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O Sujeito no Labirinto Um Ensaio Psicológico INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS O Sujeito no Labirinto Um Ensaio Psicológico José Antônio Damásio Abib ESETec 2007 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Copyright © desta edição: ESETec Editores Associados, Santo André, 2007. Todos os direitos reservados Abib, J.A.D. O sujeito no labirinto - um ensaio psicológico. José Antônio Damásio Abib, 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2007. 82p. 21cm 1. Filosofia da Psicologia 2. Psicologia e Pós-modernismo 3. Psicologia do Comportamento CDD 155.2 CDU 159.9.019.4 ISBN 85 88303 82 - 5 ESETec Editores Associados Capa: Diva Benevides Pinho (acrílico sobre tela) www.divabenevidespinho.ecn.br Solicitação de exemplares: eset@uol.com.br Trav. João Rela, 120 B - Vila Bastos - Santo André - SP CEP 09041-070 Tel. 4990 56 83/ 4438 68 66 www. esetec. co m. br INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS http://www.divabenevidespinho.ecn.br mailto:eset@uol.com.br Sumário A p re se n ta çã o 7 P re fá c io 9 Introdução: Do Sujeito na Psicologia ao Sujeito Pós-Moderno 11 I - O Sujeito na Psicologia 15 1. W. Wundt: O Sujeito como Experiência............... 1 q 2. W. James: O Sujeito como Consciência.......... 22 3. G. H. Mead: O Sujeito como Consciência Social 28 4. B. F. Skinner. O Sujeito Verbal.......................... 34 5. B. F. Skinner: O Sujeito Ético............................... 38 6. Um Balanço......................................................... 41 II - O Sujeito Pós-Moderno 43 7. A Morte do Sujeito.................................................. 44 8. Psicologias Modernas do Sujeito....................... 49 9. O Sujeito Interior................................................... 52 10. Linguagem e Sujeito........................................... 55 11. Identidade Social................................................ 58 12. Diversidade Cultural............................................ 61 13. Nota..................................................................... 66 14. O Adeus à Cultura da Identidade...................... 68 15. Psicologia e Filosofia do Sujeito........................ 71 16. Sujeito, Individualismo e Ética ....................... 73 17. O Sujeito e 0 Labirinto..................................... 76 R e fe rê n c ia s ........................................................... 78 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Apresentação O Sujeito no Labirinto é o título provocativo do novo livro do Prof. José Antonio Damásio Abib, que tenho a honra de apresentar. Labirintos trazem aos psicólogos a lembrança dos instrumentos de investigação do comportamento animal que serviram de base a tantas teorias psicológicas, particularmente da primeira metade do século passado. Mas para um conhecedor de literatura como o Prof. Abib, apreciador dos escritos de Jorge Luis Borges (não mencionado diretamente neste ensaio, mas cuja presença me parece sensível, escondida talvez atrás de algum espelho), o labirinto é mais ainda literário e filosófico, como os de Borges e Umberto Eco. O que se pode encontrar nesse labirinto o leitor descobrirá ao percorrer o texto do Prof. Abib, mas ele pode ficar seguro de que, mesmo que o labirinto não tenha um centro ou uma saída, guiado pela mão segura do autor, o leitor não ficará perdido. Trata-se, sem dúvida, de um livro suficientemente claro numa primeira leitura atenta, mas também bastante rico para releituras e para despertar o interesse pela leitura dos pensadores que nele são tratados, desde os autores pós-modernos que tratam da noção de sujeito até os esquecidos clássicos da psicologia, nos quais o Prof. Abib encontra antecipações deste pensamento. Quem sabe até o leitor não vá mais querer sair do labirinto, buscando também os autores, tanto recentes quanto clássicos, a cuja leitura ou releitura esse livro nos introduz e nos convida. O autor observa que os pensadores clássicos da Psicologia abordados em seu estudo pouco freqüentam as salas de aula dos cursos de Psicologia em nosso país ou, quando o fazem, são pouco compreendidos. Infelizmente, essa negligência em relação aos clássicos não significa uma cobertura mais aprofundada dos autores atuais. Muito pelo contrário, no início do Século XXI, penso que o ensino da Psicologia em nosso país ainda se concentra, freqüentemente, em temas da primeira metade do século passado. Assim, esse fivro, além de instigante e provocativo para os professores e profissionais da Psicologia, Filosofia e áreas afins, certamente constituirá também material valioso para nossos cursos de graduação e pós- graduação. E faz-se necessário também agradecer ao autor pelo prazer que a leitura de seu texto proporcionou. Júlio César Coelho de Rose Professor Titular do Departamento de Psicologia da UFSCar INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Prefácio Este livro tem três propósitos. Primeiro, fazer o esboço de uma psicologia do sujeito. Segundo, fazer o esboço de um discurso pós- moderno sobre o sujeito. Terceiro, fazer um esboço do encontro dessa psicologia com esse discurso. A psicologia do sujeito apresentada neste ensaio fundamenta-se não só em autores que são autênticos clássicos, como Wilhelm Wundt, William James e George Herbert Mead, que dificilmente freqüentam as salas de aula da psicologia, mas também em um autor que reiteradamente é acusado de promover precisamente uma psicologia sem sujeito: Burrhus Frederic Skinner. O discurso pós-moderno apresentado nesse ensaio toma como ponto de partida a declaração, paradoxal à primeira vista, da morte do sujeito. De um lado, foram tais constatações - estranhas - que deram origem a esse livro. Com efeito, como psicologias do sujeito, com tonalidades tão originais, como as dos clássicos da psicologia, não freqüentam as salas de aula da disciplina? Como uma psicologia complexa e atual do sujeito, como a de Skinner, é ignorada por seus detratores e até mesmo por seus defensores? Como a crítica pós-moderna constrói teorias do sujeito ao mesmo tempo em que declara a sua morte? De outro lado, vários acasos deram origem a esse livro. Na verdade, foram eles que me permitiram perceber todo esse conjunto de estranhezas. Durante longos anos minha experiência como professor das disciplinas epistemologia da psicologia e história da psicologia na Universidade Federal de São Carlos - SP conduziu-me aos textos de Wundt, James, Mead e Skinner. Tive também a oportunidade de desenvolver, por um período de dois anos, de 1989 a 1991, um projeto de pós-doutorado com o Dr. Steinar Kvale na Universidade de Aarhus na Dinamarca. Centrado na psicologia do sujeito, esse projeto foi estimulado pelo professor Kvale com a finalidade de contemplar o discurso pós- moderno sobre a morte do sujeito. Desde então, desde as minhas conversas com o professor Steinar, minhas reflexões sobre o sujeito ganharam ao longo desses anos a INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antonio OamAsio Abib perspectiva da crítica pós-moderna, que, ao fim e ao cabo, é umade sujeito ético. É melhor começar dizendo que provavelmente todo ou quase todo o comportamento humano é verbal. Essa característica do comportamento humano deve-se à definição de comportamento verbal apresentada por Skinner em seu livro Comportamento verbal, de 1957. Verbal é o comportamento que é modelado e mantido por conseqüências mediadas, ou que é efetivo somente através da mediação de outras pessoas. Não-verbal é o comportamento que é modelado e mantido por conseqüências não-mediadas, ou que é efetivo sem envolver a mediação de outras pessoas. É possível com um gesto, com uma expressão facial ou corporal, com um comportamento vocal ou escrito, produzir conseqüências efetivas através do comportamento de outras pessoas. Uma pessoa pode comentar que está com uma terrível dor de cabeça e receber de uma outra um comprimido. Lançando um olhar fulminante um pai pode fazer seu filho parar imediatamente de arreliar sua irmãzinha. Comentar que está com uma terrível dor de cabeça e lançar um olhar fulminante são exemplos de comportamento verbal. Deve-se ressaltar que o comportamento verbal pode ser não só mantido, mas também modelado por conseqüências mediadas. O comportamento de um médico é modelado pelo comportamento de seu professor quando, gradualmente e por diferenciações sucessivas, ele aprende a fazer um diagnóstico medico. Se uma criança aprende sozinha a subir em uma árvore, seu comportamento é não-verbal. Mas é verbal se aprendeu a fazê-lo com seu pai. Se uma criança sobe na árvore, mas ninguém sabe dizer se esse comportamento foi mediado ou não, não é possível decidir se é ou não verbal. A possibilidade de existência de comportamento humano não- INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico verba! está sempre em aberto. Na verdade, à medida que Skinner relaciona a imitação com o comportamento ecóico, um tipo de comportamento verbal que envolve reproduções não só de sons, mas também de sinais e maneirismos, a definição de comportamento verbal torna-se bem mais ampla do que quando se limita aos processos de modelagem e manutenção do comportamento. Pois a imitação é um dos principais processos de aquisição e manutenção mediada de comportamento. Sem que possa ser impugnada de uma vez por todas, a possibilidade de comportamento não-verbal torna-se ainda mais limitada com esse alargamento da definição de comportamento verbal. Se à definição mais inclusiva de comportamento verbal, essa que inclui a imitação, for acrescentado o fato de que nas sociedades ocidentais a educação substitui em larga escala a experiência direta das pessoas, como diria Skinner, a experiência com as contingências, torna-se ainda mais evidente a presença do comportamento verbaf e o ocaso do comportamento não-verbal. Talvez o comportamento não-verbal se restrinja ao comportamento filogenético de animais e seres humanos. O comportamento filogenético é todo o comportamento que produz conseqüências de sobrevivência, por exemplo, procurar alimento, fugir de predadores, fazer a corte, construir o ninho. Mas mesmo nesses casos pode-se perguntar se o comportamento verbal não desempenhou algum papel na evolução do comportamento. Por exemplo, a imitação não terá exercido nenhum papel na evolução da corte, da reprodução sexual e da construção de ninhos? Os comportamentos não-verbais são comportamentos inconscientes. Mas há também comportamentos inconscientes que são verbais. Através da imitação, chimpanzés aprendem a limpar e lavar batatas, tornando-as salgadas e lisas, estimulantes per se, reforçadoras. O comportamento é verbal não-vocal e inconsciente. Comportamentos inconscientes podem ser não-verbais e verbais não-vocais e se distinguem dos comportamentos conscientes porque esses são verbal-vocais. Comportamentos não-verbais são efetivos: a reprodução é realizada, o ninho é construído, o alimento é encontrado. Comportamentos verbais não-vocais também são efetivos: a batata do chimpanzé é limpa e lavada com sucesso, a árvore é galgada habilidosamente pela criança (que aprendeu a fazê-lo com seu pai). O comportamento não-verbal é cognitivo: produz conseqüências efetivas de sobrevivência. O comportamento verbal não-vocal também é cognitivo: produz conseqüências reforçadoras. Há, então, nessas duas versões de comportamento inconsciente, cognição inconsciente. Com base na noção de comportamento inconsciente, pode-se tomar a cognição inconsciente como sendo equivalente ao inconsciente cognitivo. Isso significa dizer que há uma série de equivalências que explicam o inconsciente cognitivo remetendo-o à cognição inconsciente e essa ao comportamento inconsciente não-verbal ou verbal não-vocal. 35 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Oamásio Ablb Uma das versões mais divulgadas do inconsciente cognitivo é o inconsciente reprimido. O inconsciente reprimido refere-se a comportamentos submetidos a um processo conflitante de punição e reforço. Freqüentemente a punição é aplicada a comportamentos que estão sob controle de reforçadores, de conseqüências estimulacionais per se, sem valor de sobrevivência, que fortalecem o comportamento que os produz. Reforçadores não só não têm significado biológico, ou se alguma vez o tiveram, deixaram de ter, como também são capazes de ocasionar desvantagens biológicas. Mas, apesar disso, fortalecem o comportamento que os produz. Reforçadores fortalecem o comportamento sem reduzir necessidades e impulsos biológicos e são diferentes de conseqüências de sobrevivência (que têm valor biológico) precisamente porque não têm valor biológico. Isso é verdade mesmo no caso dos reforçadores sobrepostos a conseqüências de sobrevivência naturais, como água, alimento, sexo, fuga de predadores, que fortalecem o comportamento por duas razões. De um lado, porque são conseqüências de sobrevivência naturais, reduzem necessidades e impulsos biológicos ou têm valor biológico; de outro, porque são conseqüências reforçadoras, são conseqüências estimulacionais per se. Uma criança que se masturba é reforçada pela estimulação produzida pela masturbação, mas essa estimulação não tem qualquer significado biológico. Se esse comportamento ocorrer no contexto de uma comunidade religiosa, será severamente punido. E mais, provavelmente a criança será chamada de depravada se essa comunidade tiver uma têmpera vitoriana. Comunidades com essa índole acreditam que o comportamento sexual deve limitar-se rigorosamente à sua função biológica de reprodução da espécie. O problema será sempre o de estabelecer os limites entre a mera reprodução biológica e a estimulação per se. O comportamento sexual é tolerado até certa medida em algumas culturas. Quando esse limite é ultrapassado, no homossexualismo, por exemplo, a punição é o principal procedimento utilizado pelos membros da cultura para enfraquecê-lo (Skinner diz que se trata do conflito entre o velho Adão e a consciência judaico-cristã). Evidentemente um comportamento só pode ser punido se acontecer. No processo de formação do inconsciente reprimido o comportamento acontece, é reforçado, e depois é punido. Decorre desse processo a formação de comportamentos de fuga e esquiva bem como o enfraquecimento dos comportamentos que foram reforçados e punidos. Os reforçadores fortalecem o comportamento antes da produção de conseqüências biológicas. Os reforçadores táteis da masturbação, e no caso de adolescentes, os reforçadores orgásticos e ejaculatórios, fortalecem o comportamento antes da reprodução sexual. Se esse comportamento começar a ser punido, comportamento sexual inconsciente e reprimido estará em curso. O conhecimento que existe no inconsciente reprimido tem suas características peculiares. Por exemplo, não é possívelafirmar que o comportamento sexual é efetivo da mesma maneira no inconsciente cognitivo- reprimido e no inconsciente cognitivo-não-reprimido. No inconsciente 36 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico cognitivo-reprimido, a efetividade da cognição é realizada no contexto de uma clandestinidade que não se verifica no inconsciente cognitivo-não- reprímido. Trata-se, enfim, de formas distintas de efetividade inconsciente do comportamento sexual. No inconsciente reprimido as contingências punitivas desempenham um papel preponderante. A pessoa sente estímulos aversivos condicionados produzidos pela emissão de comportamentos que foram punidos, e foge ou se esquiva deles. A comunidade verbal descreve os sentimentos produzidos por esses estímulos atribuindo-lhes nomes como vergonha ou culpa. Nem por isso, nem por terem um nome e uma descrição, a pessoa toma consciência desses sentimentos ou é capaz de alterá-los. Isso só acontecerá se a comunidade verbal for capaz de ensiná-la a descrever e alterar as contingências punitivas bem como as condições corporais que controlam seus sentimentos. Mas a tarefa não é simples porque os comportamentos de fuga e de esquiva dificultam a tomada de consciência, seja das contingências e dos estímulos aversivos condicionados produzidos pela emissão do comportamento punido, ou dos sentimentos controlados por tais contingências e estímulos. Trata-se de uma situação desoladora porque o comportamento não aparece para a comunidade verbal e ela não tem como ensinar a pessoa a tomar consciência das contingências, dos comportamentos e sentimentos. A tese de que provavelmente todo ou quase todo o comportamento humano é verbal significa que provavelmente a evolução e aquisição do comportamento são mediadas pelo comportamento de outrem. A cognição é uma característica marcante desses comportamentos e, na medida em que é mediada por outrem, é de natureza social. Mas, então, a cognição é social porque, em última análise, é verbal. As mediações sociais são mediações verbais, quer dizer, o comportamento verbal é o ponto de partida para a análise do comportamento social. Se for dito que o sujeito é cognição social, o que se diz, em última análise, é que ele é cognição verbal. Uma cognição que pode ser inconsciente ou consciente. Pois, como já foi dito, a consciência é comportamento verbal-vocal. O que é, então, o sujeito? O sujeito é cognição verbal, inconsciente ou consciente (a possibilidade de existência do sujeito não-verbal não é examinada aqui). Quando ainda identificava o sujeito com a pessoa, em seu livro Sobre comportamentalismo, de 1974, Skinner afirmava que há um sujeito que conhece e um sujeito conhecido, ou na sua linguagem, há dois sujeitos na mesma pele. O conhecedor é a pessoa que descreve e o conhecido é a pessoa descrita. Novamente, como em Mead: como uma pintura abstrata, o sujeito refere a si mesmo: é auto-referente. Ou, pode-se dizer, o eu refere-se ao me. O eu é o sujeito que descreve o me. Trata-se de ilimitadas descrições, porque o comportamento verbal-vocal pode descrever não só comportamentos não-verbais, mas também comportamentos verbais não-vocais e comportamentos verbal-vocais. Enfim, o sujeito é a relação entre o eu e o me, é relação cognitiva verbal, consciente ou não, ou simplesmente, o sujeito é verbal. 37 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 5. B. F. Skinner: O Sujeito Ético Uma indagação do sujeito ético em Skinner envolve duas pesquisas. Uma se refere ao sujeito verbal. O sujeito ético é verbal no sentido examinado aqui. Outra se refere ao exame de três sentimentos: Eros, philia e ágape. O filósofo Anaré Comte-Sponville diz em seu Pequeno tratado das grandes virtudes, de 1995, que Eros, philia e ágape referem-se a sentimentos sobre os quais os filósofos se debruçam quando refletem sobre o amor. São, em uma palavra, sentimentos amorosos. Da perspectiva do comportamentalismo radical de Skinner, as conseqüências do comportamento fortalecem ou enfraquecem o comportamento e também produzem sentimentos. Eros e philia são sentimentos produzidos respectivamente por conseqüências naturais e reforçadoras. Philia é o sentimento que acompanha o comportamento que produz conseqüências reforçadoras. Em Questões recentes na análise do comportamento, de 1989, Skinner apresenta exemplos notáveis que sustentam essa afirmação. Diz ele que philia é o amor dedicado a Brahms, a Renoir, a Dickens, a Veneza, a personagens literários, a crianças, a amigos. Artistas, lugares, pessoas são amados porque são estimulantes per se, são reforçadores. Desde os anos 50 Skinner já observava que o tilintar de um sino ou o cintilar de um objeto reforça o comportamento de bebes e, após argumentar que é praticamente impossível atribuir tais efeitos a uma história de condicionamento, comenta que, mais tarde, esses “bebês” podem ser reforçados por espetáculos coloridos ou por orquestras. Pode-se ainda acrescentar a essa lista o amor às conseqüências estimuladoras relacionadas com “vícios", "pecados”: glutonaria, luxúria, violência, alcoolismo, drogação. Eros refere-se ao deleite que acompanha as conseqüências de sobrevivência produzidas pelo comportamento sexual. Deve-se desconfiar dessa afirmação por envolver uma redução de Eros ao comportamento filogenético. É bem o que Skinner acha quando comenta que insetos provavelmente não desfrutam de si mesmos ao copularem filogeneticamente (na verdade os insetos só estarão condenados à cópula filogenética, se a INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico evolução não os tiver preparado para conseqüências reforçadoras). Eros envolve deleite sexual, mas não pode ser identificado meramente com comportamento sexual filogenético. Sem o comportamento sexual filogenético certamente não haveria Eros. Mas Eros não é deleite sexual se o sexo for entendido simplesmente como comportamento reprodutivo. Eros se constitui com o advento do reforço. A partir do comportamento sexual filogenético, eventos como o toque da pele e dos lábios adquire a capacidade de estimular per se o comportamento sexual. Surgem os reforços primários e Eros passa a acompanhar os comportamentos que são chamados de carícias: carícias táteis, visuais, olfativas, sonoras, gustativas. Com o advento desses reforços primários surge o erotismo. É bem por isso que, diz Skinner, o amor materno é erótico, mas não é sexual. Os estímulos táteis como o toque da pele e o beijo são por si suficientes para produzir deleite erótico. Recorde-se: reforçadores são conseqüências estimulacionais que não têm valor de sobrevivência. Explicar a suscetibilidade a esses estímulos provavelmente remete à filogênese. Com efeito, é possível que os estímulos táteis, visuais, olfativos, sonoros e gustativos tenham adquirido a função de reforçadores por estarem originalmente relacionados com o comportamento sexual filogenético. A suscetibilidade às conseqüências da ação teria que ser compreendida como suscetibilidade, não só às conseqüências de sobrevivência naturais, mas também às conseqüências estimulacionais per se, constituídas pelo comportamento sexual filogenético, que, no entanto, teriam sido desvinculadas evolutivamente desse comportamento. Os reforçadores produzem deleites distintos: Eros e philia referem- se a deleites distintos. Mas onde reside exatamente a diferença? Skinner acha que é difícil responder a essa questão. Diz, por exemplo, que é quase eroticamente que os amantes de Brahms tocam e ouvem suas obras e que é quase como forma de arte que algumas vezes são praticados a corte e o ato de amor.Philia refere-se à beleza e à amizade. Mas é erótica, a beleza? Ou, é erótica a amizade? E o erotismo é beleza, é amizade? No diálogo O banquete, Platão argumenta que há uma ascese de Eros, que começa com a atração física por uma pessoa, alcança sua beleza, e tem seu desfecho na contemplação da idéia (ou da forma) de beleza em si. Na Ética a Nicômacos, Aristóteles disse que philia refere-se à amizade, o amor incondicional ao amigo. Provavelmente a diferença entre esses dois tipos de sentimentos relaciona-se com a direção do reforço. No caso de philia, o reforço é dirigido ao outro e sentimos alegria por seu bem-estar e felicidade: há nisso, beleza e amizade. Ou há amor-alegria, como argumenta eloquentemente Espinosa, em sua Ética, de 1677. No caso de Eros, o outro nos reforça e, mesmo que não haja reforço sexual, a estimulação per se difere da estimulação sexual apenas no que se refere ao seu contexto de ocorrência. Com efeito, estimulações visuais, auditivas, olfativas, gustativas, táteis, podem ocorrer ou não no contexto da atividade sexual. Eros é o amor que se realiza somente na falta e que se entedia na sua realização efetiva. Diria Skinner que Eros é o amor que se realiza 39 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antonio Damasio A b it somente na privação e que se entedia na saciação. Eros é o amor-egoísmo, carente, privado, é o amor aflito pela posse do ser amado. Eros é o amor- paixão, é o amor platônico, é o amor-morte: amor-ausência. Uma possibilidade de escapar do tormento de Eros é investir na amizade erótica. Vulgarmente faz-se uma demarcação nítida entre amizade e Eros: são amores que não se confundem. Mas nada impede que a amizade seja erotizada ou que Eros torne-se amistoso. Basta quo sejamos capazes de dirigir o reforço ao outro e sentir alegria pelo seu bem-estar bem como de sentir a estimulação per se do reforço que nos é dirigido pelo outro. Eros perde o peso do egoísmo e adquire a leveza da alegria. A amizade, a leveza da alegria, torna-se sensual sem se tornar pesada. Essa possibilidade foi belamente explorada por Milan Kundera no seu romance A insustentável leveza do ser. O romancista tcheco refere-se ao conceito de amizade erótica como itinerário para galgar a leveza do ser. Infelizmente, como já diz o títuio do livro, o que predomina é o peso do ser, o peso de viver. O romance é trágico: nada é sustentável: nem a leveza, nem o peso de viver. Mas há uma magistral defesa da literatura da leveza concebida como função existencial feita pelo romancista italiano Italo Calvino no seu provocativo livro Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Há uma dupla direcionalidade envolvendo as conseqüências naturais e reforçadoras. Uma pessoa pode fortalecer com conseqüências naturais ou reforçar o comportamento de outra e vice-versa. A possibilidade de ágape se formar depende de voltar-se o direcionamento das conseqüências naturais e reforçadoras para o outro. Mas não pode estacionar nesse nível, pois essas conseqüências produzem erotismo, beleza, e amor incondicional ao amigo, mas não ágape, o amor incondicional à humanidade. Com philia, ágape está em curso, mas só começa a aparecer quando o amor incondicional elevar-se, quando o amor incondicional ao amigo se generalizar, quando alcançar todas as pessoas, todos os agrupamentos humanos, todas as culturas. Mas não só. Essa generalização, que já se configura como um resultado extraordinário de uma educação bem-sucedida, precisa ainda ultrapassar sua dimensão de presença,: precisa dirigir-se para o futuro. Esse é o momento crucial de ágape. No ápice, ágape refere-se ao amor incondicional à vida, à natureza, ao gênero humano, às obras da natureza e do homem, ao desenvolvimento humano, às próximas gerações. Ágape é o amor-celebração da criação do cosmos, da natureza, da humanidade. O sujeito agápico lida com conseqüências de ordem cultural: lida com conseqüências que promovam a sobrevivência dos grupos sociais, das culturas e do amor agápico. O sujeito ético é o sujeito agápico. Eros, philia e ágape, os sentimentos fundamentais para a elaboração de uma teoria do amor, estão presentes na formação do sujeito ético. Com efeito, as contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais em que o sujeito ético é educado produzem inevitavelmente os sentimentos amorosos. O sujeito psicológico (o sujeito erótico, estético, amigo) é o ponto de partida de formação do sujeito ético (o sujeito agápico). 40 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 6. Um Balanço A psicologia moderna libertou o sujeito dos fantasmas da psicologia metafísica: o sujeito não é nem pressupõe a mente ou a matéria. A psicologia moderna é pós-metafísica, pois concebe o sujeito no campo da experiência fenomenal. Segundo as versões de psicologia pós-metafísica examinadas aqui, o sujeito é processo volitivo-afetivo-ideativo (Wundt), consciência (James), consciência social (Mead), verbal-agápico (Skinner). A experiência é inerente a todas essas concepções de sujeito: a consciência e a consciência social são processos da experiência. A partir de Mead o método de investigação da experiência é modificado. Até então a investigação da experiência fundamentava-se na observação livre da psicologia da experiência interna e na observação controlada de Wundt. Com Mead, a investigação da experiência passa a ser fundamentada no estudo do comportamento. Essa guinada continua com Skinner, como pode ser verificado, por exemplo, na análise da relação entre o comportamento ético e os sentimentos. Outro aspecto importante dessa virada metodológica consiste na concepção do sujeito verbal. O sujeito verbal pode ser consciente ou inconsciente; e é cognitivo, em ambos os casos, mesmo quando o inconsciente é reprimido, quer dizer, o inconsciente reprimido é cognitivo. Até então a consciência referia-se a um eu observador, seja na observação controlada de Wundt ou no segmento presente da consciência de James ou ainda no observador social de Mead. Com Skinner, a consciência, o eu observador, torna-se verbal. Constitui-se desse modo a possibilidade de estudar a consciência e o inconsciente através da investigação do comportamento verbal. Da perspectiva dessas diversas acepções de sujeito, os sujeitos psicológico e epistemológico estão tão interligados que parecem indiscemíveis. Somente por um artifício de perspectiva o sujeito epistemológico é diferenciado do sujeito psicológico, pois, como Wundt demonstrou, o sujeito cognitivo é ao fim e ao cabo o sujeito volitivo-afetivo-ideativo. Não é outra a conclusão que podemos extrair da análise de James, pois, como fluxo da consciência, o sujeito cognitivo conhece determinado por seus interesses e por sua experiência pessoal, direta e particular. Não só os seus interesses, mas também a idiossincrasia de suas experiências conferem um colorido individual INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Oamàsio Abib ao conhecimento. O sujeito relacional de James trava uma conversação na qual o eu e o me dialogam na atmosfera de uma psicologia individual do conhecimento. A conversação do sujeito dialógico, que em James não ultrapassa a esfera da consciência individual, é transformada e ampliada quando Mead mostra sua gênese social. Embora a teoria dialógica e social de Mead tenha uma vertente psicológica e outra epistemológica, nota-se uma ênfase do psicólogo social na vertente epistemológica da teoria, isso pode ser verificado quando, ao distinguir a experiência subjetiva da experiência reflexiva, atribui a tarefa de controlar a experiência subjetiva ao sujeito da experiência reflexiva. O sujeito relacionai de Mead travauma conversação na qual o eu e o me dialogam na atmosfera de uma psicologia social do conhecimento. Comparados esses dois sujeitos, o sujeito, por assim dizer, dialógico-individual de James, e o sujeito dialógico-social de Mead, o de James é mais subjetivo, é mais psicológico; já o de Mead, é mais objetivo, é mais sociológico. É bem possível que um psicólogo sinta mais simpatia pelo sujeito de James, e um sociólogo ou um psicólogo social, pelo de Mead. Haveria nessas escolhas um duplo equívoco. Não é porque James enfatizou a experiência subjetiva que essa experiência não tenha uma explicação social, Não é também porque Mead enfatizou a experiência reflexiva que essa experiência não tenha uma explicação subjetiva. As experiências reflexivas e subjetivas são interdependentes, Não é aqui o local apropriado para apresentar evidências para a tese da interdependência dessas experiências, mas referências básicas scbre o assunto podem ser encontradas em um exame mais detalhado da obra de Mead e também na obras de construtivistas sociais (Vygotsky, por exemplo) e de construcionistas sociais (Gergen, por exemplo). Ao galgar o patamar da reflexão, o sujeito dialógico-social, de Mead, transforma-se no sujeito ético. Essa passagem, que institui o sujeito ético fincando as raízes do sujeito dialógico-social na experiência reflexiva, e não na experiência subjetiva, pode dar a impressão, equivocada, de que o sujeito ético é frio e insensível. Esse equívoco é imediatamente afastado se lembrarmos que o sujeito ético é crítico da sociedade. Sendo assim, não pode ser frio e insensível e, de fato, não é. A noção de sujeito ético, de Mead, pode ser enriquecida se for lida sob o ponto de vista de Skinner. Com efeito, a transição do sujeito psicológico para o sujeito ético, isto é, a passagem da experiência subjetiva para a experiência reflexiva, não significa transição de um estado de sentimento para um de não sentimento. Significa - isto sim - a passagem de Eros e phida para ágape. A formação do sujeito ótico não prescinde da existência do sujeito psicológico. Ao contrário, Eros e philia são sentimentos necessários para a gênese de ágape. O sujeito ético nasce juntamente com ágape. Em uma palavra, o sujeito ético é o sujeito agápico, ou, dito com mais precisão, é o sujeito verbal-agápico. Se for admitido que ágape seja o sentimento amoroso mais edificante, se for lembrado que Eros e philia participam de sua formação, não é evidente que o sujeito verbal-agápico, a consciência verbal-agápico, é a síntese mais requintada de uma educação sentimental bem sucedida? 42 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS / / - O Sujeito Pós-Moderno INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 7. A Morte do Sujeito Não deixa de ser paradoxal escrever um texto sobre o sujeito pós- moderno quando as tendências do discurso pós-moderno consistem precisamente na declaração da morte do sujeito. Tomada ao pé da letra, a declaração da morte do sujeito impugna, aparentemente desde o princípio, qualquer investigação acerca do sujeito. Mas trata-se de uma declaração paradoxal porque é feita por um sujeito: o sujeito está presente no ato em que declara sua morte. O discurso pós-modemo do sujeito começa assim: irônico. A declaração da morte do sujeito é um ataque à filosofia do sujeito. Os alvos preferidos dessa critica são as idéias de que o sujeito é uma substância e uma agência. Embora a concepção filosófica substancialista do sujeito seja antiga, pós-modernistas argumentam que o entendimento do sujeito como substância constitui-se em um dos aspectos básicos da modernidade. E efetivamente confirmam seu ponto de vista porque quando descrevem o sujeito substancial o fazem apoiando-se em referências modernas, freqüentemente volumosas, sejam elas literárias, filosóficas ou científicas. Em seu ensaio Pós-modernismo e subjetividade, de 1992, Lavlie caracteriza o sujeito substancial moderno como um centro. Como um centro, diz Lavlie, o sujeito é um princípio de identidade. O princípio de identidade relaciona-se com o conceito de substância - um conceito que remonta à Antigüidade, às obras de Platão e Aristóteles. A substância refere-se ao ser: ao que subsiste ou ao que está sob: a natureza ou essência. Um ser sem substância é inconcebível. Com essa caracterização da substância tem início o essencialismo grego, que distingue o ser, a essência necessária, de seus acidentes ou propriedades, as essências não-necessárias. Por exemplo, filósofos gregos afirmam que o ser do homem, sua essência necessária, reside na razão. Dizer de um homem que ele é sem razão, ou é um dito que não se refere a um homem, ou é um dito em que há contradictio in adjecto, quer dizer, há uma contradição de palavras em que o predicado (sem razão) nega a noção de razão introduzida pelo sujeito (homem). As essências necessárias não mudam: um homem não pode perder a sua INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaie Psicológico essência de ser racional, se perdê-la deixará de ser e de existir como homem. Não haverá, por outro lado, qualquer contradição se alguém afirmar que um homem é negro ou islâmico, pois sua essência não é afetada por sua origem ou religião. As essências acidentais são propriedades que podem mudar: os homens podem ter qualquer origem ou religião sem que isso afete sua essência racional. A substância é o que dura ou o que permanece apesar das mudanças de suas propriedades acidentais. Se a faca tem cabo de madeira ou de metal pouco importa, o que ela não pode é perder o fio. Quando se diz que o sujeito é um princípio de identidade, o que está sendo dito é que ele é uma substância. Pois mantém sua identidade por ser uma substância, uma unidade no curso de mudanças, concebíveis ou reais, de suas propriedades acidentais, Em seu ensaio Pós-modernismo e as ciências humanas, de 1992, Lather refere-se, criticamente, ao sujeito moderno como uma agência reificada: como princípio ativo reduzido ao estatuto de uma coisa. O sujeito seria uma coisa ativa: uma coisa que pensa e que sente e que age. Como agência, como coisa ativa, a coisa é causa, é causa do sentimento, do pensamento, da ação. Na filosofia do substancialismo a alma é essa coisa ativa, deliberativa e responsável, como já dizia James. Em seu ensaio Psicologia pós-moderna do sujeito refletida na ciência e nas artes, de 1992, Young cita um trecho da Divina comédia de Dante que corrobora essa visão da alma. Nesse trecho, o poeta italiano medieval refere-se ao espírito pleno de poder, soprado na matéria da natureza, o cérebro, pelo primeiro Motor, o Criador, que se dedica ao que é ativo em sua natureza, vivendo e sentindo como alma unitária. Ao se referir ao sujeito como coisa ativa, Lather está frisando que a substância, ou a essência necessária, dessa coisa chamada ‘sujeito' comporta um princípio de ação. Em seu ensaio Tecnologia e o sujeito: do essencial ao sublime, de 1996, Gergen rotula o discurso moderno, que vê o sujeito como princípio de atividade e de unidade subjetiva, de essencialismo psicológico. O sujeito, que já fora pensado como sendo a alma, como James já observara, é identificado por Gergen como sendo a mente. Quer dizer, a mente não só é ativa, mas também é idêntica a si mesma, ao longo de toda a sua existência. Ao fim e ao cabo, o sujeito é princípio de atividade e de unidade subjetiva da mente. É contra essa concepção de sujeito que se insurge o discurso pós- moderno, No construcionísmo social, uma das versões do discurso pós- moderno, talvez a mais importante orientação filosófica da psicologia social do presente, o discurso sobre o sujeito é compreendidocomo discurso social, seja ele moderno ou pós-moderno. Pode-se perguntar como o discurso social leva à crença na existência da alma ou da mente. Pode-se perguntar, por exemplo, como o discurso religioso da Idade Média íevou Dante a afimiar que a alma fora soprada no cérebro pelo Criador. Ou como se chegou a acreditar que a alma é deliberativa e responsável. Deixando a alma em paz, como diria James, pode-se dirigir uma pergunta dessa natureza ao discurso relativo à existência da mente, como 45 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José António DamAsio A b it fez Gergen. O psicólogo social norte-americano indaga quais são as características do discurso social que levam as pessoas a acreditar que existe algo como a mente. Apoiado na análise de discurso, Gergen argumenta que juízos ontológicos afirmativos - dizer: ‘isto existe’ - baseiam-se na homogeneidade discursiva dos participantes do discurso. Há inicialmente um acordo relativo às categorias de existência de processos mentais, como, por exemplo, as emoções. Mas o acordo deve ser amplo. Gergen inclui, nesse caso, acordos acerca de emoções como medo, raiva, tristeza. Se o acordo for mais restrito e envolver grupos mais marginalizados ou mais cultos, a credibilidade na existência do processo mental é menor. Gergen inclui, nesse caso, termos como ‘ansiedade existencial’, ‘acesso de melancolia’, ‘mal do século'. Deve haver acordo também em relação à expressão do processo psicológico. Expressões que se referem consistentemente a estados psicológicos lhes conferem uma credibilidade maior em relação a sua existência do que expressões inconsistentes. No primeiro caso Gergen inclui as expressões relativas às emoções de medo, raiva, tristeza, entre outras; e no segundo caso inclui as expressões de amor. Ele chega a dizer que há uma desconfiança entre os estudiosos da ciência da emoção em relação à pesquisa do amor, isso porque o amor pode ser expresso por adoração, esquiva, suicídio, homicídio. Precisa haver acordo ainda com relação ao contexto das expressões de estados psicológicos. Referindo-se a condições nas quais ocorrem tais expressões, Gergen afirma que as pessoas acreditam na existência da raiva porque, entre outras coisas, ela ocorre em situações de conflito, de frustração ou de injustiça, e que dificilmente acreditariam na existência dessa emoção se ela ocorresse na ausência dessas situações. Por exemplo, quando alguém estivesse ouvindo um concerto de Brahms ou se estivesse no meio de uma sossegada contemplação. Finalmente deve haver um acordo sobre o valor social do estado psicológico. Gergen comenta que a crença na existência de doença mental ressalta mais o valor social dos procedimentos terapêuticos do que a crença na existência do poder da bruxaria, que, como se sabe, conduziu em tempos idos à execução das pessoas possuídas por tal poder. Quer dizer, se as conseqüências sociais de um estado psicológico são socialmente bem avaliadas então a crença na existência do estado está garantida. Gergen fundamenta-se no construcionismo social para explicar como o discurso social moderno constrói a mente e o sujeito. A compreensão desse discurso pode ser apreciada melhor no contraponto com o discurso social que constrói a fragmentação do sujeito. O ensaio de Gergen continua a ser uma introdução elucidativa ao assunto. Ele localiza os discursos sociais mais recentes sobre o sujeito no que chama de tecnologias de reíacionaiidade humana. Essas tecnologias referem-se às transformações de toda ordem, na civilização tecnológica, que aproximam e expõem as pessoas umas às outras de modos até então desconhecidos. Essa nova situação cultural está no cerne de novos discursos sociais que contribuem para minar a homogeneidade discursiva moderna referente ao sujeito. Surgem então 46 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito nç Labirinto: Um ensaio Psicológico múltiplas ontologias, contestação de expressões, apropriações de contextos e objetivos controversos. As tecnologias de comunicação romperam com toda ordem de limites culturais, comunitários, étnicos, e produziram uma saturação social que abalou a base referencial do sujeito. Gergen diz que já não se sabe mais se existe um gosto estético superior, se existe criatividade real, se existe um sentimento moral, se existe um livre-arbítrio, se existe doença mental. Há uma crise de ordem ontológica que multiplica os candidatos à existência de essências tomando cada vez mais difícil deliberar qual deles representa a essência do sujeito. Operou-se uma transformação ontológica de relativa homogeneidade discursiva para uma aflitiva heterogeneidade discursiva. A comunicação explosiva de modos de vida reflete-se também nos modos de expressão dos estados psicológicos. Gergen retoma as diversas expressões de amor para mostrar como tal diversidade contribui para uma descrença na existência dessa emoção. Argumenta também que o fato de uma expressão, por exemplo, o comportamento criminoso, poder ser atribuída a diversos estados emocionais, dificulta a identificação do estado psicológico real, verdadeiro, realmente existente, responsável por tal comportamento. É importante ressaltar que o estudo de casos complexos envolvendo os múltiplos efeitos de um fator bem como os efeitos singulares de múltiplos fatores é uma situação comum na ciência e na psicologia. Obviamente Gergen sabe disso. O que o psicólogo social está enfatizando é a explosão de situações desse tipo criadas pela mídia e pela telecomunicação da civilização tecnológica. Cita, por exemplo, as tentativas da televisão e do cinema de multiplicar, com propósitos dramáticos, formas culturalmente desconhecidas de expressões amorosas. Essa multiplicidade que atinge a ontologia dos estados psicológicos e seus modos de expressão alcança também os contextos expressivos. Gergen refere-se à apropriação de contextos por subculturas e dá o exemplo de grupos religiosos que se apropriam das linguagens do rock e da música romântica, transformando o significado da música religiosa bem como do rock e da música romântica. A multiplicação dos contextos de expressão torna variável o significado psicológico da expressão. A situação é similar à da variabilidade dos modos de expressão. Combinadas essas variabilidades, o modo de expressão toma-se um signo com muitos significados, conclui Gergen. Essa multiplicidade que Gergen identifica no discurso social mais recente sobre a mente e os estados mentais amplia-se, mais uma vez, e alcança a homogeneidade discursiva referente aos objetivos sociais. A comunicação entre os grupos sociais propiciada pela tecnologia contribuiu para que, por exemplo, comunidades de negros, homossexuais e feministas percebessem o caráter opressivo do discurso moderno sobre o sujeito. Esses grupos, diz Gergen, assumiram como causa comum a crítica a esse discurso. Dirigem suas críticas a temas como os seguintes: doença mental, quociente de inteligência geral, racionalidade androcêntrica. Critica contundente, que termina por atingir a crença na existência da mente e dos estados mentais. 47 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Jose Antonio Damàsio Abíb Com efeito, a mente e os estados mentais são vistos como construção de um discurso social politicamente orientado para a contenção da expressão de diferenças. Da perspectiva dessa crítica, torna-se difícil defender a existência de estados psicológicos mesmo se suas conseqüências sociais forem bem avaliadas. E isso por dois motivos. Primeiro porque já há uma crítica referente à existência dos estados psicológicos entendidos como expressão de uma mente e de um sujeito. Segundo porque as diferençasentre os grupos sociais ganham expressão efetiva, o que dificulta um consenso sobre o que são boas conseqüências sociais. A crítica pós-modema compreende o sujeito como discurso. Quer dizer, e repetindo, moderno ou pós-moderno, o sujeito é discurso. Quando se opta pelo discurso pós-moderno, esvaziam-se os princípios de atividade e identidade presentes no discurso moderno acerca do sujeito. Pois o sujeito pós-moderno é acêntrico. Fyelde, em seu ensaio sobre PeerGyint, naturalismo e a dissolução do sujeito, de 1968, e Voung, no ensaio já citado, recorrem a uma imagem esclarecedora do sujeito acêntrico. Trata-se da imagem do sujeito cebola presente na obra PeerGynt do escritor norueguês Henrik Ibsen. Na quinta cena do quinto ato, Peer Gynt pega uma cebola para comer. Começa a descascá-la, e associa cada camada do bulbo vegetal com cada um dos papéis que representou. Mas, para seu desespero, constata que não é mais do que as camadas da cebola, pois não descobre nenhum centro, melhor, descobre, nos termos de Ibsen, que é ar vazio, espaço vazio. Como Peer Gynt, o sujeito acêntrico é fragmentado, vazio. Acêntrico, o sujeito pós- moderno não é nem princípio de identidade nem princípio de atividade, é discurso fragmentado. Lather expressa certo receio em relação ao discurso pós-moderno sobre o sujeito, pois observa uma tendência à reificação do sujeito fragmentado, que ela chama, também, de sujeito fraturado, esquizóide. Considerando essa tendência, Lather chega a dizer que falta uma teoria pós- modema adequada acerca do sujeito. Em seu livro Introdução a psicologia narrativa, de 2000, Crossley expressa uma insatisfação similar ao tentar assimilar uma teoria pós-modema do sujeito na psicologia narrativa. O que orienta a crítica dessas autoras ao discurso pós-moderno sobre o sujeito é a questão da identidade. O problema é como tratar com o princípio da unidade subjetiva da perspectiva do sujeito acêntrico. A questão que as inquieta é esta: como pensar no princípio de identidade sem um centro? Crossley concorda que o sujeito é acêntrico, mas quer recuperar o sentido de unidade subjetiva para dar conta da sensação de “subjetividade real" que as pessoas experimentam quando fazem narrativas, bem-sucedidas ou não, de si. Como se verá dentro de instantes essas autoras padecem da “insatisfação humeana”. Mas, antes, é necessário apresentar concretamente a psicologia do sujeito que é criticada pelo discurso pós-moderno. 48 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 8. Psicologias Modernas do Sujeito Em seu livro Discurso e psicologia social, de 1987, Potter e Wetherell apresentam três teorias psicológicas que são, dizem, as mais centrais no desenvolvimento da psicologia do sujeito. As teorias psicológicas do sujeito são: teoria do traço, teoria do papel social, teoria humanista. Cada uma dessas psicologias lega à posteridade uma imagem do sujeito, que são, respectivamente, as imagens da alma honesta, do ator e do sujeito autêntico. O que se defende na teoria do traço é que o sujeito é uma personalidade e, como uma personalidade, consiste de uma configuração peculiar de capacidades, habilidades e atributos, sendo seus traços únicos, podendo, dessa forma, ser mensurados com testes e inventários de personalidade. Quando se diz que o sujeito é extrovertido ou introvertido arrola-se uma configuração de traços que definem um tipo de personalidade. Potter e Wetherell apresentam uma descrição de Eysenck e Eysenck do sujeito extrovertido como uma pessoa que tem muitos amigos, que gosta de festas, que não gosta de estudar sozinho. Por essa descrição, o sujeito extrovertido é sociável. Mas não é apenas isso. Ele é também impulsivo, sempre tem uma resposta pronta, gosta de mudanças, prefere estar movimentando-se e fazendo coisas, nem sempre é uma pessoa confiável, e seus sentimentos não são firmemente controlados. Nessa teoria considera-se que a personalidade é mais importante do que as situações e os contextos em que a pessoa vive: situações e contextos têm muito pouca influência na personalidade. Uma pessoa extrovertida o é em qualquer situação e contexto. Ela nem simula nem dissimula sua personalidade: é uma alma honesta. Almas honestas têm somente uma identidade, não têm crises de identidade, já que sua unidade subjetiva transcende situações e contextos. Na teoria do papel social defende-se, com base na metáfora da dramaturgia, que o sujeito é um ator (role-ptayet) social. Nessa teoria predominou inicialmente a imagem do sujeito sólido. Em seus ensaios, INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio D amásio Abíb Fjelde e Young fazem uma análise do sujeito na dramaturgia teatral e dizem que, desde a Antigüidade até meados do século XIX, predominou na representação teatral a imagem do sujeito sólido, o que transformava toda a representação em desempenho do estado sólido. Durante todo esse período, o sujeito sólido esteve presente em todos os personagens ou disfarces de identidade que representou. A representação referia-se às múltiplas expressões ou disfarces do estado sólido. Mas, como já foi observado, em PeerGynt, o sujeito sólido transformou-se no sujeito cebola. Potter e Wetherell fazem uma apresentação da teoria do papel social que é muito próxima da imagem do sujeito cebola (se o leitor achar muito irreverente chamar o sujeito de cebola, chame-o de sujeito Peer Gynt). De acordo com essa teoria, o sujeito desempenha diversos papéis na sociedade, que dependem, não só de sua posição social, mas também de sua percepção das situações e contextos com os quais se defronta. Um sujeito pode apresentar uma configuração de traços de personalidade com predomínio de traços extrovertidos sobre traços introvertidos, mas disso não decorre que suas ações serão predominantemente extrovertidas. Ao contrário, elas podem ser predominantemente Introvertidas se ele perceber que são mais adequadas às situações e aos contextos. O sujeito, aqui, não é uma personalidade, mas sim uma criatura social. A criatura social é uma invenção das posições sociais existentes na sociedade. Impessoal e supra-individual, a posição social define um conjunto de atividades - um papel - que devem ser assumidas por seus ocupantes. As pessoas ocupam diversas posições na sociedade, especialmente nas sociedades modernas, nas sociedades complexas: aprendem várics papéis sociais, transformam-se em várias criaturas sociais ou em vários sujeitos. Adquirem várias identidades, tornam-se vítimas das crises de identidade, tornam-se almas insinceras, assumem fachadas, escondem-se atrás de máscaras. As pessoas transformam-se em artistas, atores, atrizes, e os traços, que os defensores da alma honesta atribuem à personalidade, são atribuídos aos papéis. Mas as máscaras não são vistas como disfarces de um sujeito sólido, elas não passam de disfarces de disfarces, não passam de camadas de cebola. Esse sujeito não é somente um ator: é também um jogador. Sendo assim, joga de acordo com o papel que considera apropriado ao papel que o outro jogará. Mas não só. Joga também de acordo com o papel que acha que os outros esperam que ele jogue. Como jogador, é um sujeito estratégico que tentará obter vantagens sobre os outros. Oportunista e tolo, dirão os psicólogos humanistas. Oportunista, é evidente. Mas tolo, por quê? Porque age como vítima de circunstâncias sociais. Potter e Wetherell comentam que os psicólogos humanistas criticam os defensores da teoria do papel social porque esses não percebem que na dramaturgia existe atrás da máscara do ator um sujeito real, um sujeito que por todo o tempo da representação monitora o desempenho de seu personagem. Essa concepção do sujeito 50 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS:perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico na dramaturgia, que é similar à concepção do sujeito sólido, reflete a crença dos psicólogos humanistas na existência do sujeito autêntico. O sujeito autêntico, verdadeiramente autêntico, é autônomo, e busca o seu próprio desenvolvimento, busca a auto-realização e especialmente busca, por esforço próprio, realizar suas próprias esperanças. Nesse processo de crescimento, o sujeito pode se defrontar com dificuldades que inibem sua livre expressão, precisa, pois, se redescobrir, e as recomendações dos psicólogos humanistas são as de que ele procure ser espontâneo, de que tente simplesmente viver, Uma pessoa pode, contudo, ter sido submetida a sofrimentos tão profundos que só é capaz de se expressar por suas máscaras. Nesse caso a terapia pode ajudá-la a retirar suas camadas de falsos sujeitos, suas máscaras, até que, gradualmente, alcance camadas mais profundas e autênticas de ser. Os pós-modernistas não aceitam as psicologias do sujeito que promovem as imagens de alma honesta, sujeitos sólido e autêntico. Percebem nessas acepções de sujeito a presença da filosofia do substancialismo. Desse modo a crítica pós-moderna da filosofia do sujeito alcança a psicologia do sujeito. Qualquer tentativa dessas psicologias no sentido de compatibilizar a tensão que envolve os princípios de unidade e diversidade subjetiva está fadada a cair nos braços da filosofia substancialista do sujeito. Mas essa crítica não aprofunda a distinção entre o sujeito substancial e o sujeito interior. Como será visto a seguir, quando se presta atenção a essa distinção, há pelo menos uma psicologia que, passando ao largo de concepções substancialistas do sujeito, tenta compatibilizar os princípios de unidade e diversidade subjetiva. Trata-se da psicologia do sujeito que foi concebida por William James. Retoma-se James. Não só para aprofundar, demarcando seu local filosófico específico, o contexto intelectual que o conduz à sua acepção de sujeito, mas também para elucidar a tensão que envolve os princípios de unidade e diversidade subjetiva. Na filosofia ocidental essa história aparentemente começa com o filósofo escocês David Hume (1711-1776). 51 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 9. O Sujeito Interior Em seu livro Sumário do tratado da natureza humana, de 1740, Hume fez uma crítica da filosofia substancialista do sujeito atacando precisamente a noção de substância. Hume criticou a filosofia substancialista cartesiana que defende a existência de duas substâncias: uma mental, outra material. O filósofo escocês não encontra nenhuma impressão, nenhuma percepção forte e viva, de substância mental ou material que possa utilizar como base para derivar uma idéia correspondente de substância mental ou material. De acordo com Hume, na ausência de uma impressão correspondente, nenhuma idéia, nenhuma percepção mais fraca e menos viva, tem significado. Sendo assim nenhuma idéia de substância, mental ou material, tem significado. Na investigação de uma suposta substância mental, podem ser verificadas impressões, como sensações de calor e frio, sentimentos de amor e ódio, pensamentos, mas, afirma Hume, não se verifica nenhuma impressão de uma mente ou de um espírito que teria essas impressões. Não é possível, conseqüentemente, afirmar que tais impressões pertencem a uma mente ou a um espírito. O máximo que se pode declarar é que a mente ou o espírito são compostos por essas impressões. Na tradição aparentemente inaugurada por Hume o sujeito desaparece como um centro de atividade e de identidade. Mas, mesmo na ausência de um centro, sente-se que os princípios de atividade e identidade são necessários para descrever a experiência. Em seu livro O conceito de mente, de 1949, Ryle comenta que Hume não ficou satisfeito com suas conclusões, pois achava que alguma coisa a mais, e alguma coisa importante, deve existir. Hume inquietava-se com esta questão: se não existir alguma coisa a mais, como poderei descrever minha própria experiência? Como já foi mencionado, Rusself concorda, em seu livro Os problemas da filosofia, com a critica de Hume, mas também não fica satisfeito com suas conclusões, pois acha que é necessário admitir um conhecimento direto do eu, senão não seria possível dizer, por exemplo, INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico ‘eu conheço meu ato de ver o sol’. Hume e Russetl já se viam às voltas com o dilema que, desde então, foi tema da crítica da filosofia substancialista do sujeito, o dilema de como estabelecer um princípio de continuidade da experiência ou de identidade subjetiva sem o reconhecimento da existência de um centro. A insatisfação de Hume com sua própria teoria (bem como a de Russell) pode ser interpretada de acordo com o comentário de James, de que ele, Hume, ao ser acometido da grande doença do pensamento filosófico, tentou encontrar o mundo atrás do espelho. Hume não encontra a impressão de um substrato, de um centro de duração, de um princípio de identidade subjetiva, permanece, em decorrência, filosoficamente adoentado, desejando ardentemente descobrir um princípio de continuidade escondido atrás do espelho. Hume teria pretendido encontrar uma unidade mais real do que aquela que foi proposta por James, quando argumentou que se o sujeito é o fluxo da consciência e que se o fluxo envolve continuidade e mudança, então a unidade das partes do fluxo é tão real quanto a sua separação. James sustentou que a continuidade e a diversidade da experiência ficam preservadas desse modo no fluxo. O psicólogo norte-americano está argumentando que o sujeito é simultaneamente princípio de unidade e de diversidade. E atribui o mérito do princípio de unidade ao substancialismo e ao transcendentalismo e o mérito do princípio de diversidade ao associacionismo humeano. Mas, conclui James: faltava uma teoria que concebesse o sujeito como temporalidade para percebê-lo como continuidade e mudança. Sem deixar de reconhecer os méritos dessas filosofias, James dirige-lhes uma crítica ácida e em seguida constrói uma teoria psicológica do sujeito que compatibiliza os princípios de unidade e diversidade subjetiva, longe, como diz ele, das nuvens do substancialismo. Comparada com a crítica pós-moderna da filosofia do sujeito, a crítica de James é bem mais generosa porque reconhece os méritos dessa filosofia ao tentar elaborar uma teoria do sujeito no intuito, entre outros, de compatibilizar os princípios de unidade e diversidade subjetiva. A crítica pós-moderna da filosofia do sujeito lembra, em muitos aspectos, a crítica humeana ao substancialismo. As semelhanças são tão notáveis que se pode pensar até mesmo em uma reedição contemporânea de questões que interessam à filosofia do sujeito. Um exame superficial do discurso pós-moderno parece revelar a vitória do princípio da diversidade subjetiva. Mas, como observou Gergen, o discurso predominante sobre o sujeito é q discurso moderno, o discurso que atesta a predominância do princípio da unidade subjetiva, que, na psicologia, é belamente ilustrado com as imagens da alma honesta e dos sujeitos sólido e autêntico. As insatisfações referentes à multiplicidade do sujeito persistem, quando, por exemplo, pós-modernistas expressam o temor de reificação do sujeito fragmentado ou da perda de sensação de “subjetividade real”. Em última análise, esse conflito discursivo atesta, ao fim e ao cabo, a vitalidade da filosofia do sujeito. 53 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Jose Antônio Damásio A b it No seu clássico, James abriu umaperspectiva inovadora para a psicologia do sujeito, pois mostrou que é necessário evitar a doença filosófica que não poupou nem Hume nem Russell, A psicologia do sujeito não deve buscar o princípio de unidade subjetiva nem na substância, no espírito, na alma ou na mente, nem no Ego puro ou no eu penso transcendental kantiano, ou, seja lá no quer for, por exemplo, no olho que vê, mas que não vê que vê. Nem deve, enfim, a psicologia do sujeito, estilhaçar o sujeito e, filosoficamente adoentada, almejar descobrir um sujeito unitário, buscando a redenção de sua ação na miragem de um mundo ali, atrás do espelho. Uma psicologia do sujeito, como disse James, deve permanecer no campo fenomenal, e procurar aí, nesse campo, harmonizar os princípios de identidade e diversidade subjetiva. Com a reedição contemporânea do debate em torno dos princípios de identidade e diversidade subjetivas, um debate de certo modo falsamente polarizado como discurso moderno versus discurso pós-moderno, pois, afinal, Hume é um pensador moderno, a psicologia do sujeito, de James, contém sugestões interessantes de como compatibilizar tais princípios. Em 1890, James construiu uma psicologia fenomenal do sujeito que, em que pese, e muito, os seus méritos, é uma teoria individualista do sujeito. Nesse gênero de teoria o sujeito é princípio de explicação da ação: explica-se a ação a partir de um sujeito interior, mas não se explica a gênese social desse sujeito. Em seu livro Mente, sujeito e sociedade, Mead fez uma crítica desse tipo a Wundt quando disse que o autor alemão explicou a ação comunicativa humana a partir de um sujeito cuja origem social não foi estabelecida. Ainda de acordo com Mead, James também não investiga os processos sociais que poderiam explicar a constituição do sujeito. O psicólogo social comenta que teorias individualistas do sujeito criam um sujeito misterioso, um sujeito interior cuja origem social permanece silenciada. Psicologias individualistas do sujeito não se alinham automaticamente com a filosofia do substancialismo. A imagem de um sujeito interior está presente nas psicologias de Wundt e James, mas não a imagem de um sujeito substancial. A crítica pós-moderna alcança essas duas imagens do sujeito e, nesse sentido, as psicologias de Wundt e James não escapam à crítica. Mas é necessário distinguir a crítica à imagem do sujeito interior da crítica à imagem do sujeito substancial. Caso contrário, a crítica à imagem do sujeito substancial leva consigo psicologias, como as de Wundt e James, que são críticas da noção de substância. A crítica pós- modema deixa escapar desse modo uma ótima oportunidade de enriquecer seu discurso com psicologias do sujeito que desde longa data já acusavam as dificuldades da filosofia do substancialismo. Mas, apesar de não distinguirem com clareza o sujeito substancial do sujeito interior, os pós- modernos defendem uma teoria social do sujeito. 54 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 10. L inguagem e Sujeito Potter e Wetherel! declaram que o que caracteriza especificamente o sujeito social pós-moderno é a sua construção por práticas de linguagem, que, em última instância, são práticas sociais. Tentativas de elucidar essa caracterização do sujeito social pós-moderno podem se apoiar no construtivismo social. Há uma tendência no discurso pós-moderno que se orienta por epistemologias construtivistas que abrangem desde o construtivismo radical até o construtivismo social. O laço que envolve essas epistemologias é o de serem todas elas fundadas na linguagem. Em seu ensaio A construção do conhecimento, de 1994, em que apresenta o construtivismo radical, Glasersfeld considera a linguagem como um dos quatro ingredientes (os outros três são o ceticismo, a adaptabilidade e a cibernética) básicos dessa versão de construtivismo. Glasersfeld faz, na verdade, um comentário autobiográfico sobre a importância da linguagem para sua elaboração do construtivismo radical. Ele diz que se alguém tiver uma educação como a dele, que cresceu aprendendo três línguas natais, terá a impressão de que o mundo será diferente quando, por exemplo, falar alemão, italiano ou inglês. E essa impressão o levará a se perguntar quat desses mundos é o correto. Mas logo se dará conta de que a pergunta é impertinente porque para o falante de uma língua a sua maneira de ver o mundo é a correta. Concluí Glasersfeld que cada grupo lingüístico está correto e que, portanto, não existe correção além do grupo. Potter e Wetherell identificam o construtivismo social com o construcionismo social na forma em que foi apresentado por Gergen em seu bem conhecido ensaio O movimento construcionista social na psicologia moderna. Gergen teria, segundo Potter e Wetherell, coordenado e apresentado no seu texto de 1985 estudos de diversas fontes que podem ser descritos como expressões do construtivismo social. Gergen não deixa de reconhecer essa identificação quando inclui uma nota importante em seu texto sobre o movimento construcionista social na qual escreve que o INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Jose Antonio Damàsio A b /t termo construtivismo tem sido associado ao mesmo movimento e cita como referência o livro organizado por Paul Watzlawick, A realidade inventada, de 1981. Mas Gergen prefere o termo construcionismo porque, de um lado, pretende evitar o construtivismo estruturalista de Piaget e o construtivismo nas artes plásticas, liderado pelo artista russo Vladimir Tatlin (1885-1956), e, de outro lado, quer vincular o construcionismo social com a obra seminal de Berger e Luckmann, A construção social da realidade, de 1966. Em seu texto de 1985, Gergen faz uma série de indagações inquietantes acerca da relação da linguagem com o mundo, Seguem-se algumas delas. Se o uso de uma palavra sofre restrições do contexto lingüístico, como se pode afirmar que ela mapeia a realidade? Se uma categoria teórica reiaciona-se com a observação através de uma definição, como se pode dizer que a categoria reflete o mundo? Se uma proposição teórica só pode ser compreendida na rede conceituai da teoria, qual é o aspecto da rede conceituai que é desafiado quando uma proposição não é confirmada? Em que pesem as diferenças entre o construtivismo radical e o construcionismo social (pois, afinal, embora seja um crítico do construtivismo estruturalista de Jean Piaget, Glasersfeld está muito próximo do pensador suíço), Glasersfeld e Gergen estão fazendo uma crítica da filosofia representacional da linguagem. Apoiando-se na crítica da idéia de linguagem privada, feita originalmente por Ludwig Wittgenstein, em 1953, nas Investigações filosóficas, Gergen argumenta que a linguagem é o resultado do processo de comunicação social. Dessa perspectiva um indivíduo com uma linguagem privada não á capaz de se comunicar, na verdade, não é possível nem mesmo afirmar que tenha uma linguagem. A linguagem depende do grupo social, como diz Glasersfeld, ou do contexto lingüístico, como diz Gergen e, sendo assim, não pode mapear o mundo, não pode refletir o mundo, não pode oferecer uma imagem correta do mundo. A filosofia representacional da linguagem abre espaço para a filosofia constituinte da linguagem. A linguagem não representa o mundo: ela constitui o mundo. Descontextualizada do processo de comunicação social, a linguagem presta-se à idéia de representar objetos do mundo externo ou do mundo interno. Na vigência da filosofia representacional da linguagem os sujeitos substancial e interior são concebidos como objetos internos reais suscetíveis de serem representados pela linguagem. Entendida como representação da realidade, a linguagem exerce seu poder representacional, seja na esfera do sujeito ou das coisas do mundo externo. Potter e Wetherellcomentam que, com a virada na filosofia da linguagem, o sujeito, tomado como objeto de conhecimento, também deixa de ser representado pela linguagem. Constituído pela linguagem e pelo processo de comunicação social, o sujeito deixa de ser realidade para ser construção social: sua realidade não passa de construção social, é 56 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico realidade inventada. O sujeito é invenção social. É realidade social inventada por discursos. Os discursos são métodos de construção do sujeito. As teorias psicológicas do sujeito, por exemplo, as teorias do traço, do papel social e humanista, são, segundo Potter e Wetherell, métodos de construção do sujeito. Argumentam que todos esses métodos são legítimos para construir o sujeito. Pode ser que nesta ou naquela circunstância uma maneira de falar ou de teorizar seja mais adequada do que outra. Os discursos nem são necessariamente incompatíveis nem são necessariamente inconciliáveis. Dizem Potter e Wetherell: pode-se até tentar compatibilizar essas três teorias na construção do sujeito. Muda- se, enfim, a maneira de pensar sobre o sujeito, que deixa de ser uma pesquisa acerca do que ele é para ser uma investigação acerca de qual é a teoria ou o discurso que o constrói. 57 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 11. Identidade Social Com a virada social que assenta nos processos sociais e na linguagem a formação do sujeito, o princípio de identidade social preenche o vazio deixado pelo princípio de identidade subjetiva. Desde Mead, desde aquele momento crucial de ruptura em que o psicólogo social norte- americano mudou o eixo da investigação do sujeito, desde àquela hora em que criticou a psicologia individualista do sujeito e inaugurou a psicologia social do sujeito; a psicologia social, caminhando na contramão da filosofia substancialista e da psicologia da interioridade do sujeito, encontrou na identidade social o conceito que, como diria Mead, desfez o mistério do sujeito. O principio de identidade social na obra de Mead é tão hegemônico que ele relega a um segundo plano a experiência subjetiva. Com a virada social o debate travado em torno dos princípios de unidade e diversidade subjetiva desloca seu foco de atenção para os princípios de identidade e diversidade social. Sem dúvida alguma, os conceitos que formam a teoria de Mead, conceitos que ressaltam os contextos formativos do sujeito, como a adoção do papel do outro, a brincadeira, o jogo, a ação comunicativa e participante, as linguagens e as mentes, apontam decisivamente para o reconhecimento do princípio de diversidade social. Mas há um aspecto do conceito de outro generalizado que pode contribuir para a prevalência do princípio de identidade social. Trata-se da referência desse conceito à comunidade como um todo ou à estrutura social. Como exemplifica Crossley, o sujeito pode adotar o papel da estrutura social de que o adultério é imoral e errado, devendo ser penalizado. Esse sujeito refere-se ao me na teoria de Mead e não deixa de aludir ao sujeito sólido, não o sujeito sólido substancial, mas o sujeito sólido como princípio de identidade social. No entanto, o sujeito é também um eu, um princípio de ação crítica e de impulso que transforma o me, que transforma o outro generalizado. O sujeito não é, portanto, tão sólido quanto parece. Ele pode adotar papéis sociais de subgrupos sociais INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico conflitantes com a estrutura social. Pode, continuando com o exemplo de Crossley, adotar o papel de que o casamento é uma instituição patriarcal burguesa ultrapassada, o que o levaria a repensar a moralidade e a legalidade envolvidas na questão do adultério (a legislação brasileira descriminalizou recentemente o adultério). Ao adotar um papel social conflitante com o da estrutura social de referência, o sujeito pode iniciar ações visando à transformação dessa estrutura. A solidez do sujeito desmancha-se assim nos conflitos que envolvem a estrutura social e os subgrupos da sociedade. A estrutura social, a comunidade como um todo, comporta a existência de grupos sociais. Há, então, o outro generalizado e os grupos sociais. Mas Mead refere-se ao outro generalizado como grupo social, no singular. Daí sua referência a subgrupos sociais. O psicólogo social identifica o outro generalizado com o grupo social dominante e reconhece a existência de subgrupos sociais que circulam a margem do poder jurídico- moral constituído pelo outro generalizado. A distinção é esclarecedora porque se, de um lado, a estrutura social refere-se a um ordenamento jurídico-moral, de outro lado, esse ordenamento representa o poder político do grupo social dominante. O outro generalizado não se reduz a uma abstração jurídico-moral, mas representa o poder político do grupo social dominante. A noção de outro generalizado tem esse sentido forte de estrutura social jurídico-moral ordenada pelo poder político do grupo dominante. Mas tem também o sentido fraco de conflito de ponto de vista com os dos subgrupos sociais. Se em vez do sentido forte (o de estrutura social jurídico-moral ordenada pelo poder político do grupo dominante) se tomar o sentido fraco (o ponto de vista do grupo dominante em conflito com o dos subgrupos sociais), o conceito de outro generalizado passa a referir-se à totalidade dos grupos sociais existentes. O sujeito será constituído por vários outros generalizados que podem ser conservadores e reacionários ou progressistas e revolucionários. O sujeito social sólido evapora-se no conflito dos papéis sociais adotados pelos indivíduos na sua convivência com os diversos grupos sociais. Esse comentário transforma o texto de Mead porque sua distinção entre grupos e subgrupos sociais é abandonada, uma distinção que reflete sua insistência no sentido forte do conceito de outro generalizado. A teoria social pós-moderna do sujeito promove aberta e francamente o princípio de diversidade social. Os pós-modernos têm, por assim dizer, horror à Idéia de identidade. Um exemplo desse horror encontra-se na avaliação que Potter e Wetherell fazem da teoria dos papéis sociais. Embora apresentem essa teoria em oposição às teorias humanista e do traço, não a poupam da crítica que dirigem às psicologias do sujeito. Pois vêem na teoria dos papéis a presença do princípio de identidade social. Mas deve-se observar que, na crítica da teoria dos papéis sociais, Potter e Wetherell não distinguem com clareza o sujeito sólido do sujeito cebola. O que fazem é uma exposição da teoria do papel social centrada 59 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio Abib na imagem do sujeito ceboia e uma crítica a essa teoria centrada na imagem do sujeito sólido, como se ambas as imagens circulassem livremente na teoria. Mas. foi dito que, na dramaturgia, como Fjeld e Young argumentaram, a imagem do sujeito sólido predominou até o século XIX, quando então cedeu lugar à imagem do sujeito cebola. Na medida em que a metáfora da dramaturgia é relevante para a teoria dos papéis sociais, é de se esperar que essa teoria apresente evolução similar. Uma resposta rigorosa e segura, todavia, só pode sei fornecida por uma investigação histórica da carreira e do destino da teoria dos papéis sociais. 60 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 12. Diversidade Cuiturai Já é lugar comum ouvirdizer que Skinner nega a existência do sujeito. Sua psicologia tem sido, por isso, freqüentemente caractèrizada como uma psicologia sem sujeito. Mas o que Skinner não aceita são as filosofias substancialistas e individualistas do sujeito. Como alma ou como mente, o sujeito inicia a ação, eis o que Skinner nega. O sujeito como princípio de ação inexplicável, eis novamente o que Skinner refuta. O psicólogo norte-americano argumenta que o sujeito não é princípio de ação, mas produto e, sendo assim, precisa ser explicado. O sujeito é produto da evolução natural, pessoal e cultural. Esse produto, ou como Skinner gosta de dizer, esse ponto, esse lócus, é o resultado do processo evolutivo. O sujeito é um ponto, um lócus, um ponto de chegada da evolução natural, pessoal e cultural. Após demarcar o processo de produção do sujeito, Skinner mostra, em praticamente tudo o que escreve acerca do sujeito, que ele é ativo. Diz ele que o homem é modificado pelas conseqüências de suas ações, mas que essas conseqüências ocorrem porque o homem transforma o mundo com sua ação. Quer dizer, é o homem que produz as conseqüências que terminam por modificá-lo. Do mesmo modo como fez Mead, Skinner desvinculou o conceito do sujeito iniciador da ação do conceito do sujeito transformador do mundo. Se p sujeito não inicia a ação, isso de modo algum implica que seja passivo, o processo que explica o sujeito como produto pode ser transformado pelo sujeito. No texto de 1989, onde critica mais uma vez a noção de sujeito como princípio de ação, Skinner faz uma correção na sua psicologia do sujeito. Trata-se de uma retificação, que, naturalmente, ele considera como uma evolução da teoria do comportamento: consiste em remover a identidade entre os conceitos de pessoa e sujeito. A pessoa, diz Skinner, é diferente do sujeito e ambos são diferentes do organismo. Skinner relacionou esses conceitos com a teoria conseqüencialista do comportamento. As conseqüências de sobrevivência naturais produzem INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José A ntòn/o ü amásio Abib organismos, as conseqüências reforçadoras e culturais produzem respectivamente pessoas e sujeitos. O psicólogo norte-americano faz uma distinção entre o organismo e o corpo que é importante para compreender a maneira como discorre posteriormente acerca do sujeito. Com efeito, afirma que o organismo é um corpo que faz coisas e que por isso é mais do que um corpo físico; com razão, pois corpos físicos não são organismos, não são corpos que fazem coisas. Apóia-se na etimologia para fazer essa distinção: órgão e organismo relacionam-se com trabalho. Se a pessoa e o sujeito fazem coisas é porque são organismos. Mas não é só isso. A noção de pessoa relaciona-se com a palavra máscara que os atores usavam nos teatros grego e romano antigos. As pessoas, explica Skinner, são semelhantes aos diversos papéis dramatúrgicos representados por um ator, e afirma que as contingências de reforço produzem repertórios com porta menta is que são chamados de pessoas, papéis, máscaras. Haverá tantas pessoas em um organismo, tantas personalidades múltiplas, diz Skinner, quantas forem as diferentes contingências de reforço. Na época em que identificava a pessoa com o sujeito, no livro Sobre comportamentalismo, por exemplo, a pessoa era o eu que refere a si mesmo ou o eu que refere ao me. Há, diz Skinner, um sujeito (ou uma pessoa) que conhece e um sujeito (ou uma pessoa) conhecido, ou na sua linguagem, há dois sujeitos (ou duas pessoas) na mesma pele. O conhecedor é a pessoa (ou o sujeito) que descreve e o conhecido é a pessoa (ou o sujeito) descrita, mantendo-se sempre preseme que a pessoa é um organismo, mas que as descrições que são feitas são provenientes de contingências verbais de reforço. Mais uma vez, há uma pluralidade de pessoas, de sujeitos, há, por exemplo, na mesma pele, os sujeitos que controlam e os sujeitos controlados, como se pode verificar nos regimes alimentares, na atividade física, no controle das emoções, e por aí afora. Em seu texto mais recente, Skinner distingue a pessoa do sujeito. A noção de pessoa refere-se aos repertórios comporta menta is, às máscaras, que podem ser observados por todos. Do mesmo modo como os expecta dores de uma peça teatral podem ver os papeis representados pelo ator, todos podem ver as pessoas, todos podem ver seus repertórios com porta mentais. Já a noção de sujeito refere-se à introspecção ou ao ato de sentir as condições corporais que são produzidas pelas conseqüências reforçadoras. Skinner afirma que o sujeito só pode ser observado por ele mesmo. Poder ser observado por todos ou somente por si mesmo estabelece a diferença específica entre os conceitos de pessoa e de sujeito. As conseqüências reforçadoras produzem comportamentos e condições corporais que formam pessoas e sujeitos. No curso desse processo os sujeitos aprendem a descrever as condições corporais que participam de sua formação. Convém ressaltar, no entanto, que os repertórios comportamentais e condições corporais que formam pessoas e sujeitos são repertórios e condições corporais de um organismo. Conseqüentemente quando se diz que as condições corporais são descritas por sujeitos, 62 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico entenda-se que a descrição refere-se a condições corporais que são sentidas por organismos. Os organismos sentem as condições corporais produzidas pelas conseqüências reforçadoras, e como os sujeitos são organismos, eles também sentem essas condições. Mas, diferentemente dos organismos, os sujeitos aprendem a descrever essas condições sentidas com suas comunidades verbais. Andando certa vez em um parque vi uma criança tentando agarrar um quati. O animal pôs-se em fuga desenfreada e escutei a mãe dizer ao seu filho: “não faça isso que ele fica com medo”. Pode-se afirmar que o quati fugiu de uma conseqüência que, a um só tempo, é aversiva e geradora de condições corporais que foram sentidas pelo animal Mas não se pode afirmar que tenha sentido medo. Medo é o nome de uma descrição verbal que os sujeitos humanos aprendem com comunidades verbais, mas que só temerariamente pode ser atribuído aos animais. Certamente sabe-se que o quati sente algo, é o que diz nossa observação e intuição bem como a teoria com porta mental de Skinner, mas não se sabe o quê sente. Para responder a essa questão seria necessário perguntar qual é a descrição que a comunidade verbal de quatis faria do quê ele sente quando a criança tenta agarrá-lo e ele foge. Mas o que seria uma comunidade verbal de quatis? O sujeito, afirma categoricamente Skinner, não é observado por todos, como as pessoas o são. Mas ressalta-se, aqui, que a observação privilegiada do sujeito refere-se a observações silenciosas de si e não a algo privado e inacessível aos outros. A idéia de eventos privados - à espera de uma linguagem que os representem como eles são realmente ou verdadeiramente - fundamenta-se na concepção insustentável de que há eventos observáveis em si mesmos, independente de teorias, inferências, construções conceituais, jogos de linguagem e comunidades verbais. Em suas Investigações filosóficas, Wittgenstein demonstrou a impossibilidade de uma linguagem privada, mas é bem por esquecer essa lição do filósofo que se tece a esperança de que o quê é sentido possa ser observado, experimentado e medido, e que, ao fim e ao cabo, o conhecimento derivado dessa investigação tenha validade geral ou até mesmo universal. Em um texto já relativamente antigo, Skinner, materialista metafísico? "Never mind, no matter”, de 1982, e em outro mais recente, Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia, de 1997, procurei mostrar, da perspectiva do pensamentocrítica da filosofia do sujeito. Nesse ínterim desenvolvi um projeto, que foi apoiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) com uma bolsa de produtividade em pesquisa no período de 2000 a 2005, no intuito de sondar as relações envolvendo a psicologia do sujeito e o discurso pós-moderno. Foi com esse projeto que vi a possibilidade de mostrar as convergências que envolvem a psicologia do sujeito e o discurso pós-moderno. A meu ver, a hora mais difícil do prefácio de um livro é a dos agradecimentos. Certamente não seremos capazes de agradecer a todas as pessoas pelo peso que suportaram enquanto o texto se fazia. Muitas vezes sequer sabemos que sofrimentos infligimos a elas enquanto pensamos que estamos fazendo algo importante. Agradeço a todos aqueles que de um modo ou de outro tiveram que suportar algum peso por causa desse livro. Agradeço também àqueles que foram um estímulo para que esse ensaio pudesse vir à luz, especialmente agradeço aos meus filhos, Aleksei e Stavros, por sua presença; à minha mulher, Miryam, por seus comentários; aos meus alunos, peio peso que tiveram de suportar, e ao CNPq pela bolsa que me concedeu em um período crucial para o desenvolvimento desse projeto. Depois de tantos anos de ensino, projetos, pesquisas e apoios, o leitor poderia estranhar um livro tão breve acerca de um assunto tão vasto. Por que não um livro de trezentas ou quinhentas páginas? Eu diria que um ensaio, breve e leve, talvez combine melhor com esboços. José Antônio Damásio Abib 10 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Introdução: Do Sujeito na Psicologia ao Sujeito Pós-Moderno A idéia de um sujeito substancial, que teria vigorado na modernidade, embora, na verdade, seja bem mais antiga, é o alvo preferido da crítica dos pensadores pós-modernos. Tão incisiva e influente é essa crítica que boa parte do discurso pós-moderno pode ser caracterizada como crítica da filosofia substancialista do sujeito. Trata-se de uma crítica que alcança também a psicologia do sujeito. Pois existem psicologias do sujeito, como as que se encontram na teoria dos traços de personalidade e na psicologia humanista, que estão fundamentadas na filosofia substancialista do sujeito. Desde o século XIX, e também no século passado, encontram- se críticas da filosofia substancialista do sujeito nas obras de psicólogos como Wilhelm Wundt (1832-1920), William James (1842-1910), George Herbert Mead (1863-1931), e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), que são semelhantes à crítica dos pensadores pós-modernos, Mead e Skinner criticam também a idéia de um sujeito interior, presente nas psicologias de Wundt e James. A distinção entre a noção de sujeito substancial e de sujeito interior é passada por alto no discurso pós-moderno, mas não nas psicologias de Mead e de Skinner. Nesse sentido, há uma tendência na psicologia do sujeito que alarga a crítica pós-moderna da filosofia substancialista do sujeito. Mas não é apenas da perspectiva da crítica da filosofia do sujeito que a psicologia do sujeito desses clássicos se aproxima do discurso pós- moderno. Há, também, notáveis e surpreendentes semelhanças quando, depois do trabalho da crítica, as concepções acerca do sujeito nessas psicologias e no discurso pós-moderno são sondadas e comparadas. O sujeito no labirinto é um ensaio psicológico que trama uma reflexão sobre o sujeito buscando sua fonte de inspiração na filosofia e psicologia òo sujeito e no discurso pós-moderno. O título O sujeito na psicologia, assunto da primeira parte do ensaio, é enganoso se o leitor INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio Abib pensar que estará diante de uma apresentação exaustiva das acepções de sujeito na psicologia ou se pensar que as teorias examinadas o foram de modo cabal, completo. Importantes psicologias modernas do sujeito que podem dialogar criticamente com a filosofia do sujeito e com o discurso pós-moderno não foram examinadas, por exemplo, a psicologia genética de Jean Piaget e a psicologia sócio-histórica de Lev Vygotsky. Uma razão para a escolha das psicologias do sujeito aqui examinadas foi a de mostrar que a crítica da filosofia do sujeito e que teorias do sujeito já estão presentes na obra dos fundadores da psicologia moderna: Wundt e James. Outra razão foi a de dar voz ao perspectivismo de Wundt, ao empirismo radical de James e aos pragmatismos de Mead e Skinner no intuito de promover o encontro dessas filosofias com a filosofia do construtivismo pós-moderno, a versão do discurso pós-moderno que é examinada nesse livro. Nem todo o construtivismo é pós-moderno. O de Jean Piaget, por exemplo. O construtivismo de Piaget é moderno na medida em que a psicologia genética se filia ao estruturalismo, contribuindo significativamente para o seu desenvolvimento. Nos passos da psicologia da Gestalt, uma das vertentes constituintes da filosofia e psicologia estrutura lista do século XX, a psicologia genética de Piaget explicou o que foi deixado intocado pela obra de autores como Kurt Koffka e Wolfgang Köhler: a gênese das estruturas. Mas, apesar de Piaget ter se dedicado ao estudo da construção das estruturas, é o estruturalismo que fundamenta a psicologia genética. E, como já é lugar comum no debate envolvendo pensadores modernos e pós-modernos, o discurso pós-moderno é pós-estruturalista. Justifica-se, desse modo. que o construtivismo de orientação estruturalista, ou simplesmente o construtivismo estruturalista, com ênfase na gênese biológica das estruturas, como o de Piaget, não seja examinado aqui. No entanto a vertente pós-estruturalista do discurso pós-moderno não é tema desse ensaio: são feitas apenas três breves referências a Michel Foucault e nenhuma a Jacques Derrida ou a Güles Deleuze. A proximidade do construtivismo radical de Ernst Von Glasersfeld com o construtivismo estruturalista de Piaget desperta, naturalmente, a suspeita de que se trata de outra versão moderna de construtivismo. Mas há razões de sobra para aproximar o construtivismo radical do construtivismo pós-moderno. Com efeito, Glasersfeld é um crítico tenaz da concepção representacional do conhecimento, que ele acha que está presente na obra de Piaget, bem como um ardoroso defensor da concepção constituinte da linguagem. São esses aspectos do construtivismo radical que o colocam inexoravelmente na rota do discurso pós-moderno e que contribuem para elucidar seu radicalismo. Por isso, ainda que brevemente, será dito algo acerca dessa versão de construtivismo. Os construtivismos pós-modernos tratados, aqui, são: o construtivismo social e o construcionismo social nas formas em que foram apresentados respectivamente por Jonathan Potter e Margaret Wetherell, 12 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico e Kenneth Gergen. Na verdade, Potter e Wetherell não distinguem o construtivismo social do construcionismo social. Mas Gergen evita o termo construtivismo, pois não quer confundir o construcionismo social nem com o construtivismo estrutura lista de Piaget nem com o movimento artístico russo conhecido como construtivismo. Dito isso, não se vê, à primeira vista, quais seriam as razões que ainda poderiam justificar a distinção entre o construtivismo social e o construcionismo social. Mas há este motivo: o construtivismo social tem um caráter mais geral do que o construcionismo social. Com efeito, existe, ao menos, uma versão de construtivismo social que é diferente do construcionismo social. Trata-se da psicologia sócio-histórica de Lev Vygotsky, que Cari Ratner, em seu livro A psicologia sócio-histórica de Vygotsky: aplicações contemporâneas, dede Skinner, os limites de uma ciência de sentimentos orientada por uma noção ingênua de observação bem como as possibilidades de investigar sentimentos nos contextos do comportamento verbal, da linguagem e da cultura. O sujeito, diz Skinner, refere-se ao quê ele sente: o sujeito sente ou observa algo. Quer dizer, o ato de sentir (ou a introspecção) é fundamental para explicar o sujeito. Em 1982 eu dizia que o ato de sentir é uma relação que envolve a resposta de sentir - e mais especificamente, digo agora, a resposta de sentir a auto-estimulação produzida pela condição corporal - e o quê é sentido. Há então o sujeito que sente e o 63 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Aniúnia Damásto AO/b sujeito que é sentido. Por outro itinerário reencontra-se o sujeito como relação entre o eu e o me. Trata-se do reencontro do sujeito verbal. Com efeito, o eu, o sujeito que sente ou que faz introspecção, que observa, na verdade, descreve; e o me, o sujeito que é sentido, é o sujeito descrito. Há um sujeito descritor e um sujeito descrito, construídos, ambos, pela comunidade verbal. De modo similar pode-se afirmar que há uma pessoa que sente e outra que é sentida. Mas, nesse caso, o quê a pessoa sente é repertório de comportamento e o que descreve é o repertório sentido. Há, portanto, a pessoa que conhece - a que descreve - e a pessoa conhecida - a que é descrita. Se a palavra como for referida à descrição verbal do quê é sentido, o sujeito refere-se a como ele sente sua condição corporal. Por exemplo, e são exemplos de Skinner, louvor por boas ações produz auto-estima, ações bem-sucedidás produzem autoconfiança, punição de comportamentos moralmente irresponsáveis produz sentimento de responsabilidade. MaS é necessário ressaltar que as conseqüências reforçadoras variam de cultura para cultura: o que reforça em uma cultura pode não reforçar em outra. Isso significa dizer que as conseqüências reforçadoras dependem das comunidades verbais. Logo, os sentimentos também. Não há condições corporais que, independentemente de como são sentidas nesta ou naquela cultura, se prestem a uma demarcação de sentimentos. Não existe, em suma, uma condição corporal que possa ser sentida igualmente por todos em qualquer cultura e em qualquer período da história, pois o quê é sentido depende de como é sentido, que, por sua vez, depende da evolução das comunidades verbais. Skinner afirma que a etologia estuda o comportamento dos organismos, que a análise do comportamento estuda o comportamento das pessoas, e que cabe à antropologia e à história o estudo de práticas culturais que constituem sujeitos. Coerente com seu ponto de vista, defende a tese de qué a evolução cultural é um processo exclusivamente humano. Trata-se de um processo, diz Skinner, que produz um conflito cultural de grande magnitude parã a humanidade. E por quê? Pelo fato de que uma cultura prepara seus membros somente para um mundo que é semelhante àquele eril que ela mesma evoluiu. As comunidades verbais que ensinam as pessoas e os sujeitos a descrever seus próprios comportamentos e sentimentos representam linguagens e culturas evoluídas. O comportamento verba! que as pessoas e os sujeitos aprendem e com os quais descrevem os próprios comportamentos e sentimentos é indissociável das comunidades verbais, das linguagens ou das culturas. Qualquer descrição do mundo e do sujeito não representa um mundo e um sujeito descontextualizados da linguagem e da cultura. Com o comportamento verbal descreve-se um mundo e um sujeito constituído pela linguagem de uma cultura. Uma descrição dessa natureza não significa representação, significa constituição. A descrição verbal é constituinte do mundo e do sujeito porque é contextuai. O anti-representacionismo e o contextualismo, ao lado do 64 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeita na Labirinto: Um ensaie Psicológico comportamentalismo e do conseqüencialismo, são, como em Mead, características básicas da filosofia do pragmatismo que atravessa de ponta a ponta a teoria de Skinner acerca do sujeito Skinner não tem um conceito equivalente ao conceito de outro generalizado de Mead. Não há nenhuma comunidade verbal que possa alcançar essa posição. A análise do comportamento é na sua essência uma análise do controle social do comportamento e, nesse sentido, é uma análise do poder de produção das comunidades verbais: produção de comportamentos, sentimentos e conhecimento desses produtos. É dessa perspectiva que Skinner faz uma extensa análise das agências de controle, como o Estado, a economia, a religião, a educação, e a psicoterapia e, portanto, é dessa mesma perspectiva que os sujeitos são produzidos e conhecidos. Os sentimentos também: a auto-estima, a autoconfiança, o sentimento de responsabilidade moral são produzidos por técnicas de controle, quer dizer, por técnicas de poder: como os controles aversivos e positivos que operam nas culturas humanas, que operam nas contingências verbais, que se transformam, com a evolução das culturas, nas contingências atuais de controle. Contingências e técnicas de controle que podem ser enfrentadas com os contracontroles ou simplesmente com a fuga e a esquiva de tais contingências e exercícios de poder. São parcas as referências de Skinner à noção de identidade, e é bastante significativo que em uma de suas mais extensas referências, que se encontra em Sobre comportamentalismo, tenha relacionado essa noção com o sujeito como um ponto, como um lócus, como um produto da história natural, pessoal e cultural, enfim, com um sujeito único. Um sujeito que. do ponto de vista da história natural, só não seria único se tivesse um gêmeo idêntico, mas que seria único sob qualquer circunstância do ponto de vista de sua história pessoal e cultural. A noção de identidade, subjetiva ou social, sofre assim seu último golpe com a noção de sujeito único. Síntese de organismo, pessoa e sujeito, a idéia de sujeito único alarga o conceito de sujeito. Com efeito, stricto sensu o conceito de sujeito refere-se ao sujeito verbal construído pelas comunidades verbais, refere-se, em outras palavras, ao processo de descrição do ato de sentir construído pelas comunidades verbais; mas lato sensu, refere-se à história única que é constituída pela diversidade e complexidade oriundas da história natural, pessoal e cultural. Skinner inaugura uma psicologia cultural centrada no conflito de poderes e de conhecimento e pode-se resumir brevemente a passagem da psicologia social de Mead para a psicologia cultural de Skinner dizendo-se o seguinte: substitua o outro generalizado pelas comunidades verbais. O princípio de diversidade cultural aflora belamente e a cultura da identidade social é deixada para trás. 65 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 13. Nota Pode-se recorrer a inúmeros exemplos históricos e antropológicos para apoiar o ponto de vista de que sentimentos são constituídos pelas culturas e pela história. Em seu livro A psicologia sócio-histórica de Vygotsky. aplicações contemporâneas, Ratner menciona alguns desses exemplos. Diz esse autor que o amor romântico passou a existir nos Estados Unidos e na Inglaterra somente no século XIX. Antes disso, era mais um dever controlado por contingências econômicas do que um sentimento requintado, e atualmente está se transformando, está perdendo seu caráter de compromisso em favor da liberdade pessoal e do enriquecimento da experiência amorosa. Do mesmo modo, o amor materno t»l como é reconhecido na atualidade só surgiu no século XIX, Na Inglaterra puritana o recém-nascido era visto como um ser depravado que precisava ser disciplinado. Araiva que os povos llongot das Filipinas e os Kaluli de Nova Guiné sentem não é de ordem pessoal. Predominam entre eles os vínculos de solidariedade que controlam as implicações sociais da raiva e, para os Kaluli, basta uma retribuição qualquer, como uma quantidade de dinheiro, para esquecê-la, o que é diferente da raiva pessoal, que normalmente exige um pedido de desculpas. Os léxicos referentes a sentimentos são também impressionantemente distintos, o inglês tem 400 palavras para referir-se a sentimentos, o chinês, 750 (e o português, teria quantas?). Há também belas criações poéticas que apóiam a tese referente à diversidade contextuai de sentimentos. Em sua poesia subversiva da ordem capitalista, o grande poeta brasileiro, Manoel de Barros, escreve em Matéria de poesia, de 1974, obra reeditada em Gramática expositiva do chão: poesia quase toda, de 1990, que: “Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros serve para poesia” (p. 180). Ou ainda: “Os loucos de água e estandarte servem demais O traste é ótimo O pobre diabo é colosso” (idem, ibidem). Em seu INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico iluminador ensaio sobre a poesia do poeta mato-grossense, intitulado A poesia ao rés do chão, uma introdução a Gramática expositiva do chão, Berta Waldman ressalta que os objetos que não têm valor de troca, que a eleição da pobreza, e que os homens desligados da produção, os vagabundos, os andarilhos, os loucos, os idiotas de estrada, constituem o leitmotiv da poesia de Manoel de Barros. Desligados do sistema de produção capitalista, o que sentem os degredados dessa sociedade? Sentem auto-estima, autoconfiança ou responsabilidade moral, esses sujeitos que não têm como valor o valor de troca? Ou melhor, como sentem o quê sentem? Quais são suas comunidades verbais? A tendência que o ser humano tem de violar contextos constitutivos de sentimentos decorre provavelmente de uma tendência mais primeva que o leva a atribuir seus sentimentos aos seres. O belíssimo poema de Alberto Caeiro, o Guardador de rebanhos, esse clássico da língua portuguesa, publicado em 1911- 1912, ilustra essa tendência. Escreve o grande poeta que “os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar”. O nosso poeta não concorda com os poetas místicos: “Mas flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes”. Continua o autor do Guardador, “Os poetas místicos são filósofos doentes”, grave juízo, pois “os filósofos são homens doidos”. Filósofo doente e homem doido, os poetas místicos adoecem os rios, as pedras, as flores. Solene, surge a voz do poeta, a voz do Guardador, “É preciso não saber o que são flores e pedras e rios Para falar dos sentimentos deles. Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. Graças a Deus que as pedras são só pedras, E que os rios não são senão rios, E que as flores são apenas flores” (1998, 233, XXVfll, p. 219). Vou correr o risco de falar depois do poeta e dizer que se o ser humano já é capaz de atribuir seus próprios sentimentos a corpos físicos, como rios e pedras, não é de se admirar que os atribua a corpos orgânicos, e muito menos que, já incontido pela doidice e doença, e com a razão ainda mais abalada pelas semelhanças dos corpos orgânicos, veja nesses corpos seus próprios medos, alegrias e tristezas. 67 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 14. O Adeus à Cultura da Identidade Na filosofia ocidental foi com Hume e na psicologia foi provavelmente com Wundt e James que o princípio de identidade substancial começou a ruir. Já com Wundt e James surge uma tendência de buscar a identificação do sujeito com processos psicológicos ao mesmo tempo em que se evita, a todo custo, sondar o que ainda poderia haver atrás desses processos. Se Wundt e James localizam esses processos respectivamente na experiência e na consciência, a curiosidade sobre o sujeito acaba aí: nada de olhar atrás do espelho. Não há nada atrás do espelho! Mas, com razão, Wundt e James podem ser acusados de se solidarizarem com o princípio de identidade subjetiva relegando o sujeito a uma condição de interioridade inexplicável. Essa acusação não pode ser estendida a Mead, embora se possa acusá-lo de defender o princípio de identidade social com base no conceito de outro generalizado. Tomado, no entanto, no sentido fraco, o conceito de outro generalizado dá margem à noção de diversidade social. Com o conceito de comunidades verbais e de sujeito único de Skinner, as ambigüidades da noção de outro generalizado podem ser resolvidas. Com efeito, embora uma comunidade verbal seja capaz de produzir comportamentos, sentimentos e descrições com um grau de uniformidade similar ao outro generalizado de Mead, Skinner alude é ao convívio com diversas comunidades verbais. Dar uma oportunidade a essa alusão significa abrir-se à diversidade conflitante de culturas e abandonar de vez os princípios de identidade subjetiva e social. Com a demonstração de que os sujeitos são produzidos, a psicologia do sujeito contribui para esclarecer a imagem do sujeito como sujeição, não tanto no sentido da filosofia política, em que o sujeito é o que obedece 30 soberano, ou o que não é cidadão porque não é livre. Mas no sentido em que o sujeito está submetido a controles sociais, culturais e históricos, que se apresenta dominado, quer como princípio de identidade social, histórica e cultural, quer como princípio de identidade subjetiva. A INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicoíógico psicologia do sujeito aponta desse modo para a necessidade de se criticar e de se esvaziar a cultura da identidade, em qualquer de suas dimensões: substancial, subjetiva, social, cultura!, histórica. A psicologia moderna do sujeito, não aquela que promove as imagens de alma honesta, de sujeito sólido e de sujeito autêntico, mas a que parte de Wundt e James, e se desenvolve com Mead e Skinner, começa então a se encontrar com o discurso pós-moderno. Nesse discurso o esvaziamento do princípio de identidade substancial está na base da imagem do sujeito vazio e, naturalmente, das devastadoras crises de identidade que se propagam na vida contemporânea e que, como comenta Crossley, têm alimentado a obsessão por celebridades, consumos, alimentos e psicoterapias. O discurso pós-moderno vê, contudo, nas crises de identidade uma trajetória de conhecimento e libertação. Crossley refere-se a um texto de Gergen, O sujeito saturado: dilemas da identidade na vida contemporânea, de 1991, no qual o psicólogo social elaborou, como já diz o título de seu ensaio, o conceito de sujeito saturado. Gergen, diz Crossley, vê uma saturação social, vê múltiplas perspectivas de olhar ou de vozes do gênero humano nas sociedades complexas. As pessoas defrontam-se, como nunca dantes, com vozes, com olhares, que contextualizam a verdade de suas identidades, que lhes mostram o quanto as suas realidades sociais e subjetivas são construções de suas sociedades e culturas. Teixeira Coelho, em seu texto A revolução silenciosa, de 2003, refere-se a um comentário de Edward Said no qual o pensador palestino afirma que é tedioso e sem propósito as pessoas interessarem-se por si mesmas e por suas raízes. O que importa, segundo o autor palestino, diz Coelho, é a identidade múltipla. Não é necessário um grande esforçode imaginação para compreender o ponto de vista de Said, é só pensar por um momento o quanto a preocupação com as raízes tem fomentado conflitos e guerras de toda sorte na história do gênero humano. Michel Foucault abre seu texto O sujeito e o poder, de 1982, afirmando que não teria sido seu objetivo nos últimos vinte anos de seu trabalho analisar o fenómeno do poder ou elaborar seus fundamentos. Seu propósito, diz o pensador e psicólogo pós-estruturalista, teria sido o de criar uma história dos diferentes modos utilizados pela cultura ocidental para transformar os seres humanos em sujeitos. O assunto de Foucault é o sujeito. Por que então se dedica o filósofo ao estudo do poder? Porque a palavra sujeito tem dois significados que sugerem formas de poder que subjugam. Com efeito, pode-se estar sujeito a uma outra pessoa por controle e dependência ou pode-se estar sujeito à sua própria identidade por um ato de autoconhecimento. Evidentemente são distintas as visibilidades dessas formas de sujeição, a última é mais difícil de ser vista como forma de sujeição. Afinal, quem diria de imediato que a busca sôfrega pela identidade substancial, subjetiva, pessoal, histórica, cultural, social é a busca sôfrega pela sujeição? Pois bem, é disso que se trata, diz Foucault. A identidade refere-se à sujeição a centros de poder. O poder, diz Teixeira Coelho, não 69 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damàsto Abib está em um único ponto, não está apenas no Estado, na classe social ou no partido político. O sujeito não está vergado apenas sob esses poderes. As identidades sociais relacionadas com papéis hierarquicamente superiores, o género, a etnia são alguns exemplos de poderes que circulam na sociedade. Na verdade, Foucault demonstrou em Microfísica do poder, um livro de 1979, organizado por Roberto Machado, a circulação disseminada dos poderes nas instituições sociais. A despossessão do sujeito não pode ser enfrentada na perspectiva da cultura da identidade substancial, subjetiva ou social. A cultura da identidade cega o sujeito, que deixa de ver o quanto é escravo de sua própria identidade. 70 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 15. Psicologia e Filosofia do Sujeito A psicologia do sujeito passa ao largo da filosofia do sujeito, mas não, obviamente, da filosofia como um todo. A psicologia do sujeito de Wundt é fundamentada em seu perspectivismo. A psicologia do sujeito de James é sustentada pelas filosofias do empirismo radical e do pragmatismo, embora somente a primeira tenha sido examinada aqui. As psicologias do sujeito de Mead e de Skinner são sustentadas pela filosofia do pragmatismo. Aqui, isso foi mais claramente apresentado em Mead do que em Skinner, Mas os aspectos básicos do pragmatismo são facilmente verificáveis na psicologia do sujeito de Skinner. O comportamentalismo e o conseqüencialismo são evidentes. O anti-representacionismo pode ser verificado na impossibilidade do comportamento verbal descrever objetos, eventos e processos do mundo, como eles realmente são. Esse tipo de comportamento verbal que Skinner chama de tacto não pode ser compreendido como representação. E também o autotacto, o comportamento verbal que descreve o ato de sentir os estímulos controlados pelas condições corporais, não descreve o ato de sentir como ele realmente é. Como o tacto, o autotacto não pode ser compreendido como representação. Essas restrições devem-se ao contextualismo da psicologia de Skinner e referem-se a uma relação indissolúvel entre aquisição de tactos, de autotactos e comunidades verbais. O comportamento verbal existe em relação indissociável com linguagens e com comunidades verbais. As inovações introduzidas por Mead e Skinner no pragmatismo filosófico, as de conceber a linguagem (Mead) e o comportamento verbal (Skinner) como o contexto de formação do sujeito, correspondem, no âmbito da psicologia, à virada ocorrida na filosofia da linguagem, que expulsou a mente de seu local privilegiado de representação do mundo e do sujeito. No seu texto de 1989, Psicologia social e a revolução errada, em que faz uma ácida crítica à revolução cognitiva, Gergen refere-se a essa revolução, a revolução na filosofia da linguagem, precisamente ao INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Jasé Antônio Damásio A b it declarar que não se trata mais de investigar as relações entre a mente e o mundo, mas de examinar as relações entre as palavras e o mundo. Da perspectiva da psicologia pode-se entender a virada da filosofia da mente para a filosofia da linguagem como uma virada da teoria individualista do sujeito para a teoria social do sujeito, cujo início deve-se a Mead. Crítico da filosofia do sujeito, o discurso pós-moderno é discurso filosófico. O construtivismo que é inerente a esse discurso é filosofia com referências filosóficas de longa tradição. No prefácio do livro que editou em 1981, A realidade inventada, Watzlawick, como Gergen, critica o uso do termo construtivismo, e sugere, em seu lugar, indagação da realidade, mas termina adotando o termo construtivismo. Arrola ainda uma longa lista de filósofos e de tradições filosóficas que sustentam o construtivismo. Encontram-se nessa lista autores como Immanuel Kant, Wilhelm Dílthey, Edmund Husserl, Ludwig Wittgenstein, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg, Berger e Luckmann, entre outros. Glasersfeld busca as raízes filosóficas do construtivismo radical nos filósofos céticos, na obra de Charles Darwin, e nos fundadores da cibernética. Como já foi mencionado, Potter e Wetherell referem-se ao construtivismo social relacionando-o com o trabalho síntese de Gergen, de 1985, e Crossley endossa a posição de Potter e Wetherell. Como também já foi mencionado, Gergen relaciona o construcionismo social com o texto de Berger e Luckmann - um texto que tem forte referência fenomenológica. Na verdade a referência de Gergen é bem mais extensa e inclui filósofos relacionados com a tradição do construtivismo, resguardadas, obviamente, as diferenças relacionadas ao construtivismo de Piaget. O perspectivismo de Wundt, o empirismo radical de James, as psicologias pragmatista de Mead e Skinner, encontram-se com o construcionismo social. Trata-se de encontros filosóficos, e como esses encontros se referem ao sujeito, referem-se, em última análise, à filosofia do sujeito. A psicologia do sujeito e o discurso construcionista social pós- moderno do sujeito são críticos de certas filosofias do sujeito. Mas, aparentemente, não há como conceber a noção de sujeito sem uma filosofia do sujeito. A psicologia do sujeito e o discurso pós-moderno do sujeito partilham da crítica a certas filosofias do sujeito e encontram-se por vias filosóficas distintas, o perspectivismo, o empirismo radical, o pragmatismo e o construcionismo social, na defesa de filosofias do sujeito que não negam a sua capacidade de transformar o mundo. Mas sem ingenuidade: é necessário compreender que o sujeito vive em regimes de sujeição que precisam ser conhecidos e transformados, pela ação política, diz Foucault, pela ação ética, dizem Mead e Skinner. Em síntese, pela ação ética e política, porém é necessário estar bastante alerta para que a ação ética não reproduza formas de sujeição, o que significa dizer que todo projeto ético precisa ser posto sob suspeição. À ética cabe a prioridade das metas, e à política não cabe somente o papel estratégico dos meios, mas também, e principalmente, a prioridade da crítica. 72 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 16. Sujeito, individualismoe Etica O que é afinal o sujeito? Não se deve fazer essa pergunta, foi o que disseram Potter e Wetherell. Mas por que não? Porque não é possível encontrar uma caracterização definitiva do sujeito, e qualquer tentativa nesse sentido envereda por uma ontologia realista e uma epistemologia representacional indefensáveis. Quando Wundt e James afirmaram que o sujeito é processo deram um passo decisivo na contramão dessa ontologia e epistemologia que foi definitivamente afastada quando Mead o inscreveu na vida social e Skinner disse que ele é como ele se sente. Afinal o como não se refere a vias de acesso que deixam intocados os processos. As vias de acesso inventam. Não há vários caminhos que conduzem a Roma? Cada caminho inventa uma Roma. Quando Gergen declara que o sujeito é discurso e Potter e Wetherell afirmam que os discursos são métodos de construção do sujeito, o que dizem é que o quê o sujeito é depende de como o discurso social o constrói. Os pragmatismos e o construcionismo social são epistemologias sociais. Isso significa dizer que é impossível declarar de antemão o que é o sujeito. Por isso essa pergunta precisa ser silenciada. Faz parte da cultura filosófica do Ocidente perguntar pelo ser: o que é? Lembra-se de Sócrates? Provavelmente a pergunta sobre o que é o sujeito não se calará. Mas quando for feita, o melhor é continuar a indagação com esta outra pergunta: quais são os discursos que constróem o sujeito? Ou: como o quê o sujeito é, é inventado por discursos? Nada disso impede, todavia, que o sujeito seja visto das múltiplas perspectivas do conhecimento, que se fale do sujeito psicológico, do sujeito social, do sujeito cognitivo, do sujeito ético, do sujeito político. A primeira resposta que se pode dar à pergunta sobre o que é o sujeito é esta: a de que ele é complexo e não pode ser reduzido a qualquer perspectiva de conhecimento. Sendo complexo, segue-se uma segunda resposta que INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damàÿio Abib consiste em dizer que não é possível saber o quê elo é se a investigação não contemplar todas essas áreas de conhecimento. O ponto principal dessa argumentação reside na observação de que todas essas perspectivas estão inter-relacionadas na pesquisa do sujeito, O sujeito cognitivo é um sujeito social que, por sua vez, é sujeitado a controles, às técnicas de controle, aos regimes de poder. A cognição é social e é produzida por poderes sociais. Do mesmo modo, o sujeito psicológico sente como suas comunidades verbais sentem, e conhece os seus sentimentos sob o controle de contingências que vigoram como regimes de poder nas comunidades verbais. Mas ainda há o sujeito ético. Pode-se falar do individualismo de nações, de pessoas, de indivíduos. O individualismo é herdeiro da cultura da identidade. Cultura da primeira pessoa, eu primeiro, cultura do narcisismo, que promove uma competição de todos contra todos, que não promove a compreensão de outras mentes, que são vistas como sendo remotas e inacessíveis. Cultura que promove um sentido de isolamento e desespero, eis a caracterização da cultura da identidade feita por Gergen, em Tecnologia e o sujeito: do essencial ao sublime. O notável escritor norte-americano, Paul Auster conta em seu romance, Mr. Vertigo, a história de um menino que aprendeu a levitar com um mestre húngaro. Somente na última página do romance revela o segredo da levitação: o menino aprendeu a parar de ser ele mesmo, e isso criou um vazio dentro de seu corpo, que se tornou mais leve do que o ar ao seu redor. Começou então a pesar menos do que nada, diz Auster, fechou os olhos, abriu os braços, evaporou e começou a subir no ar. A descrição de Auster lembra certamente a doutrina budista da vacuidade e da negação do ego, uma filosofia religiosa Oriental que teria precedido por milênios a crítica de Hume. A ética pode ser um caminho para substituir o individualismo e a cultura da identidade. O pensamento ético de Skinner pode contribuir para esclarecer esse caminho. O indivíduo é organismo, pessoa e sujeito, e, com todo cuidado, pois é necessário respeitar as interfaces das conseqüências naturais, reforçadoras, e culturais, pode-se dizer que o organismo é Eros, que a pessoa é phiiia, e que o sujeito é ágape. O organismo e a pessoa, os sentimentos eróticos e belos, são constituintes do que pode ser denominado de ética conseqüencialista da presença: ética cujas conseqüências sâo imediatas e próximas. Essa ética pode tratar com a questão da justiça, com a distribuição equilibrada de bens pessoais e de bens do ou»ro. O sujeito e o sentimento de ágape são constituintes do que pode ser denominado de ética conseqüencialista do futuro: ética cujas conseqüências são proteladas e distantes. Como ética do amor, como ágape, vale repetir o que já foi dito em outro lugar, a ética do futuro volta-se para o amor à natureza, às culturas, às novas gerações, ao desenvolvimento humano. Uma ética do futuro é uma defesa da criação, seja ela criação humana (as culturas), ou criação da natureza (os seres naturais). E mais: orienta-se, uma ética do futuro, por uma nova ontologia e filosofia do direito que afirmam e reconhecem a existência de direitos insólitos, como os direitos 74 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico à existência da natureza e das culturas. A dificuldade de compreender uma ética do futuro reside exatamente na novidade introduzida pela discussão referente à existência de direitos tão insólitos. Finalmente, o antropocentrismo da ética da presença, na verdade, de todas as éticas tradicionais, como observa Oswaldo Giacoia Junior em seu ensaio Hans Jonas: o princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, de 2000, representa mais um obstáculo à compreensão de uma ética do futuro, pois essa ética é pós-antropocêntrica. 75 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 17. O Sujeito e o Labirinto A cultura da identidade continua presente, como pode ser verificado nos textos de Crossley e Lather. Crossley chega a afirmar que o construtivismo social, tomado no sentido amplo de Potter e Wetherell, salva o discurso, mas perde o sujeito. No intuito de recuperá-lo combina paradoxalmente a epistemologia do construtivismo social com a epistemologia realista. Discurso certamente contraditório, pois qualquer noção de realidade no construtivismo social só pode ser aceita como construção social; e uma epistemologia realista está em franco desacordo com essa maneira de pensar. Uma maneira de encaminhar o problema da identidade encontra-se na teoria psicológica de James bem como na sugestão de comunicações discursivas de Potter e Wetherell, e até mesmo na noção de identidade múltipla de Said. Mas o que predomina no discurso pós-moderno é o princípio de diversidade subjetiva; o horror ao centro. Em seu livro A arqueologia do saber, de 1969, Foucault insiste em um descentramento no intuito de evitar todo e qualquer tipo de centro. Talvez a melhor imagem que possa ser usada para descrever o sujeito pós-moderno seja a rede. Em seu livro Pós-escrito a o nome da rosa, de 1984, Umberto Eco declara que a rede é um labirinto. Não se trata do labirinto clássico, o labirinto grego, o de Teseu, o labirinto no qual ninguém se perde, o labirinto no qual se vai da entrada para o centro e do centro para a saída. Não se trata do labirinto que só inspira terror porque no seu centro está o Minotauro, o labirinto que seria um simples passeio se ali não estivesse o Minotauro, comenta Eco. Não se trata também do labirinto maneirista, o labirinto que é o modelo do processo de tentativa e erro,o labirinto em forma de raízes, uma espécie de árvore, com muitos becos sem saída, e com uma única saída que, no entanto, pode ser enganadora, observa Eco. A rede é o rizoma. Batizada com esse nome por Gilles Deleuze e Felix Guatarri, a rede é potencialmente infinita, não tem centro, não tem periferia, não tem saída, podendo um caminho ligar-se a outro qualquer. O rizoma é estruturável, mas jamais definitivamente estruturado, comenta Eco. INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico O sujeito pós-moderno é rede discursiva. É formado por várias entradas discursivas, mas nenhuma delas leva ao centro ou à saída. Não há como, portanto, buscar apoio fora do labirinto rizomático para decidir por este ou aquele discurso. O processo de deliberação começa com discursos e termina, quando termina, com discursos. O discurso rizomático é critico, todos os discursos são críticos de todos os discursos, todos os discursos são descentrados por todos os discursos; os discursos, os sujeitos, entreolham-se e se conhecem no labirinto. O labirinto é a realidade. A realidade fora do labirinto não passa de um sonho ontológico realista do pensamento ocidental, a grande doença do pensamento filosófico, a tentativa de encontrar o mundo atrás do espelho. A realidade fora do labirinto é invenção discursiva: pensa-se que se descobre o que na verdade se inventa. Na imagem da realidade como labirinto o que importa é explicar o discurso que “descobre a realidade”. O sujeito não entra no labirinto e resolve um enigma, não descobre a saída do labirinto, não descobre a realidade. O sujeito é labirinto, é criatura do labirinto, nasce aí, no labirinto. O que se espera do sujeito é que ele seja capaz de conhecer o labirinto e as formas de sujeição discursiva que nele circulam. Talvez possa então abrir novos caminhos e ligá-los a outros caminhos, ética e politicamente mais defensáveis. 77 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Referências Abib, J. A. D. (1982). Skinner, materialista metafísico? “Never mind, no matter”. Em B. Prado, Jr. (Org.), Filosofia e comportamento (pp. 92-109). São Paulo: Brasiliense. Abib, J. A. D. (1997). 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O principal objetivo do livro é mostrar que, enquanto sujeitos, estamos em um labirinto discursivo onde não há saída. Essa conclusão é cuidadosamente construída no decorrer do livro a partir de um debate entre W. Wundt, W. James, G. H. Mead, B. F. Skinner e representantes do chamado discurso pós- moderno (como K. L. Gergen, P. Lather, L. Levlie, e N. Young). Como resultado temos uma complexa e bela teoria do sujeito. Mas há ainda um segundo sentido para o título do livro: o labirinto é a filosofia da psicologia, na qual o leitor é lançado com este livro. Enquanto labirinto, a filosofia da psicologia pode parecer, em um primeiro momento, aterradora; mas de maneira elegante o autor nos mostra a virtuosidade de vivermos neste labirinto. Começamos percorrendo os escuros e empoeirados corredores dos clássicos da Psicologia, que ao final m ostram -se verdadeiras clareiras de onde partem vários outros caminhos, Um desses caminhos desemboca em um amplo corredor, onde ouvimos diferentes vozes falando ao mesmo tempo: o pós-modernismo. Novamente, o autor nos socorre e mostra que, por termos passado pela clareira dos clássicos, podemos começar a entender melhor o que a maioria dessas vozes está dizendo. Eis uma outra virtude do livro: mostrar como podemos viver neste labirinto que é a filosofia da psicologia. Com isso, a faceta assombrosa do labirinto aos poucos vai dando lugar à curiosidade: até onde esse caminho pode nos levar? O que aconteceria se tomássemos um outro caminho? Será que todos os caminhos levam a um mesmo lugar? E, aqui, encontramos mais uma valiosa lição que pode ser extraída deste livro: por não ser dogmático, o Prof. Abib nos desafia a construirmos nosso caminho neste labirinto. Dr. Carlos Eduardo Lopes Docente do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus de Paranaíba, MS. INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!14/8/2015 14/8/2015INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio Abib é psicólogo pela Universidade de Brasília, mestre em psicologia e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo, pós-doutoremepistemologia da psicologia pela Universidade de Aarhus (Dinamarca). Sua tese de doutorado foi premiada em primeiro lugar no II Concurso de Teses Universitárias, Área de Filosofia, pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, em 1986. Foi docente do D epa rtam en to de F ilo s o fia e M etodo log ia das C iênc ias da Universidade Federal de São Carlos e professor orientador no Programa de Pós-Graduação em Filosofia dessa Universidade até 2003, quando se aposentou. Foi professor visitante nas Universidades de Aarhus, Federal de Santa Catarina e Federal do Paraná. Publicou vários ensaios e capítulos de livros sobre ep istem olog ia da psicologia. Publicou os livros Teorias do Comportamento e Subjetividade na Psicologia (EDUFSCar, São Carlos, 1 9 9 7 ) e C o m p o r t a m e n t o e Sensibilidade: Vida, Prazer e Ética (ESETec, Santo André, 2007). Atualmente é pesquisador visitante do CNPq junto ao Departamento de Psicologia e Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!14/8/2015 14/8/2015INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 0 Sujeito no Labirinto é um ensaio sobre a constituição do sujeito em clássicos da psicologia e no discurso pós- moderno. Labirintos trazem aos psicólogos a lembrança dos instrumentos de investigação do comportamento animal que serviram de base a tantas teorias psicológicas, mas o labirinto de 0 Sujeito no Labirinto é mais literário e filosófico, como os de Jorge Luis Borgese Umberto Eco. O ensaio mostra que o sujeito é labirinto discursivo e que o labirinto é a filosofia da psicologia. O Sujeito no Labirinto mostra que, por termos passado pela clareira dos clássicos, podemos começar a entender melhor o que a maioria das vozes do discurso pós- moderno está dizendo. O Sujeito no Labirinto, além de instigante e provocativo para os professores e profissionais da psicologia, filosofia e áreas afins, certamente constituirá também material valioso para nossos cursos de graduação e pós-graduação. INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS1995, inclui no construtivismo social, uma psicologia que sequer é mencionada no texto seminal de Gergen, O movimento construcionista social na psicologia moderna, de 1985. Pode-se argumentar que a psicologia sócio-histórica de Vygotsky é um construtivismo estruturalista, como o de Piaget, com ênfase, porém, na gênese social das estruturas. Não terá sido esta a razão - a presença do estrutura lis mo - que levou Gergen a ignorar a psicologia de Vygotsky? O construtivismo social não pode ser identificado com o construcionismo social, como querem Potter e Wheterell, pois tem ao menos duas versões. Uma refere-se à construção social de estruturas e outra à construção social de relações. O construcionismo social trata com a construção social de relações. As relações referem-se a dinâmicas e impermanências que não são contempladas pelas estruturas. O discurso pós-moderno trata com as relações em detrimento das estruturas. Esse certamente é um tema que aproxima o pós-estruturalismo do construcionismo social, a versão de construtivismo social que será examinada neste ensaio. É muito difícil saber o que seria uma apresentação cabal, completa, de uma teoria do sujeito. Dedica-se um espaço razoável a cada uma das psicologias do sujeito examinadas aqui. Procuramos fazer esboços dessas teorias com o propósito de retomar alguns e desenvolver outros quando O sujeito pós-moderno estiver sendo examinado na segunda parte deste ensaio. O leitor pode achar que o esboço é incompleto em alguns casos e excessivo em outros. Ou que alguns traços são demasiado evocativos. Ou que não foram harmonizados com leveza. Eu diria que, aqui, foram traçados apenas alguns itinerários do Dédalo e que delineamentos adicionais foram deixados a cargo da imaginação do leitor. 13 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS /. O Sujeito na Psicologia INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 1. W. Wundt: O Sujeito como Experiência A nosso ver a principal característica da psicologia moderna consiste na guinada que ela imprimiu na reflexão sobre o sujeito. Ela é tão fundamental que se não tivesse acontecido a expressão o sujeito na psicologia provavelmente não teria sentido. Examinamos aqui essa virada e veremos em que aspecto a psicologia moderna representa uma ruptura radical em relação à psicologia tradicional. Adentramos nessa jornada na boa companhia do psicólogo alemão Wilhelm Wundt através de seu livro Fundamentos de psicologia, de 1897. Wundt afirma que o sujeito existe na experiência. Isso equivale a dizer que a experiência é o lugar adequado para encontrar e caracterizar o sujeito. Explicar essas duas afirmações, uma sobre a existência do sujeito, outra sobre a sua natureza, é o objetivo principal deste capítulo. O primeiro debate travado por Wundt é com a psicologia tradicional. Ele quer estabelecer as bases da psicologia moderna: a psicologia empírica. E para fazer isso tem de enfrentar a psicologia tradicional: a psicologia metafísica. Estamos diante do perene debate envolvendo o velho e o novo, no caso, a velha e a nova psicologia. É no conceito de experiência que reside a principal diferença entre essas duas psicologias. A psicologia metafísica trata com a experiência não-fenomenal e a psicologia empírica trata com a experiência fenomenal. De acordo com Wundt, a psicologia metafísica explica os fenômenos subjetivos como manifestação de dois substratos que disputam o título de substância explicativa: a mente e a matéria. A psicologia espiritualista concebe a psicologia como ciência da mente, onde os fenômenos subjetivos são explicados como manifestação de uma mente-substância, uma mente não-fenomenal, uma mente que não aparece na experiência fenomenal. Por natureza supersensível e imortal, a mente-substância ou é fundamentalmente diferente da matérie (como no dualismo cartesiano) ou não (como no monismo ou na monudologia de Leibniz). A psicologia INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto. Um ensaio Psicológico materialista concebe a psicologia como ciência do corpo, onde os fenômenos subjetivos são explicados como manifestação de uma matéria-substância A psicologia materialista nega a natureza supersensível da mente e, evidentemente, mantém uma relação conflituosa com a psicologia espiritualista, seja ela dualista ou monista. Da psicologia espiritualista pode- se derivar a idéia de que o sujeito existe como mente-substância e que é ou pressupõe essa substância. Da psicologia materialista pode-se derivar a idéia de que o sujeito existe como matéria-substância e que é ou pressupõe essa substância. Essas psicologias são indefensáveis uma vez que a explicação dos fenômenos subjetivos não deve ser investigada no campo da experiência não-fenomenal de uma substância mental ou material. O sujeito não pode ser identificado nem com a matéria, com o corpo, como na psicologia materialista, nem com a mente, como na psicologia espiritualista. O sujeito não pode ser uma substância, seja ela mental ou materiai. O sujeito não existe no campo não-fenomenal da experiência. Existe, isto sim, no campo fenomenal da experiência. Situar o sujeito na experiência não-fenomenal é identificá-lo com fantasmas, seja com o fantasma mental, seja com o fantasma material (como a mente, a matéria é também um fantasma). O fantasma pode sentir sua existência, por exemplo, alguém pode dizer que sente sua existência fantasmal, mas sabe que é invisível, sabe que não existe na experiência fenomenal. O sujeito existe na experiência fenomenal, o que equivale a dizer que é imanente à experiência, que existe nela, e não fora dela; que não existe na experiência não-fenomenal, o que equivale a dizer que não tem uma existência transcendente à experiência, que não é um fantasma mental, ou material. Elucidadas as diferenças entre os conceitos de experiência não- fenomenal e fenomenal, Wundt desloca a existência do sujeito do campo não-fenomenal da experiência para seu campo fenomenal. Mas existe ainda a tarefa de explicar a natureza do sujeito. Com efeito, Wundt tinha ainda a tarefa de responder a esta questão: o sujeito fenomenal, o que ele é? Em que consiste? O psicólogo alemão trava um segundo debate, agora com a própria psicologia empírica, para responder a questão. A psicologia empírica começa quando a experiência fenomenal substitui a experiência não-fenomenal como campo privilegiado de estudo da psicologia. E não começa com Wundt; mas sim, diz ele, com Locke, Kant, Beneke e Fortlage. Seu alvo? Já sabemos: a psicologia metafísica, que, de acordo com Wundt, tem sua origem em Aristóteles, Descartes e Leibniz. O problema que Wundt vê na psicologia empírica relaciona-se novamente com o conceito de experiência. Essa psicologia cinde a experiência em duas. De um lado, a experiência interna; de outro, a experiência externa. Dessa perspectiva, a psicologia trataria com fenômenos próprios, diferentes dos fenômenos da experiência externa, seguindo as diretrizes do método introspectivo; e a ciência da natureza trataria também com fenômenos próprios, diferentes dos fenômenos da experiência interna, seguindo as diretrizes do método experimental (como 17 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio Abíb na física) ou do método de observação naturalista (como na botânica, zoologia e mineralogia). Essa diferença dos fenômenos e dos métodos da psicologia e da ciência natural terminapor reinstalar o campo não-fenomenal da experiência no âmbito da psicologia. Com efeito, a ciência natural investigaria a experiência externa como manifestação fenomenal da matéria; e a psicologia investigaria a experiência interna como manifestação fenomenal da mente, ou até mesmo da matéria, a depender naturalmente das posições adotadas pelos psicólogos diante do problema mente-corpo. Perde-se desse modo o conceito de experiência fenomenal e a grande inovação que é a de passar ao largo do problema mente- corpo, um problema que pertence ao campo não-fenomenal da experiência. Evidentemente que Wundt não poderia concordar com a cisão da experiência realizada pela psicologia empírica. Assim como já refutara o conceito de experiência não-fenomenal, refuta, agora, os conceitos de experiência interna e externa. O conceito de experiência interna baseia- se na experiência fenomenai, mas não fecha definitivamente as portas à experiência não-fenomenal. É necessário exorcizar definitivamente os fantasmas dessa experiência. Wundt realiza essa tarefa recuperando a unidade da experiência. A psicologia da experiência interna destroça essa unidade: é necessário recuperá-la. De acordo com Wundt, a experiência é uma só, mas pode ser vista de perspectivas diferentes. O psicólogo alemão resgata a unidade da experiência com a tese do perspectivismo. O perspectivismo refere-se à parcialidade bem como à complementaridade das perspectivas. As expressões estreia da manhã e estrela da tarde se referem ao objeto Vênus, mas se referem à Vênus sob perspectivas distintas. Estrela da manhã se refere ao planeta mais luminoso quando é visto próximo ao horizonte no amanhecer. Estrela da tarde se refere ao planeta mais luminoso quando é visto próximo ao horizonte no crepúsculo. As perspectivas são parciais e, conseqüentemente, nenhuma delas diz tudo o que pode ser dito sobre o objeto Vênus. Mas tudo pode ser dito sobre esse objeto se essas duas perspectivas esgotarem o universo das perspectivas possíveis e se forem tomadas como perspectivas complementares. Essas duas perspectivas não cindem o objeto Vênus em dois. Vênus continua a ser o mesmo objeto: sua unidade é preservada. Do mesmo modo que o objeto Vênus, a experiência é unitária, mas pode ser vista como experiência imediata e como experiência mediata. Nenhuma dessas perspectivas diz tudo o que pode ser dito sobre a experiência: são perspectivas parciais. Mas também são complementares, e como esgotam as perspectivas possíveis, dizem tudo o que pode ser dito sobre a experiência. O conceito de experiência imediata se refere à totalidade da experiência subjetiva, isto é, se refere a tudo que usualmente é considerado subjetivo, como as sensações, os sentimentos, as emoções, volições e idéias. O conceito de experiência mediata se refere à totalidade da 18 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico experiência objetiva, isto é, se refere a tudo o que usualmente é considerado objetivo, como, por exemplo, os objetos físicos. O conceito de experiência mediata ou objetiva também se refere a um aspecto da experiência subjetiva que é a idéia do objeto. Essa dupla referência do conceito de experiência objetiva, que inclui os objetos e as idéias dos objetos, exclui todos os outros fenômenos subjetivos, como as sensações, os sentimentos, as emoções e volições. O conceito de experiência total se refere à complementaridade dessas perspectivas. Feito esses esclarecimentos, é chegada a hora de examinarmos a natureza do sujeito. O sujeito existe na experiência fenomenal imediata e mediata, sem jamais ultrapassar o âmbito dessa experiência. Afastados os equívocos que consistem em conceber a existência e a natureza do sujeito no campo da experiência não-fenomenal e na experiência interna, podemos agora concebê-lo no campo da experiência fenomenal subjetiva e objetiva. Se o sujeito existe no campo fenomenal, não pode ser nada mais nada menos do que fenômeno. Mas em que consiste a idéia de fenômeno? Em parte já sabemos, fenômeno é o que aparece na experiência. Mas a idéia de fenômeno também tem outro sentido. Wundt diz que fenômeno é processo e não objeto, Como processo é parecido com o rio heraclitiano, está sempre se transformando, nunca é em um momento posterior o que foi em um momento precedente. Já os objetos, de acordo com Wundt, têm um caráter de relativa permanência que os processos não têm. Essa idéia de Wundt foi muito bem explicada por seu discípulo, o psicólogo inglês Edward Bradford Titchener (que fundou nos Estados Unidos um sistema próprio de psicologia) em seu texto O esquema da introspecção, de 1912. De acordo com Titchener, a noção de processo não se refere simplesmente a uma ocorrência no tempo. Processo é tempo. Toda experiência é, portanto, temporal. Com essas importantes observações, Titchener elucida as noções de processo, evento, ocorrência, estado e coisa. Ele diz que o progresso da experiência pode ser lento ou rápido. Pode ser tão lento que é possível relevar seu caráter processual; ou pode ser tão rápido que não pode ser apreendido temporalmente. No primeiro caso falamos de coisas ou de estados, no segundo de eventos ou ocorrências. Por isso Titchener diz que processo é um termo relativo: situa-se, por assim dizer, no espaço delimitado por eventos e coisas. Declarar então que o sujeito existe no campo fenomenal da experiência subjetiva equivale a afirmar que ele é fenômeno ou que aparece como processo. Mas de qual processo se trata? Wundt responde: trata- se do processo volitivo-afetivo-ideativo. Já sabemos que o sujeito também existe no campo fenomenal da experiência objetiva. Mas o que significa dizer isso? Significa dizer que o sujeito é processo ideativo minus processo volitivo-afetivo. Aí está o sentido preciso do conceito de experiência objetiva: as idéias dos objetos não são "contaminadas” pelo processo volitivo-afetivo. A experiência não é objetiva somente porque trata com processos relativamente permanentes ou objetos, mas também porque 19 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio Abib trata com idéias desvinculando-as do processo volitivo-afetivo. No processo ideativo da experiência objetiva o que se visa é o conceito ou a idéia do objeto. O processo volitivo-afetivo da experiência subjetiva carrega consigo sentimentos, emoções e desejos singulares; é um processo que, por assim dizer, “suja o conceito”, “suja a idéia". O sujeito é subjetivo e objetivo, Como sujeito subjetivo é processo volitivo-afetivo-ideativo. Como sujeito objetivo é processo ideativo minus processo volitivo-afetivo. Estamos então diante de dois sujeitos: o sujeito psicológico e o sujeito epistemológico. O sujeito epistemológico é o sujeito objetivo: o sujeito que é processo ideativo. O sujeito psicológico é o sujeito subjetivo: o sujeito que é processo volitivo-afetivo-ideativo. A epistemologia dedica-se ao estudo do sujeito epistemológico. A psicologia dedica-se ao estudo do sujeito psicológico. A epistemologia estuda o processo ideativo do sujeito no contexto da lógica e de fundamentos racionais e empíricos. A psicologia estuda o processo ideativo do sujeito no contexto dos sentimentos, das emoções, das volições. Portanto, toda a experiência é subjetiva: o sujeito existe e circula por toda a experiência. O solo conceituai da psicologia moderna do sujeito está estabelecido. Ao concluir essa tarefa, Wundt aplica o golpe de misericórdia na psicologia da experiência interna. Esse golpe é aplicado no método de investigação da psicologia introspectiva. De acordo com Wundt, a psicologia da experiência interna se equivocou ao diferenciar os sentidos externo e interno. O sentido externo refere-se à observação de objetosexternos que é feita através dos métodos de observação experimental e observação naturalista da ciência natural. O sentido interno refere-se à observação dos objetos internos que é feita através da introspecção. Essa diferenciação de sentidos e métodos baseia-se no equívoco da psicologia da experiência interna conceber os processos subjetivos como objetos. O sentido interno e a introspecção seriam adequados para observar e investigar objetos, mas não para observar e investigar processos. Conseqüentemente, Wundt condena veementemente essa psicologia porque ela utiliza de um método inexequível para investigar processos como sensações, sentimentos, emoções, volições e idéias. De acordo com Wundt, o método adequado para investigar processos é o método experimental. Com esse método podem-se produzir processos e modificá-los com interferências apropriadas. A observação de processos deve ser controlada, não pode ser introspectiva, não pode ser observação livre. O critério que leva Wundt a defender o uso do método experimental na psicologia é o caráter processual do assunto dessa ciência e não o desejo de imitar a ciência natural. A preocupação de Wundt com a adequação de métodos a temas verifica-se dc modo exemplar quando diz que a observação não- experimental na psicologia só é adequada na psicologia social, pois nesse caso os produtos mentais, como mito, linguagem, religião e costumes, têm o caráter relativamente permanente dos objetos. Trata-se, diz Wundt, 20 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico de produtos que podem ser estudados pela psicologia social com o propósito de elucidar os processos psicológicos que ocorreram em sua formação. A guinada que foi impressa à reflexão sobre o sujeito pela psicologia moderna requer uma atenção especial à linguagem. Nossas referências ao sujeito estão mergulhadas no pensamento metafísico da filosofia ocidental desde seu alvorecer na Grécia Antiga. Quando dizemos que o sujeito pensa, ou que o sujeito sente, o termo sujeito refere-se a uma mente, alma ou espírito. É a alma, espírito ou mente que pensa ou que sente. Uma situação similar ocorre quando perguntamos pelo sujeito do conhecimento: acreditamos que existe um sujeito que conhece. Dissemos páginas atrás que o fantasma pode sentir sua existência e que uma pessoa pode sentir sua existência fantasmal. Quer dizer, uma pessoa pode acreditar que a alma, o espírito, a mente, o fantasma, é o sujeito de suas experiência, e que, ao fim e ao cabo, ela mesma é esse fantasma. Pode, enfim, acreditar na existência de fantasmas. Mas essa crença pode ser uma ilusão criada pela linguagem. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) disse em sua obra Genealogia da morai: um escrito polêmico, de 1887, que a linguagem é sedutora. Teria sido por causa de seu aspecto sedutor que se petrificaram os erros fundamentais da razão, diz o filósofo. E um desses erros fundamentais seria a crença na existência do sujeito. Bem entendido, do sujeito fantasma. O que existe, continua a fala do filósofo, é a força: impulso, vontade. Ao dizer que o sujeito é processo volitivo-afetivo-ideativo, estamos identificando o sujeito com esse processo e temos que nos precaver contra a sedução da linguagem. Temos de escrever e falar de modo diferente. O sujeito tem desejos? Não. O sujeito é desejo. O sujeito pensa? Nào. O sujeito é pensamento. O sujeito sente? Não. O sujeito é sentimento. Por aproximadamente vinte e cinco séculos aprendemos a escrever e falar da primeira maneira: a maneira em que o fantasma tem desejos ou que pensa ou que sente. Mas experimente escrever e falar exorcizando o fantasma. Soa esquisito. O sujeito não é um fantasma que tem desejo ou que sente ou que pensa. O sujeito é desejo, o sujeito é pensamento, o sujeito é sentimento. A mudança de lugar do sujeito, o deslocamento de sua existência do campo não-fenomenal da experiência para o campo fenomenal, requer que o uso do termo sujeito deixe de se referir aos processos da experiência fenomenal, de fora, como expressões fantasmagóricas, e passe a se referir a esses processo de dentro dessa experiência, sem fantasmas. Mas como o sujeito é a totalidade dos processos da experiência, ele se refere sempre a si mesmo. Em uma palavra o sujeito é auto-referente. Sendo assim, ele não só conhece os objetos, mas também seus próprios processos, isto é, ele conhece a si mesmo. Como isso é possível? A última década do século XIX presenciou o aparecimento de uma análise seminal dessa questão quando o famoso psicólogo norte- americano William James afirmou que o sujeito é consciência. 21 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 2. W. James: O Sujeito como Consciência Um exame dos Princípios de psicologia de James, de 1890, mostra 0 quanto o psicólogo norte-americano, tal como Wundt, é um crítico ácido de filosofias do sujeito. O substancialismo, como em Wundt, é uma de suas vítimas. As outras são o transcendentalismo kantiano e o associacionismo do empirismo inglês. Por trás da crítica de James existe uma teoria psicológica do sujeito orientada por sua filosofia do empirismo radical. James introduz os termos self, I e me para se referir ao sujeito. Ele atribui qualquer um desses termos ao sujeito, e a primeira coisa a ser feita para compreender sua teoria psicológica do sujeito é elucidar sua concepção desses termos. Essa tarefa requer o exame de aspectos da teoria do fluxo da consciência que apresenta no seu livro. Mas antes disso é conveniente fazer um esclarecimento gramatical do uso dos termos 1 e me que podem ser traduzidos por eu e me. As palavras eu e me são classificadas gramaticalmente como pronomes pessoais, O termo eu é pronome do caso reto e exerce a função de sujeito da oração. O termo me é pronome do caso oblíquo e exerce a função de objeto, ou complemento, da oração. Nas orações ‘eu te magoei’, ‘eu quebrei a mesa', o termo eyse refere ao sujeito da oração. Nas orações ‘você me agrada’, você me desafia’, o termo me se refere ao objeto, ou complemento, da oração. O pronome me pode aparecer numa frase como pronome reflexivo. Nas orações ‘eu me esgotei’, feu me excedi’, o termo me é um pronome reflexivo. Como pronome reflexivo, o termo me se refere ao sujeito da oração tomado como objeto de sua própria ação. Constitui-se, desse modo, a possibilidade gramatical do sujeito referir a si mesmo como objeto. Pode-se pensar que porque está garantida a possibilidade gramatical do sujeito referir-se a si mesmo, que também estejam garantidas as possibilidades ontológicas da auto-referência. Pode-se pensar que a auto-referência encontrada na oração gramatical só é possível porque a realidade se estrutura da mesma maneira. Podemos INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico estar enganados, pois, como Nietzsche já disse, a linguagem é sedutora. No seu livro Os problemas da filosofia, de 1912, o filósofo inglês Bertrand Russell confirma esse ponto de vista. Russell diz que as pessoas, quando olham para dentro de si mesmas, sempre encontram um sentimento ou um pensamento particular, mas não um eu que tem o sentimento ou o pensamento. Quer dizer, não existe contrapartida ontológica apoiando a auto-referência da oração gramatical. Mas a sedução, como toda sedução, é um terreno fértil para armadilhas, como a que pode ser verificada no comentário de Russel. O filósofo inglês procura o sujeito no campo fenomenal da experiência do mesmo modo como se procura fantasmas no campo não-fenomenai: procura um eu que tem o sentimento como se procura um fantasma que pensa ou que sente ou que deseja. Mas,como o sujeito, o eu é sentimento, o eu é pensamento, o eu é desejo. Wundt pesquisou as possibilidades ontológicas da existência do sujeito orientado pelo perspectivismo. James se dedica a uma tarefa similar orientado pela filosofia do empirismo radical. No seu livro O significado da verdade, de 1909, descreveu sumariamente o empirismo radical. Diz aí que o empirismo radical consiste em um postulado, uma declaração de fato e uma conclusão generalizada. O postulado refere-se à primazia da experiência como ponto de partida para definir as coisas. A declaração de fato refere-se à noção de que a experiência de coisas e de relações entre coisas é direta e particular. A conclusão generalizada refere-se à idéia de que as relações entre as partes da experiência são elas mesmas partes da experiência. O debate filosófico começa com a experiência direta e particular no intuito de definir coisas e relações entre coisas e termina com essa experiência porque coisas e relações entre coisas são partes da experiência. O empirismo radical é uma defesa do monismo da experiência. Com base na filosofia do empirismo radical e com uma terminologia adequada, self, I e me, James elabora sua teoria psicológica do sujeito. Diz que o sujeito é consciência, melhor, diz que é fluxo da consciência A consciência é processo, e sendo assim, como Wundt já havia argumentado com relação aos processos da experiência, transforma-se. Sendo fluxo, é contínua, modifica-se permanentemente como o rio heraclitiano. Com isso já se mencionam três características do fuxo da consciência. Primeira, a consciência é sempre de um sujeito. Essa característica deriva diretamente do empirismo radical na medida em que toda experiência é experiência direta e particular de um sujeito. Por isso James diz que toda consciência assume forma pessoal. As duas outras características da consciência são continuidade e mudança: a consciência é contínua e se transforma. Essas características estão implícitas na própria noção de processo, de fluxo, de temporalidade, e servem para indicar que a consciência é dinâmica. A natureza dinâmica da consciência não se deve apenas à sua temporalidade. A consciência também é cognitiva, mas a cognição é sempre interessada, a consciência flui 23 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antòmo Damè$io Abth deliberanao e fazendo escolhas que se relacionam com os seus interesses. Assim, a consciência é cognitiva e volitiva. Cognição e vontade, essas características, completam a descrição que James faz do caráter subjetivo e dinâmico da consciência. Se o sujeito é consciência, fluxo da consciência, então pode ser descrito por todas as características desse fluxo. Pode-se dizer que há nele algo de pessoal e que é cognitivo e dinâmico. Em suma, o sujeito é pessoal, temporal, dinâmico, cognitivo e volitivo, e, de acordo com o empirismo radical, não pode ser mais do que isso. Identificando o sujeito com o fluxo da consciência, James concebe o eu e o me nesse fluxo. O eu é a consciência julgadora. A consciência julgadora é o segmento presente do fluxo da consciência que presta atenção, conhece, delibera e escolhe. A consciência julgadora não pode ser conhecida no mesmo momento em que conhece. É necessário que mergulhe no passado e se torne objeto do próximo segmento do fluxo da consciência. O eu só pode ser conhecido quando se transforma em me. Sempre fluindo, o eu é um conhecedor como segmento presente do fluxo e é um conhecido, ou um me, como segmento passado do fluxo. A determinação do sujeito como temporalidade é fundamental para solucionar o problema de como o sujeito pode se transformar em me, ou em objeto de conhecimento de si mesmo. Se não se reconhece essa determinação, o eu não ultrapassa sua condição de Pensador, de postulado lógico, abstrato, hipotético e conceituai do conhecimento, como de fato foi pensado por Kant. James identifica a consciência com o pensamento. Mas essa identificação precisa ser bem compreendida para que não se confunda o eu jamesiano com o Pensador, o Ego puro, kantiano. O sujeito é um segmento presente da consciência que pensa um segmento passado da consciência. Lato sensuconsciência é pensamento de primeiro grau, mas, stricto sensu, é pensamento de segundo grau porque o pensamento é tomado como objeto do próprio pensamento. James faz uma distinção clara quando diz que ciência (sciousness) refere-se ao pensamento de objetos, mas pensamento que não pensa sobre si mesmo; e que consciência (con-sciousness) refere-se ao pensamento que pensa sobre si mesmo. O sujeito, então, é uma relação. Com efeito, o sujeito (o self) é a relação entre o eu e o me. James estabelece uma correspondência limitada entre sua terminologia e a terminologia de filósofos alemães para se referir ao sujeito. Os alemães utilizam os termos ego empírico e Ego puro. James diz que o termo me refere-se ao ego empírico. Contrariamente ao que se poderia pensar, mas coerente com a filosofia do empirismo radical, o termo eu, diz James, não se refere ao Ego puro. O Ego puro refere-se ao Eu penso como condição lógica do conhecimento na filosofia crítica de Kant. No seu livro, Crítica da razão pura, de 1871, Kant diz que se não houver um Eu penso, náo há como pensar a representação de coisa alguma. A representação seria impossível: nada seria. Apreciando o Ego puro da 24 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico filosofia de Kant, James diz que ele se refere ao Sujeito como correlato necessário do objeto, sendo apenas uma consciência que acompanha todas as noções e uma idéia simples e vazia que não pode ser conhecida. O Ego puro é transcendental ao conhecimento de si, não pode ser incluído na esfera dos objetos de conhecimento. James é um crítico implacável do Eu penso kantiano. Comenta que o Ego puro é um nada, um malogro ineficaz e fútil criado pela filosofia. Revelando mais simpatia pela Alma do substancialismo filosófico, James diz que o Ego puro é um simulacro barato da Alma, porque a Alma é ativa, delibera, é moralmente responsável, e permanente ao seu modo - características que faltam ao Ego puro. A simpatia de James pela Alma não o seduz a ponto de defendê- la nos debates filosóficos e psicológicos. A Alma refere-se a uma entidade que duplica a consciência fenomenal. Refere-se à existência não- fenomenal de uma substância atrás do pensamento. James denuncia o caráter claramente metafísico dessa concepção e embora não pretenda demonstrar a não-existência da Alma sugere que o psicólogo se atenha à experiência, pois que não tem qualquer necessidade de ser metafísico. As referências de James à filosofia do substancialismo são de longo alcance (incluem as filosofias de Platão, Aristóteles, Hobbes, Descartes, Locke, Leibniz, Wolff e Berkeley). A filosofia do substancialismo provavelmente coincide com o início da filosofia ocidental, e um domínio pleno dos sentidos do termo substância provavelmente só é possível com o estudo da história do substancialismo. Mas, aqui, é suficiente entender o sentido geral de substância como tem sido indicado nos textos de Wundt e James: como entidade não-fenomenal, o que não tem qualquer interesse para uma psicologia da experiência. James mostra que tanto o substancialismo quanto o transcendentalismo atribuem suas concepções de sujeito a uma Alma e a um Ego puro porque há o pressuposto de que somente assim é possível esclarecer o princípio de identidade do sujeito: a garantia de que o sujeito de hoje é o mesmo de ontem e, certamente, o mesmo de amanhã. Em seu livro Teorias do sujeito, de 1992, Levin diz que a acepção do sujeito como identidade refere-se ao pronome pessoal em Gótico Antigo: refere- se ao eu. Comenta então que o pronome pessoaleu refere-se ao sujeito, como na expressão eu faço isto e aquilo e, nesse sentido, é o mesmo eu que faz isto e aquilo. Ser hoje o mesmo de ontem, e ser amanhã o mesmo de hoje, é o que motiva a busca de uma Alma e de um Ego puro. James não vê a necessidade de se buscar em entidades não- fenomenais a unidade do eu. Ele afirma que a identidade do eu encontra- se na unidade dos segmentos indecomponíveis do fluxo da consciência. Com efeito, no fluxo, os segmentos evanescentes podem relembrar e conhecer, e o eu pode dizer isto sou eu, ou não. James usa esse mesmo argumento para criticar o associacionismo inglês. Ao contrário do substancialismo e do transcendentalismo, o associacionismo não vê qualquer princípio de unidade na experiência que possa apontar para a 25 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio A b it existência de um sujeito. Strawson, em seu texto sobre O sujeito, de 1997, afirma que o eu é uma ilusão criada pelo uso impróprio da linguagem. Diferentemente do substancialismo e do transcendentalismo, que apontam para a identidade não-fenomenal do sujeito, o associacionismo, uma filosofia que se situa nas antípodas do substancialismo e do transcendentalismo, aponta para a diversidade da experiência e, conseqüentemente, para a negação de um princípio de unidade que, no nível fenomenal, possa evidenciar a existência do sujeito. Para essa filosofia, comenta James, o sujeito não passa de um ser imaginário, de uma ficção que é denotada pelo pronome eu. James critica o filósofo associacionista inglês David Hume dizendo que ele não percebe que a unidade do fluxo é tão real quanto a sua separação e que procurar descobrir, como o fez Hume, uma unidade mais real do que esta, é recair na metafísica. James conclui sua crítica a Hume observando que, como os filósofos do substancialismo e transcendentalismo, também ele sofria da grande doença do pensamento filosófico: a tentativa de descobrir o mundo atrás do espelho. O associacionismo não vê a unidade do fluxo da consciência por causa de sua concepção equivocada da consciência. O associacionismo não distingue entre processos e objetos e toma a consciência como objeto, e não como aquilo que ela efetivamente é: processo. Vista como objeto, a consciência é fragmentada em sensações, imagens, idéias, o que torna o seu fluxo invisível. Em seu texto O desenvolvimento do pragmatismo americano, de 1922, John Dewey afirma que James reinterpretou a psicologia introspectiva quando substituiu a concepção associacionista da consciência por uma concepção da consciência como processo, fluxo. Wundt já havia mostrado as insuficiências da introspecção livre e, em seu lugar, defendeu a observação controlada, a observação experimental. Agora Dewey está afirmando que a concepção de introspecção é modificada dependendo de como se concebe o que é observado. A introspecção na concepção de James não é equivalente à concepção de observação controlada de Wundt, mas também não é equivalente à introspecção dos filósofos associacionistas. E; en passant, é bom observar que foi a introspecção na acepção dos filósofos associacionistas que fundamentou a introspecção pura da psicologia da experiência interna. Em um texto intitulado Empirismo radical e subjetividade, publicado em 1999, expliquei que a teoria de James do sujeito psicológico não recobre toda a teoria do filósofo norte-americano relativa ao sujeito. O empirismo radical de James é uma hipótese. Ele chama seu empirismo de radical exatamente para frisar o caráter hipotético do monismo da experiência. Não afirma dogmaticamente que tudo o que existe necessariamente faz parte da experiência fenomenal. Podem existir coisas que não fazem parte dessa experiência. Mas, diz ele, então, que não servem como material para o debate filosófico. O atributo radical do empirismo de James se refere a uma abertura e a um critério. Como critério serve para separar o 26 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico material filosófico do material não-filosófico e como abertura significa que nem tudo o que existe faz parte da experiência fenomenal. A abertura radical do empirismo de James verifica-se em diversos locais de sua obra. Flanagan, em seu texto Consciência da perspectiva do pragmatista, de 1997, e Gale, em seu texto Wiiiiam James naturalizado por John Dewey, de 1997, argumentam que quando James trata de assuntos como o livre- arbítrio, o significado da vida, a imortalidade da alma e a ontologia, ele expressa sua simpatia pela mônada espiritual: entenda-se, a Alma. A teoria do sujeito psicológico de James pertence à filosofia do empirismo radicai, mas a abertura dessa filosofia à possibilidade do sujeito não-fenomenal não se estende à psicologia. O sujeito é, como em Wundt, fenomenal, e é também cognitivo, mas, em todos os casos, a cognição ocorre sempre acompanhada da afetividade e da vontade. Wundt e James libertaram o sujeito: libertaram-no da Alma do substancialismo. James ampíiou significativamente essa tarefa quando recuperou a dignidade do sujeito empírico, mostrando que tanto o eu quanto o me são empíricos, negando que exista um sujeito com s minúsculo, o ego empírico do transcendentalismo, que seria assunto da psicologia; e um sujeito com S maiúsculo, o Ego puro do transcendentalismo, que seria assunto da filosofia. James deu outra contribuição importante à psicologia: criticou o associacionismo para mostrar que se pode pensar no princípio de unidade do sujeito sem abandonar o campo fenomenal. Se fôssemos resumir a teoria do sujeito de James diríamos: o sujeito é consciência. Mas a noção de consciência não se esgota em seu sentido pessoal, temporal, dinâmico, cognitivo e volitívo. Ela também tem um sentido moral. Como consciência moral, o sujeito é consciência social. Quem faz essa afirmação é o psicólogo social norte-americano George Herbert Mead. 27 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 3. G. H. Mead: O Sujeito como Consciência Sociat Em seu livro Mente, sujeito e sociedade, de 1934, Mead, além de preservar a terminologia self, I, me, de James, introduz uma perspectiva social radical na teoria do sujeito. O sujeito, diz ele, é formado na ação comunicativa e participante. O psicólogo social norte-americano apóia-se em sua filosofia do com porta menta lis mo social e no conceito de gesto de Wundt para explicar a ação comunicativa e não-participante e a ação comunicativa e participante. A ação comunicativa e não-participante pode ser verificada no ato social de ajustamento dos animais ou, como Mead também denomina, ‘conversação de gestos dos animais’ . Nessa conversação, os gestos estimulam ações que constituem o ato social. Um cão que é hostilizado por outro, por exemplo, por uma ameaça de pulo em sua garganta, coloca o rabo entre as pernas e foge. A resposta de fuga, estimulada pelo gesto de ataque, representa um ajuste ao gesto de ameaça. Diante do gesto de fuga, o cão hostil pode iniciar uma corrida desenfreada no encalço do cão em fuga. Essa resposta do cão hostil representa um ajuste ao gesto de fuga anterior do cão ameaçado. O ato social de ajustamento é um ato de adaptação social que envolve uma temporalidade e uma organização regulada por uma conversação de gestos. A ação comunicativa verificada nos atos sociais de ajustamento dos animais baseia-se no significado dos gestos sociais. A resposta de um indivíduo ao gesto de outro é, ao fim e ao cabo, uma resposta ao significado do gesto. À primeira vista o cão que foge responde ao gesto de ameaça do cão hostil. Um exame mais acurado revela, no entanto, que o cão responde ao perigo potencialrepresentado pelo gesto de ameaça. O cão em fuga responde ao potencial desfecho do ato social iniciado pelo gesto de ameaça do cão hostil: ser apanhado e agredido pelo cão hostil. Os significados dos gestos sociais consistem nos seus eventuais desfechos, resultados, conseqüências. Mead explica o comportamento dos animais com base no significado dos gestos sociais. INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeita no Labirinto: Um ensaio Psicológico Em outras palavras, é o significado dos gestos, dos estímulos sociais, e não somente o gesto, ou o estímulo, perse , que explica o comportamento dos animais. A ação comunicativa refere-se a essa relação tríplice, presente em todo ato social, que consiste no gesto de um animal ao significado do gesto de outro animal. A ação comunicativa verificada nos atos adaptativos dos animais é primitiva, pois não é participante. Embora em um sentido elementar haja participação na ação comunicativa dos animais, pois se não houver o ato social de ajustamento não haverá comunicação, não se pode afirmar que há participação no sentido de compartilhamento de significados. No exemplo do ato social de ajustamento dos cães não há compartilhamento de significado. O cão em fuga responde ao significado da ameaça do cão hostil, responde à eventualidade de ser apanhado e agredido pelo cão hostil; mas o cão hostil não responde do mesmo modo ao significado de seu gesto, não responde ao significado que ele tem para o cão em fuga, o cão hostil não foge como o outro cão foge, o que ele faz é iniciar uma carreira desenfreada no encalço do cão em fuga. Esse é o sentido exato em que se pode falar em comunicação não-participante. Já a ação comunicativa dos seres humanos é mais evoluída porque é participante. Há nesse caso compartilhamento de significado. Por exemplo, as pessoas podem responder pelo menos de duas maneiras ao gesto social de um homem que, ao ver fumaça em um teatro, grita: fogo! Elas podem correr do fogo ou podem tentar apagá-lo. Se apagarem o fogo, o homem tende a apagá-lo; se correrem, ele tende a correr. O homem e as pessoas compartilham o mesmo significado. Há nesse caso comunicação participante. Há comunicação e significado nos dois tipos de ação comunicativa, mas só há participação na ação comunicativa é participante. Morris, na sua Introdução ao livro de Mead, em 1962, chama os gestos sociais da ação comunicativa e não- participante de signos e os gestos sociais da ação comunicativa e participante, de símbolos significantes. O símbolo significante é diferente do signo porque se refere a um gesto social que evoca no indivíduo que faz o gesto a mesma resposta que evoca em outro indivíduo, ao passo que essa evocação não é verificada no signo. De acordo com Mead, o surgimento da ação comunicativa e participante e do símbolo significante é crucial para a transição do não- humano para o humano. Para o psicólogo social norte-americano, a humanidade surge com a linguagem, com a mente e com o sujeito. Surge, portanto, com o símbolo significante, já que a linguagem, a mente e o sujeito remetem a símbolos signifícantes. A linguagem, a mente e o sujeito são formações sociais uma vez que o símbolo significante é formado na ação comunicativa e participante. Mead passa então a explorar, mais detalhadamente, a ação comunicativa e participante através do processo social que consiste na adoção da atitude ou do papel do outro, no rôle- taking. Na verdade, Mead vê nesse processo a chave para compreender a ação comunicativa e participante. O homem que, ao ver fumaça no 29 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José Antônio Damásio Abib teatro, gritou fogo, adotou em relação ao seu próprio gesto a atitude das outras pessoas. Evidentemente, um adulto já tem uma longa experiência de adotar atitudes e papéis de outras pessoas. Mas para explicar como se adquire essa experiência deve-se examinar o comportamento das crianças na brincadeira e nos jogos. O que Mead pretende é esclarecer que a aquisição de significados compartilhados através do processo de adoção do papel do outro é o passo fundamental para explicar a aquisição de simbolos significantes e, conseqüentemente, a formação da linguagem, da mente e do sujeito. Na brincadeira a criança adota os papéis particulares de pessoas significativas, como os pais e amiguinhos, e no jogo adota os papeis de todos os participantes da atividade. Na brincadeira ela desempenha papéis sucessivos e o seu sucesso ou fracasso em um determinado papel é independente de seu sucesso ou fracasso em quaisquer um dos outros papéis. No jogo a situação e diferente. O sucesso de seu papel depende de seu sucesso em todos os outros papéis. Adotar o papel do outro tem significados diferentes na brincadeira e no jogo. Morris diz que a brincadeira e o jogo representam dois estágios de desenvolvimento do sujeito. Com efeito, na brincadeira, o outro é significativo e diversificado, o outro se refere à vanedade de papéis sociais, e é fundamental para que a criança aprenda a lidar com perspectivas sociais distintas e ser bem sucedida no desempenho de seus papéis. No jogo, o outro é constituído por várias pessoas que seguem e respeitam as mesmas regras. O outro se refere ao desempenho de papéis semelhantes, começa, na expressão de Morris, a experiência da criança com a estrutura social. Trata-se do outro generalizado. Segundo Mead, com a adoção de papel do outro generalizado, a criança começa sua experiência com significados compartilhados e com símbolos significantes, começa a se formar como sujeito, como sujeito social, como me. A criança começa a adquirir uma linguagem, uma mente com o outro generalizado ou simplesmente com o me. Se o me é o outro generalizado, o que é, então, para Mead, o eu? É o observador. Por um lado, Mead diz que é o sujeito transcendental de Kant: condição lógica do conhecimento. Sendo assim, não pode, diz Mead em O mecanismo da consciência social, de 1912, e em O sujeito social, de 1913, tomar a si mesmo, como James já dissera, como uma experiência presente da consciência. Mas, por outro fado, Mead também segue os passos de James, quando diz que há uma auto-observação na memória, uma observação na qual se pode distinguir o observador e o observado. Dessa segunda perspectiva, o eu é sujeito e objeto: é, neste momento, um objeto observado, mas que foi um observador em um momento anterior. Tanto Mead quanto James concebem o sujeito como processo, trazendo consigo a marca da temporalidade. Esse eu que é observador e observado é, ao mesmo tempo, sujeito social, é o me. Com isso fica esclarecido que o me é observado e observador. Mas, se o eu é o me, o que efetivamente distingue um do outro? 30 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico De acordo com Mead, o eu é alguma coisa que não se encontra no me, e ao dizer isto termina por evocar a possibilidade de se restringir o significado do me ao controle social ou à ação convencional, habitual e conformista do sujeito. O eu, por outro lado, refere-se à ação crítica e criativa do sujeito. Trata-se da ação que analisa o me e resiste ao controle social e ao conformismo que ele representa. Em última análise, o eu transforma o me. Embora Mead faça essa distinção entre o eu e o me, deve-se dizer que o eu é de qualquer modo uma formação social. Do mesmo modo que o me, o eu é formado pelo outro generalizado. No entanto, o outro generalizado é formado por outros conformistas, críticos e rebeldes. Na formação do me predomina o outro conformista, o outro que representa o controle social; e na formação do eu predomina o outro crítico e rebelde, o outroque representa a transformação do controle social. A observação de Mead de que o eu se refere a alguma coisa que não é dada no me tem, seguramente, um segundo significado. O eu è impulsivo. As ações impulsivas do eu defrontam-se freqüentemente com obstáculos criados pelas ações dos sujeitos sociais. O eu é obrigado a refletir sobre os fracassos do presente levando em consideração sua experiência passada e ponderando as possíveis conseqüências de seus atos futuros. Forma-se e desenvolve-se, desse modo, o eu cognitivo, a experiência reflexiva. Com o desenvolvimento da experiência reflexiva, o eu adquire conhecimento e controle de seus impulsos, tornando-se mais racional. Diz Mead que, finalmente, o sujeito forma-se como autoconsciência. A autoconsciência refere-se à experiência reflexiva, refere- se ao surgimento do sujeito socialmente constituído que pode ser tomado como objeto de intermináveis reflexões de si sobre si. Há uma objetividade social na teoria do sujeito de Mead, que é derivada do outro generalizado, das leis, normas, regras e costumes da estrutura social, que o psicólogo social não quer ver reduzida a uma teoria da consciência, a uma teoria psicológica do sujeito ou uma teoria subjetiva do sujeito, como a de James; pois a consciência refere-se à experiência subjetiva, à experiência de prazer e dor, à experiência privada. Quer, ao contrário, defender uma teoria epistemológica do sujeito, uma teoria reflexiva do sujeito, uma teoria da autoconsciência. O eu observador, social, impulsivo e cognitivo, é também moral. As ações iniciais, críticas e inovadoras do sujeito podem produzir resultados imprevisíveis, e suas ações subseqüentes devem lidar com essas conseqüências, especialmente quando elas envolvem questões de ordem moral. O sujeito moral é precisamente aquele que recorre, não só à memória de experiências passadas e à sua capacidade limitada de previsão do curso de conseqüências futuras, mas também à cognição acerca da problemática moral envolvida, para, enfim, responsabilizar-se e procurar corrigir eventuais danos morais que possa ter causado ou vir a causar às pessoas. 31 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS José António Oomásio Abib As bases conceituais da teoria social e dialógica do sujeito estão estabelecidas. A teoria é dialógica porque envolve a relação entre o eu e o me. Na verdade, pode-se dizer que esse dialogismo já se encontra em James, embora James não tenha uma teoria da formação social do sujeito. A teoria de Mead é uma teoria social porque apresenta uma notável explicação social de como se formam o e u e o me. Mas não é somente isso. Concebida como relação social dialógica no processo social da ação comunicativa e participante, essa relação aos poucos se internaliza até se transformar em pensamento. O sujeito, como disse James, é pensamento. Mas, como diz Mead, é pensamento social, Em síntese, o sujeito é autoconsciência social ou simplesmente consciência social. Mead foi um filósofo que contribuiu ao lado de Charles S. Peirce, James e Dewey para fundar o pragmatismo filosófico norte-americano. Mead construiu uma teoria social e dialógica do sujeito que, ou reflete os fundamentos do pragmatismo filosófico, ou contribui para assentar os fundamentos dessa filosofia, ou ainda, expressa ambas as tendências simultaneamente. Debater essa questão não é um objetivo desse livro. Admite-se, aqui, simplesmente que a teoria social e dialógica do sujeito formulada por Mead é uma expressão do pensamento filosófico do pragmatismo - uma tese que já defendi no texto Teoria social e dialógica do sujeito, de 2005. Como manifestação dessa filosofia, ela tem quatro fundamentos: o comportamentalismo, o conseqüencialismo, o contextualismo e o anti-representacionismo. Esses fundamentos podem ser vistos como teses básicas do pragmatismo de Mead. Hans Joas, o grande comentador de Mead, diz em seu livro G. H. Mead: um reexame de seu pensamento, de 1980, que o filósofo acreditava que Darwin foi uma figura chave para o recomeço da reflexão filosófica. Mead, segundo Joas, via na teoria de Darwin um modelo alternativo ao modelo filosófico vigente que deduz o comportamento e o conhecimento do mundo externo a partir da predeterminação de um sujeito. Mead achava que Darwin fornecera os meios para fundar todo o conhecimento no comportamento ao mostrar como um organismo se adapta ao seu ambiente para sobreviver. O comportamentalismo social de Mead é uma das melhores expressões dessa virada na teoria do conhecimento. Basta lembrar, neste momento, sua tese de que a linguagem, a mente e o sujeito são fundados na ação comunicativa e participante. A segunda tese do pragmatismo de Mead refere-se à explicação conseqüencialista do comportamento. A explicação do comportamento deve ser feita com base nas suas conseqüências. Evidências do conseqüencialismo de Mead podem ser verificadas na importância que ele atribui aos resultados finais (efetivos ou presumidos) do ato social, seja para esclarecer as noções de significado e experiência reflexiva, ou para, somente depois desse esclarecimento, basear-se nessas noções para explicar o comportamento. A terceira tese refere-se ao contextualismo, na qual afirma que a ação comunicativa e participante é o contexto social, quer dizer, o lugar onde 32 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS Sujeito no Labirinto: Um ensaio Psicológico os símbolos significantes e, conseqüentemente, a linguagem, a mente e o sujeito, são constituídos; afirma, em última análise, que o simbolismo não pode de modo algum ser compreendido separadamente das ações sociais dos indivíduos envolvidos na ação comunicativa e participante. Finalmente, a quarta tese refere-se ao anti-representacionismo, que está impregnado de ponta a ponta pela sua concepção de linguagem. Essa tese enuncia que a linguagem não representa uma situação previamente dada, sequer haveria situação sem a linguagem, Isso porque a linguagem é constituinte da situação. Portanto, dessa perspectiva, dizer que a linguagem representa uma situação é equivalente a dizer que ela representa sua própria invenção, ou seja, a linguagem só representa a si mesma. Na teoria da consciência social, o sujeito cognitivo não representa nem figura qualquer realidade. Como uma pintura abstrata, o sujeito é anti-representacional. Na verdade é auto-referente: representa a si mesmo, ele é a sua própria representação. Em síntese, concluímos que a teoria da consciência social é orientada pela filosofia do pragmatismo filosófico, é filosofia pragmatista do conhecimento, é epistemologia social. As teorias do sujeito como consciência e consciência social são diferentes, fundamentam-se respectivamente na experiência subjetiva e na experiência reflexiva. A teoria da consciência social visa à constituição do sujeito racional e moralmente responsável. Para alcançar essa meta, a experiência subjetiva precisa ser controlada; impulsos, sentimentos e emoções, precisam ser contidos. Ficamos desse modo com a sensação de que a constituição do sujeito moral expulsa a esfera afetiva da experiência: a esfera dos sentimentos. Uma resposta que possa conciliar a esfera afetiva com a esfera moral está, portanto, na ordem de nossa investigação. Vamos sondá-la na obra do psicólogo norte-americano B. F. Skinner. 33 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015 14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! INDEX BOOKS GROUPS 4. B. F. Skinner: O Sujeito Verbat A noção de sujeito ético em Skinner requer um esclarecimento preliminar, Pois o sujeito ético é o sujeito verbal. Por isso o exame da resposta de Skinner será feito em dois capítulos. Neste pesquisaremos o conceito de sujeito verbal. No próximo investigaremos o conceito