo seu aparato. 
 
[...]ele parece ser auto-suficiente. Não mostra nenhuma 
afeição quando mimado. Ignora o fato de alguém chegar 
ou sair e nunca manifesta alegria ao ver o pai, a mãe ou 
algum amiguinho. Dá a impressão de voltar-se para a sua 
concha e viver dentro dela. Certa vez trouxemos um 
garotinho muito simpático, da mesma idade, de um 
orfanato para passar o verão com Donald. Entretanto, 
Donald nunca lhe fez nem respondeu nenhuma pergunta e 
nem brincou com ele. Raramente se aproxima de alguém 
que o chame – tem que ser carregado ou conduzido para 
onde quer que deva ir. 
 
 No seu segundo ano de vida, ele "pegou uma mania 
de girar blocos, pratos e outros objetos redondos". Ao 
mesmo tempo, 
 
 [...] lhe desagradavam veículos auto propulsores, como 
cavalinhos de montar, velocípedes e balanços. Ele ainda 
tem medo de velocípedes e parece guardar uma espécie de 
horror por eles quando é forçado a andar nos mesmos, hora 
em que tenta pedir socorro à pessoa que o está assistindo. 
Neste verão [1937], compramossombras, vive em um mundo próprio no qual não se 
pode penetrar. Nenhum senso de relacionamento com 
as pessoas. Ele passou por um período em que as 
notava – mas ele mesmo nunca dá nada de si. Toda 
sua conversa é uma réplica de algo que já lhe foi dito. 
Ele fala de si próprio na segunda pessoa e agora, às 
vezes, na terceira; ele diz "ele quer" – e não "eu 
quero". É destruidor; a mobília de seu quarto está em 
pedaços. Ele pode quebrar um lápis púrpura em duas 
partes e dizer "Você tinha um bonito lápis púrpura e 
agora tem dois pedaços. Veja o que você fez". Ele 
desenvolveu uma obsessão por fezes, que esconde em 
qualquer lugar ( por exemplo, nas gavetas) e me 
arrelia se ando pelo quarto: "Você manchou suas 
calças, agora não pode ter de volta seus lápis!". Para 
culminar, ele ainda não está treinado para usar o 
banheiro. Ele nunca se limpa na creche, fazendo isso 
quando chega em casa. O mesmo acontece quando se 
molha. Ele se orgulha de ficar molhado, pula de cá e 
de lá, dizendo, "olha para a grande poça que ele fez". 
Quando está no meio de outras pessoas, nunca olha 
para elas. Julho passado, tínhamos em casa um 
grupo de pessoas, quando Charles entrou, parecia um 
potro fora do cercado. Ele não prestou atenção nelas, 
mas sentiu sua presença. Inventou uma voz e cantou e 
algumas pessoas não notaram nenhuma 
anormalidade na criança. Na escola, ele nunca se 
mistura a um grupo, desliga-se do resto das crianças 
exceto quando há reunião; se houver música, ele vai 
para a primeira fila e canta. Ele tem uma estupenda 
memória para palavras. O vocabulário é bom, salvo o 
uso de pronomes. Ele nunca inicia uma conversa e 
sua conversa é limitada – vai somente até onde os 
objetos vão. 
 
Charles nasceu normalmente, foi uma criança 
planejada e desejada. Ele sentou com seis meses e 
andou com menos de quinze meses – "um dia ficou de 
pé e andou – sem engatinhar preliminarmente". Não 
teve nenhuma das costumeiras doenças infantis. 
Charles é o mais velho dos três filhos. O pai, que foi até 
o colegial, é um comerciante de roupas. Descrito como 
"uma pessoa que se fez sozinha, gentil, calmo, uma 
pessoa tranqüila". "A mãe tem um escritório bem 
sucedido em Nova Iorque, onde trabalha com discos e 
livros de teatro e é de uma notória serenidade". As 
outras duas crianças tinham 28 e 14 meses de idade na 
época da visita de Charles à clínica. A avó materna, 
"muito dinâmica, enérgica, hiperativa, quase 
hipomaníaca", escreveu e compôs um pouco. A tia 
materna, "psiconeurótica, muito brilhante, dada a 
histerias", escreveu poemas e canções. Outra tia foi 
mencionada como "a amazona da família". Um tio 
materno, um psiquiatra, tem considerável talento 
musical. Os parentes do pai foram descritos como 
"gente simples e comum". Charles era um menino bem 
desenvolvido, de aparência inteligente, com boa saúde 
física. Usava óculos. Quando ele entrou no consultório, 
não prestou a mínima atenção nas pessoas presentes ( 
3 médicos, sua mãe e seu tio). Sem olhar para 
ninguém, disse, "eu quero um lápis!", e pegou um 
pedaço de papel da escrivaninha e escreveu algo 
semelhante ao número 2 ( um grande e saliente 
calendário mostrava o número 2 – estávamos no dia 2 
de fevereiro). Ele havia trazido consigo um exemplar 
do Readers Digest e estava fascinado pela estampa de 
um bebê, e disse, "olhem para este bebê – ele não é 
engraçado?", inúmeras vezes, acrescentando de vez em 
quando, "não é engraçado? não é um doce? ". Quando 
lhe tiraram o livreto, ele resistiu à mão que o pegou, 
sem olhar para a pessoa que havia feito isso. Quando 
picado por um alfinete, disse "o que é isso?" e, 
respondendo a própria pergunta "é uma agulha". Ele 
olhou timidamente para o alfinete, encolheu-se com 
outras picadas, mas em nenhum momento pareceu 
associá-las à pessoa que segurava o alfinete, quando o 
Readers Digest lhe foi tomado, jogado no chão e um pé 
foi posto em cima, ele tentou remover aquele pé como 
se fosse um objeto a parte que estivesse interferindo, 
sempre sem ligá-lo à pessoa a quem o pé pertencia. Ele 
então virou-se para a mãe e disse, "eu dou ele pra 
você!". Quando se confrontou com uma prancha de 
Seguin, interessou-se principalmente pelos nomes das 
formas antes de colocá-las nos devidos buracos. Várias 
vezes ele fez as formas girarem, saltando com excitação 
para cima e para baixo enquanto elas estavam em 
movimento. Toda a performance foi muito repetitiva. 
Ele nunca usou a linguagem como um meio de 
comunicação com as pessoas. Lembrava de nomes 
como "octógono", "losango", "bloco oblongo", mas 
assim mesmo continuava perguntando "o que é isto?". 
Ele não respondia ao ser chamado e não olhava para a 
mão quando ela lhe falava. Quando os blocos foram 
retirados, ele guinchou, bateu os pés e gritou. "Eu 
darei eles para você!" (significando "Você deve dá-los 
para mim"). Tinha movimentos muito ágeis. Charles 
foi matriculado na escola Devereux. 
 
 
 
 
John F. Foi examinado pela primeira vez em 13 de 
fevereiro de 1940, com dois anos e quatro meses de 
idade. Os pais disseram: "O que mais me preocupar é a 
dificuldade para alimentá-lo. Durante os primeiros 
dias de vida, não mamava satisfatoriamente. Houve 
uma longa história na tentativa de fazê-lo aceitar o 
alimento. Tentamos tudo o que foi possível. Ele 
sempre foi imaturo. Com 20 meses começou a andar. 
Chupa o polegar, range os dentes freqüentemente, e 
rola de um lado para o outro na cama antes de dormir. 
Se não fizermos o que ele quer, berra e faz alarido". 
John nasceu a 19 de setembro de 1937 com sete libras 
e meia de peso. Foi hospitalizado por causa de 
problemas com alimentação por várias vezes. 
Nenhuma desordem física foi constatada – Exceto a da 
fontanela anterior que não fechou até que ele tivesse 
dois anos e meio de idade. Sofria constantemente de 
resfriados e otite média o que pedia uma 
http://4.bp.blogspot.com/-wNiQgSgJKFY/TkGBVThQsQI/AAAAAAAAA8I/WdEO8XV0Ors/s1600/fasdfas.jpg
meringotomia bilateral. John foi filho único até 
fevereiro de 1943. O pai, um psiquiatra, é "uma pessoa 
calma, plácida, emocionalmente estável, o elemento 
moderador da família. A mão, que fez até o colegial, 
trabalhava como secretária no laboratório de patologia 
antes de casar, é "um tipo de pessoa hipomaníaco; 
antes de mais nada, encara a todos como espécimes 
patológica. Durante a gravidez mostrou-se muito 
apreensiva, com medo de não sobreviver aos trabalhos 
de parto". A avó paterna é "obsessiva em matéria de 
religião, e lava as mãos a toda hora. A avó materna era 
contadora. John veio ao consultório com os pais. 
Perambulou pela sala constante e incertamente. 
Exceto pelos rabiscos espontâneos, jamais deu mostras 
de relacionar dois objetos entre si. Não respondeu aos 
comandos mais simples, salvo quando os pais, com 
muita dificuldade, gesticulavam um Tchau – tchau, 
bateram um bolo, esconde-esconde, desajeitadamente. 
Sua atitude típica para com os objetos era atirá-los no 
chão. Três meses mais tarde, seu vocabulário 
melhorou notavelmente, embora a articulação se 
mostrasse defeituosa. Leves tendências obsessivas 
foram observadas, como, por exemplo, empurrar para 
o lado a primeira colherada de cada travessa. Sua 
excursão pelo consultório foi superficial, porém 
determinada. No final do seu quarto ano, ele estava 
apto para fazer um tipo muito limitado de contato 
afetivo e mesmo assim, com um número bastante 
reduzido de pessoas. Uma vez estabelecido tal 
relacionamento, tem que prosseguir através dos 
mesmos moldes. Ele era capaz de formar sentenças 
elaboradas e gramaticalmente corretas, mas usava o 
pronome da segunda pessoa quando se referia a si 
mesmo. Ele fazia uso da linguagem não como meio de 
comunicação, mas sobretudo como uma repetição de 
coisas que ouvira, sem alterar o pronome pessoal. 
Tinha uma obsessividade marcante. A rotina diária 
devia ser seguidarigidamente; a mais leve mudança no 
preestabelecido provocava explosão e pânico. a 
repetição de sentenças não tinha fim. Ele possuía um 
excelente traquejo de memória e podia recitar muitas 
preces, rimas infantis e canções "em línguas diversas"; 
a mão colaborou muito para encher este estofo e ficava 
orgulhosa com estas "façanhas": "ele reconhece os 
discos pela cor da capa, e ao identificar um lado 
lembra-se do que tem no outro". Aos quatro anos e 
meio, começou aos poucos, a utilizar pronomes 
adequadamente. Muito embora seu interesse direto 
recaísse somente sobre objetos, ele empenhou-se 
seriamente em atrair a atenção do clínico (Dra. Hilde 
Bruch) e em receber seu aplauso. Porém nunca dirigiu-
se a ela direta e espontaneamente. Ele desejava 
assegurar-se da literal mesmice do ambiente, 
conservando portas e janelas fechadas. Quando sua 
mão abriu a porta "para que sua obsessão se 
manifestasse, ele tornou-se violento – queria fechá-la 
de novo – e, finalmente, quando houve outra 
interferência, impotente, desatou a chorar, totalmente 
frustrado. Ficava extremamente aborrecido quando via 
algo quebrado ou incompleto. Descobriu dois bonecos 
aos quais nunca havia prestado atenção antes. Notou 
que um deles não estava com o chapéu e ficou muito 
agitado vagando pela sala em busca do chapéu. 
Quando este foi recuperado em outro contato, ele 
perdeu, imediatamente, todo o interesse pelos 
bonecos. Com cinco anos e meio, já dominava bem o 
uso dos pronomes. Começara a se alimentar 
satisfatoriamente. Vendo certa vez, várias fotos no 
escritório, perguntou ao pai, "quando eles vão sair daí 
e chegar até aqui?". 
 Ele levava este assunto muito a sério. Seu pai 
tinha dito algo sobre os quadros que tinham em casa 
nas paredes. Isso perturbou John um bocado. Ele 
corrigiu o pai: "Eles estão perto da parede", (mas, para 
ele, parecia significar "em cima" ou "no alto"). Quando 
viu um penny, disse "Penny. é onde vocês jogam 
boliche" . Nós lhe dávamos pennies quando ele 
derrubava as garrafas ao jogar com o pai em casa. Ele 
viu um dicionário e disse para o pai: "É aí que você 
deixou o dinheiro?". Certa vez o pai tinha deixado 
dinheiro em um dicionário e pedido a John que 
informasse a mãe sobre isso. Seu pai assobiou uma 
melodia, e John instantânea e corretamente a 
identificou como o "concerto de violino de 
Mendelsohn. Embora pudesse definir coisas como 
grande ou bonito, era totalmente incapaz de fazer 
comparações. (Qual a linha maior? o rosto mais 
bonito? etc.). Em dezembro de 1942 e janeiro de 1943 
ele teve duas séries de convulsões que comprometeram 
mais o lado direito, conjugadas com o desvio dos olhos 
para a direita e paralisia transitória do braço direito. 
Um exame neurológico acusou anormalidades. Suas 
áreas oculares estavam normais. Um 
eletroencefalograma indicou "distúrbios focais na 
região occipital esquerda", mas "boa parte do registro 
não pôde ser lida por causa das contínuas 
artificialidades devidas à falta de cooperação da 
criança". 
 
 
 
 
Elaine C. foi trazida pelos pais em 12 de abril de 
1939, com a idade de 7 anos e 2 meses, por causa de 
seu "desenvolvimento incomum": "Ela é desajeitada. 
Se dá a todos os tipos de abstração. Não compreende 
os brinquedos das outras crianças, não se interessa 
pelas estórias que lê para ela, nada a admira e anda 
http://2.bp.blogspot.com/-2gD2tgaFi7U/TkGDdj7CkmI/AAAAAAAAA8U/gj93wybzQCs/s1600/dfdfsdaa.jpg
sozinha, é particularmente atraída por animais de toda 
espécie, às vezes os imita pondo-se de quatro no chão e 
fazendo estranhos ruídos". 
 Elaine nasceu em 3 de fevereiro de 1932, dentro 
do prazo. Parecia saudável, alimentava-se bem, ficou 
de pé com 7 meses e andou com menos de um ano. Já 
pronunciava quatro palavras no fim do primeiro ano 
de vida mas não fez progressos no desenvolvimento 
lingüístico nos quatro anos seguintes. Suspeitou-se de 
surdez, mas a hipótese foi logo descartada. Por causa 
de uma doença febril aos 13 meses, suas dificuldades 
crescentes foram interpretadas como desordem no 
comportamento postencefálico. Outros condenam a 
mãe, acusando-a de tratar inadequadamente da 
criança. Oligofrenia foi outro diagnóstico. Por 18 
meses ela tomou remédio para a pituitária anterior e 
tiróide. "Alguns médicos", levados pela fisionomia 
inteligente de Elaine, "pensaram que ela era uma 
criança normal e disseram que superaria isto". Com 
dois anos ela foi para um creche, onde fazia as coisas à 
sua maneira e não como os outros. Por exemplo, ela 
bebeu água e comeu uma planta quando estavam 
sendo ensinados a cuidar de flores. Desenvolveu um 
prematuro interesse por gravuras de animais. Embora 
geralmente agitada, podia ficar horas concentrada, 
olhando tais gravuras, principalmente as gravadas em 
cobre". Quando ela começou a falar, com 
aproximadamente 5 anos, valeu-se de início de 
sentenças completas conquanto simples, que não 
passavam de "frases mecânicas", não relacionadas com 
a situação presente, de cunho peculiar e metafórico. 
Ela tinha um vocabulário excelente, sabia não só os 
nomes mas como "classificar" animais. Não usava os 
pronomes corretamente, mas usava os plurais e 
tempos de verbo bem. "Não conseguia empregar as 
negativas mas sabia o seu significado quando os outros 
as usavam". Havia muitas peculiaridades em seu 
relacionamento com situações: 
[...] ela pode contar, mecanicamente. Pode por a mesa 
se se disser o nome ou enumerar os comensais, mas 
não pode pô-la "para três". Se a mandarmos buscar 
um objeto específico em um lugar determinado, não o 
trará se ele estiver em um lugar diferente, ainda que 
visível. 
 Ela ficava amedrontada com barulhos e qualquer 
coisa que se movesse em sua direção. Tinha tanto 
medo do aspirador que nem chegava perto do armário 
em que ele era guardado e, quando o usávamos, corria 
para a garagem, cobrindo as orelhas com as mãos. 
Elaine era a mais velha dos dois irmãos. Seu pai, de 36 
anos, formado em direito e artes liberais e, três 
universidades (inclusive na Sourbonne), era detentor 
de direitos autorais de publicidade, "uma dessas 
pessoas cronicamente magras cuja energia nervosa 
consome-se rapidamente". Era ao mesmo tempo editor 
de uma revista. A mãe, de 32 anos de idade, "uma 
pessoa com autocontrole, plácida e lógica", havia 
executado trabalho editorial para uma revista antes de 
se casar. O avô materno era um editor de jornal, a avó 
"emocionalmente instável". Elaine foi examinada por 
um psicólogo de Boston com, aproximadamente, 7 
anos de idade. O diagnóstico estabeleceu que, entre 
outras coisas: 
 
 
[...] sua atitude para com o profissional se configurou 
vaga e desligada. Ainda que incomodada pela 
limitação, poderia bem ter empurrado para o lado 
uma mesa ou lançado mão com um grito, mas não fez 
nenhum apelo pessoal de ajuda ou simpatia. Nos 
momentos oportunos ela mostrou-se competente ao 
manejar seus lápis ou agrupar peças para formar 
gravuras de animais. Pôde dar o nome de uma 
grande variedade de figuras, incluindo elefantes, 
jacarés e dinossauros. Usou a linguagem em simples 
sentenças estruturais, mas raramente respondeu a 
perguntas diretas. Enquanto brincava, ia repetindo 
inúmeras vezes frases irrelevantes à situação 
imediata. 
 Fisicamente, a criança estava com boa saúde. 
Seu eletroencefalograma acusou normalidade. 
 Quando examinada, em abril de 1939, ela, a 
pedido, trocou um aperto de mãos com o médico, sem 
olhá-lo. Depois, correu para a janela e olhou para fora. 
Atendeu automaticamente o convite para sentar-se. 
Sua reação perante as perguntas – depois de repetidas 
várias vezes – foi a de ecolalia tipo reprodução de toda 
a pergunta ou, se era longa demais, só a porção final. 
Ela não teve um contato real com as pessoas do 
consultório. Sua expressão era suave, embora não 
desprovida deinteligência, e não houve gesticulação 
comunicativa. A certa hora, sem mudar de fisionomia, 
ela disse subitamente: "Os peixes não choram". Depois 
de algum tempo, levantou-se e saiu da sala sem 
perguntas e sem mostrar medo. Foi colocada no Child 
Study Home de Maryland, onde permaneceu por três 
semanas e foi estudada pelos doutores Eugenia S. 
Cameron e Georg Frankl. Enquanto esteve lá, 
aprendeu logo os nomes de todas as crianças, sabia a 
cor dos olhos delas, a cama em que cada uma dormia e 
muitos outros pormenores afins sem nunca ter feito 
amizade com elas. Quando levada aos playgrounds, 
ficava extremamente descontente e corria de volta para 
seu quarto. Era muito agitada mas quando lhe 
permitiam olhar gravuras, brincar sozinha com blocos, 
desenhar ou enfiar contas, podia entreter-se 
satisfatoriamente por horas a fio. Qualquer barulho, 
qualquer interrupção, confundia-a. Certa vez, quando 
sentada no vaso sanitário, ouviu pancadas nos 
encanamentos; depois disso, por vários dias, mesmo 
que tivessem colocado um penico em seu quarto, o 
intestino não funcionou, esperando ansiosamente por 
aquele barulho. Ela soltava freqüentemente frases 
estereotipadas, como, por exemplo, "Dinossauros, não 
chorem", "Camarão, tubarões, peixe e rochedos", 
"Camarões e garfos vivem nas barrigas das crianças", 
"Borboletas vivem no estômago das crianças e em suas 
calcinhas também", "O peixe tem dentes afiados e 
morde as criancinhas", "Há guerra no céu", "Rochedos 
e penhascos`, eu matarei" (arrebatando seu cobertor e 
chutando-o pela cama), "Carrancas comem 
criancinhas e bebem óleo"; (rangendo os dent4es e 
girando em círculos, muito excitada); "Carrancas tem 
sacos de leite"; "Cabeça de agulha. Cravo pequerrucho. 
Tem uma perna amarela. Cortando o veado morto. 
Veneno de veado. Pobre Elaine. Nada de girinos em 
casa. Homens quebraram a perna do veado", 
(enquanto recortava a gravura de um veado de um 
livro), "Tigres e gatos". "Focas e salamandras", "Ursos 
e raposas". Seguem-se alguns trechos das observações: 
[...] sua linguagem tem sempre a mesma qualidade. 
Sua fala nunca é acompanhada por expressões faciais 
ou gestos. Ela não olha para o rosto de ninguém. Sua 
voz é peculiar, não tem modulações e é um tanto 
rouca; ela solta as palavras de maneira abrupta. Seus 
pronunciamentos são impessoais. Nunca emprega os 
pronomes pessoais da primeira e segunda pessoas 
corretamente. Parece não ser capaz de conceber o 
significado real dessas palavras. Sua gramática é 
inflexível. Usa as sentenças exatamente como as 
ouviu, sem adaptá-las gramaticalmente à situação 
atual. Quando diz "Quero que eu desenho uma 
aranha", ela quer dizer "Quero que você desenhe uma 
aranha". Sua fala é raramente comunicativa. Ela não 
se relaciona com crianças, nunca lhes dirigiu a 
palavra, nunca foi amigável ou brincou com elas. 
Passa por elas como se fossem seres estranhos, como 
alguém que passasse entre os móveis de uma sala. 
Insiste sempre na repetição da mesma rotina. 
Interromper essa rotina é a causa mais freqüente de 
explosões. Suas próprias atividades são simples e 
receptivas. Ela é capaz de passar horas numa espécie 
de devaneio e parece ficar muito feliz com isso. Tem 
tendências a movimentos rítmicos que são sempre 
masturbatórios. Ela se masturbava mais em períodos 
de excitação do que durante os de calma felicidade... 
Seus movimentos são ágeis e habilidosos. 
Elaine foi colocada numa escola privada na 
Pennsylvania. Em carta recente, o pai mencionou 
"algumas surpreendentes mudanças": 
[...] ela é uma garota alta, robusta, com os mesmos 
olhos claros que a muito perderam qualquer 
característica daquela selvajaria animal que 
periodicamente se mostrava na época em que vocês a 
conheceram. Ela fala bem sobre quase todos os 
assuntos, embora guarde ainda uma estranha 
entonação. Sua conversa ainda vagabundeia, 
freqüentemente com um assunto divertido, e é apenas 
ocasional, deliberado e anunciado. Ela lê muito bem, 
mas lê rápido, misturando palavras, sem pronunciá-
las claramente e sem lhes dar a devida ênfase. Seu 
leque de informações é bastante extenso e a memória 
quase infalível. É obvio que Elaine não é "normal". 
Qualquer falha em qualquer coisa a leva a um 
sentimento de derrota, de desespero e a um 
momentâneo acesso de depressão. 
 
 
 
 
As onze crianças (oito meninos e três meninas) 
cujas histórias foram apresentadas resumidamente nos 
CASOS 1-11 , oferecem, como era de se esperar, 
diferenças individuais segundo o grau de seu distúrbio, 
a manifestação de traços específicos, a constelação da 
família e o desenvolvimento passo a passo ocorrido ao 
longo dos anos. Mas, mesmo uma rápida revisão do 
material contata a emergência de diversas 
características essenciais e comuns e inevitáveis. Essas 
características formam uma única "síndrome", nunca 
antes mencionado, que parece ser bastante rara e 
provavelmente mais freqüente do que o indicado na 
exiguidade dos casos observados. é bem possível que 
algumas dessas crianças tenham sido vistas como 
http://4.bp.blogspot.com/-4sAV6w53JMc/TkGGmhooLbI/AAAAAAAAA8Y/0uEkh0S5k-c/s1600/fsadfasd.jpg
oligofrênicas ou esquizofrênicas. Na verdade, diversas 
crianças de nosso grupo nos eram apresentadas como 
idiotas ou imbecis, sendo que uma delas ainda reside 
numa escola estadual para oligofrênicos e duas outras 
foram previamente consideradas esquizofrênicas. A 
projeção, "patognomônica", a desordem fundamental 
está na incapacidade dessas crianças de se 
relacionarem de maneira comum com pessoas e 
situações desde o começo de vida. Os pais, ao 
referirem-se a elas, mencionam que sempre foram 
"auto-suficientes"; "que vivem como que dentro da 
concha"; "que são mais felizes quando as deixam 
sozinhas"; "totalmente absortas de tudo que lhes diz 
respeito"; "dando a impressão de silenciosa 
sabedoria"; "falhando no desenvolvimento da cota 
normal de consciência social"; "agindo quase como que 
sob hipnose". Esse não é, para crianças ou adultos, um 
ponto de partida para iniciar uma conexão atual; não é 
uma "saída" para a participação que se existia outrora. 
Há, desde o início, um extremo isolamento autista que, 
sempre que possível, desconsidera, ignora, cala 
qualquer coisa que chega à criança vinda de fora. 
Contato físico direto ou movimentos e barulhos, como 
ameaças, para quebrar o isolamento, são ainda 
tratados "como se não existissem", ou, se isto não 
suficiente, ainda há o ressentimento penoso dessas 
crianças com a interferência que lhes é aflitiva. 
Segundo Gesell, uma criança de 4 meses de idade fez 
um antecipado ajuste motor através da tensão facial e 
da atitude de encolher os ombros quando levantada de 
uma mesa ou colocada sobre ela. Gesell comentou: é 
possível que uma evidência menor definitiva de tal 
ajuste possa ser detectado antes, no período neonatal. 
Embora um hábito possa ser condicionado pela 
experiência, a oportunidade para a experiência é quase 
universal e a resposta é suficientemente objetiva para 
merecer outras observações e registro. Essa 
experiência universal é fornecida pela freqüência com 
que a criança é pega pela mãe e outras pessoas. é 
entretanto altamente significativo o fato de que quase 
todas as mães de nossos pacientes lembram-se de seu 
espanto com as suas crianças porque as mesmas nunca 
manifestavam antecipadamente uma postura 
preparatória para serem carregadas. Um pai lembrou-
se que sua filha (Barbara) não mudou nem um pouco, 
durante anos, sua fisionomia ou posição, quando os 
pais, ao chegar em casa depois de algumas horas de 
ausência, aproximavam-se do berço falando com ela e 
tomando-a nos braços. A criança normal aprende em 
seus primeiros meses de vida a adequar o corpo à 
posição em que fica quando carregada. Nossas crianças 
não eram capazes de fazer isso até os dois ou três anos. 
Tivemos a oportunidade de observar Herbert,com 38 
meses, em tal situação. Sua mãe o informava, com 
termos apropriados, que ia levantá-lo, estendendo os 
braços em sua direção. Não havia resposta. Ela o 
levantava assim mesmo e ele a deixava fazê-lo, 
permanecendo, porém, completamente passivo como 
se fosse um saco de farinha. Era a mãe que tinha que 
fazer toda a acomodação. Herbert era, naquele tempo, 
capaz de sentar, ficar de pé e andar. 
 Oito das crianças alunas adquiriram a 
habilidade de falar ou na idade aprazada ou depois de 
algum atraso. Três (Richard, Herbert e Virginia) 
permaneceram "mudos" em tais circunstâncias. 
Nenhuma dessas oito crianças "falantes" serviu, num 
período de anos, para transmitir um significado às 
outras. Elas eram, com exceção de John F., capazes de 
uma clara articulação e fonação. Nenhuma dificuldade 
com a nomeação dos objetos apresentados; mesmo 
palavras longas e incomuns eram aprendidas com 
notável facilidade. Quase todos os pais registraram, 
geralmente com muito orgulho, que as crianças 
aprenderam cedo a repetir um excessivo número de 
rimas infantis, preces, lista de animais, o rol de 
presidentes, o alfabeto de frente para trás e de trás 
para frente e mesmo canções de ninar estrangeiras 
(francesas). Ao lado do recital de sentenças contidas 
nos poemas feitos ou outras peças relembradas, houve 
um longo hiato de tempo antes que elas começassem a 
juntar as palavras. Por outro lado, a "linguagem" 
consistia principalmente em "nomear", em nomes que 
identificassem os objetos, adjetivos que identificassem 
cores e números que indicavam nada de específico. 
Sua excelente memória para listas, acoplada à 
inabilidade para usar a linguagem de outra forma, 
levou com freqüência os pais a abarrotá-las com mais e 
mais versos, termos de zoologia e botânica, títulos de 
compositores que faziam sucesso em disco e coisas 
semelhantes. Dessa maneira, desde o começo, a 
linguagem que as crianças não usavam com propósito 
de comunicar-se era desviada consideravelmente para 
uma auto-suficiência, uma semântica e conversa sem 
valor ou para um exercício de memória totalmente 
distorcido. Para uma criança de 2 a 3 anos de idade, 
todas essas palavras, números e poemas ("perguntas e 
respostas de catecismo presbiteriano", "concerto de 
violino de Mendelssohn", o "Salmo Vinte e Três", a 
canção de ninar francesa, a página de índice de uma 
enciclopédia), poderiam dificilmente ter mais 
significado do que uma série de sílabas disparatadas 
para os adultos. é difícil saber com certeza se um 
empanturramento desses flui essencialmente no 
processo da condição psicopatológica. Mas também é 
difícil imaginar que ele não corte profundamente o 
desenvolvimento da linguagem como ferramenta para 
receber e dar mensagens significativas. No que 
concerne à função comunicativa da fala, nÃo há 
diferença fundamental entre as oito crianças falantes e 
as três mudas. Certa vez, a "Tia" de Richard 
entreouviu-o dizer distintamente "Boa Noite". Um 
justificado ceticismo sobre essa observação foi mais 
tarde agastado quando essa criança "muda" foi vista no 
consultório mexendo a boca numa silenciosa repetição 
de palavras quando requisitado para dizer certas 
coisas. A "muda" Virginia – sua companheira de chalé 
insistiu no assunto – foi ouvida quando dizia 
repetidamente "chocolate", "marshmallow", "mama", 
"nenê". 
 
 Quando as sentenças são finalmente formadas, 
por um longo tempo as crianças procedem como 
papagaios, repetindo as combinações de palavras 
ouvidas. Elas são, às vezes, ecoadas imediatamente, 
mas quase sempre são "estocadas" pela criança e 
pronunciadas mais tarde. Pode-se, se quiser, falar 
emecolalia retardada. A afirmação é indicada pela 
literal repetição de uma pergunta. "Sim" é um conceito 
que a criança leva muitos anos para alcançar. Elas são 
incapazes de usá-lo como um símbolo geral de 
assentimento. Donald aprendeu a dizer "Sim". Essa 
palavra então passou a "significar" somente o desejo 
de ser colocado no ombro do pai. Foram precisos 
muitos meses para que ele pudesse desligar a palavra 
"Sim" dessa situação específica e foi preciso mais 
tempo ainda para que fosse capaz de usá-lo como um 
termo geral de afirmação. O mesmo tipo de 
literalidade existe também no que toca a preposições. 
Quando perguntado "Sobre o que é essa gravura?", 
Alfred replicou: "Pessoas movendo sobre". John F. 
corrigiu uma declaração do pai sobre quadros na 
parede: os quadros estavam "perto da parede". Donald 
T., quando pediram que deixasse algo cair, colocou-o 
prontamente no chão. Aparentemente, o significado de 
uma palavra torna-se inflexível e só pode ser usado 
com a conotação adquirida originalmente. Não há 
dificuldade com os plurais e tempos de verbo. Mas a 
ausência de espontaneidade na formação da sentença e 
a ecolalia tipo reprodução têm, em cada uma das oito 
crianças falantes, dado ligar a um peculiar fenômeno 
gramatical. Pronomes pessoais são repetidos 
exatamente como são ouvidos, sem as mudanças que a 
situação alterada exige. A criança, quando a mãe falou 
"Agora vou dar o seu leite", expressou o desejo pelo 
leite pronunciando exatamente as mesmas palavras. 
Consequentemente, acaba falando de si própria como 
"você" e da pessoa a quem se dirige como "eu". Não 
somente as palavras, mas também a entonação é 
conservada na memória. Se a observação original da 
mãe foi feita em forma de pergunta, é reproduzida com 
a forma gramatical e a inflexão de uma pergunta. A 
repetição de "Você está pronta para a sobremesa?" 
significa que a criança já pode comer a sobremesa. Há 
um jogo, uma frase que não deve ser mudada para 
cada ocasião específica. A fixação pronominal 
permanece até o sexto ano de vida, quando a criança 
aprende gradativamente a falar de si própria na 
primeira pessoa, e daquele a quem se dirige na 
segunda. No período de transição ela, às vezes, volta à 
forma primitiva ou refere-se a si próprio usando a 
terceira pessoa. 
 O fato de as crianças fazerem eco de coisas 
ouvidas não significa que "nos escutam" quando lhe 
falamos. Freqüentemente são precisas numerosas 
reiterações de uma pergunta ou ordem para que se 
obtenha uma simples resposta em eco. Nada menos do 
que sete entre as crianças, por essa razão, foram 
consideradas surdas ou duras de ouvido. Há uma toda-
poderosa necessidade de não serem perturbadas. Tudo 
que vem de fora até a criança, tudo que muda seu 
clima externo e mesmo interno representa uma 
espantosa intrusão. O alimento é a primeira intrusão 
vinda de fora sofrida pela criança. David Levy 
observou que as crianças com fome de afeto, quando 
colocadas em lares adotivos onde são bem tratadas, no 
início requerem quantidades excessivas de alimento. 
Hilde Bruch, em seus estudos sobre crianças obesas, 
constatou que o fato de viver comento acontece quase 
sempre quando as manifestações de carinho por parte 
dos pais sÃo insuficientes ou consideradas 
insatisfatórias. Nossos pacientes, ao contrário, 
ansiosos por manterem o mundo exterior afastado, o 
confirmam, recusando comida. Donald, Paul, 
("vomitaram bastante durante o primeiro ano de 
vida"), Herbert, Alfred e John apresentaram severas 
dificuldades alimentares desde o início de vida. Muitos 
deles, depois de uma luta mal sucedida, 
constantemente interferindo em suas vidas, desistiram 
por fim de lutar e de repente começaram a comer 
satisfatoriamente. Outra intrusão vem dos grandes 
ruídos e objetos que se movem, que provocam, por si 
sós, uma reação de horror. Triciclos, balanços, 
elevadores, aspiradores de pó, água corrente, bicos de 
gás, brinquedos mecânicos, batedeiras de ovos e até o 
vento, podem, conforme a ocasião, causar um enorme 
pânico. Uma das crianças tinha até mesmo medo de 
aproximar-se do armário em que o aspirador de pó 
estava guardado. Injeções e exames com estetoscópio 
ou otoscópio deramlugar a graves crises emocionais. 
Porém, não e o barulho ou movimento em si que é 
temido. O transtorno eclode com o barulho ou 
movimento que causa invasão ou ameaça à solitude da 
criança. A própria criança pode alegremente fazer um 
barulhão como qualquer outro que ela rejeita e 
movimentar objetos a seu bel prazer. Mas os barulhos 
e movimentos da criança e todas as suas performances 
são tão monotonamente repetidos como suas 
expressões verbais. Há uma limitação marcante na 
variedade de suas atividades espontâneas. O 
comportamento da criança é governado por um desejo 
ansiosamente obsessivo da manutenção da mesmice 
que ninguém, salvo a própria criança pode romper em 
raras ocasiões. Mudanças na rotina, na disposição dos 
móveis, na ordem em que todo dia as ações são 
executadas, pode conduzi-la ao desespero. Quando os 
pais de John estavam se mudando para um nova casa, 
a criança ficou desvairada quando viu os carregadores 
enrolarem o tapete de seu quarto. Ficou agudamente 
transtornado até o momento em que, na nova casa, viu 
seus móveis arrumados do mesmo jeito que na outra. 
Parecia encantado, toda ansiedade desaparecera de 
repente e ele andava de um lado para outro tocando 
afetuosamente cada peça. Como blocos, contas e 
varetas tinham sido postos juntos de qualquer jeito, 
logo foram reagrupados na forma antiga, embora não 
tivessem um traçado definitivo. A memória da criança 
era fenomenal nesse particular. Depois de um lapso de 
vários dias, uma multidão de blocos foi rearranjada na 
mesma forma desorganizada, com blocos da mesma 
cor virados para cima, com cada gravura ou letra da 
superfície superior voltados para a mesma direção, 
como antes. A ausência de um bloco ou a presença de 
um bloco extra era comunicada imediatamente e havia 
um pedido imperativo de reposição da peça faltante. 
Se alguém removesse um bloco, a criança se batia para 
tê-lo de volta, entrando num acesso de pânico até 
reavê-lo e, depois, prontamente e com súbita calma, 
após a tempestade, retornava ao desenho e recolocava 
o bloco. Essa insistência na mesmice levou várias das 
crianças a tornar-se imensamente perturbadas diante 
da visão de algo quebrado ou incompleto. Uma grande 
parte do dia era passada na busca não só da mesmice 
das palavras de um pedido mas também na mesmice 
da seqüência de eventos. Donald não saía da cama, 
depois de um cochilo, sem antes dizer "Boo, diga: Don, 
você quer descer?" e a mãe fazia por concordar. Mas 
isso não era tudo. O ato não era ainda considerado 
completo. Donald continuava: "Agora diga: tudo bem". 
Sua mãe tinha que concordar mais uma vez por que 
senão haveria berreiro até que a performance estivesse 
completa. Todo esse ritual era uma parte indispensável 
do ato de levantar-se depois da sesta. Cada uma das 
outras atividades tinham que ser completadas do 
princípio ao fim, da maneira segundo a qual haviam 
começado originalmente. Era impossível voltar de um 
passeio sem cobrir a mesma distância que antes 
tínhamos percorrido. A descoberta de uma ripa 
quebrada na porta da garagem, em sua volta diária, 
transtornava tanto Charles que ele continuava 
perguntando e falando sobre o fato semanas a fio, 
mesmo quando passava alguns dias numa cidade 
distante. Uma das crianças notou uma fenda no teto do 
consultório e ficou ansiosa, perguntando várias vezes 
sobre quem teria feito isso e nenhuma resposta a 
tranqüilizava. Outra criança, ao ver um boneco com 
chapéu e outro sem, não teve sossego até que o outro 
chapéu fosse encontrado e posto na cabeça desse 
boneco. Feito isto, perdeu imediatamente o interesse 
pelos dois bonecos; a mesmice e a inteireza tinham 
sido restauradas e tudo estava bem outra vez. O temor 
da mudança e do incompleto parecem ser o principal 
fator na explicação da monótona repetitividade e a 
resultante limitação da variedade da atividade 
espontânea. Uma situação, uma performance, uma 
sentença, não são vistas como completas se não forem 
executadas exatamente com os mesmos elementos que 
estavam presentes na hora em que, antes, a criança se 
confrontou com eles. Se o menor ingrediente é 
alterado ou removido, a situação não é mais a mesma e 
por essa razão não é mais aceita ou é rechaçada com 
impaciência ou mesmo com uma reação de profunda 
frustração. A incapacidade para experiências totais 
oriunda da completa falta de atenção às partes 
constituintes de seja lá o que for, é algo remanescente 
de uma condição de crianças com específica 
inadaptação para ler, que não respondem ao sistema 
moderno de instruções configuradas de leitura e que 
precisam ser ensinadas a construir palavras com seus 
elementos de alfabeto. Essa é talvez uma das razões 
porque essas crianças do nosso grupo, que têm idade o 
bastante para ser imediatamente iniciadas na leitura, 
tornam-se excessivamente preocupadas com "soletrar" 
palavras ou porque Donald, por exemplo, ficou tÃo 
confuso com o fato de "light" e "bite", com a mesma 
qualidade fonética, terem que ser soletradas de forma 
diferente. 
 Objetos que não mudam de aparência e posição, 
que conversam sua mesmice e nunca ameaçam 
interferir na solidão da criança, são prontamente 
aceitos pela criança autista. Ela tem uma boa relação 
com objetos; interessa-se por eles, pode brincar com os 
mesmos por horas seguidas. Pode gostar muito deles 
ou ficar com raiva deles se, por exemplo, não puder 
encaixá-los em um determinado espaço. Quando com 
eles, tem um sentimento gratificante de poder e 
controle incontestáveis. Donald e Charles entraram no 
segundo ano de vida exercendo esse poder, girando 
tudo que fosse possível girar e pulando em êxtase 
quando viam o objeto rodopiar. Frederick "saltava com 
muita alegria" quando jogava a bola de boliche e os 
pinos caíam. As crianças sentem e exercitam o mesmo 
poder nos próprios corpos gingando ou fazendo outros 
movimentos rítmicos. Essas ações acompanhadas de 
fervor extático indicam decididamente a presença de 
uma gratificante masturbação orgástica. O 
relacionamento das crianças com pessoas é 
completamente diferente. Todas as crianças, depois de 
entrar no consultório, dirigiram-se imediatamente 
para os blocos, brinquedos ou outros objetos, sem 
prestar a mínima atenção às pessoas presentes. Seria 
errado dizer que não tinham consciência da presença 
delas. Mas as pessoas, enquanto deixaram a criança a 
sós, representaram a mesma figura que a carteira, a 
estante de livros ou o arquivo. Quando se dirigiam à 
criança, esta não se importava. Ela podia escolher 
entre não responder absolutamente nada e, se uma 
pergunta fosse repetida com insistência, "dá-la por 
respondida" e continuar com o que estivesse fazendo. 
Idas e vindas, mesmo que fosse da própria mãe, não 
pareciam ser percebidas. A conversa que rolava pela 
sala não despertava o mínimo interesse. Se os adultos 
não tentaram entrar nos domínios da criança, ela o fez, 
às vezes nos deles, porque enquanto se movimentava 
para cá e para lá, tocava gentilmente uma mão ou um 
joelho da mesma forma como, outras vezes, tocava de 
leve na mesa ou no sofá. Mas, sem olhar para o rosto 
de ninguém. Se um adulto forçava uma intromissão e 
carregava um bloco consigo ou pisava em um objeto 
que a criança precisava, ela reagia, tornava-se irada 
contra a mão ou o pé do invasor, que era tratado de per 
si, e não como uma parte de uma pessoa. Ela nunca 
dirigiu uma palavra ou um olhar ao dono da mão ou do 
pé. Quando o objeto era recuperado, o ânimo da 
criança mudava abruptamente e tornava-se plácido. 
Quando espetada, mostrava medo do alfinete mas não 
da pessoa que a tinha picado. O relacionamento com 
os membros da família ou com as outras crianças não 
era diferente do que aquele com as pessoas do 
consultório. Uma profunda solidão dominava todo seu 
comportamento. O pai ou a mãe, ou ambos, podiam 
ausentar-se por uma hora ou um mês; quandovoltavam, nada indicava que a criança tivesse 
consciência de sua ausência. Depois de muitos acessos 
de frustração, gradativa e relutantemente ela 
aprendeu, quando não havia outra saída, a obedecer 
certas ordens, a cumprir deveres da rotina. Quando 
havia visitas, ela se movimentava entre as pessoas 
"como uma estranha" ou, como disse a mãe, como um 
potro fora do cercado. Quando com outras crianças, 
não brincava com elas. Brincava sozinha quando elas 
estavam por perto e não mantinham contato físico, 
fisionômico ou verbal com nenhuma. Não tomava 
parte em jogos competitivos. Apenas ficava ali e, se às 
vezes acontecia de andar até a periferia do grupo, logo 
se afastava e permanecia sozinha. Enquanto isso, o 
nome de todas as crianças do grupo tornavam-se 
familiares para ela, que podia dizer a cor do cabelo de 
cada uma delas e mais outros tantos detalhes 
individuais. Há uma melhor afinidade com gravuras de 
gente do que com gente ao vivo. Gravuras, afinal de 
contas, não podem interferir. Charles estava 
afetivamente interessado numa gravura de criança 
estampada em uma revista de propaganda. Ele reparou 
repetidas vezes na doçura e na beleza dela. Elaine era 
fascinada por gravuras de animais mas não se 
aproximava de um animal vivo. John não fazia 
diferença entre uma foto e uma pessoa de carne e osso. 
Quando ele olhava uma série de fotografias, 
perguntava muito sério quando aquelas pessoas iam 
sair dali e vir para a sala. Muito embora a maioria 
dessas criança fossem vez ou outra consideradas 
oligofrênicas, eram todas, inquestionavelmente, 
dotadas de boas potencialidades cognitivas. Todas 
tinham fisionomias impressionantemente inteligentes. 
Seus rostos davam a impressão, ao mesmo tempo, de 
séria determinação e, na presença de outros, de 
ansiosa tensão, provavelmente por causa de uma 
incômoda antecipação de possível interferência. 
Quando sozinhas com os objetos, têm constantemente 
um plácido sorriso e uma expressão de beatitude em 
seu rosto, às vezes acompanhados de um feliz embora 
monótono cantarolar. O assombroso vocabulário das 
crianças falantes e excelente memória para decorar 
poemas e nomes e a precisa recordação de modelos 
complexos e seqüências, evidencia boa inteligência no 
sentido em que essa palavra é comumente usada. O 
teste de Binet ou similares não puderam ser aplicados 
em razão do limitado acesso. Todas as crianças, porém 
foram submetidas, com sucesso, às placas de Seguin. 
Fisicamente, as crianças eram plenamente normais. 
Cinco delas tinham cabeças relativamente grandes. 
Várias eram um tanto desajeitadas para andar e nas 
performances de coordenação motora grossa, mas 
todas mostravam-se hábeis em termos de coordenação 
muscular fina. Os eletroencefalogramas de todas 
acusaram normalidade, salvo o de John, cujo fontículo 
anterior não se fechou até seus 2 anos e meio e que 
com 5 anos e ¼ teve duas séries de convulsões 
acentuadamente no lado direito. Frederick teve um 
mamilo extra na axila esquerda; não houve outras 
ocorrências no campo das anormalidades congênitas. 
Há outro interessante denominador comum por trás 
da vida dessas crianças. Todas são provavelmente de 
famílias muito inteligentes. Quatro pais são 
psiquiatras, um é um brilhante advogado, outro é 
químico e técnico em leis, empregado do 
Departamento de Patentes do governo. Um outro é um 
patologista de plantas, outro mais um professor de 
florestas, um outro editor de publicidade que possui 
graduação em leis e estudou em três universidades; 
outro ainda é um engenheiro de minas e um último um 
homem de negócios bem sucedido. Nove dentre as 
onze mães tinham nível superior. Das duas que tinham 
somente chegado à faculdade, uma era secretária em 
um laboratório de patologia e a outra tocava um 
escritório de livros de teatro na cidade de Nova Iorque, 
antes de se casar. Entre as mães havia uma escritora 
freelance, uma física, uma psicóloga, uma enfermeira 
graduada e a mãe de Frederick, que foi sucessivamente 
agente de compras, diretora de estudos de secretariado 
numa escola de jovens e professora de história. Entre 
os avós e parentes há muitos físicos, cientistas, 
escritores, jornalistas e estudantes de arte. Todas essas 
famílias, salvo três, são mencionadas no Quem é Quem 
na América ou no Homens Americanos de Ciências, ou 
em ambos. Duas das crianças são judias, as outras são 
de descendência anglo-saxônica. Três são filhos 
únicos, cinco são primeiros filhos numa família com 
duas crianças, uma outra é a mais velha de três filhos, 
outra é a caçula de dois e finalmente uma outra é a 
menorzinha de três. 
 
 
 
 A combinação do autismo extremo, obsessividade, 
estereotipia e ecolalia oferece uma ilustração completa 
que se conecta com alguns fenômenos básicos 
esquizofrênicos. O diagnóstico de algumas destas 
crianças, vez ou outra, indicou esse tipo de distúrbios. 
Mas a despeito das extraordinárias similaridades, a 
condição difere em muitos pontos de todas as outras 
instâncias conhecidas da esquizofrenia infantil. Antes 
de mais nada, mesmo nos casos registrados de início 
de esquizofrenia, incluindo os de demência 
precocíssima de De Santis e de demência infantil de 
Heller, as primeiras manifestações que se podiam 
observar eram fruto de uma média de dois anos de 
http://2.bp.blogspot.com/-qdIw9lx6Qkw/TkGHzvmDBkI/AAAAAAAAA8c/_mfTlDGaz5A/s1600/dfsd.jpg
estudo de desenvolvimento essencial; os históricos 
enfatizam especificamente uma mudança gradual, 
maior ou menor, no comportamento do paciente. As 
crianças do nosso grupo mostraram se exceção sua 
extrema solidão desde o começo de suas vidas, não 
respondendo a nada que lhes viesse do mundo de fora. 
Isto fica caracteristicamente expresso no relato 
recorrente sobre a deficiência da criança no assumir 
uma postura antecipada ao ser levantada e a 
deficiência em se ajustar ao corpo da pessoa que a está 
carregando. Em segundo lugar, nossas crianças são 
capazes de travar e manter uma excelente e 
"inteligente" relação com objetos que não ameaçam 
interferir em sua solidão, mas ficam desde o início 
ansiosa e tensamente inacessíveis a pessoas com as 
quais, há muito tempo, não têm qualquer tipo de 
contato direto afetivo. Se relacionar-se com outra 
pessoa se tornar inevitável, então uma conexão é 
efetuada com a mão ou o pé desta, como um objeto 
decididamente desligado e não com a pessoa em si. 
Todas as atividades e formas de expressão das crianças 
são governadas rígida e consistentemente pelo desejo 
poderoso de solidão e mesmice. Seu mundo deve ser, 
para elas, feito de elementos que, uma vez 
experimentados em um certo lugar ou seqüência, não 
podem ser tolerados em outro lugar ou seqüência; nem 
podem o lugar ou seqüência ser tolerados sem todos os 
ingredientes originais e numa ordem idêntica espacial 
ou cronológica. Por isso a reprodução de sentenças 
sem alterar os pronomes segundo a ocasião. Por isso, 
talvez, também o desenvolvimento de uma memória 
verdadeiramente fenomenal que permite à criança 
lembrar-se e reproduzir complexos modelos 
"estapafúrdios", não importando o quanto de 
desorganização ali reine, exatamente com a mesma 
forma com que foram montadas na origem. Cinco de 
nossas crianças estão agora entre 9 e 11 anos. Salvo 
Vivian S., que foi jogada numa escola para 
oligofrênicos, elas mostram um percurso muito 
interessantes. O desejo básico de solidão e mesmice 
permaneceram essencialmente imutáveis, mas houve 
um grau variante de emergir da solitude, uma 
aceitação de pelo menos algumas pessoas dentro da 
esfera de consideração da criança e um suficiente 
aumento do número de padrões experimentados para 
refutar uma prematura impressão da extrema 
limitação do conteúdo do ideário da criança. Poder-se-
ia, talvez, colocar isto desta maneira: enquanto o 
esquizofrênico tenta resolver o seu problema caindo 
fora de um mundodo qual fez parte e com o qual teve 
contato, nossas crianças vão se ajustando 
gradualmente, vão estendendo suas antenas cautelosas 
para um mundo dentro do qual têm sido 
completamente estranhas desde o começo. Entre 5 e 6 
anos abandonam aos poucos a ecolalia e aprendem 
espontaneamente a usar os pronomes pessoais com 
referência adequada. A linguagem trona-se mais 
comunicativa, primeiro no que toca o exercício de 
perguntas e respostas, e depois a maior 
espontaneidade na formação das sentenças. O 
alimento é recebido sem dificuldade. Barulhos e 
movimentos são mais tolerados do que anteriormente. 
Os acessos de pânico acalmam-se. A repetição assume 
a forma de preocupações obsessivas. O contato com 
um limitado número de pessoas fica estabelecido de 
duas maneiras: as pessoas são incluídas no mundo da 
criança à medida que satisfazem suas necessidades, 
respondem suas perguntas obsessivas, as ensinam a ler 
e a fazer coisas. Segundo, embora as pessoas sejam 
ainda encaradas como um transtorno, suas perguntas 
são respondidas e suas ordens obedecidas 
relutantemente, com a conclusão de que será melhor 
agüentar tais interferências e logo estar livre para 
voltar para a ainda muito desejada solidão. Entre as 
idades de 6 e 8 anos, as crianças começam a brincar 
em grupo, não ainda com os outros membros do grupo 
de brinquedo, mas pelo menos com periferia deste. A 
habilidade de ler é adquirida rapidamente, porém, as 
crianças lêem de maneira monótona e a estória ou a 
gravura movimentada é experimentada mais em partes 
desconexas do que em sua coerente totalidade. Tudo 
isto faz a família sentir que, apesar da patente 
"diferença" das outras crianças, há progresso e 
melhora. Não é fácil avaliar o fato de que todos os 
nossos pacientes têm vindo de pais sumamente 
inteligentes. Uma coisa é certa: há uma grande dose de 
obsessividade por trás dessas famílias. Os diários 
bastante pormenorizados, os relatos e as freqüentes 
recordações, depois de vários anos, de que as crianças 
aprendiam a recitar vinte e cinco perguntas e respostas 
do Catecismo Presbiteriano, a cantar trinta e sete 
canções de ninar ou a reconhecer dezoito sinfonias, 
fornecem-nos um retrato fiel da obsessividade dos 
parentes. Um outro fato destaca-se visivelmente. Em 
todo o grupo, há muitos pais e mães realmente 
amáveis. A maioria, pais, avós e parentes são pessoas 
altamente preocupadas com abstrações de natureza 
científica, literária e artística e limitado interesse 
genuíno por gente. Mesmo alguns dos casamentos 
mais felizes resumiram-se, antes de mais nada, a frios 
e formais tratos. Três casamentos foram tristes 
equívocos. A pergunta que fazemos é se, ou até que 
ponto, esse fato contribuiu para a condição das 
crianças. A solidão das mesmas desde o seu começo de 
vida torna difícil atribuir o quadro inteiro 
exclusivamente ao tipo das primeiras relações 
matrimoniais com nossos pacientes. Devemos, então, 
assumir que essas crianças vieram ao mundo com 
inata inabilidade para travar contato afetivo normal, 
biologicamente fornecido, com pessoas, da mesma 
forma que outras crianças vêm ao mundo com inatas 
deficiências físicas ou intelectuais. Se essa conjectura 
for correta, um novo estudo de nossas crianças poderá 
ajudar-nos a fornecer critérios concretos relativos a 
noções ainda difusas sobre os componentes 
constitucionais da reatividade emocional. Por hora 
parece que temos exemplos de pura cultura 
sobre distúrbios autistas inerentes ao contato afetivo. 
 
 
A ANÁLISE COM CRIANÇAS AUTISTAS : 
UMA INOVAÇÃO DO MÉTODO PSICANALÍTICO CLÁSSICO 
 
http://www.geocities.com/HotSprings/Villa/3170/MariaIzabelTaf
uri.htm 
 
Maria Izabel Tafuri 
 
Este texto discute a aplicabilidade da técnica psicanalítica no 
tratamento de crianças autistas a partir de um caso clínico 
pessoal. Começa com a discussão crítica da história da 
psicanálise de crianças, em seguida a apresentação do caso 
clínico e posteriormente a análise da técnica. São realizadas 
reflexões sobre as questões específicas da clínica com 
crianças autistas considerando as diferentes influências 
históricas na formação das escolas de psicanálise. 
 
A aplicabilidade da técnica psicanalítica no tratamento de 
crianças foi vislumbrada, pela primeira vez, por Freud, no início 
deste século. Ao publicar, em 1909, a análise de uma criança 
de cinco anos, Freud demonstrou como os sintomas fóbicos do 
"Pequeno Hans" poderiam ser compreendidos, interpretados e 
sanados, por meio da utilização do método psicanalítico. Hans 
tinha apenas 3 anos quando começou a apresentar uma fobia: 
o pavor de ser mordido por cavalos. Hans não mais saía às 
ruas para passear e os pensamentos relacionados aos cavalos 
o atormentavam sobremaneira, a ponto de imaginar que eles 
poderiam mordê-lo, até mesmo dentro de casa. 
 
O pai de Hans era um estudioso da psicanálise e procurou 
Freud para poder compreender a fobia do filho. Freud aceitou o 
desafio e começou a analisar o caso, porém, de forma bastante 
curiosa e distinta do método psicanalítico clássico. Freud não 
recebia o seu pequeno paciente em sessões individuais, não o 
ouvia e não o observava. A relação com o "Pequeno Hans" foi 
http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=103
estabelecida através do pai, que sob a orientação de Freud, 
anotava os sonhos, os desenhos e as associações livres do 
jovem garoto. O pai de Hans enviava estas anotações a Freud, 
que a partir delas interpretava a linguagem dos sonhos, 
desenhos e fantasias. Dessa forma, Freud estabeleceu uma 
relação analítica peculiar e inovadora com o seu pequeno 
paciente: Hans ouvia Freud indiretamente, ou seja, por 
intermédio do seu pai. Assim, Hans identificava Freud como 
aquele quem entendia todas as suas "bobagens" ( era assim 
que Hans se expressava em relação ao medo de ser mordido 
por cavalos). 
 
Hans pediu ao pai para ir ao encontro de Freud que o recebeu 
uma única vez, juntamente com seu pai. Nesta sessão, Freud 
pôde interpretar a angustia central de Hans ao vê-lo brincando 
de "cavalinho" com o pai (Hans pediu ao pai para ficar de 
quatro no chão e, sentado em cima dele, começou a batê-lo 
com os pés). Freud concluiu que a angústia de castração ( o 
pavor de ser castrado pelo pai) estava relacionada com 
a fobia a cavalos. 
 
Segundo Freud, o tratamento psicanalítico de Hans fora bem 
sucedido por uma única razão: a convergência entre o pai da 
criança e o analista em uma só pessoa. Criou-se, assim, um 
precedente curioso na história da psicanálise de crianças. Este 
fato encorajou muitos analistas a analisarem seus próprios 
filhos e, a aplicabilidade da técnica psicanalítica em crianças 
ficou marcada, desde as suas origens, por este precedente 
freudiano: a união "pai-analista". 
 
Duas questões se fazem presentes a partir do tratamento 
psicanalítico de Hans. 
 
A primeira refere-se à natureza da relação de Freud com o pai 
do garoto. Freud respondeu ao interesse do pai de Hans 
http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=103
http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=103
ensinando-o a compreender a linguagem do inconsciente 
presente nos sonhos, desenhos e associações livres de Hans. 
Nesse sentido tratou-se de uma relação pedagógica onde 
Freud não fez interpretações na relação transferencial entre o 
pai de Hans e ele. 
 
A segunda questão diz respeito à eficácia do método 
psicanalítico na ausência da interpretação da relação 
transferencial entre Freud e Hans. Em suma, a interpretação da 
relação transferencial entre o analista, a criança, e seus pais 
não foi cogitada por Freud no caso do pequeno Hans. Esta 
questão será considerada posteriormente como essencial para 
se definir a legitimidade de uma escola psicanalítica. 
 
O ensino oficial psicanalítico situa a origem da análise infantil 
aos critérios estabelecidospor Melanie Klein e Anna Freud, 
enquanto duas opções opostas de se analisar crianças: o 
analítico e o pedagógico. Apesar do caso do pequeno Hans ser 
considerado um ilustre precedente, este fato não serviu para 
minimizar a polarização dos dois modelos de análise de 
criança. Ou seja, Melanie Klein e Anna Freud não discutiram a 
natureza da relação estabelecida entre Freud, Hans e o pai do 
garoto. Melanie Klein priorizou a interpretação na relação 
transferencial com a criança e desprezou a relação entre o 
analista e os pais da criança. Nesse sentido, a autora rompeu 
com o precedente freudiano, ao considerar que a união pai-
analista era desnecessária para o trabalho psicanalítico com as 
crianças. Anna Freud, por sua vez, considerou a necessidade 
de um período prévio, não analítico, na relação entre o analista 
e a criança. Neste período inicial, o analista tomaria uma 
posição pedagógica, de domínio e de sugestão, para depois 
empreender o verdadeiro trabalho analítico. Segundo ela, o 
analista de crianças deveria acrescentar à sua atitude analítica 
uma segunda, a pedagógica. Em relação aos pais, Anna Freud 
relatou a necessidade de orientá-los e estabelecer uma relação 
transferencial positiva. 
 
Em síntese, duas grandes escolas de psicanálise foram 
constiutídas, a partir das discussões sobre a aplicabilidade da 
técnica psicanalítica com crianças- a Kleiniana e a 
annafreudiana- sob a marca do analítico e do pedagógico. Este 
último, visto como algo denegridor para a análise. Os 
kleinianos foram, à época, reconhecidos como os "verdadeiros 
psicanalistas" e os annafreudianos como os "não analíticos". 
Criou-se, a partir da década de 20, um discurso acusatório e 
antagônico do que seria ou não a "verdadeira psicanálise". 
 
Na década de 60 surgiu na França, com Françoise Dolto, Maud 
Mannoni, Rosine e Robert Lefort, um novo modelo de análise 
de crianças, trazendo o pretenso ideal de ocupar o lugar da 
escola Kleiniana- "os analistas puros". A demanda da 
legitimidade insistiu em retornar. Mais uma escola de 
psicanálise de crianças foi criada em defesa do caráter 
analítico de sua prática. O analista, segundo Dolto, deveria se 
abster de qualquer ação pedagógica, mesmo aquela baseada 
nos princípios psicanalíticos. Ou seja, o discurso psicanalítico 
continuou a responder ao antagonismo criado por Melanie 
Klein e Anna Freud, que se refere à continuidade ou à ruptura 
com o pensamento freudiano. 
 
Atualmente a análise com crianças autistas absorveu este 
questionamento, ou seja, seria esta análise "pura e verdadeira", 
como os kleinianos e os lacanianos preconizaram? Alguns 
analistas vêem utilizando terminologias como "psicoterapia de 
base analítica" ou "psicoterapia psicanalítica" para se referir ao 
tratamento das crianças autistas. Ao que parece, estas 
denominações, "psicoterapia de base analítica" ou 
"psicoterapia psicanalítica", seriam uma forma de responder 
aos três modelos de psicanálise de crianças: ao de Anna 
Freud, por se um tratamento que envolvem ações 
pedagógicas; e aos de Melanie Klein e Françoise Dolto, por ser 
um tratamento que envolve também a técnica psicanalítica 
clássica, a interpretação na relação transferencial. 
 
Neste texto, são realizadas discussões a propósito da 
aplicabilidade do modelo psicanalítico com crianças autistas 
são realizadas, a partir de uma experiência pessoal: a análise 
de uma criança autista. Por meio deste caso clínico, identifico a 
natureza da relação transferencial que se estabelece entre a 
criança autista e o analista, a partir das interpretações. Faço 
algumas reflexões acerca da influência da história da 
psicanálise de crianças na clínica com crianças autistas e 
critico a perpetuação do modelo antagônico presente no pensar 
psicanalítico em relação a este tema. 
 
UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL : A ANÁLISE DE UMA 
CRIANÇA AUTISTA 
 
O caso a ser relatado é de uma criança de três anos que me foi 
encaminhada com o diagnóstico de Autismo Infantil Precoce. 
(1) 
 
Quando os pais chegaram com Maria para a primeira consulta, 
ela entrou correndo na ponta dos pés, sem olhar para nada. A 
mãe a segurou e disse para mim: "ela não fica parada tem 
muita energia". Os pais se sentaram e Maria ficou correndo 
pela sala sem explorar os objetos e sem nos dirigir o olhar. 
 
Pedi aos pais para falarem de suas preocupações em relação à 
fiilha. A mãe se adiantou e disse que o mais preocupante era o 
fato de Maria não falar, pois o resto, segundo ela, "eram coisas 
de criança mesmo". 
 
Enquanto a mãe falava, Maria emitia grunhidos e girava as 
mãos em frente ao seu rosto, com muita velocidade e leveza. 
Ela parecia hipinotizada com o movimento das mãos. As 
pontas dos pés tocavam o chão, com tal leveza e agilidade, 
que davam a impressão de não carregarem o peso do corpo. 
(2) 
 
A mãe se referiu aos seus passeios com Maria, ocasião em 
que segurava a filha pelas mãos com o intuito de fazer as 
pessoas nãorepararem o movimento das mãos: "você pode ver 
que ela só parece que é autista quando fica fazendo isso com 
as mãos ou quando começa a gritar e bater a cabeça, mas se 
fica quieta, ninguém repara porque ela não tem nenhuma 
marca que diga que ela é doente". Neste momento, seus olhos 
se encheram de lágrimas e ela disse: "todas as noites quando 
vejo ela dormindo fico pensando que no outro dia ela vai 
acordar me chamando de mãe. Dormindo, ela parece com uma 
criança normal". O pai continuava imóvel e calado. 
 
Eu me sentei no chão, comecei a pegar alguns brinquedos 
indiscriminadamente e fiquei tentando reproduzir os grunhidos 
de Maria, pois, não podia interpretá-la, como faço com as 
crianças que falam e brincam desde a primeira sessão. Eu não 
tinha a possibilidade de reconhecer os sentimentos de Maria, 
pois a relação entre nós era marcada por um isolamento 
avassalador, onde não havia nenhum indício de comunicação. 
Ela não demonstrava nenhuma angústia ao entrar no 
consultório e parecia não me ver. Os seus olhos passavam 
pelos objetos sem explorá-los. Neste momento, parecia 
envolvida com o movimento circular das rodas, se sentava no 
chão e balançava o seu corpo em torno de si mesma. 
 
Maria esvaziava todas as gavetas e prateleiras e os brinquedos 
escorregavam pelos seus dedos. Ela andava sobre os 
brinquedos,que iam caindo no chão, como se nada 
atrapalhasse o seu equilíbrio. Os pais estavam aflitos com a 
bagunça da sala e se anteciparam para por tudo no lugar. 
 
Disse a eles para não se incomodarem e me dissessem o que 
estavam sentindo naquele momento. O pai, bastante 
acanhado, disse que tentava educar Maria, mas não 
conseguia, ela era incapaz de pegar as coisas do chão e 
colocar nos lugares adequados. "Eu me sinto mal com a casa 
toda bagunçada", completou. A mãe falou que tentava ensiná-
la a brincar, mas ela não ficava parada e nem prestava 
atenção. 
 
Disse a eles que se sentiam decepcionados por não 
conseguirem ensinar Maria a brincar, a falar e a organizar os 
objetos. "Vocês estão também ressentidos de não entenderem 
as reações de Maria e de não poderem ter com ela um 
relacionamento comum, previsível. Vocês conversam entre si 
sobre estes ressentimentos? Perguntei. 
 
Eles disseram que não falavam muito de si mesmos, do que 
sentiam, só falavam da filha para tentarem entendê-la. 
Perguntei a eles o que eles mais temiam. A mãe disse que 
apesar de terem o diagnóstico de autismo não queriam 
concordar com o médico que era muito grave e incurável. Isto 
porque ela sabia que Maria se parecia muitas vezes com uma 
criança normal, contudo em outros momentos era bastante 
estranha. O pai se referiu ao medo de que Maria nunca falasse 
e não aprendesse a cuidar de si mesma, mas que também 
tinha esperanças de que a filha não fosse tão doente assim 
como o médico havia dito. 
 
Os pais fizeram mais algumas perguntas e começamos assim o 
tratamentode Maria. O trabalho analítico com os pais foi 
realizado segundo os princípios do modelo analítico 
estabelecido por Fraçoise Dolto o qual foi determinante para o 
tratamento de Maria. Contudo, este tema não será analisado 
neste trabalho por se tratar de uma outra questão. 
 
OS PRIMEIROS SONS : SÍGNOS APRESENTATIVOS 
 
Os sons emitidos por Maria eram muito fortes, estridentes, 
atonais e arítmicos. Não se podia dizer que eram gritos de 
raiva ou expressão de alguma necessidade. Os sons não 
surgiam associados a qualquer gesto ou mímica facial, eram 
totalmente anárquicos e desprovidos de significado emocional. 
Contudo, eram sons que brotavam de sua boca, com uma 
sonoridade específica, eram metalizados, como que 
congelados-uma ausência total da sonoridade da voz humana. 
Neste sentido, longe de considerar os sons como meras 
estereotipias, como prescreve a psiquiatria clássica, comecei a 
pensar na qualidade daqueles sons, e percebi que eram de 
alguma forma criados por Maria. Eram individualizados e não 
se pareciam com sons humanos nem com sons advindos da 
natureza ou dos eletrodomésticos, por exemplo. Eram sons 
realmente novos, eram dela. Pensei naqueles sons como uma 
criação. Por outro lado, poderia ser também uma maneira que 
aquela criança encontrou de não emitir sons parecidos com os 
dos humanos, ou seja, um mecanismo de defesa. Estes sons 
tinham também a característica de preencher o espaço,isto é, 
eles eram ouvidos por ela, por mim e pelos pais. 
 
Segundo Suzane Langer, "o jogo vocal da criança enche seu 
mundo de ações audíveis, os estímulos mais próximos e mais 
completamente absorventes, por serem tanto internos quanto 
externos, autonomamente produzidos, no entanto 
inesperados..."(1989:130). No desenvolvimento normal do bebê 
suas vocalizações além de encherem seu universo, provocam 
ecos no ambiente, resultado da repetição dos sons por parte 
dos pais. O bebê parece reconhecer, gradualmente, que o som 
que ocorre em outro lugar é o mesmo de sua lalação. Isto 
resulta um aumento de experiência: o bebê torna-se cônscio do 
tom, o produto de sua atividade que lhe absorve o interesse. 
Posteriormente, o bebê começa a repetir vocábulos, como ma-
ma, da-da, que são sons articulados, quando então uma difusa 
consciência de vocalização cede lugar à consciência. O 
vocábulo passa a ser repetido prazeirosamente pelo bebê. E 
ele o repete quando quiser, formando uma posse e um produto 
de sua própria atividade. Trata-se de uma experiência 
puramente fenomenal, pois não tem relações fixas 
externamente. Isto permite que o bebê use os vocábulos de 
forma imaginária e emocional, e faça identificações 
sinestésicas e associações casuais. Para Langer, este período 
da lalação "é o que há de mais pronto no mundo para 
converter-se em símbolo quando um símbolo é desejado"( 
1989:130). Ao ouvir e proferir um vocábulo, o bebê pode fazer 
associação com o cheiro da mãe, com a voz dela, o olhar, que 
para ele tem o sentido de uma presença. Pode também estar 
associado com o formato da mamadeira, com o líquido que 
entra na sua boca, ou com qualquer outra coisa. O som 
reconhecível e produzível passa a ser identificado com estas 
coisas. Nesse sentido o bebê, ao proferir um som, invoca uma 
concepção por ele construída. 
 
Segundo os pais de Maria, ela não passou por este período de 
lalação. "Ela era muito quieta e quase nunca chorava". Na 
medida em que Maria começou a emitir os grunhidos, não 
encontrou a possibilidade de escutar os seus sons, pois estes 
não foram repetidos pelos pais, que os desconsideravam por 
serem muito estridentes e cansativos, além de não terem 
nenhuma função comunicativa. Ela não podia, por meio dos 
seus sons, do seu olhar e dos seus gestos, indicar sensações, 
necessidades e desejos. Os pais simplesmente queriam que 
ela não gritasse daquela forma, pois incomodava bastante. 
 
Observei que ao ouvir os sons que eu proferia, que eram 
parecidos com os seus, Maria pôde vivenciá-los na relação 
com um outro, e a partir deste encontro fundamental, o brincar 
com a voz se fez presente e ela começou a estruturar a relação 
interpessoal. Os sons emitidos por Maria não admitiam 
tradução. Eu não podia pensar em significados conscientes ou 
inconscientes, portanto não podia interpretar. Os 
comportamentos estereotipados, como o de balançar as mãos 
e o de pular na ponta dos pés, não ofereciam tão pouco 
possibilidades de conferir significado. No final da sessão, 
quando disse que já havíamos conversado o suficiente, e que 
ela já iria embora, eu tinha em mente que o comportamento 
dela de pular em frente a porta poderia ter outros sentidos , 
como por exemplo, a cor da porta, a maçaneta, o som que 
vinha do outro lado, em fim qualquer outro estímulo, inclusive 
as sensações do seu próprio corpo. Em suma, interpretar as 
sensações ou traduzir as angústias dela não foram as 
intervenções iniciais neste caso. 
 
Esta atitude clínica se diferencia da relação analítica clássica, 
que é a da interpretação, segundo a qual o sujeito precisaria 
ser atravessado pelo discurso simbólico para se constituir como 
ser falante. Como nos diz Dolto, o bebê precisa receber um 
"banho de linguagem". Ou seja , a mãe, além de imitar suas 
lalações, o interpreta em suas necessidades e se oferece 
enquanto corpo apaziguador de angústias. Contudo, Maria não 
estava ainda podendo ser este bebê do qual nos fala Dolto, 
pois ela ficava transtornada se eu insistia em me aproximar 
dela. Por outro lado, eu não podia ser esta "mãe"que interpreta 
as necessidades do bebê: eu não podia saber suas 
necessidades. 
 
Me parece que este caso clínico deixa evidente o valor do som 
da linguagem, um valor pré-simbólico. O que Maria parecia 
ouvirera um som, e não o som vindo de alguém. Na realidade, 
eu me mantinha afastada fisicamente e olhava muito pouco 
para ela. Contudo, eu ficava ansiosa para que ela me ouvisse e 
se aproximasse fisicamente. Em fim, por mais que eu apenas a 
repetia, eu estava ali com os meus desejos e anseios. Contudo 
tinha que me manter em um estado de mesmice, manobrado 
por ela. Assim ela se sentia tranqüila. 
 
Ao refletir sobre a função da repetição dos sons neste caso 
clínico, penso que podemos pensar nos sons de Maria como 
um simbolismo apresentativo que, segundo Suzane Langer, é 
um "veículo normal e prevalecente de significado e amplia 
nossa concepção de racionalidade para muito além das 
fronteiras tradicionais...onde quer que um símbolo opere, existe 
um significado; e inversamente, diferentes classes de 
experiência-por exemplo, razão,intuição,apreciação- 
correspondem a diferentes tipos de mediação 
simbólica...simbolismo sem palavras, não-discursivo e 
intraduzível, que não admite definições dentro de seu próprio 
sistema, e não pode transmitir diretamente generalidades" 
(Langer,1989:104). Suzane Langer levanta a questão de haver 
a possibilidade de um simbolismo não-discursivo, como por 
exemplo, de luz, cor ou tom, de ser formulativo da vida 
impulsiva, instintiva e senciente. 
 
Freud(1895), no "Projeto para uma Psicologia Científica", 
desenvolve a noção da percepção-consciência, em que a 
percepção, incapaz de reter marcas, é sem memória. As 
percepções se ligam ao consciente, mas não deixam nele 
nenhum traço do que aconteceu. Logo, o primeiro registro das 
percepções está fora da consciência e é ordenado conforme as 
associações simultâneas. O segundo registro seria o do 
Inconsciente ordenado segundo as relações de causalidade. O 
terceiro, o do Pré-consciente, ligado às representações verbais. 
Segundo Freud, a condição para haver um funcionamento 
psíquico normal reside na tradução destes três registros. As 
psiconeuroses são explicadas como a não tradução de certos 
materiais. Freud insistiu em deixar a percepção separada da 
consciência, afirmando que a consciência cogitativa secundária 
ocorrepara ele um escorregador, 
e na primeira tarde, quando outras crianças ali estavam 
escorregando, ele não se interessava e quando o colocamos 
lá em cima para escorregar, ele pareceu entrar em pânico. 
Na manhã seguinte, entretanto, quando não havia ninguém 
presente, ele foi para fora, subiu a escadinha e escorregou, 
como tem feito, desde que não haja criança alguma por 
perto escorregando com ele... Estava sempre 
constantemente feliz e ocupado em entreter-se, mas 
ressentia-se se compelido a brincar com certas coisas. 
 
 Quando interferiam com ele, tinha acessos de birra 
com características destrutivas. Ele tinha "um medo terrível 
de levar umas palmadas" mas "não associava sua má 
conduta ao castigo". Em agosto de 1937, Donald foi 
internado em um centro preventivo de tuberculose a fim 
de proporcionar "uma mudança de ambiente". Ali, ele 
tinha uma "propensão a não brincar com crianças e fazer 
coisas que as crianças de sua idade geralmente gostam de 
fazer". Ele ganhou peso mas adquiriu o hábito de sacudir a 
cabeça de um lado para o outro. Continuava a girar objetos 
e pulava extasiado enquanto os via girar. Manifestava 
 
[...] uma abstração mental que o mantinha totalmente 
desligado de tudo o que lhe dizia respeito. Parece estar 
sempre pensando e pensando, e chamar a sua atenção 
praticamente requer que se quebre a barreira mental entre 
seu mundo interior e o mundo exterior. 
 
 O pai, com quem Donald se parece fisicamente, é 
um advogado bem-sucedido, meticuloso, ativo, que teve 
dois colapsos em virtude de excesso de trabalho. Ele 
sempre levou suas doenças a sério, ficando de cama e 
seguindo à risca as prescrições médicas mesmo se tratava 
de um simples resfriado. "Quando anda pela rua vai tão 
absorto em pensamentos que não vê ninguém ou coisa 
alguma e não se lembra de nada ocorrido durante a 
caminhada". A mãe tem nível universitário, é calma, 
eficiente, e seu marido se sente muito superior a ela. 
Tiveram um segundo filho em vinte e dois de maio de 1938. 
Quando Donald foi examinado em 1938, no Harriet Laine 
Home, o laudo médico atestou estar em boas condições 
físicas. Durante a observação inicial e um estudo de duas 
semanas efetuado pelos doutores Eugenia S. Cameron e 
George Frankl no Child Study Home em Maryland, foi 
observado o seguinte quadro: Havia uma limitação 
marcante da atividade espontânea. Abrangia o sorriso, o 
movimento estereotipado dos dedos que se cruzavam no 
ar. Ele sacudia a cabeça de um lado para o outro, 
murmurando ou cantando de boca fechada sempre as três 
mesmas notas de uma canção. Ele girava com grande 
prazer qualquer coisa que pudesse apanhar para fazer 
girar. Ficava atirando coisas no chão e parecia encantado 
com os sons que fazia. Arrumava contas, varetas ou blocos 
em grupos de diferentes séries de cores. Quando acabava 
de arrumá-los, guinchava e saltava. Além disto, não dava 
mostras de iniciativa precisando de constantes instruções 
(da mãe) para qualquer tipo de atividade que não fosse 
uma daquelas limitadas com as quais se absorvia. A maioria 
de suas atividades não passava de uma repetição, 
executada exatamente da mesma forma que o tinha sido 
originariamente. Se ele girava um bloco, começava sempre 
pela mesma face principal. Quando enfileirava botões, os 
dispunha dentro de uma certa seqüência sem modelo, mas 
que era a ordem usada pelo pai quando os havia mostrado 
pela primeira vez a Donald. Havia ainda inúmeros rituais 
verbais se sucedendo pelo dia todo. Quando ele queria 
descer, depois da sesta, dizia "Boo (como chamava a mãe), 
diga, ‘Don, você não quer descer?’ ". Sua mãe aquiescia e 
Don voltava a falar: "Agora diga ‘Tudo bem’ ". A mãe 
concordava e Don descia. Na hora da refeição, repetindo 
algo que obviamente lhe tinha sido dito com freqüência, 
ele falava para a mãe "diga ‘Coma, ou não lhe darei 
tomates’; mas se você não comer eu lhe darei tomates", ou 
"diga ‘Se você também beber agora, eu vou dar risada e 
sorrisos’ ". E sua mãe tinha que se sujeitar a isso e outras 
coisas mais para ele não grunhir, gritar e distender todos os 
músculos de seu pescoço tenso. Isso ocorria durante o dia 
inteiro em razão de uma coisa ou outra. Ele parecia ter 
muito prazer em emitir (de forma descontrolada e sem 
sentido) palavras ou frases como por exemplo 
"crisântemo", "dália", "negócios", "vinhatrombeta", "o 
direito sim, o esquerdo não", "através da escuridão as 
nuvens brilhando". Expressões irrelevantes como essas 
faziam parte de sua forma habitual de falar. Parecia estar 
sempre como um papagaio repetindo o que lhe tinha sido 
dito uma vez ou outra. Usava os pronomes pessoais com as 
pessoas que estava citando, até imitando sua entonação. 
Quando queria tomar banho, perguntava: "você quer 
tomar banho?". As palavras, para ele, tinham um 
significado especificamente literal e inflexível. Parecia 
incapaz de generalizar, de transferir uma expressão para 
um objeto ou situação similar. Se o fez alguma vez, tratava-
se de uma substituição que então "permaneceu" 
definitivamente com esse significado. Consequentemente, 
ele batizou cada uma de suas garrafas com água colorida 
com os nomes de cada uma das quíntuplas Dionne – 
Annete, a azul, Cecile a vermelha, etc. Depois, passando 
para uma série de misturas de cores, ele raciocinou da 
seguinte forma: "Annete e Cecile dão púrpura". Um pedido 
coloquial para "deixar isto aí" (put that down), significou 
para ele colocar as coisas sobre o chão. Ele tinha um copo 
só para tomar leite e outro só para água. Quando colocou 
um pouco de leite no copo de água, o leite evidentemente 
passou a ser água branca. A palavra "sim" significou por 
muito tempo o desejo de que o pai o colocasse no ombro. 
Isto teve uma origem determinada. O pai, tentando ensiná-
lo a dizer "sim" e "não", perguntou-lhe certa vez "Você 
quer que o papai ponha no ombro? Não expressou sua 
concordância repetindo literalmente a pergunta, com 
ecolalia. E o pai disse "se você quiser, diga „sim‟; se não 
quiser, diga „não‟". Don disse "sim", mas daí em diante 
"sim" passou a significar o desejo de ser içado para o 
ombro do pai. Ele não prestava atenção nas pessoas 
que estavam ao seu redor. Quando levado para um 
cômodo, ignorava completamente as pessoas que lá 
estavam e logo se virava para os objetos, de preferência 
os que pudesse rodar. Ordens ou ações que não 
podiam ser ignoradas eram recebidas como instruções 
nada bem-vindas. Mas ele nunca ficava zangado com a 
pessoa que interferisse. Empurrava sim, irado, a mão 
que viesse em seu caminho ou o pé que pisava em um 
dos seus blocos, referindo-se ao mesmo tempo, ao pé 
sobre o bloco como "guarda-chuva". Certa vez, o 
obstáculo foi removido e ele esqueceu-se 
completamente do caso. Não se deu conta da presença 
de outras crianças; foi direto até seus passatempos 
favoritos, distanciando-se delas se elas fossem 
corajosas o suficiente para juntar-se a ele. Se uma 
criança tirava um brinquedo seu, ele passivamente o 
permitia. Ele rabiscava linhas nos livros de gravuras 
que as outras crianças estavam colorindo, e se, 
furiosas, elas o ameaçavam, ele retrocedia ou punha a 
mão nos ouvidos. Sua mãe era a única pessoa com 
quem ele tinha realmente contato, mas mesmo assim 
ela ocupava todo o seu tempo arquitetando formas 
para conseguir que ele brincasse com ela. Depois que 
ele voltou para casa, a mãe mandava relatórios 
periódicos sobre seu desenvolvimento. Ele aprendeu 
rápido a ler fluentemente e tocar melodias fáceis no 
piano. Começou, quando se conseguia que ele 
prestasse atenção, a responder perguntas que pediam 
como resposta „sim‟ ou „não‟. Embora tenha começado 
ocasionalmente a falar de si próprio como "eu" e de 
outra pessoa como "você", continuou por um bom 
tempo com as inversões pronominais. Quando por 
exemplo em fevereiro de 1939 escorregou e quase caiu, 
fez o seguintenão podem ser reduzidos a uma interpretação, e não se 
prestam à compreensão cognitiva. Uma clínica diferente pois 
coloca o analista no lugar de escutar um "discurso" não 
representativo. A ação do analista deve ser então a de criar 
novas formas de interpretação. 
 
Sendo assim, sugiro a hipótese que a relação analítica existe 
desde o primeiro encontro. Ela não deve ser criada, e sim 
estabelecida a princípio por meio de uma nova natureza de 
interpretação. 
 
Alguns psicanalistas, a exemplo de Laznik-Penot, reconhecem 
valor significante em toda produção da criança, gestual ou 
linguageira. Segundo eles, se o analista reconhece que alí ( em 
qualquer produção) existe uma mensagem, a criança poderá 
se reconhecer a posteriori como fonte dessa mensagem. 
Depois da leitura da obra de S.Langer e refletir sobre as 
minhas experiências como analista de crianças autistas, estou 
mais inclinada a reconhecer o primeiro encontro com a criança 
autista como uma experiência analítica inominável. 
 
Tomo emprestada a crítica de Júlia Kristeva(1996) a Lacan, em 
seu texto "A sensação é uma linguagem". Na crítica ela se 
referiu ao autor, como um cultivador de uma pressa lógica em 
identificar o que é pré-linguagem e linguagem. Essa pressa 
essa que pode apagar a estratificação do aparelho psíquico, 
isto é, pagar os estágios anteriores da linguagem, os "quase 
símbolos", entre eles os gritos, as imitações e as percepções-
excitações. Os "quase símbolos? ao serem compreendidos 
como significantes, reduzem as experiências inomináveis aos 
"significantes puros". A capacidade perceptiva e sensorial do 
analista pode desaparecer por causa a esta tendência de 
interpretar mensagens advindas dos significantes. 
 
Em suma, o estabelecimento de uma relação psicanalítica com 
uma criança autista o analista na posição de compreender o 
lapso de tempo que o sujeito não recorda. Este tempo abrange 
o período de aprendizado da linguagem, um período sensorial 
intraduzível pelas vias cognitivas. Nessa fase primitiva em que 
se encontra a criança autista, nenhuma experiência pertence 
ainda a qualquer classe. As ações audíveis de Maria pareciam 
ser para ela completamente absorventes, inesperados, 
repetitivos e para mim misteriosos. A partir do encontro com 
estas ações audíveis, foi possível estabelecer uma relação 
analítica com Maria. Um encontro não marcado pela ação de 
interpretar mas por uma escuta psicanalítca abrangente o 
suficiente para experenciar fenômenos intraduzíveis da 
constituição do "eu". 
 
Finalmente, considero que fazer das técnicas aqui 
apresentadas um fator indicador do que é ou não psicanálise, é 
colocar em risco a primazia da escuta clínica tão bem 
fundamentada pelo pai da psicanálise. A questão primordial 
que a criança autista nos coloca é a da escuta do inominável, 
como fazê-lo dentro da tradição simbólica da psicanálise?. 
Talvez seja necessário pedir emprestado à filosofia alguns 
conceitos, assim como foi feito com a noção de símbolo 
apresentativo, que nos permitam refletir sobre a questão 
imposta pela clínica com a criança autista. 
 
NOTAS 
 
Maria já havia passado pela clínica médica onde fez todos os 
exames neurológicos de praxe. Todos foram negativos e o 
psiquiatra lhe conferiu o diagnóstico de autismo, com a 
recomendação de que ela deveria ter uma educação especial , 
tomar remédios para diminuir a hiperatividade, fazer 
fonaudiologia e terapia comportamental. . Esta é a 
recomentação prescrita no DSM IV 
 
Segundo a psiquiatria clássica estes dois movimentos, o 
balançar as mãos e o andar nas pontas dos pés, são 
considerados comportamentos estereotipados, sem nenhuma 
função de comunicação. O tratamento médico psicológico 
comportamental tem como objetivo extinguir tais 
comportamentos. 
 
F. Tustin (1990) nos apresenta um convincente material clínico 
para demonstrar como as crianças autistas vivenciam seu 
corpo, no encontro com o outro, como uma ameaça física, uma 
catástrofe. Uma das crianças autistas, atendidas por ela, 
designou esta sensação como um medo de cair em "um buraco 
negro". Outros autores designam esta ameaça como "angústia 
impensada" ( Winnicott, ), "angústia 
 
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Winnicott,D.W.(1979) a criança e o seu mundo. Rio de 
Janeiro:Zahar. 
 
------------------- (1982) O ambiente e os processos de 
maturação. Porto Alegre:Artes Médicas.comentário referindo-se a si próprio: 
"Você não caiu no chão". Ele denotava embaraço com 
relação às inconsistências de soletrar e podia passar 
horas escrevendo no quadro negro. Sua maneira de 
brincar tornou-se mais criativa e variada ainda que 
quase ritualística. Ele voltou para um check up em 
maio de 1939. Sua atenção e concentração haviam 
melhorado. Tinha melhor contato com o ambiente e se 
notavam algumas reações diretas perante pessoas e 
situações. Mostrou seu desapontamento quando 
contrariado, cobrou promessas sedutoras, deu mostras 
evidentes de prazer quando aplaudido. Era possível, no 
Child Study Home, obter, com insistência constante, 
certa condescendência com a rotina diária e algum 
grau de manuseio apropriado de objetos. Mas ele 
ainda escrevia letras com os dedos no ar, emitindo 
palavras – "ponto-e-vírgula", "capital", "doze, doze", 
"morto, morto", "eu podia por uma virgulazinha ou 
ponto-e-vírgula" – mastigando sobre o papel, 
misturando comida com o cabelo, atirando livros 
dentro do privada, colocando uma chave no esgoto, 
trepando na mesa e na escrivaninha, explodindo em 
acessos temperamentais, dando risadinhas e 
murmurando autisticamente. Ele pegou uma 
enciclopédia e aprendeu cerca de quinze palavras do 
índice e as ficou repetindo indefinidamente. Sua mãe 
tinha ajuda nas tentativas de desenvolver o seu 
interesse e participação nas situações comuns que a 
vida apresentava. A seguir, extratos de cartas 
mandadas posteriormente pela mãe de Donald: 
Setembro de 1939. Ele continua a comer, lavar-se e 
vestir-se sozinho, somente com minha insistência e 
auxílio. Está ficando desembaraçado, constrói coisas 
com blocos, dramatiza estórias, tenta lavar o carro, 
rega as flores com o esguicho, brinca de loja com as 
mercadorias da mercearia, tenta recortar gravuras com 
a tesoura. Ele ainda tem grande atração pelos 
números. Se sua forma de brincar melhorou 
indiscutivelmente, por outro lado nunca fez perguntas 
sobre ninguém e não mostra interesse algum pela 
nossa conversa... Outubro de 1939. (Um diretor da 
escola amigo da mãe concordou em fazer uma 
experiência, colocando Donald no primeiro grau da 
escola) O primeiro dia foi muito difícil para eles, mas, 
com o decorrer do tempo, melhorou muito. Don ficou 
muito mais independente, quer fazer muitas coisas 
sozinho. Ele anda em fila corretamente, responde 
quando chamado e está dócil e obediente. Ele nunca 
conta voluntariamente qualquer uma de suas 
experiências na escola e nunca faz objeções para ir às 
aulas. Novembro de 1939. Visitei sua sala de aula esta 
manhã e fiquei maravilhada ao ver a maneira 
satisfatória com que cooperava e respondia. Ele estava 
muito quieto e calmo e prestou atenção ao que a 
professora estava dizendo cerca de metade do tempo. 
Não guinchou ou correu para ir até seu lugar mas foi 
sentar-se normalmente, como as outras crianças. A 
professora começou a escrever no quadro negro. O fato 
atraiu imediatamente sua atenção. Ela escreveu: 
 
Bete pode alimentar um peixe. 
Don pode alimentar um peixe. 
Jerry pode alimentar um peixe. 
 
 Na sua vez, ele foi até o quadro negro e fez um círculo 
em volta de seu nome. Em seguida, deu de comer a um 
peixe dourado. Depois, todas as crianças pegaram o livro 
de leitura e ele o folheou até a página certa, como a 
professora havia ordenado e leu quando foi chamado. Ele 
também respondeu uma pergunta sobre uma das gravuras. 
Diversas vezes, quando solicitado, saltou e sacudiu a 
cabeça enquanto respondia... 
 
Março de 1940. O maior progresso que notei foi o da 
conscientização das coisas que lhe dizem respeito. Ele está 
falando muito mais e perguntado muita coisa boa. Não é 
sempre que me conta espontaneamente o que acontece na 
escola, mas se eu fizer perguntas dirigidas, ele as responde 
com acerto. Ele está tomando parte nos jogos das outras 
crianças para valer. Um dia, inscreveu a família num jogo 
que acabava de aprender, explicando a cada um de nós o 
que devíamos fazer. Está se alimentando melhor e mostra 
capacidade para fazer coisas sozinho. 
 
Março de 1941. Ele melhorou enormemente, mas as 
dificuldades básicas ainda são evidentes. Donald foi trazido 
para outro check up em Abril de 1941. Não lhe foi feito 
nenhum convite para que entrasse no consultório mas ele 
o fez com boa vontade. Lá dentro, nem mesmo lançou um 
olhar para os clínicos presentes (dois dos quais conhecia 
bem em virtude de suas consultas anteriores) – foi 
imediatamente até uma carteira e mexeu em papéis e 
livros. De início, as perguntas eram correspondidas com um 
estereotipado "Eu não sei". Depois, por sua conta, pegou 
lápis e papel e escreveu e desenhou, enchendo páginas e 
páginas com as letras do alfabeto e alguns desenhos 
simples. Ele dispôs as letras em duas ou três linhas, lendo-
as numa seqüência preferencialmente vertical e mostrou-
se muito satisfeito com o resultado. De vez em quando, 
saia-se, voluntariamente, com uma declaração ou 
pergunta: "Eu vou ficar dois dias no Child Study Home". 
Mais além, disse "Onde está minha mãe?" 
"O que você quer com ela?", perguntaram-lhe. 
"Eu quero abraçá-la no pescoço". 
Ele empregava os pronomes com acerto, e suas sentenças 
eram gramaticalmente corretas. 
A maior parte de sua "conversação" consistiu em perguntas 
de natureza obsessiva. Suas variações eram inexauríveis: 
"quantos dias numa semana, anos no século, horas num 
dia, horas num meio dia, semanas num século, séculos em 
meio milênio, etc., etc. Quantas canecas num galão, 
quantos galões para encher quatro galões?". Às vezes, 
perguntava "quantas horas num minuto, quantos dias em 
uma hora?" e etc. Ele parecia pensativo e sempre queria 
uma resposta. De vez em quando comprometia-se 
temporariamente a responder depressa algumas outras 
perguntas ou solicitações mas, de repente, voltava ao 
mesmo tipo de comportamento. Muitas de suas respostas 
eram metafóricas ou então peculiares. Quando lhe pediram 
que subtraísse 4 de 10, respondeu: "vou desenhar um 
hexágono". Ele era ainda extremamente autista. Seu 
relacionamento com as pessoas só se desenvolveu na 
medida em que se dirigia a elas quando precisava ou queria 
saber algo. Ele nunca olhava para a pessoa enquanto falava 
e não fazia gestos comunicativos. Mas até esse tipo de 
contato cessava quando lhe falavam ou davam o que pedia. 
Uma carta da mãe, datada de outubro de 1942: 
 
[...] Don ainda fica indiferente demais ao que o cerca. Seus 
interesse mudam constantemente, mas sempre está 
absorvido com algo tolo, desconexo. Sua literal disposição 
mental está ainda muito marcada, ele quer soletrar 
palavras como soam e pronunciar letras de forma 
consistente. Recentemente, eu consegui que Don fizesse 
pequenos trabalhos para ganhar um dinheirinho para ir ao 
cinema. Hoje em dia, ele gosta muito de ir ao cinema, mas 
sem se dar conta da seqüência da estória. Ele lembra-se 
das cenas na ordem em que as vê. Outros de seus recentes 
hobbies se acha em edições antigas da revista Time. Ele 
encontrou um exemplar da primeira edição de 3 de março 
de 1923 e procurou fazer uma lista com as datas de 
publicação de cada edição desde aquele tempo. Até agora 
foi até abril de 1934. Imaginou quantos exemplares há em 
um volume e outros disparates similares. 
 
 
 
 
 
O médico de Frederick W., de seis anos de idade, avaliou em 27 de maio de 1942 que 
sua "capacidade de adaptação em um ambiente social era caracterizada tanto pelo ataque 
como pelo comportamento de recuo". Sua mãe declarou: O menino sempre foi auto-
suficiente. Posso deixá-lo sozinho que ele se entretém com satisfação, andando pelas 
redondezas, cantando. Nunca o vi chorar para pedir atenção. Ele jamais se interessou por 
esconde-esconde, mas brinca com a bola de todo jeito, olha o pai se barbear, segura a caixa do 
aparelho, coloca o aparelho de novo na caixa, põe a tampa na saboneteira.Ele nunca foi muito 
bom em brincadeiras que exigem cooperação. Não se importa de brincar com as coisas 
comuns com as quais as outras crianças brincam desde que elas girem. Ele tem medo de coisas 
mecânicas – foge delas. Sempre teve medo de minha batedeira de ovos e fica inteiramente 
petrificado com o aspirador de pó. Para ele, elevadores constituem-se em um experiência 
simplesmente terrificante. Tem medo também dos peões que rodam. Até o último ano, ele 
praticamente ignorou os outros. Quanto tínhamos convidados, ele não lhes dava a mínima 
atenção. Olhava curiosamente para as crianças pequeninas e, depois, queria sair sozinho. Ele 
se portava como se as pessoas absolutamente não estivessem presentes e o mesmo acontecia 
diante dos avós. A cerca de um ano atrás começou a mostrar interesse maior em observá-los e 
até mesmo a chegar perto deles. Mas, em geral, no seu caso, as pessoas significam uma 
interferência. Ele as empurra para longe. Se se chegam muito perto, empurra-as para longe 
dele. Não quer que eu o toque ou abrace, mas vem a mim e me toca. Por um certo espaço de 
tempo, ele fixa-se em uma determinada coisa. Em uma das prateleiras de nossa estante de 
livros, tínhamos três peças dispostas de determinada forma. Quando as mudávamos de lugar, 
ele tornava a dispô-las como se achavam antes. Que se saiba, não tentava novos vôos. Depois 
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de ficar olhado para o ar por um bom tempo, punha-se a fazer o que tinha que ser feito de 
repente. Queria estar certo de que o faria bem feito. Antes de completar dois anos, falou pelo 
menos duas palavras ("papai" e "Dora", o nome da mãe). Daí em diante, entre dois e três anos, 
pronunciou palavras que pareciam chegar a surpreendê-lo. Uma das primeiras palavras que 
disse foi "macacão". (Como os pais nunca esperavam que ele respondesse as suas perguntas, 
ficavam surpresos quando respondia "sim") Com dois anos e meio, mais ou menos, ele 
começou a cantar. Chegou a cantar umas vinte ou trinta canções, inclusive um pequeno 
acalanto em francês. Em seu quarto ano, tentei fazê-lo pedir as coisas antes de dá-las a ele. 
Mais teimoso do que eu, resistia mais tempo e se não conseguisse no momento, também não 
desistia delas. Agora já pode contar até as centenas e lê os números, mas não está interessado 
neles, nem mesmo em aplicá-los aos objetos. Tem uma enorme dificuldade em aprender a 
devida colocação de pronomes pessoais. Quando recebe um presente, fala consigo mesmo: 
"você diz obrigado". Ele joga boliche e quando vê as garrafas caírem, pula de alegria. 
Frederick nasceu em 23 de maio de 1936 em posição incomum. A mãe teve "alguns 
problemas renais" e foi decidida uma cesárea duas semanas antes do prazo estipulado. Ele 
passou bem depois do parto e não houve dissabores com a alimentação. A mãe se lembrava 
de que nunca foi detectado antecipadamente sua posição quando ela estava se preparando 
para dá-lo à luz. Ele sentou-se com sete meses e andou com 18, mais ou menos. Teve 
resfriados ocasionais e nenhuma outra doença. Tentativas para mantê-lo na creche da escola 
foram um fracasso: "ou ele fugia ou se escondia em algum canto ou enfiava-se no meio de um 
grupo e tornava-se muito agressivo". O menino era filho único. O pai, de 44 anos, nível 
universitário, diplomado em patologia das plantas, era muito viajado em virtude do seu 
trabalho. Era um homem paciente, tranqüilo, ligeiramente obsessivo; como uma criança, não 
"dava a última palavra" e era delicado, fazendo crer que lhe tenha faltado vitaminas na dieta 
elaborada na África. A mãe, de 40 anos, com diploma de faculdade, sucessivamente secretária 
de médicos, agente de vendas, diretora de estudos de secretariado em uma escola de moças, e 
ao mesmo tempo professora de história, é descrita como saudável e calma. 
O avô paterno organizou missões médicas para a África, estudou medicina tropical na 
Inglaterra, tornou-se uma autoridade em mineração de manganês no Brasil, e, ao mesmo 
tempo, decano de uma escola médica e diretor de um museu de arte de uma cidade 
americana, sendo citado no Quem é Quem com dois nomes diferentes. Ele desapareceu em 
1911 e seu paradeiro ficou obscuro por 25 anos. Foi quando então se soube que ele tinha ido 
para a Europa e se casado com uma romaneista, sem ter se divorciado de sua primeira esposa. 
A família o considerava "um caráter marcante do tipo gênio que queria fazer o melhor ao seu 
alcance." 
A avó paterna é descrita como "uma missionária calejada, se é o que foi na realidade, 
totalmente dominadora e de difícil convívio, no momento fazendo pioneirismo no sul, num 
colégio para montanheses". 
O pai é o segundo dos cinco filhos. O mais velho é jornalista e autor de um best-seller 
muito conhecido. A irmã casada, "sensível e totalmente precoce" é cantora. Depois, vem o 
irmão que escreve contos de aventuras para uma revista. O mais novo, pintor, escritor e 
comentarista de rádio, "não falou até cerca de seis anos de idade" e as primeiras palavras que 
pronunciou foram: "se um leão pode falar, pode também assobiar". 
A mãe falou de seus parentes: "os meus eram gente simples". Sua família 
estabelecera-se numa cidade do Wisconsin, onde o pai é banqueiro; sua mãe interessa-se 
relativamente pelas obras da igreja e suas três irmãs, todas mais jovens do que ela, são 
matronas comuns da classe média. 
Frederick foi admitido no Harriet Lane Home em 27 de maio de 1942. Parecia estar 
bem nutrido. A circunferência de sua cabeça media 21 polegadas, a do tórax 22, e a do 
abdômen 21. Seu occipício e região frontal eram fortemente proeminentes. Tinha um mamilo 
super-numerário na axila esquerda. Os reflexos eram lentos mas presentes. Todos os outros 
dados, inclusive exames de laboratório e raio-x do crânio acusaram normalidade, exceto o que 
se referia às grandes e precárias amígdalas. Ele foi conduzido ao consultório do psiquiatra por 
uma enfermeira, que deixou o local imediatamente após. Sua expressão facial era tensa, um 
tanto apreensiva e deu a impressão de inteligência. Vagamente surpreso por alguns 
momentos, mostrava-se alheio à presença dos três adultos presentes. Acabou por sentar-se no 
sofá emitindo sons ininteligíveis quando, abruptamente deitou-se, exibindo um 
escandalosamente um sorriso sonhador. Respondeu a perguntas do jeito que quis, mas o fez 
repetindo-as de maneira ecolálica. O traço mais impressionante de seu comportamento era a 
diferença de reações diante dos objetos e de gente. Os objetos o absorviam facilmente e ele 
mostrava atenção e perseverança ao brincar com eles. Parecia olhar as pessoas como intrusos 
nada bem-vindos aos quais prestava tão pouca atenção quanto lhe era permitido. Quando 
forçado a responder, fazia-o rapidamente e logo voltava sua atenção para coisas. Quando uma 
mão se levantava à sua frente de maneira a ser impossível ignorá-la, brincava com ela por 
curtos instantes como se fosse um objeto isolado. E soprou um palito de fósforo com uma 
expressão satisfatória por ter apagado a chama, mas não olhou para cima, para a pessoa que 
tinha acendido o fósforo. Quando uma quarta pessoa entrou na sala, ele escondeu-se por um 
minuto ou dois atrás da estante de livros, dizendo "eu não quero você" e , num aceno de mão, 
enxotou-a. Depois, recomeçou a brincar e não prestou mais atenção nela nem em ninguém. O 
resultado dos testes (Escola de Performance Grace Arthur) era difícil de avaliar por causa da 
falta de cooperação. Ele foi melhor com o quadro Seguin (menor tempo 58 segundos). Na 
conclusão do teste de água e do potro ele pareceu guiado unicamente pela forma, a ponto de 
não fazer diferença se as peças estavam do lado certo ou não. Mostrou boa perseverança e 
concentração com todas as formas postas na mesa, trabalhando com elas espontânea e 
interessadamente. Nos intervalos dos testes, andou pela sala, examinando vários objetos, 
revolvendo o cestode lixo sem olhar para as pessoas presentes. Ele fez freqüentes ruídos de 
sucção e, de vez em quando, beijou a superfície dorsal da mão. Ficou fascinado com o círculo 
que havia entre as formas na mesa, o qual colocou para girar sobre a carteira. E conseguiu não 
só cumprir a proeza como apará-lo para que não caísse no chão. Frederick foi matriculado na 
Devereux Schools em 25 de setembro de 1942. 
 
 
 
 
Richard M. foi admitido no Johns Hopkins 
Hospital em 5 de fevereiro de 1943, quando tinha 3 
anos e 3 meses de idade, sob alegação de surdez, já que 
não falava e não respondia às perguntas. Em seguida à 
sua internação, o residente fez esta observação: 
[...] a criança parece ser normalmente inteligente. 
Brinca com os brinquedos na cama e é 
convenientemente curiosa com respeito a 
instrumentos usados no exame. Ela parece 
inteiramente auto-suficiente quando brinca. É difícil 
dizer definitivamente se ela ouve, mas parece que sim. 
Ela obedece instruções. como "sente-se" ou "deite-se", 
mesmo quando não vê quem está falando. Não presta 
http://4.bp.blogspot.com/-zIcmB1gXiFM/TkF4Y6Drf3I/AAAAAAAAA7o/Y2cM0pRj3_4/s1600/dfdsfas.jpg
atenção às conversas que ocorrem à sua volta e 
embora não faça barulho, fala palavras 
desconhecidas. 
Sua mãe trouxe consigo notas copiosas que 
indicam preocupação obsessiva com pormenores e 
uma tendência para ler toso tipo de interpretações 
relativas às performances da criança. Ela observou (e 
registrou) cada gesto e cada "olhar", tentando achar-
lhe o significado específico e, finalmente, decidindo-se 
sobre um pormenor às vezes explicado muito 
superficialmente. E acumulava assim um acervo que, 
embora muito elaborado e ricamente ilustrado, 
revelava, em sua totalidade, mais de sua própria 
versão do que realmente havia acontecido em cada 
ocasião mencionada. 
O pai de Richard é professor de tudo que diga 
respeito a florestas em uma universidade do sul. Ele 
vive totalmente imerso em seu trabalho e quase não 
lhe sobra tempo para contatos sociais. A mãe estudou 
até a faculdade. O avô materno é físico e o resto da 
família, de ambos os lados, é constituída de pessoas 
profissionalmente bem sucedidas. O irmão de Richard, 
31 meses mais novo, é descrito como uma criança 
normal e de bom desenvolvimento. 
Richard nasceu em 17 de novembro de 1937. A 
gestação e o nascimento transcorreram normalmente. 
Ele sentou-se com 8 meses e andou com 1 ano. Sua 
mãe começou a "educá-lo" com 3 semanas, colocando-
lhe um supositório todas as manhãs, "para que seu 
intestino se porta-se como um relógio". Comparando 
os dois filhos, a mãe recordou-se que enquanto o mais 
novo mostrava uma reação ativa antecipada ao ser 
pego no colo, Richard não dava nem sinal de prontidão 
fisionômica ou postural e deixava de se aninhar ao ser 
segurado no colo por ela ou pela enfermeira. A 
nutrição e o crescimento físico decorreram 
satisfatoriamente. Vacinado com doze meses contra 
varíola, teve como reação um surto de diarréia e febre 
do qual se restabeleceu em menos de uma semana. 
[...] em setembro de 1940, a mãe, comentando a 
ausência de fala em Richard, observou em suas notas: 
eu não tenho certeza de quando, exatamente, ele 
parou de imitar os sons das palavras. Parece que ele 
teve uma gradativa regressão mental nos dois 
últimos anos. Como ele não revelasse o passava em 
sua cabeça, pensamos que estivesse tudo bem. Agora 
que ele está emitindo tantos sons, estamos 
desconcertados por que é evidente que ele não pode 
falar. Antes eu pensei que ele poderia se quisesse. Ele 
passou-me a impressão de silenciosa sabedoria... 
Uma coisa intrigante e desencorajadora é a grande 
dificuldade que se tem para conseguir sua atenção. 
 Richard foi considerado saudável no exame físico, 
exceto com relação às grandes amígdalas e adenóides 
que removeu em 8 de fevereiro de 1941. A 
circunferência de sua cabeça era de 54,5 centímetro. 
Seu eletroencefalograma foi normal. Ele dirigiu-se 
voluntariamente ao consultório do psiquiatra e logo 
pôs-se a brincar, ativo, com os brinquedos, sem prestar 
atenção às pessoas que estavam na sala. De vez em 
quando, olhava para as paredes, sorria e proferia em 
breve estacato vigorosos sons – "Ih! Ih! Ih!". Acatou a 
ordem falada e gesticulada da mãe para tirar os 
sapatos. Quando a ordem foi outra, desta vez sem 
gestos, ele se ateve à ordem anterior e tirou os sapatos 
(que já havia calçado de novo). Seu desempenho foi 
bom com os quadros não-giratórios mas não tanto com 
os giratórios. 
 Richard foi examinado outra vez com a idade de 
quatro anos e quatro meses. Crescera 
consideravelmente e ganhara peso. Diante da sala de 
exames, gritou e fez um enorme estardalhaço, mas 
acabou capitulando e entrando sozinho, 
voluntariamente. Lá dentro, imediatamente pôs-se a 
acender e apagar as luzes. Não mostrou interesse pelo 
clínico ou qualquer outra pessoa mas foi atraído por 
uma pequena caixa que acabou atirando longe como se 
fosse uma bola. Com quatro anos e onze meses, seu 
primeiro movimento ao entrar no consultório (ou 
qualquer outra sala) era o de acender e apagar as luzes. 
Ele subiu numa cadeira e da cadeira para uma 
escrivaninha a fim de alcançar o interruptor na parede. 
Ele não comunicava seus desejos mas se dirigia, com 
raiva até, à mãe, que adivinhava e procurava o que ele 
queria. Não tinha contato com pessoas, as quais 
considerava definitivamente como uma interferência 
quando falavam com ele ou tentavam obter sua 
atenção. A mãe sentiu que já não era mais capaz de 
controlá-lo e ele foi colocado num lar adotivo perto de 
Annápolis sob os cuidados de uma mulher que 
mostrou sempre um notável talento para lidar com 
crianças difíceis. Recentemente, essa mulher ouviu-o 
dizer claramente as primeiras palavras inteligíveis. 
Eram elas: "boa noite". 
 
 
 
 
Paul G. compareceu em março de 1941, com idade 
de 5 anos, para fazer um teste psicométrico mediante o 
qual se pensou estar diante de uma severa deficiência 
intelectual. Ele foi para uma escola maternal privada, 
onde sua fala incoerente, incapacidade de obedecer e 
reações temperamentais a qualquer interferência 
deram a impressão de um caso de oligofrenia. Paul, 
filho; único, chegou a este país procedente da 
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Inglaterra, com aproximadamente dois anos de idade, 
acompanhado da mãe. O pai, um engenheiro de minas, 
que se supunha na Austrália, havia abandonado a 
esposa pouco antes, depois de vários anos de um 
casamento infeliz. A mãe, provavelmente de nível 
universitário, mulher impaciente, instável, excitável, 
deu uma versão vaga ruidosa e conflitante do 
panorama familiar e do desenvolvimento do filho. Ela 
levou bastante tempo enfatizando e ilustrando seus 
esforços para tornar Paul esperto, para ensiná-lo a 
memorizar poemas e canções e várias rimas infantis. 
 Ele nasceu normalmente. Vomitou bastante 
durante o primeiro ano de vida e alimentou-se de 
dietas mudadas constantemente com pouco sucesso. 
Deixou de vomitar quando começou a ingerir 
alimentos sólidos. Os dentes despontaram, ele firmou 
a cabeça, sentou, andou e controlou o intestino e a 
bexiga na idade certa. Teve sarampo, catapora e 
coqueluche, sem complicações. Suas amígdalas foram 
retiradas aos três anos de idade. O exame físico acusou 
fimose como único senão de uma boa saúde. As 
seguintes características surgiram da observação feita 
em suas visitas à clínica, durante cindo semanas num 
pensionato e durante alguns dias de estada no 
hospital. Paul era uma criança esbelta bem feita de 
corpo, atraente e seu rosto parecia inteligente e 
animado. Tinha boa agilidade manual. Raramente 
respondia a qualquer tipo de abordagem ou mesmo à 
chamada de seu nome. Certa vez, atendendo a um 
pedido, pegou um bloco do chão. Outro dia em seguida 
a um modeloter sido desenhado à sua frente, ele 
desenhou um círculo. Às vezes, um enérgico "não faça 
isso!" fazia-o interromper uma atividade. Mas, 
geralmente, se se falasse com ele, continuava com o 
que estava fazendo com se nada houvesse sido dito. 
Também nunca foi possível detectar se estava sendo 
espontaneamente desobediente ou não. Ele era 
obviamente tão ausente que as observações não o 
alcançavam. Estava sempre vivamente ocupado com 
algo e parecia então plenamente satisfeito, a menos 
que alguém fizesse uma tentativa persistente para 
interferir nas ações que ele mesmo escolhera. Aí, ele 
tentava primeiro escapar disso e, se não desse certo, 
gritava e caia num respeitável acesso de raiva. Havia 
um marcante contraste entre suas relações com gente e 
com objetos. Quando entrava na sala, dirigia-se 
imediatamente para os objetos que usava 
corretamente. Não era destruidor e tratava os objetos 
com cuidado ou mesmo afeição. Ele pegava um lápis e 
fazia rabiscos num papel que havia achado sobre a 
mesa. Abria uma caixa, tirava dela um telefone de 
brinquedo, sempre cantando: "ele quer telefonar", e 
girava pela sala com o bocal e o receptor em posição 
certa. Apanhou uma tesoura e paciente e 
habilidosamente cortou uma folha de papel em 
pedacinhos, cantando a frase: "cortando papel", 
muitas vezes. Ele arranjou-se sozinho com a 
maquinaria de um brinquedo, correu em volta da sala 
segurando-o no alto e cantando continuamente "a 
máquina está voando". Enquanto tais expressões 
vocais, entoadas sempre com a mesma inflexão, eram 
claramente ligadas às suas ações, ele emitia outras que 
podiam não estar conectadas com situações imediatas. 
Há alguns exemplos: "as pessoas no hotel"; "você 
machucou sua perna?"; "acabaram-se os bombons"; "o 
bombom está vazio"; "você cairá da bicicleta e baterá a 
cabeça". Todavia algumas dessas exclamações 
poderiam ter sido originadas em experiências prévias. 
Ele adquiriu o hábito de dizer quase todo o dia: "não 
atire o cachorro para fora da sacada". Sua mãe 
lembrou-se de que tinha dito essas palavras para ele, 
referindo-se a um cachorro de brinquedo quando eles 
ainda estavam na Inglaterra. Ao avistar uma panela, 
exclamava invariavelmente "Pedro-comedor". A mãe 
recordava-se que essa associação começara quando ele 
tinha dois anos de idade e ela deixara cair uma panela 
enquanto recitava para ele a trovinha infantil "Pedro, 
Pedro, comedor de abóbora". Reproduções de 
advertências e ferimentos corpóreos constituíam a 
parte principal de suas elucubrações. Nenhuma dessas 
observações teve a veleidade de apontar um valor de 
comunicação. Não havia nisso laços afetivos com as 
pessoas. Ele se comportava como se as pessoas não lhe 
dissessem respeito ou mesmo não existissem. Não 
fazia diferença se alguém lhe falava de maneira 
amigável ou áspera. Ele nunca encarou o rosto das 
pessoas. Quando tinha algo em comum com alguma 
delas, tratava-as, ou melhor, tratava parte delas como 
se fossem objetos. Usava uma mão para dirigi-las. Ao 
brincar, dava cabeçadas na mão, como há tempos atrás 
fazia com um travesseiro. Permitia que a mãe o 
vestisse mas não prestava a menor atenção nela. 
Quando com outras crianças, ignorava-as, e ia direto 
em direção de seus brinquedos. 
 Sua articulação era clara e ele tinha um bom 
vocabulário. A construção de suas sentenças era 
satisfatória, com uma exceção significativa. Ele nunca 
usava o pronome na primeira pessoa nem se referia a 
si mesmo como Paul. Todas as manifestações relativas 
a si mesmo eram feitas na segunda pessoa, bem como 
as repetições literais de coisas que lhe haviam sido 
ditas antes. Ele expressava sua vontade de comer 
bombons dizendo "você quer bombons". Ele desviou a 
mão de um radiados quente e disse "você se machuca". 
Às vezes era ouvido repetindo coisas que lhe haviam 
sido ditas, feito papagaio. Testes formais não puderam 
ser levados a cabo, mas certamente ele não podia ser 
tachado de oligofrênico no sentido exato da palavra. 
Depois de ouvir a tia do pensionato dizer "graças" três 
vezes, passou a repeti-lo de forma correta e desde 
então o guardou na memória. Ele podia contar e 
nomear cores. Aprendeu depressa a identificar seus 
discos favoritos na pilha e sabia subir até a vitrola para 
tocá-los. A tia do pensionato relatou uma série de 
observações que indicavam um comportamento 
compulsivo. Ele se masturbava muitas vezes em 
completo abandono. Corria em círculos emitindo 
frases. Pegava um pequeno xale que ficava sacudindo 
enquanto gritava deliciado "Ih! Ih!". Podia continuar 
fazendo tais coisas por muito tempo e mostrar grande 
irritação quando interrompido. Tudo isso e muitas 
outras coisas que não se tratavam somente de 
repetições mas que se sucediam dia após dia com uma 
mesmice quase fotográfica. 
 
 
 
 
Em fevereiro de 1942 foi recebida Barbara K., de 
oito anos e três meses de idade. Nas anotações escritas 
pelo pai se lia: 
[...] primeira filha, nascida normalmente em 30 de 
outubro de 1933. Mamou muito pouco passando para 
a mamadeira depois de mais ou menos uma semana. 
Aos três meses deixou de aceitar qualquer tipo de 
alimentação. Foi alimentada por tubo, cinco vezes ao 
dia, até um ano de idade. Foi quando começou a 
comer, embora lhe fosse muito difícil, até os dezoito 
meses. Desde então passou a comer bem, gosta de 
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experimentar comida, de saboreá-la e agora tem 
loucura por cozinhar. Vocabulário comum até dois 
anos, mas a colocação das palavras na sentença é 
sempre lenta. Tem habilidade fenomenal para ler e 
soletrar. Boa escritora mas com dificuldades ainda 
nas expressões verbais. A linguagem escrita ajudou a 
verbal. Não se dava bem com aritmética a não ser por 
proeza de memória. Repetitiva quando bebê, agora 
também é obsessiva: retém coisas nas mãos, leva 
outras para a cama, repete frases, apaixona-se por 
uma idéia, um jogo, etc. Aferra-se a eles e, depois, vai 
se ocupar de outra coisa qualquer. Ela costuma falar 
usando "você" para si própria e "eu" para a mãe ou 
para mim, como se estivesse dizendo coisas que lhe 
estivéssemos falando. Muito tímida, tem medo de 
varias coisas mutantes, vento, animais grandes, etc. 
Passiva a maior parte do tempo, às vezes é 
obstinadamente passiva. Desatenta a ponto de 
alguém perguntar se ela ouve. (Ela ouve!) Espirito 
não competitivo, nenhum desejo de agradar a 
professora. Se sabe alguma coisa a mais que um 
outro colega de classe, não o demonstra, fica calada, 
talvez nem se dê conta do fato. No verão passado, foi 
muito apreciada no acampamento. Aprendeu a 
nadar, era graciosa na água (sua mobilidade sempre 
parecera desajeitada), superou o medo dos pôneis, 
brincou melhor com as crianças de cinco anos de 
idade. No acampamento ela adquiriu a vitaminose e 
desnutrição mas quase não fez queixas verbais. 
 
O pai de Barbara era um conhecido psiquiatra. A 
mãe, bem educada, era uma boa mulher. Em 1937 
nasceu um irmão mais novo, saudável, vivo e bem 
desenvolvido. Barbara "apertava mãos", a pedido, 
(oferecendo a esquerda na chegada e a direita na 
saída) apenas levantando uma mão vacilante na 
direção aproximada da mão estendida do clínico; no 
movimento, faltava, definitivamente, a noção de 
comprimento. Durante todo o encontro não houve 
indicação de qualquer tipo de contato afetivo. Uma 
picada de alfinete resultou na retirada do braço, uma 
olhadela medrosa para o alfinete (não para o clínico) e 
a pronúncia da palavra "machucada!" não endereçada 
a ninguém em particular. Ela não mostrou interesse no 
desempenho de testes. O conceito de teste, de 
participar de uma experiência ou situação, parecia 
estranho a ela. Espichava a língua e brincava com a 
mão como alguém o faria com um brinquedo. Atraída 
por uma caneta que estava sobre a carteira, ela disse: 
"canetacomo as suas em casa". Depois, vendo um 
lápis, perguntou: "posso levar isto para casa?". Quando 
lhe foi dito que podia, ela não fez nenhum movimento 
para pegá-lo. O lápis lhe foi entregue mas ela 
empurrou dizendo "não é o meu lápis". Ela fez o 
mesmo, repetidamente, com relação a outros objeto. E 
disse várias vezes "vamos ver mamãe" (que estava na 
sala de espera). Ela leu extremamente bem com dez 
anos completos, em trinta e três segundos e sem erros 
uma excitante história de Binet, mas foi incapaz de 
reproduzir de memória o que tinha lido. Nas gravuras 
de Binet, (ou ao menos notou) nenhuma ação ou 
ligação entre os itens isolados que enumerou sem 
dificuldades. Sua caligrafia era legível. Seus desenhos 
(homem, casa, gato sentado com seis pernas, abóbora, 
máquinas) eram destituídos de imaginação e 
estereotipados. Ela usava a mão direita para escrever e 
a esquerda para o resto, era canhota de pés e destra de 
olhos. Ela conhecia os dias da semana. Quando 
começou a citá-los "sábado, domingo, segunda-feira", 
parou por aí e disse "você vai para escola" (isto é, "na 
segunda-feira"), como se o assunto estivesse 
encerrado. No transcorrer de todos esse 
procedimentos, os quais cumpria quase que 
automaticamente, após freqüentes e várias repetições 
de pergunta ou instrução, ela rabiscava palavras com 
espontaneidade: "laranjas", "limões", "bananas", 
"uvas", "cerejas", "maçãs", "damascos", "tangerinas", 
"panelas", "suco de melancia"; as palavras, às vezes, se 
precipitavam umas sobre as outras e obviamente não 
eram para ser lidas pelos outros. Muito amiúde ela 
interrompia qualquer "conversa" que se relacionava 
com "transportes motores" e "a cavalo", o que – 
segundo o pai o deixou preocupado por algum tempo. 
Ela disse, por exemplo, "Eu vi os transportes". "Eu vi a 
cavalo quando fui para a escola". Sua mãe observava, 
"Complementações a fascinam, como também uma 
voluta de fumaça ou um pêndulo". Seu pai declarou 
previamente: "Manifesta-se nela um recente interesse 
por assuntos sexuais na hora em que tomamos banho e 
um interesse obsessivo por banheiros". Barbara foi 
colocada nas Escolas Devereux, onde está fazendo 
alguns progressos no aprendizado de contar coisas 
suas às pessoas. 
 
 
 
 
Virginia S., nascida em 13 de setembro de 1931, 
morou na escola de treinamento do estado para 
oligofrênicos desde 1936, exceto um mês em 1938, 
quando foi enviada a uma escola para surdos "como 
oportunidade educativa". A doutora Esther L. Richards 
que a viu várias vezes, diagnosticou com clareza que 
ela não era nem surda nem oligofrênica e escreveu em 
maio de 1941: 
[...] Virginia fica afastada das outras crianças, (na 
escola de treinamento) por que é totalmente diferente 
de todas elas. É asseada e ordeira, não brinca com as 
http://3.bp.blogspot.com/-4RyJBQDQ8oQ/TkF7bq3VRhI/AAAAAAAAA70/j_eCfp2LBT8/s1600/dcasd.jpg
outras crianças e, segundo os principais testes, não 
aparece como surda. Mas não fala. A menina se 
diverte horas a fio juntado peças de um quebra-
cabeças, ajustando-as até que fiquem armados. Eu a 
vi, com uma caixa cheia de pedaços de dois quebra-
cabeças, armar gradativamente as peças de cada um 
deles. Todas as conclusões apontam para a existência 
de uma normalidade congênita que se manifesta mais 
como uma personalidade anormal do que um defeito 
orgânico. 
Virginia, a mais nova de três irmãos, era filha de 
um psiquiatra que confessou em dezembro de 1941: 
"Eu nunca gostei de crianças, o que é provavelmente 
uma reação pessoal à restrição de movimento 
(viagens) e, no mínimo, as interrupções e agitações". 
 Sobre a mãe de Virginia o marido disse: "Ela 
não é, de jeito algum, do tipo maternal. Sua atitude 
(em relação à filha) é como se estivesse lidando com 
uma boneca, um animalzinho de estimação ou algo 
semelhante." Felipe, seu irmão, cinco anos mais velho, 
nos acusa de sua severa gagueira aos quinze anos de 
idade e cai em prantos quando se diz a ele que tem 
tudo o que deseja em casa. "O único momento", disse 
ele soluçando "que meu pai tem alguma coisa a ver 
comigo é quando me xinga por ter feito algo errado". 
Sua mãe nada fez para melhorar as coisas. Ele sente 
que toda a sua vida foi vivida numa "atmosfera gelada" 
com dois estranhos inabordáveis. Em agosto de 1938, 
o psicólogo da escola de treino observou quer Virginia 
podia responder a sons, à chamada de seu nome e a 
instruções, "olhe!". Ela não presta atenção no que lhe 
está sendo dito mas entende com rapidez o que se 
espera dela. Seu desempenho reflete discriminação, 
cuidado e precisão. Ela acusou, através dos itens de 
não-linguagem dos testes de Binet e Marill Palmer, um 
Q.I. de 94. "Sem dúvida", comentou o psicólogo: 
[...] sua inteligência é superior a isso... Ela é quieta, 
solene, composta. Não a vi sorrir uma única vez. Ela 
se encolhe dentro de si mesma, segregando-se dos 
outros. Parece estar num mundo só dela, esquecida de 
tudo, mas ser o centro de interesse da situação 
orientada. Ela é muito auto-suficiente e independente. 
Quando outros invadem sua integridade, tolera-os 
com indiferença. Não há manifestação de amizade ou 
interesse nas pessoas. Por outro lado, ela encontra 
prazer em lidar com as coisas, através do que mostra 
imaginação inventiva. É típico, não há manifestação 
de afeição... Nota do psicólogo em outubro de 1939 – 
hoje, Virginia ficou muito mais à vontade no 
consultório. Lembrou-se (depois de mais de uma ano) 
onde os brinquedos eram guardados e pegou-os. Foi 
impossível persuadi-la a participar de procedimentos 
de teste, pois ela não esperava pelas demonstrações 
quando exigidas. Movimentos rápidos e habilidosos. 
Tentativa e erro seguidas de acerto. Poucos 
movimentos supérfluos. Um novo teste imediato 
reduziu o tempo e o erro a menos da metade. Há 
momentos, a maioria deles, em que ela fica 
completamente alheia a tudo, exceto a seu foco 
imediato de atenção... Janeiro de 1940. A maior parte 
do tempo ela fica calada, como se sempre tivesse 
trabalhado e brincado sozinha. Nunca desafiou 
autoridade ou causou qualquer transtorno. Durante 
atividades em grupo, se torna inquieta, contorce-se, e 
quer sair para satisfazer sua curiosidade sobre algo 
que está em outro lugar. Produz alguns sons locais, 
chorando ao extremo se repreendida ou contrariada 
por outra criança. Ela canta para si mesma, de boca 
fechada, e, em dezembro, ouvi-a cantar com 
perfeição, a melodia de um hino natalino enquanto 
colava correntes de papel. Junho de 1940. As meninas 
da escola disseram que Virginia falou algumas 
palavras quando estavam no chalé. Lembraram-se de 
que ela gosta muito de doces e disse "chocolate", 
"marshmellow", "mama" e "nenê". 
Quem a reviu, em 11 de outubro de 1942, avistou 
uma menina alta, esbelta, bem vestida, de onze anos 
de idade. Quando chamada, levantou-se e aproximou-
se, sem olhar uma única vez para a pessoa que a 
chamou. E ali ficou, alheia, olhado para o espaço. De 
vez em quando, ao responder perguntas, sussurrava 
"mama", "nenê". Quando se formou um grupo em 
volta do piano, uma criança a tocar e outras a cantar, 
Virginia sentou-se, dando a impressão de não notar o 
que estava acontecendo, de estar totalmente absorta. 
Não pareceu dar-se conta do momento em que as 
crianças pararam de cantar. Quando o grupo se 
dispersou, ela não mudou de posição e pareceu não ter 
consciência da mudança de cena. Tinha uma 
fisionomia inteligente embora apresentasse uma 
expressão vazia nos olhos. 
 
 
 
 
Herbert B. nos foi trazido em 5 de fevereiro de 
1941, com três anos e dois meses de idade. Pensava-se 
que tinha um sério retardo nas faculdades intelectuais. 
Seu eletroencéfalograma foi normal. Herbert nasceu 
em 16 de novembro de 1937, duas semanas antes do 
prazo, através da decisão de uma cesariana. Pesava 
então 2 quilos e oitocentos gramas. Desde o 
nascimento até o terceiromês de idade, vomitou todo 
o alimento que ingeria. Depois, o vômito cessou quase 
abruptamente e, exceto ocasionais regurgitações, 
prosseguiu alimentando-se satisfatoriamente. Segundo 
sua mãe, ele "sempre foi lento e calado". Durante um 
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certo tempo, julgou-se que era surdo, por que "não 
mudava de expressão quando lhe falávamos ou quando 
na presença de outras pessoas; além disso não tentava 
falar ou formar palavras". Ele levantou a cabeça aos 
quatro meses e sentou aos oito, mas não tentou andar. 
Aos dois anos, de repente, começou a andar sem antes 
engatinhar ou apoiar-se em cadeira. Recusou-se 
terminantemente a tomar líquidos a não ser em 
recipientes todos de vidro. Certa vez, quando em um 
hospital, ficou três dias sem tomar líquido, por que 
este lhe era dado em canecas de estanho. Ele tinha um 
medo terrível de água corrente, queimadores de gás e 
várias outras coisas. "Fica aborrecido com a mudança 
de algo a que está acostumado: se se dá conta de 
alguma modificação, dica nervoso e chora". Mas ele 
próprio gostava de levantar e baixar cortinas, rasgar 
caixas de papelão em pedacinhos e brincar com eles 
por horas e fechar e abrir as folhas das portas. Os pais 
de Herbert separaram-se logo após seu nascimento. O 
pai, um psiquiatra, foi descrito como "um homem de 
inteligência fora do comum, sensível, impaciente, 
introspectivo, que se leva muito a sério, não 
interessado pelas pessoas (mas em si próprio) e às 
vezes dado ao álcool". Sua mãe, uma física, fala de si 
mesma como "ativa e saliente, amante das pessoas e 
crianças mas com pouca vivência de seus problemas – 
de forma que acha mais fácil e melhor aceitar as 
pessoas como são do que procurar entendê-las. 
Herbert é o caçula de três filhos. O segundo é um 
menino normal, saudável. A mais velha, Dorothy, 
nascida em junho de 1934, depois de 36 horas de duros 
trabalhos de parto, parecia ligada e responsiva como 
um menino e pronunciou muitas palavras com dezoito 
meses; lá pelo fim do segundo ano de vida ela "não 
mostrou grandes progressos em seus relacionamentos 
infantis ou nos contatos com outras pessoas". Gostava 
que a deixassem em paz, dançava em círculos, fazia 
estranhos ruídos com a boca e ignorava 
completamente as pessoas, exceto a mãe, a quem se 
agarrava "em pânico e com uma agitação 
generalizada". (Seu pai a detestava ostensivamente). 
"Sua fala era muito pobre e a expressão de idéias 
completamente falha. Tinha dificuldades com os 
pronomes e repetia "você" e "eu" em vez de usá-los 
adequadamente". Primeiro foi declarada imbecil, 
depois esquizofrênica e em seguida os pais se 
separaram (o filhos ficaram com a mãe) e ela 
desabrochou. Agora freqüenta a escola onde está 
fazendo bons progressos; ela fala bem, tem um Q.I. de 
cento e oito e, embora sensível e moderadamente 
receosa – está interessada em gente e fica sozinha 
razoavelmente bem. Quando examinado pela primeira 
vez, Herbert mostrou uma fisionomia 
extraordinariamente inteligente e boa coordenação 
motora. Dentro de certos limites, manifestou 
espantoso despropósito na busca de objetivos auto-
selecionados. Dentro de um grupo de blocos, ele logo 
descobriu aqueles que estavam colados num quadro e 
aqueles que podiam ser retirados. Ele poderia 
construir uma torre de blocos alta, com facilidade, 
como qualquer criança de sua idade ou mesmo mais 
velha. Não podia ser interrompido nas ocupações que 
ele próprio escolhia. Ficava contrariado com qualquer 
interferência, afastando os intrusos para longe (sem 
mesmo olhar para eles) ou gritando se não o 
conseguisse. Vimo-lo outra vez com quatro anos e sete 
meses e ainda com cinco anos e dois meses de idade. 
Ainda não falava. Em ambas as vezes entrou no 
consultório sem prestar a mínima atenção às pessoas 
presentes. Ele dirigiu-se em seguida ao quadro de 
Seguin e imediatamente ocupou-se, colocando as 
figuras em seus devidos espaços e tirando-as outra vez 
deles, hábil e rapidamente. Quando se interferia, ele 
choramingava impaciente. Quando um figura era 
furtivamente removida, ele notava sua falta de 
imediato, ficava perturbado, mas esquecia-se 
completamente do fato quando ela era reposta no 
lugar. Às vezes, quando por fim se aquietava, depois de 
se aborrecer por causa da remoção de figuras do 
quadro, ele punha-se a saltar para cima e para baixo 
em cima do sofá, com uma expressão estática no rosto. 
Não respondia ao ser chamado nem a qualquer outra 
palavra que lhe fosse endereçada. Ficava 
completamente absorto no que estava fazendo, fosse o 
que fosse. Ele nunca sorria. Às vezes, emitia sons 
inarticulados como se estivesse cantando 
monotonamente. Certa vez ele deu uma leve batida na 
perna da mãe e depois tocou a com os lábios. Levava 
constantemente blocos e outros objetos aos lábios. 
Houve uma semelhança quase fotográfica em seu 
comportamento durante as duas visitas, com uma 
importante exceção a ser levada em conta: aos quatro 
anos mostrou-se impressionado e afastou-se quando 
se acendeu um fósforo em sua frente, enquanto aos 
cinco sua reação foi de saltar estaticamente. 
 
 
 
 
A mãe de Alfred L. nos trouxe a criança em 
novembro de 1935, com três anos e meio de idade e a 
seguinte queixa: 
[...] ele tem demonstrado gradativamente uma 
tendência marcante para desenvolver um interesse 
especial que domina completamente suas atividades 
http://3.bp.blogspot.com/-JIoqR-wn-ps/TkF-7aAJ6-I/AAAAAAAAA8A/ROZD2NVuwBI/s1600/dfsdfsad.jpg
diárias. Ele fala de outras coisinhas quando o 
interesse subsiste mas fica descontente quando não é 
capaz de entregar-se a ele (vendo-o entrando em 
contato com ele, fazendo desenhos sobre ele) e é difícil 
obter sua atenção quando fica assim preocupado... 
Tem também sido um problema seu grande apego ao 
mundo dos abjetos e o insucesso para desenvolver 
nele uma dose comum de consciência social. 
Alfred nasceu em maio do 1932, três semanas 
antes do prazo marcado. Nos primeiros dois meses "a 
dieta alimentar causou considerável preocupação, mas, 
depois, ele se refez rapidamente e tornou-se um bebê 
excepcional, grande e vigoroso". Sentou-se com cinco 
meses e andou com quatorze. 
[...] a linguagem desenvolveu-se lentamente; ele 
parecia não ter interesse nela. Raramente ele conta 
uma experiência, confunde pronomes, nunca faz 
perguntas em forma de perguntas (com a devida 
inflexão). Quando fala, tem uma tendência a repetir 
indefinidamente uma palavra ou declaração. 
Também nunca diz uma sentença sem repeti-la. 
Ontem quando olhava um gravura disse uma porção 
de vezes: "algumas vacas estão na água". Nós 
contamos, por cinco vezes repetiu a mesma frase e 
parou para depois começar de novo. Nós temos tido 
uma boa dose de "preocupações". Ele choraminga 
quando pomos o pão no forno para torrar. Fica com 
medo que ele queime e também que machuque. Fica 
perturbado quando o sol se põe. Fica aborrecido por 
que a lua nem sempre aparece no céu à noite. Prefere 
brincar sozinho; desce de um brinquedo mecânico 
assim que outra criança se aproxima. Gosta de 
trabalhar em algum projeto com caixas grandes 
(fazer um bonde, por exemplo) e não quer que 
ninguém interfira ou toque nele. 
Quando impedido de chupar infantilmente o 
polegar por causa de artificiosas invenções mecânicas, 
substituía o ato colocando vários objetos na boca. Não 
foram raras as ocasiões em que achamos seixos em 
suas fezes. Pouco antes de seu segundo aniversário, ele 
engoliu algodão de um coelho de páscoa, aspirando-o 
de forma que foi necessário fazer traqueostomia. 
Alguns meses mais tarde, engoliu um pouco de 
querosene "de efeito não nocivo". Alfred era filho 
único. O pai, com trinta anos na data de seu 
nascimento, "não se sentia bem quando ficava a sós 
com pessoas, era desconfiado, magoava-se facilmente, 
enfurecia-se facilmente,tinha que ser arrastado para 
visitar os amigos, ocupava o tempo livre lendo, 
cuidando do jardim e pescando". Ele é químico e 
advogado. A mãe, da mesma idade, era "psicóloga 
clínica" bastante obsessiva e excitável. Os avós 
paternos morreram cedo; o pai foi adotado por um 
ministro. O avô materno, um psicólogo, era 
severamente obsessivo, tinha inúmeros tiques, "lavava 
as mãos constantemente, demorava-se na análise de 
uma única linha, tinha medo de ficar sozinho e de 
estimulantes do coração". A avó, "pessoa excitável e 
explosiva, que fez várias palestras públicas e publicou 
vários livros, jogadora solitária, imensamente 
preocupada com assuntos financeiros". Um tio por 
parte de mãe fugiu de casa e da escola para juntar-se 
aos fuzileiros navais, tendo mais tarde, se encontrado 
ajustando-se esplendidamente à vida comercial". A 
mãe deixou o marido dois meses depois do nascimento 
de Alfred. A criança ficou com a mãe e os avós 
maternos. "Na casa há uma creche e um jardim de 
infância (que a mãe vai tocando), o que cria um pouco 
de confusão para a criança". Alfred não viu o pai até os 
três anos e quatro meses de idade, quando a mãe 
decidiu que "ele devia conhecer o pai" e "tomou 
providências para que este viesse à casa ver o menino". 
Depois de entrar no consultório, Alfred não prestou 
atenção naquele que o examinava. Descobriu 
imediatamente um trem na prateleira dos brinquedos, 
pegou-o e pôs-se a ligar e desligar os vagões de 
maneira lenta e monótona. Repetia várias vezes "mais 
trem – mais trem – mais trem". Contou 
sucessivamente as janelas de um vagão: "uma, duas 
janelas – uma, duas janelas – uma, duas janelas – 
quatro janelas, oito janelas". Sua atenção não se 
desviava do trem. Tentou-se um teste de Binet numa 
sala onde não havia trens. Foi possível, com muita 
dificuldade, vez ou outra, penetrar além de sua 
preocupação. Ele finalmente cedeu em muitas ocasiões 
de uma forma que indicava claramente que queria 
acabar com aquela intrusão; isto se repetiu em cada 
item da tarefa. No fim foi registrado um Q.I. de cento e 
quarenta. 
A mãe não o trouxe de volta depois desta primeira 
consulta por causa de "sua contínua aflição quando se 
defrontava com um membro da equipe médica". Em 
agosto de 1938, ela mandou, em resposta a uma 
solicitação, um relato escrito de seu desenvolvimento. 
Foi extraído o seguinte trecho deste relato: 
[...] ele é chamado de lobo solitário. Prefere brincar 
sozinho e evita grupos de crianças para brincar. Não 
presta muita atenção aos adultos, exceto quando quer 
ouvir estórias. Evita competição. Ele lê estórias 
simples para si mesmo. Tem muito medo de ferir-se, 
fala muito sobre o uso da cadeira elétrica. Entra em 
pânico quando alguém, acidentalmente, cobre o 
rosto. 
Alfred voltou à baila outra vez em junho de 1941. 
Seus pais decidiram viver juntos. Antes disso, o garoto 
havia estado em onze escolas diferentes. Esteve muitas 
vezes de cama em decorrência de resfriados, 
bronquite, catapora, infecção por estreptococus, 
empetigo e uma condição vagamente descrita que a 
mãe – não obstante afirmações contrárias de vários 
pediatras – insistia tratar-se de "febre reumática". 
Enquanto esteve no hospital, disseram que se portou 
"como um paciente maníaco". A mãe tinha que bancar 
o psiquiatra e fazer diagnósticos psiquiátricos do filho. 
Do relatório da mãe, que combinava uma obsessiva 
enumeração de ocorrências pormenorizadas com 
"explanações" que tentavam provar a normalidade de 
Alfred, foram coletadas as seguintes informações: 
Ele começou a brincar com crianças menores do 
que ele, "tratando-as como bonecos – é tudo". A 
criança foi empanturrada de música, de dramas e 
recitais e teve uma formidável ressaca de memória não 
podendo nem relatar: 
[...] ele tem muitos medos, quase sempre ligados a 
barulhos mecânicos (moedor de carne, aspirador de 
pó, carros na rua, trens, etc.). Geralmente ele voa, 
com um interesse obsessivo para as coisas de que tem 
medo. Agora ele tem os latidos estridentes do 
cachorro. 
Alfred ficou extremamente tenso durante toda a 
entrevista e muito seriamente disposto, e tanto, que se 
não fosse por sua voz juvenil, teria dado a impressão 
de um homenzinho ansioso e preocupado. Ao mesmo 
tempo, estava muito impaciente e deu mostras de 
forçar a fala que nada tinha de pessoal em si mas se 
constituiu de perguntas obsessivas sobre janelas, 
sombras, salas escuras, e especialmente sobre a sala de 
raio X. Ele nunca esboçou o mais leve sorriso. 
Nenhuma mudança de tópico, o desviaria de seus 
tópicos de luz e sombra. Mas na verdade, ele foi 
respondendo as perguntas do médico, que 
freqüentemente tinham que ser repetidas, várias vezes, 
como numa espécie de barganha – "Você responde 
minha pergunta que eu respondo a sua". Ele era 
esmeradamente específico em suas definições. Um 
balão "é feito de fibra de borracha e tem gás. Às vezes 
eles sobem para cima e às vezes eles podem ser 
guiados, e quando tem um furo neles, eles explodem; e 
se as pessoas os apertam eles explodem. Não é assim 
mesmo?". "Um tigre é uma coisa animal. Listado como 
um gato, pode arranhar como gente selvagem, vive na 
selva ou na floresta. Principalmente na selva. Não é 
isso?". Essa pergunta "Não é isso?", devia ser 
definitivamente respondida; havia aí um desejo muito 
sério de confirmação de que as definições tinham sido 
suficientemente completas. Ele fazia constantemente 
confusão a respeito do significado das palavras. 
Perante uma mostra de gravura e a pergunta, "Sobre o 
que é esta gravura?" ele retrucou, "Gente se movendo 
sobre". Certa vez ele parou e perguntou, todo perplexo, 
por que o "Hospital John Hopkins" estava estampado 
no folheto que continha sua história : "Por que eles 
tem que contar isto? ". Este assunto, para ele, era um 
problema verdadeiro, de grande importância, sobre o 
qual se devia pensar e discutir, "Já que pegamos a 
história no hospital, por que é necessário que o nome 
apareça em cada página? A pessoa que escreveu não 
sabia onde estava escrevendo? O clínico que o 
examinava, de quem ele se lembra de sua visita há seis 
anos atrás, era para ele nada mais e nada menos que 
uma pessoa destinada a responder suas perguntas 
obsessivas sobre luz e sombra. 
 
 
 
 
A mãe de Charles N. o trouxe a nós em 2 de 
fevereiro de 1943, com 4 anos de idade, e sua principal 
queixa era de que "O que mais me transtorna é o fato 
de não conseguir entender meu filho". Ela apresentou 
seu relatório dizendo: Estou tentando seriamente não 
governar minhas observações pelo conhecimento 
profissional que no momento faz parte de minha 
própria maneira de pensar. Como criança o menino 
era inativo, "lento e apático". Deitado no divã, ali ficou, 
com os olhos arregalados, só olhando. Agia como que 
hipnotizado. Parecia concentrar-se em fazer uma coisa 
de cada vez. Suspeitou-se de hipotiroidismo, e lhe foi 
ministrado extrato de tiróide sem ter havido mudança 
no quadro geral. 
[...] seu prazer e gosto pela música, encorajou-me a 
tocar discos. Quando ele tinha um ano e meio de 
http://1.bp.blogspot.com/-5gaJTsnEa1g/TkF_QgesUXI/AAAAAAAAA8E/6jyr43iVTZk/s1600/fdfasdfs.jpg
idade, podia diferenciar dezoito sinfonias. Reconhecia 
o compositor, logo que o primeiro movimento 
começava. Ele dizia "Beethoven". Com a mesma 
idade, começou a girar brinquedos, tampas de 
garrafa e potes a toda hora. Tinha grande habilidade 
na mão esquerda para fazer girar cilindros. Ao olhá-
los girar, ficava severamente excitado e pulava para 
cima e para baixo em êxtase. Agora anda interessado 
em refletir luz nos espelhos e caçar os reflexos. 
Quando ele fica interessado em algo, ninguém pode 
demovê-lo. Não presta atenção em mim e dá mostras 
de não me reconhecer quando entro na sala... O mais 
impressionante de tudo é seu desligamento e sua 
inacessibilidade. Ele anda como se estivesse nasnão podem ser reduzidos a uma interpretação, e não se 
prestam à compreensão cognitiva. Uma clínica diferente pois 
coloca o analista no lugar de escutar um "discurso" não 
representativo. A ação do analista deve ser então a de criar 
novas formas de interpretação. 
 
Sendo assim, sugiro a hipótese que a relação analítica existe 
desde o primeiro encontro. Ela não deve ser criada, e sim 
estabelecida a princípio por meio de uma nova natureza de 
interpretação. 
 
Alguns psicanalistas, a exemplo de Laznik-Penot, reconhecem 
valor significante em toda produção da criança, gestual ou 
linguageira. Segundo eles, se o analista reconhece que alí ( em 
qualquer produção) existe uma mensagem, a criança poderá 
se reconhecer a posteriori como fonte dessa mensagem. 
Depois da leitura da obra de S.Langer e refletir sobre as 
minhas experiências como analista de crianças autistas, estou 
mais inclinada a reconhecer o primeiro encontro com a criança 
autista como uma experiência analítica inominável. 
 
Tomo emprestada a crítica de Júlia Kristeva(1996) a Lacan, em 
seu texto "A sensação é uma linguagem". Na crítica ela se 
referiu ao autor, como um cultivador de uma pressa lógica em 
identificar o que é pré-linguagem e linguagem. Essa pressa 
essa que pode apagar a estratificação do aparelho psíquico, 
isto é, pagar os estágios anteriores da linguagem, os "quase 
símbolos", entre eles os gritos, as imitações e as percepções-
excitações. Os "quase símbolos? ao serem compreendidos 
como significantes, reduzem as experiências inomináveis aos 
"significantes puros". A capacidade perceptiva e sensorial do 
analista pode desaparecer por causa a esta tendência de 
interpretar mensagens advindas dos significantes. 
 
Em suma, o estabelecimento de uma relação psicanalítica com 
uma criança autista o analista na posição de compreender o 
lapso de tempo que o sujeito não recorda. Este tempo abrange 
o período de aprendizado da linguagem, um período sensorial 
intraduzível pelas vias cognitivas. Nessa fase primitiva em que 
se encontra a criança autista, nenhuma experiência pertence 
ainda a qualquer classe. As ações audíveis de Maria pareciam 
ser para ela completamente absorventes, inesperados, 
repetitivos e para mim misteriosos. A partir do encontro com 
estas ações audíveis, foi possível estabelecer uma relação 
analítica com Maria. Um encontro não marcado pela ação de 
interpretar mas por uma escuta psicanalítca abrangente o 
suficiente para experenciar fenômenos intraduzíveis da 
constituição do "eu". 
 
Finalmente, considero que fazer das técnicas aqui 
apresentadas um fator indicador do que é ou não psicanálise, é 
colocar em risco a primazia da escuta clínica tão bem 
fundamentada pelo pai da psicanálise. A questão primordial 
que a criança autista nos coloca é a da escuta do inominável, 
como fazê-lo dentro da tradição simbólica da psicanálise?. 
Talvez seja necessário pedir emprestado à filosofia alguns 
conceitos, assim como foi feito com a noção de símbolo 
apresentativo, que nos permitam refletir sobre a questão 
imposta pela clínica com a criança autista. 
 
NOTAS 
 
Maria já havia passado pela clínica médica onde fez todos os 
exames neurológicos de praxe. Todos foram negativos e o 
psiquiatra lhe conferiu o diagnóstico de autismo, com a 
recomendação de que ela deveria ter uma educação especial , 
tomar remédios para diminuir a hiperatividade, fazer 
fonaudiologia e terapia comportamental. . Esta é a 
recomentação prescrita no DSM IV 
 
Segundo a psiquiatria clássica estes dois movimentos, o 
balançar as mãos e o andar nas pontas dos pés, são 
considerados comportamentos estereotipados, sem nenhuma 
função de comunicação. O tratamento médico psicológico 
comportamental tem como objetivo extinguir tais 
comportamentos. 
 
F. Tustin (1990) nos apresenta um convincente material clínico 
para demonstrar como as crianças autistas vivenciam seu 
corpo, no encontro com o outro, como uma ameaça física, uma 
catástrofe. Uma das crianças autistas, atendidas por ela, 
designou esta sensação como um medo de cair em "um buraco 
negro". Outros autores designam esta ameaça como "angústia 
impensada" ( Winnicott, ), "angústia 
 
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