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Leo Kanner e os onze
casos de autismo infantil
Leo Kanner nasceu em Chaskel Leib Kanner,
num parto em casa, em uma pequena aldeia austríaca
chamada Klekotow, em 1894. Foi um menino solitário,
com memória fantástica, que perdurou por toda a vida.
Sua mãe foi morta pelos nazistas a tiros enquanto
cochilava numa cadeira de balanço. Suas três irmãs e
suas respectivas famílias foram mortas em campo de
concentração, ao passo que o irmão Klias, um
advogado, suicidou-se quando os nazistas se
aproximavam da cidadezinha em que ele vivia. Sua
irmã Dora, tornou-se bibliotecária na Universidade
Hebraica de Jerusalém e o irmão Wolf, fugiu para
Xangai, onde trabalhou como farmacêutico e em
seguida foi para a Áustria onde se tornou
violinista. Conviveu com os avós que eram
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emocionalmente inexpressivos, incapazes de
demonstrar sentimentos. Kanner tinha uma
sensibilidade aguçada para as deficiências sociais que
se tornariam sintomas para o diagnóstico do autismo,
talvez em razão de sua história de vida e da
convivência com pessoas estranhas e frias.
Na sua formação intelectual, ouve alguns
turbulências iniciais e embora possa ter sido
interrompida pelo serviço militar, durante a Primeira
Guerra Mundial, no final ele conseguiu cursar
medicina na Universidade de Berlim e depois decidiu
migrar para a América, principalmente por razões
econômicas. Em 1924, Kanner começou a trabalhar
como médico-assistente no Hospital Estadual de
Yankton, Dakota do Sul. Naquela época, não era
fazendo residência psiquiátrica que os médicos
tornavam-se psiquiatras mas simplesmente
trabalhando em instituições para doentes mentais. Os
psiquiatras daquele tempo possuíam apenas um
pequeno conjunto de termos com os quis podiam
trabalhar, tais como esquizofrenia, psicose maníaco
depressiva, paranóia, senilidade, epilepsia e o mais
popular “distúrbio não diagnoticado”. Kanner sentia-
se frutrado pela incapacidade da psiquiatria de tratar
as pessoas e não gostava de rótulos, pois achava-os
desumanizadores. Ele protestava pelo fato das
pesquisas denominarem as doenças e determinarem
sua freqüência mas não fornecerem elementos para
tratá-las. Tinha uma aparência tristonha mas
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transmitia grande confiança associada a ambição e
gentileza, especialmente quando o assunto em questão
era o bem-estar das crianças. Possuía habilidades
sociais e uma extraordinária compaixão e empatia por
seus pacientes se identificando em parte com os
autistas.
A primeira publicação de Kanner foi um artigo
sobre índios americanos que tratara em Yankton. Esse
artigo chamou atenção de todo o país. Nele Kanner
argumentava que os índios não sofriam tanto de
insanidade quanto o restante da população, o que se
devia ao fato de incidência de sífilis, uma das
principais causas de loucura da época. Segundo
Grinker (2010) que este foi o primeiro indicio de sua
genialidade clínica. Com este artigo Kanner chamou
tanta atenção que o médico Emil Kraepelin, fundador
da psiquiatria científica moderna ( e provavelmente o
psiquiatra mais famoso do mundo no início do século
XX), decidiu visitar Yankton em sua viagem a América.
Com isso Kanner então tornou-se professor na
Universidade Johns Hopskins, em Baltimore,
trabalhando sob a chefia do psiquiatra suíço Adolf
Meyer, talvez o mais respeitado psiquiatra dos Estados
Unidos do seu tempo, e também fundador da primeira
ala psiquiátrica infantil num hospital no mundo.
Apesar de Kanner ser mais conhecido por causa do
autismo, Grinker (2010) diz que em Maryland, onde
ele passou o resto da vida, era mais lembrado pelo seu
grande trabalho junto aos retardados mentais.
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Em 1943, Kanner publicou seu artigo “Autistic
Disturbances of Affective Contact” (Distúrbios autistas
do contato afetivo), onde descreve onze crianças
diferente entre si, todas nascidas nos anos de 1930,
mas que tinham muito em comum. Todas elas
possuiam autismo infantil. Nestes onze casos iniciais
Kanner se baseou para iniciar seu trabalho sobre o
tema. Veja abaixo sua descrição dos casos
apresentados no artigo já citado, incluindo depois
discussão e comentários referentes aos casos e que
foram extraídos da home page da AMA.
http://www.ama.org.br/autismo-artigos.htm
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Donald T. foi avaliado pela primeira vez em
outubro de 1938, com a idade de cinco anos e um mês.
Antes da família chegar de sua cidade natal, seu pai
mandou-nos umas trinta e três páginas datilografadas
sobre o caso que, apesar de preenchidas com muitos
pormenores obsessivos, forneceu um excelente histórico.
Donald nasceu no final da gravidez, em oito de setembro
de 1933. Pesava aproximadamente três quilos e duzentos
gramas ao nascer. Foi amamentado, com alimentação
suplementar até o fim do oitavo mês; houve freqüentes
mudanças de dieta. "Comer", dizia o relatório, "foi sempre
um problema para ele. Essa criança nunca demonstrou um
apetite normal. Ver as crianças comendo doces ou sorvete
nunca constituiu uma tentação para ele". A dentição
ocorreu satisfatoriamente. Ele começou a andar com treze
meses. Com a idade de um ano "cantava ou murmurava de
boca fechada algumas melodias com perfeição". Antes dos
dois anos de idade, tinha "uma memória invulgar para
rostos e nomes, sabia o nome de um grande número de
casas" de sua cidade natal. "A família o encorajava a
aprender e recitar pequenos poemas e até decorou o
salmo XXIII e vinte e cinco perguntas e respostas do
catecismo presbiteriano". Os pais observaram que "ele não
aprendia a perguntar ou responder perguntas a menos que
contivessem rimas ou coisa parecida, e então quase nunca
perguntava nada a não ser com palavras isoladas". Sua
pronuncia era clara. Interessou-se por gravuras "e logo logo
ficou conhecendo um extraordinário número de gravuras
de uma seção da enciclopédia Compton". Ele conhecia os
retratos dos presidentes "e também muitos de seus
ancestrais e da parentela do lado materno e paterno".
Aprendeu com rapidez o alfabeto inteiro, "até de trás para
adiante" e a contar até cem. Desde cedo observamos que
ele se sentia mais satisfeito quando deixado sozinho,
praticamente nunca chorou pedindo a mãe, nunca pareceu
dar-se conta da volta do pai para casa e ficava indiferente
ao visitar parentes. O pai fez especial menção ao fato que
Donald parou até de prestar a mínima atenção ao Papai
Noel com todo seu aparato.
[...]ele parece ser auto-suficiente. Não mostra nenhuma
afeição quando mimado. Ignora o fato de alguém chegar
ou sair e nunca manifesta alegria ao ver o pai, a mãe ou
algum amiguinho. Dá a impressão de voltar-se para a sua
concha e viver dentro dela. Certa vez trouxemos um
garotinho muito simpático, da mesma idade, de um
orfanato para passar o verão com Donald. Entretanto,
Donald nunca lhe fez nem respondeu nenhuma pergunta e
nem brincou com ele. Raramente se aproxima de alguém
que o chame – tem que ser carregado ou conduzido para
onde quer que deva ir.
No seu segundo ano de vida, ele "pegou uma mania
de girar blocos, pratos e outros objetos redondos". Ao
mesmo tempo,
[...] lhe desagradavam veículos auto propulsores, como
cavalinhos de montar, velocípedes e balanços. Ele ainda
tem medo de velocípedes e parece guardar uma espécie de
horror por eles quando é forçado a andar nos mesmos, hora
em que tenta pedir socorro à pessoa que o está assistindo.
Neste verão [1937], compramossombras, vive em um mundo próprio no qual não se
pode penetrar. Nenhum senso de relacionamento com
as pessoas. Ele passou por um período em que as
notava – mas ele mesmo nunca dá nada de si. Toda
sua conversa é uma réplica de algo que já lhe foi dito.
Ele fala de si próprio na segunda pessoa e agora, às
vezes, na terceira; ele diz "ele quer" – e não "eu
quero". É destruidor; a mobília de seu quarto está em
pedaços. Ele pode quebrar um lápis púrpura em duas
partes e dizer "Você tinha um bonito lápis púrpura e
agora tem dois pedaços. Veja o que você fez". Ele
desenvolveu uma obsessão por fezes, que esconde em
qualquer lugar ( por exemplo, nas gavetas) e me
arrelia se ando pelo quarto: "Você manchou suas
calças, agora não pode ter de volta seus lápis!". Para
culminar, ele ainda não está treinado para usar o
banheiro. Ele nunca se limpa na creche, fazendo isso
quando chega em casa. O mesmo acontece quando se
molha. Ele se orgulha de ficar molhado, pula de cá e
de lá, dizendo, "olha para a grande poça que ele fez".
Quando está no meio de outras pessoas, nunca olha
para elas. Julho passado, tínhamos em casa um
grupo de pessoas, quando Charles entrou, parecia um
potro fora do cercado. Ele não prestou atenção nelas,
mas sentiu sua presença. Inventou uma voz e cantou e
algumas pessoas não notaram nenhuma
anormalidade na criança. Na escola, ele nunca se
mistura a um grupo, desliga-se do resto das crianças
exceto quando há reunião; se houver música, ele vai
para a primeira fila e canta. Ele tem uma estupenda
memória para palavras. O vocabulário é bom, salvo o
uso de pronomes. Ele nunca inicia uma conversa e
sua conversa é limitada – vai somente até onde os
objetos vão.
Charles nasceu normalmente, foi uma criança
planejada e desejada. Ele sentou com seis meses e
andou com menos de quinze meses – "um dia ficou de
pé e andou – sem engatinhar preliminarmente". Não
teve nenhuma das costumeiras doenças infantis.
Charles é o mais velho dos três filhos. O pai, que foi até
o colegial, é um comerciante de roupas. Descrito como
"uma pessoa que se fez sozinha, gentil, calmo, uma
pessoa tranqüila". "A mãe tem um escritório bem
sucedido em Nova Iorque, onde trabalha com discos e
livros de teatro e é de uma notória serenidade". As
outras duas crianças tinham 28 e 14 meses de idade na
época da visita de Charles à clínica. A avó materna,
"muito dinâmica, enérgica, hiperativa, quase
hipomaníaca", escreveu e compôs um pouco. A tia
materna, "psiconeurótica, muito brilhante, dada a
histerias", escreveu poemas e canções. Outra tia foi
mencionada como "a amazona da família". Um tio
materno, um psiquiatra, tem considerável talento
musical. Os parentes do pai foram descritos como
"gente simples e comum". Charles era um menino bem
desenvolvido, de aparência inteligente, com boa saúde
física. Usava óculos. Quando ele entrou no consultório,
não prestou a mínima atenção nas pessoas presentes (
3 médicos, sua mãe e seu tio). Sem olhar para
ninguém, disse, "eu quero um lápis!", e pegou um
pedaço de papel da escrivaninha e escreveu algo
semelhante ao número 2 ( um grande e saliente
calendário mostrava o número 2 – estávamos no dia 2
de fevereiro). Ele havia trazido consigo um exemplar
do Readers Digest e estava fascinado pela estampa de
um bebê, e disse, "olhem para este bebê – ele não é
engraçado?", inúmeras vezes, acrescentando de vez em
quando, "não é engraçado? não é um doce? ". Quando
lhe tiraram o livreto, ele resistiu à mão que o pegou,
sem olhar para a pessoa que havia feito isso. Quando
picado por um alfinete, disse "o que é isso?" e,
respondendo a própria pergunta "é uma agulha". Ele
olhou timidamente para o alfinete, encolheu-se com
outras picadas, mas em nenhum momento pareceu
associá-las à pessoa que segurava o alfinete, quando o
Readers Digest lhe foi tomado, jogado no chão e um pé
foi posto em cima, ele tentou remover aquele pé como
se fosse um objeto a parte que estivesse interferindo,
sempre sem ligá-lo à pessoa a quem o pé pertencia. Ele
então virou-se para a mãe e disse, "eu dou ele pra
você!". Quando se confrontou com uma prancha de
Seguin, interessou-se principalmente pelos nomes das
formas antes de colocá-las nos devidos buracos. Várias
vezes ele fez as formas girarem, saltando com excitação
para cima e para baixo enquanto elas estavam em
movimento. Toda a performance foi muito repetitiva.
Ele nunca usou a linguagem como um meio de
comunicação com as pessoas. Lembrava de nomes
como "octógono", "losango", "bloco oblongo", mas
assim mesmo continuava perguntando "o que é isto?".
Ele não respondia ao ser chamado e não olhava para a
mão quando ela lhe falava. Quando os blocos foram
retirados, ele guinchou, bateu os pés e gritou. "Eu
darei eles para você!" (significando "Você deve dá-los
para mim"). Tinha movimentos muito ágeis. Charles
foi matriculado na escola Devereux.
John F. Foi examinado pela primeira vez em 13 de
fevereiro de 1940, com dois anos e quatro meses de
idade. Os pais disseram: "O que mais me preocupar é a
dificuldade para alimentá-lo. Durante os primeiros
dias de vida, não mamava satisfatoriamente. Houve
uma longa história na tentativa de fazê-lo aceitar o
alimento. Tentamos tudo o que foi possível. Ele
sempre foi imaturo. Com 20 meses começou a andar.
Chupa o polegar, range os dentes freqüentemente, e
rola de um lado para o outro na cama antes de dormir.
Se não fizermos o que ele quer, berra e faz alarido".
John nasceu a 19 de setembro de 1937 com sete libras
e meia de peso. Foi hospitalizado por causa de
problemas com alimentação por várias vezes.
Nenhuma desordem física foi constatada – Exceto a da
fontanela anterior que não fechou até que ele tivesse
dois anos e meio de idade. Sofria constantemente de
resfriados e otite média o que pedia uma
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meringotomia bilateral. John foi filho único até
fevereiro de 1943. O pai, um psiquiatra, é "uma pessoa
calma, plácida, emocionalmente estável, o elemento
moderador da família. A mão, que fez até o colegial,
trabalhava como secretária no laboratório de patologia
antes de casar, é "um tipo de pessoa hipomaníaco;
antes de mais nada, encara a todos como espécimes
patológica. Durante a gravidez mostrou-se muito
apreensiva, com medo de não sobreviver aos trabalhos
de parto". A avó paterna é "obsessiva em matéria de
religião, e lava as mãos a toda hora. A avó materna era
contadora. John veio ao consultório com os pais.
Perambulou pela sala constante e incertamente.
Exceto pelos rabiscos espontâneos, jamais deu mostras
de relacionar dois objetos entre si. Não respondeu aos
comandos mais simples, salvo quando os pais, com
muita dificuldade, gesticulavam um Tchau – tchau,
bateram um bolo, esconde-esconde, desajeitadamente.
Sua atitude típica para com os objetos era atirá-los no
chão. Três meses mais tarde, seu vocabulário
melhorou notavelmente, embora a articulação se
mostrasse defeituosa. Leves tendências obsessivas
foram observadas, como, por exemplo, empurrar para
o lado a primeira colherada de cada travessa. Sua
excursão pelo consultório foi superficial, porém
determinada. No final do seu quarto ano, ele estava
apto para fazer um tipo muito limitado de contato
afetivo e mesmo assim, com um número bastante
reduzido de pessoas. Uma vez estabelecido tal
relacionamento, tem que prosseguir através dos
mesmos moldes. Ele era capaz de formar sentenças
elaboradas e gramaticalmente corretas, mas usava o
pronome da segunda pessoa quando se referia a si
mesmo. Ele fazia uso da linguagem não como meio de
comunicação, mas sobretudo como uma repetição de
coisas que ouvira, sem alterar o pronome pessoal.
Tinha uma obsessividade marcante. A rotina diária
devia ser seguidarigidamente; a mais leve mudança no
preestabelecido provocava explosão e pânico. a
repetição de sentenças não tinha fim. Ele possuía um
excelente traquejo de memória e podia recitar muitas
preces, rimas infantis e canções "em línguas diversas";
a mão colaborou muito para encher este estofo e ficava
orgulhosa com estas "façanhas": "ele reconhece os
discos pela cor da capa, e ao identificar um lado
lembra-se do que tem no outro". Aos quatro anos e
meio, começou aos poucos, a utilizar pronomes
adequadamente. Muito embora seu interesse direto
recaísse somente sobre objetos, ele empenhou-se
seriamente em atrair a atenção do clínico (Dra. Hilde
Bruch) e em receber seu aplauso. Porém nunca dirigiu-
se a ela direta e espontaneamente. Ele desejava
assegurar-se da literal mesmice do ambiente,
conservando portas e janelas fechadas. Quando sua
mão abriu a porta "para que sua obsessão se
manifestasse, ele tornou-se violento – queria fechá-la
de novo – e, finalmente, quando houve outra
interferência, impotente, desatou a chorar, totalmente
frustrado. Ficava extremamente aborrecido quando via
algo quebrado ou incompleto. Descobriu dois bonecos
aos quais nunca havia prestado atenção antes. Notou
que um deles não estava com o chapéu e ficou muito
agitado vagando pela sala em busca do chapéu.
Quando este foi recuperado em outro contato, ele
perdeu, imediatamente, todo o interesse pelos
bonecos. Com cinco anos e meio, já dominava bem o
uso dos pronomes. Começara a se alimentar
satisfatoriamente. Vendo certa vez, várias fotos no
escritório, perguntou ao pai, "quando eles vão sair daí
e chegar até aqui?".
Ele levava este assunto muito a sério. Seu pai
tinha dito algo sobre os quadros que tinham em casa
nas paredes. Isso perturbou John um bocado. Ele
corrigiu o pai: "Eles estão perto da parede", (mas, para
ele, parecia significar "em cima" ou "no alto"). Quando
viu um penny, disse "Penny. é onde vocês jogam
boliche" . Nós lhe dávamos pennies quando ele
derrubava as garrafas ao jogar com o pai em casa. Ele
viu um dicionário e disse para o pai: "É aí que você
deixou o dinheiro?". Certa vez o pai tinha deixado
dinheiro em um dicionário e pedido a John que
informasse a mãe sobre isso. Seu pai assobiou uma
melodia, e John instantânea e corretamente a
identificou como o "concerto de violino de
Mendelsohn. Embora pudesse definir coisas como
grande ou bonito, era totalmente incapaz de fazer
comparações. (Qual a linha maior? o rosto mais
bonito? etc.). Em dezembro de 1942 e janeiro de 1943
ele teve duas séries de convulsões que comprometeram
mais o lado direito, conjugadas com o desvio dos olhos
para a direita e paralisia transitória do braço direito.
Um exame neurológico acusou anormalidades. Suas
áreas oculares estavam normais. Um
eletroencefalograma indicou "distúrbios focais na
região occipital esquerda", mas "boa parte do registro
não pôde ser lida por causa das contínuas
artificialidades devidas à falta de cooperação da
criança".
Elaine C. foi trazida pelos pais em 12 de abril de
1939, com a idade de 7 anos e 2 meses, por causa de
seu "desenvolvimento incomum": "Ela é desajeitada.
Se dá a todos os tipos de abstração. Não compreende
os brinquedos das outras crianças, não se interessa
pelas estórias que lê para ela, nada a admira e anda
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sozinha, é particularmente atraída por animais de toda
espécie, às vezes os imita pondo-se de quatro no chão e
fazendo estranhos ruídos".
Elaine nasceu em 3 de fevereiro de 1932, dentro
do prazo. Parecia saudável, alimentava-se bem, ficou
de pé com 7 meses e andou com menos de um ano. Já
pronunciava quatro palavras no fim do primeiro ano
de vida mas não fez progressos no desenvolvimento
lingüístico nos quatro anos seguintes. Suspeitou-se de
surdez, mas a hipótese foi logo descartada. Por causa
de uma doença febril aos 13 meses, suas dificuldades
crescentes foram interpretadas como desordem no
comportamento postencefálico. Outros condenam a
mãe, acusando-a de tratar inadequadamente da
criança. Oligofrenia foi outro diagnóstico. Por 18
meses ela tomou remédio para a pituitária anterior e
tiróide. "Alguns médicos", levados pela fisionomia
inteligente de Elaine, "pensaram que ela era uma
criança normal e disseram que superaria isto". Com
dois anos ela foi para um creche, onde fazia as coisas à
sua maneira e não como os outros. Por exemplo, ela
bebeu água e comeu uma planta quando estavam
sendo ensinados a cuidar de flores. Desenvolveu um
prematuro interesse por gravuras de animais. Embora
geralmente agitada, podia ficar horas concentrada,
olhando tais gravuras, principalmente as gravadas em
cobre". Quando ela começou a falar, com
aproximadamente 5 anos, valeu-se de início de
sentenças completas conquanto simples, que não
passavam de "frases mecânicas", não relacionadas com
a situação presente, de cunho peculiar e metafórico.
Ela tinha um vocabulário excelente, sabia não só os
nomes mas como "classificar" animais. Não usava os
pronomes corretamente, mas usava os plurais e
tempos de verbo bem. "Não conseguia empregar as
negativas mas sabia o seu significado quando os outros
as usavam". Havia muitas peculiaridades em seu
relacionamento com situações:
[...] ela pode contar, mecanicamente. Pode por a mesa
se se disser o nome ou enumerar os comensais, mas
não pode pô-la "para três". Se a mandarmos buscar
um objeto específico em um lugar determinado, não o
trará se ele estiver em um lugar diferente, ainda que
visível.
Ela ficava amedrontada com barulhos e qualquer
coisa que se movesse em sua direção. Tinha tanto
medo do aspirador que nem chegava perto do armário
em que ele era guardado e, quando o usávamos, corria
para a garagem, cobrindo as orelhas com as mãos.
Elaine era a mais velha dos dois irmãos. Seu pai, de 36
anos, formado em direito e artes liberais e, três
universidades (inclusive na Sourbonne), era detentor
de direitos autorais de publicidade, "uma dessas
pessoas cronicamente magras cuja energia nervosa
consome-se rapidamente". Era ao mesmo tempo editor
de uma revista. A mãe, de 32 anos de idade, "uma
pessoa com autocontrole, plácida e lógica", havia
executado trabalho editorial para uma revista antes de
se casar. O avô materno era um editor de jornal, a avó
"emocionalmente instável". Elaine foi examinada por
um psicólogo de Boston com, aproximadamente, 7
anos de idade. O diagnóstico estabeleceu que, entre
outras coisas:
[...] sua atitude para com o profissional se configurou
vaga e desligada. Ainda que incomodada pela
limitação, poderia bem ter empurrado para o lado
uma mesa ou lançado mão com um grito, mas não fez
nenhum apelo pessoal de ajuda ou simpatia. Nos
momentos oportunos ela mostrou-se competente ao
manejar seus lápis ou agrupar peças para formar
gravuras de animais. Pôde dar o nome de uma
grande variedade de figuras, incluindo elefantes,
jacarés e dinossauros. Usou a linguagem em simples
sentenças estruturais, mas raramente respondeu a
perguntas diretas. Enquanto brincava, ia repetindo
inúmeras vezes frases irrelevantes à situação
imediata.
Fisicamente, a criança estava com boa saúde.
Seu eletroencefalograma acusou normalidade.
Quando examinada, em abril de 1939, ela, a
pedido, trocou um aperto de mãos com o médico, sem
olhá-lo. Depois, correu para a janela e olhou para fora.
Atendeu automaticamente o convite para sentar-se.
Sua reação perante as perguntas – depois de repetidas
várias vezes – foi a de ecolalia tipo reprodução de toda
a pergunta ou, se era longa demais, só a porção final.
Ela não teve um contato real com as pessoas do
consultório. Sua expressão era suave, embora não
desprovida deinteligência, e não houve gesticulação
comunicativa. A certa hora, sem mudar de fisionomia,
ela disse subitamente: "Os peixes não choram". Depois
de algum tempo, levantou-se e saiu da sala sem
perguntas e sem mostrar medo. Foi colocada no Child
Study Home de Maryland, onde permaneceu por três
semanas e foi estudada pelos doutores Eugenia S.
Cameron e Georg Frankl. Enquanto esteve lá,
aprendeu logo os nomes de todas as crianças, sabia a
cor dos olhos delas, a cama em que cada uma dormia e
muitos outros pormenores afins sem nunca ter feito
amizade com elas. Quando levada aos playgrounds,
ficava extremamente descontente e corria de volta para
seu quarto. Era muito agitada mas quando lhe
permitiam olhar gravuras, brincar sozinha com blocos,
desenhar ou enfiar contas, podia entreter-se
satisfatoriamente por horas a fio. Qualquer barulho,
qualquer interrupção, confundia-a. Certa vez, quando
sentada no vaso sanitário, ouviu pancadas nos
encanamentos; depois disso, por vários dias, mesmo
que tivessem colocado um penico em seu quarto, o
intestino não funcionou, esperando ansiosamente por
aquele barulho. Ela soltava freqüentemente frases
estereotipadas, como, por exemplo, "Dinossauros, não
chorem", "Camarão, tubarões, peixe e rochedos",
"Camarões e garfos vivem nas barrigas das crianças",
"Borboletas vivem no estômago das crianças e em suas
calcinhas também", "O peixe tem dentes afiados e
morde as criancinhas", "Há guerra no céu", "Rochedos
e penhascos`, eu matarei" (arrebatando seu cobertor e
chutando-o pela cama), "Carrancas comem
criancinhas e bebem óleo"; (rangendo os dent4es e
girando em círculos, muito excitada); "Carrancas tem
sacos de leite"; "Cabeça de agulha. Cravo pequerrucho.
Tem uma perna amarela. Cortando o veado morto.
Veneno de veado. Pobre Elaine. Nada de girinos em
casa. Homens quebraram a perna do veado",
(enquanto recortava a gravura de um veado de um
livro), "Tigres e gatos". "Focas e salamandras", "Ursos
e raposas". Seguem-se alguns trechos das observações:
[...] sua linguagem tem sempre a mesma qualidade.
Sua fala nunca é acompanhada por expressões faciais
ou gestos. Ela não olha para o rosto de ninguém. Sua
voz é peculiar, não tem modulações e é um tanto
rouca; ela solta as palavras de maneira abrupta. Seus
pronunciamentos são impessoais. Nunca emprega os
pronomes pessoais da primeira e segunda pessoas
corretamente. Parece não ser capaz de conceber o
significado real dessas palavras. Sua gramática é
inflexível. Usa as sentenças exatamente como as
ouviu, sem adaptá-las gramaticalmente à situação
atual. Quando diz "Quero que eu desenho uma
aranha", ela quer dizer "Quero que você desenhe uma
aranha". Sua fala é raramente comunicativa. Ela não
se relaciona com crianças, nunca lhes dirigiu a
palavra, nunca foi amigável ou brincou com elas.
Passa por elas como se fossem seres estranhos, como
alguém que passasse entre os móveis de uma sala.
Insiste sempre na repetição da mesma rotina.
Interromper essa rotina é a causa mais freqüente de
explosões. Suas próprias atividades são simples e
receptivas. Ela é capaz de passar horas numa espécie
de devaneio e parece ficar muito feliz com isso. Tem
tendências a movimentos rítmicos que são sempre
masturbatórios. Ela se masturbava mais em períodos
de excitação do que durante os de calma felicidade...
Seus movimentos são ágeis e habilidosos.
Elaine foi colocada numa escola privada na
Pennsylvania. Em carta recente, o pai mencionou
"algumas surpreendentes mudanças":
[...] ela é uma garota alta, robusta, com os mesmos
olhos claros que a muito perderam qualquer
característica daquela selvajaria animal que
periodicamente se mostrava na época em que vocês a
conheceram. Ela fala bem sobre quase todos os
assuntos, embora guarde ainda uma estranha
entonação. Sua conversa ainda vagabundeia,
freqüentemente com um assunto divertido, e é apenas
ocasional, deliberado e anunciado. Ela lê muito bem,
mas lê rápido, misturando palavras, sem pronunciá-
las claramente e sem lhes dar a devida ênfase. Seu
leque de informações é bastante extenso e a memória
quase infalível. É obvio que Elaine não é "normal".
Qualquer falha em qualquer coisa a leva a um
sentimento de derrota, de desespero e a um
momentâneo acesso de depressão.
As onze crianças (oito meninos e três meninas)
cujas histórias foram apresentadas resumidamente nos
CASOS 1-11 , oferecem, como era de se esperar,
diferenças individuais segundo o grau de seu distúrbio,
a manifestação de traços específicos, a constelação da
família e o desenvolvimento passo a passo ocorrido ao
longo dos anos. Mas, mesmo uma rápida revisão do
material contata a emergência de diversas
características essenciais e comuns e inevitáveis. Essas
características formam uma única "síndrome", nunca
antes mencionado, que parece ser bastante rara e
provavelmente mais freqüente do que o indicado na
exiguidade dos casos observados. é bem possível que
algumas dessas crianças tenham sido vistas como
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oligofrênicas ou esquizofrênicas. Na verdade, diversas
crianças de nosso grupo nos eram apresentadas como
idiotas ou imbecis, sendo que uma delas ainda reside
numa escola estadual para oligofrênicos e duas outras
foram previamente consideradas esquizofrênicas. A
projeção, "patognomônica", a desordem fundamental
está na incapacidade dessas crianças de se
relacionarem de maneira comum com pessoas e
situações desde o começo de vida. Os pais, ao
referirem-se a elas, mencionam que sempre foram
"auto-suficientes"; "que vivem como que dentro da
concha"; "que são mais felizes quando as deixam
sozinhas"; "totalmente absortas de tudo que lhes diz
respeito"; "dando a impressão de silenciosa
sabedoria"; "falhando no desenvolvimento da cota
normal de consciência social"; "agindo quase como que
sob hipnose". Esse não é, para crianças ou adultos, um
ponto de partida para iniciar uma conexão atual; não é
uma "saída" para a participação que se existia outrora.
Há, desde o início, um extremo isolamento autista que,
sempre que possível, desconsidera, ignora, cala
qualquer coisa que chega à criança vinda de fora.
Contato físico direto ou movimentos e barulhos, como
ameaças, para quebrar o isolamento, são ainda
tratados "como se não existissem", ou, se isto não
suficiente, ainda há o ressentimento penoso dessas
crianças com a interferência que lhes é aflitiva.
Segundo Gesell, uma criança de 4 meses de idade fez
um antecipado ajuste motor através da tensão facial e
da atitude de encolher os ombros quando levantada de
uma mesa ou colocada sobre ela. Gesell comentou: é
possível que uma evidência menor definitiva de tal
ajuste possa ser detectado antes, no período neonatal.
Embora um hábito possa ser condicionado pela
experiência, a oportunidade para a experiência é quase
universal e a resposta é suficientemente objetiva para
merecer outras observações e registro. Essa
experiência universal é fornecida pela freqüência com
que a criança é pega pela mãe e outras pessoas. é
entretanto altamente significativo o fato de que quase
todas as mães de nossos pacientes lembram-se de seu
espanto com as suas crianças porque as mesmas nunca
manifestavam antecipadamente uma postura
preparatória para serem carregadas. Um pai lembrou-
se que sua filha (Barbara) não mudou nem um pouco,
durante anos, sua fisionomia ou posição, quando os
pais, ao chegar em casa depois de algumas horas de
ausência, aproximavam-se do berço falando com ela e
tomando-a nos braços. A criança normal aprende em
seus primeiros meses de vida a adequar o corpo à
posição em que fica quando carregada. Nossas crianças
não eram capazes de fazer isso até os dois ou três anos.
Tivemos a oportunidade de observar Herbert,com 38
meses, em tal situação. Sua mãe o informava, com
termos apropriados, que ia levantá-lo, estendendo os
braços em sua direção. Não havia resposta. Ela o
levantava assim mesmo e ele a deixava fazê-lo,
permanecendo, porém, completamente passivo como
se fosse um saco de farinha. Era a mãe que tinha que
fazer toda a acomodação. Herbert era, naquele tempo,
capaz de sentar, ficar de pé e andar.
Oito das crianças alunas adquiriram a
habilidade de falar ou na idade aprazada ou depois de
algum atraso. Três (Richard, Herbert e Virginia)
permaneceram "mudos" em tais circunstâncias.
Nenhuma dessas oito crianças "falantes" serviu, num
período de anos, para transmitir um significado às
outras. Elas eram, com exceção de John F., capazes de
uma clara articulação e fonação. Nenhuma dificuldade
com a nomeação dos objetos apresentados; mesmo
palavras longas e incomuns eram aprendidas com
notável facilidade. Quase todos os pais registraram,
geralmente com muito orgulho, que as crianças
aprenderam cedo a repetir um excessivo número de
rimas infantis, preces, lista de animais, o rol de
presidentes, o alfabeto de frente para trás e de trás
para frente e mesmo canções de ninar estrangeiras
(francesas). Ao lado do recital de sentenças contidas
nos poemas feitos ou outras peças relembradas, houve
um longo hiato de tempo antes que elas começassem a
juntar as palavras. Por outro lado, a "linguagem"
consistia principalmente em "nomear", em nomes que
identificassem os objetos, adjetivos que identificassem
cores e números que indicavam nada de específico.
Sua excelente memória para listas, acoplada à
inabilidade para usar a linguagem de outra forma,
levou com freqüência os pais a abarrotá-las com mais e
mais versos, termos de zoologia e botânica, títulos de
compositores que faziam sucesso em disco e coisas
semelhantes. Dessa maneira, desde o começo, a
linguagem que as crianças não usavam com propósito
de comunicar-se era desviada consideravelmente para
uma auto-suficiência, uma semântica e conversa sem
valor ou para um exercício de memória totalmente
distorcido. Para uma criança de 2 a 3 anos de idade,
todas essas palavras, números e poemas ("perguntas e
respostas de catecismo presbiteriano", "concerto de
violino de Mendelssohn", o "Salmo Vinte e Três", a
canção de ninar francesa, a página de índice de uma
enciclopédia), poderiam dificilmente ter mais
significado do que uma série de sílabas disparatadas
para os adultos. é difícil saber com certeza se um
empanturramento desses flui essencialmente no
processo da condição psicopatológica. Mas também é
difícil imaginar que ele não corte profundamente o
desenvolvimento da linguagem como ferramenta para
receber e dar mensagens significativas. No que
concerne à função comunicativa da fala, nÃo há
diferença fundamental entre as oito crianças falantes e
as três mudas. Certa vez, a "Tia" de Richard
entreouviu-o dizer distintamente "Boa Noite". Um
justificado ceticismo sobre essa observação foi mais
tarde agastado quando essa criança "muda" foi vista no
consultório mexendo a boca numa silenciosa repetição
de palavras quando requisitado para dizer certas
coisas. A "muda" Virginia – sua companheira de chalé
insistiu no assunto – foi ouvida quando dizia
repetidamente "chocolate", "marshmallow", "mama",
"nenê".
Quando as sentenças são finalmente formadas,
por um longo tempo as crianças procedem como
papagaios, repetindo as combinações de palavras
ouvidas. Elas são, às vezes, ecoadas imediatamente,
mas quase sempre são "estocadas" pela criança e
pronunciadas mais tarde. Pode-se, se quiser, falar
emecolalia retardada. A afirmação é indicada pela
literal repetição de uma pergunta. "Sim" é um conceito
que a criança leva muitos anos para alcançar. Elas são
incapazes de usá-lo como um símbolo geral de
assentimento. Donald aprendeu a dizer "Sim". Essa
palavra então passou a "significar" somente o desejo
de ser colocado no ombro do pai. Foram precisos
muitos meses para que ele pudesse desligar a palavra
"Sim" dessa situação específica e foi preciso mais
tempo ainda para que fosse capaz de usá-lo como um
termo geral de afirmação. O mesmo tipo de
literalidade existe também no que toca a preposições.
Quando perguntado "Sobre o que é essa gravura?",
Alfred replicou: "Pessoas movendo sobre". John F.
corrigiu uma declaração do pai sobre quadros na
parede: os quadros estavam "perto da parede". Donald
T., quando pediram que deixasse algo cair, colocou-o
prontamente no chão. Aparentemente, o significado de
uma palavra torna-se inflexível e só pode ser usado
com a conotação adquirida originalmente. Não há
dificuldade com os plurais e tempos de verbo. Mas a
ausência de espontaneidade na formação da sentença e
a ecolalia tipo reprodução têm, em cada uma das oito
crianças falantes, dado ligar a um peculiar fenômeno
gramatical. Pronomes pessoais são repetidos
exatamente como são ouvidos, sem as mudanças que a
situação alterada exige. A criança, quando a mãe falou
"Agora vou dar o seu leite", expressou o desejo pelo
leite pronunciando exatamente as mesmas palavras.
Consequentemente, acaba falando de si própria como
"você" e da pessoa a quem se dirige como "eu". Não
somente as palavras, mas também a entonação é
conservada na memória. Se a observação original da
mãe foi feita em forma de pergunta, é reproduzida com
a forma gramatical e a inflexão de uma pergunta. A
repetição de "Você está pronta para a sobremesa?"
significa que a criança já pode comer a sobremesa. Há
um jogo, uma frase que não deve ser mudada para
cada ocasião específica. A fixação pronominal
permanece até o sexto ano de vida, quando a criança
aprende gradativamente a falar de si própria na
primeira pessoa, e daquele a quem se dirige na
segunda. No período de transição ela, às vezes, volta à
forma primitiva ou refere-se a si próprio usando a
terceira pessoa.
O fato de as crianças fazerem eco de coisas
ouvidas não significa que "nos escutam" quando lhe
falamos. Freqüentemente são precisas numerosas
reiterações de uma pergunta ou ordem para que se
obtenha uma simples resposta em eco. Nada menos do
que sete entre as crianças, por essa razão, foram
consideradas surdas ou duras de ouvido. Há uma toda-
poderosa necessidade de não serem perturbadas. Tudo
que vem de fora até a criança, tudo que muda seu
clima externo e mesmo interno representa uma
espantosa intrusão. O alimento é a primeira intrusão
vinda de fora sofrida pela criança. David Levy
observou que as crianças com fome de afeto, quando
colocadas em lares adotivos onde são bem tratadas, no
início requerem quantidades excessivas de alimento.
Hilde Bruch, em seus estudos sobre crianças obesas,
constatou que o fato de viver comento acontece quase
sempre quando as manifestações de carinho por parte
dos pais sÃo insuficientes ou consideradas
insatisfatórias. Nossos pacientes, ao contrário,
ansiosos por manterem o mundo exterior afastado, o
confirmam, recusando comida. Donald, Paul,
("vomitaram bastante durante o primeiro ano de
vida"), Herbert, Alfred e John apresentaram severas
dificuldades alimentares desde o início de vida. Muitos
deles, depois de uma luta mal sucedida,
constantemente interferindo em suas vidas, desistiram
por fim de lutar e de repente começaram a comer
satisfatoriamente. Outra intrusão vem dos grandes
ruídos e objetos que se movem, que provocam, por si
sós, uma reação de horror. Triciclos, balanços,
elevadores, aspiradores de pó, água corrente, bicos de
gás, brinquedos mecânicos, batedeiras de ovos e até o
vento, podem, conforme a ocasião, causar um enorme
pânico. Uma das crianças tinha até mesmo medo de
aproximar-se do armário em que o aspirador de pó
estava guardado. Injeções e exames com estetoscópio
ou otoscópio deramlugar a graves crises emocionais.
Porém, não e o barulho ou movimento em si que é
temido. O transtorno eclode com o barulho ou
movimento que causa invasão ou ameaça à solitude da
criança. A própria criança pode alegremente fazer um
barulhão como qualquer outro que ela rejeita e
movimentar objetos a seu bel prazer. Mas os barulhos
e movimentos da criança e todas as suas performances
são tão monotonamente repetidos como suas
expressões verbais. Há uma limitação marcante na
variedade de suas atividades espontâneas. O
comportamento da criança é governado por um desejo
ansiosamente obsessivo da manutenção da mesmice
que ninguém, salvo a própria criança pode romper em
raras ocasiões. Mudanças na rotina, na disposição dos
móveis, na ordem em que todo dia as ações são
executadas, pode conduzi-la ao desespero. Quando os
pais de John estavam se mudando para um nova casa,
a criança ficou desvairada quando viu os carregadores
enrolarem o tapete de seu quarto. Ficou agudamente
transtornado até o momento em que, na nova casa, viu
seus móveis arrumados do mesmo jeito que na outra.
Parecia encantado, toda ansiedade desaparecera de
repente e ele andava de um lado para outro tocando
afetuosamente cada peça. Como blocos, contas e
varetas tinham sido postos juntos de qualquer jeito,
logo foram reagrupados na forma antiga, embora não
tivessem um traçado definitivo. A memória da criança
era fenomenal nesse particular. Depois de um lapso de
vários dias, uma multidão de blocos foi rearranjada na
mesma forma desorganizada, com blocos da mesma
cor virados para cima, com cada gravura ou letra da
superfície superior voltados para a mesma direção,
como antes. A ausência de um bloco ou a presença de
um bloco extra era comunicada imediatamente e havia
um pedido imperativo de reposição da peça faltante.
Se alguém removesse um bloco, a criança se batia para
tê-lo de volta, entrando num acesso de pânico até
reavê-lo e, depois, prontamente e com súbita calma,
após a tempestade, retornava ao desenho e recolocava
o bloco. Essa insistência na mesmice levou várias das
crianças a tornar-se imensamente perturbadas diante
da visão de algo quebrado ou incompleto. Uma grande
parte do dia era passada na busca não só da mesmice
das palavras de um pedido mas também na mesmice
da seqüência de eventos. Donald não saía da cama,
depois de um cochilo, sem antes dizer "Boo, diga: Don,
você quer descer?" e a mãe fazia por concordar. Mas
isso não era tudo. O ato não era ainda considerado
completo. Donald continuava: "Agora diga: tudo bem".
Sua mãe tinha que concordar mais uma vez por que
senão haveria berreiro até que a performance estivesse
completa. Todo esse ritual era uma parte indispensável
do ato de levantar-se depois da sesta. Cada uma das
outras atividades tinham que ser completadas do
princípio ao fim, da maneira segundo a qual haviam
começado originalmente. Era impossível voltar de um
passeio sem cobrir a mesma distância que antes
tínhamos percorrido. A descoberta de uma ripa
quebrada na porta da garagem, em sua volta diária,
transtornava tanto Charles que ele continuava
perguntando e falando sobre o fato semanas a fio,
mesmo quando passava alguns dias numa cidade
distante. Uma das crianças notou uma fenda no teto do
consultório e ficou ansiosa, perguntando várias vezes
sobre quem teria feito isso e nenhuma resposta a
tranqüilizava. Outra criança, ao ver um boneco com
chapéu e outro sem, não teve sossego até que o outro
chapéu fosse encontrado e posto na cabeça desse
boneco. Feito isto, perdeu imediatamente o interesse
pelos dois bonecos; a mesmice e a inteireza tinham
sido restauradas e tudo estava bem outra vez. O temor
da mudança e do incompleto parecem ser o principal
fator na explicação da monótona repetitividade e a
resultante limitação da variedade da atividade
espontânea. Uma situação, uma performance, uma
sentença, não são vistas como completas se não forem
executadas exatamente com os mesmos elementos que
estavam presentes na hora em que, antes, a criança se
confrontou com eles. Se o menor ingrediente é
alterado ou removido, a situação não é mais a mesma e
por essa razão não é mais aceita ou é rechaçada com
impaciência ou mesmo com uma reação de profunda
frustração. A incapacidade para experiências totais
oriunda da completa falta de atenção às partes
constituintes de seja lá o que for, é algo remanescente
de uma condição de crianças com específica
inadaptação para ler, que não respondem ao sistema
moderno de instruções configuradas de leitura e que
precisam ser ensinadas a construir palavras com seus
elementos de alfabeto. Essa é talvez uma das razões
porque essas crianças do nosso grupo, que têm idade o
bastante para ser imediatamente iniciadas na leitura,
tornam-se excessivamente preocupadas com "soletrar"
palavras ou porque Donald, por exemplo, ficou tÃo
confuso com o fato de "light" e "bite", com a mesma
qualidade fonética, terem que ser soletradas de forma
diferente.
Objetos que não mudam de aparência e posição,
que conversam sua mesmice e nunca ameaçam
interferir na solidão da criança, são prontamente
aceitos pela criança autista. Ela tem uma boa relação
com objetos; interessa-se por eles, pode brincar com os
mesmos por horas seguidas. Pode gostar muito deles
ou ficar com raiva deles se, por exemplo, não puder
encaixá-los em um determinado espaço. Quando com
eles, tem um sentimento gratificante de poder e
controle incontestáveis. Donald e Charles entraram no
segundo ano de vida exercendo esse poder, girando
tudo que fosse possível girar e pulando em êxtase
quando viam o objeto rodopiar. Frederick "saltava com
muita alegria" quando jogava a bola de boliche e os
pinos caíam. As crianças sentem e exercitam o mesmo
poder nos próprios corpos gingando ou fazendo outros
movimentos rítmicos. Essas ações acompanhadas de
fervor extático indicam decididamente a presença de
uma gratificante masturbação orgástica. O
relacionamento das crianças com pessoas é
completamente diferente. Todas as crianças, depois de
entrar no consultório, dirigiram-se imediatamente
para os blocos, brinquedos ou outros objetos, sem
prestar a mínima atenção às pessoas presentes. Seria
errado dizer que não tinham consciência da presença
delas. Mas as pessoas, enquanto deixaram a criança a
sós, representaram a mesma figura que a carteira, a
estante de livros ou o arquivo. Quando se dirigiam à
criança, esta não se importava. Ela podia escolher
entre não responder absolutamente nada e, se uma
pergunta fosse repetida com insistência, "dá-la por
respondida" e continuar com o que estivesse fazendo.
Idas e vindas, mesmo que fosse da própria mãe, não
pareciam ser percebidas. A conversa que rolava pela
sala não despertava o mínimo interesse. Se os adultos
não tentaram entrar nos domínios da criança, ela o fez,
às vezes nos deles, porque enquanto se movimentava
para cá e para lá, tocava gentilmente uma mão ou um
joelho da mesma forma como, outras vezes, tocava de
leve na mesa ou no sofá. Mas, sem olhar para o rosto
de ninguém. Se um adulto forçava uma intromissão e
carregava um bloco consigo ou pisava em um objeto
que a criança precisava, ela reagia, tornava-se irada
contra a mão ou o pé do invasor, que era tratado de per
si, e não como uma parte de uma pessoa. Ela nunca
dirigiu uma palavra ou um olhar ao dono da mão ou do
pé. Quando o objeto era recuperado, o ânimo da
criança mudava abruptamente e tornava-se plácido.
Quando espetada, mostrava medo do alfinete mas não
da pessoa que a tinha picado. O relacionamento com
os membros da família ou com as outras crianças não
era diferente do que aquele com as pessoas do
consultório. Uma profunda solidão dominava todo seu
comportamento. O pai ou a mãe, ou ambos, podiam
ausentar-se por uma hora ou um mês; quandovoltavam, nada indicava que a criança tivesse
consciência de sua ausência. Depois de muitos acessos
de frustração, gradativa e relutantemente ela
aprendeu, quando não havia outra saída, a obedecer
certas ordens, a cumprir deveres da rotina. Quando
havia visitas, ela se movimentava entre as pessoas
"como uma estranha" ou, como disse a mãe, como um
potro fora do cercado. Quando com outras crianças,
não brincava com elas. Brincava sozinha quando elas
estavam por perto e não mantinham contato físico,
fisionômico ou verbal com nenhuma. Não tomava
parte em jogos competitivos. Apenas ficava ali e, se às
vezes acontecia de andar até a periferia do grupo, logo
se afastava e permanecia sozinha. Enquanto isso, o
nome de todas as crianças do grupo tornavam-se
familiares para ela, que podia dizer a cor do cabelo de
cada uma delas e mais outros tantos detalhes
individuais. Há uma melhor afinidade com gravuras de
gente do que com gente ao vivo. Gravuras, afinal de
contas, não podem interferir. Charles estava
afetivamente interessado numa gravura de criança
estampada em uma revista de propaganda. Ele reparou
repetidas vezes na doçura e na beleza dela. Elaine era
fascinada por gravuras de animais mas não se
aproximava de um animal vivo. John não fazia
diferença entre uma foto e uma pessoa de carne e osso.
Quando ele olhava uma série de fotografias,
perguntava muito sério quando aquelas pessoas iam
sair dali e vir para a sala. Muito embora a maioria
dessas criança fossem vez ou outra consideradas
oligofrênicas, eram todas, inquestionavelmente,
dotadas de boas potencialidades cognitivas. Todas
tinham fisionomias impressionantemente inteligentes.
Seus rostos davam a impressão, ao mesmo tempo, de
séria determinação e, na presença de outros, de
ansiosa tensão, provavelmente por causa de uma
incômoda antecipação de possível interferência.
Quando sozinhas com os objetos, têm constantemente
um plácido sorriso e uma expressão de beatitude em
seu rosto, às vezes acompanhados de um feliz embora
monótono cantarolar. O assombroso vocabulário das
crianças falantes e excelente memória para decorar
poemas e nomes e a precisa recordação de modelos
complexos e seqüências, evidencia boa inteligência no
sentido em que essa palavra é comumente usada. O
teste de Binet ou similares não puderam ser aplicados
em razão do limitado acesso. Todas as crianças, porém
foram submetidas, com sucesso, às placas de Seguin.
Fisicamente, as crianças eram plenamente normais.
Cinco delas tinham cabeças relativamente grandes.
Várias eram um tanto desajeitadas para andar e nas
performances de coordenação motora grossa, mas
todas mostravam-se hábeis em termos de coordenação
muscular fina. Os eletroencefalogramas de todas
acusaram normalidade, salvo o de John, cujo fontículo
anterior não se fechou até seus 2 anos e meio e que
com 5 anos e ¼ teve duas séries de convulsões
acentuadamente no lado direito. Frederick teve um
mamilo extra na axila esquerda; não houve outras
ocorrências no campo das anormalidades congênitas.
Há outro interessante denominador comum por trás
da vida dessas crianças. Todas são provavelmente de
famílias muito inteligentes. Quatro pais são
psiquiatras, um é um brilhante advogado, outro é
químico e técnico em leis, empregado do
Departamento de Patentes do governo. Um outro é um
patologista de plantas, outro mais um professor de
florestas, um outro editor de publicidade que possui
graduação em leis e estudou em três universidades;
outro ainda é um engenheiro de minas e um último um
homem de negócios bem sucedido. Nove dentre as
onze mães tinham nível superior. Das duas que tinham
somente chegado à faculdade, uma era secretária em
um laboratório de patologia e a outra tocava um
escritório de livros de teatro na cidade de Nova Iorque,
antes de se casar. Entre as mães havia uma escritora
freelance, uma física, uma psicóloga, uma enfermeira
graduada e a mãe de Frederick, que foi sucessivamente
agente de compras, diretora de estudos de secretariado
numa escola de jovens e professora de história. Entre
os avós e parentes há muitos físicos, cientistas,
escritores, jornalistas e estudantes de arte. Todas essas
famílias, salvo três, são mencionadas no Quem é Quem
na América ou no Homens Americanos de Ciências, ou
em ambos. Duas das crianças são judias, as outras são
de descendência anglo-saxônica. Três são filhos
únicos, cinco são primeiros filhos numa família com
duas crianças, uma outra é a mais velha de três filhos,
outra é a caçula de dois e finalmente uma outra é a
menorzinha de três.
A combinação do autismo extremo, obsessividade,
estereotipia e ecolalia oferece uma ilustração completa
que se conecta com alguns fenômenos básicos
esquizofrênicos. O diagnóstico de algumas destas
crianças, vez ou outra, indicou esse tipo de distúrbios.
Mas a despeito das extraordinárias similaridades, a
condição difere em muitos pontos de todas as outras
instâncias conhecidas da esquizofrenia infantil. Antes
de mais nada, mesmo nos casos registrados de início
de esquizofrenia, incluindo os de demência
precocíssima de De Santis e de demência infantil de
Heller, as primeiras manifestações que se podiam
observar eram fruto de uma média de dois anos de
http://2.bp.blogspot.com/-qdIw9lx6Qkw/TkGHzvmDBkI/AAAAAAAAA8c/_mfTlDGaz5A/s1600/dfsd.jpg
estudo de desenvolvimento essencial; os históricos
enfatizam especificamente uma mudança gradual,
maior ou menor, no comportamento do paciente. As
crianças do nosso grupo mostraram se exceção sua
extrema solidão desde o começo de suas vidas, não
respondendo a nada que lhes viesse do mundo de fora.
Isto fica caracteristicamente expresso no relato
recorrente sobre a deficiência da criança no assumir
uma postura antecipada ao ser levantada e a
deficiência em se ajustar ao corpo da pessoa que a está
carregando. Em segundo lugar, nossas crianças são
capazes de travar e manter uma excelente e
"inteligente" relação com objetos que não ameaçam
interferir em sua solidão, mas ficam desde o início
ansiosa e tensamente inacessíveis a pessoas com as
quais, há muito tempo, não têm qualquer tipo de
contato direto afetivo. Se relacionar-se com outra
pessoa se tornar inevitável, então uma conexão é
efetuada com a mão ou o pé desta, como um objeto
decididamente desligado e não com a pessoa em si.
Todas as atividades e formas de expressão das crianças
são governadas rígida e consistentemente pelo desejo
poderoso de solidão e mesmice. Seu mundo deve ser,
para elas, feito de elementos que, uma vez
experimentados em um certo lugar ou seqüência, não
podem ser tolerados em outro lugar ou seqüência; nem
podem o lugar ou seqüência ser tolerados sem todos os
ingredientes originais e numa ordem idêntica espacial
ou cronológica. Por isso a reprodução de sentenças
sem alterar os pronomes segundo a ocasião. Por isso,
talvez, também o desenvolvimento de uma memória
verdadeiramente fenomenal que permite à criança
lembrar-se e reproduzir complexos modelos
"estapafúrdios", não importando o quanto de
desorganização ali reine, exatamente com a mesma
forma com que foram montadas na origem. Cinco de
nossas crianças estão agora entre 9 e 11 anos. Salvo
Vivian S., que foi jogada numa escola para
oligofrênicos, elas mostram um percurso muito
interessantes. O desejo básico de solidão e mesmice
permaneceram essencialmente imutáveis, mas houve
um grau variante de emergir da solitude, uma
aceitação de pelo menos algumas pessoas dentro da
esfera de consideração da criança e um suficiente
aumento do número de padrões experimentados para
refutar uma prematura impressão da extrema
limitação do conteúdo do ideário da criança. Poder-se-
ia, talvez, colocar isto desta maneira: enquanto o
esquizofrênico tenta resolver o seu problema caindo
fora de um mundodo qual fez parte e com o qual teve
contato, nossas crianças vão se ajustando
gradualmente, vão estendendo suas antenas cautelosas
para um mundo dentro do qual têm sido
completamente estranhas desde o começo. Entre 5 e 6
anos abandonam aos poucos a ecolalia e aprendem
espontaneamente a usar os pronomes pessoais com
referência adequada. A linguagem trona-se mais
comunicativa, primeiro no que toca o exercício de
perguntas e respostas, e depois a maior
espontaneidade na formação das sentenças. O
alimento é recebido sem dificuldade. Barulhos e
movimentos são mais tolerados do que anteriormente.
Os acessos de pânico acalmam-se. A repetição assume
a forma de preocupações obsessivas. O contato com
um limitado número de pessoas fica estabelecido de
duas maneiras: as pessoas são incluídas no mundo da
criança à medida que satisfazem suas necessidades,
respondem suas perguntas obsessivas, as ensinam a ler
e a fazer coisas. Segundo, embora as pessoas sejam
ainda encaradas como um transtorno, suas perguntas
são respondidas e suas ordens obedecidas
relutantemente, com a conclusão de que será melhor
agüentar tais interferências e logo estar livre para
voltar para a ainda muito desejada solidão. Entre as
idades de 6 e 8 anos, as crianças começam a brincar
em grupo, não ainda com os outros membros do grupo
de brinquedo, mas pelo menos com periferia deste. A
habilidade de ler é adquirida rapidamente, porém, as
crianças lêem de maneira monótona e a estória ou a
gravura movimentada é experimentada mais em partes
desconexas do que em sua coerente totalidade. Tudo
isto faz a família sentir que, apesar da patente
"diferença" das outras crianças, há progresso e
melhora. Não é fácil avaliar o fato de que todos os
nossos pacientes têm vindo de pais sumamente
inteligentes. Uma coisa é certa: há uma grande dose de
obsessividade por trás dessas famílias. Os diários
bastante pormenorizados, os relatos e as freqüentes
recordações, depois de vários anos, de que as crianças
aprendiam a recitar vinte e cinco perguntas e respostas
do Catecismo Presbiteriano, a cantar trinta e sete
canções de ninar ou a reconhecer dezoito sinfonias,
fornecem-nos um retrato fiel da obsessividade dos
parentes. Um outro fato destaca-se visivelmente. Em
todo o grupo, há muitos pais e mães realmente
amáveis. A maioria, pais, avós e parentes são pessoas
altamente preocupadas com abstrações de natureza
científica, literária e artística e limitado interesse
genuíno por gente. Mesmo alguns dos casamentos
mais felizes resumiram-se, antes de mais nada, a frios
e formais tratos. Três casamentos foram tristes
equívocos. A pergunta que fazemos é se, ou até que
ponto, esse fato contribuiu para a condição das
crianças. A solidão das mesmas desde o seu começo de
vida torna difícil atribuir o quadro inteiro
exclusivamente ao tipo das primeiras relações
matrimoniais com nossos pacientes. Devemos, então,
assumir que essas crianças vieram ao mundo com
inata inabilidade para travar contato afetivo normal,
biologicamente fornecido, com pessoas, da mesma
forma que outras crianças vêm ao mundo com inatas
deficiências físicas ou intelectuais. Se essa conjectura
for correta, um novo estudo de nossas crianças poderá
ajudar-nos a fornecer critérios concretos relativos a
noções ainda difusas sobre os componentes
constitucionais da reatividade emocional. Por hora
parece que temos exemplos de pura cultura
sobre distúrbios autistas inerentes ao contato afetivo.
A ANÁLISE COM CRIANÇAS AUTISTAS :
UMA INOVAÇÃO DO MÉTODO PSICANALÍTICO CLÁSSICO
http://www.geocities.com/HotSprings/Villa/3170/MariaIzabelTaf
uri.htm
Maria Izabel Tafuri
Este texto discute a aplicabilidade da técnica psicanalítica no
tratamento de crianças autistas a partir de um caso clínico
pessoal. Começa com a discussão crítica da história da
psicanálise de crianças, em seguida a apresentação do caso
clínico e posteriormente a análise da técnica. São realizadas
reflexões sobre as questões específicas da clínica com
crianças autistas considerando as diferentes influências
históricas na formação das escolas de psicanálise.
A aplicabilidade da técnica psicanalítica no tratamento de
crianças foi vislumbrada, pela primeira vez, por Freud, no início
deste século. Ao publicar, em 1909, a análise de uma criança
de cinco anos, Freud demonstrou como os sintomas fóbicos do
"Pequeno Hans" poderiam ser compreendidos, interpretados e
sanados, por meio da utilização do método psicanalítico. Hans
tinha apenas 3 anos quando começou a apresentar uma fobia:
o pavor de ser mordido por cavalos. Hans não mais saía às
ruas para passear e os pensamentos relacionados aos cavalos
o atormentavam sobremaneira, a ponto de imaginar que eles
poderiam mordê-lo, até mesmo dentro de casa.
O pai de Hans era um estudioso da psicanálise e procurou
Freud para poder compreender a fobia do filho. Freud aceitou o
desafio e começou a analisar o caso, porém, de forma bastante
curiosa e distinta do método psicanalítico clássico. Freud não
recebia o seu pequeno paciente em sessões individuais, não o
ouvia e não o observava. A relação com o "Pequeno Hans" foi
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estabelecida através do pai, que sob a orientação de Freud,
anotava os sonhos, os desenhos e as associações livres do
jovem garoto. O pai de Hans enviava estas anotações a Freud,
que a partir delas interpretava a linguagem dos sonhos,
desenhos e fantasias. Dessa forma, Freud estabeleceu uma
relação analítica peculiar e inovadora com o seu pequeno
paciente: Hans ouvia Freud indiretamente, ou seja, por
intermédio do seu pai. Assim, Hans identificava Freud como
aquele quem entendia todas as suas "bobagens" ( era assim
que Hans se expressava em relação ao medo de ser mordido
por cavalos).
Hans pediu ao pai para ir ao encontro de Freud que o recebeu
uma única vez, juntamente com seu pai. Nesta sessão, Freud
pôde interpretar a angustia central de Hans ao vê-lo brincando
de "cavalinho" com o pai (Hans pediu ao pai para ficar de
quatro no chão e, sentado em cima dele, começou a batê-lo
com os pés). Freud concluiu que a angústia de castração ( o
pavor de ser castrado pelo pai) estava relacionada com
a fobia a cavalos.
Segundo Freud, o tratamento psicanalítico de Hans fora bem
sucedido por uma única razão: a convergência entre o pai da
criança e o analista em uma só pessoa. Criou-se, assim, um
precedente curioso na história da psicanálise de crianças. Este
fato encorajou muitos analistas a analisarem seus próprios
filhos e, a aplicabilidade da técnica psicanalítica em crianças
ficou marcada, desde as suas origens, por este precedente
freudiano: a união "pai-analista".
Duas questões se fazem presentes a partir do tratamento
psicanalítico de Hans.
A primeira refere-se à natureza da relação de Freud com o pai
do garoto. Freud respondeu ao interesse do pai de Hans
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ensinando-o a compreender a linguagem do inconsciente
presente nos sonhos, desenhos e associações livres de Hans.
Nesse sentido tratou-se de uma relação pedagógica onde
Freud não fez interpretações na relação transferencial entre o
pai de Hans e ele.
A segunda questão diz respeito à eficácia do método
psicanalítico na ausência da interpretação da relação
transferencial entre Freud e Hans. Em suma, a interpretação da
relação transferencial entre o analista, a criança, e seus pais
não foi cogitada por Freud no caso do pequeno Hans. Esta
questão será considerada posteriormente como essencial para
se definir a legitimidade de uma escola psicanalítica.
O ensino oficial psicanalítico situa a origem da análise infantil
aos critérios estabelecidospor Melanie Klein e Anna Freud,
enquanto duas opções opostas de se analisar crianças: o
analítico e o pedagógico. Apesar do caso do pequeno Hans ser
considerado um ilustre precedente, este fato não serviu para
minimizar a polarização dos dois modelos de análise de
criança. Ou seja, Melanie Klein e Anna Freud não discutiram a
natureza da relação estabelecida entre Freud, Hans e o pai do
garoto. Melanie Klein priorizou a interpretação na relação
transferencial com a criança e desprezou a relação entre o
analista e os pais da criança. Nesse sentido, a autora rompeu
com o precedente freudiano, ao considerar que a união pai-
analista era desnecessária para o trabalho psicanalítico com as
crianças. Anna Freud, por sua vez, considerou a necessidade
de um período prévio, não analítico, na relação entre o analista
e a criança. Neste período inicial, o analista tomaria uma
posição pedagógica, de domínio e de sugestão, para depois
empreender o verdadeiro trabalho analítico. Segundo ela, o
analista de crianças deveria acrescentar à sua atitude analítica
uma segunda, a pedagógica. Em relação aos pais, Anna Freud
relatou a necessidade de orientá-los e estabelecer uma relação
transferencial positiva.
Em síntese, duas grandes escolas de psicanálise foram
constiutídas, a partir das discussões sobre a aplicabilidade da
técnica psicanalítica com crianças- a Kleiniana e a
annafreudiana- sob a marca do analítico e do pedagógico. Este
último, visto como algo denegridor para a análise. Os
kleinianos foram, à época, reconhecidos como os "verdadeiros
psicanalistas" e os annafreudianos como os "não analíticos".
Criou-se, a partir da década de 20, um discurso acusatório e
antagônico do que seria ou não a "verdadeira psicanálise".
Na década de 60 surgiu na França, com Françoise Dolto, Maud
Mannoni, Rosine e Robert Lefort, um novo modelo de análise
de crianças, trazendo o pretenso ideal de ocupar o lugar da
escola Kleiniana- "os analistas puros". A demanda da
legitimidade insistiu em retornar. Mais uma escola de
psicanálise de crianças foi criada em defesa do caráter
analítico de sua prática. O analista, segundo Dolto, deveria se
abster de qualquer ação pedagógica, mesmo aquela baseada
nos princípios psicanalíticos. Ou seja, o discurso psicanalítico
continuou a responder ao antagonismo criado por Melanie
Klein e Anna Freud, que se refere à continuidade ou à ruptura
com o pensamento freudiano.
Atualmente a análise com crianças autistas absorveu este
questionamento, ou seja, seria esta análise "pura e verdadeira",
como os kleinianos e os lacanianos preconizaram? Alguns
analistas vêem utilizando terminologias como "psicoterapia de
base analítica" ou "psicoterapia psicanalítica" para se referir ao
tratamento das crianças autistas. Ao que parece, estas
denominações, "psicoterapia de base analítica" ou
"psicoterapia psicanalítica", seriam uma forma de responder
aos três modelos de psicanálise de crianças: ao de Anna
Freud, por se um tratamento que envolvem ações
pedagógicas; e aos de Melanie Klein e Françoise Dolto, por ser
um tratamento que envolve também a técnica psicanalítica
clássica, a interpretação na relação transferencial.
Neste texto, são realizadas discussões a propósito da
aplicabilidade do modelo psicanalítico com crianças autistas
são realizadas, a partir de uma experiência pessoal: a análise
de uma criança autista. Por meio deste caso clínico, identifico a
natureza da relação transferencial que se estabelece entre a
criança autista e o analista, a partir das interpretações. Faço
algumas reflexões acerca da influência da história da
psicanálise de crianças na clínica com crianças autistas e
critico a perpetuação do modelo antagônico presente no pensar
psicanalítico em relação a este tema.
UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL : A ANÁLISE DE UMA
CRIANÇA AUTISTA
O caso a ser relatado é de uma criança de três anos que me foi
encaminhada com o diagnóstico de Autismo Infantil Precoce.
(1)
Quando os pais chegaram com Maria para a primeira consulta,
ela entrou correndo na ponta dos pés, sem olhar para nada. A
mãe a segurou e disse para mim: "ela não fica parada tem
muita energia". Os pais se sentaram e Maria ficou correndo
pela sala sem explorar os objetos e sem nos dirigir o olhar.
Pedi aos pais para falarem de suas preocupações em relação à
fiilha. A mãe se adiantou e disse que o mais preocupante era o
fato de Maria não falar, pois o resto, segundo ela, "eram coisas
de criança mesmo".
Enquanto a mãe falava, Maria emitia grunhidos e girava as
mãos em frente ao seu rosto, com muita velocidade e leveza.
Ela parecia hipinotizada com o movimento das mãos. As
pontas dos pés tocavam o chão, com tal leveza e agilidade,
que davam a impressão de não carregarem o peso do corpo.
(2)
A mãe se referiu aos seus passeios com Maria, ocasião em
que segurava a filha pelas mãos com o intuito de fazer as
pessoas nãorepararem o movimento das mãos: "você pode ver
que ela só parece que é autista quando fica fazendo isso com
as mãos ou quando começa a gritar e bater a cabeça, mas se
fica quieta, ninguém repara porque ela não tem nenhuma
marca que diga que ela é doente". Neste momento, seus olhos
se encheram de lágrimas e ela disse: "todas as noites quando
vejo ela dormindo fico pensando que no outro dia ela vai
acordar me chamando de mãe. Dormindo, ela parece com uma
criança normal". O pai continuava imóvel e calado.
Eu me sentei no chão, comecei a pegar alguns brinquedos
indiscriminadamente e fiquei tentando reproduzir os grunhidos
de Maria, pois, não podia interpretá-la, como faço com as
crianças que falam e brincam desde a primeira sessão. Eu não
tinha a possibilidade de reconhecer os sentimentos de Maria,
pois a relação entre nós era marcada por um isolamento
avassalador, onde não havia nenhum indício de comunicação.
Ela não demonstrava nenhuma angústia ao entrar no
consultório e parecia não me ver. Os seus olhos passavam
pelos objetos sem explorá-los. Neste momento, parecia
envolvida com o movimento circular das rodas, se sentava no
chão e balançava o seu corpo em torno de si mesma.
Maria esvaziava todas as gavetas e prateleiras e os brinquedos
escorregavam pelos seus dedos. Ela andava sobre os
brinquedos,que iam caindo no chão, como se nada
atrapalhasse o seu equilíbrio. Os pais estavam aflitos com a
bagunça da sala e se anteciparam para por tudo no lugar.
Disse a eles para não se incomodarem e me dissessem o que
estavam sentindo naquele momento. O pai, bastante
acanhado, disse que tentava educar Maria, mas não
conseguia, ela era incapaz de pegar as coisas do chão e
colocar nos lugares adequados. "Eu me sinto mal com a casa
toda bagunçada", completou. A mãe falou que tentava ensiná-
la a brincar, mas ela não ficava parada e nem prestava
atenção.
Disse a eles que se sentiam decepcionados por não
conseguirem ensinar Maria a brincar, a falar e a organizar os
objetos. "Vocês estão também ressentidos de não entenderem
as reações de Maria e de não poderem ter com ela um
relacionamento comum, previsível. Vocês conversam entre si
sobre estes ressentimentos? Perguntei.
Eles disseram que não falavam muito de si mesmos, do que
sentiam, só falavam da filha para tentarem entendê-la.
Perguntei a eles o que eles mais temiam. A mãe disse que
apesar de terem o diagnóstico de autismo não queriam
concordar com o médico que era muito grave e incurável. Isto
porque ela sabia que Maria se parecia muitas vezes com uma
criança normal, contudo em outros momentos era bastante
estranha. O pai se referiu ao medo de que Maria nunca falasse
e não aprendesse a cuidar de si mesma, mas que também
tinha esperanças de que a filha não fosse tão doente assim
como o médico havia dito.
Os pais fizeram mais algumas perguntas e começamos assim o
tratamentode Maria. O trabalho analítico com os pais foi
realizado segundo os princípios do modelo analítico
estabelecido por Fraçoise Dolto o qual foi determinante para o
tratamento de Maria. Contudo, este tema não será analisado
neste trabalho por se tratar de uma outra questão.
OS PRIMEIROS SONS : SÍGNOS APRESENTATIVOS
Os sons emitidos por Maria eram muito fortes, estridentes,
atonais e arítmicos. Não se podia dizer que eram gritos de
raiva ou expressão de alguma necessidade. Os sons não
surgiam associados a qualquer gesto ou mímica facial, eram
totalmente anárquicos e desprovidos de significado emocional.
Contudo, eram sons que brotavam de sua boca, com uma
sonoridade específica, eram metalizados, como que
congelados-uma ausência total da sonoridade da voz humana.
Neste sentido, longe de considerar os sons como meras
estereotipias, como prescreve a psiquiatria clássica, comecei a
pensar na qualidade daqueles sons, e percebi que eram de
alguma forma criados por Maria. Eram individualizados e não
se pareciam com sons humanos nem com sons advindos da
natureza ou dos eletrodomésticos, por exemplo. Eram sons
realmente novos, eram dela. Pensei naqueles sons como uma
criação. Por outro lado, poderia ser também uma maneira que
aquela criança encontrou de não emitir sons parecidos com os
dos humanos, ou seja, um mecanismo de defesa. Estes sons
tinham também a característica de preencher o espaço,isto é,
eles eram ouvidos por ela, por mim e pelos pais.
Segundo Suzane Langer, "o jogo vocal da criança enche seu
mundo de ações audíveis, os estímulos mais próximos e mais
completamente absorventes, por serem tanto internos quanto
externos, autonomamente produzidos, no entanto
inesperados..."(1989:130). No desenvolvimento normal do bebê
suas vocalizações além de encherem seu universo, provocam
ecos no ambiente, resultado da repetição dos sons por parte
dos pais. O bebê parece reconhecer, gradualmente, que o som
que ocorre em outro lugar é o mesmo de sua lalação. Isto
resulta um aumento de experiência: o bebê torna-se cônscio do
tom, o produto de sua atividade que lhe absorve o interesse.
Posteriormente, o bebê começa a repetir vocábulos, como ma-
ma, da-da, que são sons articulados, quando então uma difusa
consciência de vocalização cede lugar à consciência. O
vocábulo passa a ser repetido prazeirosamente pelo bebê. E
ele o repete quando quiser, formando uma posse e um produto
de sua própria atividade. Trata-se de uma experiência
puramente fenomenal, pois não tem relações fixas
externamente. Isto permite que o bebê use os vocábulos de
forma imaginária e emocional, e faça identificações
sinestésicas e associações casuais. Para Langer, este período
da lalação "é o que há de mais pronto no mundo para
converter-se em símbolo quando um símbolo é desejado"(
1989:130). Ao ouvir e proferir um vocábulo, o bebê pode fazer
associação com o cheiro da mãe, com a voz dela, o olhar, que
para ele tem o sentido de uma presença. Pode também estar
associado com o formato da mamadeira, com o líquido que
entra na sua boca, ou com qualquer outra coisa. O som
reconhecível e produzível passa a ser identificado com estas
coisas. Nesse sentido o bebê, ao proferir um som, invoca uma
concepção por ele construída.
Segundo os pais de Maria, ela não passou por este período de
lalação. "Ela era muito quieta e quase nunca chorava". Na
medida em que Maria começou a emitir os grunhidos, não
encontrou a possibilidade de escutar os seus sons, pois estes
não foram repetidos pelos pais, que os desconsideravam por
serem muito estridentes e cansativos, além de não terem
nenhuma função comunicativa. Ela não podia, por meio dos
seus sons, do seu olhar e dos seus gestos, indicar sensações,
necessidades e desejos. Os pais simplesmente queriam que
ela não gritasse daquela forma, pois incomodava bastante.
Observei que ao ouvir os sons que eu proferia, que eram
parecidos com os seus, Maria pôde vivenciá-los na relação
com um outro, e a partir deste encontro fundamental, o brincar
com a voz se fez presente e ela começou a estruturar a relação
interpessoal. Os sons emitidos por Maria não admitiam
tradução. Eu não podia pensar em significados conscientes ou
inconscientes, portanto não podia interpretar. Os
comportamentos estereotipados, como o de balançar as mãos
e o de pular na ponta dos pés, não ofereciam tão pouco
possibilidades de conferir significado. No final da sessão,
quando disse que já havíamos conversado o suficiente, e que
ela já iria embora, eu tinha em mente que o comportamento
dela de pular em frente a porta poderia ter outros sentidos ,
como por exemplo, a cor da porta, a maçaneta, o som que
vinha do outro lado, em fim qualquer outro estímulo, inclusive
as sensações do seu próprio corpo. Em suma, interpretar as
sensações ou traduzir as angústias dela não foram as
intervenções iniciais neste caso.
Esta atitude clínica se diferencia da relação analítica clássica,
que é a da interpretação, segundo a qual o sujeito precisaria
ser atravessado pelo discurso simbólico para se constituir como
ser falante. Como nos diz Dolto, o bebê precisa receber um
"banho de linguagem". Ou seja , a mãe, além de imitar suas
lalações, o interpreta em suas necessidades e se oferece
enquanto corpo apaziguador de angústias. Contudo, Maria não
estava ainda podendo ser este bebê do qual nos fala Dolto,
pois ela ficava transtornada se eu insistia em me aproximar
dela. Por outro lado, eu não podia ser esta "mãe"que interpreta
as necessidades do bebê: eu não podia saber suas
necessidades.
Me parece que este caso clínico deixa evidente o valor do som
da linguagem, um valor pré-simbólico. O que Maria parecia
ouvirera um som, e não o som vindo de alguém. Na realidade,
eu me mantinha afastada fisicamente e olhava muito pouco
para ela. Contudo, eu ficava ansiosa para que ela me ouvisse e
se aproximasse fisicamente. Em fim, por mais que eu apenas a
repetia, eu estava ali com os meus desejos e anseios. Contudo
tinha que me manter em um estado de mesmice, manobrado
por ela. Assim ela se sentia tranqüila.
Ao refletir sobre a função da repetição dos sons neste caso
clínico, penso que podemos pensar nos sons de Maria como
um simbolismo apresentativo que, segundo Suzane Langer, é
um "veículo normal e prevalecente de significado e amplia
nossa concepção de racionalidade para muito além das
fronteiras tradicionais...onde quer que um símbolo opere, existe
um significado; e inversamente, diferentes classes de
experiência-por exemplo, razão,intuição,apreciação-
correspondem a diferentes tipos de mediação
simbólica...simbolismo sem palavras, não-discursivo e
intraduzível, que não admite definições dentro de seu próprio
sistema, e não pode transmitir diretamente generalidades"
(Langer,1989:104). Suzane Langer levanta a questão de haver
a possibilidade de um simbolismo não-discursivo, como por
exemplo, de luz, cor ou tom, de ser formulativo da vida
impulsiva, instintiva e senciente.
Freud(1895), no "Projeto para uma Psicologia Científica",
desenvolve a noção da percepção-consciência, em que a
percepção, incapaz de reter marcas, é sem memória. As
percepções se ligam ao consciente, mas não deixam nele
nenhum traço do que aconteceu. Logo, o primeiro registro das
percepções está fora da consciência e é ordenado conforme as
associações simultâneas. O segundo registro seria o do
Inconsciente ordenado segundo as relações de causalidade. O
terceiro, o do Pré-consciente, ligado às representações verbais.
Segundo Freud, a condição para haver um funcionamento
psíquico normal reside na tradução destes três registros. As
psiconeuroses são explicadas como a não tradução de certos
materiais. Freud insistiu em deixar a percepção separada da
consciência, afirmando que a consciência cogitativa secundária
ocorrepara ele um escorregador,
e na primeira tarde, quando outras crianças ali estavam
escorregando, ele não se interessava e quando o colocamos
lá em cima para escorregar, ele pareceu entrar em pânico.
Na manhã seguinte, entretanto, quando não havia ninguém
presente, ele foi para fora, subiu a escadinha e escorregou,
como tem feito, desde que não haja criança alguma por
perto escorregando com ele... Estava sempre
constantemente feliz e ocupado em entreter-se, mas
ressentia-se se compelido a brincar com certas coisas.
Quando interferiam com ele, tinha acessos de birra
com características destrutivas. Ele tinha "um medo terrível
de levar umas palmadas" mas "não associava sua má
conduta ao castigo". Em agosto de 1937, Donald foi
internado em um centro preventivo de tuberculose a fim
de proporcionar "uma mudança de ambiente". Ali, ele
tinha uma "propensão a não brincar com crianças e fazer
coisas que as crianças de sua idade geralmente gostam de
fazer". Ele ganhou peso mas adquiriu o hábito de sacudir a
cabeça de um lado para o outro. Continuava a girar objetos
e pulava extasiado enquanto os via girar. Manifestava
[...] uma abstração mental que o mantinha totalmente
desligado de tudo o que lhe dizia respeito. Parece estar
sempre pensando e pensando, e chamar a sua atenção
praticamente requer que se quebre a barreira mental entre
seu mundo interior e o mundo exterior.
O pai, com quem Donald se parece fisicamente, é
um advogado bem-sucedido, meticuloso, ativo, que teve
dois colapsos em virtude de excesso de trabalho. Ele
sempre levou suas doenças a sério, ficando de cama e
seguindo à risca as prescrições médicas mesmo se tratava
de um simples resfriado. "Quando anda pela rua vai tão
absorto em pensamentos que não vê ninguém ou coisa
alguma e não se lembra de nada ocorrido durante a
caminhada". A mãe tem nível universitário, é calma,
eficiente, e seu marido se sente muito superior a ela.
Tiveram um segundo filho em vinte e dois de maio de 1938.
Quando Donald foi examinado em 1938, no Harriet Laine
Home, o laudo médico atestou estar em boas condições
físicas. Durante a observação inicial e um estudo de duas
semanas efetuado pelos doutores Eugenia S. Cameron e
George Frankl no Child Study Home em Maryland, foi
observado o seguinte quadro: Havia uma limitação
marcante da atividade espontânea. Abrangia o sorriso, o
movimento estereotipado dos dedos que se cruzavam no
ar. Ele sacudia a cabeça de um lado para o outro,
murmurando ou cantando de boca fechada sempre as três
mesmas notas de uma canção. Ele girava com grande
prazer qualquer coisa que pudesse apanhar para fazer
girar. Ficava atirando coisas no chão e parecia encantado
com os sons que fazia. Arrumava contas, varetas ou blocos
em grupos de diferentes séries de cores. Quando acabava
de arrumá-los, guinchava e saltava. Além disto, não dava
mostras de iniciativa precisando de constantes instruções
(da mãe) para qualquer tipo de atividade que não fosse
uma daquelas limitadas com as quais se absorvia. A maioria
de suas atividades não passava de uma repetição,
executada exatamente da mesma forma que o tinha sido
originariamente. Se ele girava um bloco, começava sempre
pela mesma face principal. Quando enfileirava botões, os
dispunha dentro de uma certa seqüência sem modelo, mas
que era a ordem usada pelo pai quando os havia mostrado
pela primeira vez a Donald. Havia ainda inúmeros rituais
verbais se sucedendo pelo dia todo. Quando ele queria
descer, depois da sesta, dizia "Boo (como chamava a mãe),
diga, ‘Don, você não quer descer?’ ". Sua mãe aquiescia e
Don voltava a falar: "Agora diga ‘Tudo bem’ ". A mãe
concordava e Don descia. Na hora da refeição, repetindo
algo que obviamente lhe tinha sido dito com freqüência,
ele falava para a mãe "diga ‘Coma, ou não lhe darei
tomates’; mas se você não comer eu lhe darei tomates", ou
"diga ‘Se você também beber agora, eu vou dar risada e
sorrisos’ ". E sua mãe tinha que se sujeitar a isso e outras
coisas mais para ele não grunhir, gritar e distender todos os
músculos de seu pescoço tenso. Isso ocorria durante o dia
inteiro em razão de uma coisa ou outra. Ele parecia ter
muito prazer em emitir (de forma descontrolada e sem
sentido) palavras ou frases como por exemplo
"crisântemo", "dália", "negócios", "vinhatrombeta", "o
direito sim, o esquerdo não", "através da escuridão as
nuvens brilhando". Expressões irrelevantes como essas
faziam parte de sua forma habitual de falar. Parecia estar
sempre como um papagaio repetindo o que lhe tinha sido
dito uma vez ou outra. Usava os pronomes pessoais com as
pessoas que estava citando, até imitando sua entonação.
Quando queria tomar banho, perguntava: "você quer
tomar banho?". As palavras, para ele, tinham um
significado especificamente literal e inflexível. Parecia
incapaz de generalizar, de transferir uma expressão para
um objeto ou situação similar. Se o fez alguma vez, tratava-
se de uma substituição que então "permaneceu"
definitivamente com esse significado. Consequentemente,
ele batizou cada uma de suas garrafas com água colorida
com os nomes de cada uma das quíntuplas Dionne –
Annete, a azul, Cecile a vermelha, etc. Depois, passando
para uma série de misturas de cores, ele raciocinou da
seguinte forma: "Annete e Cecile dão púrpura". Um pedido
coloquial para "deixar isto aí" (put that down), significou
para ele colocar as coisas sobre o chão. Ele tinha um copo
só para tomar leite e outro só para água. Quando colocou
um pouco de leite no copo de água, o leite evidentemente
passou a ser água branca. A palavra "sim" significou por
muito tempo o desejo de que o pai o colocasse no ombro.
Isto teve uma origem determinada. O pai, tentando ensiná-
lo a dizer "sim" e "não", perguntou-lhe certa vez "Você
quer que o papai ponha no ombro? Não expressou sua
concordância repetindo literalmente a pergunta, com
ecolalia. E o pai disse "se você quiser, diga „sim‟; se não
quiser, diga „não‟". Don disse "sim", mas daí em diante
"sim" passou a significar o desejo de ser içado para o
ombro do pai. Ele não prestava atenção nas pessoas
que estavam ao seu redor. Quando levado para um
cômodo, ignorava completamente as pessoas que lá
estavam e logo se virava para os objetos, de preferência
os que pudesse rodar. Ordens ou ações que não
podiam ser ignoradas eram recebidas como instruções
nada bem-vindas. Mas ele nunca ficava zangado com a
pessoa que interferisse. Empurrava sim, irado, a mão
que viesse em seu caminho ou o pé que pisava em um
dos seus blocos, referindo-se ao mesmo tempo, ao pé
sobre o bloco como "guarda-chuva". Certa vez, o
obstáculo foi removido e ele esqueceu-se
completamente do caso. Não se deu conta da presença
de outras crianças; foi direto até seus passatempos
favoritos, distanciando-se delas se elas fossem
corajosas o suficiente para juntar-se a ele. Se uma
criança tirava um brinquedo seu, ele passivamente o
permitia. Ele rabiscava linhas nos livros de gravuras
que as outras crianças estavam colorindo, e se,
furiosas, elas o ameaçavam, ele retrocedia ou punha a
mão nos ouvidos. Sua mãe era a única pessoa com
quem ele tinha realmente contato, mas mesmo assim
ela ocupava todo o seu tempo arquitetando formas
para conseguir que ele brincasse com ela. Depois que
ele voltou para casa, a mãe mandava relatórios
periódicos sobre seu desenvolvimento. Ele aprendeu
rápido a ler fluentemente e tocar melodias fáceis no
piano. Começou, quando se conseguia que ele
prestasse atenção, a responder perguntas que pediam
como resposta „sim‟ ou „não‟. Embora tenha começado
ocasionalmente a falar de si próprio como "eu" e de
outra pessoa como "você", continuou por um bom
tempo com as inversões pronominais. Quando por
exemplo em fevereiro de 1939 escorregou e quase caiu,
fez o seguintenão podem ser reduzidos a uma interpretação, e não se
prestam à compreensão cognitiva. Uma clínica diferente pois
coloca o analista no lugar de escutar um "discurso" não
representativo. A ação do analista deve ser então a de criar
novas formas de interpretação.
Sendo assim, sugiro a hipótese que a relação analítica existe
desde o primeiro encontro. Ela não deve ser criada, e sim
estabelecida a princípio por meio de uma nova natureza de
interpretação.
Alguns psicanalistas, a exemplo de Laznik-Penot, reconhecem
valor significante em toda produção da criança, gestual ou
linguageira. Segundo eles, se o analista reconhece que alí ( em
qualquer produção) existe uma mensagem, a criança poderá
se reconhecer a posteriori como fonte dessa mensagem.
Depois da leitura da obra de S.Langer e refletir sobre as
minhas experiências como analista de crianças autistas, estou
mais inclinada a reconhecer o primeiro encontro com a criança
autista como uma experiência analítica inominável.
Tomo emprestada a crítica de Júlia Kristeva(1996) a Lacan, em
seu texto "A sensação é uma linguagem". Na crítica ela se
referiu ao autor, como um cultivador de uma pressa lógica em
identificar o que é pré-linguagem e linguagem. Essa pressa
essa que pode apagar a estratificação do aparelho psíquico,
isto é, pagar os estágios anteriores da linguagem, os "quase
símbolos", entre eles os gritos, as imitações e as percepções-
excitações. Os "quase símbolos? ao serem compreendidos
como significantes, reduzem as experiências inomináveis aos
"significantes puros". A capacidade perceptiva e sensorial do
analista pode desaparecer por causa a esta tendência de
interpretar mensagens advindas dos significantes.
Em suma, o estabelecimento de uma relação psicanalítica com
uma criança autista o analista na posição de compreender o
lapso de tempo que o sujeito não recorda. Este tempo abrange
o período de aprendizado da linguagem, um período sensorial
intraduzível pelas vias cognitivas. Nessa fase primitiva em que
se encontra a criança autista, nenhuma experiência pertence
ainda a qualquer classe. As ações audíveis de Maria pareciam
ser para ela completamente absorventes, inesperados,
repetitivos e para mim misteriosos. A partir do encontro com
estas ações audíveis, foi possível estabelecer uma relação
analítica com Maria. Um encontro não marcado pela ação de
interpretar mas por uma escuta psicanalítca abrangente o
suficiente para experenciar fenômenos intraduzíveis da
constituição do "eu".
Finalmente, considero que fazer das técnicas aqui
apresentadas um fator indicador do que é ou não psicanálise, é
colocar em risco a primazia da escuta clínica tão bem
fundamentada pelo pai da psicanálise. A questão primordial
que a criança autista nos coloca é a da escuta do inominável,
como fazê-lo dentro da tradição simbólica da psicanálise?.
Talvez seja necessário pedir emprestado à filosofia alguns
conceitos, assim como foi feito com a noção de símbolo
apresentativo, que nos permitam refletir sobre a questão
imposta pela clínica com a criança autista.
NOTAS
Maria já havia passado pela clínica médica onde fez todos os
exames neurológicos de praxe. Todos foram negativos e o
psiquiatra lhe conferiu o diagnóstico de autismo, com a
recomendação de que ela deveria ter uma educação especial ,
tomar remédios para diminuir a hiperatividade, fazer
fonaudiologia e terapia comportamental. . Esta é a
recomentação prescrita no DSM IV
Segundo a psiquiatria clássica estes dois movimentos, o
balançar as mãos e o andar nas pontas dos pés, são
considerados comportamentos estereotipados, sem nenhuma
função de comunicação. O tratamento médico psicológico
comportamental tem como objetivo extinguir tais
comportamentos.
F. Tustin (1990) nos apresenta um convincente material clínico
para demonstrar como as crianças autistas vivenciam seu
corpo, no encontro com o outro, como uma ameaça física, uma
catástrofe. Uma das crianças autistas, atendidas por ela,
designou esta sensação como um medo de cair em "um buraco
negro". Outros autores designam esta ameaça como "angústia
impensada" ( Winnicott, ), "angústia
BIBLIOGRAFIA
Alvarez, A .(1994) Companhia viva: Psicoterapia psicanalítica
com crianças autistas, boderline, carentes e maltratadas. Porto
Alegre:Artes Médicas.
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------------------- (1982) O ambiente e os processos de
maturação. Porto Alegre:Artes Médicas.comentário referindo-se a si próprio:
"Você não caiu no chão". Ele denotava embaraço com
relação às inconsistências de soletrar e podia passar
horas escrevendo no quadro negro. Sua maneira de
brincar tornou-se mais criativa e variada ainda que
quase ritualística. Ele voltou para um check up em
maio de 1939. Sua atenção e concentração haviam
melhorado. Tinha melhor contato com o ambiente e se
notavam algumas reações diretas perante pessoas e
situações. Mostrou seu desapontamento quando
contrariado, cobrou promessas sedutoras, deu mostras
evidentes de prazer quando aplaudido. Era possível, no
Child Study Home, obter, com insistência constante,
certa condescendência com a rotina diária e algum
grau de manuseio apropriado de objetos. Mas ele
ainda escrevia letras com os dedos no ar, emitindo
palavras – "ponto-e-vírgula", "capital", "doze, doze",
"morto, morto", "eu podia por uma virgulazinha ou
ponto-e-vírgula" – mastigando sobre o papel,
misturando comida com o cabelo, atirando livros
dentro do privada, colocando uma chave no esgoto,
trepando na mesa e na escrivaninha, explodindo em
acessos temperamentais, dando risadinhas e
murmurando autisticamente. Ele pegou uma
enciclopédia e aprendeu cerca de quinze palavras do
índice e as ficou repetindo indefinidamente. Sua mãe
tinha ajuda nas tentativas de desenvolver o seu
interesse e participação nas situações comuns que a
vida apresentava. A seguir, extratos de cartas
mandadas posteriormente pela mãe de Donald:
Setembro de 1939. Ele continua a comer, lavar-se e
vestir-se sozinho, somente com minha insistência e
auxílio. Está ficando desembaraçado, constrói coisas
com blocos, dramatiza estórias, tenta lavar o carro,
rega as flores com o esguicho, brinca de loja com as
mercadorias da mercearia, tenta recortar gravuras com
a tesoura. Ele ainda tem grande atração pelos
números. Se sua forma de brincar melhorou
indiscutivelmente, por outro lado nunca fez perguntas
sobre ninguém e não mostra interesse algum pela
nossa conversa... Outubro de 1939. (Um diretor da
escola amigo da mãe concordou em fazer uma
experiência, colocando Donald no primeiro grau da
escola) O primeiro dia foi muito difícil para eles, mas,
com o decorrer do tempo, melhorou muito. Don ficou
muito mais independente, quer fazer muitas coisas
sozinho. Ele anda em fila corretamente, responde
quando chamado e está dócil e obediente. Ele nunca
conta voluntariamente qualquer uma de suas
experiências na escola e nunca faz objeções para ir às
aulas. Novembro de 1939. Visitei sua sala de aula esta
manhã e fiquei maravilhada ao ver a maneira
satisfatória com que cooperava e respondia. Ele estava
muito quieto e calmo e prestou atenção ao que a
professora estava dizendo cerca de metade do tempo.
Não guinchou ou correu para ir até seu lugar mas foi
sentar-se normalmente, como as outras crianças. A
professora começou a escrever no quadro negro. O fato
atraiu imediatamente sua atenção. Ela escreveu:
Bete pode alimentar um peixe.
Don pode alimentar um peixe.
Jerry pode alimentar um peixe.
Na sua vez, ele foi até o quadro negro e fez um círculo
em volta de seu nome. Em seguida, deu de comer a um
peixe dourado. Depois, todas as crianças pegaram o livro
de leitura e ele o folheou até a página certa, como a
professora havia ordenado e leu quando foi chamado. Ele
também respondeu uma pergunta sobre uma das gravuras.
Diversas vezes, quando solicitado, saltou e sacudiu a
cabeça enquanto respondia...
Março de 1940. O maior progresso que notei foi o da
conscientização das coisas que lhe dizem respeito. Ele está
falando muito mais e perguntado muita coisa boa. Não é
sempre que me conta espontaneamente o que acontece na
escola, mas se eu fizer perguntas dirigidas, ele as responde
com acerto. Ele está tomando parte nos jogos das outras
crianças para valer. Um dia, inscreveu a família num jogo
que acabava de aprender, explicando a cada um de nós o
que devíamos fazer. Está se alimentando melhor e mostra
capacidade para fazer coisas sozinho.
Março de 1941. Ele melhorou enormemente, mas as
dificuldades básicas ainda são evidentes. Donald foi trazido
para outro check up em Abril de 1941. Não lhe foi feito
nenhum convite para que entrasse no consultório mas ele
o fez com boa vontade. Lá dentro, nem mesmo lançou um
olhar para os clínicos presentes (dois dos quais conhecia
bem em virtude de suas consultas anteriores) – foi
imediatamente até uma carteira e mexeu em papéis e
livros. De início, as perguntas eram correspondidas com um
estereotipado "Eu não sei". Depois, por sua conta, pegou
lápis e papel e escreveu e desenhou, enchendo páginas e
páginas com as letras do alfabeto e alguns desenhos
simples. Ele dispôs as letras em duas ou três linhas, lendo-
as numa seqüência preferencialmente vertical e mostrou-
se muito satisfeito com o resultado. De vez em quando,
saia-se, voluntariamente, com uma declaração ou
pergunta: "Eu vou ficar dois dias no Child Study Home".
Mais além, disse "Onde está minha mãe?"
"O que você quer com ela?", perguntaram-lhe.
"Eu quero abraçá-la no pescoço".
Ele empregava os pronomes com acerto, e suas sentenças
eram gramaticalmente corretas.
A maior parte de sua "conversação" consistiu em perguntas
de natureza obsessiva. Suas variações eram inexauríveis:
"quantos dias numa semana, anos no século, horas num
dia, horas num meio dia, semanas num século, séculos em
meio milênio, etc., etc. Quantas canecas num galão,
quantos galões para encher quatro galões?". Às vezes,
perguntava "quantas horas num minuto, quantos dias em
uma hora?" e etc. Ele parecia pensativo e sempre queria
uma resposta. De vez em quando comprometia-se
temporariamente a responder depressa algumas outras
perguntas ou solicitações mas, de repente, voltava ao
mesmo tipo de comportamento. Muitas de suas respostas
eram metafóricas ou então peculiares. Quando lhe pediram
que subtraísse 4 de 10, respondeu: "vou desenhar um
hexágono". Ele era ainda extremamente autista. Seu
relacionamento com as pessoas só se desenvolveu na
medida em que se dirigia a elas quando precisava ou queria
saber algo. Ele nunca olhava para a pessoa enquanto falava
e não fazia gestos comunicativos. Mas até esse tipo de
contato cessava quando lhe falavam ou davam o que pedia.
Uma carta da mãe, datada de outubro de 1942:
[...] Don ainda fica indiferente demais ao que o cerca. Seus
interesse mudam constantemente, mas sempre está
absorvido com algo tolo, desconexo. Sua literal disposição
mental está ainda muito marcada, ele quer soletrar
palavras como soam e pronunciar letras de forma
consistente. Recentemente, eu consegui que Don fizesse
pequenos trabalhos para ganhar um dinheirinho para ir ao
cinema. Hoje em dia, ele gosta muito de ir ao cinema, mas
sem se dar conta da seqüência da estória. Ele lembra-se
das cenas na ordem em que as vê. Outros de seus recentes
hobbies se acha em edições antigas da revista Time. Ele
encontrou um exemplar da primeira edição de 3 de março
de 1923 e procurou fazer uma lista com as datas de
publicação de cada edição desde aquele tempo. Até agora
foi até abril de 1934. Imaginou quantos exemplares há em
um volume e outros disparates similares.
O médico de Frederick W., de seis anos de idade, avaliou em 27 de maio de 1942 que
sua "capacidade de adaptação em um ambiente social era caracterizada tanto pelo ataque
como pelo comportamento de recuo". Sua mãe declarou: O menino sempre foi auto-
suficiente. Posso deixá-lo sozinho que ele se entretém com satisfação, andando pelas
redondezas, cantando. Nunca o vi chorar para pedir atenção. Ele jamais se interessou por
esconde-esconde, mas brinca com a bola de todo jeito, olha o pai se barbear, segura a caixa do
aparelho, coloca o aparelho de novo na caixa, põe a tampa na saboneteira.Ele nunca foi muito
bom em brincadeiras que exigem cooperação. Não se importa de brincar com as coisas
comuns com as quais as outras crianças brincam desde que elas girem. Ele tem medo de coisas
mecânicas – foge delas. Sempre teve medo de minha batedeira de ovos e fica inteiramente
petrificado com o aspirador de pó. Para ele, elevadores constituem-se em um experiência
simplesmente terrificante. Tem medo também dos peões que rodam. Até o último ano, ele
praticamente ignorou os outros. Quanto tínhamos convidados, ele não lhes dava a mínima
atenção. Olhava curiosamente para as crianças pequeninas e, depois, queria sair sozinho. Ele
se portava como se as pessoas absolutamente não estivessem presentes e o mesmo acontecia
diante dos avós. A cerca de um ano atrás começou a mostrar interesse maior em observá-los e
até mesmo a chegar perto deles. Mas, em geral, no seu caso, as pessoas significam uma
interferência. Ele as empurra para longe. Se se chegam muito perto, empurra-as para longe
dele. Não quer que eu o toque ou abrace, mas vem a mim e me toca. Por um certo espaço de
tempo, ele fixa-se em uma determinada coisa. Em uma das prateleiras de nossa estante de
livros, tínhamos três peças dispostas de determinada forma. Quando as mudávamos de lugar,
ele tornava a dispô-las como se achavam antes. Que se saiba, não tentava novos vôos. Depois
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de ficar olhado para o ar por um bom tempo, punha-se a fazer o que tinha que ser feito de
repente. Queria estar certo de que o faria bem feito. Antes de completar dois anos, falou pelo
menos duas palavras ("papai" e "Dora", o nome da mãe). Daí em diante, entre dois e três anos,
pronunciou palavras que pareciam chegar a surpreendê-lo. Uma das primeiras palavras que
disse foi "macacão". (Como os pais nunca esperavam que ele respondesse as suas perguntas,
ficavam surpresos quando respondia "sim") Com dois anos e meio, mais ou menos, ele
começou a cantar. Chegou a cantar umas vinte ou trinta canções, inclusive um pequeno
acalanto em francês. Em seu quarto ano, tentei fazê-lo pedir as coisas antes de dá-las a ele.
Mais teimoso do que eu, resistia mais tempo e se não conseguisse no momento, também não
desistia delas. Agora já pode contar até as centenas e lê os números, mas não está interessado
neles, nem mesmo em aplicá-los aos objetos. Tem uma enorme dificuldade em aprender a
devida colocação de pronomes pessoais. Quando recebe um presente, fala consigo mesmo:
"você diz obrigado". Ele joga boliche e quando vê as garrafas caírem, pula de alegria.
Frederick nasceu em 23 de maio de 1936 em posição incomum. A mãe teve "alguns
problemas renais" e foi decidida uma cesárea duas semanas antes do prazo estipulado. Ele
passou bem depois do parto e não houve dissabores com a alimentação. A mãe se lembrava
de que nunca foi detectado antecipadamente sua posição quando ela estava se preparando
para dá-lo à luz. Ele sentou-se com sete meses e andou com 18, mais ou menos. Teve
resfriados ocasionais e nenhuma outra doença. Tentativas para mantê-lo na creche da escola
foram um fracasso: "ou ele fugia ou se escondia em algum canto ou enfiava-se no meio de um
grupo e tornava-se muito agressivo". O menino era filho único. O pai, de 44 anos, nível
universitário, diplomado em patologia das plantas, era muito viajado em virtude do seu
trabalho. Era um homem paciente, tranqüilo, ligeiramente obsessivo; como uma criança, não
"dava a última palavra" e era delicado, fazendo crer que lhe tenha faltado vitaminas na dieta
elaborada na África. A mãe, de 40 anos, com diploma de faculdade, sucessivamente secretária
de médicos, agente de vendas, diretora de estudos de secretariado em uma escola de moças, e
ao mesmo tempo professora de história, é descrita como saudável e calma.
O avô paterno organizou missões médicas para a África, estudou medicina tropical na
Inglaterra, tornou-se uma autoridade em mineração de manganês no Brasil, e, ao mesmo
tempo, decano de uma escola médica e diretor de um museu de arte de uma cidade
americana, sendo citado no Quem é Quem com dois nomes diferentes. Ele desapareceu em
1911 e seu paradeiro ficou obscuro por 25 anos. Foi quando então se soube que ele tinha ido
para a Europa e se casado com uma romaneista, sem ter se divorciado de sua primeira esposa.
A família o considerava "um caráter marcante do tipo gênio que queria fazer o melhor ao seu
alcance."
A avó paterna é descrita como "uma missionária calejada, se é o que foi na realidade,
totalmente dominadora e de difícil convívio, no momento fazendo pioneirismo no sul, num
colégio para montanheses".
O pai é o segundo dos cinco filhos. O mais velho é jornalista e autor de um best-seller
muito conhecido. A irmã casada, "sensível e totalmente precoce" é cantora. Depois, vem o
irmão que escreve contos de aventuras para uma revista. O mais novo, pintor, escritor e
comentarista de rádio, "não falou até cerca de seis anos de idade" e as primeiras palavras que
pronunciou foram: "se um leão pode falar, pode também assobiar".
A mãe falou de seus parentes: "os meus eram gente simples". Sua família
estabelecera-se numa cidade do Wisconsin, onde o pai é banqueiro; sua mãe interessa-se
relativamente pelas obras da igreja e suas três irmãs, todas mais jovens do que ela, são
matronas comuns da classe média.
Frederick foi admitido no Harriet Lane Home em 27 de maio de 1942. Parecia estar
bem nutrido. A circunferência de sua cabeça media 21 polegadas, a do tórax 22, e a do
abdômen 21. Seu occipício e região frontal eram fortemente proeminentes. Tinha um mamilo
super-numerário na axila esquerda. Os reflexos eram lentos mas presentes. Todos os outros
dados, inclusive exames de laboratório e raio-x do crânio acusaram normalidade, exceto o que
se referia às grandes e precárias amígdalas. Ele foi conduzido ao consultório do psiquiatra por
uma enfermeira, que deixou o local imediatamente após. Sua expressão facial era tensa, um
tanto apreensiva e deu a impressão de inteligência. Vagamente surpreso por alguns
momentos, mostrava-se alheio à presença dos três adultos presentes. Acabou por sentar-se no
sofá emitindo sons ininteligíveis quando, abruptamente deitou-se, exibindo um
escandalosamente um sorriso sonhador. Respondeu a perguntas do jeito que quis, mas o fez
repetindo-as de maneira ecolálica. O traço mais impressionante de seu comportamento era a
diferença de reações diante dos objetos e de gente. Os objetos o absorviam facilmente e ele
mostrava atenção e perseverança ao brincar com eles. Parecia olhar as pessoas como intrusos
nada bem-vindos aos quais prestava tão pouca atenção quanto lhe era permitido. Quando
forçado a responder, fazia-o rapidamente e logo voltava sua atenção para coisas. Quando uma
mão se levantava à sua frente de maneira a ser impossível ignorá-la, brincava com ela por
curtos instantes como se fosse um objeto isolado. E soprou um palito de fósforo com uma
expressão satisfatória por ter apagado a chama, mas não olhou para cima, para a pessoa que
tinha acendido o fósforo. Quando uma quarta pessoa entrou na sala, ele escondeu-se por um
minuto ou dois atrás da estante de livros, dizendo "eu não quero você" e , num aceno de mão,
enxotou-a. Depois, recomeçou a brincar e não prestou mais atenção nela nem em ninguém. O
resultado dos testes (Escola de Performance Grace Arthur) era difícil de avaliar por causa da
falta de cooperação. Ele foi melhor com o quadro Seguin (menor tempo 58 segundos). Na
conclusão do teste de água e do potro ele pareceu guiado unicamente pela forma, a ponto de
não fazer diferença se as peças estavam do lado certo ou não. Mostrou boa perseverança e
concentração com todas as formas postas na mesa, trabalhando com elas espontânea e
interessadamente. Nos intervalos dos testes, andou pela sala, examinando vários objetos,
revolvendo o cestode lixo sem olhar para as pessoas presentes. Ele fez freqüentes ruídos de
sucção e, de vez em quando, beijou a superfície dorsal da mão. Ficou fascinado com o círculo
que havia entre as formas na mesa, o qual colocou para girar sobre a carteira. E conseguiu não
só cumprir a proeza como apará-lo para que não caísse no chão. Frederick foi matriculado na
Devereux Schools em 25 de setembro de 1942.
Richard M. foi admitido no Johns Hopkins
Hospital em 5 de fevereiro de 1943, quando tinha 3
anos e 3 meses de idade, sob alegação de surdez, já que
não falava e não respondia às perguntas. Em seguida à
sua internação, o residente fez esta observação:
[...] a criança parece ser normalmente inteligente.
Brinca com os brinquedos na cama e é
convenientemente curiosa com respeito a
instrumentos usados no exame. Ela parece
inteiramente auto-suficiente quando brinca. É difícil
dizer definitivamente se ela ouve, mas parece que sim.
Ela obedece instruções. como "sente-se" ou "deite-se",
mesmo quando não vê quem está falando. Não presta
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atenção às conversas que ocorrem à sua volta e
embora não faça barulho, fala palavras
desconhecidas.
Sua mãe trouxe consigo notas copiosas que
indicam preocupação obsessiva com pormenores e
uma tendência para ler toso tipo de interpretações
relativas às performances da criança. Ela observou (e
registrou) cada gesto e cada "olhar", tentando achar-
lhe o significado específico e, finalmente, decidindo-se
sobre um pormenor às vezes explicado muito
superficialmente. E acumulava assim um acervo que,
embora muito elaborado e ricamente ilustrado,
revelava, em sua totalidade, mais de sua própria
versão do que realmente havia acontecido em cada
ocasião mencionada.
O pai de Richard é professor de tudo que diga
respeito a florestas em uma universidade do sul. Ele
vive totalmente imerso em seu trabalho e quase não
lhe sobra tempo para contatos sociais. A mãe estudou
até a faculdade. O avô materno é físico e o resto da
família, de ambos os lados, é constituída de pessoas
profissionalmente bem sucedidas. O irmão de Richard,
31 meses mais novo, é descrito como uma criança
normal e de bom desenvolvimento.
Richard nasceu em 17 de novembro de 1937. A
gestação e o nascimento transcorreram normalmente.
Ele sentou-se com 8 meses e andou com 1 ano. Sua
mãe começou a "educá-lo" com 3 semanas, colocando-
lhe um supositório todas as manhãs, "para que seu
intestino se porta-se como um relógio". Comparando
os dois filhos, a mãe recordou-se que enquanto o mais
novo mostrava uma reação ativa antecipada ao ser
pego no colo, Richard não dava nem sinal de prontidão
fisionômica ou postural e deixava de se aninhar ao ser
segurado no colo por ela ou pela enfermeira. A
nutrição e o crescimento físico decorreram
satisfatoriamente. Vacinado com doze meses contra
varíola, teve como reação um surto de diarréia e febre
do qual se restabeleceu em menos de uma semana.
[...] em setembro de 1940, a mãe, comentando a
ausência de fala em Richard, observou em suas notas:
eu não tenho certeza de quando, exatamente, ele
parou de imitar os sons das palavras. Parece que ele
teve uma gradativa regressão mental nos dois
últimos anos. Como ele não revelasse o passava em
sua cabeça, pensamos que estivesse tudo bem. Agora
que ele está emitindo tantos sons, estamos
desconcertados por que é evidente que ele não pode
falar. Antes eu pensei que ele poderia se quisesse. Ele
passou-me a impressão de silenciosa sabedoria...
Uma coisa intrigante e desencorajadora é a grande
dificuldade que se tem para conseguir sua atenção.
Richard foi considerado saudável no exame físico,
exceto com relação às grandes amígdalas e adenóides
que removeu em 8 de fevereiro de 1941. A
circunferência de sua cabeça era de 54,5 centímetro.
Seu eletroencefalograma foi normal. Ele dirigiu-se
voluntariamente ao consultório do psiquiatra e logo
pôs-se a brincar, ativo, com os brinquedos, sem prestar
atenção às pessoas que estavam na sala. De vez em
quando, olhava para as paredes, sorria e proferia em
breve estacato vigorosos sons – "Ih! Ih! Ih!". Acatou a
ordem falada e gesticulada da mãe para tirar os
sapatos. Quando a ordem foi outra, desta vez sem
gestos, ele se ateve à ordem anterior e tirou os sapatos
(que já havia calçado de novo). Seu desempenho foi
bom com os quadros não-giratórios mas não tanto com
os giratórios.
Richard foi examinado outra vez com a idade de
quatro anos e quatro meses. Crescera
consideravelmente e ganhara peso. Diante da sala de
exames, gritou e fez um enorme estardalhaço, mas
acabou capitulando e entrando sozinho,
voluntariamente. Lá dentro, imediatamente pôs-se a
acender e apagar as luzes. Não mostrou interesse pelo
clínico ou qualquer outra pessoa mas foi atraído por
uma pequena caixa que acabou atirando longe como se
fosse uma bola. Com quatro anos e onze meses, seu
primeiro movimento ao entrar no consultório (ou
qualquer outra sala) era o de acender e apagar as luzes.
Ele subiu numa cadeira e da cadeira para uma
escrivaninha a fim de alcançar o interruptor na parede.
Ele não comunicava seus desejos mas se dirigia, com
raiva até, à mãe, que adivinhava e procurava o que ele
queria. Não tinha contato com pessoas, as quais
considerava definitivamente como uma interferência
quando falavam com ele ou tentavam obter sua
atenção. A mãe sentiu que já não era mais capaz de
controlá-lo e ele foi colocado num lar adotivo perto de
Annápolis sob os cuidados de uma mulher que
mostrou sempre um notável talento para lidar com
crianças difíceis. Recentemente, essa mulher ouviu-o
dizer claramente as primeiras palavras inteligíveis.
Eram elas: "boa noite".
Paul G. compareceu em março de 1941, com idade
de 5 anos, para fazer um teste psicométrico mediante o
qual se pensou estar diante de uma severa deficiência
intelectual. Ele foi para uma escola maternal privada,
onde sua fala incoerente, incapacidade de obedecer e
reações temperamentais a qualquer interferência
deram a impressão de um caso de oligofrenia. Paul,
filho; único, chegou a este país procedente da
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Inglaterra, com aproximadamente dois anos de idade,
acompanhado da mãe. O pai, um engenheiro de minas,
que se supunha na Austrália, havia abandonado a
esposa pouco antes, depois de vários anos de um
casamento infeliz. A mãe, provavelmente de nível
universitário, mulher impaciente, instável, excitável,
deu uma versão vaga ruidosa e conflitante do
panorama familiar e do desenvolvimento do filho. Ela
levou bastante tempo enfatizando e ilustrando seus
esforços para tornar Paul esperto, para ensiná-lo a
memorizar poemas e canções e várias rimas infantis.
Ele nasceu normalmente. Vomitou bastante
durante o primeiro ano de vida e alimentou-se de
dietas mudadas constantemente com pouco sucesso.
Deixou de vomitar quando começou a ingerir
alimentos sólidos. Os dentes despontaram, ele firmou
a cabeça, sentou, andou e controlou o intestino e a
bexiga na idade certa. Teve sarampo, catapora e
coqueluche, sem complicações. Suas amígdalas foram
retiradas aos três anos de idade. O exame físico acusou
fimose como único senão de uma boa saúde. As
seguintes características surgiram da observação feita
em suas visitas à clínica, durante cindo semanas num
pensionato e durante alguns dias de estada no
hospital. Paul era uma criança esbelta bem feita de
corpo, atraente e seu rosto parecia inteligente e
animado. Tinha boa agilidade manual. Raramente
respondia a qualquer tipo de abordagem ou mesmo à
chamada de seu nome. Certa vez, atendendo a um
pedido, pegou um bloco do chão. Outro dia em seguida
a um modeloter sido desenhado à sua frente, ele
desenhou um círculo. Às vezes, um enérgico "não faça
isso!" fazia-o interromper uma atividade. Mas,
geralmente, se se falasse com ele, continuava com o
que estava fazendo com se nada houvesse sido dito.
Também nunca foi possível detectar se estava sendo
espontaneamente desobediente ou não. Ele era
obviamente tão ausente que as observações não o
alcançavam. Estava sempre vivamente ocupado com
algo e parecia então plenamente satisfeito, a menos
que alguém fizesse uma tentativa persistente para
interferir nas ações que ele mesmo escolhera. Aí, ele
tentava primeiro escapar disso e, se não desse certo,
gritava e caia num respeitável acesso de raiva. Havia
um marcante contraste entre suas relações com gente e
com objetos. Quando entrava na sala, dirigia-se
imediatamente para os objetos que usava
corretamente. Não era destruidor e tratava os objetos
com cuidado ou mesmo afeição. Ele pegava um lápis e
fazia rabiscos num papel que havia achado sobre a
mesa. Abria uma caixa, tirava dela um telefone de
brinquedo, sempre cantando: "ele quer telefonar", e
girava pela sala com o bocal e o receptor em posição
certa. Apanhou uma tesoura e paciente e
habilidosamente cortou uma folha de papel em
pedacinhos, cantando a frase: "cortando papel",
muitas vezes. Ele arranjou-se sozinho com a
maquinaria de um brinquedo, correu em volta da sala
segurando-o no alto e cantando continuamente "a
máquina está voando". Enquanto tais expressões
vocais, entoadas sempre com a mesma inflexão, eram
claramente ligadas às suas ações, ele emitia outras que
podiam não estar conectadas com situações imediatas.
Há alguns exemplos: "as pessoas no hotel"; "você
machucou sua perna?"; "acabaram-se os bombons"; "o
bombom está vazio"; "você cairá da bicicleta e baterá a
cabeça". Todavia algumas dessas exclamações
poderiam ter sido originadas em experiências prévias.
Ele adquiriu o hábito de dizer quase todo o dia: "não
atire o cachorro para fora da sacada". Sua mãe
lembrou-se de que tinha dito essas palavras para ele,
referindo-se a um cachorro de brinquedo quando eles
ainda estavam na Inglaterra. Ao avistar uma panela,
exclamava invariavelmente "Pedro-comedor". A mãe
recordava-se que essa associação começara quando ele
tinha dois anos de idade e ela deixara cair uma panela
enquanto recitava para ele a trovinha infantil "Pedro,
Pedro, comedor de abóbora". Reproduções de
advertências e ferimentos corpóreos constituíam a
parte principal de suas elucubrações. Nenhuma dessas
observações teve a veleidade de apontar um valor de
comunicação. Não havia nisso laços afetivos com as
pessoas. Ele se comportava como se as pessoas não lhe
dissessem respeito ou mesmo não existissem. Não
fazia diferença se alguém lhe falava de maneira
amigável ou áspera. Ele nunca encarou o rosto das
pessoas. Quando tinha algo em comum com alguma
delas, tratava-as, ou melhor, tratava parte delas como
se fossem objetos. Usava uma mão para dirigi-las. Ao
brincar, dava cabeçadas na mão, como há tempos atrás
fazia com um travesseiro. Permitia que a mãe o
vestisse mas não prestava a menor atenção nela.
Quando com outras crianças, ignorava-as, e ia direto
em direção de seus brinquedos.
Sua articulação era clara e ele tinha um bom
vocabulário. A construção de suas sentenças era
satisfatória, com uma exceção significativa. Ele nunca
usava o pronome na primeira pessoa nem se referia a
si mesmo como Paul. Todas as manifestações relativas
a si mesmo eram feitas na segunda pessoa, bem como
as repetições literais de coisas que lhe haviam sido
ditas antes. Ele expressava sua vontade de comer
bombons dizendo "você quer bombons". Ele desviou a
mão de um radiados quente e disse "você se machuca".
Às vezes era ouvido repetindo coisas que lhe haviam
sido ditas, feito papagaio. Testes formais não puderam
ser levados a cabo, mas certamente ele não podia ser
tachado de oligofrênico no sentido exato da palavra.
Depois de ouvir a tia do pensionato dizer "graças" três
vezes, passou a repeti-lo de forma correta e desde
então o guardou na memória. Ele podia contar e
nomear cores. Aprendeu depressa a identificar seus
discos favoritos na pilha e sabia subir até a vitrola para
tocá-los. A tia do pensionato relatou uma série de
observações que indicavam um comportamento
compulsivo. Ele se masturbava muitas vezes em
completo abandono. Corria em círculos emitindo
frases. Pegava um pequeno xale que ficava sacudindo
enquanto gritava deliciado "Ih! Ih!". Podia continuar
fazendo tais coisas por muito tempo e mostrar grande
irritação quando interrompido. Tudo isso e muitas
outras coisas que não se tratavam somente de
repetições mas que se sucediam dia após dia com uma
mesmice quase fotográfica.
Em fevereiro de 1942 foi recebida Barbara K., de
oito anos e três meses de idade. Nas anotações escritas
pelo pai se lia:
[...] primeira filha, nascida normalmente em 30 de
outubro de 1933. Mamou muito pouco passando para
a mamadeira depois de mais ou menos uma semana.
Aos três meses deixou de aceitar qualquer tipo de
alimentação. Foi alimentada por tubo, cinco vezes ao
dia, até um ano de idade. Foi quando começou a
comer, embora lhe fosse muito difícil, até os dezoito
meses. Desde então passou a comer bem, gosta de
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experimentar comida, de saboreá-la e agora tem
loucura por cozinhar. Vocabulário comum até dois
anos, mas a colocação das palavras na sentença é
sempre lenta. Tem habilidade fenomenal para ler e
soletrar. Boa escritora mas com dificuldades ainda
nas expressões verbais. A linguagem escrita ajudou a
verbal. Não se dava bem com aritmética a não ser por
proeza de memória. Repetitiva quando bebê, agora
também é obsessiva: retém coisas nas mãos, leva
outras para a cama, repete frases, apaixona-se por
uma idéia, um jogo, etc. Aferra-se a eles e, depois, vai
se ocupar de outra coisa qualquer. Ela costuma falar
usando "você" para si própria e "eu" para a mãe ou
para mim, como se estivesse dizendo coisas que lhe
estivéssemos falando. Muito tímida, tem medo de
varias coisas mutantes, vento, animais grandes, etc.
Passiva a maior parte do tempo, às vezes é
obstinadamente passiva. Desatenta a ponto de
alguém perguntar se ela ouve. (Ela ouve!) Espirito
não competitivo, nenhum desejo de agradar a
professora. Se sabe alguma coisa a mais que um
outro colega de classe, não o demonstra, fica calada,
talvez nem se dê conta do fato. No verão passado, foi
muito apreciada no acampamento. Aprendeu a
nadar, era graciosa na água (sua mobilidade sempre
parecera desajeitada), superou o medo dos pôneis,
brincou melhor com as crianças de cinco anos de
idade. No acampamento ela adquiriu a vitaminose e
desnutrição mas quase não fez queixas verbais.
O pai de Barbara era um conhecido psiquiatra. A
mãe, bem educada, era uma boa mulher. Em 1937
nasceu um irmão mais novo, saudável, vivo e bem
desenvolvido. Barbara "apertava mãos", a pedido,
(oferecendo a esquerda na chegada e a direita na
saída) apenas levantando uma mão vacilante na
direção aproximada da mão estendida do clínico; no
movimento, faltava, definitivamente, a noção de
comprimento. Durante todo o encontro não houve
indicação de qualquer tipo de contato afetivo. Uma
picada de alfinete resultou na retirada do braço, uma
olhadela medrosa para o alfinete (não para o clínico) e
a pronúncia da palavra "machucada!" não endereçada
a ninguém em particular. Ela não mostrou interesse no
desempenho de testes. O conceito de teste, de
participar de uma experiência ou situação, parecia
estranho a ela. Espichava a língua e brincava com a
mão como alguém o faria com um brinquedo. Atraída
por uma caneta que estava sobre a carteira, ela disse:
"canetacomo as suas em casa". Depois, vendo um
lápis, perguntou: "posso levar isto para casa?". Quando
lhe foi dito que podia, ela não fez nenhum movimento
para pegá-lo. O lápis lhe foi entregue mas ela
empurrou dizendo "não é o meu lápis". Ela fez o
mesmo, repetidamente, com relação a outros objeto. E
disse várias vezes "vamos ver mamãe" (que estava na
sala de espera). Ela leu extremamente bem com dez
anos completos, em trinta e três segundos e sem erros
uma excitante história de Binet, mas foi incapaz de
reproduzir de memória o que tinha lido. Nas gravuras
de Binet, (ou ao menos notou) nenhuma ação ou
ligação entre os itens isolados que enumerou sem
dificuldades. Sua caligrafia era legível. Seus desenhos
(homem, casa, gato sentado com seis pernas, abóbora,
máquinas) eram destituídos de imaginação e
estereotipados. Ela usava a mão direita para escrever e
a esquerda para o resto, era canhota de pés e destra de
olhos. Ela conhecia os dias da semana. Quando
começou a citá-los "sábado, domingo, segunda-feira",
parou por aí e disse "você vai para escola" (isto é, "na
segunda-feira"), como se o assunto estivesse
encerrado. No transcorrer de todos esse
procedimentos, os quais cumpria quase que
automaticamente, após freqüentes e várias repetições
de pergunta ou instrução, ela rabiscava palavras com
espontaneidade: "laranjas", "limões", "bananas",
"uvas", "cerejas", "maçãs", "damascos", "tangerinas",
"panelas", "suco de melancia"; as palavras, às vezes, se
precipitavam umas sobre as outras e obviamente não
eram para ser lidas pelos outros. Muito amiúde ela
interrompia qualquer "conversa" que se relacionava
com "transportes motores" e "a cavalo", o que –
segundo o pai o deixou preocupado por algum tempo.
Ela disse, por exemplo, "Eu vi os transportes". "Eu vi a
cavalo quando fui para a escola". Sua mãe observava,
"Complementações a fascinam, como também uma
voluta de fumaça ou um pêndulo". Seu pai declarou
previamente: "Manifesta-se nela um recente interesse
por assuntos sexuais na hora em que tomamos banho e
um interesse obsessivo por banheiros". Barbara foi
colocada nas Escolas Devereux, onde está fazendo
alguns progressos no aprendizado de contar coisas
suas às pessoas.
Virginia S., nascida em 13 de setembro de 1931,
morou na escola de treinamento do estado para
oligofrênicos desde 1936, exceto um mês em 1938,
quando foi enviada a uma escola para surdos "como
oportunidade educativa". A doutora Esther L. Richards
que a viu várias vezes, diagnosticou com clareza que
ela não era nem surda nem oligofrênica e escreveu em
maio de 1941:
[...] Virginia fica afastada das outras crianças, (na
escola de treinamento) por que é totalmente diferente
de todas elas. É asseada e ordeira, não brinca com as
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outras crianças e, segundo os principais testes, não
aparece como surda. Mas não fala. A menina se
diverte horas a fio juntado peças de um quebra-
cabeças, ajustando-as até que fiquem armados. Eu a
vi, com uma caixa cheia de pedaços de dois quebra-
cabeças, armar gradativamente as peças de cada um
deles. Todas as conclusões apontam para a existência
de uma normalidade congênita que se manifesta mais
como uma personalidade anormal do que um defeito
orgânico.
Virginia, a mais nova de três irmãos, era filha de
um psiquiatra que confessou em dezembro de 1941:
"Eu nunca gostei de crianças, o que é provavelmente
uma reação pessoal à restrição de movimento
(viagens) e, no mínimo, as interrupções e agitações".
Sobre a mãe de Virginia o marido disse: "Ela
não é, de jeito algum, do tipo maternal. Sua atitude
(em relação à filha) é como se estivesse lidando com
uma boneca, um animalzinho de estimação ou algo
semelhante." Felipe, seu irmão, cinco anos mais velho,
nos acusa de sua severa gagueira aos quinze anos de
idade e cai em prantos quando se diz a ele que tem
tudo o que deseja em casa. "O único momento", disse
ele soluçando "que meu pai tem alguma coisa a ver
comigo é quando me xinga por ter feito algo errado".
Sua mãe nada fez para melhorar as coisas. Ele sente
que toda a sua vida foi vivida numa "atmosfera gelada"
com dois estranhos inabordáveis. Em agosto de 1938,
o psicólogo da escola de treino observou quer Virginia
podia responder a sons, à chamada de seu nome e a
instruções, "olhe!". Ela não presta atenção no que lhe
está sendo dito mas entende com rapidez o que se
espera dela. Seu desempenho reflete discriminação,
cuidado e precisão. Ela acusou, através dos itens de
não-linguagem dos testes de Binet e Marill Palmer, um
Q.I. de 94. "Sem dúvida", comentou o psicólogo:
[...] sua inteligência é superior a isso... Ela é quieta,
solene, composta. Não a vi sorrir uma única vez. Ela
se encolhe dentro de si mesma, segregando-se dos
outros. Parece estar num mundo só dela, esquecida de
tudo, mas ser o centro de interesse da situação
orientada. Ela é muito auto-suficiente e independente.
Quando outros invadem sua integridade, tolera-os
com indiferença. Não há manifestação de amizade ou
interesse nas pessoas. Por outro lado, ela encontra
prazer em lidar com as coisas, através do que mostra
imaginação inventiva. É típico, não há manifestação
de afeição... Nota do psicólogo em outubro de 1939 –
hoje, Virginia ficou muito mais à vontade no
consultório. Lembrou-se (depois de mais de uma ano)
onde os brinquedos eram guardados e pegou-os. Foi
impossível persuadi-la a participar de procedimentos
de teste, pois ela não esperava pelas demonstrações
quando exigidas. Movimentos rápidos e habilidosos.
Tentativa e erro seguidas de acerto. Poucos
movimentos supérfluos. Um novo teste imediato
reduziu o tempo e o erro a menos da metade. Há
momentos, a maioria deles, em que ela fica
completamente alheia a tudo, exceto a seu foco
imediato de atenção... Janeiro de 1940. A maior parte
do tempo ela fica calada, como se sempre tivesse
trabalhado e brincado sozinha. Nunca desafiou
autoridade ou causou qualquer transtorno. Durante
atividades em grupo, se torna inquieta, contorce-se, e
quer sair para satisfazer sua curiosidade sobre algo
que está em outro lugar. Produz alguns sons locais,
chorando ao extremo se repreendida ou contrariada
por outra criança. Ela canta para si mesma, de boca
fechada, e, em dezembro, ouvi-a cantar com
perfeição, a melodia de um hino natalino enquanto
colava correntes de papel. Junho de 1940. As meninas
da escola disseram que Virginia falou algumas
palavras quando estavam no chalé. Lembraram-se de
que ela gosta muito de doces e disse "chocolate",
"marshmellow", "mama" e "nenê".
Quem a reviu, em 11 de outubro de 1942, avistou
uma menina alta, esbelta, bem vestida, de onze anos
de idade. Quando chamada, levantou-se e aproximou-
se, sem olhar uma única vez para a pessoa que a
chamou. E ali ficou, alheia, olhado para o espaço. De
vez em quando, ao responder perguntas, sussurrava
"mama", "nenê". Quando se formou um grupo em
volta do piano, uma criança a tocar e outras a cantar,
Virginia sentou-se, dando a impressão de não notar o
que estava acontecendo, de estar totalmente absorta.
Não pareceu dar-se conta do momento em que as
crianças pararam de cantar. Quando o grupo se
dispersou, ela não mudou de posição e pareceu não ter
consciência da mudança de cena. Tinha uma
fisionomia inteligente embora apresentasse uma
expressão vazia nos olhos.
Herbert B. nos foi trazido em 5 de fevereiro de
1941, com três anos e dois meses de idade. Pensava-se
que tinha um sério retardo nas faculdades intelectuais.
Seu eletroencéfalograma foi normal. Herbert nasceu
em 16 de novembro de 1937, duas semanas antes do
prazo, através da decisão de uma cesariana. Pesava
então 2 quilos e oitocentos gramas. Desde o
nascimento até o terceiromês de idade, vomitou todo
o alimento que ingeria. Depois, o vômito cessou quase
abruptamente e, exceto ocasionais regurgitações,
prosseguiu alimentando-se satisfatoriamente. Segundo
sua mãe, ele "sempre foi lento e calado". Durante um
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certo tempo, julgou-se que era surdo, por que "não
mudava de expressão quando lhe falávamos ou quando
na presença de outras pessoas; além disso não tentava
falar ou formar palavras". Ele levantou a cabeça aos
quatro meses e sentou aos oito, mas não tentou andar.
Aos dois anos, de repente, começou a andar sem antes
engatinhar ou apoiar-se em cadeira. Recusou-se
terminantemente a tomar líquidos a não ser em
recipientes todos de vidro. Certa vez, quando em um
hospital, ficou três dias sem tomar líquido, por que
este lhe era dado em canecas de estanho. Ele tinha um
medo terrível de água corrente, queimadores de gás e
várias outras coisas. "Fica aborrecido com a mudança
de algo a que está acostumado: se se dá conta de
alguma modificação, dica nervoso e chora". Mas ele
próprio gostava de levantar e baixar cortinas, rasgar
caixas de papelão em pedacinhos e brincar com eles
por horas e fechar e abrir as folhas das portas. Os pais
de Herbert separaram-se logo após seu nascimento. O
pai, um psiquiatra, foi descrito como "um homem de
inteligência fora do comum, sensível, impaciente,
introspectivo, que se leva muito a sério, não
interessado pelas pessoas (mas em si próprio) e às
vezes dado ao álcool". Sua mãe, uma física, fala de si
mesma como "ativa e saliente, amante das pessoas e
crianças mas com pouca vivência de seus problemas –
de forma que acha mais fácil e melhor aceitar as
pessoas como são do que procurar entendê-las.
Herbert é o caçula de três filhos. O segundo é um
menino normal, saudável. A mais velha, Dorothy,
nascida em junho de 1934, depois de 36 horas de duros
trabalhos de parto, parecia ligada e responsiva como
um menino e pronunciou muitas palavras com dezoito
meses; lá pelo fim do segundo ano de vida ela "não
mostrou grandes progressos em seus relacionamentos
infantis ou nos contatos com outras pessoas". Gostava
que a deixassem em paz, dançava em círculos, fazia
estranhos ruídos com a boca e ignorava
completamente as pessoas, exceto a mãe, a quem se
agarrava "em pânico e com uma agitação
generalizada". (Seu pai a detestava ostensivamente).
"Sua fala era muito pobre e a expressão de idéias
completamente falha. Tinha dificuldades com os
pronomes e repetia "você" e "eu" em vez de usá-los
adequadamente". Primeiro foi declarada imbecil,
depois esquizofrênica e em seguida os pais se
separaram (o filhos ficaram com a mãe) e ela
desabrochou. Agora freqüenta a escola onde está
fazendo bons progressos; ela fala bem, tem um Q.I. de
cento e oito e, embora sensível e moderadamente
receosa – está interessada em gente e fica sozinha
razoavelmente bem. Quando examinado pela primeira
vez, Herbert mostrou uma fisionomia
extraordinariamente inteligente e boa coordenação
motora. Dentro de certos limites, manifestou
espantoso despropósito na busca de objetivos auto-
selecionados. Dentro de um grupo de blocos, ele logo
descobriu aqueles que estavam colados num quadro e
aqueles que podiam ser retirados. Ele poderia
construir uma torre de blocos alta, com facilidade,
como qualquer criança de sua idade ou mesmo mais
velha. Não podia ser interrompido nas ocupações que
ele próprio escolhia. Ficava contrariado com qualquer
interferência, afastando os intrusos para longe (sem
mesmo olhar para eles) ou gritando se não o
conseguisse. Vimo-lo outra vez com quatro anos e sete
meses e ainda com cinco anos e dois meses de idade.
Ainda não falava. Em ambas as vezes entrou no
consultório sem prestar a mínima atenção às pessoas
presentes. Ele dirigiu-se em seguida ao quadro de
Seguin e imediatamente ocupou-se, colocando as
figuras em seus devidos espaços e tirando-as outra vez
deles, hábil e rapidamente. Quando se interferia, ele
choramingava impaciente. Quando um figura era
furtivamente removida, ele notava sua falta de
imediato, ficava perturbado, mas esquecia-se
completamente do fato quando ela era reposta no
lugar. Às vezes, quando por fim se aquietava, depois de
se aborrecer por causa da remoção de figuras do
quadro, ele punha-se a saltar para cima e para baixo
em cima do sofá, com uma expressão estática no rosto.
Não respondia ao ser chamado nem a qualquer outra
palavra que lhe fosse endereçada. Ficava
completamente absorto no que estava fazendo, fosse o
que fosse. Ele nunca sorria. Às vezes, emitia sons
inarticulados como se estivesse cantando
monotonamente. Certa vez ele deu uma leve batida na
perna da mãe e depois tocou a com os lábios. Levava
constantemente blocos e outros objetos aos lábios.
Houve uma semelhança quase fotográfica em seu
comportamento durante as duas visitas, com uma
importante exceção a ser levada em conta: aos quatro
anos mostrou-se impressionado e afastou-se quando
se acendeu um fósforo em sua frente, enquanto aos
cinco sua reação foi de saltar estaticamente.
A mãe de Alfred L. nos trouxe a criança em
novembro de 1935, com três anos e meio de idade e a
seguinte queixa:
[...] ele tem demonstrado gradativamente uma
tendência marcante para desenvolver um interesse
especial que domina completamente suas atividades
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diárias. Ele fala de outras coisinhas quando o
interesse subsiste mas fica descontente quando não é
capaz de entregar-se a ele (vendo-o entrando em
contato com ele, fazendo desenhos sobre ele) e é difícil
obter sua atenção quando fica assim preocupado...
Tem também sido um problema seu grande apego ao
mundo dos abjetos e o insucesso para desenvolver
nele uma dose comum de consciência social.
Alfred nasceu em maio do 1932, três semanas
antes do prazo marcado. Nos primeiros dois meses "a
dieta alimentar causou considerável preocupação, mas,
depois, ele se refez rapidamente e tornou-se um bebê
excepcional, grande e vigoroso". Sentou-se com cinco
meses e andou com quatorze.
[...] a linguagem desenvolveu-se lentamente; ele
parecia não ter interesse nela. Raramente ele conta
uma experiência, confunde pronomes, nunca faz
perguntas em forma de perguntas (com a devida
inflexão). Quando fala, tem uma tendência a repetir
indefinidamente uma palavra ou declaração.
Também nunca diz uma sentença sem repeti-la.
Ontem quando olhava um gravura disse uma porção
de vezes: "algumas vacas estão na água". Nós
contamos, por cinco vezes repetiu a mesma frase e
parou para depois começar de novo. Nós temos tido
uma boa dose de "preocupações". Ele choraminga
quando pomos o pão no forno para torrar. Fica com
medo que ele queime e também que machuque. Fica
perturbado quando o sol se põe. Fica aborrecido por
que a lua nem sempre aparece no céu à noite. Prefere
brincar sozinho; desce de um brinquedo mecânico
assim que outra criança se aproxima. Gosta de
trabalhar em algum projeto com caixas grandes
(fazer um bonde, por exemplo) e não quer que
ninguém interfira ou toque nele.
Quando impedido de chupar infantilmente o
polegar por causa de artificiosas invenções mecânicas,
substituía o ato colocando vários objetos na boca. Não
foram raras as ocasiões em que achamos seixos em
suas fezes. Pouco antes de seu segundo aniversário, ele
engoliu algodão de um coelho de páscoa, aspirando-o
de forma que foi necessário fazer traqueostomia.
Alguns meses mais tarde, engoliu um pouco de
querosene "de efeito não nocivo". Alfred era filho
único. O pai, com trinta anos na data de seu
nascimento, "não se sentia bem quando ficava a sós
com pessoas, era desconfiado, magoava-se facilmente,
enfurecia-se facilmente,tinha que ser arrastado para
visitar os amigos, ocupava o tempo livre lendo,
cuidando do jardim e pescando". Ele é químico e
advogado. A mãe, da mesma idade, era "psicóloga
clínica" bastante obsessiva e excitável. Os avós
paternos morreram cedo; o pai foi adotado por um
ministro. O avô materno, um psicólogo, era
severamente obsessivo, tinha inúmeros tiques, "lavava
as mãos constantemente, demorava-se na análise de
uma única linha, tinha medo de ficar sozinho e de
estimulantes do coração". A avó, "pessoa excitável e
explosiva, que fez várias palestras públicas e publicou
vários livros, jogadora solitária, imensamente
preocupada com assuntos financeiros". Um tio por
parte de mãe fugiu de casa e da escola para juntar-se
aos fuzileiros navais, tendo mais tarde, se encontrado
ajustando-se esplendidamente à vida comercial". A
mãe deixou o marido dois meses depois do nascimento
de Alfred. A criança ficou com a mãe e os avós
maternos. "Na casa há uma creche e um jardim de
infância (que a mãe vai tocando), o que cria um pouco
de confusão para a criança". Alfred não viu o pai até os
três anos e quatro meses de idade, quando a mãe
decidiu que "ele devia conhecer o pai" e "tomou
providências para que este viesse à casa ver o menino".
Depois de entrar no consultório, Alfred não prestou
atenção naquele que o examinava. Descobriu
imediatamente um trem na prateleira dos brinquedos,
pegou-o e pôs-se a ligar e desligar os vagões de
maneira lenta e monótona. Repetia várias vezes "mais
trem – mais trem – mais trem". Contou
sucessivamente as janelas de um vagão: "uma, duas
janelas – uma, duas janelas – uma, duas janelas –
quatro janelas, oito janelas". Sua atenção não se
desviava do trem. Tentou-se um teste de Binet numa
sala onde não havia trens. Foi possível, com muita
dificuldade, vez ou outra, penetrar além de sua
preocupação. Ele finalmente cedeu em muitas ocasiões
de uma forma que indicava claramente que queria
acabar com aquela intrusão; isto se repetiu em cada
item da tarefa. No fim foi registrado um Q.I. de cento e
quarenta.
A mãe não o trouxe de volta depois desta primeira
consulta por causa de "sua contínua aflição quando se
defrontava com um membro da equipe médica". Em
agosto de 1938, ela mandou, em resposta a uma
solicitação, um relato escrito de seu desenvolvimento.
Foi extraído o seguinte trecho deste relato:
[...] ele é chamado de lobo solitário. Prefere brincar
sozinho e evita grupos de crianças para brincar. Não
presta muita atenção aos adultos, exceto quando quer
ouvir estórias. Evita competição. Ele lê estórias
simples para si mesmo. Tem muito medo de ferir-se,
fala muito sobre o uso da cadeira elétrica. Entra em
pânico quando alguém, acidentalmente, cobre o
rosto.
Alfred voltou à baila outra vez em junho de 1941.
Seus pais decidiram viver juntos. Antes disso, o garoto
havia estado em onze escolas diferentes. Esteve muitas
vezes de cama em decorrência de resfriados,
bronquite, catapora, infecção por estreptococus,
empetigo e uma condição vagamente descrita que a
mãe – não obstante afirmações contrárias de vários
pediatras – insistia tratar-se de "febre reumática".
Enquanto esteve no hospital, disseram que se portou
"como um paciente maníaco". A mãe tinha que bancar
o psiquiatra e fazer diagnósticos psiquiátricos do filho.
Do relatório da mãe, que combinava uma obsessiva
enumeração de ocorrências pormenorizadas com
"explanações" que tentavam provar a normalidade de
Alfred, foram coletadas as seguintes informações:
Ele começou a brincar com crianças menores do
que ele, "tratando-as como bonecos – é tudo". A
criança foi empanturrada de música, de dramas e
recitais e teve uma formidável ressaca de memória não
podendo nem relatar:
[...] ele tem muitos medos, quase sempre ligados a
barulhos mecânicos (moedor de carne, aspirador de
pó, carros na rua, trens, etc.). Geralmente ele voa,
com um interesse obsessivo para as coisas de que tem
medo. Agora ele tem os latidos estridentes do
cachorro.
Alfred ficou extremamente tenso durante toda a
entrevista e muito seriamente disposto, e tanto, que se
não fosse por sua voz juvenil, teria dado a impressão
de um homenzinho ansioso e preocupado. Ao mesmo
tempo, estava muito impaciente e deu mostras de
forçar a fala que nada tinha de pessoal em si mas se
constituiu de perguntas obsessivas sobre janelas,
sombras, salas escuras, e especialmente sobre a sala de
raio X. Ele nunca esboçou o mais leve sorriso.
Nenhuma mudança de tópico, o desviaria de seus
tópicos de luz e sombra. Mas na verdade, ele foi
respondendo as perguntas do médico, que
freqüentemente tinham que ser repetidas, várias vezes,
como numa espécie de barganha – "Você responde
minha pergunta que eu respondo a sua". Ele era
esmeradamente específico em suas definições. Um
balão "é feito de fibra de borracha e tem gás. Às vezes
eles sobem para cima e às vezes eles podem ser
guiados, e quando tem um furo neles, eles explodem; e
se as pessoas os apertam eles explodem. Não é assim
mesmo?". "Um tigre é uma coisa animal. Listado como
um gato, pode arranhar como gente selvagem, vive na
selva ou na floresta. Principalmente na selva. Não é
isso?". Essa pergunta "Não é isso?", devia ser
definitivamente respondida; havia aí um desejo muito
sério de confirmação de que as definições tinham sido
suficientemente completas. Ele fazia constantemente
confusão a respeito do significado das palavras.
Perante uma mostra de gravura e a pergunta, "Sobre o
que é esta gravura?" ele retrucou, "Gente se movendo
sobre". Certa vez ele parou e perguntou, todo perplexo,
por que o "Hospital John Hopkins" estava estampado
no folheto que continha sua história : "Por que eles
tem que contar isto? ". Este assunto, para ele, era um
problema verdadeiro, de grande importância, sobre o
qual se devia pensar e discutir, "Já que pegamos a
história no hospital, por que é necessário que o nome
apareça em cada página? A pessoa que escreveu não
sabia onde estava escrevendo? O clínico que o
examinava, de quem ele se lembra de sua visita há seis
anos atrás, era para ele nada mais e nada menos que
uma pessoa destinada a responder suas perguntas
obsessivas sobre luz e sombra.
A mãe de Charles N. o trouxe a nós em 2 de
fevereiro de 1943, com 4 anos de idade, e sua principal
queixa era de que "O que mais me transtorna é o fato
de não conseguir entender meu filho". Ela apresentou
seu relatório dizendo: Estou tentando seriamente não
governar minhas observações pelo conhecimento
profissional que no momento faz parte de minha
própria maneira de pensar. Como criança o menino
era inativo, "lento e apático". Deitado no divã, ali ficou,
com os olhos arregalados, só olhando. Agia como que
hipnotizado. Parecia concentrar-se em fazer uma coisa
de cada vez. Suspeitou-se de hipotiroidismo, e lhe foi
ministrado extrato de tiróide sem ter havido mudança
no quadro geral.
[...] seu prazer e gosto pela música, encorajou-me a
tocar discos. Quando ele tinha um ano e meio de
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idade, podia diferenciar dezoito sinfonias. Reconhecia
o compositor, logo que o primeiro movimento
começava. Ele dizia "Beethoven". Com a mesma
idade, começou a girar brinquedos, tampas de
garrafa e potes a toda hora. Tinha grande habilidade
na mão esquerda para fazer girar cilindros. Ao olhá-
los girar, ficava severamente excitado e pulava para
cima e para baixo em êxtase. Agora anda interessado
em refletir luz nos espelhos e caçar os reflexos.
Quando ele fica interessado em algo, ninguém pode
demovê-lo. Não presta atenção em mim e dá mostras
de não me reconhecer quando entro na sala... O mais
impressionante de tudo é seu desligamento e sua
inacessibilidade. Ele anda como se estivesse nasnão podem ser reduzidos a uma interpretação, e não se
prestam à compreensão cognitiva. Uma clínica diferente pois
coloca o analista no lugar de escutar um "discurso" não
representativo. A ação do analista deve ser então a de criar
novas formas de interpretação.
Sendo assim, sugiro a hipótese que a relação analítica existe
desde o primeiro encontro. Ela não deve ser criada, e sim
estabelecida a princípio por meio de uma nova natureza de
interpretação.
Alguns psicanalistas, a exemplo de Laznik-Penot, reconhecem
valor significante em toda produção da criança, gestual ou
linguageira. Segundo eles, se o analista reconhece que alí ( em
qualquer produção) existe uma mensagem, a criança poderá
se reconhecer a posteriori como fonte dessa mensagem.
Depois da leitura da obra de S.Langer e refletir sobre as
minhas experiências como analista de crianças autistas, estou
mais inclinada a reconhecer o primeiro encontro com a criança
autista como uma experiência analítica inominável.
Tomo emprestada a crítica de Júlia Kristeva(1996) a Lacan, em
seu texto "A sensação é uma linguagem". Na crítica ela se
referiu ao autor, como um cultivador de uma pressa lógica em
identificar o que é pré-linguagem e linguagem. Essa pressa
essa que pode apagar a estratificação do aparelho psíquico,
isto é, pagar os estágios anteriores da linguagem, os "quase
símbolos", entre eles os gritos, as imitações e as percepções-
excitações. Os "quase símbolos? ao serem compreendidos
como significantes, reduzem as experiências inomináveis aos
"significantes puros". A capacidade perceptiva e sensorial do
analista pode desaparecer por causa a esta tendência de
interpretar mensagens advindas dos significantes.
Em suma, o estabelecimento de uma relação psicanalítica com
uma criança autista o analista na posição de compreender o
lapso de tempo que o sujeito não recorda. Este tempo abrange
o período de aprendizado da linguagem, um período sensorial
intraduzível pelas vias cognitivas. Nessa fase primitiva em que
se encontra a criança autista, nenhuma experiência pertence
ainda a qualquer classe. As ações audíveis de Maria pareciam
ser para ela completamente absorventes, inesperados,
repetitivos e para mim misteriosos. A partir do encontro com
estas ações audíveis, foi possível estabelecer uma relação
analítica com Maria. Um encontro não marcado pela ação de
interpretar mas por uma escuta psicanalítca abrangente o
suficiente para experenciar fenômenos intraduzíveis da
constituição do "eu".
Finalmente, considero que fazer das técnicas aqui
apresentadas um fator indicador do que é ou não psicanálise, é
colocar em risco a primazia da escuta clínica tão bem
fundamentada pelo pai da psicanálise. A questão primordial
que a criança autista nos coloca é a da escuta do inominável,
como fazê-lo dentro da tradição simbólica da psicanálise?.
Talvez seja necessário pedir emprestado à filosofia alguns
conceitos, assim como foi feito com a noção de símbolo
apresentativo, que nos permitam refletir sobre a questão
imposta pela clínica com a criança autista.
NOTAS
Maria já havia passado pela clínica médica onde fez todos os
exames neurológicos de praxe. Todos foram negativos e o
psiquiatra lhe conferiu o diagnóstico de autismo, com a
recomendação de que ela deveria ter uma educação especial ,
tomar remédios para diminuir a hiperatividade, fazer
fonaudiologia e terapia comportamental. . Esta é a
recomentação prescrita no DSM IV
Segundo a psiquiatria clássica estes dois movimentos, o
balançar as mãos e o andar nas pontas dos pés, são
considerados comportamentos estereotipados, sem nenhuma
função de comunicação. O tratamento médico psicológico
comportamental tem como objetivo extinguir tais
comportamentos.
F. Tustin (1990) nos apresenta um convincente material clínico
para demonstrar como as crianças autistas vivenciam seu
corpo, no encontro com o outro, como uma ameaça física, uma
catástrofe. Uma das crianças autistas, atendidas por ela,
designou esta sensação como um medo de cair em "um buraco
negro". Outros autores designam esta ameaça como "angústia
impensada" ( Winnicott, ), "angústia
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