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1 Percepções e Reflexões de Pesquisadores – Uma Abordagem sobre Ética na Pesquisa Autoria: Ana Patricia Rodrigues Leite, Mauro Lemuel Alexandre, Marli de Fátima Ferraz da Silva Tacconi, Maria Valéria Pereira de Araújo Resumo A ética é um tema que suscita debates, dilemas e diferentes abordagens teóricas. Constitui-se em uma preocupação antiga do homem. O presente artigo trata-se de uma abordagem de cunho qualitativo que busca conhecer as percepções dos pesquisadores sobre a ética no processo de pesquisa. Como objetivo geral da pesquisa, buscou-se conhecer as percepções dos pesquisadores estudados a respeito da ética na pesquisa. Como objetivos específicos têm-se: identificar a percepção dos respondentes quanto ao que consideram ser ética na pesquisa; conhecer os aspectos mais importantes que norteiam a ética na pesquisa, na percepção dos pesquisados; levantar a percepção dos respondentes sobre a conduta ética do pesquisador em cada etapa do processo de pesquisa; conhecer os dilemas éticos que mais acometem os pesquisadores estudados durante cada etapa do processo de pesquisa e identificar como o respondente avalia as normas de conduta ética. Teoricamente, parte-se da visão de Brown (1993), que propõe que a ética é um processo, ou seja, em vez de ver a ética como um conjunto de regras ou punições, ou mesmo um código, com seus parâmetros, delimitando espaços, o autor define a ética como o processo de decidir o que deve ser feito. Considera-se a colocação de Creswell (2007), que afirma que as questões éticas devem ser consideradas e refletidas em todo o processo de pesquisa. Também destaca-se a abordagem de Resnick (2008), que enfoca a importância de se respeitar as normas éticas em pesquisa. Decidiu-se assim, dar continuidade a uma pesquisa quantitativa feita com pesquisadores em Administração da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) sobre a ética na pesquisa e apresentada no EnANPAD (Encontro da Asssociação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração), em 2009. Sendo que o presente estudo aborda a questão da ética na pesquisa dentro de uma perspectiva qualitativa. Os sujeitos da pesquisa foram dez pesquisadores com trabalhos apresentados e publicados em evento científico nacional (33o. EnANPAD), na divisão acadêmica “Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade – EPQ” e que consentiram em participar da pesquisa. A partir das respostas, foram desenvolvidas análises de conteúdo, a fim de aprofundar a discussão sobre a dimensão ética no processo de pesquisa, de forma a representar contribuição empírica relevante na discussão do conhecimento sobre a ética na pesquisa científica. Com relação às percepções e reflexões dos pesquisadores estudados, sobre o tema ética na pesquisa, os resultados mostram que os respondentes relacionam a ética na pesquisa ao compromisso moral do pesquisador e também ao respeito às normas éticas. Constata-se, com relação aos dilemas éticos dos pesquisadores, que há uma grande preocupação quanto à conduta ética no que tange as questões de plágio nas pesquisas científicas e quanto ao anonimato dos respondentes. Conclui-se que a significativa maioria dos pesquisadores não conhece códigos de ética na pesquisa, mas os pesquisadores estudados acreditam ser fundamental a discussão, elaboração, divulgação e aplicação de códigos de conduta ética no processo de pesquisa. 2 1. Introdução A ética é um tema que suscita debates, dilemas e diferentes abordagens teóricas. Constitui-se em uma preocupação antiga do homem. Desde o surgimento da filosofia, a ética vem sendo abordada com ênfase. Atualmente, está no centro dos debates sobre os limites da ciência. E esses debates envolvem os pesquisadores, as organizações, os cidadãos em geral, os juristas, os religiosos, os profissionais de diversas áreas e as comunidades científicas. Conforme Hutz (2008), até muito recentemente, não havia, no Brasil, uma preocupação institucional com os aspectos éticos da pesquisa. O pesquisador era o único árbitro da adequação ética de sua pesquisa, a sociedade concedia licença total a seus cientistas para experimentar e pesquisar em seres humanos das formas que julgassem apropriadas ou necessárias. Porém, dentro do processo de elaboração da pesquisa um ponto muito importante é a ética na pesquisa, que visa assegurar que ninguém seja prejudicado ou sofra conseqüências adversas por causa das atividades de investigação. (Cooper & Schindler, 2003). Na visão de Paiva (2005), devido à imprevisibilidade das conseqüências de uma investigação, é imperativo que a ética esteja sempre presente na elaboração de um projeto de pesquisa, sobretudo, quando esta lida com seres humanos. Como a pesquisa científica abrange pesquisadores e pesquisados, surgiu o interesse sobre o debate que envolve a responsabilidade ética do pesquisador e sua visão sobre as premissas éticas que envolvidas em um processo de pesquisa. Dessa forma, este trabalho dá continuidade a uma pesquisa quantitativa aplicada anteriormente, junto a pesquisadores em Administração da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) sobre a ética na pesquisa, e apresentada no EnANPAD - Encontro da Asssociação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, em 2009. Sendo que a presente pesquisa aborda de forma qualitativa o tema ética na pesquisa, enfocando pesquisadores que apresentaram trabalhos na divisão “Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade – EPQ”, no 33o. EnANPAD, em 2009. Nesse sentido, apresenta-se o seguinte problema da pesquisa: Quais as percepções dos pesquisadores estudados sobre a ética na pesquisa? Como objetivo geral da pesquisa, pretendeu-se, com o presente estudo, “Conhecer as percepções dos pesquisadores estudados a respeito da ética na pesquisa”. Como objetivos específicos têm-se: identificar a percepção dos respondentes quanto ao que consideram ser ética na pesquisa; conhecer os aspectos mais importantes que norteiam a ética na pesquisa, na percepção dos pesquisados; levantar a percepção dos respondentes sobre a conduta ética do pesquisador em cada etapa do processo de pesquisa; conhecer os dilemas éticos que mais acometem os pesquisadores estudados durante cada etapa do processo de pesquisa e identificar como o respondente avalia as normas de conduta ética (códigos de ética na pesquisa científica). A partir dos objetivos apresentados, apresentam-se, a seguir, os pressupostos teóricos sobre o tema “ética na pesquisa”. 2. Ética na Pesquisa: Algumas Considerações Na tentativa de compreender, inicialmente, o tema “ética”, serão expostas algumas definições e conceitos, alicerçados em abordagens de diversos teóricos. Conceituar ética não é uma tarefa simples, considerando-se que este campo de estudo é bastante complexo. A partir dessa abordagem inicial, serão feitas considerações sobre ética na pesquisa. Parte-se então da afirmação de Brown (1993), que propõe que a ética é um processo, ou seja, em vez de ver a ética como um conjunto de regras ou punições, ou mesmo um código, com seus parâmetros, delimitando espaços, o autor define a ética como o processo de decidir o que deve ser feito. Brown (1993) entende que, no lugar de dizer às pessoas o que é certo, deve-se ensiná-las a descobrir o que é certo, para que encontrem o caminho, sozinhas. 3 Srour (2000), que coloca que a ética estuda as morais históricas, as relações e as condutas dos agentes sociais. O referido autor discute então o que é a moral, ou seja, um conjunto de valores e regras de comportamento, um código de conduta que coletividades adotam. Chaui (2006) complementa afirmando que pode-se dizer que a ética é o estudo dos valores, e portanto que a ética é a reflexão sobre a moral. A reflexão sobre as normas, regras, leis e comportamentos, que formam amoral efetiva, dá-se o nome de ética. Desde o surgimento da filosofia, a ética vem sendo abordada com ênfase. Etimologicamente, a palavra ética tem sua origem no termo grego ethos, que por sua vez significa modo de ser, caráter. Por sua vez a palavra moral deriva do latim, mais precisamente do termo mos (singular) e mores (plural), significando costumes. (Polli & Vares, 2008). Já segundo Daft (2005) é difícil definir ética precisamente. De maneira geral, ética é o código de princípios morais e valores que governam os comportamentos de uma pessoa ou grupo com respeito ao que é certo ou errado. A ética estabelece padrões sobre o que é bom ou ruim na conduta e na tomada de decisão. Srour (2000) discorre sobre duas correntes teóricas sobre ética: ética da convicção e ética da responsabilidade. E coloca que as duas correntes enfocam tipos diferentes de referenciais morais – prescrição versus propósitos – e configuram dois modos de decisão. Os agentes guiados pela ética da convicção seguem os imperativos da consciência, já os que se orientam pela ética da responsabilidade, guiam-se por uma análise de riscos. O referido autor coloca que, nas duas correntes éticas fazem-se escolhas, porque em ambas a adesão a um curso de ação depende da concepção de mundo que os agentes têm ou da sua consciência da necessidade. Na ética da convicção não há aferição dos efeitos a serem gerados, há uma obediência a valores, as escolhas derivam de pressupostos e são dedutivas. Na ética da responsabilidade, os adeptos seguem duas etapas: primeiro refletem sobre os fatos e as condições presentes e, depois, deliberam. A legitimação das decisões calca-se num pensamento indutivo. (Srour, 2000). Na visão de Jobim (2003), a ética sempre foi uma disciplina filosófica, mas há algum tempo perdeu a característica de um estudo exclusivamente teórico. No mundo moderno é crucial entender como as premissas éticas podem ser colocadas em prática pelas organizações e pesquisadores no seu dia-a-dia, especialmente em relação aos públicos interessados. Não existem verdades absolutas ou exatas em matéria de ética. Por isso, a reflexão permanente é necessária. (Moreira, 2002). Para Cooper e Schindler (2003) a ética pode ser definida como normas ou padrões de comportamento que guiam as escolhas morais referentes ao comportamento de cada um e a relação com as outras pessoas. Apesar da questão ética não ser recente, continua um problema atual na busca pela ciência. Relacionando a ética com a ciência, vale ressaltar que, se a pesquisa científica envolve pesquisadores e pesquisados, pesquisadores e participantes, conforme coloca Paiva (2005), é importante que a ética conduza as ações de pesquisa, de modo que a investigação não traga prejuízo para nenhuma das partes envolvidas. Matheus (2008), analisando também a relação entre ética e ciência, discute que, ora aproximando-se, ora afastando-se, ética e ciência vivem, no mundo atual, uma fase de profunda exigência de reaproximação. O autor coloca que houve tempos em que estiveram separadas. Foram épocas em que os cientistas invocavam para si a liberdade de pesquisar sem estarem atados a normas ou limitados por qualquer tipo de censura que cerceasse sua liberdade para ampliar os horizontes do conhecimento. Passaram a repelir qualquer critério normativo externo à sua conduta, atribuindo caráter “a-ético” ao trabalho científico. Nos tempos atuais, esta independência da ciência passou a ser questionada. Mais recentemente, os próprios cientistas passaram a reduzir essa distância. Não bastou notar que 4 há um fundamento ético na busca do conhecimento e na necessidade de aproximação da verdade. Surgiu também a noção de que não se pode ser verdadeiro e injusto, do mesmo modo que não se pode ser falso, mas justo. (Matheus, 2008). Tais abordagens remetem à importância da ética na ciência, no sentido de discutir parâmetros éticos para a decisão de o que pesquisar, como pesquisar (conduta ética no processo de pesquisa) e como apresentar e utilizar os resultados da pesquisa, através do debate ético e da identificação dos interesses que orientam a pesquisa. Por muito tempo a atividade de pesquisa foi considerada isenta de considerações de ordem ética. A neutralidade do pesquisador era exigência inexorável e a confiabilidade dos resultados se depreendia da capacidade de se descolar de seus valores para se ater exclusivamente ao rigor do método. Assim, da pesquisa se cobrava tão-somente a observância rigorosa dos métodos e procedimentos, abstraídas as conseqüências da aplicação de seus resultados. Desde que "científico", o conhecimento gerado legitimava-se, e o pesquisador poderia ter certeza de servir à causa nobre do progresso da ciência. Na linguagem corrente, "pesquisa" tornou-se denominação genérica para a coleta de dados e produção de informações em áreas variadas. A atividade tem sido valorizada mais pela "confiabilidade" das fontes e rigor dos métodos de coleta, tratamento e análise do que pelas conseqüências e usos possíveis dos resultados produzidos. (Campos & Costa, 2008, p.38). Em outra linha de pensamento, diferente a visão de Brown (1993), apresentada anteriormente, Churchill e Peter (2005) acreditam que a relação entre pesquisador e participantes deve ser mantido dentro de rígidos limites éticos e que para desenvolver, de forma ética, uma investigação é necessário que o respondente não possa sofrer nenhum dano físico, desconforto, dor, embaraço ou perda de privacidade. O ato de planejar uma atividade de pesquisa é imprescindível para a manutenção da integridade moral. Os pesquisadores devem identificar os modos como a privacidade poderia ser invadida e evitar que isso aconteça. Portanto, uma pesquisa responsável é a que se antecipa aos possíveis problemas éticos e não aquela que se justifica posteriormente a realização da investigação. (Churchill & Peter, 2005). Fundamentando-se em outras pesquisas, Santos e Silva Neto (2000), colocam que os casos de má conduta ética dos pesquisadores podem ser resultantes das motivações e ambições dos pesquisadores frente ao sistema competitivo no qual se realiza a atividade científica e frente à ideologia do sucesso, ocasionando a fabricação de dados, fraudes, plágio dentre outros que podem não ser percebidos pelo público em geral, mas que prejudicam a própria ciência; ou ainda, pela necessidade de originalidade que faz com que o cientista por puro orgulho gere disputas, rivalidade e até mesmo o roubo de idéias. Conforme Cooper e Schindler (2003), a pesquisa ética exige integridade pessoal do pesquisador, do coordenador do projeto e do patrocinador da pesquisa, remetendo a questão ao indivíduo, as pessoas, que são subjetivos. As pessoas que integram uma organização, uma sociedade, ou uma comunidade científica possuem formações culturais e científicas diferentes, experiências sociais diversas e opiniões distintas sobre os fatos da vida. Por isso, os códigos de ética têm a missão de padronizar e formalizar o entendimento sobre um assunto (Moreira, 2002). Nesta mesma visão, Cooper e Schindler (2003), colocam que de forma geral o pesquisador profissional deve desenvolver e seguir um código de ética, com padrões que regulem sua atividade, permita a proteção aos interesses públicos e de sua profissão, adequando o comportamento e principalmente que seja aplicável a prática investigativa. Creswell (2007) coloca que as questões éticas devem ser consideradas e refletidas em 5 todo o processo de pesquisa. Kennedy (2006) considera que a integridade da pesquisa inclui a incorporação de códigos de ética pessoais e profissionais no projeto de pesquisa, e também inclui aderir a estes códigos enquanto o estudo é realizado. A autora coloca que a forma como são interpretadas as questões éticas na pesquisa pode ser intensamente pessoal,ou seja, é uma área complexa e muitas vezes ambígua. A elaboração de pesquisas científicas em organizações deve ser algo que adicione valor ao corpo do conhecimento. Uma pesquisa acadêmica em gestão é um assunto filosófico que inclui a questão de como pesquisar, requerendo dos pesquisadores, um entendimento da natureza dos processos necessários para a criação do conhecimento, com a utilização de uma abordagem de pesquisa que seja sólida. O problema é que o processo de condução de uma pesquisa é altamente subjetivo. (Remenyi, Williams, Money, & Swartz, 1998). O assunto da responsabilidade ética do cientista e as reflexões sobre o impacto da ciência e da tecnologia sobre a vida social e sobre o ser humano não é algo moderno. Contudo, foram os efeitos catastróficos do progresso da técnica e da ciência após a primeira guerra mundial e no período entre ela e a segunda guerra mundial que trouxeram à tona a importância de refletir sobre a responsabilidade do cientista. (Santos & Silva Neto, 2000). As primeiras normas éticas formais surgiram com o Código de Nuremberg, em 1947, em resposta às atrocidades da experimentação médica dos nazistas. Foi o primeiro documento ético internacional contendo preceitos disciplinadores às atividades científicas, e que passou a requerer dos pesquisadores: o consentimento livre do sujeito na pesquisa, a redução de riscos e incômodos, a possibilidade de revogação de autorização pelo sujeito, a proporcionalidade entre riscos e benefícios, a obrigatoriedade de pesquisa prévia em animais etc. Assim, tais preceitos buscaram resgatar alguns referenciais mínimos para um agir ético marcando, portanto, o nascimento da primeira norma de ética aplicada. (Lino, 2008; Hutz, 2008). Em 1964, foi assinada a Declaração de Helsinque, que propunha a criação e implantação de Comitês de Ética em Pesquisa, o que foi incluído na quase totalidade dos Códigos e Normas de Pesquisa em Saúde. A partir da Declaração de Helsinque vários órgãos oficiais dos principais centros envolvidos em pesquisas redigiram normas e diretrizes próprias. (Greco & Mota, 1998). Nos anos seguintes, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, surgiram e se consolidaram vários códigos e normas legais para pesquisa com seres humanos nos Estados Unidos, Canadá e Europa (Hutz, 2008). Inicialmente, a preocupação ética recaia sobre as práticas de pesquisa de experimentação com seres humanos e só depois do final dos anos sessenta e durante os anos setenta é que surgem novas preocupações e contestações da sociedade quanto aos efeitos das pesquisas sobre a humanidade. (Santos & Silva Neto, 2000). No Brasil, a primeira diretriz específica sobre pesquisas em seres humanos foi a Resolução n° 1 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão ligado ao Ministério da Saúde, de 13/6/1988. Essa diretriz imputa ao Ministério da Saúde a responsabilidade de emissão das normas técnicas para a realização de pesquisas para a saúde e determinar a periodicidade e as características da informação sobre a pesquisa. Seguindo em linhas gerais as diretrizes internacionais já estabelecidas. (Greco & Mota, 1998). Essa primeira regulamentação brasileira com relação à ética na pesquisa com seres humanos representou um importante avanço, embora seu alcance aparentemente tenha se limitado a alguns hospitais, especialmente os ligados às universidades, que estabeleceram comissões de ética para avaliar projetos de pesquisa. (Hutz, 2008). Ainda conforme a referida autora, até muito recentemente, não havia, no Brasil, uma preocupação institucional com os aspectos éticos da pesquisa. O pesquisador era o único árbitro da adequação ética de sua pesquisa. A sociedade concedia licença total a seus cientistas para experimentar e pesquisar, em seres humanos da forma que julgassem apropriadas ou necessárias. 6 A Resolução n° 1/1988, do CNS, após amplos debates com as comunidades científicas e a sociedade civil - foi reformulada em 1996, tornando-se a Resolução n° 196/96, do CNS. Foram mantidos os mesmos princípios da precedente, fundamentando-se nos principais documentos internacionais sobre pesquisas envolvendo seres humanos e na legislação brasileira a respeito. (Greco & Mota, 1998). E a partir da Resolução n° 196/96, foi criada a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com constituição designada pela Resolução nº 246/97, com a função de implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Tem função consultiva, deliberativa, normativa e educativa, atuando conjuntamente com uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam. A CONEP e os CEPs têm composição multidisciplinar com participação de pesquisadores, estudiosos de bioética, juristas, profissionais de saúde, das ciências sociais, humanas e exatas e representantes de usuários. (CONEP, 2008). A referida resolução (n°. 196/96) incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, quatro referenciais básicos da ética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado (CNS, 2008). Na referida resolução, que trata dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, é colocado que a eticidade da pesquisa implica em: a) Consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade; b) Ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos; c) Garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência); d) Relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis; o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade). A Resolução nº 196/96 caracteriza uma pesquisa como ética, também pela sua relevância social, preservando o sentido de sua destinação sócio humanitária. A resolução ainda determina que, as pesquisas em comunidades, sempre que possível, deverão traduzir-se em benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão e assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa. (CNS, 2008). Tacsan (2003), por sua vez, destaca alguns princípios da ética na pesquisa: o princípio de beneficência - tange a obrigação de reunir os esforços de modo a garantir o bem-estar ao sujeito da investigação, além do dever de maximização dos benefícios prováveis, e minimização no caso de possíveis danos; o princípio de justiça - evoca o amparo a grupos culturais e sociais, raciais e étnicos; o princípio de segurança - visa à garantia de que o trabalho não causará qualquer dano aos envolvidos; e o princípio do consentimento informado - visa a garantir que o sujeito da pesquisa esteja consciente de cada uma das etapas do trabalho investigativo e que poderá ser interrompido sob controle e, se isso ocorrer, estará o sujeito da pesquisa devidamente apto a desvincular-se livremente do processo investigativo. Na visão de Resnick (2008) existem várias razões que demonstram a importância de se respeitar as normas éticas em pesquisa, e destaca que, as normas promovem os objetivos da pesquisa, tais como o conhecimento e a verdade, de forma a ser evitado o erro. Como7 exemplo, o autor cita que as proibições quanto à falsificação ou adulteração de dados da pesquisa promovem a verdade e evitam o erro ou fraude. O autor destaca ainda que, a pesquisa envolve, muitas vezes, grande cooperação e coordenação entre diferentes pessoas, em disciplinas e instituições distintas, e assim os padrões éticos promovem valores que são essenciais ao trabalho em conjunto, tais como confiança, responsabilidade, respeito mútuo e justiça. A Conferência Mundial da Unesco de 1999, em Budapeste, Hungria, na sua declaração final, recomenda: "Todos os cientistas devem se comprometer a respeitar elevados padrões éticos e um código de ética - baseado em normas relevantes espelhadas em instrumentos internacionais de direitos humanos - estabelecido por profissionais da ciência". (Pesquisa Fapesp, 2008). Porém, como salientam Polli e Vares (2008), a ética de um profissional, tal como o pesquisador, não pode ser reduzida aos códigos de ética, que na verdade constituem códigos morais, mas deve ser a busca por uma reflexão crítica sobre a ação do profissional no seu espaço de trabalho, que deve fundamentar seu bem-estar e o dos outros, uma vez que o trabalho se dá por uma relação. A ética como reflexão crítica ajuda a analisar os fundamentos morais que norteiam as ações de cada pesquisador ou profissional. (Polli & Vares, 2008). A seguir os procedimentos metodológicos que fundamentam o presente trabalho de pesquisa. 3. Procedimentos Metodológicos O método de pesquisa que foi adotado no presente estudo trata-se do método exploratório (Selltiz & Cook, 1976), com uma abordagem essencialmente qualitativa, que deu continuidade a uma pesquisa quantitativa elaborada, em 2008, a partir do levantamento feito com pesquisadores em Administração da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) sobre a ética na pesquisa. Para atender melhor o objetivo da pesquisa, o presente estudo adotou a seguinte combinação de métodos para aquisição de conhecimentos: a) Revisão da literatura com vistas ao objeto de estudo, objetivando formar um marco teórico e clarificar conceitos relacionados à ética na pesquisa; b) Consulta aos especialistas em ética na pesquisa, visando à clarificação de conceitos, à preparação do instrumento de pesquisa e ao enriquecimento do conhecimento; c) Aplicação da pesquisa de campo junto aos pesquisadores, buscando analisar inicialmente a percepção dos mesmos quanto à ética na pesquisa. A partir de discussões ocorridas durante a apresentação, no 33o. EnANPAD (Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração), ocorrido em setembro de 2009, de um primeiro trabalho quantitativo sobre ética na pesquisa, surgiu a idéia de abordar de forma qualitativa e aprofundada o tema ética na pesquisa. Alguns debatedores, na ocasião, questionaram: “O que é ética na pesquisa?”. A partir desse questionamento decidiu-se pesquisar a percepção dos autores de trabalhos da divisão acadêmica relacionada a pesquisa. Foram coletados dados primários e secundários. A coleta de dados primários envolveu a aplicação da pesquisa de campo junto a pesquisadores selecionados, através de envio de instrumento de pesquisa, não estruturado, com cinco questões abertas, para dissertação dos respondentes. As questões abertas enfocavam os seguintes pontos: percepção dos pesquisadores sobre a ética na pesquisa; aspectos que devem nortear a ética na pesquisa; avaliação dos respondentes quanto a conduta ética do pesquisador em cada etapa do processo de pesquisa; que dilemas éticos acometem ou acometeram os pesquisadores durante um processo de pesquisa, e avaliações que os pesquisadores fazem com relação às normas de conduta ética. 8 Assim sendo, os sujeitos da presente pesquisa foram pesquisadores com trabalhos apresentados e publicados no 33º. EnANPAD, na divisão acadêmica “Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade – EPQ”, devido ao fato que essa área comporta o tema “Ética na pesquisa”. Através dos anais do referido evento, foram coletados os endereços eletrônicos dos pesquisadores da área escolhida. O envio das questões foi feito por e-mail, devido à dispersão geográfica dos sujeitos da pesquisa, distribuídos por vários estados do país. Foram enviados e- mails solicitando participação na pesquisa para 40 (quarenta) pesquisadores selecionados, sendo que 10 (dez) consentiram em participar da presente pesquisa e responderam as cinco questões abertas enviadas. As fontes de dados secundários foram: levantamento bibliográfico em livros, artigos, periódicos, sites da internet e consultas as normas éticas para a pesquisa científica. A análise dos dados levantados juntos aos pesquisadores foi essencialmente qualitativa, de forma a subsidiar e classificar as informações levantadas, o que permitiu aprofundar o conhecimento sobre o tema da ética na pesquisa. Para a abordagem qualitativa foi utilizada a análise de conteúdo, de forma a descrever os conteúdos das mensagens e permitir a inferência de conhecimentos relativos a estas mensagens. (Bardin, 1977). A análise de conteúdo foi iniciada com uma leitura preliminar de todas as colocações de cada um dos respondentes. A partir da leitura, foi possível separar as principais frases de cada questão da pesquisa e separar em grupos relacionados aos objetivos da pesquisa (percepção dos pesquisadores sobre a ética na pesquisa; aspectos devem nortear a ética na pesquisa; avaliação dos respondentes quanto a conduta ética do pesquisador em cada etapa do processo de pesquisa; dilemas éticos acometem ou acometeram os pesquisadores durante um processo de pesquisa; avaliações que os pesquisadores fazem com relação às normas de conduta ética). As categorizações das análises feitas foram elaboradas com base na extração de palavras ou conjunto de palavras consideradas mais significativas em categoria inicial, e posteriormente foram sintetizadas em categorias intermediárias, chegando-se a categoria final, que correlacionou as diversas classes encontradas criando um conceito unificado. Pretendeu-se, assim, a partir da pesquisa aplicada, procurar aprofundar a discussão sobre a dimensão ética no processo de pesquisa, de forma a representar contribuição relevante no conhecimento sobre a ética na pesquisa científica. A seguir serão apresentadas as discussões sobre as percepções dos pesquisadores sobre ética na pesquisa. 4. Percepções sobre Ética na Pesquisa A análise foi dividida em cinco partes, a primeira tratou de abordar a percepção dos pesquisadores sobre a ética na pesquisa. A segunda parte buscou levantar quais aspectos devem nortear a ética na pesquisa, na visão dos pesquisados. Já a terceira parte, apresenta como os pesquisadores avaliam a conduta ética do pesquisador em cada etapa do processo de pesquisa. A quarta parte da análise discute que dilemas éticos acometem ou acometeram, os pesquisadores durante um processo de pesquisa. E a quinta parte aborda quais as avaliações que os pesquisadores fazem com relação às normas de conduta ética (códigos de ética na pesquisa). Os sujeitos da presente pesquisa foram 10 (dez) pesquisadores com trabalhos apresentados e publicados no 33º. EnANPAD. Foram definidos, assim, números identificadores para cada pesquisador, de acordo com a ordem da devolução do instrumento de pesquisa respondido (de 1 a 10). Por exemplo, definiu-se: “Pesquisador 1”; “Pesquisador 2”, e assim sucessivamente. 9 • Percepção dos pesquisados sobre o que é ética no processo de pesquisa Primeiramente cada pesquisador foi questionado sobre a sua percepção sobre o que é ética na pesquisa. As respostas dadas pelos pesquisadores se dividiram em duas categorias de significados, descritas a seguir. a) Ética no processo de pesquisa é ter compromisso moral com todas as pessoas/instituiçõesenvolvidas diretamente ou não na pesquisa. A primeira categoria focalizou a ética na pesquisa como um compromisso moral, ou seja, a capacidade do pesquisador de responder sobre seus atos e intenções. De forma que não cometa ações que cause danos a outros. Na opinião dos respondentes, ética na pesquisa condiz com a “responsabilidade do pesquisador”, traduzindo-se em “escolhas moralmente harmônicas”, de forma a conduzir corretamente o processo de pesquisa, sem ferir a moral estabelecida. Observa-se uma possível relação com a ética da responsabilidade (Srour, 2000), que apregoa que somos responsáveis por aquilo que fazemos. A percepção de que a ética na pesquisa está relacionada com a moral, relaciona-se com as conceituações de Srour (2000) e Chaui (2006). Srour (2000) coloca que a ética estuda as morais históricas, as relações e as condutas dos agentes sociais. E na visão do autor, moral é um conjunto de valores e regras de comportamento, um código de conduta que coletividades adotam. Para Chaui (2006) a ética é a reflexão sobre a moral. Destacam-se as colocações dos pesquisadores 4 e 9, respectivamente: “Ética no processo de pesquisa diz respeito ao compromisso do pesquisador para com os pesquisados e os interessados na pesquisa”; “Ética na pesquisa é a atuação segundo parâmetros de busca da verdade e respeito com o objeto de pesquisa e com as pessoas envolvidas”. Dessa forma, pode-se discutir então, a partir da percepção dos pesquisadores estudados, que a ética na pesquisa está relacionada ao compromisso moral, ou seja, que se constitui a partir de uma reflexão sobre o conjunto de valores, regras de comportamento e código de conduta adotado por pesquisadores. b) Ética na pesquisa está relacionada ao respeito às normas éticas. A ética na pesquisa deveria ser compreendida então como o respeito às normas de conduta ética estabelecidas para os pesquisadores. O pesquisador 3 coloca que “a ética na pesquisa são princípios relacionados à dimensão social do campo da ciência, que estabelece normas pelas quais a atividade acadêmica deve ser conduzida”. O que aponta um direcionamento para uma ética da convicção (Srour, 2000), que se pauta por valores e normas previamente estabelecidos. O pesquisador 2 cita alguns princípios que acredita que devem ser seguidos pelos pesquisadores: “(...) não plagiar, citar as fontes, dar crédito a quem é de direito. Pedir autorização formal para divulgar informação alheia, mesmo quando houve um acordo tácito. Não enganar para conseguir o que se quer”. O relato a seguir também corrobora com a visão que a ética na pesquisa está relacionada ao respeito às normas. Pesquisador 6 – A ética no processo de pesquisa, na minha percepção, é respeitar diversas ‘normas’, tais como: (1) ser transparente ao descrever a metodologia e a análise dos resultados, (2) não deixar oculto nenhum resultado encontrado na pesquisa, para não haver viés nem manipulação de dados, (3) respeitar o anonimato da empresa ou pessoa na pesquisa, caso não queira ser identificada, (4) não fazer plágio em relação à pesquisa de outros autores. 10 Compro- misso moral Respeito às normas Ética Ética na pesquisa A Figura 1 ilustra as categorias relacionas às percepções dos pesquisadores quanto a ética no processo de pesquisa. Figura 1. Percepções de pesquisadores sobre a ética na pesquisa Fonte: Dados da pesquisa, 2009. • Aspectos que devem nortear a ética na pesquisa, na visão dos pesquisados A partir da análise de todas as categorias, verificou-se que os aspectos que devem nortear a ética na pesquisa referem-se aos valores pessoais, na visão dos pesquisados, e são relacionados abaixo: - Compromisso; - Integridade; - Responsabilidade; - Neutralidade; - Transparência; - Respeito; - Honestidade; - Seriedade; - Confidencialidade quando necessárias ou condicionadas. Na visão do pesquisador 7, “um princípio básico a reger as pesquisas deveria ser a produção de conhecimento, e seu compartilhamento com a comunidade científica e com a sociedade. A própria natureza da pesquisa e sua proposta estão a serviço de algo maior (...)”. • Avaliação dos pesquisados sobre a conduta ética do pesquisador em cada etapa do processo de pesquisa A maioria dos pesquisadores estudados concordou que em cada etapa do processo de pesquisa devem ser refletidos parâmetros éticos na conduta do pesquisador. Ou seja, afirmaram que em todas as etapas da pesquisa devem ser observados limites éticos, sem priorizar uma ou outra etapa do processo. O que corrobora com as colocações de Creswell (2007), que afirma que as questões éticas devem ser consideradas e refletidas em todo o processo de pesquisa. 11 Entre os pesquisadores estudados, destacam-se os discursos apresentados na Figura 2. Unidades Discursos Pesquisador 4 “Cada etapa do processo de pesquisa deve ser desenvolvida de forma neutra, sem a interferência do pesquisador nos resultados de cada uma das etapas” Pesquisador 5 “A má conduta pode aparecer em qualquer uma das diversas etapas de um processo de pesquisa” Pesquisador 6 “Cada etapa do processo de pesquisa representa um desafio ao pesquisador que precisa estar sempre se perguntando se o que está sendo feito está de forma ética e correta” Pesquisador 7 “Percebo que todo o processo de pesquisa tem ‘portas abertas’ para quem não tem escrúpulos” Figura 2. Avaliação dos pesquisados sobre a conduta ética do pesquisador no processo de pesquisa Fonte: Dados da pesquisa, 2009. O pesquisador 6 detalhou a sua avaliação quanto a conduta ética em cada etapa do processo de pesquisa: - Na etapa de definição da questão de pesquisa, o pesquisador precisa tomar cuidado em relação ao que irá explorar, não pode ser algo que represente um prejuízo para outros. - Na etapa de referencial teórico, não pode haver plágio. - Na metodologia e coleta dos dados, é preciso definir uma metodologia mais adequada para coletar esses dados e principalmente, se a pesquisa for de campo, com entrevistas. Por exemplo, respeitar quem está sendo entrevistado, respeitar a integridade dessa pessoa, sem envolvê-la em questões que possam representar para elas um prejuízo. - Na análise dos resultados e conclusões, não pode haver manipulação dos dados, é preciso ser muito transparente em tudo que está sendo feito na pesquisa. • Dilemas éticos que acometem, ou acometeram, o pesquisador durante um processo de pesquisa Com relação aos dilemas éticos que acometem ou já acometeram os pesquisadores durante um processo de pesquisa, observou-se que parte dos pesquisadores afirma não ter grandes dilemas éticos. Porém observou-se que, mesmo entre os pesquisadores que afirmam não terem dilemas éticos, há uma grande preocupação quanto à conduta ética no que tange as questões de plágio nas pesquisas científicas, pois citam o fato nas outras questões levantadas na pesquisa. Os respondentes que confirmam terem dilemas éticos, colocam a preocupação em como devem citar os autores das idéias em seus trabalhos, assim como há a preocupação em captarem de forma fiel as entrevistas aplicadas. Outros aspectos destacados foram com relação ao anonimato das pessoas ou empresas pesquisadas, e a grande preocupação da publicação de mesmo trabalho em vários periódicos e congressos. A partir de respostas dos pesquisadores em outras questões abordadas, foi possível agrupar discursos que remeteram aos dilemas e preocupações dos respondentes com a ética na pesquisa, o que está apresentado na Figura 3. 12 Unidades Discursos Pesquisador 1 Tenho a preocupação permanente de citar o autor da idéia e não simplesmente pegar a idéia dele, mudar as palavras e colocá-lasem meu trabalho como se fossem minhas. Da mesma forma, nas entrevistas, tenho a preocupação em captar o mais fielmente possível o que o pesquisado está querendo dizer. Uma dica é redigir a fala e pedir que ele confirme ou modifique segundo o que estava dizendo. Pesquisador 3 Dilemas não, mas vejo alguns problemas relacionados à falta de ética no campo: plágio; ser co-autor de um trabalho sem ter contribuído para ele; publicar o mesmo trabalho em vários periódicos e congressos; ser parcial em avaliações de artigo, avaliando o trabalho mais pela adequação ao gosto do avaliador, do que pela contribuição do trabalho; participar de vários conselhos de revistas sem contribuir em nada no processo; favorecer amigos em publicações de periódicos; usar a influência nos comitês de avaliação como moeda de troca a favores, como, por exemplo, publicar alguns artigos. Pesquisador 4 Acredito que um dos grandes dilemas é a dificuldade de conseguir alcançar resultados desejados ou dificuldade de coleta de dados, o que pode fazer com o que o próprio pesquisador "informe" esses dados. Pesquisador 6 A maior dificuldade que tenho é como ao descrever um caso de uma empresa ou entrevistas com pessoas que não podem ser identificadas, como evitar dar pistas ao longo do texto que possam identificar quem é a empresa, por exemplo. Pesquisador 7 O desejo por resultados de curto prazo, produzem plágio de idéias, de estruturas textuais, e até de trabalhos inteiros. Quantos professores são cobrados por publicações? Esse dilema, tão discutido, provoca o fenômeno da “multiplicação” de pesquisas: um mesmo artigo é reescrito em 3 ou mais formatos e publicados com nomes diferentes, em diferentes eventos. Pesquisador 8 Por enquanto, o único dilema foi em relação aos temas investigados e às teorias que os embasam, visto que no campo da Administração a lógica instrumental e de mercado acaba influenciando nos modos de analisar os objetos de estudo. Pesquisador 9 Divulgação de nomes de pessoas ou empresas pesquisadas. Divulgação de dados confidenciais, sigilosos. Pesquisador 10 Problemas de co-autoria Quebra de confidencialidade do entrevistado ao seu chefe Divulgação do nome da organização sem o consentimento Uso das informações para uso comercial Ausência de retorno ao entrevistado, para mostrar qual foi o resultado final da entrevista Figura 3. Percepções sobre os dilemas éticos que acometem o pesquisador no processo de pesquisa Fonte: Dados da pesquisa, 2009. Constata-se assim que, os principais dilemas ou problemas éticos que os pesquisadores estudados observam estão relacionados com as questões de plágio de idéias e/ou estruturas textuais (questão de autoria); fraude/manipulação de resultados; publicação repetida de mesmo trabalho (questão de ineditismo), como também as questões de anonimato dos pesquisados e confidencialidade dos dados. 13 • Avaliação dos pesquisadores com relação as normas de conduta ética (Códigos de ética na pesquisa) Constatou-se que, a grande maioria dos pesquisadores estudados afirma não conhecer códigos de ética na pesquisa, mas os pesquisadores acreditam ser fundamental a discussão, elaboração, divulgação e aplicação de códigos de ética no processo de pesquisa. O caso abaixo relatado por um dos respondentes exemplifica como há um desconhecimento da resolução 196/96 (resolução que indica as normas éticas nas pesquisas que envolva seres humanos no Brasil, e engloba todas as áreas de conhecimento, e não apenas a área médica). Na minha experiência como pesquisadora, não conheço nenhuma norma de conduta ética em pesquisa. Aliás, uma única vez, uma pessoa a quem pedimos para responder um questionário sobre motivação no trabalho do professor, recusou-se a respondê-lo. Para esta pessoa, o questionário deveria ser submetido ao comitê de ética da universidade. Na universidade não havia este comitê e na cidade que moro, apesar de duas universidades e diversas faculdades, só há um comitê de ética para pesquisa com seres humanos, mas na área médica, o que não era o caso. Antes de prosseguir com a pesquisa, usei o bom senso e pedi a alguns colegas do meu grupo de pesquisa que dessem uma olhada no questionário que havia sido formulado por um orientando, para verificar se havia alguma pergunta que feria ‘a questão ética’. Como não foi apontado nada neste sentido, prosseguimos com a pesquisa. (Pesquisador 1) Um dos pesquisadores afirma que acha “fundamental a existência de um código de ética para guiar os pesquisadores, já que é um tema de extrema importância e não pode ser ignorado nunca”. Enquanto que o pesquisador 7 colocou que, “Posso ser honesta? Não me lembro de ter lido algum código de ética na pesquisa. Se existem, não sei nem onde localizá- los... Depois dessa entrevista, vou buscar algo, porque fiquei um pouco constrangida com esse fato...”. A seguir serão apresentadas as considerações finais do presente estudo. 5. Considerações Finais A busca em conhecer as percepções dos pesquisadores estudados sobre o tema ética na pesquisa, a partir de uma perspectiva qualitativa, se revelou um processo estimulante e aprofundado. Verificou-se que há uma grande preocupação com alguns princípios éticos voltados à pesquisa científica, como também observam-se posturas críticas, por parte dos respondentes, com relação a conduta ética de pesquisadores, no contexto atual. Como coloca Paiva (2005), ainda que não exista uma abordagem única para a ética, considerando-se que o senso de moral é diverso e problemático, parece relevante caminhar em direção a um consenso entre os pesquisadores sobre o que “se pode fazer em pesquisa”, dentro de uma postura responsável e íntegra. Com relação à percepção dos pesquisadores estudados sobre o tema ética na pesquisa, pode-se concluir que os respondentes relacionam a ética na pesquisa ao compromisso moral do pesquisador e também ao respeito às normas éticas, e essas categorias refletem as percepções dos pesquisadores a respeito do que é ética na pesquisa. Destacando-se as conceituações dos pesquisados: “Ética no processo de pesquisa é ter compromisso moral com todas as pessoas/instituições envolvidas diretamente ou não na pesquisa” e “Ética na pesquisa está relacionada ao respeito às normas éticas”. Alguns aspectos foram destacados como norteadores da ética em um processo de pesquisa, que são: Compromisso; Integridade; Responsabilidade; Neutralidade; Transparência; Respeito; Honestidade; Seriedade e confidencialidade quando necessárias ou 14 condicionadas. Na visão dos pesquisadores estudados, o que norteia a ética na pesquisa são valores pessoais, que irão definir uma conduta ética na pesquisa. Na percepção dos pesquisadores, em cada etapa do processo de pesquisa devem ser refletidos parâmetros éticos na conduta do pesquisador. Em todas as etapas da pesquisa devem ser observados limites éticos, sem priorizar uma ou outra etapa do processo. O que condiz com a visão de Creswell (2007), que afirma que as questões éticas devem ser consideradas e refletidas em todo o processo de pesquisa. O que vem a sinalizar a importância de uma postura reflexiva e crítica por parte dos pesquisadores. Com relação aos dilemas éticos dos pesquisadores, há uma grande preocupação quanto à conduta ética no que tange as questões de plágio nas pesquisas científicas, anonimato dos respondentes, manipulação de resultados e publicação de mesmo artigo em periódicos distintos. A grande maioria dos pesquisadores não conhece códigos de ética na pesquisa, mas constata-se que os pesquisadores estudados acreditam ser fundamental a discussão, elaboração, divulgação e aplicação de códigos de ética no processo de pesquisa. Como abordagem inicial sobre a percepção de pesquisadores sobre o tema “ética na pesquisa”, pode-se afirmarconclusivamente que há um significativo caminho para as discussões teóricas e práticas sobre o tema. O estudo da ética na pesquisa carece de maior aprofundamento e conhecimento da sua importância por parte da comunidade acadêmica. Referências Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo (3a ed.). Lisboa: Edições 70. Brown, M. T. (1993). Ética nos negócios. São Paulo: Makron Books. Campos, A. M. de S. M., & Costa, I. de S. A. (2007). Espaços e caminhos para a pesquisa em administração: estimulando a prática da reflexividade. Revista de Administração Pública, 41(1), Rio de Janeiro, 37-48. Chaui, M. (2006). Convite à Filosofia (13a ed.). 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