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O Ensino de Literatura e a BNCC do Ensino Fundamental Texto de Abílio Pacheco Estudantes: Amanda Martins, Beatriz Manso, Sofia Soares, Fernanda Cotrim e Hanna Pedroza Considerações Iniciais ● O capítulo vai abordar considerações sobre a BNCC e suas controvérsias, com o objetivo de informar educadores e professores. ● Haverá a leitura da Introdução e Estrutura da BNCC de Língua Portuguesa para que após possa se debater sobre o Ensino de Literatura no Ensino Fundamental, com foco nos anos finais. ● A BNCC de história também será analisada. ● A leitura das duas BNCC’s irá evidenciar déficits no conteúdo, divórcio entre as disciplinas, desníveis e defasagens epistemológicas entre as áreas de conhecimento. A ausência de proposta de diálogo interdisciplinar é agravada pela diferença significativa de conteúdos demandados numa e na outra disciplina. Base Nacional Curricular Comum ● A BNCC passou por duas reformulações antes da versão atual (2017) e as mudanças ocorreram junto a mudança de contexto político. ● Isso ocorreu no governo Dilma, em que a BNCC foi entregue para reformuladores empresariais que dominavam a Secretaria de Educação Básica do MEC. ● Também ocorreu na reimplementação do governo neo-liberal, que visa atender demandas do setor privado e vê a educação como mercadoria. Além de ter motivado a feição reacionária da sociedade. Esses dois fatores foram levados em conta para a mudança. “O golpe de 2016 e a entrega do MEC à coligação liberal- conservadora representada pelo DEM-PSDB, escancarou-se a utilização das teses da reforma empresarial da educação em sua forma mais radical. Aos poucos, a versão inicial da BNCC foi sendo moldada às teses dos novos ocupantes do MEC até chegar a esta terceira versão.” (2017 - online) - Dr. Luiz Carlos Freitas Base Nacional Curricular Comum ● Durante a última votação da BNCC, houve audiências públicas e o CNE (Conselho Nacional de Educação) disse considerar relevante a participação da sociedade no debate. Entretanto, essa áurea de democracia foi questionada já que o presidente do CNE afirmou que todas as manifestações seriam consideradas “sem julgamentos de valores ou posicionamentos”. ● A ausência de professores na audiência junto ao fator do governo Temer levaram a manifestações em Florianópolis durante a audiência. Segundo a educadora Glaci Weber, as inscrições abriram e fecharam rapidamente para evitar a participação deles. “Se o respeito aos direitos humanos é um dos critérios de avaliação da Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), como pode o educador e o responsável por políticas educacionais não “filtrar” demandas sociais racistas, fascistas e misóginas, por exemplo?” - Pacheco Base Nacional Curricular Comum O primeiro parágrafo da BNCC apresenta: “É um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, [...] e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN)”. Base Nacional Curricular Comum ● O que a BNCC não informa é que, segundo a Assessoria de Comunicação Social do MEC, ela irá definir cerca de 60% dos componentes curriculares que deverão ser ensinados em todo o país. Os outros 40% as redes municipais e estaduais deverão adequar às especificidades de cada região. ● Eles indicam muitos temas que devem ser trabalhados e informam que temas contemporâneos devem ser integrados pelos educadores. Porém, é quase impossível integrar estes últimos, pela limitação de temas, sobra nada ou quase nada para ser abordado. ● Dessa forma, a incorporação de temas aos currículos é refreada e a flexibilidade apresentada limita a autonomia sugerida. Base Nacional Curricular Comum Sobre a organização da BNCC Ela é constituída por 3 etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. O Ensino Fundamental é dividido em anos iniciais e anos finais. O ensino fundamental é organizado em 4 áreas de conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Base Nacional Curricular Comum Cada uma das quatro áreas de conhecimento apresenta “competências específicas da área” e “componentes curriculares”. Cada componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos –, que são organizados em unidades temáticas. BNCC DE lÍNGUA PORTUGUESA ❏ Na área de linguagens, Literatura não é uma competência. A área de linguagens é composta por: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa. ❖ O que isso significa? - Omissão? Lacuna? - Interdisciplinaridade, delimitação e liberdade para o professor? A palavra “interdisciplinar” assim como seu conceito não são protagonistas. Em toda BNCC aparece 3 vezes. Eixos da área de língua portuguesa ● LEITURA ● PRODUÇÃO DE TEXTOS ● ORALIDADE ● ANÁLISE LINGUÍSTICA E SEMIÓTICA ❖ Quando e como aparece algo ligado à literatura? “estudos de natureza teórica e metalinguística – sobre a língua, sobre a literatura, sobre a norma padrão e outras variedades da língua – não devem nesse nível de ensino ser tomados como um fim em si mesmo, devendo estar envolvidos em práticas de reflexão que permitam aos estudantes ampliarem suas capacidades de uso da língua/linguagens (em leitura e em produção) em práticas situadas de linguagem.” (BNCC P73) CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO – O que está em jogo neste campo é possibilitar às crianças, adolescentes e jovens dos Anos Finais do Ensino Fundamental o contato com as manifestações artísticas e produções culturais em geral, e com a arte literária em especial, e oferecer as condições para que eles possam compreendê-las e frui-las de maneira significativa e, gradativamente, crítica. Trata-se, assim, de ampliar e diversificar as práticas relativas à leitura, à compreensão, à fruição e ao compartilhamento das manifestações artístico-literárias, representativas da diversidade cultural, linguística e semiótica, por meio: - da compreensão das finalidades, das práticas e dos interesses que movem a esfera artística e a esfera literária, bem como das linguagens e mídias que dão forma e sustentação às suas manifestações; - da experimentação da arte e da literatura como expedientes que permitem (re)conhecer diferentes maneiras de ser, pensar, (re)agir, sentir e, pelo confronto com o que é diverso, desenvolver uma atitude de valorização e de respeito pela diversidade; - do desenvolvimento de habilidades que garantam a compreensão, a apreciação, a produção e o compartilhamento de textos dos diversos gêneros, em diferentes mídias, que circulam nas esferas literária e artística. Para que a experiência da literatura – e da arte em geral – possa alcançar seu potencial transformador e humanizador, é preciso promover a formação de um leitor que não apenas compreenda os sentidos dos textos, mas também que seja capaz de frui-los. Um sujeito que desenvolve critérios de escolha e preferências (por autores, estilos, gêneros) e que compartilha impressões e críticas com outros leitores-fruidores. (BNCC P.158) LEITORES FRUIDORES Algumas críticas: ❏ A literatura é para ser apenas prazerosa; “No âmbito do Campo artístico-literário, trata-se de possibilitar o contato com as manifestações artísticas em geral, e, de forma particular e especial, com a arte literária e de oferecer as condições para que se possa reconhecer, valorizar e fruir essas manifestações.Está em jogo a continuidade da formação do leitor literário, com especial destaque para o desenvolvimento da fruição, de modo a evidenciar a condição estética desse tipo de leitura e de escrita. Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar pactos de leitura.” (BNCC PG 140) ❏ A ênfase na função estética; ❏ Confronto com o diverso, conhecimento da diversidade; “Por fim, destaque-se a relevância desse campo para o exercício da empatia e do diálogo, tendo em vista a potência da arte e da literatura como expedientes que permitem o contato com diversificados valores, comportamentos, crenças, desejos e conflitos, o que contribui para reconhecer e compreender modos distintos de ser e estar no mundo e, pelo reconhecimento do que é diverso, compreender a si mesmo e desenvolver uma atitude de respeito e valorização do que é diferente.” (BNCC P141) “(EF69LP44) Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção.” (BNCC P159) “o texto literário também serve para compreensão da própria realidade, ou seja, da própria época, do próprio espaço social, da própria cultura, dos próprios modos de vida... Um outro problema reside no fato de cultura e sociedade brasileiras serem resultados de processos culturais violentos que resultaram em um povo multi-étnico e miscigenado. Logo, a própria ideia de “outro” e de “próprio” não encontra um terreno sólido em que se sustentar.” ❏ Como falar de literatura sem dizer o que é a literatura? como falar de literatura sem dizer o que é literatura? “o eixo Educação literária não pretende “ensinar literatura” aos alunos-leitores, mas o texto da BNCC não esclarece o que venha ser isso. Imediatamente poderíamos entender que não se trata de ensinar produção ou criação literária. Entretanto, a unidade temática “experiências estéticas”, com o “objeto de conhecimento: processos de criação”, apresenta como habilidade a ser desenvolvida em todos os nove anos, exatamente a criação literária.” “Cabe ao educador procurar abrir espaços fechados pela BNCC. Nela o ensino de literatura é voltado prioritariamente para a fruição estética e, mesmo quando sugere a dimensão social, sempre aponta para a compreensão do outro. A literatura precisa ser compreendida como forma de conhecimento sobre o mundo, não apenas fruição estética mas também como forma de saber. O texto literário também pode ser lido como um repositório de informações históricas, sociais, políticas e econômicas. Não apenas de outros tempos e outros lugares mas principalmente do tempo presente. O texto literário pode ser lido pelos alunos em sua articulação com a História.” BNCC DE HISTÓRIA “é importante destacar que a narrativa literária (não só romances e contos, mas também as narrativas orais), bem como a literatura de um modo geral, mesmo não tendo sido incorporada de modo pacífico entre os pesquisadores de História (como afirma Sena Junior, s/d) e mesmo não havendo entre os historiadores um consenso absoluto, ela hoje é considerada uma das formas de compreensão da História.” DEMANDA DA BNCC DE HISTÓRIA: “O exercício da interpretação – de um texto, de um objeto, de uma obra literária, artística ou de um mito – é fundamental na formação do pensamento crítico. Exige observação e conhecimento da estrutura do objeto e das suas relações com modelos e formas (semelhantes ou diferentes) inseridas no tempo e no espaço. Interpretações variadas sobre um BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 400 mesmo objeto tornam mais clara, explícita, a relação sujeito/objeto e, ao mesmo tempo, estimulam a identificação das hipóteses levantadas e dos argumentos selecionados para a comprovação das diferentes proposições.” (BNCC P399) DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM (ANOS FINAIS ef): 1.Pela identificação dos eventos considerados importantes na história do Ocidente (África, Europa e América, especialmente o Brasil), ordenando-os de forma cronológica e localizando-os no espaço geográfico. 2. Pelo desenvolvimento das condições necessárias para que os alunos selecionem, compreendam e reflitam sobre os significados da produção, circulação e utilização de documentos (materiais ou imateriais), elaborando críticas sobre formas já consolidadas de registro e de memória, por meio de uma ou várias linguagens. 3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes versões de um mesmo fenômeno, reconhecendo as hipóteses e avaliando os argumentos apresentados com vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias para a elaboração de proposições próprias. (BNCC P418) Nesse contexto, um dos importantes objetivos de História no Ensino Fundamental é estimular a autonomia de pensamento e a capacidade de reconhecer que os indivíduos agem de acordo com a época e o lugar nos quais vivem, de forma a preservar ou transformar seus hábitos e condutas. A percepção de que existe uma grande diversidade de sujeitos e histórias estimula o pensamento crítico, a autonomia e a formação para a cidadania. A busca de autonomia também exige reconhecimento das bases da epistemologia da História, a saber: a natureza compartilhada do sujeito e do objeto de conhecimento, o conceito de tempo histórico em seus diferentes ritmos e durações, a concepção de documento como suporte das relações sociais, as várias linguagens por meio das quais o ser humano se apropria do mundo. Enfim, percepções capazes de responder aos desafios da prática historiadora presente dentro e fora da sala de aula. (BNCC P400-401) “O que se espera do aluno na BNCC de História para a interpretação de uma obra literária é muito mais do que é oferecido ao mesmo aluno na BNCC de Língua Portuguesa, no eixo Educação Literária(ou mesmo no eixo Leitura)” “Enquanto no aprendizado literário na BNCC de Língua Portuguesa, os alunos estão fruindo o texto e conhecendo o “outro”, o estudante dos anos finais de História está estudando aspectos da cultura Grega e Romana (6º ano), O Renascimento, a reforma religiosa e a expansão marítima (7º ano), Iluminismo, Revolução Francesa, a independência do Brasil e “A produção do imaginário nacional brasileiro: cultura popular, representações visuais, letras e o romantismo no Brasil” (8º ano), Abolição da escravatura, questão indígena até 1964, questões de gênero e protagonismo feminino, [30] Totalitarismos e conflitos mundiais, Ditadura civil-militar e outras questões de “história recente” (9º ano). Conteúdos que impregnam os textos literários, os quais poderiam e deveriam ser dispostos para leitura dos alunos. Especialmente dos dois últimos anos do Ensino Fundamental.” O espaço do texto literário na Base Nacional Comum Curricular na etapa do Ensino Fundamental Texto de: Ana Paula Teixeira Porto e Luana Teixeira Porto Literatura e escola O ensino de literatura e a leitura no Brasil são temas historicamente problemáticos. Os dados alarmantes do PISA e do SAEB evidenciam uma crise de leitura dos estudantes na Educação Básica. Literatura e escola Relacionado ao ensino de literatura, são levantadas ao longo dos anos críticas associadas a diversos fatores, como: a) Ao processo de didatização do texto literário; b) Ao estudo do texto literário por meio da periodização literária; c) À seleção de obras para leitura na escola; d) À abordagem do texto literário sem levar em conta a sua natureza intertextual e plurissignificativa; e) Ao estudar literatura baseado no exame de fragmentosde texto, ao invés da leitura integral da obra; f) Ao descompasso entre a recente produção em teoria e crítica literária e o ensino de literatura nas salas de aula. Literatura e escola Tais aspectos assinalados, que revelam a precariedade do ensino de literatura e a abordagem inadequada do texto literário em aulas de leitura, indicam que há uma divergência entre os documentos que norteiam o ensino no Brasil e aquilo que estudos críticos consideram adequado em relação à presença do texto literário na sala de aula. Um dos documentos norteadores, encontra-se a recente Base Nacional Comum Curricular - BNCC, aprovada em 2017, que apresenta as habilidades e competências a serem reveladas na Educação Básica, nos níveis da Educação Infantil e Ensino Fundamental. A formação de leitores de literatura nas escolas Pensando em uma perspectiva intercultural e interdisciplinar para a formação de leitores (não somente leitores de literatura) nos contextos escolares, algumas considerações precisam ser feitas: ● Diversidade de tipos de textos literários na formação do aluno leitor (Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs - 1997; 2000); ● Promoção do conhecimento de gêneros textuais como papel da escola; ● Também vale ressaltar que “quando os alunos não têm contato sistemático com bons materiais de leitura e com adultos leitores, quando não participam de práticas onde ler é indispensável, a escola deve oferecer materiais de qualidade, modelos de leitores proficientes e práticas de leitura eficazes”. (PCNS, 1997, p. 37) A formação de leitores de literatura nas escolas É importante que os professores trabalhem com textos literários de culturas e nacionalidades diversas de modo a promover interação entre eles, favorecendo uma perspectiva intercultural. É de total relevância a abordagem da literatura com o enfoque na linguagem de sua composição e no diálogo com outras linguagens, tendência já apontada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2000); O perfil do professor ● Um professor leitor e proficiente (Berenblum, 2006) ; ● Que não se prenda somente aos clássicos, mas que esteja em contato com textos literários mais recentes e populares; ● Que motive a leitura de clássicos aos alunos por meio de textos que sejam mais atrativos para eles. A simplificação da literatura Pelo fato do ensino de literatura ser inadequado e que, em muitos casos, acaba se tornando enfadonho, há leitores que concebem a literatura como uma mercadoria que necessita de simplificação e que precisa da rapidez narrativa que se encontra no cinema e na televisão. A simplificação da literatura Bosi argumenta que há um gosto por textos que sejam mais simples e superficiais: “O indivíduo-massa, a personalidade construída a partir da generalização da mercadoria, quando entre no universo da escrita (o que é um fenômeno deste século), o faz com vistas ao seu destinatário, que é o leitor-massa, faminto de uma literatura que seja especular e espetacular. Autor e leitor perseguem a representação do show da vida, incrementado e amplificado. Autor-massa e leitor-massa buscam a projeção direta do prazer ou do terror, do paraíso do consumo ou do inferno do crime - uma literatura transparente, no limite sem mediações, uma literatura de efeitos imediatos e especiais, que se equipare ao cinema documentário, ao jornal televisivo, à reportagem ao vivo (...) o filme, imagem em movimento, teria tornado supérflua, para não dizer indigesta, a descrição miúda (...) Uma cena de um minuto supriria, no cinema, o que o romancista levou mais de uma dezena de páginas para compor e comunicar ao seu leitor.” - Alfredo Bosi, 1994. A simplificação da literatura Portanto, a partir deste contexto de desafios à prática docente, fica evidente que o maior desafio está em encontrar metodologias que aproximem o aluno do texto, de modo que ele aprenda a apreciar a literatura, propondo sentido e vendo sentido no que lê. A BNCC e o espaço do texto literário na etapa do Ensino Fundamental “(...) se inicia uma nova era na educação brasileira e que se alinha a aos melhores e mais qualificados sistemas educacionais do mundo.” (2017, p. 2) O documento insiste na concepção de que é preciso haver um currículo comum para todos, apresentando um… “projeto de uma base unificadora e homogeneizadora, sob o argumento de que a qualidade da educação depende desse projeto.” (LOPES, 2018, p. 26). “A partir dessas competências, são eleitos os componentes curriculares obrigatórios em uma seleção que lembram as disciplinas tradicionais sem oferecer inovações. “ (p.17) “(...) a assunção de que a educação precisa, pragmaticamente, ser útil para algo que virá. Assim, ela é marquetizada, um bem a ser trocado no mercado futuro.” (MACEDO, 2018, p. 28) Sob essa perspectiva, Macedo aponta: “não sejamos ingênuos, [há] interesses comerciais muito fortes, num país em que a população em idade escolar é de aproximadamente 45 milhões de pessoas (IBGE, 2010). Em 2018, apenas em recursos do tesouro nacional, consta do orçamento o valor de 100 milhões de reais para a implementação da Base. Ela cria um mercado homogêneo para livros didáticos, ambientes instrucionais informatizados, cursos para capacitação de professores, operado por empresas nacionais, mas também por conglomerados internacionais.” (MACEDO, 2018, p. 31) “O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades. “ (BRASIL, BNCC, 2017, p. 69) A BNCC não faz menções claras a abordagem da literatura e seus diferentes gêneros, mas enumera os diferentes gêneros de letramento digital como… ★ Comentário. ★ Carta de leitor. ★ Post em rede social ★ Gif ★ Meme ★ Fanfic ★ Vlogs variados ★ Political remix ★ Charge digital ★ Paródias de diferentes tipos e mais… ❖ Vídeos-minuto ❖ E-zine ❖ Fanzine ❖ Fanvídeo ❖ Vidding ❖ Gameplay ❖ Walkthroug ❖ Detonado ❖ Machinima ❖ Trailer honesto ❖ Playlists (BRASIL, BNCC, 2017, p. 71). “ Nesse ponto, facilmente chega-se à conclusão de que a literatura, cada vez mais, está carente de políticas públicas que a coloquem em relevo.” (p. 19) “Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura, textos de divulgação científica e/ou textos jornalísticos que circulam em várias mídias.” (BRASIL, BNCC, 2017, p. 72). “O documento ignora a potencialidade do texto literário enquanto objeto capaz de promover reflexões, transformações, fruição, interesse pela leitura, indo na contramão do que já se concebe há anos como funções da literatura.” (p. 20) “da consideração da diversidade cultural, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas, a literatura infantil e juvenil, o cânone, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, as culturas juvenis etc., de forma a garantir ampliação de repertório, além de interação e trato com o diferente.” (BRASIL, BNCC, 2017, p. 73). “Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura.” (BRASIL, BNCC, 2017, p. 85). a literatura, a bncc e o ensino de letras a literatura e sua potencialidade é entendida como: ❖ Objetode conhecimento. ❖ Repositório de culturas e expressões identitárias. ❖ Fonte e documento para a História. ❖ Forma de leitura de mundo. ❖ Expressão de visão de mundo. ❖ Humanização. Considerações finais “Ao se fazer uma síntese das proposições da BNCC no que tange à formação literária dos educandos no ensino fundamental, não há como ignorar o quanto essa base novamente desprestigia a literatura como um direito de todos e como um objeto essencial para a formação.” (p. 21) “A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE).” (BRASIL, BNCC, 2017, p. 7) conclusão O PAPEL DA LITERATURA NA BNCC: ENSINO, LEITOR, LEITURA E ESCOLA Texto de: Sarah Ipiranga Considerações Iniciais Este artigo pretende estudar a configuração proposta pela BNCC para o ensino de literatura (concepção e objetivos), o perfil de leitor construído e as mudanças impostas pela descentralização de conteúdos. ● Em 2018, foi homologada a Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio; ● A BNCC privilegia aporte do ensino nos critérios de competência e habilidades, que são a base geradora de elaboração do documento; ● Dentro das áreas em que se divide a estrutura curricular (Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências da Natureza e Ciências Humanas), a literatura permanece, na primeira área referenciada, como um campo de atuação (campo artístico-literário); ● Das quase 600 páginas do documento da BNCC, quatro são dedicadas à literatura, o que evidencia o papel menor que vem sendo dado ao seu ensino desde 1999. BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Na apresentação inicial do campo artístico-literário, no qual o ensino de literatura se inclui, a BNCC apresenta como indicativo de percurso uma perspectiva generalista: [...] busca-se a ampliação do contato e a análise mais fundamentada de manifestações culturais e artísticas em geral (BRASIL, 2018, p. 495). BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Com essa introdução, o documento deixa explícito que a literatura é uma arte entre outras, por isso deve ser estudada em diálogo com as práticas de linguagem, das quais não se dissocia. Essa posição acompanha uma mudança substancial nos modos de apreensão do literário, compreendido agora como extensão de um discurso social ‘moderno’, que concebe o uso democratizado da leitura, livre de diretrizes formativas e exercida sobre todo tipo de textos (COLOMER, 2007, p. 23). Assim, há uma equalização entre os textos, sendo o literário uma das expressões entre outras. BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Depois de situar a literatura como uma prática social, a BNCC dá continuidade a uma série de objetivos, que, contraditoriamente, nem sempre se articulam de maneira coerente. Parece ter havido uma tentativa de contemplar todas as vertentes e não fazer opções bem específicas e direcionadas: BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES A escrita literária, por sua vez, ainda que não seja o foco central do componente de Língua Portuguesa, também se mostra rica em possibilidades expressivas. Já exercitada no Ensino Fundamental, pode ser ampliada e aprofundada no Ensino Médio, aproveitando o interesse de muitos jovens por manifestações esteticamente organizadas comuns às culturas juvenis (BRASIL, 2018, p. 495, grifo nosso). BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Percebe-se, claramente, que duas tendências buscam se equilibrar: tradição e inovação, disciplina e fruição, clássicos e bestsellers, antigos e novos. A expressão dessa inclusão está no investimento em uma atualização dos modelos de difusão literária (vlogs, sites, páginas virtuais etc.) e do aproveitamento disso para a construção de uma compreensão mais ampliada e democrática da arte e da participação do aluno em tal constructo. BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Em relação aos clássicos, ou seja, ao cânone literário que sempre foi a base da disciplina de literatura (como também a história da literatura), verifica-se uma ênfase na sedimentação da sua leitura: “ampliar o repertório de clássicos brasileiros e estrangeiros com obras mais complexas que representem desafio para os estudantes do ponto de vista dos códigos linguísticos, éticos e estéticos” (BRASIL, 2018, p. 514). BNCC: ENSINO, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Na especificação do campo artístico-literário (BRASIL, 2018, p. 513-516), também há a explicitação das habilidades. Elas representam, na verdade, um conjunto de indicações de modos de ver e trabalhar o texto literário. Para resumir, fizemos uma lista interpretativa das diretivas mais importantes: ● Ampliação de repertório e incentivo à capacidade de o aluno eleger seu próprio corpus de leitura; ● Compreensão intertextual das obras, por meio do acionamento de dispositivos de atualização de sentidos; ● Horizontalização das leituras, com seu compartilhamento em redes sociais; ● Valorização da historicidade dos textos e inserção na cadeia de leitura; ● Incentivo às práticas de escrita dos alunos; ● Ampliação da tradição literária: literatura africana, afro-brasileira, indígena e contemporânea; ● Ênfase na leitura dos clássicos brasileiros e portugueses para percepção dos agudos e complexos processos de elaboração literária. Assim, faz-se necessário redirecionar as aulas e material didático para que essa nova compreensão seja efetivada. Alguns procedimentos são, portanto, essenciais para que haja uma equivalência entre ações e concepções. No que reporta à literatura, a mudança deve comportar, sobretudo, a compreensão da história a partir dos textos e não ao contrário, leituras mais aprofundadas (evitar trabalhar com excertos), compartilhamento de experiências de leitura, inserção de novos contextos e outras modalidades de escrita e percepção do mundo. Em relação ao cânone, mesmo privilegiando os clássicos e seu poder de formação, o professor precisa estar aberto a manifestações que diferem da tradição e perceber o poder da palavra em outros discursos. De acordo com o documento, cabe ao professor fazer escolhas entre autores e obras que se adaptem aos projetos que desenvolvam o hábito da leitura, sem deixar de considerar o sentido principal do trabalho com a literatura: a formação de leitores literários fluentes e habilidosos. Para tanto, deverá haver uma ampliação das práticas de linguagem e repertório, numa abordagem que privilegie a produção colaborativa e o cruzamento de culturas e saberes. Da mesma forma, é indispensável que as sequências didáticas sejam organizadas de forma a criar espaço para a manifestação do outro e sua elaboração cognitiva. Isso requer uma nova maneira de conduzir as aulas, em que o professor acompanha o aluno na descoberta do conteúdo. Essa nova visão traz a dimensão do performativo para a abordagem dos processos de leitura. Antes, com força sobretudo no ‘projeto’ mimético das palavras, as leituras estariam assentadas num conjunto de invariáveis, daí a decodificação ter sido a palavra mais utilizada para referenciar o papel do leitor. Uma visão assim privilegia um lugar passivo na ativação dos sentidos do texto, lugar continuamente perpetuado pela escola, mesmo quando procurava modificar as estratégias de trabalho com o texto literário. Isso porque a mudança era protocolar, quando devia ser cognitiva e sensorial. Torna-se, portanto, indispensável que se fuja dos modelos meramente informativos de leitura e análise, pois eles não operam uma real transformação nos modos de pensar nem ampliam a capacidade de abstração e reflexão. A partir daí, pode-se pensar nos critérios para a organização/progressão curricular. Entretanto, o raciocínioanterior em relação à preparação das aulas aqui se repete, pois entender a progressão a partir de itinerários tão horizontais pode ocasionar uma certa dispersão nos critérios e na avaliação: ● Inclusão de diversos subgêneros de escrita, num processo de aproximação das formas identitárias da juventude, sobretudo o compartilhamento em meio digital dos textos produzidos. ● Reforço na compreensão da identidade nacional por meio de livros que indiquem a presença de diversas raças e povos na multiculturalidade brasileira. ● Ampliação da leitura dos clássicos de diversas nacionalidades. ● Abordagem dialógica e comparativista na seleção de textos. ● Apreensão diacrônica (histórica) e sincrônica (metalinguística) das obras literárias. ● Primazia da leitura das obras em relação aos períodos literários. ● Disseminação de espaços de fruição, como clubes de leitura e oficinas criativas. O que se verifica, na análise das habilidades e competências do campo artístico-literário, é uma mudança na compreensão da própria literatura na escola e das funções de professor e de aluno. O primeiro passa a mediador, e o segundo, a protagonista no processo. Quanto ao conteúdo, ele, por si só, não corresponde a uma vivência plena do estudado, uma vez que se trata de uma abstração de experiências já concretizadas em boa parte no passado. As propostas do MEC para continuamente aperfeiçoar o ensino têm impacto imediato no exercício da sala de aula, uma vez que as escolas, por meio de todas as instâncias envolvidas,devem absorver rapidamente as mudanças e colocá-las em prática. Infelizmente, muitas das inovações são feitas sem a devida consulta aos agentes educacionais (professores, coordenadores,alunos, diretores, pais), cabendo a estes apenas a sua aplicação. Não há tempo para discutir e refletir,o que contraria o campo intelectual em que o ensino está inserindo, pois este é o agente das transformações e não reflexo delas. Dentro desse quadro, a proposta da BNCC, que se quer antropológica também, procura, institucionalmente, redirecionar o Ensino Médio para a percepção do mundo como uma trama cultural e pessoal, na qual indivíduo e sociedade estão em processo contínuo de tensão/aceitação/ ruptura. Nesse percurso, insere-se a literatura, cujas noções foram ‘horizontalizadas’, de forma que pudessem ser interpretadas como manifestações diversas, democráticas e igualitárias do literário. Como ainda não ocorreu a implantação definitiva do projeto, com as escolas em processo de absorção das mudanças e reconstrução das suas estruturas, resta aos professores, mais uma vez, vestir roupa nova para uma festa na qual ainda não se sentem convivas.