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ABORDAGEM SOCIAL: 0 SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE Hans Thomae É de conhecimento quase geral fato de que a história da ciência também tem seus aspectos sociais. Na visão de Ruyssen (1928), desen- volvimento da filosofia francesa, no final do século XVIII e início do século XIX, foi determinado pelas revoluções de 1789 e 1830. Mas Scheler (1926) escreveu a respeito de uma "sociologia do conhecimento", e Mer- ton (1938) defendeu a hipótese de que 0 progresso da ciência na Ingla- terra durante o século XVII foi resultado do crescimento do puritanismo e de seu sistema de valores utilitários. Hofstätter (1957) chamou atenção para a influência da herança puritana na Nova Inglaterra, nas origens do behaviorismo americano, enquanto Woodworth (1930) explicou o aumento do behaviorismo em termos de um conflito entre gerações: behaviorismo em 1912-1914 era um "movimento da juventude". Watson era jovem, e seus seguidores eram principalmente da geração mais jo- vem (Woodworth 1930, p. 62). Esses jovens psicólogos do início da dé- cada de 20 acreditavam que J. B. Watson seria capaz de acabar com antigos mistérios, incertezas, complexidades e dificuldades, herança da filosofia da qual "velhos" psicólogos não conseguiam se livrar (op. cit.). O papel dos grupos sociais no progresso científico foi estudado por Griffith e Mullins (1972), usando a pesquisa sobre condicionamento operante e a percepção auditiva (Stevens) como exemplos. Quase todo tipo de historiografia da psicologia deve incluir conside- rações do impacto das condições e processos sociais. Assim, Boring (1929) descreve crescimento da psicologia como parte integral da ciência moderna, e de suas fundações econômicas e tecnológicas. Flugel (1933) deu uma viva descrição dos modos em que a nova psicologia experi- mental era concebida nas tradicionais faculdades britânicas, como as de Oxford, e das barreiras sociais que se opunham à sua aceitação. BauerPARTE IV ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS ABORDAGEM SOCIAL: SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE (1954) e Kussmann (1974), entre outros, apresentaram análises cuidado- Helmholtz e Wundt, embora ele também se refira aos filósofos dos sé- sas da interação entre as mudanças políticas na União Soviética e o de- culos XVII e XVIII (como Descartes, Hume, Kant). senvolvimento da psicologia naquele país. Watson (em Brožek e Evans, O início da psicologia como ciência estabelecida remonta aos tempos 1966, pp. 83ss.) apontou para as reformas na estrutura organizacional das da fundação do "primeiro laboratório de psicologia do mundo" (Boring, universidades e faculdades americanas que, no final do século XIX, per- 1929, pp. 324ss.), no ano de 1879 Na autobiografia de Wundt não é feita mitiram aos jovens cientistas americanos, formados na Europa, estabele- referência a esse ano. O próprio Wundt fala de um esforço contínuo vi- cer departamentos independentes para a psicologia, enquanto na Europa sando conseguir espaço para a realização de experimentos psicológicas esse domínio permaneceu vinculado à filosofia por mais meio século. desde o tempo em que foi nomeado para a Universidade de Leipzig, em Idéias de Hegel, Marx e Lenin foram aplicadas ao estudo das in- 1875 (Wundt, 1920, p. 304). Segundo Kossakowski (1966), que teve acesso fluências sociais sobre os desenvolvimentos científicos na psicologia, nas aos arquivos da Universidade de Leipzig, Wundt tinha uma sala para o contribuições de Holzkamp (1973), Arnold (1975), Katzenstein (1978) e armazenamento dos instrumentos utilizados para demonstrações em suas Meischner (1975, 1979), especialmente com referência à "fundação" da palestras e para estudos experimentais. No ano de 1879, recebeu permis- psicologia científica por Wilhelm Wundt no final do século XIX. são para usar esse local para experimentos realizados pelos alunos. Aqui devemos apresentar evidências para uma teoria multidimen- Foi apenas em 1883, depois da publicação do primeiro volume de sional da interação entre ciência e sociedade, segundo a qual desen- Philosophical Studies, incluindo relatórios de experiências realizadas em volvimento científico é resultado de um complexo conjunto de fatores caráter privado, que 0 laboratório foi registrado oficialmente entre os sociais e processos cognitivos, organizacionais, de atitude e motiva- Institutos da Universidade (Kossakowski, 1966, p. 717). No mesmo ano cionais que operam dentro de um vasto quadro cultural-econômico- de 1883, o Instituto recebeu algum dinheiro. tecnológico (Thomae 1977). Vamos nos concentrar no crescimento da psicologia como uma ciência independente, acrescentando alguns ou- tros "casos" para ilustrar melhor tema. Inícios alternativos Ao considerar as origens da psicologia empírica, Dessoir (1902) in- cluiu a contribuição de um grupo de pensadores que existia fora da A psicologia tem suas raízes na filosofia ou na fisiologia? filosofia, assim como da fisiologia. Os moralistas franceses como La Rochefoucauld (1613-1680), La Bruèyre (1645-1696), Vauvenargues (1715- De acordo com uma afirmação freqüentemente citada, a psicologia 1747) e Chamfort (1741-1794) disputavam entre si, e com autores como é uma ciência com longo passado, mas uma história curta. Isso aponta Gracianus, a observação do comportamento humano e como desvendar para um dilema básico na historiografia da psicologia. O "longo passa- sua dinâmica. Qualquer estudo contemporâneo de força da motivação, do" remonta às filosofias de Aristóteles e Platão, enquanto a "história controle do comportamento ou mecanismos de defesa poderia usar esses curta" começa na metade ou no final do século XIX. Parece ser uma textos como importantes recursos de informação. Enquanto os "moralis- questão do Zeitgeist (freqüentemente mencionado por Boring como uma tas" eram principalmente nobres franceses, o grupo de médicos, sacer- construção explanatória), gerado pelos formadores de opinião, a questão dotes e educadores que publicava no Magazine of Empirical Psychology de se a história da psicologia deve ou não incluir seu "longo passado". (Magazin der Erfahrungsseelenkunde) editado por Karl Philipp Moritz, Dessoir (1894, Klemm (1911), Rubenstein (1940, 1958), Anschütz pertencia à classe média. Em oposição à tendência dominante na filoso- (1953), Hehlmann (1963), Mueller (1960) e Watson (1963) começaram fia alemã do século XVIII, simbolizada pela Psychologia rationalis de sua história com a filosofia grega. Flugel (1933) cobriu cerca de cem Christian Wolff (1679-1745), os colaboradores do periódico de Moritz anos de psicologia, começando com as publicações de Herbart (1824/ reportavam relatos sobre observações de "estranhas personalidades", 1825), Brown (1820) e Mill (1829). Boring (1929) discutiu as origens da problemas de comportamento e "comportamento do dia-a-dia do ho- "moderna psicologia" dentro do quadro da história da ciência moderna, mem que pensa e tem consciência" (VIII, p. 164). Eram solicitados "fa- fundada no Renascimento. De acordo com essa teoria, a psicologia de- tos" a respeito do homem, e não "conversa fiada ao mesmo senvolveu-se a partir da fisiologia, na primeira metade do século XIX. tempo que se publicavam documentos autobiográficos acompanhados A "fundação" da psicologia é acompanhada por Boring desde Fechner, de comentários. 376 377ABORDAGEM SOCIAL: SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE PARTE IV ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS das desde Main de Biran, por Voutsinas (1964). No mesmo artigo, Brožek Além da Magazin, de Moritz, havia na Alemanha a Psychological Magazine, editada por C. C. E. Schmid, um Anthropological Journal menciona várias publicações francesas que consideram filósofos como (1803-1804) e periódico Man, publicado entre 1751 e 1757 (Dessoir Descartes, ou moralistas como Montaigne, partes verdadeiras do início 1902, pp. 183-300). Deve-se dizer que um dos poucos conjuntos de da história da psicologia. Isso demonstra impacto da tradição e a identi- exemplares desses periódicos esteve guardado na biblioteca do Instituto ficação com nosso próprio passado cultural na historiografia. de Psicologia de Leipzig até 0 prédio ser destruído por um bombardeio Na biografia de Pavlov, Frolov (1937) considerava Sechenov (1829- aéreo, em dezembro de 1943. Não se conseguiu determinar se próprio 1905) verdadeiro fundador da moderna psicologia, já que havia criado Wundt ou Felix Krueger (1874-1948), que sucedeu a Wundt como dire- "algo novo, ou seja, uma harmoniosa teoria sobre a evolução das facul- tor do Laboratório de Leipzig, adquiriu essas publicações para a biblio- dades psicológicas, começando a partir de simples reflexos" (p. 4). "A teca. O importante é que esses esforços dos "psicólogos empíricos" nova psicologia teria como suas bases, em lugar das filosofias sussurra- poderiam ter sido transformados em uma psicologia baseada no uso de das pelas vozes enganosas da consciência, fatos positivos como pontos "documentos pessoais", conforme recomendado por G. W. Allport (1942). de partida" (Sechenov 1866, citado por Frolov 1937, p. 6). O historiógrafo As abordagens ao estudo da personalidade humana, conforme apre- inglês Flugel, citou Pearson, que recomendava que considerássemos sentado na obra de Allport (1937), Lersch (1938), White (1964), Maslow Galton (1822-1911) como alguém cujas reivindicações como fundador de (1954) ou Thomae (1968), já foram esboçadas em textos de W. V. Humboldt uma nova abordagem à psicologia não são nada inferiores às de Wundt (1796-1797) sobre "individualidade", em que ele usou documentos tra- (Flugel 1950, p. 110). E. L. Thorndike (1930) informou que o "primeiro tando de personalidades históricas. Os estudiosos que se ocupam da assistente" de Wundt, James McKeen Cattell (1866-1944), havia sido coesão e da mudança da personalidade podem encontrar antigas formu- mais influenciado por Galton que por Wundt. L. M Terman (1877-1956) lações do problema na obra de Humboldt. confessou: "Dentre fundadores da moderna psicologia, minha maior Tiedemann publicou, já em 1787, a primeira biografia de um "bebê" admiração vai para Galton" (Terman 1930, p. 331). De acordo com Bently (Kessen, Haith, Salapatek 1970), baseada nas sistemáticas observações (1930, p. 56), os psicólogos americanos, assim como os da Inglaterra, nos do comportamento de uma criança. anos entre 1910 e 1930, não estavam certos de quem seria maior herói Estas e outras abordagens empíricas, que destacam a observação na história da psicologia, se Galton ou Wundt. natural em lugar do trabalho em laboratório, poderiam ter dado forma Hillix (1979) tentou demonstrar que pelo menos metade do corpo a um tipo diferente de psicologia. Mesmo Wilhelm Dilthey (1894) não docente de psicologia da University of San Diego tinha uma genealogia apreciou totalmente esta alternativa, embora tivesse professado uma científica que remontava a Wilhelm Wundt. Concluiu que nenhum psi- "psicologia compreensiva", insistindo em uma abordagem ideográfica, cólogo tinha exercido maior influência na psicologia americana que em sua famosa palestra lida na Academia de Ciências da Prússia, em Wundt. No entanto, entre Wundt bisavô e os professores de 1894. Apesar de os protestos de Dilthey contra a psicologia de labora- psicologia dos dias atuais em San Diego, existem muitos degraus inter- tório de Wundt terem dado origem pelo menos em algumas univer- mediários como J. B. Watson, C. L. Hull, K. W. Spence e B. F. Skinner. sidades européias e japonesas a concepções alternativas da psicolo- Com boas razões podemos levantar a hipótese de que esses cientistas gia, que dependem mais das tradições socioculturais e da história, as foram substancialmente mais decisivos na formação da atitude científica alternativas empíricas a Wundt, sugeridas na obra dos moralistas e de do grupo de pesquisadores estudado por Hillix, do que Wundt foi. K. P. Moritz, tinham poucas chances de se tornar institucionalizadas. Podemos nos referir a outros exemplos em que Wundt não é iden- tificado como fundador da psicologia (Oesterreich 1923, Watson 1963, Pongratz 1967). No entanto, ninguém questionaria fato de que a "fun- Influências sociais sobre a historiografia dação" do Instituto de Leipzig (seja ela datada de 1875, 1879 ou 1883) foi um momento decisivo na história da psicologia, e, independentemen- Em virtude dos muitos "inícios" reais e possíveis da psicologia, a te do papel que tenha desempenhado para a psicologia da metade ou historiografia sempre será influenciada pelo grau em que um autor se do final do século XX, a verdade é que essa instituição determinou a identifica com uma concepção específica da psicologia empírica. De acor- tendência principal na pesquisa psicológica durante muito tempo. do com Brožek (1975), as origens da psicologia francesa são acompanha- 379 378PARTE IV ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS ABORDAGEM SOCIAL: SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE Influências sociais e científicas na seleção das áreas de pesquisa dagens do elementarismo psicológico, da escola de Leipzig (Sander 1928) e o estudo da exemplificam bastante Formado como fisiólogo, Wundt foi convidado a assumir uma cadei- bem impacto da importância de Wundt no estudo sobre os processos ra de psicologia na Universidade de Leipzig, logo após ter sido nomeado sensoriais. Assim, conteúdo da "nova psicologia" foi definido principal- "professor de filosofia em Zurique. O próprio Wundt informou mente pela formação científica de Wundt (Ben-David e Collins 1966). que a oferta de Leipzig tinha muito a ver com a falta de interesse nas questões de filosofia nas faculdades de Artes e Ciências, no final do século XIX (Wundt 1920, pp. 287ss.). Essa falta de interesse pela filosofia tinha "dualismo" metodológico de Wundt suas origens no declínio das grandes filosofias idealistas de Kant e Hegel, e no crescimento da física, da matemática e da química (Oesterreich Por outro lado, não podemos nos esquecer de dois fatos: 1. a psico- 1923, p. 346). Assim, rápido desenvolvimento das ciências naturais faci- logia experimental, baseada nos estudos da percepção, também existia litou a nomeação de um fisiólogo para uma cadeira de filosofia. fora de Leipzig e independente dessa Universidade, isto é, em Göttingen; No entanto, somente a situação específica da faculdade de Leipzig 2. mais importante ainda, Wundt não teve êxito em convencer seus permitiu de fato que acabasse sendo bem-sucedida a solução de um pro- colegas, ou mesmo seus antigos assistentes, de que sua separação da blema de substituição de um membro da equipe, que já vinha de longa psicologia em "fisiológica" e "sociocultural" era uma solução viável. data (substituição proposta por Zöllner, professor de astrofísica). Como O "término" de sua obra com a Völkerpsychologie de 10 volumes foi ninguém no corpo docente estava muito interessado em filosofia, todos a preocupação principal de Wundt entre os 68 e 88 anos de idade. A mostraram-se felizes em trazer Wundt de volta de Zurique para Leipzig, tarefa era urgente, uma vez que Wundt acreditava que o método expe- para preencher uma vaga nessa equipe (Wundt 1920, pp. 1287ss.). rimental restringia-se em sua aplicação aos processos mentais "sim- Zöllner conhecera Wundt na Universidade de Zurique, e esse fato ples", enquanto os processos mentais complexos, como pensamento e social ajudaria a determinar a nomeação de Wundt para Leipzig. É ver- a motivação, podiam ser estudados apenas pelo uso de material coletado dade que, sem as publicações de Wundt sobre a percepção, e sua obra na área da antropologia cultural. Vorlesungen über Tier- und Menschenseele (1863), Zöllner não teria sido Esta orientação metodológica pode ter sido reforçada por seu am- capaz de convencer os diretores de Leipzig de que Wundt era a pessoa biente profissional dentro do corpo docente das artes liberais de Leipzig, certa. No entanto, se grupo fosse outro, e outras as pessoas que dirigiam mas plano de escrever uma psicologia comparativa de culturas já corpo docente, Wundt poderia não ter sido considerado homem certo. havia sido delineado em 1863, no livro de Wundt Vorlesungen über A fisiologia da sensação estava bem desenvolvida na Alemanha, Menschen- und Tierseele. No entanto, não foi antes da última década do meçando pela pesquisa de Johannes Müller, além de diversas aborda- século XIX que ele começou a insistir na idéia de um dualismo metodo- gens que visavam ao estabelecimento de uma psicologia "empírica" fo- lógico na psicologia: o uso dos experimentos, conforme desenvolvidos calizada na sensação e na percepção, de acordo com as tradições do na fisiologia dos processos sensoriais, para estudo das partes mais sensualismo inglês e francês. Assim, houve uma combinação de determi- "elementares" da consciência, e o uso de dados culturais antropológicos nantes científicas e sociais que propiciaram a ida de Wundt para Leipzig. como base para o estudo de fenômenos mentais mais complexos. Wundt Mas foi próprio Wundt quem concluiu que a melhor maneira de desen- reagiu muito contra aqueles colegas que desejavam "restringir" a psi- volver uma psicologia científica viável seria baseá-la nos métodos desenvol- cologia à condição de uma ciência experimental: vidos na fisiologia dos processos sensoriais (ver também Vorweg 1980). Ele "Pode ser válido chamarmos as áreas mais elementares da psico- escreveu: "Assim, eu tentei, em meus Princípios da psicologia fisiológica, de 1874, estudar assunto a partir da base mais simples e já conhecida, ou logia de 'psicologia e considerarmos a experimen- seja, a psicologia da sensação e da percepção" (Wundt 1920, p. 194). tação como uma característica que a diferencia da velha psicolo- gia que não utilizou seu método experimental. Certamente está Com esta decisão lançavam-se os fundamentos de uma forte tendên- bastante errado, no entanto, considerar a psicologia experimental cia na psicologia, algumas vezes citada como "imperialismo da percep- como idêntica à psicologia como um todo, já que existem áreas ção" (MacLeod, 1951). A tendência foi suficientemente forte para influen- que, por sua natureza, não são acessíveis à experimentação. Estas ciar diversas gerações de psicólogos, até mesmo nos dias atuais. As abor- áreas compreendem desenvolvimento do pensamento, assim 380 381ABORDAGEM SOCIAL: SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE PARTE IV ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS como outros problemas de desenvolvimento a ele vinculados, tais Wundt decidiu não recomendar como chefe do Instituto aquele que como a fantasia artística, a mitologia, a religião e a moralidade" foi seu colaborador durante muitos anos, Wilhelm Wirth, que em 1908 (Wundt 1921, p. 537). publicara uma "análise dos fenômenos conscientes", com base em rigo- rosas experiências sobre a percepção, a atenção e a tomada de decisões. O dualismo metodológico de Wundt não foi seguido por seus cole- Wundt preferiu Felix Krueger, que mostrou a promessa de manter a gas de fora de Leipzig. Eles se concentravam firmemente nos processos tendência metodológica dualista no Instituto de Leipzig. elementares, ou tentavam aplicar método experimental a problemas Embora tivesse pessoalmente resolvido problema do dualismo do pensamento, decisão e ação. Wundt desejou interferir nesse desen- confiando na argumentação fenomenológica e filosófica, Krueger esfor- volvimento por meio de sua crítica sarcástica ao trabalho de seu antigo çou-se pelo uso e melhoramento das instalações do Instituto de Leipzig assistente, Oswald Külpe, e de Karl Bühler (Wundt 1907, 1908). Esses para a pesquisa experimental, seguindo as normas definidas pelos pri- representantes da "Escola de Würzburg" usavam método da intros- meiros pioneiros e padrões estabelecidos pelas novas possibilidades para a análise da solução de problemas. Para aqueles que iden- técnicas. Considerando a falência financeira da Alemanha depois da tificam Wundt com a "introspecção", pode ser surpreendente fato de Primeira Guerra Mundial, a indicação de Krueger foi a melhor escolha que, na disputa com grupo de Würzburg (e em muitas outras oca- que corpo docente poderia ter feito. Isto é verdade mesmo considerando siões), ele se posicionou firmemente contra a introspecção, apontando determinadas tendências no sentido de um exagero da ênfase sobre a para as muitas deficiências desse método, como OS erros de lembrança, filosofia nos textos de Krueger (Krueger 1939a). Importantes contribuições a distração da atenção e a pouca confiabilidade dos relatórios. O Wundt à psicologia, feitas no Instituto de Leipzig depois de Wundt, entre 1920 e contrário à introspecção poderia ter entrado para a história da psicologia 1939, não foram consideradas na historiografia da psicologia. Por quê? como patriarca do behaviorismo, já que muitos de seus argumentos ba- seiam-se em dados das experiências psicológicas sobre atividade vasomotora e batimentos cardíacos, e em estudos sobre mudanças nos A história posterior do Instituto de Leipzig e papel da rede de tempos de reação sob condições diversas. No entanto, ele insistia em comunicações da ciência que a informação derivada dos estudos comparativos dos mitos, religião e arte primitiva deve ser considerada como a base para estudo dos Boring (1929) faz uma extensa narrativa do desenvolvimento da Escola processos mentais mais elevados. da Gestalt de Berlim, representada por Köhler, Wertheimer, Koffka e As divergências entre dualismo metodológico de Wundt e monis- outros. Não menciona quaisquer das publicações do Instituto de Leipzig mo experimental da maior parte dos psicólogos deste século aponta para sobre Ganzheit, embora Krueger tivesse fundado duas séries, Neue uma limitada influência do "Wundt posterior" sobre cenários nacio- Psychologische Studien (1926-1944) e Arbeiten zur nal e internacional. Os antigos alunos de Wundt não romperam com seu logie (1915-1939). As experiências sobre a ilusão realizadas por Sander, passado em Leipzig, e continuaram a se referir a Wundt como funda- sobre OS limiares mais baixos para a percepção das mudanças em ges- dor da psicologia experimental, mesmo quando usaram a abordagem talten, comparadas a itens menos estruturados (Schneider 1928, Kunz- introspectiva criticada por ele. Henriquez 1937) sobre a percepção visual (Krueger 1930) e auditiva (Wellek 1934, 1938) permaneceram desconhecidas na comunidade cien- Os fatores sociais da história da psicologia são refletidos na persis- tífica internacional. tência da influência de Wundt em Leipzig, onde um homem de sua própria escolha, Felix Krueger, foi indicado como sucessor de Wundt no Não há dúvida quanto ao alto padrão do trabalho realizado pelos Instituto de Psicologia. Em colaboração com Otto Klemm, Friedrich gestaltistas de Berlim, entre 1910 e 1935 na Alemanha, e posteriormente Sander, Hans Volkelt e outros, Krueger continuou trabalho experimen- nos Estados Unidos. Mas algumas das contribuições de Leipzig, entre tal no instituto, com ênfase sobre novo conceito de Ganzheit (totalida- 1920 e 1939, podem competir com publicações da Escola de Berlim. As de dos processos psicológicos). Krueger continuou atuante na área de relações entre Berlim e Leipzig tinham sido tensas desde que Stumpf, "Völkerpsychologie" até se aposentar. Assim, a história do Instituto de diretor do Instituto de Berlim, culpara Wundt pela incorreta interpreta- Leipzig, em seu período pós-Wundt e até a Segunda Guerra Mundial, ção de dados experimentais (Stumpf 1924). A completa exclusão do documenta impacto do prestigioso cientista fundador no desenvolvi- trabalho dos psicólogos de Ganzheit é um fenômeno que aponta para mento da pesquisa em seu próprio departamento. controle social da rede de comunicações na ciência (Whitley 1969). Em 383 382PARTE IV ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS ABORDAGEM SOCIAL: SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE 1920, os antigos alunos e seguidores de Wundt nos Estados Unidos ti- EVANS, R. B. (eds.). R. I. Watson's selected papers on the history of psychology, nham perdido sua influência ou virado as costas à tradição de Leipzig. University of New England Press, Hanover, N. H., 1977. Por outro lado, aumentaram os contatos entre Berlim e diferentes depar- BÜHLER, K. "Tatsachen und Probleme einer Psychologie der Denkvorgänge, Archiv für die gesamte Psychologie 9, 1907, pp. 297-365; 12, 1908, pp. 1-23, tamentos de psicologia nos Estados Unidos, ajudando finalmente a sal- DESSOIR, M. Geschichte der neueren deutschen Psychologie, Dunker, Berlim, 1894, 3. A. var muitos líderes da Escola da Gestalt da perseguição da Alemanha 1918. Nazista. Assim, a catástrofe política favoreceu a comunicação das teo- DILTHEY, W. "Ideen über eine beschreibende und zergliedernde Psychologie", Sitzungs- rias de Berlim e sua projeção no plano internacional. Em contraste, junto berichte Akademit der Wissenschaften 2, 1894, pp. 1309-1407, Rep. Gesammelte com algumas controvertidas orientações pessoais e ideológicas de al- Schriften, vol. 5. guns dos membros do Grupo de Leipzig (vide Krueger 1939), a mesma FLUGEL, J.C. 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