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VOLUME VI 
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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
BREVE N01"1CIA SOBRE OS INDIOS JURUNA 
por 
EDUARDO GALVÃO 
Atualmente os índios J uruna estão localizados próximo ao acam­
pamento Diauarun, da Expedição Roncador-Xingu, às margens do rio 
dêste último nome. O acampamento está situado pouco abaixo da foz 
do rio Suiá Missu, à altura do paralelo 12. Somam os Juruna 37 indi­
víduos reunidos em uma única aldeia. Localização e número que muito 
contrastam com aquêles registrados no passado sôbre essa me,sma tribo. 
Ao tempo da ocupação portuguêsa do vale amazônico, os J uruna 
ocupavam a foz do Xingu. Daí retiraram-se para o curso superior ·refu-
. giando-se a montante das cachoeiras. O recuo se fêz sob pressão das 
expedições lusas, como as de João Velho do V alle e a de Gonçalo Paes, 
que no século XVII atacaram os aldeamentos indígenas. Embora mal 
sucedidas, essas expedições lograram fazer com que os J uruna abando­
nassem . suas primitivas posições ( 1 ). Iguahnente fracassaram as tenta­
tivas de missionários em aldear ê,sses índios. Em parte êsse fracasso 
foi devidla Cachoeira da Pedra Secca." - Nota da Redação: Ainda Emilie 'Snethlage ("Die India-
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próximos; a aldeia dêstes últimos, embora deslocada da foz do Suiá 
Missu para montante do rio, está a cêrca de três dias de viagem, rio 
acima. Os Juruna se referem também a uma tribo que denominam de 
Xukarramãe, seus inimigos, cujos característicos como o uso de batoques, 
bordunas de um tipo especial, corte dos cabelos, desconhecimento de 
navegação, os identifica de certo modo aos grupos kaiapó que habitam 
a região compreendida entre os rios Xingu e Araguaia. Ao mesmo 
tempo, os Juruna entraram em contato com tribos que ao tempo da 
viagem de Steinen lhes eram in~eiramente desconhecidas (14), entre elas 
os Trumai, Kamaiurá e Aueti que ocupam o~ rios Culuene e Culise~u. 
Até 1948, quando foi estabelecido o acampamento de Diauarun, da 
E. R. X., os Juruna e as tribos habitantes .dos formadores do rio Xingu 
se hostilizavam. Informantes kamaiurá lembram-se que, há muitos anos 
atrás, sua aldeia foi visitada por um grupo de oito J uruna, os quais 
possuíam rifles de repetiç·ão. Os Kamaiurá decidiram apossar-se das 
armas e prepararam uma emboscada em que foram mortos ~s visitantes. 
Os J uruna não revidaram imediatamente, mas, há cêrca de cinco ou seis 
anos, um pequeno grupo que se infiltrou até próximo à aldeia kamaiurá: 
surpreendeu e matou o capitão desta tribo. A distância e o temor recí­
proco parecem ter evitado maior freqüência de contatos hostis. Atual­
mente, com a intervenção da Expedição Roncador-Xingu, Juruna e 
Kamaiurá entraram em uma fase de relações pacíficas e de visitas mútuas 
às respectivas aldeias. Prevalece, porém, forte desconfiança de parte a 
parte. É interessante observar que até 1949, os Kamaiurá tinham em 
sua aldeia dois Juruna. ~stes índios haviam sido trazidos de uma aldeia 
suiá atacada e saqueada pelos Kamaiurá. Os lóbulos das orelhas, perfu­
rados e deformados para uso de grandes batoques circulares, atestavam 
terem êsses Juruna vivido durante largo tempo entre os Suiá. Na aldeia 
kamaiurá ocupavam posição de destaque dado suas qualidades pessoais 
de iniciativa e atividade; não eram considerados prisioneiros. Com o 
avanço da E. R. X. retornaram à aldeia juruna, muito a contragosto do!! 
ner st ii.mme am mittleren Xing(1 ", Zeitsckrif t für EthnoZogie, 52/58, B erlin 1921, pf.g. 400) 
considerou como partes da mesma tribo os "Karajã do Xingú" e os do Araguaia, Foi 
Ourt Nimuendajú, 1932, pf.gs. 552·555, que revelou serem os G6rotire e outras sub·tribos 
kaiapó aqueles índios que, no Xingu, desde tempos r emotos, são chamados "Karajâ". Esta 
explicação dada pelo grande indianista, que, portanto, refuta as afirmações a respeito 
feitas por Karl von den Steinen e Ehrenreich, parece ser confirmada pelos nomes com que 
os 'fapirapé designam os seus vizinhos (cf. Herbert Baldus: "Os Tapirapé, tribo tupi no 
Brasil Central'', Remata ào Arquivo Municipal, vol. 100, São Paulo 1945, pâgs. 192-193) . 
(14 ) Bteinen, 1942, pág. 278. 
REVISTA 1)0 MUSEU PAULISTA, N. S., VOL. VI 473 
Kamaiurá. Não foram aí bem recebidos. Possivelmente procuravam 
compensar sua situação de marginalidade, pois pràticamente desconhe­
ciam a língua j uruna, com intrigas sôhre os Kamaiurá. Deviam retornar 
à aldeia dêstes para a realização de uma "festa dos mortos", em que 
tinham função saliente, mas não o fizeram. Os Kamaiurá, ao par das 
intrigas, os ameaçaram de morte. Finalmente, foram assassinados pelos 
próprios J uruna que su,speitavam de prática de feitiçaria. 
Os remanescentes Juruna, de Diauarun, parecem manter muitos de 
seus padrões tradicionais de cultura, apesar das modificações resultantes 
do contato mais ou menos prolongado com brasileiros. Mesmo à obser­
vação superficial se pode distingui-los das tribos que habitam os forma· 
dores do rio Xingu, isto é, os Kamaiurá, Trumai, Aueti, Waurá, Kalapalo 
e outros que constituem a área cultural do uluri ( 15) • As descrições de 
etnólogos e viajantes que percorreram o Xingu, como Steinen, Adalbert, 
Coudreau, Snethlage (16) e Nimuendajú, levam à conclusão de que os 
1 uruna, culturalmente, muito se aproximam dos grupos do baixo e inédio 
Xingu, especialmente os Kuruaia, com os quais possuem, além de tudo, 
notável afinidade lingüística (17). 
Sob êsse aspecto, a classificação dos J uruna oferece dúvidas. 
Nimuendajú, com reservas, considera-os um grupo especial de línguas 
tupis impuras (18). A aceitação dêsse ponto de vista depende de estudo 
lingüísticõ mais aprofundado. Os . pequenos vocabulários colhidos por 
Steinen, Coudreau e Nimuendajú (19 ), evidenciam um dialeto próprio 
com intrusões de tupi-guarani, cuja forma muito os aproxima da "língua 
geral" difundida pelos missionários. Os têrmos de parentesco colhidos 
por Nimuendajú (2º), Coudreau (21 ) e por nós não revelam afinidades 
com aquêles das outras tribos tupi do alto Xingu, os Kamaiurá e Auetí. 
( 15) Para uma descrição sum6ria da. área do ttluri, veja-se Galvão, 1949. 
(16) Snethlage, 1913, pâgs. 49-99. 
( 17) Nimuendajú, 1948, pág. 219 - "Physically, culturally, and linguistically, the 
Shipaya are the closest relatives of the Yuruna, being in ma.ny respects indistinguishable." 
(18) Nimuendajú, idem, pâg. 214 - "Martins (1867) and Lumen Adam (1896) 
ehallenge the Tupi relationship of the Yuruna, whieh is accepted by such competent 
authorities as Bettendorf, Vou ~en Steinen, and Brinton. Closer etudy leads me to the 
provisional eonclusion that Yuruna, 'Shipaya, Manitsauá, and perhaps Arupaf form a 
special division of impure Tupi languagee." 
(19) Nimuendajú, 1932, págs. 581·589, 
194.2. 
(20) Nimuendajú, 1932, páge. 583-58as flechas j uruna não possuem a emplumação 
costurada característica do alto Xingu; o tipo de emplumação é tangen­
cial. Para expremer a massa de mandioca, usam os índios do alto Xingu 
(22) Nimuendajú, 1948, pág. 229. 
(23) Veja-se a gravura reproduzida em Steinen, 1942, pág. 806. 
(24) Lima, (1949). 
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Tipos e formas de cerâmica juruna. 
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de uma esteira que é enrolada e apertada com as mãos; entre os J uruna 
prevalece o uso do tipiti, tubo cilíndrico, flexível, feito de trançado, que 
se distende por um processo mecânico. Diferem ainda os ornamentos 
dos instrumentos musicais. 
A base da subsistência é a mesma. - agricultura de queimada para 
o cultivo de mandioca, milho, batata-doce, algodão, etc., traço peculiar 
às tribos da floresta amazônica. Os Juruna em adição àquelas plantas 
cultivam a cana de açúcar. Suplementam a dieta com a pesca e a caça, 
sendo esta última atividade muito atenuada entre os índios do alto Xingu, 
que dependem quase exclusivamente da pesca. 
Sua organização social parece basear-se em famílias extensas, patri­
locais (25), que ocupam residências comuns. A chefia se transmite de 
pai a filho ( 26 ) , fato que pudemos constatar. Falecido o velho J ubé, 
capitão da aldeia, sucedeu-lhe o filho Pawadê. Adalbert se refere a um 
cacique, chefe de tôda a tribo, a que os demais capitães estariam subor­
dinados (27), observação difícil de constatar hoje em dia porque a tribo 
está reduzida a uma única aldeia. A poliginia é admitida. A êsse respeito 
pouco diferem os Juruna das tribos do alto Xingu - também organi­
zadas em famílias extensas e com tendência a acentuar a patrilocalidade, 
pelo menos no caso dos líderes ou capitães, e onde a transmissão de 
chefia se faz de pai a filho ou de irmão para irmão -, que igualmente 
praticam a poliginia. 
Sôbre a religião é muito escassa a informação. Segundo Nimuendajú 
acreditam na mesma divindade que os Chipáia chamam de Kumãpari e 
em um herói-cultural. Certos locais, especialmente as rochas, são consi­
derados a moradia dos espíritos dos mortos. Pajés usam o fumo, m~­
sagens e sucção com a bôca para curar; as influências malignas são 
transferidas para um ramo de folhagem (28). Os mesmos processos são 
usados pelo,s pajés das tribos do alto Xingu. Estas aparentemente não 
possuem uma divindade principal, mas acreditam na existência de sobre­
naturais que povoam a mata e os rios. Aos seus heróis-culturais não 
prestam culto. Nas festas, os Juruna fazem largo uso de uma bebida 
(25) Nimuendajú, 1948, pág. 233 - "The Yuruna were divided into viDages each 
composed of a number of families (patrilineal ~)." 
(26) Idem. 
(27) Adalbert, 1849. 
(28) Nimuendajú, 1948, págs. 242·243. 
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fermentada, feita de mandioca ( 2 n) , desconhecida dos Kamaiurá, Tru1nai 
' e outros. 
Essa notícia tem o único objetivo de ressaltar a situação atual dos 
J uruna, reduzidos atualmente a pouco mais de trinta indivíduos, quando 
há um século atrás atingiam como tribo a cifra de dois mil. Assinala 
também o último limite de sua longa e acidentada marcha em demanda 
do alto rio Xingu em busca de refúgio. Imprensados entre os brasileiros 
(seringueiros e castanheiros) que avançam sôhre o curso do rio e tribos 
que tradicionalmente ocupam as zonas mais protegidas, terão que per-
manecer na atual posição. O seu pequeno número leva a pensar que em 
breve estarão extintos como tribo. O documentário necessário à recons­
trução de sua história é escasso. Pouco se conhece de sua cultura original 
de modo a se poder avaliar as modificações que surgiram de seu contato 
com brasileiros e com outras tribos. Utilizamos apenas os marcos que 
ilustram as principais etapas da migração, e que contribuem igualmente 
para o esclarecimento da história do povoamento do rio Xingu. Os 
atuais ocupantes das cabeceiras do Xingu provàvelmente percorreran1 
caminho idêntico, porém em tempo muito mais remoto. De outro modo 
não se explicaria a integração de diversas tradições tribais em um 
conjunto mais ou menos uniforme que se pode considerar uma área 
cultural. Os Juruna, recém-chegados, mantêm sua individualidade cul­
tural, cujas raízes se encontram provàvelmente no grande grupo Kawayh 
da rnesopotâmia Tapajoz-Xingu. 
(29) Nimuendajú, 1948, pág. 286; Steinen, 1942, pãg~. 314·816. 
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STEINEN, KARL VON DEN 
1942 - O Brasil Central (Exp. 1884) . Trad. Catarina B. Cannabrava, S. Paulo . 
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Fi9. l - Família juruna . Foto E Galvão. Fi9. 2 - Moça juruna. Foto E. Galvão. 
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Fig. 3 - Homem juruna. Note-se, como na fig. 2, o en­
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Fig. 4 - Homem juruna. Foto E. Galvão . 
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