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QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO EDUARDO JORGE HILUY NICOLAU Procurador-Geral de Justiça LIZE DE MARIA BRANDÃO DE SÁ COSTA Subprocuradora-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos REGINA MARIA DA COSTA LEITE Subprocuradora-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos THEMIS MARIA PACHECO DE CARVALHO Corregedora-Geral do Ministério Público MARIA LUIZA RIBEIRO MARTINS Ouvidora do Ministério Público KARLA ADRIANA HOLANDA FARIAS VIEIRA Diretora da Escola Superior do Ministério Público CARLOS HENRIQUE RODRIGUES VIEIRA Diretor da Secretaria de Planejamento e Gestão JOSÉ MÁRCIO MAIA ALVES Diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais JÚLIO CÉSAR GUIMARÃES Diretor-Geral da Procuradoria-Geral de Justiça Sandro Carvalho Lobato de Carvalho São Luís 2021 QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL Copyright © 2021 by Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão Coordenação Karla Adriana Holanda Farias Vieira Promotora de Justiça Diretora da ESMP/MA Revisão Claunísio Amorim Carvalho Maria Alaide Natali Diagramação e arte da capa Renê da Silva Caldas Impressão Facilita Gráfica Digital Ltda Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão Sede Av. Prof. Carlos Cunha n.º 3261, Calhau São Luís-MA.CEP: 65076-820 Fones: (98) 3219-1600 / (98) 3219-1624 Homepage: http://www.mpma.mp.br Centro Cultural e Administrativo do Ministério Público do Maranhão Rua Osvaldo Cruz,1396 - Centro São Luís-MA CEP: 65020-910 Fones: (98) 3219-1804 / (98) 3219-1998 Homepage: http://www.mpma.mp.br As opiniões expressas nesta obra são de exclusiva responsabilidade do autor. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca da ESMP/MA) Carvalho, Sandro Carvalho Lobato de Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal / Sandro Carvalho Lobato de Carvalho. – São Luís: Procuradoria Geral de Justiça, 2021. 230 p. ISBN 978-65-87765-05-1 1. Persecução penal. 2. Processo penal. I. Título. CDU 343.1 Para Bianca, And I’ll love you always. Para meus filhos, Beatriz e Enzo, meus eternos amores. Para meus pais, Joel e Selda, por tudo. À minha irmã Vanessa, por estar sempre perto. Aos meus tios Joaquim Henrique de Carvalho Lobato e Joaquim Clementino Lobato Filho (in memoriam), minha constante gratidão. Ao Ministério Público do Estado Maranhão. PREFÁCIO Honrada com o convite para prefaciar a obra “Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal”, de autoria do Promotor de Justiça Sandro Carvalho Lobato de Carvalho, faço-o com muita satisfação, sobretudo pelo privilégio de ter sido uma das primeiras leitoras do texto. Como dizia Saramago: “Toda obra literária leva uma pessoa dentro, que é o autor. O autor é um pequeno mundo entre outros pequenos mundos. A sua experiência existencial, os seus pensamentos, os seus sentimentos estão ali”. Temos, na obra em questão, as impressões digitais do autor, colega de carreira no Ministério Público do Maranhão, que, com vasta qualificação e experiência na matéria, nos desperta à reflexão desde o início, travando análises de cunho prático, aplicáveis à realidade do sistema de Justiça brasileiro e daqueles que o instrumentalizam. Exemplo disso é o capítulo em que propõe perguntas como: o que é o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? Qual a sua origem? Onde está previsto? Qual a sua natureza jurídica e o seu objetivo? Estas e outras indagações, com suas respectivas respostas, mostram o seu caráter eminentemente didático e funcional. A obra desenvolve-se nessa dialética do questionar-se, abordando aspectos práticos da atuação ministerial na realização dos Acordos de Não Persecução Penal entre o parquet e o investigado na fase de apuração do ilícito penal. Dessa forma, o autor presenteia-nos com a publicação de ferramenta sólida de consulta facilitada sobre a temática. Em tempos em que o excesso de textos, cada vez maior, dificulta o encontro da informação útil, serve o presente livro como uma excelente curadoria de leitura para a atuação ministerial. Composta por anexos que sistematizam os crimes previstos no Código Penal com possibilidade de aplicação do ANPP, bem como compilação das demais legislações especiais frequentemente utilizadas para atuação do Ministério Público Estadual, a obra nos permite, então, novos passos em prol da consolidação do ANPP como instrumento de política criminal à disposição do parquet. Mostra também uma força cada vez mais crescente do Ministério Público do Maranhão, que é a de produzir, através de seus membros, literatura jurídica de qualidade para uso do próprio Ministério Público. Por fim, desejo a todos uma ótima leitura e deixo aqui o convite para que os leitores se apropriem da obra como ferramenta de consulta diária, por sua efetiva contribuição para uniformizar a aplicação do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). KARLA ADRIANA HOLANDA FARIAS VIEIRA Diretora da Escola Superior do Ministério Público do Maranhão APRESENTAÇÃO Honrou-me o Dr. Sandro Carvalho Lobato de Carvalho, com o convite para a apresentação de sua brilhante obra “Questões Práticas Sobre o Acordo de Não Persecução Penal”. O autor dispensa maiores apresentações por se tratar de um colega de Ministério Público que é referência nacional de atuação, além de grande pesquisador. A obra, por sua vez, representa a sintetização dos seus estudos e da sua atuação ímpar como promotor de justiça. O valioso estudo trazido a lume, trata, com sistemática impecável, do acordo de não persecução penal, tema atual e de extrema relevância institucional. Inicialmente, fixa o seu conceito, sua origem, natureza jurídica, previsão legal, suas características, sua aplicação e aborda as mais diversas hipóteses nas quais pode ser feita a proposta do acordo de não persecução penal. Através de uma linguagem didática e objetiva, o autor analisa o acordo de não persecução penal e esclarece inúmeros pontos que poderiam ser objeto de dúvida aos aplicadores do instituto, como, por exemplo, sua aplicabilidade em certos tipos penais, sua possibilidade de aplicação em crimes de competência originária dos tribunais, suas condições, bem como sua coexistência com institutos despenalizadores como a transação penal e o sursis processual. Como o próprio título da obra sugere, o intuito principal é discorrer sobre as questões práticas que envolvem o acordo de não persecução penal. Consequentemente, o leitor passa a compreender não apenas o instituto em si, mas também a importância da justiça negociada, a qual é uma tendência de futuro e que tem se materializado de forma muito significativa no ordenamento jurídico pátrio. Com coerência e autonomia intelectual, o Dr. Sandro Lobato nos demonstra que a solução negociada dos conflitos se insere no conceito de acesso à justiça, em modelo mais amplo que o acesso ao Poder Judiciário, incluindo todo meio legítimo de efetivação dos direitos. Sabe-se que a justiça negocial é um instrumento de política criminal de grande valia à persecução penal, tendo em vista a celeridade processual assegurada constitucionalmente. Ao lado disso, existe um grande volume de processos criminais existentes no país que demanda dos membros do Ministério Público uma atuação mais célere e objetiva nos casos de menor gravidade, de forma a garantir que as instituições tenham mais condições e tempo para se debruçar sobre os casos mais graves. Dentre os muitos ensinamentos compartilhados no decorrer deste livro, o autor ressalta com maestria a importância da atuação do Ministério Público quanto ao tema, trazendo esclarecimentos sobre as formas de agir da instituição ao oferecer e ao deixar de oferecer o acordo. Assim, além de todas as questões práticas sistematicamente apresentadas, a obra ainda permite uma reflexão acerca da importância do Ministério Público Brasileirobuscar ser, cada vez mais, uma instituição com atuação resolutiva na defesa da sociedade. Para todos os que possuem contato com a obra, fica uma mensagem: mecanismos como o acordo de não persecução penal reforçam o papel do Ministério Público como fomentador de políticas públicas e, sobretudo, agente capaz de consolidar uma cultura de paz. Bons estudos! EDUARDO JORGE HILUY NICOLAU Procurador-Geral de Justiça SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO ..................................................................................19 II. PERGUNTAS E RESPOSTAS ........................................................20 1. O que é o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? ......................20 2. Qual a origem do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? Onde está previsto o ANPP? .............................................................21 3. O art. 18 da Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, que instituiu o ANPP, ainda está em vigor? .......22 4. Qual a natureza jurídica do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? ............................................................................................23 5. Qual o objetivo do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? .......24 6. Quais os pressupostos legais para o Acordo de Não Persecução Penal? ................................................................................................25 7. Para o Acordo de Não Persecução Penal é necessária a existência de um procedimento investigatório? .................................................25 8. O ANPP poderá ser oferecido se for caso de arquivamento da investigação? .....................................................................................26 9. Cabe Acordo de Não Persecução Penal nas infrações penais praticadas com violência ou grave ameaça? ......................................27 10. A violência ou grave ameaça na prática da infração penal que impede o ANPP é a contra a pessoa? .................................................27 11. Cabe ANPP em relação às contravenções penais? ............................28 12. Cabe ANPP em crime culposo com resultado violento? ...................29 13. Cabe Acordo de Não Persecução Penal nas infrações penais com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos? ...........................................31 14. Para aferição da pena mínima cominada ao delito, devem ser consideradas as causas de aumento e de diminuição aplicáveis ao caso concreto? ...............................................................................31 15. Somente será possível a proposta de Acordo de Não Persecução Penal se o investigado voluntariamente confessar formal e circunstanciadamente a prática da infração penal? ...........................34 16. A confissão exigida para o ANPP ofende o direito constitucional ao silêncio? ........................................................................................39 17. Existindo dúvidas sobre a integridade mental do investigado, poderá ser oferecido o Acordo de Não Persecução Penal? ...............40 18. Se o investigado não tiver confessado a prática da infração penal no inquérito policial, necessariamente estará inviabilizada a proposta de Acordo de Não Persecução Penal? .................................42 19. A confissão exigida para o Acordo de Não Persecução Penal serve para formar a opinio delict do Ministério Público? .................45 20. A confissão exigida para o Acordo de Não Persecução Penal significa reconhecimento expresso de culpa do investigado? ...........46 21. A confissão exigida para o Acordo de Não Persecução Penal pode ser usada no processo criminal, caso descumprido o ANPP? ...47 22. E se o Acordo de Não Persecução Penal não for homologado pelo Juízo, pode a confissão ser usada no processo criminal? ..........50 23. Qual o momento oportuno para o membro do Ministério Público avaliar se o caso permite ou não ANPP? ...........................................50 24. Qual o momento oportuno para o membro do Ministério Público oferecer o ANPP? ..............................................................................51 25. Cabe acordo de não persecução penal nos processos com denúncia recebida antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019? .............54 26. O que é o acordo de não continuidade da persecução penal (ou de não prosseguimento da persecução penal)? ..................................67 27. Nos processos com denúncia já recebida antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, até que fase processual pode ser firmado o Acordo de Não Persecução Penal (ou de não continuidade da persecução penal)? ..................................................68 28. A quem compete oferecer o ANPP? ..................................................78 29. O juiz pode oferecer o ANPP? ..........................................................78 30. O Acordo de Não Persecução Penal é direito subjetivo do investigado? .......................................................................................80 31. Presentes os pressupostos do Acordo de Não Persecução Penal, o Ministério Público pode negar seu oferecimento se verificar que o ANPP não é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção da infração penal? ............................................................87 32. Cabe Acordo de Não Persecução Penal na hipótese de crimes hediondos ou equiparados? ...............................................................92 33. Cabe Acordo de Não Persecução Penal na hipótese de tráfico privilegiado? ......................................................................................96 34. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes de racismo? .......98 35. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes contra a Administração Pública? E nos crimes da Lei de Licitação? E nos crimes do Decreto-Lei nº 201/1967? ....................................... 100 36. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes ambientais? .... 102 37. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes eleitorais? ....... 103 38. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes militares? ....... 104 39. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade? ......................................................... 109 40. Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes de competência originária dos Tribunais? .................................................................111 41. Cabe Acordo de Não Persecução Penal se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais? ..............112 42. Cabe Acordo de Não Persecução Penal se for cabível a suspensão condicional do processo? .................................................................113 43. Cabe Acordo de Não Persecução Penal se for o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional? ......................114 44. Cabe Acordo de Não Persecução Penal se o investigado tiver sido beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo? ..........................................118 45. Cabe Acordo de Não Persecução Penal nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou nos praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino? ............119 46. Cabe Acordo de Não Persecução Penal quando for cabível acordo de colaboração premiada? .................................................. 122 47. Há imposição de sanção penal no Acordo de Não Persecução Penal? ............................................................................................. 124 48. Quais são as condições do Acordo de Não Persecução Penal? ...... 125 49. Como condição do Acordo de Não Persecução Penal o investigado deve reparar o dano ou restituir a coisa à vítima? ....... 126 50. No que consiste a condição do ANPP em o investigadorenunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime? .......... 128 51. Pode ser prevista como condição do ANPP a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas? ............................. 129 52. Prevista como condição do ANPP a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, é o Ministério Público quem indica o local de cumprimento para o investigado? ............. 130 53. Pode ser prevista como condição do ANPP o pagamento de prestação pecuniária? ..................................................................... 131 54. Para onde pode ser destinada a prestação pecuniária acordada no ANPP? É o Ministério Público que indica o destino da prestação pecuniária? ...................................................................................... 132 55. O Ministério Público pode ajustar no ANPP outra condição que não as previstas nos incisos I a IV do art. 28-A, do CPP? ............. 133 56. As condições uma vez aceitas e o ANPP homologado podem ser objeto de alteração (novação)? ....................................................... 135 57. Como deve ser formalizado o Acordo de Não Persecução Penal? . 136 58. É imprescindível o advogado/defensor para a formalização do Acordo de Não Persecução Penal? ................................................. 138 59. Onde deve ser celebrado o Acordo de Não Persecução Penal? ...... 141 60. O Acordo de Não Persecução Penal deve ser homologado judicialmente? ................................................................................ 142 61. Qual é o Juiz competente para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal? ................................................................... 142 62. É necessária audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal? .......................................................................... 144 63. É necessária a presença do Ministério Público na audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal? ................... 147 64. É possível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal na audiência de custódia? .................................................................... 150 65. Na audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal quais decisões o juiz pode tomar? ........................................ 157 66. Na audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal o que deve fazer o juiz se considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo? ......... 157 67. Caso o juiz, com a concordância do investigado e de seu defensor, devolva os autos ao Ministério Público por ter considerado inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo, o que o Ministério Público pode fazer? ........................ 160 68. Em quais hipóteses o juiz pode recusar homologar o ANPP? Recusando o acordo, quais as providências deve tomar? ............... 161 69. Foi acertada a decisão do legislador de prever o cabimento de recurso em sentido estrito quando o juiz recusa homologar o ANPP contra a vontade do MP e do investigado? .......................... 162 70. Não homologado o ANPP, como fica a confissão realizada? E os instrumentos e/ou produtos e proveitos do crime que foram objeto de ajuste? ............................................................................. 164 71. Quais os efeitos da homologação judicial do ANPP? .................... 166 72. Qual órgão é o responsável pela fiscalização do ANPP? ............... 168 73. Quais documentos devem ser remetidos ao Juízo da Execução Penal para execução/fiscalização do ANPP? .................................. 169 74. E os autos da investigação criminal, como ficam em caso de homologação do ANPP? ................................................................. 172 75. Corre o prazo prescricional durante o tempo de cumprimento do ANPP? ............................................................................................ 173 76. A celebração do ANPP constará na certidão de antecedentes criminais do investigado? ............................................................... 174 77. No caso de cumprimento do ANPP, qual a consequência? ............ 174 78. Qual o Juízo competente para declarar extinta a punibilidade do ANPP em caso de cumprimento integral do acordo? E para rescindir o ANPP em caso de descumprimento? ............................ 174 79. Qual providência o Juízo da Execução deve tomar ao receber o ANPP para a execução? .................................................................. 179 80. Descumprido o ANPP, o Ministério Público, ao oferecer denúncia, pode deixar de oferecer a suspensão condicional do processo? ........................................................................................ 179 81. Descumprido o ANPP e rescindido judicialmente o acordo, como ficam as parcelas que já foram pagas da prestação pecuniária parcelada? ....................................................................................... 181 82. Descumprido o ANPP e rescindido judicialmente o acordo, pode haver detração das condições parcialmente cumpridas na pena a ser imposta em eventual sentença condenatória? ........................... 182 83. Ao deixar de oferecer o ANPP, como o Ministério Público deve agir? ...................................................................................... 183 84. E, em caso de não oferecimento do acordo pelo Ministério Público, como pode agir o investigado? ......................................... 186 85. Pode ser ajuizada ação penal privada subsidiária da pública quando o Ministério Público oferecer ao investigado o Acordo de Não Persecução Penal? .............................................................. 194 86. Cabe ANPP nos crimes de ação penal privada? ............................. 195 87. No caso de sentença desclassificatória, ainda caberia ANPP? ....... 197 88. Nas hipóteses de emendatio libelli ou de mutatio libelli, caberia ANPP? ............................................................................................ 198 89. No caso de concurso de pessoas, como proceder em relação ao ANPP? ............................................................................................ 200 90. No caso de concurso de crimes, em que a um, objetivamente, cabe o ANPP, e o outro é, por exemplo, perpetrado com violência ou grave ameaça, como proceder em relação ao ANPP? ............... 201 III. CONCLUSÕES ............................................................................ 201 REFERÊNCIAS .................................................................................. 203 ANEXOS ............................................................................................. 209 Tabela de crimes previstos no código penal com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ...............................................................................................209 Tabela de crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ............................220 Tabela de crimes previstos na Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ...........................................................221 Tabela de crimes previstos na Lei nº 13.869/2019 (Abuso de Autoridade) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ..............................................................223 Tabela de crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ...........................224 Tabela de crimes previstos na Lei nº 9.605/1998(Crimes Ambientais) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ................225 Tabela de crimes previstos na Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) .....................................................227 Tabela de crimes previstos na Lei nº 8.137/1990 (Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo) com possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal Penal – ANPP (em vista da pena mínima cominada) ......................................................228 19 QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL I) INTRODUÇÃO A Lei nº 13.964/2019 inseriu no Código de Processo Penal o art. 28-A e nele o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). O instituto do ANPP já é conhecido pelo Ministério Público brasileiro desde o ano de 2017, devido à sua previsão na Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Contudo, sendo a previsão apenas no ato normativo do CNMP, sua aplicação restou questionada, sobretudo em sua constitucionalidade, por não estar previsto em lei, prejudicando sua maior utilização e outras discussões sobre o instituto. Com a previsão no CPP, a questão da inconstitucionalidade esvaziou-se, e o ANPP passou a ser efetivamente aplicado e então passaram a surgir diversas dúvidas quanto ao instituto. Por ser um instituto relativamente novo e com alguns questionamentos sobre sua aplicação chegando aos Tribunais somente com a sua previsão no CPP, doutrina e jurisprudência ainda são cambaleantes em diversos aspectos. Até mesmo entre os Ministérios Públicos do Brasil há alguma divergência quanto aos procedimentos para sua utilização. Importante instrumento de política criminal à disposição do Ministério Público, com certeza, com o passar do tempo, muitos dos questionamentos serão esclarecidos, permitindo uma utilização mais uniforme por parte do Ministério Público e o alcance esperado pelo ANPP. 20 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Contudo, neste início de maior visibilidade e aplicação do Acordo de Não Persecução Penal, objetivou-se neste ensaio, sem a pretensão de esgotar o vasto e novo tema, elencar as principais questões que aparecem na prática ministerial de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal, optando-se em mostrá-las na forma de perguntas e respostas com viés prático para facilitar uma consulta mais rápida para aqueles que precisam visitar a matéria, expondo a doutrina e a jurisprudência que já se debruçaram sobre o ANPP, expressando nosso posicionamento a respeito e indicando possíveis sugestões para a atuação. Ao final, em forma de tabelas, elencaram-se os crimes previstos no Código Penal e na legislação especial criminal mais frequentemente usada pelo Ministério Público Estadual em que possivelmente será cabível o Acordo de Não Persecução Penal como forma de auxílio ao consulente do presente escrito. II) PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) O que é o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? O acordo de não persecução penal é um acordo celebrado entre o Ministério Público e o investigado (devidamente assistido por advogado/defensor), notadamente na fase de investigação de um ilícito penal, necessariamente homologado judicialmente, onde o investigado assume a responsabilidade do fato delituoso investigado, aceitando voluntariamente cumprir determinadas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso do Ministério Público de não promover a ação penal e pugnar pela extinção de punibilidade, caso o acordo seja integralmente cumprido. Segundo Alves, Araújo e Arruda (2020, p. 111): Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 21 O acordo de não persecução penal é definido como o ajuste passível de ser celebrado antes do início da ação penal (ou seja, da persecução penal em juízo), no âmbito da investigação criminal, entre o Ministério Público e o investigado (acompanhado de defensor) que, uma vez homologado judicialmente e cumprido, enseja a extinção da punibilidade. O Min. Reynaldo Soares da Fonseca, no AgRg no Recurso em Habeas Corpus nº 128.660 – SP, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 18/08/2020, assim sintetizou o ANPP: Consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos. 2) Qual a origem do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? Onde está previsto o ANPP? O acordo de não persecução penal teve sua origem no art. 18 da Resolução nº 181/2017 (posteriormente alterada pela Resolução nº 183/2018), do Conselho Nacional do Ministério Público. A Lei nº 13.964/2019 (conhecida por “Pacote Anticrime”) inseriu o acordo de não persecução penal no art. 28-A, do Código de Processo Penal. 22 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 3) O art. 18 da Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, que instituiu o ANPP, ainda está em vigor? Sim, com algumas modificações. Como dito, o acordo de não persecução penal teve sua origem no art. 18 da Resolução nº 181/2017 (alterada pela Resolução nº 183/2018), do Conselho Nacional do Ministério Público. Posteriormente, entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019 (conhecida por “Pacote Anticrime”) que inseriu o acordo de não persecução penal no art. 28-A do Código de Processo Penal. Muitos dos dispositivos previstos na Resolução nº 181, do CNMP, foram repetidos no art. 28-A, do CPP. Outros foram previstos de forma diversa. O Conselho Nacional do Ministério Público ainda não promoveu alteração na Resolução nº 181/2017 para adaptá-la à nova disciplina prevista no art. 28-A do CPP. Então, em princípio, por enquanto, temos dois disciplinamentos sobre o ANPP: o art. 28-A, do CPP, e a Resolução nº 181/2017, do CNMP. Como é evidente, tudo que constar na Resolução do CNMP que for contrário ao disciplinado no art. 28-A, do CPP, será tido por revogado pela Lei. De forma bem clara, resume Cabral (2020, p. 55): Em um exame comparativo de cada um dos dispositivos, verifica-se que poderá ocorrer uma das três seguintes situações: (i) a disciplina prevista no art. 28-A, do CPP, está em sentido contrário ao disposto na Resolução, Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 23 caso em que, obviamente, prevalecerá o previsto no CPP, ocorrendo, portanto, revogação, por lei, dos trechos incompatíveis da 181/17; (ii) o disposto no CPP é idêntico ao previsto na Resolução, ficando, portanto, hígida a regra da regulamentação; (iii) o disposto na Resolução, apesar de não ter sido consagrado no art. 28-A, CPP, não encontra vedação ou antinomia na lei, dizendo respeito a temas de organização interna e controle do Ministério Público, hipótese em que continuará a ter validade normativa o contido na Resolução, inclusive, como fonte de aprimoramento da atuação e fiscalização institucional. 4) Qual a natureza jurídica do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? O acordo de não persecução penal é um negócio jurídico de natureza extrajudicial realizado entre as partes, necessariamente homologado judicialmente. Cabral (2020, p. 84) indica que a natureza jurídica do acordo de não persecução penal é caracterizada por um negócio jurídico que consubstancia a política criminal do titular da ação penal na persecução dos delitos. Contudo, Souza (2020, p. 123) vislumbra, com razão, uma natureza jurídica híbrida do ANPP, já que passou a ser, também, uma causa extintiva de punibilidade. Finalmente, define Cunha, V. (2020, p. 301): 24 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Nesse sentido, é possível entender o acordo de não persecução como o negócio jurídico bilateral, de natureza mista, firmado na fase pré-processual, que busca evitar a propositurada ação penal em razão da confissão do investigado e de sua submissão voluntária a determinadas condições. 5) Qual o objetivo do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)? O acordo de não persecução penal foi criado em vista da necessidade de se buscar soluções céleres e efetivas referentes a crimes de baixa e média gravidade, visando ser um mecanismo de solução consensual no âmbito criminal e voltado à fixação de uma política criminal realizada pelo Ministério Público. Nesse aspecto, diz Cabral (2020, p. 84): Assim, e esse é um aspecto muito importante, é fundado precisamente no seu poder de realizar política criminal de persecução penal, que pode o Ministério Público buscar alternativas para dar respostas mais céleres e adequadas aos casos penais de baixa e média gravidade, por meio de acordos penais. Na mesma esteira de pensamento, Souza (2020, p. 122): À natureza negocial pré-processual, soma-se a vocação programática do instituto, voltado para a fixação de um programa de política criminal pautado em critérios decisórios bem ordenados e Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 25 que procura enfrentar o inchaço do poder judiciário e o aumento da criminalidade com racionalidade, em vistas à realidade social. Não se pode perder de vista que o acordo de não persecução penal tem por objetivo, ainda, evitar a ação penal (evitar as misérias do processo penal), sendo um instituto claramente despenalizante. Por fim, o ANPP vem prestigiar um pouco mais a vítima no processo penal brasileiro, prevendo como condição, de forma prioritária, a reparação do dano ou a restituição da coisa à vítima (art. 28-A, I, do CPP) e a sua intimação quando da homologação do ANPP e de seu descumprimento (art. 28-A, § 9º, do CPP). 6) Quais os pressupostos legais para o Acordo de Não Persecução Penal? Os pressupostos legais para o ANPP são cumulativos e previstos, mesmo implicitamente, no caput do art. 28-A, do CPP. São eles: a) existência de procedimento investigatório; b) não ser caso de arquivamento dos autos; c) infração penal sem violência ou grave ameaça; d) pena inferior a 4 (quatro) anos; e) confissão formal e circunstanciada do investigado. 7) Para o Acordo de Não Persecução Penal é necessária a existência de um procedimento investigatório? Sim. A existência de um procedimento investigatório é um pressuposto para o ANPP. Os pressupostos legais para o ANPP são cumulativos e previstos, mesmo implicitamente, no caput do art. 28-A, do CPP. Eis o caso da existência de um procedimento investigatório. O ANPP somente 26 Sandro Carvalho lobato de Carvalho poderá ser firmado no bojo de um procedimento investigatório criminal, ou seja, pode ocorrer em um inquérito policial ou em um procedimento investigatório criminal (PIC) presidido pelo Ministério Público. A existência de uma investigação formal é garantia do investigado e, portanto, o ANPP somente é admitido se existente a investigação formalmente instaurada. 8) O ANPP poderá ser oferecido se for caso de arquivamento da investigação? Não. Um dos pressupostos contidos no caput do art. 28-A, do CPP, para o ANPP é justamente não ser caso de arquivamento da investigação. O ANPP não é um substituto do arquivamento do procedimento investigatório criminal. Ao contrário. É uma alternativa ao ajuizamento da ação penal. Só é cabível ANPP quando nos autos da investigação criminal já existir elementos suficientes para o ajuizamento da ação penal, ou seja, existindo nos autos da investigação criminal justa causa e pressupostos e condições para o oferecimento da denúncia, o Ministério Público vai analisar se o caso comporta ANPP. Importante deixar claro: se da análise dos autos da investigação criminal, o Ministério Público entender que o caso é de arquivamento, seja por prescrição, atipicidade, falta de legitimidade, falta representação da vítima, de requisição do Ministro da Justiça, falta de justa causa etc., deve o membro do Ministério Público promover o arquivamento da investigação, sendo-lhe vedado oferecer o ANPP. Só cabe ANPP na hipótese de viabilidade do ajuizamento da ação penal. Nesse aspecto, leciona Cabral (2020, p. 107): Isto porque – e é fundamental que isso fique bem claro – o acordo de não persecução não pode se prestar Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 27 para ser instrumento de obtenção da justa causa para a investigação. Somente cabe acordo, como se vê do requisito aqui estudado, quando já existir a justa causa, amparada em uma base factual investigativa, e quando não for o caso de arquivamento da investigação criminal. 9) Cabe Acordo de Não Persecução Penal nas infrações penais praticadas com violência ou grave ameaça? Não. É pressuposto para o ANPP que a infração penal tenha sido praticada sem violência ou grave ameaça (art. 28-A, caput, do CPP). Claramente o legislador, legitimamente, afastou a possibilidade de acordo de não persecução penal nas infrações penais perpetradas com violência ou grave ameaça, posto que as práticas de tais infrações consubstanciam injustos mais reprováveis, uma vez que mais elevado o desvalor da ação. 10) A violência ou grave ameaça na prática da infração penal que impede o ANPP é a contra a pessoa? Sim. O que impede o ANPP é a infração penal que tenha sido praticada com violência ou grave ameaça à pessoa. A violência que impede o ANPP é aquela praticada contra a pessoa, não estando incluídas na vedação as infrações penais perpetradas com violência contra as coisas. Nesse sentido, o Enunciado nº 23 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/2019: 28 Sandro Carvalho lobato de Carvalho É cabível acordo de não persecução penal nas infrações cometidas com violência contra a coisa, devendo-se interpretar a restrição do caput do art. 28-A do CPP como relativa a infrações penais praticadas com grave ameaça ou violência contra a pessoa (lex minus dixit quam voluit). Claramente o legislador, legitimamente, afastou a possibilidade de acordo de não persecução penal nas infrações penais perpetradas com violência ou grave ameaça, posto que, as práticas de tais infrações consubstanciam injustos mais reprováveis, uma vez que mais elevado o desvalor da ação. O conceito de violência é o conceito amplo, incluindo os casos de violência real, imprópria e presumida. Sobre a violência, vale a lição de Abraão e Lourinho (2020, p. 336): A violência a que se refere o legislador deve ser compreendida em seu sentido mais amplo, abarcando, assim, a física, a psicológica e a presumida. Nesse ponto, a intenção do legislador é evidentemente não beneficiar autores de crimes violentos, submetendo- os, assim, aos rigores e às consequências danosas do processo penal. 11) Cabe ANPP em relação às contravenções penais? Sim, a princípio. Cabe ANPP tanto para crimes quanto para as contravenções penais. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 29 Da mesma forma conclui Lima (2020b, p. 289) que o acordo pode ser celebrado independente da natureza do ilícito, ou seja, pouco importa se se trata de crime ou de contravenção penal. Contudo, vale mencionar que o art. 28-A, § 2º, do CPP, disciplina que não cabe acordo de não persecução se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, sendo que todas as contravenções penais (Decreto-Lei nº 3.688/41) são da competência do Juizado Especial Criminal e cabem transação penal (art. 61, da Lei nº 9.099/95), o que implica dizer que, em tese, não caberia ANPP devido à norma do citado art. 28-A, § 2º, do CPP. 12) Cabe ANPP em crime culposo com resultado violento? Em tese, é cabível o ANPP nos crimes culposos com resultado violento, pois deve-se levar em conta o desvalor da ação praticada e não unicamente o valor do resultado. Assim, como nos delitos culposos a conduta consiste em violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultadoé involuntário, não desejado e nem aceito pelo agente, apesar de previsível, não haveria impedimento para o ANPP. Nesse sentido, Cunha, R. (2020, p. 129) afirma que a violência que impede o ajuste é aquela presente na conduta, e não no resultado, e que, por isso, o homicídio culposo, por exemplo, admite ANPP. Igualmente Lima (2020b, p. 280): Sem embargo do silêncio do art. 28-A, caput, parece- nos que a violência ou grave ameaça aí citada necessariamente deverá ter sido praticada a título doloso, daí por que há de se admitir a celebração do acordo na hipótese de eventual crime culposo com 30 Sandro Carvalho lobato de Carvalho resultado violento (v. g., lesão corporal culposa), desde que presentes os demais requisitos. A violência que impede a celebração do acordo, portanto, é aquela presente na conduta, e não no resultado. Essa interpretação foi a adotada pelo Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), consubstanciada no Enunciado nº 23: É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível. Importa consignar que, ainda que em tese, seja possível o ANPP, pode não ser o acordo de não persecução penal, no caso concreto, necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime (art. 28-A, caput, do CPP), o que justificaria o não oferecimento do ANPP de forma fundamentada pelo Ministério Público. Por fim, vale mencionar a posição contrária de Cabral (2020, p. 91), que não admite ANPP em crime culposo. Diz ele: Essa violência contra a pessoa pode ser tanto a violência dolosa (v. g. crime de roubo), quanto a violência culposa (v. g. homicídio culposo). Isso Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 31 porque, o legislador não delimitou a restrição a uma determinada modalidade de imputação subjetiva (o dolo), como o fez, por exemplo, no parágrafo único do art. 71, do Código Penal, nem previu expressamente a possibilidade de ANPP para todos os delitos culposos, como feito no caso do art. 44, I, in fine, do CP. 13) Cabe Acordo de Não Persecução Penal nas infrações penais com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos? Sim. Um dos pressupostos contidos no caput do art. 28-A, do CPP, para o ANPP é justamente a infração penal ter cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos para poder existir o ANPP. A contrario sensu, se a pena mínima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos, incabível o ANPP. 14) Para aferição da pena mínima cominada ao delito, devem ser consideradas as causas de aumento e de diminuição aplicáveis ao caso concreto? Sim. Consta previsão expressa no art. 28-A, § 1º, do CPP, que “Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o art. 28-A, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto”. Assim, ao receber o procedimento policial, o membro do Ministério Público deve analisar qual o tipo penal aplicável, bem como se existentes causas de aumento ou diminuição relativas ao tipo penal, inclusive se houve tentativa, observando-se, neste caso, a redução obrigatória do art. 14, II, parágrafo único, do Código Penal. 32 Sandro Carvalho lobato de Carvalho E havendo redutores ou exasperantes em limites variáveis, deve- se tomar como parâmetro, respectivamente, a maior diminuição e o menor aumento, uma vez que o parâmetro é o piso punitivo. Também deve-se levar em consideração a existência de concurso material de crimes (art. 69, do Código Penal), onde as penas mínimas previstas devem ser somadas, de concurso formal e de continuidade delitiva (arts. 70 e 71, do Código Penal), em que se deve acrescentar o aumento mínimo previsto em lei sobre a pena mínima cominada. Se da soma resultar pena mínima inferior a 4 anos, o acordo é possível. Leciona Cabral (2020, p. 90): Desse modo, na incidência das causas de aumento, para estabelecer-se a pena mínima, deve-se operar abstratamente o aumento mínimo previsto na Lei e na hipótese de concorrer uma causa especial de diminuição, deve-se considerar diminuição máxima prevista m lei. Assim procedendo, chaga-se à pena mínima. O Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), editou o Enunciado nº 29: Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o artigo 28-A, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto, na linha do que já dispõe os enunciados sumulados nº 243 e nº 723, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 33 O Superior Tribunal de Justiça decidiu: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CÓDIGO PENAL – CP. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. EMBARGOS REJEITADOS. 1. [...]. 2. A aplicação do disposto no art. 28-A do CPP, referente à proposição do acordo de não persecução penal, não foi matéria vertida nas razões do recurso especial, caracterizando indevida inovação recursal, o que torna inviabilizada a conversão do julgamento em diligência. 3. Ainda que assim não fosse, observa-se que, para aplicação do instituto do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP), é necessário que o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal, o que não aconteceu no presente caso. Ademais, há a exigência que a pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, no caso, a soma das penas mínimas previstas aos delitos imputados ao embargante (arts. 180, caput, 304 c/c 297 e 311 do CP) ultrapassa o mínimo exigido. 4. Embargos de declaração rejeitados (EDcl no AgRg nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.618.414 – RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik). 34 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Outrossim, por analogia, é de se observar as Súmulas 243, do STJ,1 e 723, do STF.2 15) Somente será possível a proposta de Acordo de Não Persecução Penal se o investigado voluntariamente confessar formal e circunstan- ciadamente a prática da infração penal? Sim. O art. 28-A, caput, do CPP, também impõe como pressuposto do ANPP que o investigado tenha confessado formal e circunstanciadamente a prática da infração penal. O Ministério Público deixa de ajuizar a ação penal, mas o investigado deve confessar integralmente a prática criminosa. Sem confissão simples, voluntária, formal e circunstanciada, incabível o ANPP. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CÓDIGO PENAL – CP. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. EMBARGOS REJEITADOS. 1. [...]. 2. A aplicação 1 Súmula 243-STJ: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano”. 2 Súmula 723-STF: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 35 do disposto no art. 28-A do CPP, referente à proposição do acordo de não persecução penal, não foi matéria vertida nas razões do recurso especial, caracterizando indevidainovação recursal, o que torna inviabilizada a conversão do julgamento em diligência. 3. Ainda que assim não fosse, observa-se que, para aplicação do instituto do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP), é necessário que o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal, o que não aconteceu no presente caso. Ademais, há a exigência que a pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, no caso, a soma das penas mínimas previstas aos delitos imputados ao embargante (arts. 180, caput, 304 c/c 297 e 311 do CP) ultrapassa o mínimo exigido. 4. Embargos de declaração rejeitados (EDcl no AgRg nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.618.414 – RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik). [...] V -Ainda, da simples leitura do art. 28-A do CPP, se verifica a ausência dos requisitos para a sua aplicação, porquanto o embargante, em momento algum, confessou formal e circunstancialmente a prática de infração penal, pressuposto básico para a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, instituto criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia e não, como no presente, em que há condenação confirmada por Tribunal de segundo grau. Precedentes. (EDcl no AgRg nos EDcl 36 Sandro Carvalho lobato de Carvalho no Agravo em Recurso Especial nº 1.681.153 – SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j.08/09/2020). Entende-se como confissão formal do investigado aquela preferencialmente gravada em áudio e vídeo (art. 18, § 2º, da Resolução 181/2017, do CNMP) ou reduzida a termo, realizada na presença do Ministério Público e do defensor do investigado, na audiência extrajudicial designada pelo Ministério Público para a celebração do acordo de não persecução penal. A confissão, além de ser pessoal e formal, deve ser circunstanciada, ou seja, integral, completa, minuciosa, com todos os detalhes e particularidades da prática delituosa, inclusive com relato de eventual participação de terceiro no delito. Não haverá acordo de não persecução penal se a confissão for parcial, com reservas, omissa ou mentirosa, falsa. Se, porventura, o acordo tiver sido realizado e, depois, se descobrir a falsidade da confissão ou que ela não foi integral, o ANPP deve ser desconstituído. Por certo, a confissão deverá ser voluntária, sem qualquer vício de erro, dolo ou coação, fruto da livre vontade do investigado. Na lição de Cheker (2020, p. 373-374): Isso significa que cabe ao investigado confessar todos os elementos da prática criminosa de forma detalhada e minuciosa. Não se trata, assim, de uma confissão genérica, mas sim de um reconhecimento da prática do ato criminoso em todas as suas circunstâncias, entre elas a atuação do beneficiário no concurso de agentes, conforme será exposto. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 37 A confissão tem que ser integral, ou seja, não pode ser parcial ou sujeita a reservas. Não se aplica, assim, na fase do ANPP, o Enunciado nº 545 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo o qual ‘Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal’. [...] Uma vez obtidos os elementos que justifiquem uma acusação pelo fato principal, bem como do vínculo que ligue o denunciado a outras pessoas, o MP, no momento da negociação para a celebração de um ANPP, pode e deve exigir a confissão da coautoria ou participação do beneficiário, ainda que outras pessoas não sejam, no mesmo momento, beneficiárias de algum acordo. Igualmente Souza e Dower (2018, p. 165): A confissão circunstancial deve ser entendida como aquela que apresenta a versão detalhada dos fatos, cujas informações mantenham coerência lógica, compatibilidade e concordância com as demais provas contidas no procedimento. É do confronto com as demais provas do procedimento que deve ser aferida a validade da confissão. Confissões oportunistas e mentirosas, identificáveis por meio de declarações desconexas com as outras circunstâncias de tempo, local, modo etc., devem ser refutadas para a celebração do acordo. 38 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Também a confissão deve ser simples. A confissão qualificada, ou seja, aquela em que vem acompanhada de alegação de excludentes de tipicidade, de ilicitude ou de culpabilidade, não serve para o ANPP. Como alerta Queiroz (2020): Tampouco a confissão qualificada equivale à confissão formal. É que a confissão qualificada corresponde, em última análise, a uma alegação de inocência, que, se fundada e verossímil, é incompatível com o acordo de não persecução, visto que: a) o acordo pressupõe que não seja caso de arquivamento do inquérito (art. 28- A); b) se o investigado alega excludentes de ilicitude ou de outra natureza não está confessado crime algum, muito menos formalmente. Afinal, quem, por exemplo, subtrai coisa alheia móvel em estado de necessidade (furto famélico) atua conforme o direito; logo, não comete crime; c) não vale qualquer confissão, mas uma confissão consistente e verossímil, sob pena de se firmar acordos com possíveis inocentes. Pela importância, vale consignar a advertência de Lima (2020b, p. 283): Desde que o investigado seja formalmente advertido quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo e não seja constrangido a celebrar o acordo, parece não haver nenhuma incompatibilidade entre esta primeira obrigação do investigado, prevista no art. 28-A, caput, do CPP, e o direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Ora, como não há dever ao Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 39 silêncio, todo e qualquer investigado (ou acusado) pode voluntariamente confessar os fatos que lhe são imputados. Nessas condições, cabe ao próprio indivíduo decidir, livre e assistido pela defesa técnica, se tem (ou não) interesse em celebrar o acordo de não-persecução penal. Nisso, importa deixar claro que, se o investigado, na audiência extrajudicial de oferecimento do ANPP, optar por fazer uso do seu direito constitucional ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), não haverá acordo de não persecução penal. 16) A confissão exigida para o ANPP ofende o direito constitucional ao silêncio? Não. Não há qualquer ofensa ao direito ao silêncio, já que o investigado tem a liberdade de confessar ou não o ato delituoso, ou seja, tem o investigado o direito de ficar calado ou de confessar detalhadamente o ato delituoso. É uma opção do investigado, dentro de sua autonomia de vontade e assistido pela defesa técnica. Lecionam Souza e Dower (2018, p. 161): Ao contrário de uma conclusão apressada, o dispositivo em análise não anula a garantia constitucional do acusado de permanecer em silêncio, descrita no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Isso porque o investigado não é compelido a dizer a verdade ou de não permanecer em silêncio. A escolha pela intervenção ativa, isto é, de prestar declarações fidedignas sobre os fatos, desde que livre e consciente, 40 Sandro Carvalho lobato de Carvalho não viola aquela garantia constitucional. O direito de escolher entre exercer seu direito ao silêncio ou confessar detalhadamente o crime, encontra amparo na doutrina que admite que os direitos fundamentais, embora inalienáveis, sejam restringidos em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional, como ocorre em hipóteses de contratos privados envolvendo direitos da personalidade. Nesses casos, a restrição a direitos fundamentais é constitucional, desde que não seja permanente, nem geral, mas decorra de voluntariedade e represente proporcional aumento do direito à liberdade do investigado, condições que ficarão sob a fiscalização do Ministério Público, do defensor e do próprio acusado. 17) Existindo dúvidas sobre a integridade mentaldo investigado, poderá ser oferecido o Acordo de Não Persecução Penal? Em regra, não. Como já exposto, o ANPP é um acordo de vontades. Na audiência extrajudicial para o oferecimento do ANNP, o Ministério Público tem o dever de explicar de forma detalhada as condições e consequências do ANPP e a necessidade de voluntariamente o investigado confessar detalhadamente a infração penal. Então, resta evidente que o investigado deve ser capaz de entender o significado e as consequências do acordo e de suas condições, devendo expressar validamente sua vontade. Por outro lado, a confissão deve ser pessoal (ainda que por meio virtual) e voluntária do investigado que deve entender suas implicações. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 41 Com dúvidas sobre a integridade mental do investigado, não parece ser viável o ANPP justamente pelo fato de não se poder, com segurança, atestar validamente à vontade o investigado e sua capacidade de compreensão. Nesse sentido, a lição de Souza e Dower (2018, p. 161): Em regra, a celebração do acordo de não persecução penal deverá ser feito com o investigado plenamente capaz. No caso de dúvidas sobre a sua integridade mental, o acordo não pode ser levado a efeito, até porque o inimputável ou semi-imputável não pode manifestar validamente sua vontade, nem mesmo por meio de defensor ou curador, visto tratar-se de ato personalíssimo. Então, recebendo os autos do procedimento investigatório, o Ministério Público avaliará se estão presentes os pressupostos e requisitos do ANPP. Mas, se no procedimento investigatório existir documentos ou informações que despertem dúvida razoável e séria sobre a higidez mental do investigado, é imprescindível a realização do exame de insanidade mental do investigado, devendo o Ministério Público requerer sua instauração (art. 149, do CPP). Somente após a conclusão do exame, é que poderá o Ministério Público verificar se o investigado poderá voluntariamente confessar e entender as consequências do ANPP. Esta também é a posição de Barros (2020). Já Cabral (2020, p. 120-121) entende de forma diversa: Já os inimputáveis por enfermidade mental, ainda que exista alguma dificuldade inicial da celebração 42 Sandro Carvalho lobato de Carvalho do acordo, afigura-se excepcionalmente possível o ANPP. [...] Nesses casos, o acordo de não persecução penal deverá ser realizado no âmbito do regime de tomada de decisão apoiada (CC, art. 1.783-A). Esse acordo, porém, somente poderá ser celebrado caso exista uma clara vantagem ao investigado em relação à opção de responder ao curso normal do processo penal e deverá respeitar a especial condição do investigado, fundamentalmente com relação às suas características, o modo e local de cumprimento. 18) Se o investigado não tiver confessado a prática da infração penal no inquérito policial, necessariamente estará inviabilizada a proposta de Acordo de Não Persecução Penal? Não. O fato do investigado não confessar a prática ilícita no inquérito policial não inviabiliza, de plano, o acordo de não persecução penal. Como dito acima, há necessidade de confissão formal do investigado. E essa confissão deve ocorrer na presença do Ministério Público e do defensor do investigado, na audiência extrajudicial designada pelo Ministério Público para a celebração do acordo de não persecução penal. Dessa forma, mesmo que o investigado tenha negado a prática delituosa no inquérito policial, o membro do Ministério Público, verificando pelos autos que os demais pressupostos e requisitos do ANPP estão presentes no caso concreto, deve designar audiência extrajudicial na sede Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 43 do Ministério Público para explicar o ANPP ao investigado e seu defensor e esclarecer que o ANPP pressupõe a confissão formal e circunstanciada da prática delituosa, deixando a critério do investigado se deseja confessar – e ter o ANPP – ou manter a negativa da prática já exposta durante o inquérito policial. Diz Cabral (2020, p. 112): Por outro lado, o fato de o investigado não ter confessado na fase investigatória, obviamente, não quer significar o descabimento do acordo de não persecução. Muito pelo contrário. É precisamente nessas hipóteses que o acordo é mais importante, pois, com o ANPP, uma investigação criminal que não contava com a confissão, depois da avença, passará a ter mais esse elemento de informação. Aqui cabe um parêntese para relatar um caso decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O investigado não confessou o crime no inquérito policial e, por tal fato, o Ministério Público ofereceu a denúncia, justificando que deixou de oferecer o ANPP justamente pelo fato do investigado não ter confessado o crime na fase policial. A magistrada rejeitou a denúncia alegando ausência de interesse de agir, em resumo, afirmando que o fato do investigado não ter confessado na fase policial não impede o ANPP, posto que o Ministério Público deveria ter designado audiência extrajudicial para esclarecer ao investigado a possibilidade de ANPP e a necessidade de confissão, para só então, em caso de recusa, oferecer a denúncia. Da decisão de rejeição da denúncia, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito. 44 Sandro Carvalho lobato de Carvalho A 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar, no dia 17/06/2020, o Recurso em Sentido Estrito nº 1507691-40.2020.8.26.0050 interposto pelo Ministério Público Paulista, negou provimento ao recurso. Eis a ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. Rejeição da denúncia diante da ausência de interesse de agir. Inconformismo ministerial. Negativa de acordo de não persecução penal porque ausente confissão. Nova sistemática processual que exige intimação do investigado para exercer seu direito ao acordo, ao eventual recurso e até mesmo para o arquivamento. Inexistência dessa manifestação. Ação penal ofertada sem observação dessas garantias que não demonstra sua necessidade e utilidade Ausência do interesse de agir evidenciado Denúncia rejeitada Recurso improvido. Em resumo, tanto a magistrada quanto o TJSP entenderam que, ausente a confissão na fase policial, cabe ao Ministério Público, presentes os demais requisitos e pressupostos, designar audiência extrajudicial para explicar o ANPP ao investigado e ao seu defensor e dar a oportunidade do investigado confessar. Somente assim, com a falta de confissão perante o Ministério Público, estaria justificado o oferecimento da denúncia. Ressalte-se que mesmo ocorrendo confissão na fase policial, o membro do Ministério Público deve fazer o mesmo procedimento acima relatado, ou seja, designar audiência na sede do Ministério Público para explicar o ANPP ao investigado e seu defensor e esclarecer que o ANPP pressupõe a confissão formal e circunstanciada da prática delituosa, deixando a critério do investigado se deseja confessar – e ter o ANPP, posto Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 45 que, repita-se, a confissão deve ocorrer na presença do Ministério Público e de seu defensor. Novamente Cabral (2020, p. 112): Essa confissão deverá se dar na presença do Membro do Ministério Público, no momento em que for celebrado o acordo de não persecução penal devendo o investigado necessariamente estar acompanhado de seu defensor. Não vale, portanto, a confissão anteriormente realizada no IP ou no PIC, pois ela, como dito, deve ocorrer no momento da celebração do acordo. 19) A confissão exigida para o Acordo de Não Persecução Penal serve para formar a opinio delict do Ministério Público? Não. Como já consignado, só cabe acordo de não persecução penal quando o Ministério Público já possui todos os elementos suficientes para a ação penal. É dizer, quando já estão plenamente preenchidas as condições da ação penal. A justa causa e demais elementos para a denúncia já estão presentes. Logo, não é a confissão porocasião da celebração do acordo de não persecução penal que fundamentará a opinio delict do Ministério Público, visto que esta já estará formada quando da audiência extrajudicial para a formulação do ANPP. Em resumo, não pode ser a confissão a peça chave para o Ministério Público formar sua opinio delicti. A confissão, em sede de acordo, tão somente reforça a justa causa já existente nos autos, mas não é o elemento principal para a formação da opinio delicti do Ministério Público. 46 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Reitere-se: o ANPP não é um substituto do arquivamento do procedimento investigatório criminal. Ao contrário. É uma alternativa ao ajuizamento da ação penal. Só é cabível ANPP quando nos autos da investigação criminal já existir elementos suficientes para o ajuizamento da ação penal, ou seja, existindo nos autos da investigação criminal justa causa e pressupostos e condições para o oferecimento da denúncia, o Ministério Público vai analisar se o caso comporta ANPP. Logo, resta claro que, quando da confissão perante o Ministério Público, já existiam elementos suficientes para o ajuizamento da ação penal. Souza (2020, p. 129) leciona acertadamente que a exigência da confissão não serve para a formação da opinio delict, pressuposto anterior à etapa de propositura do acordo de não persecução penal. Por fim, cabe esclarecer que justamente pelo fato da confissão não servir para formar a opinio delicti do Ministério Público é que não há como o Ministério Público negar a formulação do acordo de não persecução quando entender que a confissão é desnecessária, inútil, em vista dos elementos robustos já existentes no procedimento investigatório. Em resumo, a existência de uma investigação perfeita, com claros elementos de autoria e materialidade, que prescinde inclusive da confissão, não é justificativa para, preenchidos os demais requisitos legais do ANPP, sobretudo sendo ele suficiente para a prevenção e repressão do crime, deixar o Ministério Público de ofertar o acordo ao investigado. 20) A confissão exigida para o Acordo de Não Persecução Penal significa reconhecimento expresso de culpa do investigado? Não. O pressuposto de confissão para o ANPP apenas serve de reforço para a opinio delict já formada, nada tendo a ver com o reconhecimento de culpa, inclusive pelo fato de não existir processo formado. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 47 Como bem pontua Souza (2020, p. 129-130) ao tratar da exigência da confissão: Trata-se, em verdade, de providência de feição preventiva, que busca assegurar que o acordo é celebrado com a pessoa cujas provas colhidas na fase pré-processual indicam ter sido a autora da infração penal. […] De outro lado, importa deixar bem assentado que a confissão obtida para a celebração do acordo de não persecução não enseja assunção de culpa, e por isso não pode implicar julgamento antecipado do caso […]. Exatamente porque a confissão seve apenas para depuração dos elementos indiciários confirmatórios da prévia opinio delict, e em razão de não produzir qualquer efeito sobre a culpabilidade do investigado, é que não se identifica nessa exigência suposta violação da presunção do estado de inocência (CF, art. 5º, LVII). Cunha, R. (2020, p. 129) alerta que, apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. 21) A confissão exigida para o Acordo de Não Persecução Penal pode ser usada no processo criminal, caso descumprido o ANPP? Sim. Se o acordo de não persecução penal for homologado judicialmente, mas o investigado deixar de cumprir integralmente suas 48 Sandro Carvalho lobato de Carvalho condições, haverá rescisão do ANPP e o Ministério Público oferecerá a denúncia (art. 28-A, § 10, do CPP) e a confissão poderá ser usada como elemento de reforço da prova de autoria, corroborando as demais provas produzidas em contraditório. Diz Cunha, V. (2020, p. 309): Nesse sentido, é viável defender que a confissão apresentada como condição para o acordo de não persecução pode ser utilizada pelo órgão acusatório quando for possível atribuir ao acusado a responsabilidade pela rescisão do negócio jurídico. Entender contrariamente, nesse caso, seria o mesmo que anuir que o acusado pode ser beneficiado por uma situação que deu causa. Igualmente Lima (2020b, p. 287): Essa denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público poderá trazer, como suporte probatório, inclusive a confissão formal e circunstanciada do investigado por ocasião da celebração do acordo. Ora, se o próprio investigado deu ensejo à rescisão do acordo, deixando de adimplir as obrigações convencionadas, é de todo evidente que não se poderá desprezar os elementos de informação por ele fornecidos. A propósito, eis o teor do Enunciado nº 27, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 49 Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG): Havendo descumprimento dos termos do acordo, a denúncia a ser oferecida poderá utilizar como suporte probatório a confissão formal e circunstanciada do investigado (prestada voluntariamente na celebração do acordo). E o Enunciado nº 24 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/2019: Rescindido o acordo de não persecução penal por conduta atribuível ao investigado, sua confissão pode ser utilizada como um dos elementos para a oferta da denúncia. Claro que, por ser uma confissão extrajudicial, é retratável em Juízo e não leva, por si só, à condenação (art. 155 do CPP), devendo ser avaliada com as demais provas produzidas em contraditório. Como esclarece Freire Júnior (2018, p. 339): O valor da confissão. A confissão, nos termos do artigo 200 do CPP, é retratável. A celebração do acordo não pode, em caso de descumprimento, ser invocada como prova absoluta para a condenação do réu. A confissão é retratável e o magistrado deve analisar o conjunto probatório produzido em juízo para entender pela culpa, ou não, do réu que descumpriu o acordo de não persecução. 50 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Por fim, apesar de não ser necessário pelos motivos acima expostos, nada impede que no ato de celebração do acordo, o Ministério Público e o investigado assentem em fazer constar expressamente no termo de acordo de não persecução penal que a confissão, em caso de descumprimento voluntário do acordo pelo investigado, será usada como elemento de reforço da prova de autoria. 22) E se o Acordo de Não Persecução Penal não for homologado pelo Juízo, pode a confissão ser usada no processo criminal? Não. Se o Juízo competente não homologar o ANPP e o Ministério Público oferecer a denúncia, não pode usar a confissão realizada no ANPP no processo criminal. O ideal, inclusive, é que na hipótese de não homologação do ANPP, seja desentranhada a confissão do investigado dos autos antes que a denúncia seja encaminhada ao Poder Judiciário, por força do princípio da boa-fé e da lealdade processual, posto que somente não houve acordo devido à não homologação judicial e não por ato do investigado, não podendo, portanto, sua confissão ao Ministério Público ser usada em seu prejuízo. 23) Qual o momento oportuno para o membro do Ministério Público avaliar se o caso permite ou não ANPP? O momento oportuno para que o membro do Ministério Público avalie o cabimento ou não do acordo de não persecução penal é com a conclusão das investigações. Somente ao final das investigações, o membro do Ministério Público terá condições de analisar satisfatoriamente os autos e verificar Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 51 se: a) o caso é de arquivamento; b) se o caso é de novas diligências investigatórias; c) se o caso é de sua atribuição realmente; d) se o caso é de ajuizamento da ação penal. E, somente nesta última hipótese (ajuizamentoda ação penal), é que passará a analisar se o caso permite o oferecimento do acordo de não persecução penal. 24) Qual o momento oportuno para o membro do Ministério Público oferecer o ANPP? Como regra, de acordo com a redação do art. 28-A, do CPP, o momento oportuno para que o membro do Ministério Público ofereça o acordo de não persecução penal, presentes seus pressupostos e requisitos, é o final da fase pré-processual, ou seja, o momento anterior ao que seria o do oferecimento da denúncia. E isso pelo fato do ANPP se tratar de uma medida que visa impedir a judicialização criminal, ou seja, a ação penal. Logo, em tese, o momento adequado para a formalização do acordo de não persecução é o anterior ao início da ação penal. Nesse sentido, Calabrich (2020, p. 352): Em regra, para casos novos, o momento para o oferecimento da proposta do ANPP é ao término da investigação e antes do oferecimento da denúncia, quando o Ministério Público verificar não ser o caso de arquivamento e estarem preenchidos os requisitos legais. É o que se pode extrair da própria redação do art. 28-A do CPP, ao utilizar a expressão “não sendo caso de arquivamento” – do que se entende que o momento para o oferecimento da proposta do ANPP é quando o Ministério Público tem formada sua convicção quanto 52 Sandro Carvalho lobato de Carvalho à plausibilidade da ação penal. Esse momento está claro também ao se considerar que é consequência do descumprimento o “posterior oferecimento de denúncia” (CPP, art. 28-A, § 10). E sua homologação cabe ao juiz das garantias (CPP, art. 3º-B, XVII), que só atua na fase de investigação e encerra sua participação com o recebimento da denúncia (CPP, art. 3º-B, XIV). Igualmente Pacelli e Fischer (2020, p. 116): Uma última questão a ser respondida diz respeito ao momento da celebração do acordo. A própria natureza do instituto parece sugerir que a proposta deverá ser feita na fase pré-processual, tanto pelo texto da lei (‘Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado...’) quanto pela consequência de seu descumprimento ou não homologação (possibilidade de oferecimento da denúncia). Cabral (2020, p. 210), por sua vez, diz que, como regra, o ANPP tem como seu habitat natural a fase anterior ao oferecimento da denúncia e, consequentemente, antes da instauração do processo penal. Vale mencionar ainda que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 26/05/2020, no EDcl no AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 1.668.298 – SP, Rel. Min. Felix Fischer, consignou, em obiter dictum - que o ANPP ocorre na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia.3 Eis a ementa: 3 Igualmente: EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp.1.681.153/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 08/09/2020, DJe 14/09/2020. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 53 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO TENTADO. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. I - Os embargos declaratórios não constituem recurso de revisão, sendo inadmissíveis se a decisão embargada não padecer dos vícios que autorizariam a sua oposição (obscuridade, contradição e omissão). Na espécie, à conta de omissão no v. acórdão, pretende o embargante a rediscussão, sob nova roupagem, da matéria já apreciada. II - Ademais, da simples leitura do art. 28-A do CPP, se verifica a ausência dos requisitos para a sua aplicação, porquanto o embargante, em momento algum, confessou formal e circunstancialmente a prática de infração penal, pressuposto básico para a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, instituto criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia e não, como no presente, em que há condenação confirmado por Tribunal de segundo grau. Embargos de declaração rejeitados. 54 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 25) Cabe acordo de não persecução penal nos processos com denúncia recebida antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019? Como acima exposto, o momento adequado para o oferecimento do ANPP é o da fase extraprocessual, ao término das investigações. Contudo, e a ação penal que foi ajuizada antes da entrada em vigor do art. 28-A, do CPP, e que, em tese, caberia o acordo? A matéria tem demandado grande debate doutrinário e jurisprudencial e ainda não há uma resposta definitiva do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Entretanto, a resposta mais adequada para boa parte da doutrina parece ser a afirmativa, pelo fato do ANPP ser norma de caráter misto, ou seja, processual penal e penal (material), já que a consequência do cumprimento do acordo de não persecução penal é a extinção da punibilidade (art. 28-A, § 13, do CPP), logo, a norma deve retroagir para os casos ocorridos antes de sua vigência. É o pensamento de Calabrich (2020, p. 355): E quanto a processos antigos, já em curso e relativos a crimes cometidos antes da Lei nº 13.964/2019: é possível o ANPP? Deve ele ter aplicação retroativa? A resposta é sim: o ANPP tem aplicação retroativa e pode beneficiar investigados ou acusados por fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019. A retroatividade do ANPP parte das premissas de que se trata de um instituto tanto de natureza processual penal, de aplicação imediata mesmo para processos em curso quando ainda não superado o momento para a prática do ato (art. 2º do CPP), quanto de natureza penal, por repercutir no jus puniendi estatal. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 55 E de Aras (2020, p. 178): Também é admissível a celebração de acordo de não persecução penal após a deflagração da ação penal, sendo esta uma interpretação mais benéfica para o acusado. Em tais casos, o ANPP converte-se em acordo de não prosseguimento da ação penal. Vide, a propósito, o inciso XVII do art. 3º-B do CPP. Cabe ao juiz de garantias decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, ‘quando formalizados durante a investigação’. Ações penais já em curso na data da vigência da Lei 13.964/2019 podem ser encerradas mediante a celebração de ANPP, com a decretação da extinção da punibilidade, nos termos do §13 do art. 28-A do CPP. Cuida-se de situação semelhante à prevista no §5º do art. 89 da Lei 9.099/1995, no tocante à suspensão condicional do processo. Ainda diz Barros (2020, p. 184): A alteração promovida pela Lei 13.964/2019, apesar de possuir caráter processual, contém intenso conteúdo material, porquanto o instituto é benéfico para o agente ativo, pois cria uma hipótese que pode implicar na não aplicação de pena. Assim, a norma, embora tenha aparência processual, tem reflexos penais diretos, e, sendo benéfica ao réu, deverá retroagir para alcançar fatos pretéritos, 56 Sandro Carvalho lobato de Carvalho inclusive nos processos penais em curso, por força do princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica. Sobre a possibilidade de aplicação do ANPP nos processos que já estavam em andamento quando da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, que acrescentou o art. 28-A, do CPP, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região: PROCESSUAL PENAL. CORREIÇÃO PARCIAL. ART. 164, RITRF4. INVERSÃO TUMULTUÁRIA DE ATOS E FÓRMULAS LEGAIS. INEXISTÊNCIA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACOTE ANTICRIME. NORMA DE ÍNDOLE MATERIAL. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. ATENUAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA CONDUTA DELITIVA. APLICABILIDADE AOS EM PROCESSOS EM ANDAMENTO COM DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.964/2019. CORREIÇÃO PARCIAL IMPROVIDA. (Correição Parcial nº 5009312-62.2020.4.04.0000/RS, Rel. João Pedro Gebran Neto, 8ª T., j.13/05/2020). APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSUAL PENAL. QUESTÃODE ORDEM. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACOTE ANTICRIME. NORMA DE ÍNDOLE MATERIAL. NOVATIO Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 57 LEGIS IN MELLIUS. ATENUAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA CONDUTA DELITIVA. APLICABILIDADE AOS EM PROCESSOS EM ANDAMENTO COM DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.964/2019. QUESTÃO DE ORDEM SOLVIDA. (Apelação Criminal nº 5005673-56.2018.4.04.7000/PR, Rel. João Pedro Gebran Neto, 8ª T., j.13/05/2020). Contudo, posteriormente, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, acabou fixando entendimento que somente cabe ANPP antes de recebida a denúncia. Eis a ementa do acórdão: DIREITO PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CPP. LEI 13.964/19. LIMITE TEMPORAL. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. 1. Para a aplicação do acordo de não persecução penal previsto pelo art. 28-A do CPP, introduzido pela Lei 13.964/19, importa o momento da persecução penal e não o da conduta criminosa. 2. O art. 28-A do CPP atribui ao acordo efeitos sobre a persecução penal desde que praticado oportunamente, no momento apropriado, certo e determinado pela lei, condicionamento esse que compõe a norma e que dela não pode ser dissociado. 3. O momento apropriado para oferecimento da benesse ao réu pelo Ministério Público Federal é necessariamente anterior ao oferecimento da denúncia. Após a apresentação da peça acusatória perante o Poder Judiciário sem que a defesa tenha formulado requerimento nos termos do § 14 do art. 58 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 28-A do CPP resta superada a etapa pré-processual e, portanto, inviabilizado o acordo em comento. (ENUL 5011730-26.2019.4.04.7204, 4ª Seção, Relator para Acórdão Leandro Paulsen, j. em 17/12/2020). Por sua vez, o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores- Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), tem uma interpretação mais restritiva, somente admitindo o ANPP para os casos de crimes perpetrados antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que a denúncia não tenha sido recebida, ou seja, não admite o ANPP para os processos cuja denúncia já foi recebida. Veja o enunciado: Enunciado nº 20: Cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. O Superior Tribunal de Justiça, por sua 5ª Turma, tem forte posicionamento que não cabe ANPP se a denúncia já foi recebida. PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO. 1. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PEDIDO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. NÃO CABIMENTO. INSTITUTO PRÉ-PROCESSUAL. DIRECIONADO AO INVESTIGADO. 2. ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS. RETROATIVIDADE LIMITADA. PROCESSOS SEM DENÚNCIA RECEBIDA. 3. INSTITUTO QUE VISA OBSTAR A PERSECUÇÃO Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 59 PENAL. PERSECUÇÃO JÁ OCORRIDA. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. APLICAÇÃO DESCABIDA. 4. PROJETO DE LEI QUE PREVIA INSTITUTO PARA A FASE PROCESSUAL. NÃO APROVAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL. ESPECIFICIDADE DE CADA INSTITUTO A DEPENDER DO MOMENTO PROCESSUAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA. COERÊNCIA E ALCANCE DA NORMA. 5. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Acordo de Não Persecução Penal consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal. Trata-se de norma processual, com reflexos penais, uma vez que pode ensejar a extinção da punibilidade. Contudo, não é possível que se aplique com ampla retroatividade norma predominante processual, que segue o princípio do tempus regit actum, sob pena de se subverter não apenas o instituto, que é pré-processual e direcionado ao investigado, mas também a segurança jurídica 2. Em observância ao isolamento dos atos processuais, sem perder de vista o benefício trazido pela norma, a possibilidade do acordo deve ser avaliada em todos os processos em que ainda não foi apresentada denúncia, conforme enunciado n. 20 da Comissão Especial denominada GNCCRIM, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais: "Cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos 60 Sandro Carvalho lobato de Carvalho antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia". 3. "Descabida a aplicação retroativa do instituto mais benéfico previsto no art. 28-A do CP (acordo de não persecução penal) inserido pela Lei n. 13.964/2019 quando a persecução penal já ocorreu, estando o feito sentenciado, inclusive com condenação confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no caso em tela" (AgRg no REsp 1860770/ SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020). Precedentes. 4. O Projeto de Lei 882/2019 também previa a figura do "Acordo de Não Continuidade da Ação Penal" – não aprovado pelo Congresso Nacional –, o qual apenas poderia ser proposto após o recebimento da denúncia ou queixa e até o início da instrução processual, o que revela a especificidade de cada instituto, a depender do momento processual. Nessa linha de intelecção, não tendo ocorrido a implementação integrada dos institutos, ou mesmo a indicação de regra de transição, cabe ao Judiciário firmar compreensão teleológica e sistemática, que melhor reflita a coerência e o alcance da norma trazida no art. 28-A do Código de Processo Penal. Assim, é possível sua aplicação retroativa apenas enquanto não recebida a denúncia. 5. É verdade que parte da doutrina vem entendendo pela possibilidade de aplicação da regra nova aos processos em andamento. Todavia, mesmo que se entenda pela aplicação da orientação dada à Lei 9.099/1995 na ADIN 1.769 (STF - Pleno), o limite temporal da retroatividade a ser utilizado Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 61 será a sentença condenatória (STF, HC 74.305-SP (Plenário), Rel. Min. Moreira Alves, decisão 9.12.96; HC 74.856-SP, Rel. Min. Celso de Mello, "DJ" 25.4.97; HC 74.498-MG, Rel. Min. Octavio Gallotti, "DJ" 25.4.97 e HC 75.518-SP, Rel. Ministro Carlos Velloso, 02.05.2003). – Recentemente, a Suprema Corte de Justiça Nacional, no HC nº 191.464-SC, da relatoria do Ministro ROBERTO BARROSO (DJe 18/09/2020) – que invocou os precedentes do HC nº 186.289-RS, Relatora Ministra CARMEN LÚCIA (DJe 01/06/2020), e do ARE nº 1171894-RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO (DJe 21/02/2020) – externou a impossibilidade de fazer-se incidir o ANPP, quando já existente condenação, conquanto ela ainda esteja suscetível à impugnação. 6. Mostra-se incompatível com o propósito do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) quando já recebida a denúncia e já encerrada a prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, com a condenação dos acusados. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg na PET no Agravo em REsp. nº 1.664.039/PR, 5ª T., Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 20/10/2020). Há vários julgados da 5ª Turma adotando esse posicionamento, como veremos nos tópicos subsequentes. Contudo, de logo, vale informar que a 6ª Turma4 do STJ tem decisão adotando posicionamento diverso do firmado pela 5ª Turma, ou seja, que cabe o ANPP nos processos anteriores a entrada da Lei, mesmo com a denúncia recebida. Mais adiante, transcreveremos a ementa deste julgado da 6ª Turma. 4 AgRg no Habeas Corpus nº 575.395 – RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j.08/09/2020. 62 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Por fim, cabe mencionar a posição do Supremo Tribunal Federal. Os ministros do STF têm decidido que o ANPP não cabe quando já existente sentença. O Min. Marco Aurélio, no ARE 117.1894-RS, decidiu, em 19/02/2020, que: PROCESSO – INTIMAÇÃO – LEI Nº 13.964/2019 – NÃO PERSECUÇÃO – ACORDO – INDEFERIMENTO. [...] 2. Observem a dinâmica e a organicidade do Direito, em especial o instrumental.Surge impertinente o momento da formalização da petição para fins de incidência da norma processual mais benéfica. À época de entrada em vigor do preceito, já existia sentença condenatória contra a recorrente, proferida em 4 de novembro de 2011. Confiram com o decidido, pelo Pleno, no habeas corpus nº 74.305, relator o ministro Moreira Alves, no qual se assentou a inviabilidade de fazer-se incidir o preceito quando já existente condenação, quer estando transitada em julgado, quer passível ainda de impugnação mediante. 3. Indefiro o pedido formalizado. Nos autos do HC 186.289-RS, a Min. Cármen Lúcia consignou em sua decisão, datada de 28/05/2020, que: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE RETIRADA DE PAUTA DE PROCESSO. IRRECORRIBILIDADE. DESPACHO SEM CONTEÚDO DECISÓRIO Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 63 OU LESIVO ÀS PARTES. PRECEDENTES. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO A PROCESSO NA FASE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. [...] Como se extrai da terminologia mesma do instituto tem-se “acordo” de não persecução penal, não se vislumbrando, portanto, ilegalidade no despacho quando, por acréscimo, assenta-se óbice formal de aplicação do benefício a processo que tenha percorrido todas as instâncias processuais. O processo está em fase de formação do trânsito em julgado da condenação, após a rejeição, em 12.5.2020, dos embargos declaratórios opostos contra acórdão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a negativa de seguimento do recurso extraordinário. Igualmente, nos autos do HC 191.464-SC, o Min. Luís Roberto Barroso consignou em sua decisão, datada de 18/09/2020, que: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [...] Por outro lado, as peças que instruem a impetração não evidenciam ilegalidade flagrante ou abuso de poder capaz de justificar o imediato acolhimento da pretensão defensiva. Isso porque, à época da entrada em vigor 64 Sandro Carvalho lobato de Carvalho das alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019, que incluiu no Código de Processo Penal o art. 28- A, já existia sentença condenatória contra o paciente, confirmada em segundo grau e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça. Nessas condições, o caso atrai o entendimento do STF no sentido da “inviabilidade de fazer-se incidir o [artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019] quando já existente condenação, quer estando transitada em julgado, quer passível ainda de impugnação mediante recurso” (ARE 1171894, Rel. Min. Marco Aurélio). No mesmo sentido: HC 186.289, Relatoria Ministra Cármen Lúcia. Já o Min. Gilmar Mendes, em decisão datada de 22/09/2020, nos autos do HC 185.913-DF, manifestou-se pela repercussão geral da questão, inclusive mencionando a divergência entre a 5ª e a 6ª Turmas o STJ, e remeteu o caso para que o plenário do STF delibere sobre a possibilidade ou não de retroatividade do ANPP, consignando que: Reitera-se, portanto, que a retroatividade e potencial cabimento do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) é questão afeita à interpretação constitucional, com expressivo interesse jurídico e social, além de potencial divergência entre julgados. Diante do exposto, remeto o presente habeas corpus à deliberação pelo Plenário deste Tribunal. Dessa forma, no momento a questão encontra-se pendente de decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 65 Mas, em decisão datada de 30/10/2020, a 1ª Turma do STF, no Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 191.464/SC, por unanimidade, nos termos do voto do relator Min. Luís Roberto Barroso, fixou a seguinte tese: o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. Eis a ementa do julgado: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ART. 28-A DO CPP). RETROATIVIDADE ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o acordo de não persecução penal (ANPP), é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum. 2. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. 3. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré- processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. 4. Na hipótese concreta, ao tempo da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, havia sentença penal condenatória e sua confirmação em sede recursal, o que inviabiliza restaurar fase da persecução penal já encerrada para admitir-se o ANPP. 66 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 5. Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: “o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia”. A decisão da 1ª Turma foi citada em decisão do Presidente do Supremo, Ministro Luiz Fux, tomada dia 16/12/2020, nos autos do EMB.DECL. NO AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.278.286-DF, para não prover o pedido defensivo de retorno dos autos para que o Ministério Público analisasse a possibilidade de ANPP, em processo cuja denúncia já havia sido recebida, o que indica provavelmente que o Ministro-presidente seguirá a decisão da 1ª Turma quando do julgamento da matéria em Repercussão Geral (HC 185.913-DF). Também o Ministro Nunes Marques, nos autos do AgReg. no Recurso Extraordinário 1.244.66—RS, decidiu, em 04/02/2021, ser incabível o ANPP quando o processo já foi sentenciado. Eis o trecho da decisão: Trata-se de pedido de remessa imediata dos autos ao Ministério Público Federal para a negociação de acordo de não persecução penal, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal. [...] De outra parte, cabe destacar que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 191.464/SC, Ministro Roberto Barroso, na Sessão Virtual de 30.10.2020 a 10.11.2020, negou provimento ao agravo interno em habeas corpus e fixou a seguinte tese: “o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 67 a denúncia”. [...] Descabida, portanto, a aplicação retroativa do instituto mais benéfico previsto no art. 28-A do CP (acordo de não persecução penal), inserido pela Lei n. 13.964/2019, quando a persecução penal já ocorreu, estando o feito sentenciado. Assim, apesar da questão estar pendente de julgamento pelo Plenário (HC 185.913-DF), parece que a tendência é o Supremo Tribunal Federal não admitir o ANPP após o recebimento da denúncia. 26) O que é o acordo de não continuidade da persecução penal (ou de não prosseguimento da persecução penal)? É o nome dado doutrinariamente para o acordo de não persecução penal realizado nos processos em andamento (já com denúncia recebida), sendo, portanto, os requisitos para um e outro iguais. Diz Barros (2020, p. 181): Acordo de não continuidade da persecução penal é o consenso firmado entre o Ministério Público, acusado e defensor, no curso da ação penal, com o escopo de pôr fim ao litígio e pode ser firmado nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa e com pena mínima não superior a quatro anos, não sendo o caso de pedido de absolvição, desde que esteconfesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir os requisitos, de forma cumulativa ou não, previstos no artigo 28-A do Código de Processo Penal. 68 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Em suma, é o acordo de não persecução penal celebrado após a deflagração da ação penal e por isso chamado de acordo de não continuidade da ação penal. 27) Nos processos com denúncia já recebida antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, até que fase processual pode ser firmado o Acordo de Não Persecução Penal (ou de não continuidade da persecução penal)? Como visto acima, há decisões e doutrina defendendo a possibilidade de, em processos em curso, ser proposto, desde que presentes seus pressupostos e requisitos, o acordo de não persecução penal (doutrinariamente chamado nesta fase de acordo de não continuidade da persecução penal). Como nessa hipótese, a denúncia já estaria recebida, até que momento processual seria cabível o acordo de não continuidade da persecução penal? Como já dito, o acordo de não persecução penal foi criado em vista da necessidade de se buscar soluções céleres e efetivas referentes a crimes de baixa e média gravidade, visando ser um mecanismo de solução consensual no âmbito criminal e voltado à fixação de uma política criminal realizada pelo Ministério Público. A adoção do ANPP possibilitaria que o Ministério Público se ocupasse mais com os crimes mais danosos à sociedade. Reduziria o número de processos no Poder Judiciário e permitiria uma atuação mais eficaz. Dessa maneira, parece ser mais adequado que o marco temporal para que se possa aferir a possibilidade de acordo de não continuidade da persecução penal seja até a sentença. Em suma, até a fase anterior à sentença, se poderia firmar o acordo de não persecução penal (não continuidade). Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 69 Até esse momento processual, qual seja, fase anterior à sentença, haveria utilidade no acordo e interesse do Ministério Público. Ademais, uma vez proferida a sentença, esgotada estará a jurisdição penal no primeiro grau, com a expedição de um título executivo (sentença), ainda que precário (posto estar sujeito a recurso). Sobre o assunto, leciona Cabral (2020, p. 213): É dizer, o marco final para que se possa celebrar o acordo de não persecução penal, a nosso sentir, é a sentença penal condenatória, não portanto, sendo cabível o ANPP para os casos penais que se encontram na fase recursal. Isso porque, uma vez já tendo sido proferida sentença (condenatória), o acusado não poderia mais colaborar com o Ministério Público com sua confissão, que é, como visto, um importante trunfo político-criminal para a celebração do acordo. Ademais, já proferida sentença, esgotada está a jurisdição ordinária, não podendo os autos retornar ao 1º grau, mesmo porque a sentença jamais poderia ser anulada, uma vez que hígida. E Aras (2020, p. 178): Nesta formatação, o acordo quanto ao não início da persecução criminal em juízo ou ao não prosseguimento desta será cabível entre a data do fato e o momento imediatamente anterior à sentença condenatória, inclusive em caso de desclassificação. 70 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Diferentemente do que ocorre com o acordo de colaboração premiada (art. 4º, § 5º, da Lei 12.850/2013), não é possível a formalização de ANPP após a decisão condenatória. Na mesma linha, esclarece Calabrich (2020, p. 358): É a posição com a qual concordamos: o marco temporal para que se possa aferir a possibilidade do acordo de não persecução penal é a sentença. A sentença, mesmo que provisória (quando submetida a recurso), constitui um título, condenatório ou absolutório. Esse título só poderá ser desconstituído por uma decisão que declare sua invalidade ou o reforme. Não é o caso do ANPP. Assim, proferida a sentença, descabe discussão sobre o acordo de não (continuidade da) persecução penal. O Superior Tribunal de Justiça, por sua 5ª Turma, entende que não cabe ANPP na fase recursal. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PUBLICAÇÃO DE PAUTA DO JULGAMENTO EM SESSÃO VIRTUAL. FEITO LEVADO EM MESA. SESSÃO REALIZADA POR VIDEOCONFERÊNCIA. DIVERSO DO JULGAMENTO VIRTUAL. INAPLICABILIDADE DOS ARTIGOS 184-A a 184-H DO REGIMENTO INTERNO. NÃO PRERROGATIVA DE SUSTENTAÇÃO ORAL. ALEGADA OMISSÃO. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 71 PRETENDIDA APLICAÇÃO RETROATIVA DA REGRA DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). INVIABILIDADE. ATO JURÍDICO PERFEITO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE COM DECISÃO EMBARGADA. INVIABILIDADE. EMBARGOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO, SEM EFEITOS INFRINGENTES. [...] V - Ainda, da simples leitura do art. 28-A do CPP, se verifica a ausência dos requisitos para a sua aplicação, porquanto o embargante, em momento algum, confessou formal e circunstancialmente a prática de infração penal, pressuposto básico para a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, instituto criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia e não, como no presente, em que há condenação confirmado por Tribunal de segundo grau. Precedentes. (EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp.1.681.153/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 08/09/2020, DJe 14/09/2020). [...] 3. Mostra-se incompatível com o propósito do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) quando já recebida a denúncia e já encerrada a prestação jurisdicional na instância ordinária, com a condenação do acusado, cuja causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei de drogas fora reconhecida somente neste STJ, com a manutenção da condenação. (EDcl no AgRg no AgRg no AREsp n. 1.635.787/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.04/08/2020, DJe de 13/08/2020). 72 Sandro Carvalho lobato de Carvalho PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CPP, INCLUÍDO PELA LEI N. 13964/2019. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL DESCABIDO. PERSECUÇÃO PENAL QUE JÁ OCORREU COM SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR ACÓRDÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Descabida a aplicação retroativa do instituto mais benéfico previsto no art. 28-A do CPP (acordo de não persecução penal) inserido pela Lei n.13.964/2019 quando a persecução penal já ocorreu, estando o feito sentenciado, inclusive com condenação confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal de origem no caso em tela. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg na PET no REsp nº 1877651/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j.06/10/2020). [...] 5. Descabida a aplicação retroativa do instituto mais benéfico previsto no art. 28-A do CP (acordo de não persecução penal) inserido pela Lei n. 13.964/2019 quando a persecução penal já ocorreu, estando o feito sentenciado, inclusive com condenação confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no caso em tela. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp nº 1.860.770/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j.01/09/2020). Em uma decisão do Ministro Felix Fischer, na PET no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL nº 1668089 – SP, datada de 25/06/2020, houve o indeferimento do pedido da Defesa de sobrestamento do feito para a abertura de possibilidade de ANPP, tendo o Ministro consignado que, além do caso não preencher os requisitos do ANPP, não existindo Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 73 sequer proposta do Ministério Público inclusive, o feito já estava em fase recursal, o que impediria a proposta5,tendo sido citado o Enunciado nº 20, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) (Enunciado nº 20: Cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia). A bem da verdade, como já consignamos, a 5ª Turma não admite ANPP para os fatos ocorridos antes da entrada em vigência da Lei nº 13.964/2019 se a denúncia já tiver sido recebida. Apesar de não concordarmos, vale consignar que há entendimento que o ANPP caberia até antes do trânsito em julgado da sentença. Nesse sentido, o Enunciado 98, da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (2ªCCR), a saber: É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não 5 Igualmente: EDcl no AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 1.668.298 – SP, Min. Felix Fischer, 5ª T., j.26/05/2020. 74 Sandro Carvalho lobato de Carvalho é cabível o acordo para processos com sentença ou acórdão após a vigência da Lei nº 13.964/2019, uma vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão. Nessa linha, em casos já sentenciados e que aguardavam o julgamento de recursos (ou seja, que ainda não tinham transitado em julgado), o Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Criminal nº 1500626-69.2018.8.26.0080 (rel. Heitor Donizete de Oliveira, j.14/05/2020), e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos Embargos Infringentes e de Nulidade nº 5001103-25.2017.4.04.7109 (rel. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, j.22/05/2020), decidiram pela conversão em diligência e remetidos os autos ao primeiro grau de jurisdição para que o Ministério Público avaliasse a possibilidade do ANPP. Por sua vez, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, divergindo da 5ª Turma (decisões acima citadas), decidiu ser cabível o ANPP na fase recursal (obviamente, com denúncia recebida). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PACOTE ANTICRIME. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NORMA PENAL DE NATURA MISTA. RETROATIVIDADE A FAVOR DO RÉU. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO RECONSIDERADA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. É reconsiderada a decisão inicial porque o cumprimento integral do acordo de não Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 75 persecução penal gera a extinção da punibilidade (art. 28-A, § 13, do CPP), de modo que como norma de natureza jurídica mista e mais benéfica ao réu, deve retroagir em seu benefício em processos não transitados em julgado (art. 5º, XL, da CF). 2. Agravo regimental provido, determinando a baixa dos autos ao juízo de origem para que suspenda a ação penal e intime o Ministério Público acerca de eventual interesse na propositura de acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do CPP (introduzido pelo Pacote Anticrime - Lei n. 13.964/2019) (AgRg no Habeas Corpus nº 575.395 – RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j.08/09/2020). Neste ponto, cabe ainda uma nota para mostrar a dificuldade desta posição (ANPP em processos em grau de recurso). Os autos estão em grau de recurso, logo, acabou a jurisdição do juiz de primeiro grau, bem como a atribuição do membro do Ministério Público atuante na primeira instância. O melhor entendimento, acreditamos, seria, para aqueles que admitem o ANPP para os processos que estão em grau de recurso, que o membro do Ministério Público atuante no Tribunal que avaliasse e, se fosse o caso, oferecesse o ANPP e o relator do processo no Tribunal competente para homologar, posto que, reiteramos, a jurisdição do primeiro grau findou com a sentença. Em sentido semelhante, Calabrich (2020, p. 362): Além de não caber ANPP em grau recursal – só até a sentença, consoante defendemos –, não toca ao órgão do MP em primeira instância a atribuição para firmá- 76 Sandro Carvalho lobato de Carvalho lo, nem tem o juiz de primeiro grau a competência para homologá-lo. Sentenciando o processo, o juízo de primeiro grau exerce e exaure, em nome do Estado, seu poder-dever. Nesse momento, encerra sua jurisdição. Se houver recurso, o Estado continua a ter o poder-dever de dizer o direito, até o provimento definitivo, mas esse poder-dever passa a ser exercido por outros agentes políticos – os membros do tribunal. São essas as suas competências, são essas as suas medidas de jurisdição. Com a prolação da sentença e a interposição do recurso, o juízo de primeiro grau não tem mais competência sobre o caso, que passa a recair inteiramente sobre o tribunal a que se dirige a irresignação das partes. A competência do tribunal abrange tanto o julgamento do recurso quanto a decisão sobre quaisquer outros incidentes – abarcando, por certo, também o ANPP (se admitida a possibilidade). O mesmo raciocínio vale para o Ministério Público: o promotor natural para um processo já remetido ao tribunal para julgamento de um recurso é o procurador de Justiça ou o procurador regional da República que oficia perante esse Tribunal. A única possibilidade de se devolver a competência ao primeiro grau de jurisdição seria o tribunal desconstituir o provimento jurisdicional anterior, declarando nula a sentença. Não é o caso, simplesmente porque o ANPP não é causa de nulidade da sentença. [..] Enfim, caso se entenda que cabe o ANPP mesmo para processos já em grau recursal, deve o membro Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 77 do Ministério Público com atuação perante o tribunal em que pende de julgamento o recurso avaliar essa possibilidade e, se for o caso, propor diretamente o acordo. E que o faça na primeira oportunidade, sob pena de preclusão. É seu ônus e não há nenhum sentido em delegá-lo a membros do MP com ofício em primeiro grau de jurisdição. Ainda que se fosse da opinião de ser realmente o membro do Ministério Público do primeiro grau – e não o atuante no Tribunal – que deveria oferecer o ANPP (com o que não concordamos, mas admitimos a viabilidade se os membros do primeiro e do segundo grau assinassem o ANPP juntos), a homologação deveria ser feita pelo relator do caso no Tribunal, já que, mais uma vez deve-se consignar, a jurisdição do primeiro grau findou com a sentença. No máximo, poderia haver a expedição de carta de ordem delegando ao juiz do primeiro grau a realização da audiência de homologação (art. 28-A, § 4º, do CPP). Ainda há quem sustente que o ANPP pode ser feito até mesmo após o trânsito em julgado da sentença, o que nos parece equivocado, visto que não há interesse público ao acordo, já que houve a satisfação da pretensão punitiva do Estado com a sentença condenatória já transitada em julgado. Se um dos objetivos do ANPP é evitar as misérias do processo penal, fica claro que com a sentença penal condenatória transitada em julgado esse objetivo do ANPP restaria prejudicado. Com a sentença condenatória transitada em julgado, a pena imposta deve ser executada, não existindo espaço para a negociação. Por fim, como já acima consignado, há decisões do STF no sentido que o ANPP não cabe quando já existente sentença (ARE 117.1894-RS; HC 186.289-RS e HC 191.464-SC). 78 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 28) A quem compete oferecer o ANPP? De acordo como art. 28-A, caput, do CPP, cabe ao Ministério Público propor o acordo de não persecução penal.6 Dessa forma, a atribuição para formular a proposta de ANPP será do membro do Ministério Público responsável pela investigação e pela (eventual) denúncia. Em suma, o membro do Ministério Público, que é o Promotor Natural para o oferecimento da denúncia (aquele que recebe os autos da investigação para análise da possibilidade de ajuizamento da ação penal), é também o Promotor Natural para o oferecimento do ANPP. 29) O juiz pode oferecer o ANPP? Não. O ato compete exclusivamente ao Ministério Público. Nesse sentido, vale mencionar a decisão do Tribunal Regional da 4ª Região: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA SEU CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONHECER DO RECURSO COMO CORREIÇÃO PARCIAL. AUSÊNCIA DE ERRO PROCEDIMENTAL COMETIDO PELO JUÍZO DE ORIGEM. 6 Nesse sentido: STJ, EDcl no AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 1.668.298 – SP; Habeas Corpus nº 584843 – SP e PET no Agravo em Recurso Especial nº 1.668.089 – SP. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 79 NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra decisão que indefere o pedido de designação de audiência para propositura de acordo de não persecução penal não cabe recurso criminal em sentido estrito, uma vez que o art. 581 do CPP não traz em seu rol taxativo a hipótese em comento. […] 4. A iniciativa para a proposta do acordo de não persecução penal é exclusiva do Ministério Público, cabendo ao Poder Judiciário homologá-lo, em audiência, fazendo o controle de legalidade, verificando a voluntariedade e a suficiência e adequação dos termos propostos pelo Parquet. Ainda, a celebração de eventual acordo não depende de provocação judicial. No caso em tela, não há falar em designação de audiência de homologação se o Parquet Federal e o denunciado sequer realizaram o negócio jurídico. 5. Negado seguimento ao presente recurso, por manifestamente incabível. (RESE nº 5002794-72.2020.4.04.7108/RS, Rel. Cláudia Cristina Cristofani, 7ª T., j.02/06/2020). Também a 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 05/05/2020, no julgamento do HC nº 2064200-84.2020.8.26.0000, Rel. Des. Xisto Rangel, deixou claro que o ato de oferecimento do ANPP é do Ministério Público e se este, fundamentadamente, deixa de fazê-lo, não há como se oferecer o acordo. Eis a ementa: Habeas Corpus. Insurgência quanto à ausência de propositura de acordo de não persecução penal. Tráfico que supostamente viria a ser considerado 80 Sandro Carvalho lobato de Carvalho privilegiado. PGJ que, provocada pelo juízo nos termos do art. 28-A CPP, manteve a recusa do Promotor de Justiça. Posição institucional que deve ser preservada. Ordem Denegada. Importa ainda mencionar a decisão do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ, ao negar seguimento ao HC nº 584843-SP, em 24/06/2020, onde esclareceu: Por fim, conforme foi consignado pelo Tribunal de origem, como o Acordo de Não Persecução Penal ANPP foi negado pelas duas instâncias do Ministério Público, não há possibilidade legal de intervenção do Poder Judiciário nesse tema, o qual, volto a frisar, é prerrogativa da Justiça Pública (e-STJ fl. 162). 30) O Acordo de Não Persecução Penal é direito subjetivo do investigado? Não. Como já afirmado, o ANPP é um negócio jurídico extraprocessual que resulta da convergência de vontades, com participação ativa do Ministério Público e do investigado, assistido por defensor. Por outro lado, como já visto, o acordo de não persecução penal é um instrumento de política criminal do Ministério Público e cabe a ele, Ministério Público, analisar se, no caso concreto, o ANPP, mesmo que preenchido seus pressupostos e requisitos, é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção da infração penal. Nesse sentido, o Enunciado nº 21 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19: Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 81 A proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de política criminal e sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime. Trata-se de prerrogativa institucional do Ministério Público e não direito subjetivo do investigado. Não há dúvidas que o ANPP coloca o Ministério Público em posição de protagonismo, onde cabe a ele a iniciativa do acordo e a análise de seu cabimento, bem como se o ANPP é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção da infração penal. Na verdade, longe de ser um direito subjetivo do investigado, o ANPP deve ser compreendido como poder-dever do Ministério Público, a quem cabe analisar, fundamentadamente e com exclusividade, a possibilidade de aplicação do instituto. Nesse sentido, consignou a Min. Cármen Lúcia, em decisão datada de 28/05/2020, nos autos do HC 186.289-RS, que: [...] Nos termos do art. 28-A, do Código de Processo Penal, alterada pela Lei n. 13.964/2019, “o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal”, não se tratando, à semelhança da suspensão condicional do processo, de direito subjetivo do acusado, mas dever-poder do Ministério Público, titular da ação penal, ao qual cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação daquele instituto, desde que fundamentadamente (HC n. 129.346, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 5.4.2016; de HC n. 84.352, Relator o Ministro 82 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Ayres Britto; DJ de 23.6.2006; HC n. 83.458, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 6.2.2003; HC nº 101.369/SP, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 28.11.11, entre outros). De forma ainda mais clara, consignou o Min. Alexandre de Moraes, em decisão datada de 28/01/2021, nos autos do HC 195.725-SP: Dessa maneira, constatada a materialidade da infração penal e indícios suficientes de autoria, o titular da ação penal deixou de estar obrigado a oferecer a denúncia e, consequentemente, pretender o início da ação penal. O Ministério Público poderá, dependendo da hipótese, deixar de apresentar a denúncia e optar pelo oferecimento da transação penal ou do acordo de não persecução penal, desde que, presentes os requisitos legais. Essa opção ministerial encaixa-se dentro desse novo sistema acusatório, onde a obrigatoriedade da ação penal foi substituída pela discricionariedade mitigada; ou seja, respeitados os requisitos legais o Ministério Público poderá optar pelo acordo de não persecução penal, dentro de uma legítima opção da própria Instituição. Ausentes os requisitos legais, não há opção ao Ministério Público, que deverá oferecer a denúncia em juízo. Entretanto, se estiverem presentes os requisitos descritos em lei, esse novo sistema acusatório de discricionariedade mitigada não obriga o Ministério Público ao oferecimento do Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 83 acordo de não persecução penal, nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo de não persecução penal, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição. [...] As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do acordo de não persecução penal, porém não suficientes para concretizá-lo, pois mesmo que presentes, poderá o Ministério Público entender que, na hipótese específica, o acordo de não persecução penal não se mostra necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Repito, trata-se de importante instrumento de política criminal dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro, não constituindo direito subjetivo do acusado. Igualmente a decisão do STJ, datada de 17/11/2020,nos autos do AgRg no RHC nº 130587-SP, conforme trecho da ementa abaixo transcrito: [...] III - Outrossim, como bem asseverado no parecer ministerial, "O acordo de persecução penal não constitui direito subjetivo do investigado, podendo ser proposto pelo MPF conforme as peculiaridades do caso concreto e quando considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção da infração penal", não podendo prevalecer neste caso a interpretação dada 84 Sandro Carvalho lobato de Carvalho a outras benesses legais que, satisfeitas as exigências legais, constitui direito subjetivo do réu, tanto que a redação do art. 28-A do CPP preceitua que o Ministério Público poderá e não deverá propor ou não o referido acordo, na medida em que é o titular absoluto da ação penal pública, ex vi do art. 129, inc. I, da Carta Magna. Agravo regimental desprovido. A realidade é que a previsão legal do acordo de não persecução penal está no espaço do que se conhece por discricionariedade regrada, ou oportunidade regrada, ou oportunidade legalmente regulada, onde o Ministério Público poderá negar a formular proposta de acordo, pois deverá ponderar previamente e fundamentar se o acordo é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção da infração penal, notificando o investigado para que, caso deseje, possa exercer a faculdade de requerer a remessa dos autos ao Procurador-Geral (art. 28-A, § 14, do CPP). Sobre o assunto, leciona Lima (2020b, p. 276-277): Partindo da premissa de que o acordo de não persecução penal deve resultar da convergência de vontades, com necessidade de participação ativa das partes, não nos parece correta a assertiva de que se trata de direito subjetivo do acusado, sob pena de se admitir a possibilidade de o juiz determinar sua realização de ofício, o que, aliás, lhe retiraria sua característica mais essencial, qual seja, o consenso. […] Se não se trata de direito subjetivo do acusado, o ideal, então, é concluir que estamos diante de uma discricionariedade ou oportunidade regrada, Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 85 porquanto somente é lícito ao Ministério Público celebrar a avença se acaso preenchidos todos os requisitos listados pelo art. 28-A, caput e parágrafos do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19. Não existe, pois, absoluta liberdade discricionária, posto que tais requisitos deverão ser necessariamente observados, sob pena inclusive de recusa judicial à homologação do acordo (CPP, art. 28-A, § 7º). Esclarece também Souza e Dower (2018, p. 137): O acordo de não persecução penal é solução de comprometimento, de consenso e não direito subjetivo do investigado. […] E a razão para a consolidação desse entendimento é a mesma que deve servir para o caso do novo instituto do acordo de não persecução: a convergência de vontades e o consenso implicam na necessidade de participação ativa das partes. Ora, a privatividade da ação penal pelo Ministério Público impede sua substituição pelo Magistrado, de modo que ainda que o investigado preencha os requisitos estabelecidos, não poderá obter, inexoravelmente, a proposta. Vale dizer, a negativa de celebração do acordo não permite que o judiciário o conceda substitutivamente à atuação ministerial, pena de afronta a estrutura acusatória do processo penal. […] Se não se olvida que o sistema brasileiro tem encampado (de maneira correta e necessária) a 86 Sandro Carvalho lobato de Carvalho mitigação da obrigatoriedade da ação penal, não menos evidente que não se pode, em nenhum caso, impor ao Ministério Público a obrigação do acordo, sendo que tal instrumento somente deverá ser utilizado, quando atenda ao princípio da proporcionalidade, considerada em concreto a infração penal. Vale citar a decisão da 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, datada de 05/04/2020, no julgamento do HC nº 2026314-51.2020.8.26.0000, Rel. Des. Ricardo Sale Júnior, onde restou claro que o ato de oferecimento do ANPP é ato discricionário do Ministério Público, não devendo o Poder Judiciário intervir na sua obrigatoriedade. Vejamos a ementa e a passagem do voto vencedor: Ementa: HABEAS CORPUS. Furto qualificado e associação criminosa. Preliminares afastadas. Inépcia da denúncia. Preenchimento dos requisitos insertos no artigo 41, do Código de Processo Penal. Trancamento da ação penal por ausência de justa causa. Impossibilidade. Conduta que, de início, se subsume ao tipo penal. Necessidade de análise aprofundada da prova, o que não se admite nesta via eleita. Impossibilidade de aplicação do artigo 28-A do Código de Processo Penal. Ato discricionário do Ministério Público. Ordem denegada. Trecho do voto: “Acerca do acordo de não persecução penal, trata-se de uma discricionariedade do Ministério Público, eis que o artigo 28-A do Código Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 87 de Processo Penal dispõe que: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...)”. Ou seja, trata-se de um dispositivo legal não vinculante, não devendo o Poder Judiciário interferir na obrigatoriedade de sua aplicação. 31) Presentes os pressupostos do Acordo de Não Persecução Penal, o Ministério Público pode negar seu oferecimento se verificar que o ANPP não é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção da infração penal? Sim. Só caberá ANPP quando o Ministério Público, no seu papel de instituição de garantia dos interesses da sociedade, dentro de sua discricionariedade regrada, avaliar que o acordo de não persecução penal é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção da infração penal. Se entender que o ANPP não é suficiente e/ou necessário, seja para a reprovação, seja para a prevenção do ilícito penal, o Ministério Público não oferecerá o acordo. A necessidade e suficiência do ANPP para a reprovação e prevenção da infração penal é um requisito do acordo previsto no caput do art. 28-A, do CPP, cabendo ao Ministério Público avaliar este requisito. Recorde-se, mais uma vez, que o ANPP é instrumento de política criminal do Ministério Público, sendo este o seu protagonista. Lecionam Souza e Dower (2018, p. 135) sobre o ANPP: 88 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Trata-se, em verdade, de legítimo instrumento de política criminal, por meio do qual o Ministério Público exerce seu papel constitucional de agente catalisador e transformador da realidade criminal brasileira e por isso desenvolve estratégias de repressão, prevenção e tratamento das consequências da criminalidade, sejam vítimas identificadas, sejam danos sociais. Resta claro, em vista do dispositivo legal (art. 28-A, caput, do CPP) que o Ministério Público tem ampla liberdade para avaliar se, no caso concreto, o ANPP é suficiente e necessário para a repressão e prevenção do ilícito penal, afastada, de vez, qualquer possibilidade do ANPP ser caracterizado como direito subjetivo do investigado. Nesse aspecto, o Enunciado nº 19, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), tem o seguinte teor: O acordo de não persecução penal é faculdade do Ministério Público, que avaliará, inclusive em última análise (§ 14), se o instrumento é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime no caso concreto. E para analisar se no caso concreto o ANPP é suficiente e necessário para a repressão e prevenção do ilícito, o Ministério Público deve avaliar se o acordo, no caso concreto, mostra-se compatível com as premissas da justiça consensual e as diretrizes político-criminais adotadaspara melhor proteção da sociedade, avaliando a dimensão social do dano Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 89 causado, a relevância social do bem jurídico, a danosidade do fato para se chegar à conclusão de ser ou não o acordo cabível. Esclarece Souza (2020, p. 125): O primeiro requisito legal que devemos analisar, de ordem eminentemente subjetiva, é o referente à necessidade e suficiência do acordo para a reprovação e prevenção do crime. Requisito lavrado em termos subjetivos, autoriza um exame particularista do caso concreto, permeando-o de razões político- criminais que possam indicar o não cabimento do acordo porque a situação, por exemplo, mostra-se incompatível com as premissas da justiça consensual ou despenalizadora ou não suficientemente protetiva ao bem jurídico violado pela norma. E leciona Cabral (2020, p. 93-96): Desse modo, o específico contexto do delito cometido, deve indicar que o acordo é suficiente para a prevenção e a reprovação. Assim, se no caso concreto exista algum elemento que não recomende, desde uma perspectiva preventiva do delito, a celebração a avença, não deverá ser celebrado o acordo de não persecução penal. É dizer, a simples dúvida se o acordo preenche ou não essas diretrizes político- criminais já é suficiente para o seu não oferecimento. Isso porque, o que deve estar provado nos autos é que o acordo cumpre esses requisitos político-criminais, não o contrário. 90 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Nesse sentido, devem ser analisados tantos aspectos em que exista um injusto mais grava (natureza objetiva), quanto elementos que indiquem uma maior culpabilidade do agente (natureza predominantemente subjetiva), sendo certo que esses dois critérios têm um corte nitidamente político-criminal preventivo […] Desse modo, devem ser levados em consideração, desde uma perspectiva de injusto mais grave, elementos como magnitude da violação aos bens jurídicos, o grau de afetação social do delito examinado e a transcendência lesiva da prática delitiva. Já a partir de uma visão de culpabilidade, cumpre examinar o grau de reprovabilidade da conduta do autor, em determinado caso concreto. Vale citar ainda os ensinamentos de Pacelli e Fischer (2020, p. 113): O principal critério trazido pela nova lei, contudo, remete à circunstância já conhecida na modulação da aplicação da pena. Trata-se do condicionamento do juízo acerca da assunção do acordo segundo ‘seja necessário e suficiente reprimir e prevenir o crime’ (art. 28-A). Aqui, como visto, importantíssimo papel foi reservado ao Ministério Público, em primeiro lugar, e, depois, ao juiz de garantias, responsável pela homologação do acordo. Sempre estará presente o risco de excesso de subjetivismo na compreensão dessa circunstância Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 91 nos casos concretos. Como o rol de crimes abrangidos pela possibilidade do acordo de não persecução é demasiado extenso, a Justiça Penal negociada poderá se tornar a principal alternativa para o sistema, desde que a aplicação das novas regras obedeça a critérios mais ou menos objetivos […] Haverá outros exemplos, é claro, mas o mais relevante é a abertura legislativa para a composição de crimes que, embora abstratamente (pela pena cominada e pelo bem jurídico atingido) mais graves, podem oferecer hipóteses de menor complexidade e de menor repercussão no âmbito da Administração Pública, por exemplo. Separar o joio do trigo em cada hipótese concreta poderá ser bastante proveitoso para os interesses da justiça penal. Nesse ponto, será de fundamental importância o exame cuidadoso da culpabilidade do agente, as circunstâncias e a danosidade do fato, já a ser examinada concretamente. A reiteração de fatos da mesma natureza – ou até mesmo de outra – deverá ser levada em conta, bem como a primariedade e ausência de antecedentes do agente. De fato, são inúmeros os crimes assim qualificados, incluindo simplesmente todos os crimes contra a Administração Pública, os de organização criminosa (integrar ou participar de organização criminosa) e os de lavagem de dinheiro, delitos portadores de maior censura pública. 92 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Além do apontado pela doutrina acima, entendemos que o Ministério Público deve dar maior atenção à vítima7 do crime, levando em consideração os direitos fundamentais da vítima, bem como o dano sofrido por ela, dano não apenas material e financeiro, mas também psicológico e moral, sendo esses critérios importantes para se verificar a necessidade e a suficiência para a prevenção e repressão do delito (p.ex. os crimes contra a dignidade sexual). A política criminal levada a efeito pelo Ministério Público deve também ser uma de preservação de garantia de direitos das vítimas de crimes. Certamente é obrigação do Ministério Público, em petição separada ou na cota da denúncia, fundamentar quando entender, no caso concreto, que o ANPP não atende ao requisito de necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do ilícito penal, para permitir, inclusive, que o investigado questione a posição junto ao órgão superior do Ministério Público (art. 28-A, § 14, do CPP). 32) Cabe Acordo de Não Persecução Penal na hipótese de crimes hediondos ou equiparados? A Resolução nº 181/2017, do CNMP, em seu art.18, § 1º, inciso V, vedava o acordo de não persecução penal para os casos de crimes hediondos ou equiparados. Contudo, a proibição existente na Resolução não foi prevista no art. 28-A, § 2º, do CPP, local onde o legislador elencou as hipóteses de não cabimento do ANPP. Logo, a proibição existente no art.18, § 1º, inciso V, da Resolução do CNMP, confronta com o art. 28-A, do CPP, estando, portanto, aquela 7 Vítima considerada em seu conceito amplo, incluindo inclusive seus parentes, sobretudo em caso de falecimento. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 93 revogada tacitamente, não existindo mais, assim, impeditivo objetivo para o ANPP em crimes hediondos ou equiparados. Crimes hediondos são aqueles elencados como tais no art. 1º, da Lei nº 8.072/90. A Constituição Federal equipara a hediondo, dando-lhes o mesmo tratamento, os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo (art.5º, XLIII). Analisando o elenco de crimes hediondos (art.1º, da Lei nº 8.072/90), observa-se que poucos são os crimes que, em tese, poderiam caber acordo de não persecução penal, posto que a maioria dos crimes hediondos possuem pena mínima igual ou superior a 4 (quatro) anos e/ou são perpetrados com violência ou grave ameaça. Em tese, os crimes previstos no art. 155, § 4º-A (furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum) e no art. 218-B (favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável), do Código Penal, ambos hediondos (art.1º, incisos VIII e IX, da Lei nº 8.072/90), admitiriam o ANPP somente se na modalidade tentada (art. 14, II, do Código Penal), em vista da necessidade de se observar a diminuição aplicável ao caso (art. 28-A, § 1º, do CPP). Igualmente os crimes do art. 16 da Lei nº 10.826 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido) e do art. 2º, da Lei nº 12.850/2013 (organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado), ambos também hediondos (art. 1º, parágrafo único, incisos II e V, da Lei nº 8.072/90), ainda que consumados, admitiriam o ANPP. Sobre o assunto, leciona Cabral (2020, p. 208): Outra questão que surge a respeito do cabimento do acordo de não persecução penal é se ele seria cabível para crimes hediondos ou equiparados. 94 Sandro Carvalho lobato de Carvalho É certo que o inciso V, § 1º do art.18 da Resolução n 181/17-CNMP, expressamente proibia o cabimento do acordo de não persecução para os delitos hediondos e equiparados. O art. 28-A do Códigode Processo Penal, porém, não acolheu essa limitação, sendo certo que esse não é mais um requisito objetivo para o cabimento do acordo. Sem embargo, na atualidade, o acordo de não persecução penal não é cabível para a imensa maioria dos crimes hediondos e equiparados por outras razões. É que vários desses delitos são cometidos mediante violência ou grave ameaça, além do que à maioria deles é cominada pena igual ou superior a quatro anos. […] Portanto, como dito, para esses delitos, ao menos em tese, é cabível o acordo de não persecução penal. Apesar de não existir expressamente uma proibição de ANPP nos crimes hediondos e equiparados (art. 28-A, § 2º, do CPP), o Enunciado nº 22, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores- Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), é pela impossibilidade de ANPP: Veda-se o acordo de não persecução penal aos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, bem como aos crimes Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 95 hediondos e equiparados, pois em relação a estes o acordo não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Igualmente, o Enunciado nº 22 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19: O acordo de não persecução penal é incompatível com crimes hediondos ou equiparados, uma vez que sua celebração não atende ao requisito previsto no caput do art. 28-A CPP, que restringe a situações em que se mostre necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Importa consignar, ainda que em tese seja possível o ANPP, pode não ser o acordo de não persecução penal, no caso concreto, necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, sendo crime hediondo ou não (art. 28-A, caput, do CPP), devido à dimensão social do dano causado, a relevância social do bem jurídico, a danosidade do fato etc., o que justificaria o não oferecimento do ANPP de forma fundamentada pelo Ministério Público. Pacelli e Fischer (2020, p. 113), ao mencionar o crime de organização criminosa, por exemplo, lecionam: Os delitos praticados por organizações criminosas, por exemplo, embora possam eventualmente se enquadrar no acordo (penas de até quatro anos e sem grave ameaça ou violência), não deveriam ser objeto de ajuste de não persecução, dado que as sanções 96 Sandro Carvalho lobato de Carvalho previstas na lei não parecem suficientes para reprimir nem prevenir delitos, dado que elas se organizam exatamente para a prática de crimes. Aliás, no ponto, pode-se argumentar até que já haveria vedação em relação aos membros de qualquer organização criminosa, na medida em que o acordo é vedado para aqueles com conduta criminosa profissional (art. 28- A, § 2º, II, CPP). Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, através do Min. Reynaldo Soares, em decisão monocrática datada de 03/05/2020, foi pela impossibilidade justamente por entender que o acordo, em crimes hediondos ou equiparados, não seria necessário e suficiente para a repressão e prevenção. Eis o trecho da decisão: [...] por se cuidar, em tese, de tráfico internacional de drogas, paradigma constitucional de gravidade para os demais crimes hediondos, para o qual a Constituição Federal impôs tratamento jurídico-penal severo (art. 5.º, inc. XLIII), a formulação do negócio jurídico processual jamais poderá se reputar necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. (Recurso em Habeas Corpus nº 128.660-SP). 33) Cabe Acordo de Não Persecução Penal na hipótese de tráfico privilegiado? O crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006) não consta no art. 28-A, § 2º, do CPP, onde estão elencadas as hipóteses que não se aplica o ANPP. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 97 Logo, não há vedação expressa para o ANPP em crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006). Importa consignar que o Supremo Tribunal Federal (HC 118533) já entendia que o crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006) não era equiparado a hediondo, tendo a Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) adotado tal entendimento e o consignado legalmente no art. 112, § 5º, da Lei de Execução Penal: “§ 5º. Não se considera hediondo ou equiparado, para fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”. Pacelli e Fischer (2020, p. 114) também entendem possível: O crime de tráfico de drogas privilegiado, por exemplo, não pode mais ser considerado hediondo, por força da nova legislação, o que, à vista da causa de diminuição nele contido (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/06), permitirá o acordo de não persecução. Dezem e Souza (2020, p. 65) igualmente: Não há vedação expressa para a figura do tráfico de drogas privilegiado previsto no artigo 33, § 4º da Lei 11.343/06. Duas posições devem se formar aqui. Primeira no sentido da vedação perante a alegação do caráter hediondo e da gravidade do delito. Discordamos dessa posição desde que se fixou de maneira clara que tráfico de drogas não é crime hediondo nos termos da jurisprudência do STF e do STJ. Dessa forma, em tese, é possível a aplicação do acordo de não persecução penal para os casos envolvendo tráfico privilegiado e sua recusa deve ser feita de maneira motivada. 98 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Vale lembrar, mais uma vez, que ainda que em tese seja possível o ANPP, pode não ser o acordo de não persecução, no caso concreto, necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime (art. 28- A, caput, do CPP), devendo ser avaliada a dimensão social do dano, a relevância social do bem jurídico, a danosidade social do fato etc., o que justificaria o não oferecimento do ANPP de forma fundamentada pelo Ministério Público8. Por fim, cabe lembrar que o tráfico de drogas na forma simples (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) é incompatível com o ANPP, por cominar pena mínima de 5 anos de reclusão. Havendo, entretanto, outros diversos crimes da Lei nº 11.343/2006 que cominam pena inferior a 4 anos e, portanto, admitem o acordo, como por exemplo os previstos nos arts. 34 e 35 e 37 e 39 da citada Lei. 34) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes de racismo? Os crimes de racismo, compreendidos aqueles tipificados na Lei nº 7.716/89 e no art. 140, § 3º, do Código Penal, não constam no art. 28- A, § 2º, do CPP, onde estão elencadas as hipóteses em que não se aplica o ANPP. Logo, não há vedação expressa para o ANPP em crime de racismo, compreendidos aqueles tipificados na Lei nº 7.716/89 e no art. 140, § 3º, do Código Penal. Contudo, assim como nos crimes hediondos e em todos os crimes, na verdade, há necessidade de se verificar, no caso concreto, se o ANPP é necessário e suficiente para a repressão e prevenção de tais crimes, levando em consideração, repita-se, inclusive a situação da vítima. 8 Exemplo de um caso concreto: STJ no AgRg no RHC nº 130587-SP, Rel.Min. Felix Fischer, 5ªT., j.17/11/2020. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 99 Sobre o assunto, é importante consignar que o Ministério Público de São Paulo, através de seu Procurador-Geral de Justiça e do seu Corregedor-Geral, expediu a Orientação Conjunta nº 1 PGJ/SP e CGMP/ SP no sentido de: Os órgãos de execução do Ministério Público do Estado de São Paulo devem evitar qualquer instrumento de consenso (transação penal, acordo de não persecução penal e suspensão condicional do processo) nos procedimentos investigatórios e processos criminais envolvendo crimes de racismo, compreendidos aqueles tipificados na Lei 7.716/89 e no art. 140, §3º, do Código Penal, pois desproporcional e incompatível com infração penal dessa natureza, violadora de valores sociais. No mesmo sentido, foram expedidas a Nota Técnica nº 10/2020do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça Criminais do Ministério Público de Pernambuco9 e a Nota Técnica Orientativa Conjunta nº 01/2020 do Ministério Público do Acre.10 Na doutrina, Lauria (2018, p. 436) diz: Nada obstante, baseando-se nos requisitos subjetivos e tendo em vista as particularidades do caso concreto, o tratamento constitucional mais rigoroso 9 Disponível em: https://www.mppe.mp.br/mppe/comunicacao/noticias/12937-caop- criminal-emite-nota-sobre-impossibilidade-de-acordo-de-nao-persecucao-penal-em- crimes-de-racismo 10 Disponível em: https://www.mpac.mp.br/mpac-expede-nota-tecnica-orientando-atuacao- contra-crimes-de-racismo/ 100 Sandro Carvalho lobato de Carvalho dispensado aos crimes de racismo em razão do bem jurídico tutelado e o fato de recaírem sobre vítimas pertencentes a grupos historicamente vulneráveis, o membro do Ministério Público com atribuições para o feito, poderá entender que o acordo (instrumento extrajudicial de política criminal) não é adequado e suficiente para a prevenção e reprovação do crime, deixando, fundamentadamente, de propô-lo e, ato contínuo, formulando a denúncia em juízo. 35) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes contra a Administração Pública? E nos crimes da Lei de Licitação? E nos crimes do Decreto-Lei nº 201/1967? Na atividade ministerial muitas investigações envolvem a prática de crimes contra a Administração Pública (Título XI, do Código Penal), principalmente crimes de peculato (art. 312, do Código Penal), concussão (art. 316, do Código Penal), corrupção passiva (art. 317, do Código Penal), prevaricação (art. 319, do Código Penal), corrupção ativa (art. 333, do Código Penal), descaminho (art. 334, do Código Penal), contrabando (art. 334-A, do Código Penal) etc. Tantas outras investigações apuram a prática de crimes previstos na Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), sobretudo aqueles previstos nos arts. 89 e 90 da citada Lei, bem como os crimes previstos no art. 1º, do Decreto-lei nº 201/67. Em tese, todos esses tipos de crimes, permitem o acordo de não persecução penal, posto que não foram relacionados no art. 28-A, § 2º, do CPP, onde estão elencadas as hipóteses em que não se aplica o ANPP. No Decreto-Lei nº 201/67, por exemplo, todos os crimes lá elencados (art. 1º) possuem pena mínima inferior a 04 (quatro) anos Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 101 (art. 1º, § 1º) e seus tipos penais não contêm a elementar de violência ou grave ameaça. Em sendo cabível, a condição de reparação do dano ao erário é imprescindível no ANPP. Como salienta Messias (2020, p. 49-50), ao tratar do ANPP em crimes contra a Administração Pública: Nos crimes praticados contra a Administração Pública, ao menos em tese, o acordo de não persecução penal possui amplo cabimento. […] Uma vez cabível o acordo de não persecução penal nos crimes praticados contra a Administração Pública, a reparação integral do dano ao erário se mostra intransigível. Por outro lado, como já explicitado neste trabalho, o ANPP é instrumento de política criminal do Ministério Público e não há dúvidas de que o combate à corrupção é uma das políticas criminais do Ministério Público brasileiro. Assim, como em todos os crimes, há necessidade de se verificar, no caso concreto, se o ANPP é necessário e suficiente para a repressão e prevenção de tais crimes, levando em consideração, nesses casos, a magnitude da ofensa, as consequências de tais ilícitos para a sociedade, a danosidade social do fato, a relevância social do bem jurídico, a dimensão do dano, dentre outros critérios adotados pelo membro do Ministério Público para, de forma fundamentada, se for o caso, recusar oferecer acordo de não persecução penal em tais crimes. 102 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 36) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes ambientais? Sim, é possível ANPP em crimes ambientais. Alguns crimes ambientais são passíveis de transação penal (ex. arts. 29 e 31, da Lei nº 9.605/98), o que, em tese, implicaria a impossibilidade de ANPP (art. 28-A, § 2º, I, do CPP). No entanto, em tantos outros crimes ambientais, em tese, é cabível o ANPP, como por exemplo, os crimes dos artigos 30, 32, § 1º-A,11 33, 34, 35, 38, 38-A, 39, 40, 41, 42, 45, 54, 56, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 69 e 69-A, da Lei nº 9.605/98, os crimes previstos nos arts.15 e 16 da Lei nº 7.802/89, e o crime do art.50 da Lei nº 6.766/79, dentre outros. É certo, contudo, que nos crimes ambientais em que, em tese, é possível o ANPP, devem-se observar as peculiaridades relativas à matéria ambiental, sobretudo a prévia composição do dano ambiental quando possível e, inclusive, assim como outros crimes, se é ou não necessário e suficiente para a repressão e prevenção do crime, levando-se em conta, por exemplo, a dimensão social do dano, a danosidade do fato etc. Por fim, parece possível o ANPP para as pessoas jurídicas. Eis a lição de Cabral (2020, p. 192): A meu ver, isso é perfeitamente possível, uma vez que não há nenhuma incompatibilidade do instituto com o seu cumprimento pela pessoa jurídica, afora o afastamento da cláusula de prestação de serviços 11 Há quem entenda incabível o ANPP ao argumento da “natureza do delito e da sua manifesta contrariedade ao espírito da Lei nº 14.064/2020, que buscou justamente impedir a aplicação de medidas despenalizadoras, tornando mais severa a persecução penal e a reprimenda” e por ser um crime praticado com violência. Ver. GONÇALVES, Monique Mosca. A Tutela Penal dos animais no contexto da nova Lei nº 14.064/2020. Boletim Criminal Comentado, São Paulo, n. 114, out. 2020. www.mpsp.mp.br. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 103 à comunidade, além do que não há vedação, nem expressa, nem implícita, dessa possibilidade. Nesse sentido, à mingua de um detalhamento específico sobre o tema, é certo que o acordo de não persecução penal deverá ser celebrado com a pessoa jurídica, por meio de seu representante legal, de acordo com o previsto nos seus respectivos atos constitutivos ou, na ausência de previsão expressa, a pessoa jurídica deverá ser representada por seus diretores (CPP, art. 3º c.c CPC, art. 75, VIII). 37) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes eleitorais? Sim. Não há vedação pelo art. 28-A, § 2º, do CPP, nem proibição no Código Eleitoral de aplicação do ANPP. Sendo certo que o Código de Processo Penal é aplicado como lei subsidiária ou supletiva aos processos criminais eleitorais (art. 364, do Código Eleitoral), logo, em tese, é possível o ANPP nos crimes eleitorais. Vale lembrar que tanto o TSE12 quanto o STJ13 admitem em crimes eleitorais a aplicação de transação e da suspensão condicional do processo, institutos de Justiça Consensual, tal como o ANPP, não havendo motivo para não se aplicar o ANPP em tais delitos, já que inexiste proibição legal. Nesse sentido é a lição de Cabral (2020, p. 207): O Código Eleitoral não trata do acordo de não persecução, não existindo também nenhuma vedação legislativa nesse sentido, não havendo, portanto, 12 TSE, Ac. n. 25.137, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/06/2005. 13 STJ, CC 37.595/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, j.09/04/2003. 104 Sandro Carvalho lobato de Carvalho motivos para que não seja aplicado o acordo de não persecução penal. […] Por essas razões, é que aqui se defende a plena aplicabilidade do acordo de não persecução penal aos crimes eleitorais e a ele conexos, que tramitem perante a Justiça Eleitoral. É certo, contudo, que nos crimes eleitorais nos quais, em tese, é possível o ANPP, devem-se observar as peculiaridades relativas à matéria eleitoral, inclusive, assim como outros crimes, se é ou não necessário e suficiente para a repressão e prevenção do crime, levando-se em conta, por exemplo, a dimensão social do dano, a danosidade do fato etc. Por fim, vale a importante observação de Barros (2020, p. 175) no sentido que não caberá ANPP nos crimes eleitoraisonde o preceito secundário for um preceito punitivo especial, como é o exemplo do art. 11, inciso V, da Lei nº 6.091/74, que tem como sanção a cassação do registro de candidatura ou do diploma, no caso de eleito, do autor do crime. 38) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes militares? A Resolução nº 181/2017, do CNMP, em seu art. 18, § 12, vedava o acordo de não persecução penal nos crimes cometidos por militares que afetassem a hierarquia e a disciplina, havendo, portanto, permissão para os demais. O art. 28-A, do CPP, não repetiu o dispositivo da Resolução do CNMP, ou seja, não afastou a possibilidade de ANPP em crimes militares (ao contrário do que foi feito na Lei nº 9.099/95, em seu art. 90-A,14 que afastou a aplicação da Lei no âmbito da Justiça Militar). 14 Lei nº 9.099/90. Art. 90-A: As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 105 Então, temos que, em tese, cabe acordo de não persecução nos crimes militares, desde que inexistente violência ou grave ameaça. É verdade que a Justiça Militar tem um regramento próprio, com um Código Penal15 e um Código de Processo Penal16 diferenciados, no entanto, importa lembrar que em eventual omissão no CPP Militar pode ser utilizado o CPP comum. Então, na falta de previsão no CPPM, pode-se usar subsidiariamente o CPP e seus institutos mais benéficos, como o acordo de não persecução penal. Aceitando a possibilidade de aplicação do ANPP aos crimes militares, temos a lição de Lima (2020b, p. 282): Consoante disposto no art. 18, § 12, da Resolução n. 181 do CNMP, o acordo de não persecução penal não seria passível de celebração em relação aos delitos cometidos por militares que afetassem a hierarquia e a disciplina. A Lei n. 13.964/19 não reproduziu semelhante vedação, do que se conclui que, pelo menos em tese, o negócio jurídico em questão pode ser celebrado em relação a crimes militares, quer quando afetarem a hierarquia e a disciplina (v.g. desrespeito a superior, abandono de posto), quer quando não colocarem em risco os pilares das Forças Armadas (v.g. estelionato, furto, etc.), mas desde que o acordo se revele necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. 15 Decreto-Lei nº 1001/1969. Código Penal Militar. 16 Decreto-Lei nº 1002/1969. Código de Processo Penal Militar 106 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Cabral (2020, p. 206) também entende ser cabível a celebração de acordo de não persecução penal para os delitos militares, seja da Justiça Estadual, seja da Justiça Militar da União. De outro lado, há doutrinadores que entendem que pelo fato da Lei nº 13.964/2019 ter feito algumas alterações no Código de Processo Penal Militar espelhando algumas alterações também realizadas no CPP, mas nada dispor do ANPP, teria ocorrido um silêncio eloquente (CUNHA, R., 2020, p. 135), o que implicaria a impossibilidade de aplicação do ANPP em crimes militares. Concordando com a impossibilidade de acordo de não persecução nos crimes militares temos a posição de Alves, Araújo e Arruda (2020, p. 115): Sob a égide da Resolução nº 181/2017 do CNMP, não se permitia o acordo de não persecução penal nos crimes militares que afetassem a hierarquia e a disciplina (nos demais delitos militares, era possível o ajuste). Já a Lei nº 13.964/2019 não trouxe qualquer previsão acerca do tema. Não obstante exista entendimento sustentando que o silêncio da lei significa autorização do acordo em qualquer crime militar, vem prevalecendo em doutrina o posicionamento segundo o qual este silêncio foi proposital, não permitindo o ‘Pacote Anticrime’ a celebração do acordo de não persecução penal em nenhum crime militar, próprio ou impróprio. Nesse sentido, o Superior Tribunal Militar tem entendido pela impossibilidade de aplicação do ANPP aos crimes militares, senão vejamos: Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 107 APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 312 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CERTIFICADO DE REGISTRO. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. DEVOLUÇÃO AMPLA DA QUESTÃO LITIGIOSA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. AUSÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. NÃO ACOLHIMENTO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. UNANIMIDADE. [...] O alcance normativo do Acordo de Não Persecução Penal está circunscrito ao âmbito do processo penal comum, não sendo possível invocá-lo subsidiariamente ao Código de Processo Penal Militar, sob pena de violação ao Princípio da Especialidade, uma vez que não existe omissão no Diploma Adjetivo Castrense. Somente a falta de um regramento específico possibilita a aplicação subsidiária da legislação comum, sendo impossível mesclar-se o regime processual penal comum e o regime processual penal especificamente militar, mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles. Preliminar 108 Sandro Carvalho lobato de Carvalho rejeitada. Decisão unânime. Apelo defensivo não provido. Decisão por unanimidade. (STM - APL: 70011062120197000000, Relator: Carlos Vuyk de Aquino, j. 20/02/2020, Data de Publicação: 02/03/2020). HABEAS CORPUS. CRIME CAPITULADO NO ART. 290 DO CPM. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. PGJM. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. ART. 28-A DO CPP. INSTITUTO DA NÃO PERSECUÇÃO PENAL. NEGATIVA DE APLICAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS. UNANIMIDADE. I - Rejeita-se a preliminar de não conhecimento do Habeas Corpus, suscitada pela PGJM, considerando que a questão relativa à transação penal comporta arguição por meio do mencionado remédio constitucional. Decisão unânime. II - O instituto do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, não se aplica aos crimes militares previstos na legislação penal militar, tendo em vista sua evidente incompatibilidade com a Lei Adjetiva castrense, opção que foi adotada pelo legislador ordinário, ao editar a Lei nº 13.964, de 2019, e propor a sua incidência tão somente em relação ao Código de Processo Penal comum. III - Inexiste violação dos preceitos constitucionais, insculpidos no art. 5º, caput, e incisos LIV e LXVIII, da Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 109 Constituição Federal de 1988, e art. 467, "b" e "c", do CPPM, uma vez que a negativa dos Órgãos judicantes da JMU, afastando a incidência do acordo de não persecução penal em relação aos delitos previstos na legislação penal militar, por óbvio, não pode ser considerada violação de formalidade legal e tampouco se configura constrangimento ilegal em relação ao acusado. IV - Ordem de Habeas Corpus denegada. Decisão unânime. (STM – HC 7000374-06.2020.7.00.000, Rel. José Coêlho Ferreira, j. 26/08/2020, Data de Publicação: 14/09/2020) 39) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade? A Lei nº 13.869/201917 define os crimes de abuso de autoridade. Analisando a citada Lei, observa-se que muitos dos crimes nela previstos possuem pena mínima de 01 (um) ano e não são praticados com violência e grave ameaça e, como não há qualquer vedação no art. 28-A, § 2º, do CPP, são passíveis, portanto, de acordo de não persecução penal. Eis a lição de Lima (2020a, p. 83) sobre o assunto: Por se tratar de infração penal à qual é cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, admite-se a celebração de acordo de não persecução penal, desde que presentes os demais requisitos elencados pelo 17 Art. 1º - Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sidoatribuído. 110 Sandro Carvalho lobato de Carvalho art.28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/19. A propósito, eis o teor do Enunciado nº 28, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG): Crimes de abuso de autoridade, cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, presentes os pressupostos do art.18 da Res.181/17 do CNMP, admitirão o acordo de não persecução penal, salvo se sua celebração não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Anote-se que o enunciado acima faz referência a Resolução do CNMP e não ao art. 28-A, do CPP, posto que foi editado em momento anterior à vigência da Lei nº 13.964/2019. Contudo, claramente aplicável, já que a ideia é a mesma. É de se ressaltar ainda que tantos outros crimes previstos na Lei nº 13.869/2019 possuem pena máxima não superior a dois anos, estando, portanto, na esfera de competência do Juizado Especial Criminal e, por consequência, passíveis de transação penal, o que excluiria a possibilidade de ANPP. Por fim, mais uma vez menciona-se que, apesar de, em tese, possível o ANPP nos crimes de abuso de autoridade, o Ministério Público, dentro de sua discricionariedade regrada, analisará o caso concreto para verificar se o acordo de não persecução atende à política criminal da instituição e se é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 111 40) Cabe Acordo de Não Persecução Penal em crimes de competência originária dos Tribunais? Sim. Há uma enorme quantidade de crimes que, em tese, são passíveis de ANPP. Obviamente alguns desses crimes podem ser cometidos por pessoas que sejam detentoras de foro especial por prerrogativa de função, onde a competência originária para a ação penal é do Tribunal e não do juiz de primeiro grau de jurisdição. E a Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), atenta a tal possibilidade, previu expressamente o ANPP nas ações penais originárias nos Tribunais, ao acrescentar o § 3º, no art. 1º, da Lei nº 8.038/90: Art. 1º [...] § 3º Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstanciadamente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, nos termos do art. 28-A do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Logo, perfeitamente possível a aplicação do ANPP nas hipóteses de o investigado ser pessoa detentora de foro especial por prerrogativa de função. Nesta hipótese (competência originária do Tribunal), a depender do regimento interno do Tribunal, possivelmente o juiz competente para homologar o acordo de não persecução penal a ser oferecido pelo Ministério Público atuante no Tribunal, deve ser o relator do caso no Tribunal. 112 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 41) Cabe Acordo de Não Persecução Penal se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais? Não. Por expressa disposição legal, não se aplica o acordo de não persecução penal quando for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, conforme art. 28-A, § 2º, I, do CPP. O dispositivo tem razão de ser já que as hipóteses em que cabe a transação penal são de infrações penais de pequeno potencial ofensivo (ao contrário do ANPP que visa às infrações de média potencialidade ofensiva), sendo a transação penal menos gravosa que o acordo de não persecução (a transação penal não exige confissão). Mesmo se fosse possível, dificilmente o ANPP seria utilizado, posto que a transação penal teria prioridade e raramente quem não aceitaria a transação aceitaria o ANPP. Sobre o assunto, é importante conhecer a posição de Dezem e Souza (2020, p. 64): Não caberá a proposta de acordo de não persecução penal se couber transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais. O que o legislador estabelece aqui é uma situação de precedência, e não de proibição absoluta. Caberá a transação penal (artigo 76 da Lei 9.099/95), ainda que também seja possível a proposta de não persecução penal. Isso porque a transação penal é mais benéfica em termos de requisitos necessários para o cumprimento do que o acordo de não persecução (já que a transação penal não exige confissão, mas o acordo de não persecução, sim). Se o autor do fato não aceitar a proposta de transação penal, isso não impede que lhe seja ofertado o acordo Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 113 de não persecução penal. Se o promotor não fizer a proposta de transação penal, ele deve justificar os motivos pelos quais não o faz, o mesmo valendo para o acordo de não persecução penal. 42) Cabe Acordo de Não Persecução Penal se for cabível a suspensão condicional do processo? Sim. Não há vedação na Lei (art. 28-A, § 2º, do CPP). Ademais, o § 11, do art. 28-A, do CPP, deixa claro que o descumprimento do ANPP pode ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento da suspensão condicional do processo. Muitos são os casos em que o crime permitirá ANPP e suspensão condicional do processo (ex. art. 155, do Código Penal). Em outros, permitirá apenas o ANPP (ex. art. 155, § 4º, do Código Penal) e em poucos outros, apenas a suspensão condicional do processo (ex. art. 129, § 1º, do Código Penal). Então, nos casos em que, em tese, cabe ANPP e suspensão condicional do processo, a princípio, temos que o ANPP é mais favorável ao investigado, posto que o acordo impede o ajuizamento da ação penal, enquanto a suspensão condicional do processo pressupõe ação penal ajuizada e recebida pelo Poder Judiciário, fato este que deverá reduzir a quantidade de processos com a suspensão condicional do processo. Nesse sentido, Cabral (2020, p. 74-75): Por fim, é importante registrar que, com a criação do acordo de não persecução penal, na prática, ocorrerá uma drástica diminuição da incidência da suspensão condicional do processo. 114 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Isso porque, caberá ANPP mesmo nos casos em que houver a SCP […]. Assim, todos os casos em que couber ANPP não será necessária a SCP. […] Ou seja, na prática, a partir da vigência do art. 28- A, CPP, somente caberá suspensão condicional do processo nos limitadíssimos casos em que não for possível o acordo de não persecução penal e, ainda sim, for cabível a SCP. Também Queiroz (2020): Embora a lei não tenha revogado o art. 89 da Lei n° 9.099/95, a suspensão condicional do processo foi sensivelmente esvaziada, uma vez que o acordo de não persecução é muito mais amplo por já compreender as hipóteses que comportariam a suspensão condicional, isto é, crimes punidos com pena mínima igual ou inferior a um ano. De todo modo, como os institutos exigem requisitos distintos (v.g., a suspensão condicional não requer confissão formal e circunstanciada, o oferecimento de denúncia), a suspensão condicional ainda terá alguma aplicação. 43) Cabe Acordo de Não Persecução Penal se for o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional? Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 115 Não. Por expressa disposição legal, não se aplica o acordo de não persecução penal quando for o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, conforme art. 28-A, § 2º, II, do CPP. O dispositivo legal (art. 28-A, § 2º, II, do CPP) deixa clara a opção do legislador de vedar a aplicação do instituto do ANPP para aqueles já vêm se envolvendo em práticas ilícitas, que fazem do crime umaatividade rotineira, posto que tal comportamento é incompatível com os objetivos político-criminais do acordo de não persecução. O conceito de reincidência é o legal, previsto nos arts. 63 e 64, do Código Penal, ou seja, o reincidente é aquele que comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior, respeitado o lapso temporal de 5 (cinco) anos e a prática de crimes militares próprios e políticos, sendo que a reincidência pode ser comprovada com a folha de antecedentes18 do investigado e mesmo a partir de informações extraídas dos sites dos Tribunais.19 No que diz respeito à conduta habitual, reiterada ou profissional, a doutrina de Lima (2020b, p. 281) é explicativa: O legislador também veda a celebração do pacto quando houver elementos probatórios indicando a prática de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional. O conceito de criminoso habitual (habitualidade criminosa ou reiteração delituosa) não se confunde com o de crime habitual. Neste, o delito é único, figurando a habitualidade como elementar do tipo. É o que ocorre, por exemplo, 18 STJ. AgRg no AREsp 1553133/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ªT., j. 15/10/2019. 19 STF. HC 162.548. Rel. Min. Rosa Weber, 1ª T., j.16/06/2020. 116 Sandro Carvalho lobato de Carvalho com o delito de casa de prostituição (CP, art. 229). Na habitualidade criminosa, há pluralidade de crimes, sendo a habitualidade uma característica do agente, e não da infração penal. No crime habitual, a prática de um ato isolado não gera tipicidade, ao passo que, na habitualidade criminosa, tem-se uma sequência de atos típicos que demonstram um estilo de vida do autor, ou seja, cada um dos crimes anteriores já é suficiente de per si para a caracterização da lavagem, sendo que o conjunto de delitos autoriza o aumento da pena. Conduta criminal reiterada, por sua vez, é aquela que é repetida, renovada. Por fim, diz-se profissional da pessoa voltada para a prática de certa atividade como se fosse ela um ofício ou profissão. Como se pode notar, do significado das três palavras extrai-se o nítido intento do legislador de vedar a celebração do acordo de não persecução penal com alguém que faz do crime uma atividade rotineira – verdadeiro meio de vida –, alguém que poderá voltar a praticar novos delitos, o que, de per si, justifica a restrição. Sobre a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, o Enunciado nº 20 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19 dispõe: A expressão ‘conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional’, prevista no inciso II do §2º do art. 28-A CPP, deve ser entendida como a habitualidade criminosa, a ser verificada no caso concreto. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 117 Importante observar que a lei prevê a necessidade de existir elementos probatórios nos autos que indiquem ser a conduta criminal do investigado habitual, reiterada ou profissional. Logo, ao receber os autos do procedimento investigatório criminal, o membro do Ministério Público ao perceber que os pressupostos do acordo de não persecução penal estão presentes (art. 28-A, caput, do CPP), deve promover buscas em seus sistemas de informação e nos sites dos Tribunais sobre a existência de registros criminais do investigado para verificar se o crime apurado é um fato isolado ou mais um no meio de vida do investigado. Não bastam meras conjecturas sobre a conduta delituosa rotineira do investigado, há necessidade de ter mínimos elementos que indiquem essa conduta que podem ser pesquisados, como dito, nos sistemas de informação que o Ministério Público tem acesso e nos sites dos Tribunais, bem como que podem estar presentes nas declarações de testemunhas ouvidas na fase de investigação. Aqui cabe a lição de Cabral (2020, p. 110): Esses elementos probatórios de que a prática é habitual, reiterada e profissional são extraídos da própria investigação, podendo ser constituídos por uma certidão de antecedentes (sobre a existência de outras investigações ou processos penais), complementadas por testemunhos nesse sentido. Aqui, portanto, devem existir elementos probatórios mínimos a indicar que o agente pratica de forma habitual, reiterada ou profissional os delitos […] Assim, não basta a mera desconfiança, deve existir um juízo de plausibilidade sobre esses elementos. 118 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Por fim, importa notar que a própria lei, na parte final do inciso II, do § 2º, do art. 28-A, do CPP, faz uma ressalva, permitindo a aplicação do acordo de não persecução mesmo para aqueles investigados que cometam crimes de maneira habitual, reiterada ou profissional, desde que as infrações penais pretéritas sejam insignificantes. Em resumo, se as infrações penais anteriores, que caracterizaram a reiteração criminosa, forem insignificantes, então caberá o ANPP. O que seriam infrações penais pretéritas insignificantes? O Enunciado nº 21, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), explica: Não caberá o acordo de não persecução penal se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, entendidas estas como delitos de menor potencial ofensivo. Contudo, há doutrina (CABRAL, 2020, p. 110; SOUZA, 2020, p. 126-127) no sentido que as infrações penais pretéritas insignificantes seriam aquelas de inexpressiva lesão ao bem jurídico e que sequer foram objeto de atuação penal anterior, ou seja, naquelas que teriam sido aplicado o princípio da insignificância. 44) Cabe Acordo de Não Persecução Penal se o investigado tiver sido beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo? Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 119 Não. Por expressa disposição legal, não se aplica o acordo de não persecução penal quando o agente tiver sido beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo, conforme art. 28-A, § 2º, III, do CPP. O dispositivo legal (art. 28-A, § 2º, III, do CPP) deixa clara a opção do legislador de aplicar o instituto do ANPP para aqueles que praticaram a infração penal de forma episódica, uma única vez. 45) Cabe Acordo de Não Persecução Penal nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou nos praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino? Não. Por expressa disposição legal, não se aplica o acordo de não persecução penal nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor, conforme art. 28-A, § 2º, IV, do CPP. O dispositivo legal (art. 28-A, § 2º, IV, do CPP) deixa clara a opção de política criminal do legislador de recrudescer o tratamento dado aos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, atendendo, dessa forma, à Constituição Federal (art. 226, § 8º) e a diversos tratados de direitos humanos de observância obrigatória pelo Estado brasileiro (p.ex. a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará), sem descuidar da lembrança da condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que deu origem à elaboração e promulgação da Lei nº 11.340/2006 (conhecida por “LeiMaria da Penha”). 120 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Note-se que a Lei nº 11.340/2006 já havia inaugurado essa política criminal deixando claro que os instrumentos de Justiça Penal Negociada não são compatíveis com a violência doméstica e familiar, afastando expressamente a aplicação da Lei nº 9.099/95 (art. 41, da Lei nº 11.340/2006) e, por consequência, seus instrumentos de Justiça Penal Consensual (composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo), em tais casos. O art. 28-A, § 2º, IV, do CPP, segue a mesma lógica do art. 41, da Lei nº 11.340/2006: não cabe o instrumento de Justiça Penal Consensual do ANPP nos casos de violência doméstica e familiar ou nos crimes praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. O art. 28-A, § 2º, IV, do CPP, tem em seu corpo duas proibições. Uma é a impossibilidade de ANPP em crimes cometidos no âmbito de violência doméstica e familiar. Os conceitos de âmbito doméstico e de âmbito familiar podem ser extraídos do art. 5º, I e II, da Lei nº 11.340/2006. É também na Lei nº 11.340/2006, em seu art. 7º, que encontramos os conceitos de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral que, se estiverem presentes, impedem o ANPP. Por outro lado, importante consignar que o art. 28-A, § 2º, IV, do CPP, quando dispõe sobre o não cabimento do acordo nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, não ressalva a necessidade da vítima ser mulher, logo, pouco importa se o crime for cometido contra mulher ou homem, se for crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar não será possível o acordo de não persecução penal. A outra proibição é a de ANPP quando o crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Neste caso, o que não importa é o local de sua prática, ou seja, independentemente de ter sido cometido no âmbito doméstico ou familiar, bem como não importa se o crime é ou não com violência. Se Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 121 for praticado contra mulher por razões da condição do sexo feminino, não caberá o ANPP. Sobre essa proibição, esclarece Cabral (2020, p. 103): Nesses casos, estão incluídos aqueles delitos que são cometidos contra as mulheres, pela sua própria condição de mulher ou valendo-se da condição de mulher da ofendida, em que se pretenda sua diminuição, coisificação ou que se pretenda tratá-la como se fosse um objeto disponível ou inferior. […] Em suma, sempre que o delito for cometido contra mulher, por razões da condição de sexo feminino, pouco importando se é no âmbito doméstico ou familiar, se é com violência ou não, está vedada a celebração do acordo de não persecução penal. Por fim, cabe mencionar a existência do Enunciado nº 22, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG): Veda-se o acordo de não persecução penal aos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, bem como aos crimes hediondos e equiparados, pois em relação a estes o acordo não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime. 122 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 46) Cabe Acordo de Não Persecução Penal quando for cabível acordo de colaboração premiada? Devido à natureza e dos efeitos do acordo de colaboração premiada, quando este tipo de acordo for cabível, como possível instrumento mais eficiente para a reprovação e prevenção de crimes, deverá ser avaliado pelo membro do Ministério Público antes do oferecimento do ANPP, ou seja, há uma relação de preferência para o acordo de colaboração premiada. Contudo, não se pode perder de vista que, assim como o acordo de não persecução penal, o acordo de colaboração premiada está no campo da discricionariedade regrada do Ministério Público, cabendo ao órgão analisar sua pertinência ou não no caso concreto. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. VOLUNTARIEDADE. INDISPENSABILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO JUDICIALMENTE EXIGÍVEL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou que o acordo de colaboração premiada consubstancia negócio jurídico processual, de modo que seu aperfeiçoamento pressupõe voluntariedade de ambas as partes celebrantes. Precedentes. 2. Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao Ministério Público a celebração de acordo de colaboração premiada, Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 123 notadamente, como ocorre na hipótese, em que há motivada indicação das razões que, na visão do titular da ação penal, não recomendariam a formalização do discricionário negócio jurídico processual. 3. A realização de tratativas dirigidas a avaliar a conveniência do Ministério Público quanto à celebração do acordo de colaboração premiada não resulta na necessária obrigatoriedade de efetiva formação de ajuste processual. 4. A negativa de celebração de acordo de colaboração premiada, quando explicitada pelo Procurador-Geral da República em feito de competência originária desta Suprema Corte, não se subordina a escrutínio no âmbito das respectivas Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público. 5. Nada obstante a ausência de demonstração de direito líquido e certo à imposição de celebração de acordo de colaboração premiada, assegura-se ao impetrante, por óbvio, insurgência na seara processual própria, inclusive quanto à eventual possibilidade de concessão de sanção premial em sede sentenciante, independentemente de anuência do Ministério Público. Isso porque a colaboração premiada configura realidade jurídica, em si, mais ampla do que o acordo de colaboração premiada. 6. Agravo regimental desprovido. (MS 35693 AgR, Relator(a): Edson Fachin, 2ª Turma, j.28/05/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-184. DIVULG 23- 07-2020 PUBLIC 24-07-2020). Referida decisão do STF, mutatis mutandis, é plenamente aplicável ao acordo de não persecução penal. 124 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 47) Há imposição de sanção penal no Acordo de Não Persecução Penal? Preenchidos os pressupostos e requisitos legais do ANPP, entendendo o Ministério Público cabível o acordo, a pergunta que se faz é se no ANPP pode ser imposta uma pena ao investigado? A resposta é não. Não há imposição de sanção penal no ANPP. A pena criminal só pode ser imposta pelo Poder Judiciário, após regular processo penal, obedecidos o contraditório e a ampla defesa, sendo a sua característica principal a imperatividade. No ANPP são ajustadas condições – e não penas – a serem cumpridas pelo investigado, de forma voluntária e consciente, após uma negociação extrajudicial com o Ministério Público. Se eventualmente as condições do ANPP forem descumpridas pelo investigado, não há como obrigá-lo a cumprir, logo, não há a característica da imperatividade, tendo como única consequência o retorno dos autos ao Ministério Público para o ajuizamento da ação penal (art. 28-A, § 10, do CPP). O Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores- Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), tem o Enunciado nº 25 sobre o assunto: O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial e as medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a reincidência. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 125 48) Quais são as condições do Acordo de Não Persecução Penal? Para que o acordo de não persecução penal seja celebrado, o investigado deveráassumir o dever de cumprir certas condições, de forma cumulativa ou alternativa. As condições a serem inseridas, cumulativa ou alternativamente no ANPP, estão expressamente previstas no art. 28-A, incisos I a V, do Código de Processo Penal. São elas: a) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; b) renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; c) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); d) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; e) cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. Sobre as condições do ANPP, vale observar a lição de Messias (2020, p. 46): Com efeito, as condições a serem pactuadas devem ser ajustadas de modo a ressarcir adequadamente a vítima e recompor suficientemente o meio social, vedando-se a proteção jurídica desproporcional, isto é, aquela que se mostre excessiva (übermassverbot) ou carente (untermassverbot), sob pena de tornar inconstitucional a avença. 126 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 49) Como condição do Acordo de Não Persecução Penal o investigado deve reparar o dano ou restituir a coisa à vítima? Sim. Essa é uma condição expressa no art. 28-A, inciso I, do CPP, e que procura prestigiar a vítima. É provavelmente a condição mais importante e necessária do ANPP. O Ministério Público tem o dever de dar maior atenção à vítima do crime e deve velar para, sempre que viável, constar essa condição no acordo de não persecução penal. Apesar do art. 28-A, do CPP, apenas dispor da comunicação para a vítima quando da homologação do acordo e de seu descumprimento (§9º), é importante que o Ministério Público notifique a vítima para comparecer à sede do Ministério Público para conversar com o ofendido e verificar o dano por ela sofrido, quantificando-o, bem como fazendo constar, quando possível, o número da conta bancária da vítima para eventual reparação financeira e/ ou a forma como é melhor para ela receber o seu bem do investigado. Essa audiência extraprocessual do Ministério Público com a vítima é salutar para que o membro do Ministério Público inclusive verifique se o ANPP é suficiente e necessário para a repressão e prevenção da infração penal e por isso sugere-se que seja realizada em data anterior da audiência extrajudicial com o investigado. Ressalte-se, entretanto, que a vítima não tem o poder de vetar o ANPP. A ideia de chamar a vítima para a audiência extrajudicial na sede do Ministério Público é para lhe garantir uma integral reparação do dano sofrido, dando-lhe uma satisfação daquilo que ocorreu, mostrando a preocupação do Ministério Público com o ofendido. Também é de grande valia que o Ministério Público solicite à autoridade policial que, sempre que possível, já no inquérito policial informe a quantificação do prejuízo à vítima, do dano a ser reparado etc., para melhor análise do Ministério Público logo que receber os autos da investigação. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 127 A reparação do dano deve ser integral e a coisa a ser restituída deve estar em perfeito estado, devendo o Ministério Público indicar claramente no acordo o bem a ser restituído, assim como o prazo para a restituição ou para a reparação. Note-se que o próprio texto legal ressalva essa condição quando é impossível reparar o dano ou restituir a coisa à vítima (parte final do inciso I, do art. 28-A, do CPP), circunstância esta que não impedirá a celebração do acordo, afinal, há impossibilidade de reparar o dano sofrido. É certo que em alguns casos pode existir o crime, mas não se verificar o dano, e em outros é impossível a reparação em face do perecimento do objeto, não havendo como restituí-lo. Mas, quando há o dano e ele pode ser reparado ou o objeto restituído, não basta mera alegação do investigado de sua incapacidade financeira de fazê-lo. O investigado tem que efetivamente comprovar essa impossibilidade. É seu ônus a prova cabal da incapacidade financeira. Se não o fizer, o Ministério Público não celebrará o acordo por falta de atendimento a uma das condições legais (art. 28-A, I, do CPP), condição esta, como dito, essencial na medida de maior privilégio e proteção à vítima. Sobre essa hipótese, dizem Souza e Dower (2018, p. 150): Emergindo mencionada situação, pontos rele- vantíssimos devem ser considerados: (a) incum- be ao investigado a prova cabal da sua vulnerabi- lidade financeira, não bastando mera alegação; (b) deve o agente ministerial, convencido e seguro da situação de insolvência do investigado, atentar-se para a conveniência de propor o cumprimento de outra condição, desde que proporcional e compatí- vel com a infração penal aparentemente praticada. 128 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Interessante também deixar consignado no termo de acordo que, em caso de descumprimento do ANPP pelo investigado, o valor pago à vítima, como forma de reparação, ou a coisa restituída, será perdido, ou seja, não será devolvido ao investigado. Outrossim, entende-se que a reparação indicada na Lei abrange qualquer espécie de dano, seja material, moral, estético, psicológico etc. (CUNHA, R., 2020, p. 130; LIMA, 2020b, p. 283; SOUZA; DOWER, 2018, p. 152). Por fim, vale ressaltar que, caso o ANPP seja descumprido, não tendo o investigado, por exemplo, efetuado qualquer reparação à vítima, poderá esta, com cópia da decisão homologatória do ANPP e da decisão que rescindiu o acordo (títulos executivos judiciais), executar essa parte do acordo no Juízo Cível e inclusive pleitear eventual indenização não abrangida pelo ANPP. 50) No que consiste a condição do ANPP em o investigado renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime? Uma das condições expressamente previstas no Código de Processo Penal para o ANPP é justamente o investigado renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime (art. 28-A, II). Nas palavras de Nucci (2020, p. 223): Renunciar a bens e direitos: a exigência feita neste inciso envolve, basicamente, a voluntariedade (ati- vidade realizada livremente, sem qualquer coação) em renunciar (desistir da propriedade ou posse de algo) a bens e direitos, que consistam, conforme indi- cados pelo MP, em instrumentos (mecanismos usados para a prática do delito), produto (objeto ou direito Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 129 resultante diretamente do cometimento do crime) ou proveito (tudo o que resulta de lucro advindo do deli- to, de maneira indireta) do crime. A condição imposta faz todo sentido, posto que não haveria lógica do Ministério Público abrir mão da ação penal para oferecer o acordo de não persecução ao investigado e este ainda pudesse permanecer com os produtos e proveitos do crime, bem como com os instrumentos usados na prática delituosa. Seria o mesmo que dizer que o crime compensa e ainda mostrar à vítima seu desprestígio. Por tal motivo, o Ministério Público deve indicar claramente quais são esses instrumentos e produtos/proveitos do crime a que o investigado deve renunciar, bem como consignar no acordo de não persecução penal o destino desses bens e direitos. Também é de grande valia que o MinistérioPúblico solicite à autoridade policial que, sempre que possível, já no inquérito policial informe quais foram os instrumentos do crime, os produtos e proveitos que o investigado obteve com o crime etc., para melhor análise do Ministério Público logo que receber os autos da investigação. Interessante também deixar consignado no termo de acordo que, em caso de descumprimento do ANPP pelo investigado, os instrumentos, produtos ou proveitos do crime serão perdidos, ou seja, não serão devolvidos ao investigado. 51) Pode ser prevista como condição do ANPP a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas? Sim, é uma condição expressa a ser inserida, cumulativa ou alternativamente no ANPP (art. 28-A, incisos II, do Código de Processo Penal). 130 Sandro Carvalho lobato de Carvalho No entanto, é de se observar o que a própria Lei determina: prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços. Para identificar a pena mínima referida é necessário levarem-se em consideração as causas de aumento e diminuição, tal como previsto no § 1º, do art. 28-A, do CPP. Identificada a pena mínima, deve ela ser reduzida de 1/3 a 2/3 para se chegar ao período de tempo que o investigado deverá realizar a prestação de serviços à comunidade. Para essa redução é importante que o Ministério Público analise as consequências do crime, a sua gravidade, a forma que foi praticada, os danos à vítima etc., podendo usar como parâmetro a norma do art. 59 do Código Penal, fazendo uma espécie de dosimetria, para poder aplicar uma redução maior ou menor no caso concreto, devendo, também, o Ministério Público, ainda que sucintamente, fundamentar sua decisão quanto à aplicação da redução legal, inclusive para permitir que o investigado e seu defensor possam, se for o caso, negociar o percentual de redução, para que concordem com o ANPP. Após aplicar a redução legal, o Ministério Público deve ainda transformar o quantum da prestação de serviços em horas, utilizando como parâmetro o disposto no art. 46, § 3º, do Código Penal, ou seja, para cada dia fixado de prestação de serviços à comunidade corresponderá ao cumprimento efetivo de 01 (uma) hora de trabalho, sendo necessário que isso (dias, meses, horas) fique expressamente consignado no acordo de não persecução penal. Também deve o Ministério Público levar em consideração a aptidão do investigado para o serviço à comunidade e horários que não prejudiquem sua jornada normal de trabalho. 52) Prevista como condição do ANPP a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, é o Ministério Público quem indica o local de cumprimento para o investigado? Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 131 Não. Segundo a parte final do inciso III, do art. 28-A, do CPP, é o Juízo da Execução quem indica o local a ser cumprida a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas. Então, temos que o Ministério Público e o investigado podem acordar sobre a prestação de serviço, inclusive quanto à sua duração, mas não podem determinar o local de seu cumprimento, tarefa reservada por lei ao Juízo da Execução. Contudo, nada impede, na verdade é até recomendável, que o Ministério Público e o investigado façam constar no termo de acordo de não persecução penal a sugestão de um local para o cumprimento da prestação de serviço, deixando consignado ao Juiz da Execução que entendem mais adequado aquele local sugerido para o cumprimento da prestação de serviço. Claro que o Juízo da Execução Penal não está vinculado a esta cláusula do ANPP, mas pode servir de sensibilização do que as partes entendem por melhor para elas. 53) Pode ser prevista como condição do ANPP o pagamento de prestação pecuniária? Sim, é uma condição expressa a ser inserida, cumulativa ou alternativamente no ANPP (art. 28-A, inciso IV, do Código de Processo Penal). A prestação pecuniária deve ser estipulada nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, ou seja, deve ser fixada em valor não inferior a 01 (um) salário mínimo, nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Para chegar ao valor da prestação pecuniária, o Ministério Público deve analisar as consequências do crime, a sua gravidade, a forma que foi praticado, os danos à vítima, a capacidade econômica do investigado etc., podendo usar como parâmetro a norma do art. 59 do Código Penal, fazendo 132 Sandro Carvalho lobato de Carvalho uma espécie de dosimetria, devendo, também, o Ministério Público, ainda que sucintamente, fundamentar sua decisão quanto à definição do valor, inclusive para permitir que o investigado e seu defensor possam, se for o caso, negociar o valor da prestação pecuniária, para que concordem com o ANPP. Também deve o Ministério Público consignar no acordo se a prestação pecuniária será paga à vista ou de forma parcelada e, neste caso, indicar em quantas parcelas. Interessante também deixar consignado no termo de acordo que, em caso de descumprimento do ANPP pelo investigado, as prestações já pagas serão perdidas, ou seja, não serão devolvidas ao investigado. 54) Para onde pode ser destinada a prestação pecuniária acordada no ANPP? É o Ministério Público que indica o destino da prestação pecuniária? Tal como ocorre no inciso III, do art. 28-A, do CPP, não é o Ministério Público que indica para onde vai a prestação pecuniária e sim o Juízo da Execução Penal. E mais. O destino da prestação pecuniária é entidade pública ou de interesse social que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito e, repita-se, é o Juízo da Execução Penal quem escolhe a entidade (inciso IV do art. 28-A, do CPP). Contudo, nada impede, na verdade é até recomendável, que o Ministério Público e o investigado façam constar no termo de acordo de não persecução penal a sugestão de um local para a destinação da prestação pecuniária, indicando até, se possível, o número da conta bancária, deixando consignado ao Juiz da Execução que entendem mais adequado aquele local sugerido para receber a prestação pecuniária. Claro que o Juízo Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 133 da Execução Penal não está vinculado a esta cláusula do ANPP, mas pode servir de sensibilização do que as partes entendem por melhor para elas. Ressalte-se que não é aplicável neste caso a Resolução nº 154/2012 do Conselho Nacional de Justiça, não existindo, portanto, obrigatoriedade da prestação pecuniária ser depositada em conta judicial. Da mesma opinião é Messias (2020, p. 41): Dito de outro modo, as prestações pecuniárias livremente pactuadas não se submetem ao ato normativo do CNJ, porque não são penas, motivo pelo qual não devem ser depositadas em conta judicial, mas, entregues pelo acordante diretamente à entidade pública ou de interesse social contemplada, via movimentação bancária, a fim de garantir o rastreamento do recurso. Por fim, é relevante notar que o inciso IV do art. 28-A, do CPP indica que a prestação pecuniária vai apenas para a entidade pública ou de interesse social, e não indica a vítima como a destinatária, diversamente, portanto, do art. 45, § 1º, do Código Penal. 55) O Ministério Público pode ajustar no ANPP outra condição que não as previstas nos incisos I a IV do art. 28-A, do CPP? Sim. O inciso V, do art. 28-A, do CPP, expressamente prevê que, de forma alternativa ou cumulativa, o investigado deve cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração imputada. Mais uma vez o legislador, ao não indicar a taxatividade das condições que podem ser ajustadas, deixa clara a discricionariedade do 134 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Ministério Público e seu protagonismo no acordo de não persecução, podendo, desta forma, ajustar qualquer outra condição não previstaexpressamente no art. 28-A, do CPP, para que o investigado, em prazo determinado, cumpra, desde que a condição seja proporcional e compatível com a infração penal imputada. Novamente aqui é importante que o Ministério Público analise as consequências do crime, a sua gravidade, a forma que foi praticado, os danos à vítima etc., para poder, se for o caso, indicar mais uma condição a ser cumprida pelo investigado. Por ser uma cláusula aberta, com inúmeras possibilidades de condições a serem indicadas pelo Ministério Público, a depender do caso concreto, passamos a exemplificar algumas: a interdição temporária de direitos; a limitação de fim de semana; a renúncia ao exercício de cargo, função ou atividade pública; a renúncia ao cargo eletivo; compromisso de não se candidatar a cargo público; compromisso de não prestar concurso público; compromisso de não exercer determinada atividade, profissão ou ofício; tratamento ambulatorial; não se aproximar de determinadas pessoas e lugares; frequentar programas ou cursos educativos; não conduzir veículo automotor; realizar curso de reciclagem; realizar palestras em escolas; retirada de conteúdo da internet; retratação pública; perda do valor da fiança, entrega de bens para equipar delegacia de polícia, unidades prisionais, conselhos tutelares etc. Interessante também deixar consignado no termo de acordo que, em caso de descumprimento do ANPP pelo investigado, a fiança paga, por exemplo, será perdida, ou seja, não será devolvida ao investigado. Também é importante que se fixe, com base no inciso V, do art. 28- A, do CPP, algumas condições que eram previstas na Resolução nº 181/2017 (§ 8º, do art. 18), mas que não foram reproduzidas no CPP, porém, são plenamente possíveis de inclusão pelo Ministério Público, tais como: dever do investigado comunicar ao Ministério Público e/ou ao Juízo da Execução eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail; dever de comprovar mensalmente Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 135 ao Juízo da Execução, independentemente de intimação, o cumprimento das condições ajustadas; o dever de, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento do acordo. Essas condições, como dito, podem ser fixadas com base no inciso V, mas também, nada impede que sejam ajustadas em cláusula autônoma, como formalidade do acordo. A propósito, o Enunciado nº 26, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), sobre o assunto: Deverá constar expressamente no termo de acordo de não persecução penal as consequências para o descumprimento das condições acordadas, bem como o compromisso do investigado em comprovar o cumprimento das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo apresentar, imediatamente e de forma documentada, eventual justificativa para o não cumprimento de qualquer condição, sob pena de imediata rescisão e oferecimento da denúncia em caso de inércia. 56) As condições uma vez aceitas e o ANPP homologado podem ser objeto de alteração (novação)? Sobre essa possibilidade, explica Messias (2020, p. 57): É possível que, durante o cumprimento da avença, o acordante se veja impossibilitado, por motivos justificáveis, de cumprir uma ou mais condições. 136 Sandro Carvalho lobato de Carvalho […] Em casos tais, e considerando que as condições previstas no artigo 28-A do CPP são perfeitamente fungíveis entre si, recomenda-se (1) o aditamento do termo de acordo de não persecução penal, a fim de substituir a condição ameaçada de descumprimento, e (2) a submissão do novo pacto à homologação judicial. A propósito, dá-se o nome de novação à substituição de uma obrigação original por uma obrigação nova, ou seja, diferente daquela anteriormente entabulada pelos interessados. Como dito, essa novação deve ser expressa (e não tácita), ou seja, prevista em termo de aditamento de acordo de não persecução penal, com o objetivo de garantir transparência à avença e segurança aos interessados. 57) Como deve ser formalizado o Acordo de Não Persecução Penal? O art. 28-A, § 3º, do CPP, consta a formalidade básica do ANPP: ele será escrito e assinado pelo Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. Contudo, plenamente aplicável, ainda, o § 2º, da Resolução nº 181/2017, do CNMP, ou seja, a confissão do investigado e as tratativas do acordo deverão, se possível, ser registradas pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações. Sobre a gravação, explicam Barros e Romaniuc (2018, p. 53), ainda falando da Resolução nº 181, mas plenamente válido atualmente com o art. 28-A, do CPP: Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 137 Tal exigência reflete uma tendência do ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de modernizar os procedimentos. A gravação em meio audiovisual, além de captar com mais veracidade o contexto em que se deram os acontecimentos, permite ao órgão julgador rememorar as circunstâncias do momento da tomada dessas informações. O ANPP ocorre nos autos do procedimento investigatório e, por lógica, é dentro deste procedimento que o acordo será formalizado. No acordo, deverá constar a qualificação completa do investigado, inclusive com indicação de endereço, telefones e e-mail; a descrição dos fatos e sua adequação típica, com a indicação da confissão; as condições do acordo e seu prazo de cumprimento; os valores a serem restituídos; a forma de restituição e/ou ressarcimento do dano; a conta bancária da vítima, se possível; obrigação do investigado em informar, prontamente, qualquer alteração de endereço, número de telefone ou e-mail; obrigação do(a) investigado(a) em comprovar, mensalmente, o cumprimento das condições acordadas, independentemente de notificação ou aviso prévio; as consequências para o descumprimento das condições acordadas, sobretudo o indicativo que a ação penal será proposta e a confissão realizada no acordo, serão utilizadas como reforço da justa causa; a informação, por outro lado, que, no caso de não homologação judicial, a confissão tomada no acordo não será utilizada pelo Ministério Público como reforço da justa causa, podendo constar, inclusive, sua retirada dos autos. A propósito, o Enunciado nº 26, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), sobre o assunto: 138 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Deverá constar expressamente no termo de acordo de não persecução penal as consequências para o descumprimento das condições acordadas, bem como o compromisso do investigado em comprovar o cumprimento das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo apresentar, imediatamente e de forma documentada, eventual justificativa para o não cumprimento de qualquer condição, sob pena de imediata rescisão e oferecimento da denúncia em caso de inércia. Por fim, não é exigida a participação da vítima para a formalização do acordo. Infelizmente o legislador não considerou a importância da vítima neste momento relevante do acordo. Contudo, como já explicitado, ainda que não exista obrigatoriedade, em respeito à vítima criminal, nada impede que o Ministério Público, antes da formalização do acordo, convide/notifique a vítima para comparecer à sede do Ministério Público para avaliar as consequências do crime para ela, os danos sofridos, o valor a ser restituído/reparado, comunicando-lhe, inclusive, a pretensão de acordar com o investigado. Repita-se, não há obrigação, mas é importante que o Ministério Público tenha um olhar mais atento à vítima, dando-lhe pelo menos mínimas informações sobre as providências adotadas pelo órgão.58) É imprescindível o advogado/defensor para a formalização do Acordo de Não Persecução Penal? Como visto acima, o art. 28-A, § 3º, do CPP, consta a formalidade do ANPP: ele será escrito e assinado pelo Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. Ou seja, é imprescindível a presença do defensor/advogado para a formalização do acordo. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 139 É importante deixar claro que o advogado/defensor deve estar presente durante todos os atos de negociação do ANPP, devendo o Ministério Público deixar consignado na notificação de comparecimento do investigado à sede do Ministério Público da imprescindibilidade de comparecimento acompanhado de advogado/defensor para a discussão sobre o ANPP, inclusive deixando expresso que, caso o investigado não possua recursos financeiros para contratar um advogado, deve procurar a Defensoria Pública. Sem a presença do defensor/advogado, inviável o ANPP. É o que reconhece o Enunciado nº 25 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19: O Ministério Público somente poderá celebrar acordo de não persecução penal se o investigado estiver acompanhado de defensor. Presente o investigado e o defensor, ambos devem concordar com os termos do acordo proposto pelo Ministério Público. E, para tanto, o Ministério Público deve assegurar ao advogado/defensor o acesso aos autos da investigação e uma entrevista prévia e reservada com o investigado, garantindo, dessa forma, a melhor orientação jurídica ao investigado e o correto entendimento dos termos do acordo, de suas condições, suas consequências, inclusive em eventual descumprimento. Mas e se houver discordância entre a vontade do investigado e a vontade do defensor/advogado? Se o investigado não quiser aceitar o ANPP, ainda que o advogado/defensor o aconselhe a aceitar, não parece restar dúvidas da impossibilidade do ANPP. E quando o investigado aceita o ANPP e o advogado/defensor discorda? 140 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Pensando nesta possibilidade, discorrem Dezem e Souza (2020, p. 65): Pode ser que ocorra divergência entre a vontade do suspeito e a do defensor. Em se tratando de defensor constituído, essa divergência acaba sendo irrelevante na medida em que bastará que haja a constituição de novo defensor pelo suspeito. Caso haja defensor dativo ou público, então duas posições devem surgir. Primeira posição deve vir no sentido de que deve prevalecer a defesa técnica sobre a autodefesa. Para essa posição, dado o conhecimento técnico do defensor, deve ser dada prevalência a ele e à irrenunciabilidade da defesa técnica. Segunda posição deve vir no sentido de que deve ser dada prevalência à autodefesa, pois cabe ao suspeito a disposição de decidir sobre algo que afetará especificamente sua vida. Entendemos que essa deva ser a posição acertada. Sem defensor, não há como se firmar o ANPP, já dissemos. No entanto, é certo que muitos investigados não possuem advogado. Então, é recomendável que o Ministério Público tenha um entendimento com a Defensoria Pública para que ela atenda aqueles investigados que não possuem condições financeiras para contratar um advogado, inclusive já agendando dias certos com a Defensoria Pública para as audiências de proposta de acordo na sede do Ministério Público. Na ausência de Defensoria Pública no local, sugere-se que o Ministério Público tente entendimento com a seccional da OAB no local Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 141 ou mesmo com faculdades de Direito para que sejam indicados advogados para acompanhar o investigado na audiência extrajudicial de proposta do acordo no Ministério Público. Ainda é possível que o Ministério Público solicite ao juiz a nomeação de defensor dativo para acompanhar o investigado na audiência de oferecimento de ANPP. Se nada disso for possível, cabe ao Ministério Público, na cota da denúncia explicar que não houve a proposta de acordo pelo fato do investigado não possuir advogado e a localidade não ser atendida pela Defensoria Pública. 59) Onde deve ser celebrado o Acordo de Não Persecução Penal? O ANPP deve ser celebrado na sede do Ministério Público. Ao receber os autos da investigação, verificando que estão presentes indícios de autoria e materialidade delitiva, que os pressupostos para a denúncia estão presentes, que há justa causa para a ação penal, o membro do Ministério Público verificará se o fato delituoso enquadra-se nos pressupostos e requisitos legais do art. 28- A, do CPP, e, sendo a resposta positiva, vai notificar o investigado para comparecer à sede do Ministério Público, acompanhado de advogado/defensor, para a discussão e o ajuste sobre o acordo de não persecução penal. O local natural para discussão e celebração do ANPP é a sede do Ministério Público. Ressalte-se que, nos casos de processos em curso, para aqueles que o admitem nesta fase, o ANPP deve, até por economia processual e celeridade, ser realizado durante audiência judicial especialmente designada para tanto, desde que requerida pelo Ministério Público. 142 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 60) O Acordo de Não Persecução Penal deve ser homologado judicialmente? Firmado o acordo de não persecução entre Ministério Público, investigado e seu defensor/advogado, o ANPP deve ser submetido à homologação judicial. Com o acordo firmado, o Ministério Público deve peticionar ao Juiz encaminhando os autos da investigação com o acordo de não persecução penal e requerer a homologação do ANPP. Para a eficácia do ANPP deverá ele ser homologado judicialmente (art. 28-A, §§ 4º e 6º). 61) Qual é o Juiz competente para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal? No primeiro grau de jurisdição, conforme o art. 3º-B, inciso XVII, do CPP, é o Juiz das Garantias20 o competente para a homologação do acordo de não persecução penal. Contudo, no presente momento, o art. 3º-B, do CPP, está com a eficácia suspensa por decisão, liminar, do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. Ou seja, por enquanto, devido a esta decisão, está suspensa a implementação do Juiz das Garantias no Processo Penal Brasileiro. Então, enquanto não se resolve a constitucionalidade ou não da implementação do Juiz das Garantias, quem é o Juiz competente para a homologação do acordo de não persecução penal? 20 Para um estudo completo e profundo sobre o Juiz das Garantias ver ANDRADE, Mauro Fonseca. Juiz das Garantias. 3. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2020. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 143 Entende-se que o Juiz competente para a homologação do ANPP é o juiz natural que seria o competente para analisar a eventual denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público. Ou seja, é o juiz natural responsável por receber a ação penal. Não se pode esquecer que o ANPP é um substituto da ação penal. O Ministério Público deixou de oferecer a ação penal pelo fato do investigado ter concordado em cumprir algumas condições. O juiz que receberia os autos da investigação com a denúncia é o competente para receber os autos da investigação com o acordo de não persecução penal e analisar se é ou não caso de homologação. Essa interpretação é consentânea com o próprio sistema adotado pelo CPP, onde o juiz responsável pelo recebimento da denúncia é também o responsável pela homologação do acordo, posto que é o Juiz das Garantias o competente tanto para o recebimento da denúncia (art. 3º-B, XIV, do CPP) quanto para a homologação do acordo de não persecução penal (art. 3º-B, XVII, do CPP). Nesse sentido, Souza (2020, p. 131): Anote-se que segundo o art. 3º-B, XVII, do CPP, com redação dada pela Lei 13.964/2019 compete ao juiz das garantias a função de homologação do acordo de não persecução penal, mas referido dispositivo teve sua eficácia suspensa no dia 22 de janeiro de 2019, por tempo indeterminado, devido a decisãoliminar proferida pelo Ministro Luiz Fux na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6305. Sendo assim, na primeira instância, o juiz competente para homologar o acordo de não persecução é o previsto nas regras ordinárias do Código de Processo Penal, ou seja, aquele que seria competente para conhecer de eventual ação penal versando os fatos contidos no ajuste. 144 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Já nos casos de o investigado ter foro especial por prerrogativa de função, como a Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) previu expressamente o ANPP nas ações penais originárias nos Tribunais, ao acrescentar o §3º, no art.1º, da Lei nº 8.038/90, a depender do regimento interno do Tribunal, possivelmente o juiz competente para homologar o acordo de não persecução penal, a ser oferecido pelo Ministério Público atuante no Tribunal, deve ser o relator do caso no Tribunal. Por fim, não se pode perder de vista a possibilidade da Lei de Organização Judiciária local estabelecer de forma diversa, atribuindo competência a órgão judicial específico para a homologação do ANPP. 62) É necessária audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal? Sim, o § 4º, do art. 28-A, do CPP, é expresso: para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade. Pois bem, nesta audiência, que é pública, o juiz ouvirá o investigado, na presença obrigatória do seu defensor, para verificar se foi de forma voluntária que o investigado aceitou o ANPP, de forma consciente, sem coação ou induzido a erro, sem ter sido ele forçado ao acordo, se foi informado de todas as suas consequências. Além da voluntariedade do investigado, o juiz deve analisar a legalidade do acordo, ou seja, se o acordo seguiu a disciplina legal do art. 28-A, do CPP, sendo a decisão que homologa o ANPP ato judicial de natureza homologatória. Revela-se que o campo de atuação judicial é restrito à análise sobre a voluntariedade e a legalidade do acordo ou, quando muito, em relação às condições impostas no acordo (art. 28-A, § 5º, do CPP). Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 145 Isso implica reconhecer que o juiz jamais pode estabelecer cláusulas no acordo ou apreciar a necessidade e a suficiência do acordo para a prevenção e reprovação do crime, posto ser matéria de atribuição do Ministério Público, como titular da ação penal e promotor de política criminal. Sobre o assunto, lecionam Alves, Araújo e Arruda (2020, p. 116-117): O magistrado não pode intervir na redação final da proposta de acordo de não persecução penal de modo a estabelecer as suas cláusulas. […] O que não se permite é que o juiz, quando da análise sobre a homologação do acordo de não persecução penal, venha a apreciar a necessidade e a suficiência do ajuste para a prevenção e reprovação do crime, cingindo o seu controle, com fincas no art. 28-A, § 4º, do CPP, à legalidade […] e à voluntariedade do acordo. Como lembrado por Cabral (2020, p. 159), quando o Ministério Público decide realizar o acordo, entendendo que este é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, não pode ter sua manifestação substituída pelo Poder Judiciário. A propósito, o Enunciado nº 24, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), sobre o assunto: A homologação do acordo de não persecução penal, a ser realizada pelo juiz competente, é ato judicial de natureza declaratória, cujo conteúdo analisará 146 Sandro Carvalho lobato de Carvalho apenas a voluntariedade e a legalidade da medida, não cabendo ao magistrado proceder a um juízo quanto ao mérito/conteúdo do acordo, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acusatório. Na mesma linha é o que reconhece o Enunciado nº 28 PGJ- CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19: A homologação do acordo de não persecução penal a ser realizada pelo juiz das garantias restringe-se ao juízo de voluntariedade e legalidade da proposta, não abrangendo a análise da necessidade e suficiência para a prevenção e reprovação do crime. Nem mesmo pode o juiz responsável pela análise do acordo fixar o local de cumprimento das condições, posto que a competência para tanto é do Juiz da Execução Penal (incisos III e IV, do art. 28-A, do CPP). Ademais, só há designação de audiência se houver sido celebrado o acordo de não persecução penal, sendo vedado ao magistrado designar a audiência sem ter o acordo sido celebrado. Nesse sentido, vale mencionar a decisão do Tribunal Regional da 4ª Região: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 147 PREVISÃO LEGAL PARA SEU CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONHECER DO RECURSO COMO CORREIÇÃO PARCIAL. AUSÊNCIA DE ERRO PROCEDIMENTAL COMETIDO PELO JUÍZO DE ORIGEM. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra decisão que indefere o pedido de designação de audiência para propositura de acordo de não persecução penal não cabe recurso criminal em sentido estrito, uma vez que o art. 581 do CPP não traz em seu rol taxativo a hipótese em comento. […] 4. A iniciativa para a proposta do acordo de não persecução penal é exclusiva do Ministério Público, cabendo ao Poder Judiciário homologá-lo, em audiência, fazendo o controle de legalidade, verificando a voluntariedade e a suficiência e adequação dos termos propostos pelo Parquet. Ainda, a celebração de eventual acordo não depende de provocação judicial. No caso em tela, não há falar em designação de audiência de homologação se o Parquet Federal e o denunciado sequer realizaram o negócio jurídico. 5. Negado seguimento ao presente recurso, por manifestamente incabível. (RESE nº 5002794-72.2020.4.04.7108/RS, Rel. Cláudia Cristina Cristofani, 7ª T., j.02/06/2020). 63) É necessária a presença do Ministério Público na audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal? O § 4º, do art. 28-A, do CPP, não faz menção sobre a presença do Ministério Público na audiência de homologação. 148 Sandro Carvalho lobato de Carvalho A doutrina tem se dividido sobre a necessidade de participação do Ministério Público na citada audiência. Lima (2020b, p. 285) entende que é justificada a ausência do Ministério Público sob o argumento de que tal audiência tem como objetivo precípuo verificar se houve algum tipo de constrangimento para fins de celebração do acordo. Alves, Araújo e Arruda (2020, p. 116-117) resumem: Muito embora seja necessária a participação do membro do Ministério Público em todo e qualquer ato processual, vem sendo sustentado no âmbito interno da instituição a não obrigatoriedade da presença do órgão ministerial na audiência de homologação do acordo de não persecução penal, considerando que nela não haverá qualquer tipo de negociação do ajuste, a qual já ocorreu anteriormente entre o Parquet e o investigado, constituindo este ato apenas a oportunidade criada por lei para que o magistrado analise a voluntariedade e a legalidade da proposta que lhe é encaminhada, por meio da oitiva do agente, acompanhado de defensor. Nesta linha de raciocínio, há o Enunciado nº 26 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/2019: Não é obrigatória a participação do membro do Ministério Público na audiência de homologação do acordo de não persecução penal prevista no § 4º do art. 28-A do CPP. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 149 Contudo, entende-se de forma diversa. Cabe, privativamente, ao Ministério Público a promoção da ação penal pública (art. 129, I, da ConstituiçãoFederal). Mas, o Ministério Público é, independentemente de qualquer coisa, fiscal da ordem jurídica (art. 179, do CPC) e fiscal da execução da lei (art. 257, II, do CPP), ou seja, tem a incumbência de defesa da ordem jurídica (art. 127, da Constituição Federal). É, portanto, uma parte diferenciada (CUNHA; PINTO, 2020, p. 810) no processo, qualquer que seja a natureza do processo. Por tudo isso, entende-se que deve o Ministério Público participar de todo e qualquer ato processual. Vale citar a lição de Pacelli e Fischer (2020, p. 654): O Ministério Público, por força de opção constitucional, não pode ser reduzido à condição de parte, sob a perspectiva da parcialidade da atuação no processo, em favor de determinada tese. No particular, o parquet é absolutamente livre, seja quanto à formação de seu convencimento, seja quanto ao conteúdo de suas manifestações no processo. Pode ele, ao final do processo, requerer a absolvição do acusado; pode também recorrer em favor do réu; pode impetrar habeas corpus no interesse da defesa; pode, enfim, atuar contra os interesses da acusação. É quanto basta para afirmar ser o Ministério Público verdadeiro e permanente custos legis em todo o processo penal, do início ao fim. Entendendo ser necessária a participação do Ministério Público na mencionada audiência, leciona Cabral (2020, p. 153): 150 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Surge então a questão: e o Membro do Ministério Público deve estar presente? A resposta, desde a minha perspectiva, é claramente que sim. Isso porque, o Ministério Público, no processo penal, figura como titular da ação penal pública e também como fiscal da lei. Desse modo, todos os atos vinculados à persecução penal e ao Processo Penal devem contar com a presença do Promotor de Justiça. Ademais, a participação do Ministério Público na audiência de homologação do ANPP é importante inclusive para que a atividade jurisdicional seja fiscalizada. É certo, contudo, que normas e orientações internas de cada Ministério Público ou mesmo norma geral do Conselho Nacional do Ministério Público pode estabelecer a obrigatoriedade ou não da presença do Ministério Público na audiência de homologação do ANPP. 64) É possível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal na audiência de custódia? O art. 18, § 7º, da Resolução nº 181/2017, do CNMP, previa que “o acordo de não persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia”. Essa previsão não foi repetida pela Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”). Esta mesma lei inseriu no Código de Processo Penal a audiência de custódia (art. 310), e nada dispôs sobre a possibilidade de ANPP na audiência de custódia no art. 28-A, do CPP. No ato judicial denominado audiência de custódia (art. 310, do CPP) entendemos incabível a realização do acordo de não persecução penal. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 151 Inserida no art. 310, do CPP, com a Lei nº 13.964/2019, a audiência de custódia está presente no ordenamento jurídico nacional desde 2015, sendo disciplinada pela Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, ainda em vigor nas partes compatíveis com a atual redação do Código de Processo Penal. Dessa forma, na citada Resolução, consta expressamente que na audiência de custódia não serão formuladas perguntas sobre o mérito dos fatos objeto do auto de prisão em flagrante (art. 8º, VIII, e § 1º). Basta essa proibição para inviabilizar o ANPP, posto que é pressuposto deste a confissão formal e circunstanciada do fato delituoso, sendo esta, portanto, incompatível com o ato formal da audiência de custódia. Para se aproveitar a presença do investigado e de seu defensor no ato da audiência de custódia, considerando os princípios da celeridade, economia processual e eficiência, a doutrina deu como solução a realização do acordo de não persecução penal em ato separado da audiência de custódia, realizado logo após o término desta. Então, a solução seria a seguinte: realizada a audiência de custódia, encerrada a ata da citada audiência, uma nova ata seria aberta, com uma nova audiência iniciada, onde já seriam discutidos os termos para a celebração do acordo de não persecução penal. A discussão sobre a celebração do ANPP ocorreria, portanto, no fórum (e não na sede do Ministério Público como usual). Contudo, tão logo fosse aberta a nova ata, o juiz deixaria momentaneamente o local para que o Ministério Público, o investigado e seu defensor ajustassem os termos do ANPP, retornando o magistrado em seguida para a fase da análise do acordo (art. 28-A, § 4º, do CPP). Ou seja, nesta audiência – realizada na sequência do término da audiência de custódia – o acordo de não persecução seria discutido, celebrado e já submetido à homologação judicial, tudo em um mesmo ato. 152 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Nesse sentido, concorda Lima (2020b, p. 276): A nosso juízo, é possível sua celebração inclusive na mesma oportunidade da audiência de custódia. Explica-se: como é sabido, por ocasião da realização da audiência de custódia, não se admite que o preso seja indagado acerca do mérito da imputação. Considerando-se que a celebração do acordo de não-persecução penal pressupõe a confissão formal e circunstanciada da prática delituosa, é de todo evidente que esta confissão jamais poderia se dar no mesmo ato jurídico da audiência de custódia, sob pena de se transformá-la em verdadeiro interrogatório judicial antecipado. Destarte, o ideal é concluir que o Ministério Público poderá aproveitar o deslocamento do preso à audiência de custódia e, em ato dela separado, porém na mesma oportunidade, eventualmente propor e celebrar o acordo, o que viria ao encontro dos princípios da economia processual, celeridade e razoável duração do processo. Igualmente, concorda Cabral (2020, p. 200) com essa ideia de ato sequencial à audiência de custódia: Isso porque, o que se pretende com o referido dispositivo é tão somente possibilitar que o Membro do Ministério Público possa aproveitar a presença física do investigado e – em ato separado da audiência de custódia, mas na mesma oportunidade – eventualmente propor e celebrar o acordo, Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 153 economizando-se, assim, recursos públicos, além de dinamizar e agilizar, ainda mais, o procedimento consensual, evitando-se a realização de novos atos de comunicação. Em suma, depois de realizada a audiência de custódia, com o encerramento da ata e assinatura, o Ministério Público, se for o caso, apresentaria proposta para a realização do acordo de não persecução penal, que, caso acolhida, seria realizado logo na sequência. De tal maneira, não deverá o acordo ser proposto no mesmo ato jurídico da audiência de custódia (mesmo porque, nesse ato específico, não se pode realizar perguntas sobre o mérito do caso penal, v.g., art. 8º, VIII e § 1º da Res. 213/15-CNJ), mas sim, como dito, logo depois desse ato. Veja-se que, inclusive, uma vez celebrado o acordo, já na mesma oportunidade poderia ele ser submetido ao Juiz, que já poderia, também realizar a audiência prevista no § 4º, do art. 28-A, CPP, e verificado o preenchimento dos requisitos objetivos, subjetivos e os pressupostos de existência e validade, já poderia o juiz homologar o acordo. Tudo isso de forma célere e concentrada. Sem embargo, há algumas ponderações relevantes a serem feitas sobre a questão de celebração do ANPP na sequência da audiência de custódia. Primeiro. O momento oportuno para que o membro do Ministério Público avalie o cabimento ou não do acordo de não persecução penal é com a conclusão das investigações. 154 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Somente ao final das investigações, o membro do Ministério Público terá condições de analisar satisfatoriamente os autos e verificar se: a) o caso é de arquivamento; b) se o caso é de novas diligências investigatórias; c) se o caso éde sua atribuição realmente; d) se o caso é de ajuizamento da ação penal, posto que presente a justa causa necessária para tanto. E, somente nesta última hipótese (ajuizamento da ação penal), é que passará a analisar se o caso permite o oferecimento do acordo de não persecução penal. Como regra, de acordo com a redação do art. 28-A, do CPP, o momento oportuno para que o membro do Ministério Público ofereça o acordo de não persecução penal, presentes seus pressupostos e requisitos, é o final da fase pré-processual, ou seja, o momento anterior ao que seria o do oferecimento da denúncia. Provavelmente, na maioria dos casos, o auto de prisão em flagrante não conterá todos os elementos necessários para que o Ministério Público possa verificar a viabilidade da ação penal. Recorde-se: a análise do Ministério Público, ao receber os autos da investigação, tem que ser, primeiro, se há viabilidade da ação penal (indícios de autoria, prova da materialidade, pressupostos legais, justa causa etc.), para somente na sequência avaliar o cabimento do ANPP. Ainda que, hipoteticamente, presentes os requisitos para a ação penal, como o auto de prisão em flagrante é apenas o início de uma investigação, provavelmente não teria em seu corpo elementos relevantes para a fixação das condições do ANPP, como por exemplo, a quantificação dos danos causados à vítima, a pormenorizada descrição dos bens e proveitos obtidos com a prática delituosa etc. Em resumo, é um tanto quanto temerária a celebração do ANPP ainda na fase inicial da investigação (apenas com o auto de prisão em flagrante). Mas, obviamente, não se descarta a possibilidade (um exemplo da prática são os APFs de porte de arma de fogo, em tese, todos os elementos para a ação penal já poderão estar presentes no APF e o Ministério Público, Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 155 com seus sistemas de acesso, pode verificar a existência de antecedentes etc. para oferecer o ANPP). Segundo. De acordo com o art. 3º-B, do CPP, é o Juiz das Garantias o competente para a audiência de custódia (inciso II), receber a denúncia (inciso XIV) e homologar o acordo de não persecução (inciso XVII). Com o Juiz das Garantias, em tese, não haveria problema de competência e ofensa do juiz natural, já que é o mesmo Juiz competente para a audiência de custódia, recebimento da denúncia e homologação do acordo. Mas o mesmo não se pode afirmar em relação ao Ministério Público. Não necessariamente o membro do Ministério Público presente na audiência de custódia é o que detém atribuição para o oferecimento da ação penal. Problema, em relação ao Juiz, temos nos casos de plantão (e novamente em relação ao Ministério Público). Nos casos de plantão, nem sempre o juiz plantonista é o juiz responsável pelo recebimento da ação penal relativa ao fato objeto do auto de prisão em flagrante (igualmente o Ministério Público). Dessa forma, somente seria viável a realização de discussão, celebração e homologação de ANPP na sequência da audiência de custódia se o Ministério Público e o Juiz fossem os membros com atribuição e competência natural para análise do caso. Sobre essa relevante questão, chamam atenção Barros e Romaniuc (2018, p. 66): Para que haja acordo de não-persecução penal, é necessário que o magistrado que preside a audiência, bem como o membro ministerial atuante naquela ocasião, sejam, respectivamente, o juiz e o promotor natural do caso. Muitas vezes, por ausência de quantitativo de membros em determinado Estado da Federação, as 156 Sandro Carvalho lobato de Carvalho audiências de custódia são celebradas por juízes e promotores plantonistas. Dessa forma, seria temerário que tais membros tomassem medidas definitivas acerca do destino do caso concreto, sobretudo quando não possuem atribuição para julgar nem para formar a opinio delicti sobre a materialidade e autoria do caso. Sendo assim, mais prudente, em tais casos, que os membros plantonistas não invistam na análise dessa matéria, restringindo-se tão somente à apreciação do flagrante, sobretudo diante da celeridade do procedimento. […] Ademais, visualizando a possibilidade do acordo, nada impede que o Promotor de Justiça, no uso de sua independência funcional, pugne pela liberdade provisória do acusado para posterior estudo de viabilidade e celebração do acordo. Ressalte-se, todavia, que na Resolução nº 329/2020 do Conselho Nacional de Justiça, alterada pela Resolução nº 357, de 26/11/2020, do CNJ, em seu art.19 (que trata sobre audiência de custódia) §3º, constou que: § 3º A participação do Ministério Público deverá ser assegurada, com intimação prévia e obrigatória, podendo propor, inclusive, o acordo de não persecução penal nas hipóteses previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal. Tal dispositivo indica a possibilidade do acordo de não persecução penal ser realizado na própria audiência de custódia. No entanto, tal previsão não altera o posicionamento acima expressado. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 157 65) Na audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal quais decisões o juiz pode tomar? Como visto, o art. 28-A, § 4º, do CPP, impõe a realização de uma audiência para que o juiz homologue o acordo de não persecução penal. Claro que o juiz não está obrigado a homologar o ANPP, ainda que tenha um campo restrito para as hipóteses de recusa. Então, na audiência do § 4º, acima mencionado, o juiz pode: 1) homologar o acordo; 2) considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo; 3) recusar a homologação do acordo de não persecução. 66) Na audiência para a homologação do Acordo de Não Persecução Penal o que deve fazer o juiz se considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo? Na audiência prevista no art. 28-A, § 4º, do CPP, caso o juiz considere inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, não deverá ele recusar o acordo, mas sim devolver os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta, com concordância do investigado e do seu defensor. É o que dispõe do art. 28-A, § 5º, do CPP. Em resumo, se o juiz entender que as condições fixadas no acordo são inadequadas, insuficientes ou abusivas, não pode impor outras condições ou retirar as condições (ato exclusivo do Ministério Público em ajuste com o investigado e defensor), nem recusar o acordo neste momento, mas sim, sem homologar o acordo, devolver os autos ao Ministério Público para reformular as condições fixadas. 158 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Nesta senda, o Enunciado nº 27 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19: Caso o juiz não homologue o acordo de não persecução penal, nos termos do § 5º do art. 28-A do CPP, e devolva os autos ao Ministério Público, caberá ao órgão ministerial reiniciar as negociações com o investigado, oferecer denúncia ou providenciar outras diligências. A concordância do investigado e seu defensor com o juiz na reformulação da proposta de acordo significa sua retratação da adesão. Há uma observação necessária e importante a ser feita: o juiz somente devolverá os autos ao Ministério Público para reformular as condições do ANPP se houver concordância do investigado e seu defensor. Como leciona Souza (2020, p. 132): Segundo dispõe o § 5º do art. 28-A, no caso de serem fixadas cláusulas desproporcionais, com a concordância do investigado e seu defensor, poderá o juiz devolver os autos para o Ministério Público para que a proposta de acordo seja reformulada. Trata-se de providência absolutamente excepcional vez que a decisão homologatória deve ser autocontida, apta a permitir que as condições sejam fixadas a partir da livre escolha das partes e moldadas levando- se em conta as particularidades do caso, o que Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 159produz uma solução conveniente e oportuna ao caso concreto, semelhante ao que prevê o art. 723, parágrafo único, do CPC. De todo modo, o dispositivo exige que a devolução deve ocorrer mediante a concordância do investigado e seu defensor, o que prestigia a autorreferência acordada antes entre as partes. Caso contrário, se o Ministério Público e o investigado se recusarem a alterar as cláusulas do acordo, o único caminho ao juiz é recusar o ANPP direto (§ 7º, do art. 28-A, do CPP) e as partes (Ministério Público e o investigado) podem impugnar a recusa através de recurso em sentido estrito (art. 581, XXV, do CPP). Como disciplina o § 5º, o juiz pode entender que as condições fixadas no acordo são inadequadas, insuficientes ou abusivas. Insuficiente, nas palavras de Cabral (2020, p. 162), seria: Por exemplo, se um acordo estabelecer que a prestação de serviço à comunidade será em valor inferior à pena mínima, diminuída em 2/3 (dois terços) (CPP, art. 28- A, III), haverá claramente uma violação da lei, por insuficiência na cláusula acordada. Como hipótese de uma condição abusiva, exemplifica Cabral (2020, p. 162) como aquele em que o quantum de prestação de serviço à comunidade seja identificado por meio de percentual sobre a pena máxima e não mínima, em violação ao que determina a lei. No que diz respeito ao que seria inadequação da condição imposta, esclarece Cabral (2020, p. 164): 160 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Assim, parecer que o juízo de adequação, a que se refere o aludido dispositivo, deve limitar-se à verificação se o acordo transbordou ou não, em extensão, os limites estabelecidos em lei para o ANPP. Por exemplo, se existe uma cláusula que determina a reparação do dano, quanto claramente não houve dano material ou moral. Ou quando se estabelece a necessidade de devolução da coisa à pessoa que não foi a vítima do delito. Ou quando se estabelece a devolução de bens que não foram instrumento, produto ou proveito do crime e que sejam de titularidade de terceiros. 67) Caso o juiz, com a concordância do investigado e de seu defensor, devolva os autos ao Ministério Público por ter considerado inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo, o que o Ministério Público pode fazer? Como visto, na audiência prevista no art. 28-A, § 4º, do CPP, caso o juiz considere inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, não deverá ele recusar o acordo, mas sim devolver os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta, com concordância do investigado e do seu defensor. É o que dispõe do art. 28-A, § 5º, do CPP. O que pode o Ministério Público fazer nesta hipótese então? Vislumbramos apenas duas possibilidades ao Ministério Público: a) reabrir as negociações com o investigado e seu defensor, visando alterar as cláusulas do acordo. Ou, b) oferecer a denúncia, já que, se os autos foram devolvidos pelo juiz, foi com a concordância do investigado e de seu defensor, o Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 161 que implica dizer que eles se retrataram do acordo feito no Ministério Público. Essa ideia é consentânea com o Enunciado nº 27 PGJ-CGMP, do Ministério Público de São Paulo, a respeito da Lei nº 13.964/19: Caso o juiz não homologue o acordo de não persecução penal, nos termos do § 5º do art. 28-A do CPP, e devolva os autos ao Ministério Público, caberá ao órgão ministerial reiniciar as negociações com o investigado, oferecer denúncia ou providenciar outras diligências. A concordância do investigado e seu defensor com o juiz na reformulação da proposta de acordo significa sua retratação da adesão. Contudo, não se vislumbra a possibilidade do Ministério Público, ao receber os autos do juiz, complementar investigação (realizar diligências) (art. 28-A, § 8º, do CPP), posto que para o oferecimento do ANPP, como já exposto neste trabalho, as condições para o ajuizamento da ação penal devem já estar presentes. Logo, a única solução seria o oferecimento da denúncia, caso não haja negociação para a alteração das cláusulas do acordo. 68) Em quais hipóteses o juiz pode recusar homologar o ANPP? Recusando o acordo, quais as providências deve tomar? O § 7º, do art. 28-A, do CPP, explicita quais hipóteses o juiz pode recusar a homologação do acordo: a) se o acordo não atender aos requisitos legais; b) quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º, do art. 28-A, do CPP. 162 Sandro Carvalho lobato de Carvalho A primeira hipótese de recusa é de fácil entendimento. Se o acordo não atender aos requisitos legais, será indeferido o pedido de homologação. Exemplo: um acordo que trata sobre um crime cometido no âmbito de violência doméstica, posto que encontra vedação no § 2º, inciso IV, do art. 28-A, do CPP. A segunda hipótese é justamente do Ministério Público e do investigado não concordarem com o magistrado sobre a necessidade de alteração das cláusulas do acordo (§ 5º, do art. 28-A). Se se recusarem a alterar as cláusulas do acordo, o magistrado indeferirá o pedido de homologação, conforme expresso no § 7º, do art. 28-A, do CPP. Recusada a homologação do acordo, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (art. 28-A, § 8º, do CPP). Como já explicitado, não se vislumbra a possibilidade do Ministério Público, ao receber os autos do juiz, complementar investigação (realizar diligências) (art. 28-A, § 8º, do CPP), posto que para o oferecimento do ANPP, como já exposto neste trabalho, as condições para o ajuizamento da ação penal devem já estar presentes. Logo, a única solução seria o oferecimento da denúncia, caso não haja negociação para a alteração das cláusulas do acordo. Mas caso o Ministério Público entenda equivocada a decisão judicial que recusou a homologação do acordo, deve interpor recurso em sentido estrito, conforme art. 581, XXV, do CPP, sendo o investigado também legitimado para o citado recurso. 69) Foi acertada a decisão do legislador de prever o cabimento de recurso em sentido estrito quando o juiz recusa homologar o ANPP contra a vontade do MP e do investigado? Como visto, caso o juiz recuse o acordo, cabe recurso em sentido estrito. Ao fim e ao cabo, o Poder Judiciário decidiria o cabimento ou não Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 163 do ANPP, mesmo que o Ministério Público e o investigado concordem com o ajuste. Pois bem. A CONAMP ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.305, impugnando diversos dispositivos inseridos no CPP pela Lei nº 13.964/2019, dentre eles os parágrafos 5º, 7º e 8º, do art. 28-A, do CPP. O Ministro Luiz Fux, relator, entretanto, não concedeu liminar quanto a essa impugnação específica. Cunha, R. (2020, p. 137) bem esclarece a questão, mostrando o equívoco de deixar a solução para o Poder Judiciário. Veja-se: Ao analisar o ANPP, o juiz pode: […] c) se entender que não é o caso de acordo, devolverá os autos ao Ministério Público para análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (§8º). Mas e se o Ministério Público discordar do juiz e insistir no ANPP já assinado? Surge um conflito entre o promotor de Justiça e o juiz. E quem resolve o impasse? De acordo com a Res.181/17 do CNMP, não sem razão, tratando-se de divergência envolvendo o juiz e o titular da ação penal, este único responsável pela implementação da política criminal adotada pela instituição ministerial, a solução deve ser dada pelo órgão superior do Ministério Público (PGJ, nos estados, Câmara de Revisão, no âmbito da União). A Lei 13.964/19, contudo, preferiu ‘escalar’ para a solução do conflito o próprio Judiciário. O juiz deve recusar a homologação (§ 7º), desafiando, essa decisão, recurso em sentido estrito (art. 581, XXV, 164 SandroCarvalho lobato de Carvalho CPP). Essa arquitetura, entretanto, é equivocada e inconstitucional, violando não somente o sistema acusatório (prestigiado pela mesma Lei 13.964/19, art. 3º-A), mas a independência do Ministério Público brasileiro (arts. 127, caput, 127, § 1º, e 129, I, todos da CF). […] Diante desse quadro (e preocupação), sugerimos, por analogia, aplicar o art. 28 do CPP, usado, aliás, pelo próprio art. 28-A para solucionar conflito inverso: juiz discorda da recusa do MP em propor o ANPP (§ 14). Em caso semelhante, aliás, envolvendo a suspensão condicional do processo, o STF assim decidiu, editando a Súmula 696. De toda forma, não tendo ainda decisão de mérito na ADI 6305, em que pese parecer evidente o equívoco legislativo, o recurso em sentido estrito deve ser usado no caso de recusa do juiz em homologar o ANPP. 70) Não homologado o ANPP, como fica a confissão realizada? E os instrumentos e/ou produtos e proveitos do crime que foram objeto de ajuste? Na hipótese do juiz não homologar o ANPP e de improvimento do recurso em sentido estrito, a solução é, como visto, o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público. E como proceder com a confissão formalizada no ANPP? Como o acordo não foi homologado pelo juiz, ou seja, não houve nenhum ato do investigado que impedisse o ANPP, entende-se que o Ministério Público oferece a denúncia, mas não pode usar a confissão realizada no ANPP no processo criminal. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 165 O ideal é que na hipótese de não homologação do ANPP, seja inclusive desentranhada a confissão do investigado dos autos antes que a denúncia seja encaminhada ao Poder Judiciário, por força do princípio da boa-fé e da lealdade processual, posto que somente não houve acordo devido à não homologação judicial e não por ato do investigado, não podendo, portanto, sua confissão ao Ministério Público ser usada em seu prejuízo. Quanto aos instrumentos, produtos e proveitos do crime ajustados nas cláusulas do acordo não homologado, bem esclarece Cabral (2020, p. 166-167): Com relação aos instrumentos do crime, há três possibilidades: i) se constituírem coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito (CP, art. 91, II, ‘a’), obviamente, não poderão ser restituídos ao investigado (CPP, art.119), sendo prudente que – caso a sua apresentação aos autos tenha se dado pela entrega deles pelo investigado e não em virtude de apreensão dos órgãos estatais – que o Ministério Público requeira ao Juiz a sua apreensão (CPP, art. 240, ‘d’); ii) se os instrumentos forem bens lícitos e sua apreensão, ainda for importante para a instrução processual, deverá o Ministério Público, também, requerer a sua apreensão (CPP, art. 240, ‘d’), caso a posse pelo Estado desses bens tenha se dado pela entrega do investigado e não pela apreensão as agências de repressão ao crime; iii) já se os instrumentos forem bens lícitos e sua 166 Sandro Carvalho lobato de Carvalho apreensão for irrelevante para o processo, deverá proceder-se à restituição do bem ao investigado ou a terceiro (CPP, art. 108). Já com relação aos bens que são produtos ou proveito do crime, caso esses tenham sido entregues voluntariamente pelo investigado, por ocasião do acordo de não persecução penal, deverá o Ministério Público, também, requerer, se for o caso, a aplicação de medidas assecuratórias (CPP, art. 125 e seguintes). Caso esse pedido seja indeferido pelo juiz, deverão os bens ser devolvidos ao investigado. 71) Quais os efeitos da homologação judicial do ANPP? Se na audiência do art. 28-A, § 4º, do CPP, o juiz homologar o acordo, o juiz, pela lei, devolverá os autos para o Ministério Público para que inicie a execução do acordo perante o Juízo da Execução (§ 6º, do art. 28-A, do CPP) e intimará a vítima da homologação do acordo (§ 9º, do art. 28-A, do CPP). Com a homologação do ANPP, fica o prazo prescricional suspenso (art. 116, IV, do Código Penal). Cremos que seja importante que o juiz despache no sentido de suspender o prazo prescricional, tal como ocorre na hipótese do art. 366, do CPP. A providência, ainda que formalmente não necessária, já que a suspensão do prazo, entendemos, seja automática e decorrente da decisão de homologação do acordo, é válida para deixar clara e consignada nos autos a data a partir da qual o prazo foi suspenso. Um ponto a ser observado pelo Ministério Público é a disposição do art. 28-A, § 6º, do CPP. Segundo esse dispositivo, uma vez homologado o acordo, o juiz devolveria os autos ao Ministério Público para que se inicie a execução perante o Juízo da Execução Penal. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 167 Em atenção aos princípios da economia, celeridade e eficiência, temos que é recomendável que o Ministério Público, já no corpo da petição do requerimento de homologação do ANPP direcionado ao juiz, solicite que, uma vez homologado o ANPP, seja o termo de acordo encaminhado pelo juízo homologador ao Juízo da Execução Penal para cadastramento no Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) para o início da execução do acordo. Ou seja, o juiz da homologação não devolveria os autos ao Ministério Público (§ 6º, do art. 28-A, do CPP), mas sim já remeteria o termo do ANPP para o Juízo da Execução Penal. Essa providência é importante, já que economiza tempo, primando-se pela celeridade para o início do cumprimento do acordo. Essa providência é aceita por Cabral (2020, p. 175): Desse modo, a nosso sentir, a melhor interpretação do § 6º, do art. 28-A, CPP, é no seguinte sentido: (i) homologado o acordo de não persecução, o Ministério Público pedirá, ao juiz que o homologou, a remessa dos autos à Vara de Execuções para que seja dado início à fase de cumprimento do acordo; (ii) o juiz que homologou o acordo, por simples despacho de impulso oficial, remeterá a integralidade do feito à VEP, com as devidas baixas na origem. Advirta-se apenas quanto à doutrina acima, não se concordar com a parte final em que afirma que será remetida a integralidade do feito, com a baixa na origem. Abaixo, explicaremos que o entendimento mais adequado é a de permanência dos autos originais na Secretaria da Vara de origem (futuramente o Juiz das Garantias) e a remessa apenas do termo de ANPP e da decisão para a Vara de Execução Penal. 168 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Quanto à intimação da vítima da decisão de homologação do acordo (§ 9º, do art. 28-A, do CPP) é matéria de competência do Juízo que homologou o ANPP, ou seja, deve o Poder Judiciário realizar a intimação da vítima avisando que o ANPP firmado entre Ministério Público e investigado foi homologado. Em respeito à vítima do crime, temos que para uma informação mais completa, a intimação da vítima deve ser acompanhada da cópia da decisão homologatória e do termo de acordo de não persecução penal. 72) Qual órgão é o responsável pela fiscalização do ANPP? O § 6º do art. 28-A, do CPP, indica que a execução se dará perante o Juízo da Execução. Além disso, os incisos III e IV do caput do art. 28-A, do CPP, deixam evidente que é o Juízo da Execução que indicará os locais para o cumprimento da prestação de serviço e/ou para receber a prestação pecuniária. Apesar do ANPP não impor penas, o legislador optou por deixar a cargo do Juízo da Execução a competência para fiscalizar o ANPP e isso deve ter ocorrido possivelmente pelo fato do legislador entender que o Juízo da Execução já estaria acostumado e preparado para a fiscalização das penas restritivas de direitos e, como algumas das condições do ANPP são semelhantes àquelas penas restritivas, seria melhor aproveitar a “estrutura” do Juízo da Execução Penal para a fiscalização. No que diz respeito ao Ministério Público, o órgão que tem atribuição para fiscalizar e acompanhar a execução do ANPP é aquele que atua perante a Execução Penal, posto ser ele um órgão da execução penal(art. 61, III, da Lei de Execução Penal). Reitera-se que é recomendável que o Ministério Público, já na petição que requer a homologação do ANPP, solicite ao juiz que, homologado o acordo, remeta de imediato o termo de acordo para o Juízo Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 169 da Execução Penal, sem a necessidade da fase prevista no § 6º do art. 28- A, do CPP. 73) Quais documentos devem ser remetidos ao Juízo da Execução Penal para execução/fiscalização do ANPP? O art. 28-A, do CPP, não deixa claro quais documentos devem ser encaminhados para o Juízo da Execução Penal para o início da execução do acordo. O art. 106 da Lei de Execução Penal dispõe dos documentos que são imprescindíveis para a execução penal e que devem acompanhar a guia de execução. Analisando o disposto no artigo da Lei de Execução citado, nota-se que não é remetido ao Juízo da Execução todo o processo de conhecimento, mas sim, alguns documentos e informações importantes para a adequada execução da pena. Veja-se. Para a execução da pena privativa de liberdade, não há necessidade, por lei, de se remeter todo o processo de conhecimento. Bastam algumas peças. Dito isso, acreditamos que apenas as cópias do termo de acordo de não persecução penal, a ata de audiência de homologação e a decisão homologatória do ANPP é que precisam ser encaminhadas ao Juízo da Execução para o início da execução do acordo. Por analogia, também podemos utilizar o que ocorre na execução das penas restritivas de direito, segundo a Lei de Execução Penal (art. 147), ou seja, o Juízo do Processo expedirá uma “guia de execução” com algumas peças que, no caso do ANPP, seriam as acima nominadas. Tratando da execução de pena restritiva de direitos, mas plenamente adaptável ao ANPP, leciona Silva (2020, p. 376): 170 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Para dar início à execução da pena privativa de liberdade e da medida de segurança é expedida guia de recolhimento ou internação, respectivamente. Não há previsão na lei de expedição de documento com essa finalidade para a execução da pena restritiva de direitos. Contudo, ele não pode deixar de existir e pode ser instruído com as peças processuais e documentos necessários para a aludida execução, que nada impede serem similares aos que instruem a guia de recolhimento (art. 106 da LEP). Não há nada que justifique a remessa de todo o procedimento investigatório para o Juízo da Execução Penal. O Juízo da Execução Penal não precisa desses autos completos. Ele apenas é um Juízo de acompanhamento e fiscalização das condições ajustadas no acordo. Basta a ele o acesso ao termo do ANPP e à decisão homologatória do acordo. Não há um deslocamento de competência funcional para o Juízo da Execução. Tão somente a expedição de uma “guia de execução” para que o Juízo da Execução fiscalize a execução do acordo. A competência continua a ser do juízo que homologou o ANPP para extinguir a punibilidade pelo cumprimento do acordo e também para a rescisão do acordo em caso de descumprimento, assim como para receber a denúncia ofertada após a rescisão do acordo. A remessa dos autos da investigação completa e original para o Juízo da Execução causa várias dificuldades práticas. Uma delas é que os autos originais da investigação deixariam o Juízo de Conhecimento para irem ao Juízo de Execução, arquivando-se no sistema do Juízo homologador. Mas se o acordo fosse descumprido, novamente os autos retornariam ao Juízo homologador que teria que Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 171 “desarquivar” ou “proceder com nova numeração” (?) daqueles autos remetidos pelo Juízo da Execução. Outra dificuldade seria no caso de concurso de pessoas, onde uma preenche os requisitos do ANPP e outra não. Nesta hipótese, fica clara a impossibilidade da remessa dos autos originais ao Juízo da Execução. Outrossim, a remessa de toda a investigação ao Juízo da Execução ainda atrapalharia a análise dos autos naquele juízo, recordando-se que os Juízos de Execução Penal estão em sua grande maioria virtualizados (SEEU), dando um trabalho desnecessário aos operadores da Execução Penal, quando bastaria a análise do termo de ANPP e da decisão homologatória. Ao nosso sentir, o ideal é que apenas as cópias do termo de acordo de não persecução penal, a ata de audiência de homologação e a decisão homologatória do ANPP sejam encaminhadas ao Juízo da Execução Penal. Inclusive o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) já está adaptado a receber o ANPP, tendo um campo específico para o cadastro do acordo. Outra ideia é colocada por Messias (2020, p. 75), que também entende desnecessária a remessa dos autos originais para o Juízo da Execução, e propõe a formação de autos apensos apenas com os expedientes relacionados ao ANPP que seriam enviados ao Juízo da Execução. Veja: Após a audiência extrajudicial de acordo de não persecução penal, o membro do Ministério Público requererá ao juízo (1) a formação de autos apensos, contendo os expedientes negociais recém-praticados, e a (2) homologação da avença. A formação de autos apensos também será útil 172 Sandro Carvalho lobato de Carvalho durante a fiscalização (“execução”) do acordo, evitando que o juízo das medidas alternativas (“execução penal”) receba, desnecessariamente, o inquérito policial ou o procedimento investigatório criminal. 74) E os autos da investigação criminal, como ficam em caso de homologação do ANPP? Como dito há pouco, somos do entendimento que apenas as cópias do termo de acordo de não persecução penal, a ata de audiência de homologação e a decisão homologatória do ANPP sejam encaminhadas ao Juízo da Execução Penal. Então surge a dúvida: e os autos da investigação? Temos que a melhor interpretação é a que os autos da investigação criminal permaneçam na secretaria judicial da vara do Juízo que homologou o acordo, aguardando o cumprimento do ANPP ou a rescisão dele. Com a homologação do ANPP, não apenas o prazo prescricional está suspenso (art. 116, IV, do CPP), mas também a própria persecução penal que aguarda o cumprimento do acordo firmado entre o Ministério Público e o investigado. Devendo, portanto, os autos permanecerem na secretaria (cartório) da vara do Juízo homologador. Então, os autos da investigação devem permanecer na secretaria de vara e, em caso de cumprimento do ANPP, proferida a sentença de extinção de punibilidade, deve ela ser juntada nos autos que, na sequência, será arquivado. Descumprido o ANPP, rescindido o acordo, a decisão deve ser juntada aos autos da investigação e o Juízo deve remeter ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 173 75) Corre o prazo prescricional durante o tempo de cumprimento do ANPP? Por expressa disposição legal, o prazo prescricional não corre enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal (art. 116, IV, do Código Penal). Então, uma vez firmado o acordo e homologado pelo Juízo, o prazo prescricional é suspenso. Contudo, essa disposição somente é aplicável para aqueles crimes perpetrados após a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, ou seja, dia 23/01/2020. Pode ocorrer do crime ter sido praticado antes do dia 23/01/2020, mas ser objeto de acordo de não persecução penal. Neste caso, a prescrição seria suspensa, com base no art. 116, IV, do Código Penal? Nesta hipótese, entendemos não ser aplicável o art. 116, IV, do Código Penal, já que mais gravoso ao investigado (afinal, impede que o prazo prescricional flua), sendo, portanto, irretroativo (art. 5º, XL, da Constituição Federal). Ou seja, se firmado acordo de não persecução penal em um crime perpetrado em data anterior à da vigência da Lei nº 13.964/2019, a prescrição correrá normalmente durante o cumprimento do acordo. Então, o Ministério Público deve ficar atento a essa questão, observando se, em crimes anteriores à Lei nº13.964/2019, o tempo de cumprimento do ANPP não será alcançado pela prescrição. Verificando que isso pode acontecer, deve o Ministério Público recusar o acordo, fundamentando seu posicionamento justamente no fato de eventual ANNP não ser suficiente para a prevenção e repressão do crime, posto que prescreverá, e oferecer a denúncia, que interromperá o prazo prescricional com o recebimento pelo Juízo (art. 117, I, do Código Penal). 174 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 76) A celebração do ANPP constará na certidão de antecedentes criminais do investigado? Não. O § 12, do art. 28-A, do CPP, expressamente dispõe que nem a celebração, nem o cumprimento do acordo de não persecução penal constarão na certidão de antecedentes criminais do investigado. A lei apenas faz a ressalva para a informação para o próprio Poder Judiciário e para o Ministério Público, ou seja, é necessário saber se o investigado já foi beneficiado anteriormente com o ANPP (ou transação penal ou sursis processual) em vista da vedação do inciso III, do § 2º, do art. 28-A, do CPP. 77) No caso de cumprimento do ANPP, qual a consequência? Se o investigado cumprir integralmente o acordo de não persecução penal, terá extinta a sua punibilidade (§ 13, do art. 28-A, do CPP), sendo os autos da investigação (ou processo, se já em andamento) arquivados. 78) Qual o Juízo competente para declarar extinta a punibilidade do ANPP em caso de cumprimento integral do acordo? E para rescindir o ANPP em caso de descumprimento? Em que pesem alguns doutrinadores (CABRAL, 2020, p. 180- 181; CUNHA, R., 2020, p. 138-139) entenderem que o Juízo da Execução é o competente para decretar a extinção da punibilidade em caso de cumprimento integral do acordo de não persecução penal e também o competente para, a pedido do Ministério Público, rescindir o ANPP por descumprimento de suas condições, não nos parece o melhor entendimento. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 175 A posição que se entende por mais adequada é considerar o Juízo que homologou o ANPP (o Juiz das Garantias, caso considerado constitucional) como o competente tanto para a decretação da extinção da punibilidade pelo cumprimento quanto para rescindir o acordo devido ao descumprimento (art. 3º-B, XVIII, do CPP). Diz Lima (2020b, p. 286-287): Conquanto a execução do acordo seja feita perante o juízo da execução penal – art. 28-A, § 6º, in fine, do CPP –, a rescisão do acordo é da competência do juízo competente para a homologação. [...] Cumprido integralmente o acordo, dispõe o art. 28- A, § 13, do CPP, incluído pela Lei n. 13.964/19, que o juízo competente deverá decretar a extinção da punibilidade. Conquanto a fiscalização das condições pactuadas deva ser feita perante o juízo da execução penal (CPP, art. 28-A, § 6º), não é este o juízo competente para declarar a extinção da punibilidade. Na verdade, tal competência recai sobre o mesmo juízo responsável pela homologação do acordo. Nesse sentido, o Enunciado nº 28, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), sobre o assunto: Caberá ao juízo competente para a homologação rescindir o acordo de não persecução penal, a 176 Sandro Carvalho lobato de Carvalho requerimento do Ministério Público, por eventual descumprimento das condições pactuadas, e decretar a extinção da punibilidade em razão do cumprimento integral do acordo de não persecução penal. Irretocável a lição de Alves, Araújo e Arruda (2020, p. 119-120): Acrescente-se que o juízo de execução praticamente não atuará durante a fiscalização do acordo, nem mesmo quando houver o seu cumprimento integral, não proferindo quase nenhuma decisão relevante durante todo esse período. É que, descumpridas as condições estipuladas no pacto, este juízo de execução informará ao Ministério Público, o qual, por sua vez, comunicará ao juiz da fase de conhecimento (responsável pela prolação da sentença homologatória) para fins de sua rescisão (com observância da ampla defesa e do contraditório) e posterior oferecimento de denúncia. É procedimento semelhante àquele acolhido na rescisão do acordo de colaboração premiada, conforme posicionamento do STF (PET nº 7.074/DF). A decisão de extinção de punibilidade pelo cumprimento do acordo de não persecução penal também cabe ao juiz de conhecimento (e não de execução penal), aplicando- se analogicamente o entendimento do STF (RE 795.567/PR) quanto à extinção da punibilidade em decorrência do cumprimento do acordo de suspensão condicional do processo (art. 89, § 5º, da Lei nº 9.099/95). Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 177 Na prática, teríamos o seguinte: constatada pelo Ministério Público atuante na Execução Penal o descumprimento das condições do ANPP, este órgão da execução penal, solicitaria ao Juízo da Execução a designação de audiência de justificação para que o investigado explicasse o motivo do não cumprimento (obediência ao contraditório e ampla defesa21). Não comparecendo o investigado ou não sendo sua justificativa válida, o Ministério Público da Execução solicitaria ao Juízo da Execução que informasse ao Ministério Público que ofereceu o ANPP sobre o descumprimento, findando, a partir de então, a competência do Juízo da Execução. O Ministério Público que subscreveu o acordo, ciente do descumprimento do ANPP, peticionaria ao Juiz que homologou o acordo (futuramente o Juiz das Garantias) para que ele rescinda o ANPP, comunique a vítima (§ 9º, do art. 28-A, do CPP) e devolva os autos da investigação para que o Ministério Público ofereça a denúncia (§ 10, do art. 28-A, do CPP). Semelhante procedimento seria o adotado quando o investigado cumprisse integralmente o ANPP: tendo o Ministério Público atuante na Execução Penal verificado o cumprimento integral do ANPP, solicitaria ao Juízo da Execução que comunicasse ao Juízo que homologou o acordo (futuramente o Juiz das Garantias) e este abriria vista ao Ministério Público subscritor do acordo e, em seguida, o Juiz decretaria a extinção da punibilidade do investigado, determinando, na sequência, o arquivamento dos autos da investigação (ou processo, se em andamento). Bom recordar que, neste trabalho, foi defendido que os autos da investigação permaneçam na Secretaria do Juízo que homologou o ANPP, aguardando ou o cumprimento ou seu descumprimento. Assim, uma vez 21 STJ: Muito embora seja possível a rescisão do acordo de não persecução penal (§10 do art. 28-A do CPP), necessário, para preservação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, oportunizar à defesa a manifestação acerca do pedido formulado pelo Ministério Público (HC 615.384-SP, 5ªT., Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.09/02/2021) 178 Sandro Carvalho lobato de Carvalho comunicado pelo Juízo da Execução o cumprimento ou pelo Ministério Público o descumprimento, o Juiz homologador (possivelmente o Juiz das Garantias), nos autos da investigação, decretaria a extinção da punibilidade ou rescindiria o ANPP e, neste último caso, determinaria a intimação da vítima (§ 9º, do art. 28-A, do CPP). Semelhante posicionamento tem de Messias (2020, p. 100-101): A nosso ver, a competência para a decretação da extinção da punibilidade é do juiz das garantias, e não do juiz da vara de medidas alternativas (“execução penal”). […] Lado outro, descumpridas injustificadamente quaisquer das condições estipuladas no acordo, o juízo das medidas alternativas certificará o seu descumprimento. Em poder de tal certificação, o membro do Ministério Público deverá requerer o retorno dos autos ao juiz das garantias, para que este, nos termos do artigo 28-A, §§ 9º e 10, do CPP, determine (1) a rescisão do acordo que outrora homologou, (2) a intimação à vítima acerca do descumprimento da avença e (3) a remessa dos autos ao Parquet, para promoçãoda ação penal pública. […] Entendemos que a competência para a rescisão do acordo é do juiz das garantias, e não do juiz da vara de medidas alternativas (“execução penal”), pois este magistrado não possui competência para desfazer o acordo que aquele juiz validamente homologou. Como dito alhures, pensamos que o objetivo da Lei Anticrime foi apenas emprestar à fiscalização das Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 179 condições livremente assumidas a estrutura cartorária das varas de medidas alternativas (“execução penal”). 79) Qual providência o Juízo da Execução deve tomar ao receber o ANPP para a execução? Recebido o termo de ANPP e a decisão homologatória, o Juízo da Execução deve marcar audiência para indicar, se for o caso, ao investigado o local de cumprimento da medida de prestação de serviços à comunidade e a entidade beneficiada pela prestação pecuniária (art. 28-A, incisos III e IV, do CPP), bem como para esclarecer a forma de comprovação das demais condições impostas. 80) Descumprido o ANPP, o Ministério Público, ao oferecer denúncia, pode deixar de oferecer a suspensão condicional do processo? Sim, de acordo com o § 11 do art. 28-A, do CPP, o descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo, ou seja, novamente a lei deixa a cargo da discricionariedade regrada do Ministério Público a decisão de oferecer ou não a suspensão condicional do processo para aquele que, beneficiado inicialmente com o ANPP, o descumpriu. Comentando sobre o dispositivo mencionado, pontua Lima (2020b, p. 287): Para além do possível oferecimento de denúncia, o Código de Processo Penal (art. 28-A, § 11) também 180 Sandro Carvalho lobato de Carvalho prevê que o descumprimento do acordo poderá ser utilizado pelo órgão ministerial como justificativa para o eventual não-oferecimento de suspensão condicional do processo. A justificativa para esse dispositivo é evidente: se o investigado não demonstrou autodisciplina e senso de responsabilidade para o cumprimento das condições avençadas por ocasião da celebração do acordo de não- persecução penal, é bem provável que terá idêntico comportamento se acaso lhe for oferecida a proposta de suspensão condicional do processo, até mesmo pelo fato de as condições pactuadas serem bastante semelhantes em ambos os institutos. Como já dito, muitos são os casos em que o crime permitirá ANPP e suspensão condicional do processo (ex. art. 155, do Código Penal). Em outros, permitirá apenas o ANPP (ex. art.155, § 4º, do Código Penal) e em poucos outros, apenas a suspensão condicional do processo (ex. art. 129, § 1º, do Código Penal). Então, nos casos em que, em tese, cabe ANPP e suspensão condicional do processo, a princípio, temos que o ANPP é mais favorável ao investigado, posto que o acordo impede o ajuizamento da ação penal, enquanto a suspensão condicional do processo pressupõe ação penal ajuizada e recebida pelo Poder Judiciário, fato este que deverá reduzir a quantidade de processos com a suspensão condicional do processo. Assim, descumprido o acordo de não persecução, o Ministério Público, analisando o caso concreto, pode deixar de oferecer o sursis processual. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná decidiu ainda quando o ANPP estava previsto apenas na Resolução nº 181/2017 do CNMP: Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 181 APELAÇÃO CRIMINAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306, § 1º, INCISO II, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CONDENAÇÃO. PLEITO DE DECRETAÇÃO DA NULIDADE PROCESSUAL ANTE A AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU QUE DESCUMPRIU INTEGRALMENTE O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL. DEIXOU DE OFERECER PARQUET O BENEFÍCIO EM RAZÃO DO RÉU NÃO PREENCHER OS REQUISITOS SUBJETIVOS DO ARTIGO 89 DA LEI Nº. 9.099/09. RECURSO DESPROVIDO. (Ap. Crim. nº 0025480- 66.2018.8.16.0021, 2ª Câm. Crim., Rel. Des. Laertes Ferreira Gomes, j.22/11/2019). 81) Descumprido o ANPP e rescindido judicialmente o acordo, como ficam as parcelas que já foram pagas da prestação pecuniária parcelada? Uma vez descumprido o acordo e rescindido judicialmente o ANPP, o Ministério Público oferecerá denúncia, podendo utilizar a confissão feita no ANPP como reforço da justa causa e também poderá deixar de oferecer o sursis processual (§ 11, do art. 28-A, do CPP), bem como a prescrição voltará a correr (art. 116, IV, do Código Penal). Segundo vimos, no inciso IV do art. 28-A, do CPP, poderá ter o ANPP como condição o pagamento de prestação pecuniária, que pode ser inclusive parcelada. Descumprido o ANPP, rescindido o acordo judicialmente, como ficam as parcelas já pagas? 182 Sandro Carvalho lobato de Carvalho As parcelas já pagas pelo investigado serão perdidas, não havendo devolução para o investigado. Por isso é importante deixar consignado no termo de acordo que, em caso de descumprimento do ANPP pelo investigado, as prestações já pagas serão perdidas, ou seja, não serão devolvidas ao investigado. A mesma lógica pode-se utilizar para a não devolução do valor pago à vítima a título de reparação do dano ou quando restituída a coisa (inciso I, do art. 28-A, do CPP) e também para a não devolução dos instrumentos, proveitos ou produto do crime (inciso II, do art. 28-A, do CPP), sendo importante deixar isso consignado no termo do acordo. 82) Descumprido o ANPP e rescindido judicialmente o acordo, pode haver detração das condições parcialmente cumpridas na pena a ser imposta em eventual sentença condenatória? O instituto da detração está previsto no art. 42, do Código Penal: “Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”. Logo, pela própria disciplina do art.42 do Código Penal, resta claro que a resposta à questão acima posta é negativa. Visto que as condições impostas no ANPP não são penas, mas ajustes voluntários assumidos pelo investigado, acompanhado pelo seu defensor. Assim, rescindido o ANPP, oferecida a denúncia, processado regularmente o acusado, sobrevindo uma sentença penal condenatória, a parcela que foi cumprida do acordo de persecução penal não poderá ser abatida da pena, posto que, repita-se, as condições ajustadas em comum acordo entre Ministério Público, investigado e seu defensor, não são penas. Da mesma opinião é Cabral (2020, p. 183): Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 183 Veja-se que o cumprimento parcial da prestação de serviços à comunidade não poderá ser utilizado para eventual detração de futura condenação. Isso porque, o compromisso assumido pelo investigado, como já dito aqui à saciedade, não é pena, não estando, portanto, preenchido o requisito legal para a detração previsto no art. 42, CP, devendo esse período de parcial cumprimento ser considerado como trabalho voluntário, sem direito, obviamente, a qualquer contraprestação financeira. Trata-se de consequência decorrente da violação do negócio jurídico celebrado pelo agente. Igualmente Cunha, R. (2020, p. 139) ensina que não há que se falar em detração já que as condições do ANPP não possuem natureza de sanção penal, e a perda do tempo é consequência natural do descumprimento, ônus da desídia e deslealdade do investigado. 83) Ao deixar de oferecer o ANPP, como o Ministério Público deve agir? O acordo de não persecução penal é um dos instrumentos de política criminal do Ministério Público. E, por isso, pode o Ministério Público, analisando o caso concreto, oferecer ou não o ANPP. Dentro de sua discricionariedade regrada, entretanto, o Ministério Público deve fundamentar sua decisão de não oferecer o ANPP. Nessa linha, cabe mencionara decisão da lavra do Min. Reynaldo Soares da Fonseca, no HC 612449/SP, julgado em 22/09/2020 pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, onde consta: 184 Sandro Carvalho lobato de Carvalho HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE OFERTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E RECUSA DE ENVIO À PGJ. RECUSA DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PELO PARQUET. ANUÊNCIA DO MAGISTRADO. PROPOSTA DE REVISÃO REQUERIDA A DESTEMPO PELA DEFESA. DOSIMETRIA DA PENA. MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL PARA O ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E VARIEDADE DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES. WRIT NÃO CONHECIDO. 1[...] 3. Inexiste nulidade na recusa do oferecimento de proposta de acordo de não persecução penal quando o representante do Ministério Público, de forma fundamentada, constata a ausência dos requisitos subjetivos legais necessários à elaboração do acordo, de modo que este não atenderia aos critérios de necessidade e suficiência em face do caso concreto. Recebendo os autos da investigação, após verificar a presença dos elementos indicativos de autoria e prova da materialidade delitiva, existindo a justa causa para a ação penal, o Ministério Público analisará a possibilidade de acordo de não persecução penal. Não sendo cabível, ajuizará a ação penal. Alguns pressupostos e requisitos do art. 28-A, do CPP, são de cunho objetivo. Por exemplo, crimes sem violência ou grave ameaça; Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 185 confissão formal e circunstanciada; pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, já levando em consideração as causas de diminuição. As hipóteses de não cabimento são objetivas (§ 2º, do art. 28-A, do CPP). Para esses casos, entendemos que não há necessidade de grande fundamentação para consignar na cota da denúncia o motivo pelo qual não se oferece o ANPP, sendo até mesmo desnecessário fazê-lo, talvez. Assim como não vemos necessidade de se notificar o investigado neste caso, ou seja, quando não atendidos os requisitos objetivos legais, tomando o investigado conhecimento quando da citação da ação penal. Já quando o não oferecimento do ANPP ocorre por ter o Ministério Público entendido que não é o acordo necessário e suficiente para a prevenção e repressão do crime, é necessário que o Ministério Público, além de fundamentar a recusa na cota da denúncia de forma mais minuciosa, também notifique o investigado do não oferecimento do acordo para ele, se desejar, requerer a remessa dos autos para o órgão superior do Ministério Público (art. 28-A, § 14, do CPP). Nessa linha, diz Cabral (2020, p. 167): Desse modo, sempre que determinados requisitos objetivos para a celebração do acordo de não persecução penal estejam aparentemente preenchidos (infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos), é imprescindível que o Membro do Ministério Público, na cota que normalmente acompanha a denúncia, apresente os fundamentos jurídicos com base nos quais deixou de propor o acordo de não persecução penal, afinal, o dever de fundamentação é imposto a todos os integrantes do MP (vide: Lei Orgânica Nacional do MP, art. 43, III). 186 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 84) E, em caso de não oferecimento do acordo pelo Ministério Público, como pode agir o investigado? Já ficou claro que o acordo de não persecução penal é instrumento de política criminal do Ministério Público e que cabe à instituição a análise de sua pertinência ou não ao caso concreto. Pode acontecer de, presentes os pressupostos e requisitos objetivos para o ANPP, o Ministério Público deixar de oferecer o acordo. Já restou consignado que essa postura deve ser sempre justificada e fundamentada. Contudo, pode acontecer de o Ministério Público não oferecer o acordo de forma injustificada ou mesmo que justifique e o investigado não concordar com a posição ministerial. Para essas hipóteses, o legislador previu a possibilidade de o investigado requerer ao órgão superior do Ministério Público a revisão do posicionamento ministerial. Diz o legislador no § 14, do art. 28-A, do Código de Processo Penal: “No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”. A previsão legislativa foi lacônica, o que leva à necessidade de complementação da normativa por legislação interna a ser editada pelos Ministérios Públicos da União e dos Estados e até mesmo pelo Conselho Nacional do Ministério Público (o que ainda não aconteceu, no que diz respeito ao CNMP). Importante pontuar algumas observações e hipóteses. Ao analisar o § 14, do art. 28-A, do CPP, nota-se que ele se reportou ao art. 28 do CPP. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 187 O §1º, do art. 28 do CPP22 dispõe que a vítima terá prazo de 30 dias para submeter o arquivamento promovido pelo membro do Ministério Público à revisão da instância superior do Ministério Público. Como o § 14, do art. 28-A, do CPP, mencionou a forma do art. 28 do CPP, temos que, caso o investigado discorde do membro do Ministério Público que deixou de oferecer o ANPP, poderá ele, investigado, no prazo de 30 dias, a partir de sua notificação, requerer a remessa dos autos ao órgão de revisão ministerial. A redação atual do art. 28 do CPP encontra-se com sua eficácia suspensa devido à decisão do Ministro Luiz Fux, do STF, nos autos da ADI 6.305. Apesar disso, entendemos que pode o mencionado dispositivo ser usado como parâmetro para as normativas internas dos Ministérios Públicos, ou seja, o prazo para se requerer a revisão da decisão de não oferecimento do ANPP será de 30 dias. É certo que esse extenso prazo trará alguns inconvenientes, sobretudo na hipótese de investigados presos. Mas, devido à previsão legal do § 1ª, do art. 28, do CPP, os Ministérios Públicos deverão se preparar para uma maior agilidade na decisão destes casos de requerimento de revisão. De forma antecipada, já deixa-se consignado que o órgão de instância superior (no nosso entendimento, o Procurador-Geral de Justiça, no caso dos Estados, e a Câmara de Coordenação e Revisão, no caso do MPU), ao receber o pedido de revisão, poderá: I – concordar com o não oferecimento do acordo, mantendo a posição de negativa do Promotor Natural, o que será a decisão final sobre o assunto; II – discordar do 22 Art. 28 […] § 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. 188 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Promotor Natural e entender que é caso de acordo de não persecução penal, designando outro membro do Ministério Público para celebrar o acordo. Voltando à questão: como pode o investigado agir se recusado o ANPP pelo Ministério Público? A previsão legislativa não entrou em detalhes de como isso ocorreria e, como mencionado, haverá necessidade de complementação da normativa por legislação interna a ser editada pelos Ministérios Públicos da União e dos Estados e até mesmo pelo Conselho Nacional do Ministério Público (o que ainda não aconteceu, no que diz respeito ao CNMP). Contudo, considerando o prazo extenso do art. 28, § 1º, do CPP, podemos vislumbrar as seguintes situações: - o investigado é notificado pelo Ministério Público do não oferecimento do ANPP. Então, no prazo de 30 dias, requereria, se desejasse, ao próprio órgão que negou o ANPP, a remessa dos autos à instância de revisão do Ministério Público. Nesta hipótese, entendemos que “a remessa dos autos” é na verdade de cópia dos autos (por meios físicos ou virtuais), posto que, se o Promotor Natural negou o oferecimentodo ANPP, ele já ofereceu a denúncia e, logicamente, os autos seguiram para o Poder Judiciário com a denúncia oferecida. À evidência de que o pedido de remessa para revisão do não oferecimento do ANPP não tem efeito suspensivo (sequer o recurso em sentido estrito que não homologa o acordo possui, que dirá o pedido de revisão), não impedindo, portanto, o oferecimento da denúncia. Como afirmado, esse procedimento deve ser disciplinado por normas internas dos Ministérios Públicos da União e dos Estados. Aqui é apenas uma possibilidade. Com a denúncia oferecida e requerido extrajudicialmente a revisão do não oferecimento do acordo, o magistrado teria duas Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 189 possibilidades: a) deixar para mandar citar o investigado somente após a decisão do órgão revisional do Ministério Público (hipótese essa de difícil aceitação se o investigado estiver preso ou se o prazo prescricional estiver próximo do fim); b) receber a denúncia (se for o caso), mandar citar o investigado, e suspender o processo, aguardando a decisão do órgão revisional do Ministério Público (no caso de denunciado preso também haverá dificuldade). - o investigado toma conhecimento do não oferecimento do acordo de não persecução penal apenas quando foi citado do oferecimento da denúncia. Neste caso, não houve notificação por parte do Ministério Público (hipótese, por exemplo, de falta de requisitos/pressupostos objetivos do ANPP ou mesmo em caso de investigado preso ou de prazo prescricional próximo do fim), tendo o investigado conhecimento das razões de não propositura do ANPP apenas quando citado para oferecer resposta escrita à acusação. Assim, na resposta escrita à acusação, poderá o investigado (denunciado) requerer ao juiz que suspenda o processo e remeta os autos à instância de revisão do Ministério Público para que ela decida sobre o não oferecimento do acordo. A suspensão do processo por parte do juiz é a decisão mais razoável (caso entenda plausível o requerimento de revisão. Caso contrário, basta indeferir o pedido do denunciado de submeter a decisão do Promotor Natural ao órgão de revisão). Contudo, em caso de denunciado preso, por exemplo, se o processo seguir, entendemos que o juiz não pode sentenciar até que o órgão de revisão ministerial decida. Sobre a possibilidade de suspensão do processo, Pacelli e Fischer (2020, p. 116) consignam: A única possibilidade que conseguimos visualizar de esta questão surgir durante o processo é a de o Ministério Público oferecer diretamente a denúncia 190 Sandro Carvalho lobato de Carvalho sem ter proposto o acordo de não persecução, e após o recebimento da exordial, o réu se insurgir contra a ausência de possibilidade de formalizar o acordo. Assim, concordando o juiz com o pleito, o ideal seria suspender o processo até a questão ser solucionada (remessa ao órgão superior interno do parquet em caso de discordância, nos termos do § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal). Veja-se que o processo pode ter tramitado e o órgão de revisão ministerial concordar que é hipótese de ANPP, então tudo seria anulado, inclusive, o recebimento da denúncia, nos parece. Cabe um pequeno parêntese. Há possibilidade de ANPP quando o investigado estiver preso? Sim. O investigado pode ter sido preso em flagrante e essa prisão convertida em preventiva, mas ao final da investigação, o Ministério Público entender que o caso comporta ANPP, então deveria requerer a revogação da prisão e providenciaria a audiência extrajudicial para a celebração do acordo. Noutro giro, o Ministério Público pode entender que, ainda que os pressupostos/requisitos objetivos estejam presentes, no caso concreto, o acordo não é suficiente e necessário para a prevenção e repressão do crime, o que poderia fazer com que o Ministério Público oferecesse a denúncia, pugnasse pela manutenção da prisão e justificasse o não oferecimento do acordo de não persecução penal. Fechado o parêntese. Seja como for, investigado preso ou em liberdade, o requerimento de remessa para revisão do órgão superior do Ministério Público não impede a denúncia. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 191 Para Cabral (2020, p. 170), a única possibilidade de aplicação do § 14 do art. 28-A, do CPP, é quando da resposta à acusação, não existindo, para ele, a possibilidade de o investigado requerer ao Promotor Natural a remessa dos autos para a revisão do órgão superior ministerial ou mesmo de pedido direto do investigado para o órgão superior do Ministério Público. Diz o doutrinador: Veja-se que – apesar da vagueza do § 14, do art. 28-A, CPP – este pedido de remessa deverá ser formulado ao Juiz, pois, caso tenha ocorrido negativa do ANPP, haverá, obviamente, oferecimento de denúncia (e essa recusa, como já dito, deve ser feita na quota que acompanha a acusação), estando, portanto, os autos, sob a responsabilidade do magistrado, para apreciação. Apesar de entender a posição acima como correta, devido à lacônica forma legislativa, não há como excluir a possibilidade do CNMP e/ ou normas internas dos Ministérios Públicos disciplinarem o procedimento para a aplicação do § 14, do art. 28-A, do CPP, prevendo notificação e forma extrajudicial para a remessa. De todo modo, é importante ter em mente que, caso o investigado somente tome conhecimento do não oferecimento do acordo de não persecução penal quando da citação para o oferecimento da resposta à acusação (ou fase equivalente nos procedimentos especiais), deve ele requerer, nesta ocasião (resposta à acusação) a remessa do caso para a apreciação da instância revisora ministerial, sob pena de preclusão. Sobre a existência de preclusão, explica Calabrich (2020, p. 352- 354, 359): 192 Sandro Carvalho lobato de Carvalho E quando o MP oferece a denúncia sem se manifestar sobre o acordo, como se deve proceder? O ideal é que, ao apresentar uma denúncia para um crime sem violência nem grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público já explicite, na própria denúncia ou numa cota que a acompanhe, os motivos para não apresentar a proposta da ANPP. Isso permitirá o controle do ato e fornecerá subsídios para que o interessado impugne essa recusa, requerendo a remessa dos autos ao órgão superior do MP, na forma do caput do art. 28-A do CPP e do seu § 14. Para um crime cometido com violência ou grave ameaça ou com pena igual ou superior a quatro anos, a impossibilidade de oferecimento da proposta é evidente, ope legis. Se for o caso, deverá acompanhar a denúncia a informação de que foi proposto um acordo e que este não foi aceito pelo acusado – circunstância que, de igual sorte, torna superada a questão. No caso de não oferecimento de ANPP concomitantemente à denúncia, é de se presumir que o membro do Ministério Público a entendeu incabível. Nessa situação, mas não tendo o MP apresentado fundamentos para a recusa, deve o juiz, vislumbrando o cabimento, intimar o MP para que se manifeste sobre essa possibilidade ou para que externe os motivos para não ter formulado a proposta. Se o juiz assim não o fizer, caberá ao acusado, aventando a possibilidade de acordo, manifestar seu interesse na primeira oportunidade em Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 193 que for chamado aos autos – em regra, com a citação. Quedando-se omisso, há de se entender que tampouco o acusado tinha interesse no acordo, ou que também ele entendia não preencher os requisitos, e o processo deve prosseguir normalmente. Essa deve ser a praxe para processos novos. O processo é uma marcha para a frente. Com sua participação no processo no primeiro momento que é chamada a intervir, a parte tem a oportunidade de suscitar a possibilidade de acordo. É um ônus seu. Se não o faz, não há sentido em que essa etapa possa ser reinstaurada a qualquer momento. […] Em síntese: para processos novos, iniciados posteriormenteà Lei nº 13.964/2019, deve se operar a preclusão quando recebida a denúncia sem manifestação do réu quanto ao seu interesse num acordo e quanto ao não oferecimento da proposta pelo Ministério Público. […] Em síntese: para processos já deflagrados, a possibilidade de ANPP deve ser abordada pelas partes na primeira oportunidade em que intervierem nos autos. Proferida a sentença, não mais será possível o ANPP”. Nessa linha, cabe mencionar a decisão da lavra do Min. Reynaldo Soares da Fonseca, no HC 612449/SP, julgado em 22/09/2020 pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, onde consta: 194 Sandro Carvalho lobato de Carvalho HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE OFERTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E RECUSA DE ENVIO À PGJ. RECUSA DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PELO PARQUET. ANUÊNCIA DO MAGISTRADO. PROPOSTA DE REVISÃO REQUERIDA A DESTEMPO PELA DEFESA. DOSIMETRIA DA PENA. MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL PARA O ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E VARIEDADE DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES. WRIT NÃO CONHECIDO. 1[...] 4. Conforme o acórdão ora impugnado, o requerimento de revisão do não oferecimento de proposta do ANPP, para fins de análise do órgão superior do Ministério Público local, ocorreu a destempo pela defesa, deixando que a instrução criminal fluísse regularmente. 85) Pode ser ajuizada ação penal privada subsidiária da pública quando o Ministério Público oferecer ao investigado o Acordo de Não Persecução Penal? Não. Ao oferecer o acordo de não persecução penal, o Ministério Público está atuando de acordo com a lei, não havendo omissão ministerial que legitime o ajuizamento de ação penal privada subsidiária da pública. A ação penal privada subsidiária da pública está prevista na Constituição Federal (art. 5º, LIX), no Código de Processo Penal (art. 29) e Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 195 no Código Penal (art. 100, § 3º), sendo este tipo de ação cabível apenas se o crime for de ação penal pública e quando se verificar a inércia do Ministério Público, ou seja, quando dentro do prazo legal, o Ministério Público, de posse do procedimento de investigação, não oferecer denúncia, não oferecer ANPP, não requerer diligências, não promover o arquivamento, não suscitar conflito de atribuição/competência ou não requerer declínio de competência. Se o Ministério Público permanecer totalmente inerte, cabe a ação penal privada subsidiária da pública. Caso contrário, inviável a referida ação. Assim, quando o Ministério Público propõe ao investigado o acordo de não persecução penal, o Ministério Público está agindo e não sendo omisso, logo, descabida, neste caso, a ação penal privada subsidiária da pública. 86) Cabe ANPP nos crimes de ação penal privada? Neste trabalho é defendido que o acordo de não persecução penal é instrumento de política criminal do Ministério Público. O artigo 28-A, do Código de Processo Penal, na forma em que foi redigido, deixa claro que os crimes que permitem o ANPP são crimes de ação penal pública e que o legitimado para a análise do cabimento do acordo e de seu oferecimento é o Ministério Público. Por tais motivos, acreditamos ser incabível o ANPP em crimes de ação penal privada. Contudo, não se pode perder de vista que a doutrina23 e a jurisprudência24 firmaram entendimento que é possível transação penal e 23 Para um apanhado geral da doutrina ver: Carvalho (2009). 24 STF, HC 81720/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.26/03/2002. STJ, APn 634/RJ, Rel. Min. Felix Fisher, j.21/03/2012. AgRg no REsp 1356229/PR, Rel Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJPE), j.19/03/2013. HC 33.929/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j.19/08/2004. 196 Sandro Carvalho lobato de Carvalho suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal privada, não sendo difícil acreditar que o mesmo caminho será seguido em relação ao acordo de não persecução penal. Esta inclusive é a posição de Lopes Jr. (2020, p. 322): E cabe o acordo de não persecução penal na ação penal de iniciativa privada? Pensamos que haverá resistência no início, mas em breve deverá ser aceito, da mesma forma que a transação penal. Portanto, uma vez preenchidos os requisitos legais anteriormente explicados, pode o querelante propor o acordo de não persecução penal, até porque a ação penal de iniciativa privada é plenamente disponível. Admitindo-se o acordo de não persecução nos crimes de ação penal privada, o legitimado para o acordo será o ofendido. É de se pontuar, ainda, que no Código Penal há apenas 10 crimes de ação penal privada, sendo eles previstos: art. 139 (calúnia); art. 139 (difamação); art. 140 (injúria); art. 161, § 3º (alteração de limites); art. 163, caput, e parágrafo único, inciso IV (dano); art. 164 (introdução ou abandono de animais em propriedade alheia); art. 179 (fraude à execução); art. 184 (violação de direito autoral); art. 236 (induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento); art. 345, parágrafo único (exercício arbitrário das próprias razões). Desses crimes de ação penal privada, apenas o previsto no art. 163, parágrafo único, inciso IV, do Código Penal, não é da competência do Juizado Especial Criminal, já que a pena máxima cominada é de 3 (três) anos. Os demais crimes de ação penal privada são de competência do Juizado Especial Criminal, ou seja, cabível a transação penal (e, antes, a composição civil dos danos), sendo, portanto, esta prioritária em relação Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 197 ao ANPP (art. 28-A, § 2º, I, do CPP), o que indica que, possivelmente, raramente, haverá acordo de não persecução nos crimes de ação penal privada (raramente há até mesmo transação). 87) No caso de sentença desclassificatória, ainda caberia ANPP? É possível que o Ministério Público tenha oferecido denúncia pela prática de um crime que não cabia o acordo de não persecução penal. Após a tramitação regular do processo, o juiz sentencie o acusado, desclassificando o crime imputado na denúncia (que não cabia ANPP) para um crime que seria possível o acordo de não persecução penal. Nesta hipótese, deve o magistrado encaminhar os autos para o Ministério Público para verificar a possibilidade de oferecimento de ANPP. Dizem Dezem e Souza (2020, p. 64): Aqui, certamente surgirá a mesma discussão que havia em relação à suspensão condicional do processo nos casos envolvendo procedência parcial do pedido (artigo 383, § 1º, do CPP e Súmula 337 do STJ). Entendemos aqui que, da mesma forma que na suspensão condicional do processo, se na hipótese de desclassificação ou procedência parcial do pedido houver a possibilidade de aplicação de proposta de acordo de não persecução penal, deverá o juiz abrir vista para o Ministério Público fazer a proposta do acordo de não persecução penal. Queiroz (2020) também leciona no mesmo sentido: 198 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Se oferecida a denúncia, o juiz ou tribunal proceder à desclassificação para crime que admita o acordo, deverá abrir vistas ao MP para que se manifeste a respeito. A Súmula 337 do STJ é aplicável analogicamente: É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva. 88) Nas hipóteses de emendatio libelli ou de mutatio libelli, caberia ANPP? Os artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal tratam, respectivamente, da emendatio libelli e da mutatio libelli. Em ambos artigos há previsão relativa à suspensão condicional do processo (§ 1º, do art. 383, e § 3º, do art. 384, do CPP). Diante desta previsão legal, em vista da semelhança entre o sursis processual e o ANPP, entendemos que, caso o juiz, na fase da sentença, entenda presentes as hipóteses do art. 383 ou do art. 384 do CPP e que o crime admite acordo de não persecução penal, deve encaminhar os autospara o Ministério Público para que haja análise do oferecimento ou não do acordo. Nesse sentido, leciona Barros (2020), tratando o ANPP como acordo de não continuidade da ação penal: Outra hipótese de aplicação do acordo de não continuidade da ação penal está intrinsecamente ligada ao instituto da mutatio libelli. [...] na hipótese de necessidade de aplicação da mutatio, diante da modificação da narrativa fática Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 199 [...] caberá ao Promotor de Justiça natural reavaliar a situação posta para fins de cabimento do acordo. [...] Sendo assim, faz-se premente a necessidade de se viabilizar uma nova espécie de acordo, dentro do processo, mas com a mesma natureza jurídica do ANPP. A mutatio, portanto, se mostra como elo entre o acordo de não persecução penal e o acordo de não continuidade da ação penal. Igualmente Messias (2020): Emendatio libelli ordinária [...] Se, em consequência de definição jurídica diversa (desclassificação), houver possibilidade de proposta de acordo de não persecução penal, o juiz deverá submeter os autos à avaliação jurídica do Ministério Público, por analogia ao artigo 383, § 1º, do CPP. [...] Mutatio libelli [...] Se a instrução processual de caso penal outrora insuscetível de acordo de não persecução penal revelar fato novo, isto é, alheio à descrição fática contida na denúncia, a ensejar modificação na capitulação jurídica e uma nova instrução, o magistrado deverá aplicar o artigo 384 do CPP, concedendo vista dos autos ao Ministério Público para aditamento da inicial acusatória. Nessa hipótese, caso a nova definição jurídica admita, em tese, a celebração de acordo de não persecução penal, deverá o juiz submeter os autos à avaliação ministerial. 200 Sandro Carvalho lobato de Carvalho 89) No caso de concurso de pessoas, como proceder em relação ao ANPP? Se o crime que permite o ANPP tiver sido praticado por duas ou mais pessoas, o Ministério Público terá que verificar para cada investigado o preenchimento dos pressupostos/requisitos do art. 28-A, do CPP. Pode acontecer de um investigado ser, por exemplo, reincidente. Ou não confessar a infração penal. Ou mesmo não concordar com o ANPP. E o outro investigado, preencher todos os requisitos/pressupostos legais e ajustar com o Ministério Público o ANPP. Nessa hipótese, o ANPP seria firmado para aquele que ajustou com o Ministério Público e, em relação ao outro investigado, o Ministério Público ofereceria denúncia, explicando na cota o motivo pelo qual não foi possível para ele o ANPP. Sugere-se, para a hipótese de denúncia para um investigado e ANPP para o outro, nos crimes perpetrados em concurso, que o Ministério Público, na cota da denúncia, explique: a) que para o denunciado não foi possível o ANPP, fundamentando a negativa; b) que com o outro investigado foi celebrado o ANPP; c) a necessidade da separação do processo, onde o original seguirá a tramitação normal da ação penal e a cópia desmembrada para o ANPP, onde tramitará os demais atos relativos ao acordo, como a audiência de homologação (§ 4º, do art. 28-A, do CPP), ficando os autos, em caso de homologação do acordo, na secretaria do Juízo onde aguardarão o cumprimento do ANPP. Se houver descumprimento e rescisão judicial do ANPP, o Ministério Público avaliará, sob a perspectiva da utilidade, se o caso será de aditamento à denúncia naquele processo que já está em curso ou se o oferecimento de denúncia autônoma é mais adequado com vista a evitar, por exemplo, tumulto processual, tal como a ideia do art. 80, do CPP. Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 201 90) No caso de concurso de crimes, em que a um, objetivamente, cabe o ANPP, e o outro é, por exemplo, perpetrado com violência ou grave ameaça, como proceder em relação ao ANPP? Barros (2020, p. 162) entende que, preenchidos os demais requisitos e pressupostos do art. 28-A, do CPP, o Ministério Público pode, aplicando-se por analogia a regra do art. 60, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, realizar o acordo de não persecução penal para o crime que tem pena inferior a 4 anos e não foi perpetrado com violência. Nessa hipótese, o ANPP seria firmado em um crime, e o Ministério Público ofereceria denúncia em relação ao outro, explicando na cota da denúncia essa situação, o que acarretaria a extração de cópias para a tramitação do ANPP separado da ação penal. Por certo, ainda que em tese possível, a verdade é que, na prática, a ocorrência de mais de um crime pelo autor (ainda mais um crime grave) indicaria possivelmente que o ANPP não é suficiente para a prevenção e repressão do delito, acabando por impedir o ANPP. . III) CONCLUSÕES Por ser instituto relativamente novo, dentro de uma mentalidade de Justiça – a Justiça Penal Consensual – ainda vista com alguma desconfiança para aqueles acostumados com o Processo Penal tradicional, o acordo de não persecução penal suscita algumas dúvidas em sua aplicação. Dúvidas normais justamente por ser algo novo. Dúvidas inclusive entre o próprio Ministério Público, grande protagonista do ANPP e que tem o desafio de, a partir do art. 28-A, do CPP, adaptar-se à Justiça Penal Negociada, promovendo uma política criminal que seja voltada à repressão da grande criminalidade, de combate à violência e a crimes de maior danosidade social, mas também uma política criminal que privilegie uma 202 Sandro Carvalho lobato de Carvalho resposta rápida e eficaz para os crimes de média ofensividade e, sobretudo, que dê uma atenção maior à vítima de crime, defendendo, o Ministério Público, os direitos da vítima, evitando sua revitimização25, e atuando para a reparação dos danos à vítima. O ANPP é um grande instrumento à disposição do Ministério Público. Deve ser utilizado com responsabilidade e voltado à proteção da sociedade. Muitas outras controvérsias existem e talvez ainda existirão sobre a aplicação do ANPP. O texto produzido neste trabalho é apenas uma pequena amostra das discussões jurídicas atuais com objetivo único de fomentar o debate. Por fim, anexo ao texto, em forma de tabelas, elencaram-se os crimes previstos no Código Penal e na legislação especial criminal mais frequentemente usada pelo Ministério Público Estadual em que possivelmente será cabível o acordo de não persecução penal como forma de auxílio ao consulente do presente escrito. 25 Para um apanhado geral sobre o assunto ver: Carvalho e Lobato (2008). Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 203 REFERÊNCIAS ABRAÃO, Pauliane do Socorro Lisboa; LOURINHO, Victoria A. dos Santos. O Acordo de não persecução penal e a discricionariedade do Ministério Público. In: WALMSLEY, Andréa; CIRENO Lígia; BARBOZA, Márcia Noll (org.). Inovações da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, DF: MPF, 2020. (Coletânea de artigos, v. 7). Disponível em: http://www.mpf. mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes. 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Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes. Acesso em: 11 jul. 2020. 206 Sandro Carvalho lobato de Carvalho DEZEM, Guilherme Madeira; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários ao pacote anticrime: Lei 13.964/2019. São Paulo: RT, 2020. FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O Acordo de não persecução penal: permissões e vedações. In: CUNHA, Rogério Sanches; BARROS, Francisco Dirceu; SOUZA, Renee do Ó; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira (org.). Acordo de não persecução penal. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 331-343. JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia; FULLER, PAULO Henrique; PARDAL, Rodrigo (org.). Lei Anticrime comentada. São Paulo: JH Mizuno, 2020. LAURIA, Mariano Paganini. Preconceito de raça ou de cor – Lei 7716/1989. In: CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó (org.). Leis penais especiais comentadas artigo por artigo. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 495-550. LIMA, Renato Brasileiro de. 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Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 209 ANEXOS TABELA DE CRIMES PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, § 2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO CRIME OBSERVAÇÃO Art. 121, § 3º e § 4º Homicídio culposo Art. 130, § 1º Perigo de contágio venéreo Art. 131 Perigo de contágio de moléstia grave Art. 133, caput, e § 3º Abandono de Incapaz Art. 140, § 3º Injúria qualificada Mesmo com o aumento do art. 141, do CP 210 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 149, caput, e §§ 1º e 3º Redução à condição análoga à de escravo Art. 149-A, caput, e § 2º Somente será possível ANPP se o crime for praticado mediante fraude ou abuso e for tentado (devido à redução do art. 14, II, parágrafo único, do Código Penal). Ou, ainda que consumado, se for praticado mediante fraude ou abuso e presente a minorante do § 2º. Art. 151, § 3º Violação de correspondência Art. 153, § 1º Divulgação de segredo Art. 154-A, § 3º c/c § 4º ou § 5º Invasão de dispositivo informático Somente será possível ANPP se for o crime do § 3º com as causas de aumento dos § 4º ou § 5º, do art.154-A, do Código Penal. No caso do caput,do § 2º e do § 3º, cabe transação penal. Art. 155, caput, e §§ 1º, 2º, 4º, 5º e 6º Furto/Furto qualificado Art. 155, §4º-A e §7º Furto qualificado Somente caberá o ANPP se o crime for na modalidade tentada (art. 14, II, parágrafo único, do Código Penal) (art. 28-A, § 1º, do CPP) Art. 162 Supressão ou alteração de marca em animais Art. 163, parágrafo único, II, II ou IV Dano qualificado Não é possível ANPP se o crime for do art. 163, parágrafo único, inciso I, do Código Penal Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 211 Art. 168, caput, e § 1º Apropriação indébita Art. 168-A, caput, e § 1º Apropriação indébita previdenciária Art. 171, caput, e §§ 2º, 3º e 4º Estelionato Art. 172, caput, e parágrafo único Duplicata simulada Art. 173 Abuso de incapazes Art. 174 Induzimento à especulação Art. 175, § 1º Fraude no comércio Art. 177, caput, e § 1º Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações Art. 178 Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant" Art. 180, caput, e § 1º Receptação/Receptação qualificada Art. 180-A Receptação de animal Art. 184, §§ 1º, 2º e 3º Violação de direito autoral Art. 202 Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem Art. 206 Aliciamento para o fim de emigração Art. 207, caput, e §§ 1º e 2º Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional 212 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 210 Violação de sepultura Art. 211 Destruição, subtração ou ocultação de cadáver Art. 212 Vilipêndio a cadáver Art. 215 Violação sexual mediante fraude Art. 215-A Importunação sexual Art. 216-A, § 2º Assédio sexual Se não incidir o § 2º, o crime é de competência do Juizado Especial Criminal Art. 218 Corrupção de menores Art. 218-A Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Art. 218-B, caput, e § 2º Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável Somente caberá o ANPP se o crime for na modalidade tentada (art. 14, II, parágrafo único, do Código Penal) (art. 28-A, § 1º, do CPP) Art. 218-C, caput, e §1º Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia Art. 227, caput, e §2º Mediação para servir a lascívia de outrem Somente caberá o ANPP no caso do § 2º se praticado com emprego de fraude Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 213 Art. 228, caput, e §1º Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual Somente caberá o ANPP no caso do § 2º do art. 228 se praticado com emprego de fraude e na modalidade tentada (art. 14, II, parágrafo único, do Código Penal) (art. 28-A, § 1º, do CPP) Art. 229 Casa de prostituição Art. 230, caput, e §1º Rufianismo Somente caberá o ANPP no caso do § 2º do art. 230 se praticado mediante fraude Art. 232-A, caput, e §1º Promoção de migração ilegal Art.235, caput, e §1 º Bigamia Art. 238 Simulação de autoridade para celebração de casamento Art. 239 Simulação de casamento Art. 241 Registro de nascimento inexistente Art. 242 Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém- nascido Art. 243 Sonegação de estado de filiação Art. 244, caput, e parágrafo único Abandono material 214 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 245, §§ 1º e 2º Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 250, caput Incêndio Não caberá ANPP se incidente o § 1º, do art. 250, pois a pena mínima ficará em 4 anos (art. 28- A, caput, e § 1º, do CPP) Art. 251, caput, e § 1º Explosão Não caberá ANPP se incidente o § 2º, do art. 251 na tipificação do caput, pois a pena mínima ficará em 4 anos (art. 28-A, caput, e § 1º, do CPP). Já no § 1º, mesmo que incidente o § 2º, cabe ANPP. Art. 252, caput Uso de gás tóxico ou asfixiante Art. 254 Inundação Art. 255 Perigo de inundação Art. 256, caput Desabamento ou desmoronamento Art. 257 Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento Art. 259, caput Difusão de doença ou praga Art. 260, caput Perigo de desastre ferroviário Art. 261, caput Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 215 Art. 262, § 1º Atentado contra a segurança de outro meio de transporte Art. 264, parágrafo único Arremesso de projétil Art. 265 Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública Art. 266 Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública Art. 271, caput Corrupção ou poluição de água potável Art. 272 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios Somente caberá o ANPP se o crime for praticado na modalidade tentada (art. 14, II, parágrafo único, do Código Penal) (art. 28-A, § 1º, do CPP) Art. 273, § 2º Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais Art. 274 Emprego de processo proibido ou de substância não permitida Art. 275 Invólucro ou recipiente com falsa indicação Art. 276 Produto ou substância nas condições dos dois artigos anteriores 216 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 277 Substância destinada à falsificação Art. 278, caput Outras substâncias nocivas à saúde Art. 280, caput Medicamento em desacordo com receita médica Art. 288 Associação criminosa Art. 289, caput, e §§ 1º, 3º e 4º Moeda falsa Art. 290 Crimes assimilados ao de moeda falsa Art. 291 Petrechos para falsificação de moeda Art. 293, caput, e §§ 1º, 2º e 3º Falsificação de papéis públicos Art. 294 Petrechos de falsificação Art. 296 Falsificação do selo ou sinal público Art. 297 Falsificação de documento público Art. 298 Falsificação de documento particular Art. 299 Falsidade ideológica Art. 300 Falso reconhecimento de firma ou letra Art. 303 Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica Art. 304 Uso de documento falso Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 217 Art. 305 Supressão de documento Art. 306 Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins Art. 309 Fraude de lei sobre estrangeiro Art. 310 Falsificação de documento público Art. 311, caput Adulteração de sinal identificador de veículo automotor Não caberá ANPP se incidente o § 1º, do art. 311, pois a pena mínima ficará em 4 anos (art. 28- A, caput, e § 1º, do CPP) Art. 311-A Fraudes em certames de interesse público Art. 312, caput, e § 1º Peculato Art. 313 Peculato mediante erro de outrem Art. 313-A Inserção de dados falsos em sistema de informações Art. 313-B, parágrafo único Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações Sem a incidência do parágrafo único, o crime do art. 313-B admite transação penal Art. 314 Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento Art. 316 Concussão 218 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 317, caput, e § 1º Corrupção passiva Art. 318 Facilitação de contrabando ou descaminho Art. 323, § 2º Abandono de função Art. 325, § 2º Violação de sigilo profissional Art. 328, § 2º Usurpação de função pública Art. 332 Tráfico de Influência Art. 333 Corrupção ativa Art. 334 Descaminho Art. 334-A, caput, e §1º Contrabando Não caberá ANPP se incidente o § 3º, do art. 334-A, pois a pena mínima ficará em 4 anos (art. 28-A, caput, e § 1º, do CPP). Somente seria cabível na modalidade tentada (art.14, II, parágrafo único, do CP) Art. 337 Subtração ou inutilização de livro ou documento Art. 337-A Sonegação de contribuição previdenciária Art. 337-B Corrupção ativa em transação comercial internacional Art. 337-C Tráfico de influência em transação comercial internacional Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 219 Art.338 Reingresso de estrangeiro expulso Art. 339 Denunciação caluniosa Art. 342 Falso testemunho ou falsa perícia Art. 343, caput Não caberá ANPP se incidente o parágrafo único, do art. 343, pois a pena mínima ficará em 4 anos (art. 28-A, caput, e § 1º, do CPP). Art. 347, parágrafo único Fraude processual Sem a incidência do parágrafo único, o crime do art. 347 admite transação penal Art. 351, § 1º e § 3º Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança Art. 355, caput, e parágrafo único Patrocínio infiel Art. 356 Sonegação de papel ou objeto de valor probatório Art. 357 Exploração de prestígio Art. 359-C Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-D Ordenação de despesa não autorizada Art. 359-G Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-H Oferta pública ou colocação de títulos no mercado 220 Sandro Carvalho lobato de Carvalho TABELA DE CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO (Lei nº 10.826/2003) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, §2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO CRIME OBSERVAÇÃO Art. 12 Posse irregular de arma de fogo de uso permitido Art. 14 Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido Art. 15 Disparo de arma de fogo Art. 16, caput, e § 1º Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Não caberá ANPP se incidente o art.20, pois a pena mínima ficará superior 4 anos (art. 28- A, caput, e § 1º, do CPP). Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 221 TABELA DE CRIMES PREVISTOS NA LEI nº 11.343/2006 (LEI DE DROGAS) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, § 2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO CRIME OBSERVAÇÃO Art. 33, § 2º Participação no uso indevido de drogas Art. 33, § 4º Tráfico privilegiado Art. 34 Tráfico de maquinário para fabricação de drogas Não caberá ANPP se incidente o art.40, pois a pena mínima poderá ficar superior 4 anos (art. 28-A, caput, e § 1º, do CPP). 222 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 35 Associação para fins de tráfico Não caberá ANPP se incidente o art.40, pois a pena mínima poderá ficar superior 4 anos (art. 28-A, caput, e § 1º, do CPP). Art. 37 Colaboração como informante Art. 39, caput Condução de embarcação ou aeronave sob a influência de drogas Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 223 TABELA DE CRIMES PREVISTOS NA LEI nº 13.869/2019 (ABUSO DE AUTORIDADE) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, § 2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO-CRIME Art. 9º Art. 10 Art. 19 Art. 21 Art. 22, caput, e §1º, inciso III Art. 23 Art. 28 Art. 30 Art. 36 224 Sandro Carvalho lobato de Carvalho TABELA DE CRIMES PREVISTOS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (Lei nº 9.503/1997) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, § 2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO CRIME OBSERVAÇÃO Art. 302, caput, e § 1º Homicídio culposo na direção de veículo automotor Art. 303, §§ 1º e 2º Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor Sem a incidência dos §§ 1º e 2º, o crime do art. 303 admite transação penal Art. 306 Embriaguez ao volante Art. 308, caput e § 1º Participação em competição ou exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor não autorizada Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 225 TABELA DE CRIMES PREVISTOS NA LEI nº 9.605/1998 (CRIMES AMBIENTAIS) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, § 2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO - CRIME OBSERVAÇÃO Art. 29, § 5º Art. 30 Art. 32, §1º-A e § 2º Art. 33 Art. 34 Art. 35 Art. 38 226 Sandro Carvalho lobato de Carvalho Art. 38-A Art. 39 Art. 40 Art. 41 Art. 42 Art. 50-A Deve-se observar o § 2º, do art. 50-A Art. 54, caput, e §§ 2º e 3º Deve-se observar o art.58 Art. 56, caput, e §§ 1º e 2º Deve-se observar o art.58 Art. 61 Art. 62 Art. 63 Art. 66 Art. 67, caput Art. 68 Art. 69 Art. 69-A Deve-se observar o § 2º do art. 69-A Questões práticas sobre o acordo de não persecução penal 227 TABELA DE CRIMES PREVISTOS NA LEI nº 8.666/1993 (LEI DE LICITAÇÕES) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, § 2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO - CRIME Art. 89 Art. 90 Art. 92 Art. 94 Art. 96 228 Sandro Carvalho lobato de Carvalho TABELA DE CRIMES PREVISTOS NA LEI nº 8.137/1990 (CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO) COM POSSIBILIDADE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃOPENAL – ANPP (em vista da pena mínima cominada) Observações: * A tabela contempla os crimes com pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes dolosos perpetrados com violência ou grave ameaça à pessoa não constam na presente tabela (art. 28-A, caput, do CPP); * Os crimes de competência do Juizado Especial Criminal também não constam na presente tabela (art. 28-A, §2º, I, do CPP); * Para o cabimento do ANPP outros pressupostos devem estar preenchidos (art. 28-A, caput, do CPP), sobretudo se é ou não o ANPP necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. ARTIGO CRIME OBSERVAÇÃO Art. 1º Supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório Art. 3º Crimes funcionais contra a administração fazendária Art. 4º Crimes contra a ordem econômica Art. 7º Crimes contra as relações de consumo Este livro foi composto na tipologia Times New Roman, em corpo 11, impresso em papel offset 24kg, capa em papel cartão supremo 250g, pela Facilita Gráfica Digital Ltda - São Luís/MA.