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ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS Olá, caro (a) aluno (a)! O uso da metodologia de análise de redes sociais se espalhou rapidamente nos últimos anos e trouxe uma importante contribuição para a compreensão do papel do capital social no desenvolvimento. A construção de redes sociais e a consequente aquisição de capital social são impulsionadas por fatores culturais, políticos e sociais. O conceito de capital social é multidimensional, o que significa combinar vários níveis de análise e unidades diferentes. Neste capítulo, estudaremos sobre o capital social e sua relação com as redes sociais, definiremos conceitos e bases que destacam a importância da utilização de uma metodologia de análise de redes sociais para compreender o fenômeno do acesso à informação e sua importância para o desenvolvimento econômico e social de comunidades e grupos sociais. Bons estudos! AULA 6 – CAPITAL SOCIAL: REDES SOCIAIS E REDES CORPORATIVAS. 6 A ANÁLISE DE REDES SOCIAIS A análise das redes sociais interessa a pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, que, buscando compreender seu impacto na vida social, criaram diferentes metodologias analíticas baseadas nas relações entre os indivíduos de forma estruturada. Redes são sistemas constituídos por "nós" e as conexões entre eles, representados nas ciências sociais por sujeitos sociais (indivíduos, grupos, organizações, etc.), que estão conectados por algum tipo de relação. A ideia de que as relações sociais formam um tecido que orienta as ações dos indivíduos se origina no início do século XX. Originalmente na sociologia e, posteriormente, na psicologia e na antropologia, a metáfora do tecido ou rede, que relaciona o comportamento individual à estrutura a que pertence, é transformada em um método denominado sociometria, cujo analisador se apresenta na forma de um sociograma, que são diagramas de rede que permitem a visualização da estrutura que está sendo estudada (MARTELETO, 2004). A metodologia e a ferramenta de análise tinham limitações claras. Os sociólogos, principais usuários dessa técnica, estudam grupos pequenos, geralmente informais. Assim como nesse tipo de análise, o número de associações possíveis aumenta exponencialmente (o número de associações entre n indivíduos é n(n-1)/2 ) à medida que aumenta o número de indivíduos estudados e sem equipamentos, ferramentas ou métodos automatizados para verificação de redes. O tamanho dos grupos estudados foi necessariamente pequeno. O método de estudo sistemático de redes é, portanto, bastante novo, pois surgiu na década de 1940 quando os relacionamentos passaram a ser apresentados na forma de matrizes (matrizes contendo n linhas e colunas, onde n é o número de indivíduos cujas células foram preenchidas com 0s e 1s, não representa uma relação entre quaisquer dois indivíduos ou existências) que se beneficiam da base matemática da álgebra linear. Na década de 1970, análises mais sofisticadas e amplas foram desenvolvidas à medida que o poder do computador aumentou e um software adequado foi desenvolvido para processar e analisar grandes bancos de dados na forma de redes (MARTELETO, 2004). Assim, houve um lapso de tempo entre a definição teórica e conceitual da importância das redes na compreensão da sociedade e as ferramentas de análise que facilitariam e difundiriam a pesquisa empírica em diversos campos do conhecimento, tudo isso graças ao desenvolvimento da tecnologia e computação, desenvolvimento de software e da matemática aplicada (MARTELETO, 2004). Há um debate epistemológico sobre a análise das redes sociais. Para muitos autores, trata-se de uma metodologia de análise de dados relacionais que permite captar diversos fenômenos sociais que se deseja estudar segundo a teoria de um determinado campo do conhecimento; para outros, é um novo paradigma de análise estrutural (DEGENNE E FORSÉ, 1994), que usam o termo "interacionismo estrutural", e para uma terceira classe de autores, é uma tentativa de introduzir um nível intermediário entre as abordagens micro e macro na análise da realidade social ou entre o indivíduo e a estrutura na sociologia dominante (MARTELETO, 2001). De qualquer forma, há uma linguagem e métodos comuns para coleta e análise de dados que podem ser usados em vários modelos teóricos. Embora seja evidente o interesse das ciências sociais pelo tema, especialmente na sociologia, suas aplicações não se limitam a esse campo. 6.1 Conceitos básicos da análise de redes sociais Norbert Elias, enfatiza a importância das relações sociais dos indivíduos como um fator chave para a compreensão da sociedade. Sua visão baseava-se na crítica do que chamou de “duas formas radicais da sociologia” que ora priorizam o indivíduo, ora a estrutura. Sua obra começou a se desenvolver a partir da década de 1930, quando publicou o texto "A sociedade dos indivíduos", que aparece como primeiro capítulo do livro de mesmo nome, e critica tanto o conceito de indivíduo (a pessoa individual, se fosse um todo, que vivia em completo isolamento) quanto toda a sociedade, que muitas vezes é entendida como simples soma de indivíduos ou como um objeto que existe fora dos indivíduos e não precisa de maiores explicações. Daí o termo "sociedade de indivíduos", duas palavras que não são usadas desta forma agora para justificar a necessidade intelectual de compreender a relação entre o indivíduo e a sociedade. Assim Elias afirma a necessidade de: modelos conceituais e uma visão global mediante os quais possamos tornar compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos diariamente na realidade, mediante os quais possamos compreender de que modo um grande número de indivíduos compõe entre si algo maior e diferente de uma coleção de indivíduos isolados: como é que eles formam uma ‘sociedade’ e como sucede a essa sociedade poder modificar-se de maneiras específicas, ter uma história que segue um curso não pretendido ou planejado por qualquer dos indivíduos que a compõem (ELIAS, 1994, p.16). O pano de fundo é que o todo difere de suas partes constituintes, e as leis que regem o todo não podem ser compreendidas a partir da análise de seus elementos individuais. Para entender verdadeiramente os fenômenos sociais, é necessário eliminar a oposição entre esses dois conceitos ou interpretações. As pessoas vivem em teias de dependência das quais é difícil se livrar. Essas redes são diferentes em cada sociedade. O comportamento de uma pessoa é determinado por seus relacionamentos passados ou presentes com outras pessoas. E a interdependência da atividade humana visa e molda profundamente uma pessoa (MARTELETO, 2004). As regras e leis das redes humanas diferem dos planos e desejos dos indivíduos que as formam. Como os humanos não são tão limitados por definições biológicas quanto outros animais, o entrelaçamento dessas funções dá origem a essas leis e estruturas especiais. Portanto, as redes possuem mecanismos automáticos de mudança e transformações históricas que independem da vontade de seus componentes individualmente (MARTELETO, 2004). 6.2 Granovetter e a força dos laços fracos Granovetter (1973) coloca a análise das redes sociais e sua importância na compreensão das interações em nível micro e macro, como um elemento central. Ele analisa os laços sociais existentes e os classifica como fortes (definidos como aqueles em que as pessoas passam mais tempo em intensidade emocional e trocas; como amizade, por exemplo) e fracos (aqueles em que há menor ou desprezível investimento, como estar com pessoas apenas conhecidas). Com base em tríades (relacionamentos entre três indivíduos, ou seja, se houver relacionamentos AB e AC fortes, haverá um relacionamento BC) e pontes (conexões entre dois indivíduos que estãoem grupos separados e não estão relacionados entre si, exceto por esse relacionamento), ele aprofunda a análise na direção de que são as relações fracas que determinam a expansão e a força das redes. Intuitivamente, a explicação é simples: quando dois indivíduos têm laços fortes, é provável que seus laços se sobreponham e a rede na sua totalidade seja relativamente restrita. Assim, os laços fracos expandem os limites das redes ao conectar grupos díspares. 6.3 Redes e capital social O interesse pelo estudo das redes sociais também está relacionado ao crescimento de pesquisas em economia e sociologia sobre a importância do capital social. Em suma, a participação em redes está relacionada com o capital social estrutural, pelo que é muito importante perceber o tipo de rede considerada (diversidade de participantes, institucionalização de regras de decisão, objetivos gerais ou específicos, dimensão e área geográfica, dimensão e geografia da rede, área, participação em rede, etc.). A confiança (e a expectativa) entre os indivíduos de uma rede está relacionada ao capital social cognitivo e influencia a ação coletiva do grupo. Está parcialmente relacionado à disponibilidade de informações locais e gerais, este último relacionado aos meios de comunicação de massa, ou seja, fontes pessoais e impessoais (MARTELETO, 2004). Capital social não deve ser confundido com capital humano ou infraestrutura. O capital humano inclui as habilidades e conhecimentos de um indivíduo que, com outras características e insumos pessoais, aumentam as possibilidades de produção e o bem-estar pessoal, social e econômico. Parte deste capital está relacionado com o processo de aprendizagem formal ou informal pelo qual todos passam, mas tanto a sua aquisição como a sua utilização são processos que afetam o indivíduo. Já a infraestrutura significa equipamentos e ferramentas para produção e distribuição. Por fim, o capital social, é definido como normas, valores, instituições e relações comuns que permitem a cooperação dentro ou entre diferentes grupos sociais. Portanto, eles dependem da comunicação entre pelo menos dois indivíduos. Isso mostra a estrutura de rede por trás do conceito de capital social, que agora é definido como o recurso de uma comunidade criado por suas redes de relacionamentos. (MARTELETO, 2004). A construção de redes sociais e a consequente aquisição de capital social são impulsionadas por fatores culturais, políticos e sociais. A compreensão dessa constituição pode levar a sua utilização como mais um meio para promover o desenvolvimento e a inclusão social, principalmente nas comunidades. Para isso, deve-se considerar que as redes são canais por onde circulam o conhecimento e a informação. Os valores e expectativas em torno da rede criam padrões de controle para seus membros (THE NATIONAL ECONOMIC AND SOCIAL FORUM, 2003). O capital social é multidimensional por natureza. Uma visão mais restrita a define como um conjunto de normas e redes sociais que afetam o bem-estar da comunidade em que estão inseridas e que facilitam a cooperação entre seus membros, reduzindo os custos de obtenção e processamento de informações. Nesse caso, as relações básicas para a formação de redes seriam entre iguais, ou seja, indivíduos que se assemelham em suas características demográficas (bonding social capital ou "capital social de ligação") (MARTELETO, 2004). No entanto, as redes assim formadas não permitem que a comunidade rompa seus próprios limites, embora essa ruptura seja essencial para criar objetivos comuns e confiança entre os membros. Assim, as redes devem se expandir para criar conexões com outras comunidades semelhantes e, assim, expandir suas atividades (bridging social capital ou "capital social de ponte") (MARTELETO, 2004). Embora esta rede se estenda às comunidades, ainda tem funções horizontais. Para entender seu alcance, portanto, é necessário identificar conexões com indivíduos que ocupam cargos de autoridade, ou seja, que podem fornecer recursos adicionais para o desenvolvimento da comunidade (conjunto de capital social). Observe que a ligação entre capital social de ligação e ponte é o conceito de "laços fortes e fracos" mencionado acima, conforme observado por Granovetter (1973). De fato, a utilização do conceito de conexão do tipo ponte para indicar as relações entre diferentes grupos já apareceu anteriormente como um exemplo de que as fracas relações existentes entre diferentes grupos seriam fundamentais na criação de redes que estendessem algumas informações, por exemplo, sobre oportunidades de trabalho. Laços fortes (neste caso dentro da mesma comunidade) não realizariam essa tarefa porque as redes de cada pessoa se sobrepõem (as informações de emprego seriam as mesmas). O ideal para as comunidades é que seu capital social seja distribuído entre essas três formas de redes sociais, pois cada uma delas é responsável por aspectos importantes para o sucesso da comunidade: i) confiança e comprometimento; ii) expansão do conhecimento e das fontes de conhecimento; (iii) acesso a instituições e poder. 6.4 A base teórica e a contribuição de Pierre Bourdieu Na maioria das pesquisas sobre o tema, destacam-se três teóricos ligados ao conceito de capital social. James Coleman aplica o conceito ao campo da educação e analisa seu papel no crescimento do capital humano na abordagem de escolha racional. Para este autor, o capital social é um recurso para um indivíduo que pertence a uma determinada estrutura; Robert Putnam aplicou esse conceito à sua compreensão da participação e inclusão social e seu impacto nas instituições democráticas e na qualidade da governança em algumas regiões italianas. Ambos tratam o capital social como um recurso coletivo baseado em normas e redes de troca entre indivíduos. Já Pierre Bourdieu, considera o capital social como a soma de recursos resultantes de uma rede de relações institucionalizadas de reconhecimento mútuo nos campos sociais. As pessoas usam meios para promover a hierarquização social do campo, sendo uma prática resultante da interação do indivíduo com a estrutura. Cada campo social se caracteriza como um espaço onde se manifestam as relações de poder, o que significa dizer que os campos sociais se estruturam a partir de uma distribuição desigual do quantum social, que determina a posição de cada ator individual nele. P. Bourdieu chama esse quantum de "capital social". A estrutura do campo consiste, assim, em dois polos opostos: o polo dominante e o polo controlador. Os representantes do primeiro polo são justamente aqueles que detêm o máximo de capital social, enquanto os que se localizam no polo dominante são definidos pela falta ou escassez de capital apurado no espaço específico de sua região, no que lhe concerne, em toda a sociedade (BOURDIEU, 1985). Fundamentos teóricos para explicar o conceito de capital social, mais diretamente orientados para o campo econômico, existem no estudo da burguesia francesa (BOURDIEU E SAINT MARTIN, 1978). Por meio de um trabalho empírico extenso e minucioso, os autores desenvolvem um método para entender as origens e o comportamento dos patronos franceses, analisando seu histórico familiar, passando pelas escolas e clubes que frequentam, até as associações a que pertencem. Destacando as conexões existentes entre as estratégias de sobrevivência econômica das empresas e as de sobrevivência familiar, o papel do sistema educacional e as redes familiares e empresariais, bem como as redes originárias da academia, os autores mostram a importância de todas essas redes. Embora o conceito de rede não seja muito utilizado, sua importância para a confiabilidade da análise é clara. À medida que a pesquisa avança, outras noções de capital relacionadas a redes aparecem, como capital de relacionamento pessoal e informacionale outras formas relacionadas a atores e sua localização. 6.5 Capital social e desenvolvimento Na literatura econômica são apresentadas várias formas de capital, com uma possibilidade comum de acumulação. Muitas formas de capital também possuem características que permitem sua valorização e neociação em mercados, ou seja, os mercados determinam seu preço e disponibilidade, enquanto a teoria do desenvolvimento econômico vincula a acumulação de capital ao crescimento. Algumas características sobre o capital social parecem sobressair em alguns estudos, como a ausência de retornos decrescentes, um capital que fica mais caro com o uso (para não se deteriorar), nasce coletivamente das relações sociais das comunidades, e seus benefícios não podem ser medidos antecipadamente. Há evidências de que o capital social pode ser utilizado para promover a redução da pobreza, o desenvolvimento e o bem-estar social, o que convergiria os interesses sociológicos e econômicos do campo. Contudo, a literatura econômica mostra que o assunto é extenso. Embora possa ser associada ao desenvolvimento, sobretudo local, a sua promoção não é trivial, ou seja, como ela está ancorada em redes de relações sociais não é óbvia de uma perspectiva social, pois sua expansão ou modificação pode afetar o bem-estar de seus constituintes (MARTELETO, 2004). Além disso, conceitos como "confiança", "comunidade" e "redes" são difíceis de aplicar e, principalmente, de quantificar e definir, pois existe um consenso entre os pesquisadores de que não é suficiente reconhecer o número de componentes da rede (ligações e nós), mas sim entender sua importância para a comunidade. Este é um desafio para os pesquisadores e, principalmente, para aqueles interessados em usar o capital social para promover o desenvolvimento. Como já mencionado, o capital social é multidimensional, o que significa combinar vários níveis e unidades de análise diferentes. Assim, no trabalho de ensino e investigação, são utilizadas combinações de várias metodologias de investigação quantitativas e qualitativas, as quais se apoiam em quadros teóricos específicos dos domínios das ciências emocionais incluídos nas análises. Segundo Glaeser, Laibson e Sacerdote (2002), os fundamentos teóricos para medir empiricamente os efeitos do capital social são bastante claros, mas o mesmo não é verdade para identificar os mecanismos envolvidos na sua criação. Parte da dificuldade decorre do fato de que o verdadeiro dono do capital social não é o indivíduo, mas a comunidade através da rede de relacionamentos existentes. Portanto, é difícil para os economistas criar um quadro conceitual em que a comunidade deva ser considerada uma unidade decisiva. O conceito de capital social e seu uso arbitrário têm sido amplamente criticado, como se fosse um conceito que pudesse mostrar soluções para todos os males da exclusão social e resolver os problemas do baixo nível de desenvolvimento. Por isso é importante ressaltar que nem todas as formas de capital social são positivas e que ele pode ser usado negativamente contra quem está fora de uma rede definida ou até mesmo criar grupos corruptos e sistemas autoritários. Outra crítica é que podem surgir situações que não favorecem as iniciativas individuais e limitam a liberdade pessoal (MARTELETO, 2004). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DEGENNE, Alain. FORSÉ, Michel. Les réseaux sociaux: une analyse structurale en sociologie. Paris: Armand Colin, 1994. DURSTON, John. El capital social campesino en la gestión del desarrollo rural: díadas, equipos, puentes y escaleras. Santiago de Chile: Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2002. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. GLAESER, Edward; LAIBSON, David; SACERDOTE, Bruce. An economic approach to social capital. Economic Journal, Oxford, v. 112, n. 483, p. 437-458, nov. 2002. GRANOVETTER, Mark. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, Chicago, v. 91, n. 3, Nov. 1985. MARTELETO, Regina Maria. Análise das redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 30, n. 1, p.71-81, jan./abr. 2001. MARTELETO, Regina Maria; SILVA, Antonio Braz de Oliveira. Redes e capital social: o enfoque da informação para o desenvolvimento local. Ciência da informação, v. 33, p. 41-49, 2004. NATIONAL ECONOMIC AND SOCIAL FORUM. The policy implications of social capital. (Forum report, n. 28). Dublin, 2003. WATTS, Duncan J. 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