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\ ,. "' ~ D o ,. ' ~ • . >'· •..r ., ~ NOVA StRIE VOLUME VI ... • .. • 1 ' • • _ ...... ~ - ..._... --~ ~--- h-.. • ., .,., , ,. t SÃO PAULO 195 2 , .,. """ • • I .. ' -. , ' . • ' ' • ' , . . l •• -• ,... .... • Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai www.etnolinguistica.org BREVE N01"1CIA SOBRE OS INDIOS JURUNA por EDUARDO GALVÃO Atualmente os índios J uruna estão localizados próximo ao acam pamento Diauarun, da Expedição Roncador-Xingu, às margens do rio dêste último nome. O acampamento está situado pouco abaixo da foz do rio Suiá Missu, à altura do paralelo 12. Somam os Juruna 37 indi víduos reunidos em uma única aldeia. Localização e número que muito contrastam com aquêles registrados no passado sôbre essa me,sma tribo. Ao tempo da ocupação portuguêsa do vale amazônico, os J uruna ocupavam a foz do Xingu. Daí retiraram-se para o curso superior ·refu- . giando-se a montante das cachoeiras. O recuo se fêz sob pressão das expedições lusas, como as de João Velho do V alle e a de Gonçalo Paes, que no século XVII atacaram os aldeamentos indígenas. Embora mal sucedidas, essas expedições lograram fazer com que os J uruna abando nassem . suas primitivas posições ( 1 ). Iguahnente fracassaram as tenta tivas de missionários em aldear ê,sses índios. Em parte êsse fracasso foi devidla Cachoeira da Pedra Secca." - Nota da Redação: Ainda Emilie 'Snethlage ("Die India- 472 REVISTA DO MUSEU PAULISTA, N. S., VOL. VI próximos; a aldeia dêstes últimos, embora deslocada da foz do Suiá Missu para montante do rio, está a cêrca de três dias de viagem, rio acima. Os Juruna se referem também a uma tribo que denominam de Xukarramãe, seus inimigos, cujos característicos como o uso de batoques, bordunas de um tipo especial, corte dos cabelos, desconhecimento de navegação, os identifica de certo modo aos grupos kaiapó que habitam a região compreendida entre os rios Xingu e Araguaia. Ao mesmo tempo, os Juruna entraram em contato com tribos que ao tempo da viagem de Steinen lhes eram in~eiramente desconhecidas (14), entre elas os Trumai, Kamaiurá e Aueti que ocupam o~ rios Culuene e Culise~u. Até 1948, quando foi estabelecido o acampamento de Diauarun, da E. R. X., os Juruna e as tribos habitantes .dos formadores do rio Xingu se hostilizavam. Informantes kamaiurá lembram-se que, há muitos anos atrás, sua aldeia foi visitada por um grupo de oito J uruna, os quais possuíam rifles de repetiç·ão. Os Kamaiurá decidiram apossar-se das armas e prepararam uma emboscada em que foram mortos ~s visitantes. Os J uruna não revidaram imediatamente, mas, há cêrca de cinco ou seis anos, um pequeno grupo que se infiltrou até próximo à aldeia kamaiurá: surpreendeu e matou o capitão desta tribo. A distância e o temor recí proco parecem ter evitado maior freqüência de contatos hostis. Atual mente, com a intervenção da Expedição Roncador-Xingu, Juruna e Kamaiurá entraram em uma fase de relações pacíficas e de visitas mútuas às respectivas aldeias. Prevalece, porém, forte desconfiança de parte a parte. É interessante observar que até 1949, os Kamaiurá tinham em sua aldeia dois Juruna. ~stes índios haviam sido trazidos de uma aldeia suiá atacada e saqueada pelos Kamaiurá. Os lóbulos das orelhas, perfu rados e deformados para uso de grandes batoques circulares, atestavam terem êsses Juruna vivido durante largo tempo entre os Suiá. Na aldeia kamaiurá ocupavam posição de destaque dado suas qualidades pessoais de iniciativa e atividade; não eram considerados prisioneiros. Com o avanço da E. R. X. retornaram à aldeia juruna, muito a contragosto do!! ner st ii.mme am mittleren Xing(1 ", Zeitsckrif t für EthnoZogie, 52/58, B erlin 1921, pf.g. 400) considerou como partes da mesma tribo os "Karajã do Xingú" e os do Araguaia, Foi Ourt Nimuendajú, 1932, pf.gs. 552·555, que revelou serem os G6rotire e outras sub·tribos kaiapó aqueles índios que, no Xingu, desde tempos r emotos, são chamados "Karajâ". Esta explicação dada pelo grande indianista, que, portanto, refuta as afirmações a respeito feitas por Karl von den Steinen e Ehrenreich, parece ser confirmada pelos nomes com que os 'fapirapé designam os seus vizinhos (cf. Herbert Baldus: "Os Tapirapé, tribo tupi no Brasil Central'', Remata ào Arquivo Municipal, vol. 100, São Paulo 1945, pâgs. 192-193) . (14 ) Bteinen, 1942, pág. 278. REVISTA 1)0 MUSEU PAULISTA, N. S., VOL. VI 473 Kamaiurá. Não foram aí bem recebidos. Possivelmente procuravam compensar sua situação de marginalidade, pois pràticamente desconhe ciam a língua j uruna, com intrigas sôhre os Kamaiurá. Deviam retornar à aldeia dêstes para a realização de uma "festa dos mortos", em que tinham função saliente, mas não o fizeram. Os Kamaiurá, ao par das intrigas, os ameaçaram de morte. Finalmente, foram assassinados pelos próprios J uruna que su,speitavam de prática de feitiçaria. Os remanescentes Juruna, de Diauarun, parecem manter muitos de seus padrões tradicionais de cultura, apesar das modificações resultantes do contato mais ou menos prolongado com brasileiros. Mesmo à obser vação superficial se pode distingui-los das tribos que habitam os forma· dores do rio Xingu, isto é, os Kamaiurá, Trumai, Aueti, Waurá, Kalapalo e outros que constituem a área cultural do uluri ( 15) • As descrições de etnólogos e viajantes que percorreram o Xingu, como Steinen, Adalbert, Coudreau, Snethlage (16) e Nimuendajú, levam à conclusão de que os 1 uruna, culturalmente, muito se aproximam dos grupos do baixo e inédio Xingu, especialmente os Kuruaia, com os quais possuem, além de tudo, notável afinidade lingüística (17). Sob êsse aspecto, a classificação dos J uruna oferece dúvidas. Nimuendajú, com reservas, considera-os um grupo especial de línguas tupis impuras (18). A aceitação dêsse ponto de vista depende de estudo lingüísticõ mais aprofundado. Os . pequenos vocabulários colhidos por Steinen, Coudreau e Nimuendajú (19 ), evidenciam um dialeto próprio com intrusões de tupi-guarani, cuja forma muito os aproxima da "língua geral" difundida pelos missionários. Os têrmos de parentesco colhidos por Nimuendajú (2º), Coudreau (21 ) e por nós não revelam afinidades com aquêles das outras tribos tupi do alto Xingu, os Kamaiurá e Auetí. ( 15) Para uma descrição sum6ria da. área do ttluri, veja-se Galvão, 1949. (16) Snethlage, 1913, pâgs. 49-99. ( 17) Nimuendajú, 1948, pág. 219 - "Physically, culturally, and linguistically, the Shipaya are the closest relatives of the Yuruna, being in ma.ny respects indistinguishable." (18) Nimuendajú, idem, pâg. 214 - "Martins (1867) and Lumen Adam (1896) ehallenge the Tupi relationship of the Yuruna, whieh is accepted by such competent authorities as Bettendorf, Vou ~en Steinen, and Brinton. Closer etudy leads me to the provisional eonclusion that Yuruna, 'Shipaya, Manitsauá, and perhaps Arupaf form a special division of impure Tupi languagee." (19) Nimuendajú, 1932, págs. 581·589, 194.2. (20) Nimuendajú, 1932, páge. 583-58as flechas j uruna não possuem a emplumação costurada característica do alto Xingu; o tipo de emplumação é tangen cial. Para expremer a massa de mandioca, usam os índios do alto Xingu (22) Nimuendajú, 1948, pág. 229. (23) Veja-se a gravura reproduzida em Steinen, 1942, pág. 806. (24) Lima, (1949). ' I -- Tipos e formas de cerâmica juruna. ' REVISTA DO MUSEU PAULISTA, N. S., VOL. VI 475 de uma esteira que é enrolada e apertada com as mãos; entre os J uruna prevalece o uso do tipiti, tubo cilíndrico, flexível, feito de trançado, que se distende por um processo mecânico. Diferem ainda os ornamentos dos instrumentos musicais. A base da subsistência é a mesma. - agricultura de queimada para o cultivo de mandioca, milho, batata-doce, algodão, etc., traço peculiar às tribos da floresta amazônica. Os Juruna em adição àquelas plantas cultivam a cana de açúcar. Suplementam a dieta com a pesca e a caça, sendo esta última atividade muito atenuada entre os índios do alto Xingu, que dependem quase exclusivamente da pesca. Sua organização social parece basear-se em famílias extensas, patri locais (25), que ocupam residências comuns. A chefia se transmite de pai a filho ( 26 ) , fato que pudemos constatar. Falecido o velho J ubé, capitão da aldeia, sucedeu-lhe o filho Pawadê. Adalbert se refere a um cacique, chefe de tôda a tribo, a que os demais capitães estariam subor dinados (27), observação difícil de constatar hoje em dia porque a tribo está reduzida a uma única aldeia. A poliginia é admitida. A êsse respeito pouco diferem os Juruna das tribos do alto Xingu - também organi zadas em famílias extensas e com tendência a acentuar a patrilocalidade, pelo menos no caso dos líderes ou capitães, e onde a transmissão de chefia se faz de pai a filho ou de irmão para irmão -, que igualmente praticam a poliginia. Sôbre a religião é muito escassa a informação. Segundo Nimuendajú acreditam na mesma divindade que os Chipáia chamam de Kumãpari e em um herói-cultural. Certos locais, especialmente as rochas, são consi derados a moradia dos espíritos dos mortos. Pajés usam o fumo, m~ sagens e sucção com a bôca para curar; as influências malignas são transferidas para um ramo de folhagem (28). Os mesmos processos são usados pelo,s pajés das tribos do alto Xingu. Estas aparentemente não possuem uma divindade principal, mas acreditam na existência de sobre naturais que povoam a mata e os rios. Aos seus heróis-culturais não prestam culto. Nas festas, os Juruna fazem largo uso de uma bebida (25) Nimuendajú, 1948, pág. 233 - "The Yuruna were divided into viDages each composed of a number of families (patrilineal ~)." (26) Idem. (27) Adalbert, 1849. (28) Nimuendajú, 1948, págs. 242·243. 476 REVISTA. DO MUSEU PAULISTA, N. S., VOL. VI fermentada, feita de mandioca ( 2 n) , desconhecida dos Kamaiurá, Tru1nai ' e outros. Essa notícia tem o único objetivo de ressaltar a situação atual dos J uruna, reduzidos atualmente a pouco mais de trinta indivíduos, quando há um século atrás atingiam como tribo a cifra de dois mil. Assinala também o último limite de sua longa e acidentada marcha em demanda do alto rio Xingu em busca de refúgio. Imprensados entre os brasileiros (seringueiros e castanheiros) que avançam sôhre o curso do rio e tribos que tradicionalmente ocupam as zonas mais protegidas, terão que per- manecer na atual posição. O seu pequeno número leva a pensar que em breve estarão extintos como tribo. O documentário necessário à recons trução de sua história é escasso. Pouco se conhece de sua cultura original de modo a se poder avaliar as modificações que surgiram de seu contato com brasileiros e com outras tribos. Utilizamos apenas os marcos que ilustram as principais etapas da migração, e que contribuem igualmente para o esclarecimento da história do povoamento do rio Xingu. Os atuais ocupantes das cabeceiras do Xingu provàvelmente percorreran1 caminho idêntico, porém em tempo muito mais remoto. De outro modo não se explicaria a integração de diversas tradições tribais em um conjunto mais ou menos uniforme que se pode considerar uma área cultural. Os Juruna, recém-chegados, mantêm sua individualidade cul tural, cujas raízes se encontram provàvelmente no grande grupo Kawayh da rnesopotâmia Tapajoz-Xingu. (29) Nimuendajú, 1948, pág. 286; Steinen, 1942, pãg~. 314·816. REFER~NCIA BIBLIOGRÁFICA _AD.ALBERT (Prince o/ Prussia) 1849 - Travels of H. R. H. Prince Adalbert of Prussia (Trad. Schomhurgk e Taylor) , 2 vols, London. COUDREAU, HENRI 1897 - Voyage au Xingu (1896), Paris. LEITE, SERAFIM 1943 - História da Companhia de Jesus. Vol. III, Rio de Janeiro. LIMA, P. 1949 - Os Índios Waurá. 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Note-se, como na fig. 2, o en feite característico: o botão de 'sororoca junto à raiz dos cabelos. Foto E. Galvão. -.. Fig. 4 - Homem juruna. Foto E. Galvão . • .,, .. o ::s n :r o -- Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai www.etnolinguistica.org 000_RMPns6 469 470 471 472 473 474 474b 475 476 477 478 478b 478c