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Curso de Direito Civil Elpidio Donizetti 2023

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Table of Contents
Nota sobre a 11ª Edição
Introdução ao Estudo do Direito Civil
1. ACEPÇÕES DO VOCÁBULO DIREITO
1.1 Direito objetivo e direito subjetivo
1.2 Direito natural e direito positivo
2. ORDENAMENTO E SISTEMAS JURÍDICOS
3. FONTES DO DIREITO
3.1 Lei
3.1.1 Princípios e formas de interpretação das leis
3.2 Princípios gerais do Direito
3.2.1 Princípios norteadores do Direito Civil:
socialidade, operabilidade e eticidade
3.3 Jurisprudência
3.4 Doutrina
3.5 Costume
4. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO
BRASILEIRO (DECRETO-LEI 4.657/42)
4.1 Vigência das leis
4.1.1 Obrigatoriedade e eficácia das leis
4.1.2 Continuidade e revogação das leis
4.1.3 Irretroatividade das leis
4.1.4 Especialidade das leis
4.1.5 Eficácia repristinatória
4.2 Conflito de leis no tempo e no espaço
4.2.1 Conflito de leis no tempo
4.2.2 Conflito de leis no espaço
5. BREVE HISTÓRICO DA CODIFICAÇÃO DO DIREITO
CIVIL BRASILEIRO
Teoria das Pessoas (arts. 1º a 78)
1. TEORIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1 Crise da personalidade jurídica
1.2 Categorias de pessoas
2. PESSOA NATURAL
2.1 Pessoa natural: o início da personalidade e a
questão do nascituro
2.2 Pessoa natural: fim da personalidade
2.2.1 Testamento vital
2.3 Teoria das capacidades
2.3.1 Crítica à doutrina
2.3.2 O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a
teoria das capacidades
2.3.3 Incapacidade de fato absoluta
2.3.4 Incapacidade de fato relativa
2.3.5 Crítica à nova disciplina da capacidade de
fato após a entrada em vigor do Estatuto da
Pessoa com Deficiência
2.3.6 Maioridade e emancipação
2.4 Estado
2.5 Ausência
2.5.1 Hipóteses de ausência
2.5.2 Procedimento e fases da declaração de
ausência
2.5.2.1 Curadoria dos bens do ausente
2.5.2.2 Abertura da sucessão provisória
2.5.2.3 Declaração da morte presumida e
abertura da sucessão definitiva
2.6 Domicílio da pessoa natural e da pessoa jurídica
2.7 Direitos da personalidade
2.7.1 Tutela dos direitos da personalidade
2.7.2 Considerações acerca de alguns direitos da
personalidade
2.7.2.1 Direito à busca da felicidade e à
realização plena
2.7.2.2 Direito à integridade física
2.7.2.3 Direito ao nome
2.7.2.4 Direito à imagem
2.7.2.5 Direito à privacidade e à proteção dos
dados pessoais
2.7.2.6 Direito ao esquecimento
2.8 Entes de capacidade reduzida
3. PESSOAS JURÍDICAS
3.1 Teorias sobre a pessoa jurídica
3.2 Pessoa jurídica: início da personalidade
3.3 Pessoa jurídica: fim da personalidade
3.4 Categorias de pessoa jurídica
3.4.1 Associações
3.4.2 Sociedades
3.4.3 Fundações
3.5 Nome da pessoa jurídica
3.6 Teoria da desconsideração da personalidade
jurídica
Teoria dos Bens (arts. 79 a 103)
1. BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS
1.1 Bens móveis e imóveis
1.2 Bens fungíveis ou infungíveis
1.3 Bens consumíveis e inconsumíveis
1.4 Bens divisíveis e indivisíveis
1.5 Bens singulares ou coletivos
1.6 Bens públicos ou particulares
2. BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS
2.1 Bens principais, acessórios e pertenças
2.2 Frutos e produtos
2.2.1 Frutos
2.2.2 Produtos
2.3 Benfeitorias e acessões
2.3.1 Benfeitorias
2.3.2 Acessões
2.3.3 Necessidade da distinção entre benfeitorias
e acessões – consequências jurídicas diversas
3. BEM DE FAMÍLIA
Teoria dos Fatos Jurídicos
1. FATOS JURÍDICOS EM SENTIDO ESTRITO
2. ATOS JURÍDICOS
Negócios Jurídicos (arts. 104 a 114 e 121 a 185)
1. ESPÉCIES DE ATOS JURÍDICOS LÍCITOS
1.1 Atos jurídicos voluntários
1.2 Negócios jurídicos
2. ELEMENTOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
2.1 Elementos intrínsecos
2.1.1 Elementos essenciais
2.1.2 Elementos acidentais
2.2 Elementos extrínsecos
3. REQUISITOS DE VALIDADE DOS NEGÓCIOS
JURÍDICOS
3.1 Capacidade dos sujeitos
3.2 Possibilidade, licitude e determinabilidade do
objeto
3.3 Licitude do motivo determinante
3.4 Observação da forma prescrita ou não defesa em
lei
4. MODALIDADES DOS ATOS JURÍDICOS
4.1 Ato puro e simples
4.2 Ato condicional
4.2.1 Ato sujeito a condição suspensiva
4.2.2 Ato sujeito a condição resolutiva
4.2.3 Impossibilidade e ilicitude da condição
4.2.3.1 Condições ilícitas
4.2.3.2 Condições física ou juridicamente
impossíveis
4.2.3.3 Condições de não fazer coisa
impossível
4.2.4 Eficácia do implemento da condição
4.2.5 Interferência voluntária no implemento da
condição
4.3 Ato sujeito a termo
4.3.1 Contagem de prazo
4.4 Ato modal
5. CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
5.1 Atos unilaterais e atos bilaterais
5.2 Atos gratuitos e atos onerosos
5.3 Atos inter vivos e atos causa mortis
5.4 Atos principais e atos acessórios
5.5 Atos solenes e consensuais
5.6 Atos causais e atos abstratos
5.7 Atos intuitu personae e atos impessoais
6. INTERPRETAÇÃO DA VONTADE NOS NEGÓCIOS
JURÍDICOS
7. INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
7.1 Nulidade dos negócios jurídicos
7.1.1 Hipóteses de nulidade
7.1.1.1 Incapacidade do sujeito
7.1.1.2 Ilicitude, impossibilidade ou
indeterminabilidade do objeto
7.1.1.3 Ilicitude do motivo determinante
7.1.1.4 Forma em desacordo com a lei
7.1.1.5 Preterição de solenidade legal
7.1.1.6 Objetivo de fraudar lei imperativa
7.1.1.7 Previsão legal
7.1.1.8 Simulação
7.1.2 Ato inexistente
7.1.3 Direito e dever de alegar nulidades
7.1.4 Produção indireta de efeitos do ato nulo
7.1.5 Crítica à nulidade do negócio jurídico
7.2 Anulabilidade dos negócios jurídicos
7.2.1 Convalidação dos atos anuláveis
7.2.2 Vícios do ato jurídico
7.2.2.1 Erro
7.2.2.2 Dolo
7.2.2.3 Coação
7.2.2.4 Estado de perigo
7.2.2.5 Lesão
7.2.2.6 Fraude contra credores
7.2.3 Ação anulatória
8. PROVA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Atos Ilícitos (arts. 186 a 188)
Representação (arts. 115 a 120)
Prescrição e Decadência (arts. 189 a 211)
1. PRESCRIÇÃO
1.1 Prazos prescricionais
1.2 Impedimento e suspensão do prazo prescricional
1.2.1 Causas impeditivas ou suspensivas
1.2.1.1 Constância da sociedade conjugal
1.2.1.2 Poder familiar
1.2.1.3 Tutela ou curatela
1.2.1.4 Incapacidade absoluta
1.2.1.5 Serviço público fora do país
1.2.1.6 Atuação em guerra
1.2.1.7 Pendência de condição suspensiva
1.2.1.8 Prazo não vencido
1.2.1.9 Pendência de ação de evicção
1.3 Interrupção do prazo prescricional
1.3.1 Causas interruptivas
1.3.1.1 Citação
1.3.1.2 Protesto
1.3.1.3 Apresentação do título de crédito
1.3.1.4 Mora
1.3.1.5 Ato inequívoco de reconhecimento do
direito
1.4 Prestações imprescritíveis
1.5 Prescrição intercorrente
2. DECADÊNCIA
2.1 Decadência legal
2.2 Decadência convencional
Direitos Absolutos e Direitos Relativos
Noção de Obrigação
1. CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
1.1 Obrigação em sentido amplo
1.2 Obrigação em sentido estrito
2. ELEMENTOS DAS OBRIGAÇÕES
2.1 Elementos essenciais
2.1.1 Sujeitos
2.1.2 Objeto
2.1.3 Vínculo jurídico
2.2 Teorias acerca da essência da obrigação
2.3 Elementos acidentais
2.3.1 Condição, termo e encargo
Classificação das Obrigações (arts. 233 a 285)
1. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AO
OBJETO
1.1 Obrigações de dar
1.1.1 Obrigações de dar coisa certa
1.1.1.1 Hipóteses de perda e deterioração do
objeto da prestação em obrigação de dar
coisa certa
1.1.1.2 Melhoramentos e acréscimos do
objeto da prestação em obrigação de dar
coisa certa
1.1.2 Obrigações de dar coisa incerta
1.1.3 Execução judicial das obrigações de dar
1.1.3.1 Execução de obrigação de dar
constante de título executivo extrajudicial
1.1.3.2 Execução de obrigação de dar
constante de título executivo judicial
1.2 Obrigações de fazer
1.2.1 Fungibilidade da prestação
1.2.2 Impossibilidade superveniente da prestação
1.2.3 Execução judicial das obrigações de fazer
1.2.3.1 Execução de obrigação de fazer
constante de título executivo extrajudicial
1.2.3.2 Execução de obrigação de fazer
constante de título executivo judicial
1.3 Obrigações de não fazer
1.3.1 Impossibilidade superveniente da prestação
negativa
1.3.2 Divisibilidade ou não da prestação negativa
1.3.3 Inexecução da obrigação de não fazer
1.3.4 Execução judicial das obrigações de não
fazer
1.3.4.1 Execução de obrigação de não fazer
constante de título executivo extrajudicial
1.4 Obrigações divisíveis e indivisíveis
1.4.1 Pluralidade de sujeitos
2. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AOS
SUJEITOS: OBRIGAÇÕESconstitucionalidade é inconstitucional, por violar a evolução histórica das
constituições brasileiras e acarretar injustificável restrição à tutela do
ordenamento jurídico-constitucional.
Princípios gerais do Direito
Uma das formas pelas quais o Direito se manifesta é a de princípio.
Princípio é uma norma de ampla abrangência que não traz em si um
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comando, mas, sim, uma diretriz abstrata, que orienta, que inspira.
O Estado brasileiro, oficialmente chamado de República Federativa do
Brasil, rege-se pela Constituição Federal de 1988. A Constituição de 1988
fundou o Estado em uma série de princípios gerais do Direito que foram
elevados à categoria de princípios constitucionais. Nesse sentido, os arts.
1º e 3º têm extrema importância, pois são a luz e o caminho a serem
seguidos pelo Direito brasileiro. O art. 1º estabelece como fundamentos da
República os princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da
pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do
pluralismo político. O art. 3º, por sua vez, traça como objetivos da
República: construir uma sociedade livre, justa e solidária – donde se
inferem os princípios da liberdade, da justiça e da solidariedade; garantir
o desenvolvimento nacional – donde se extrai o princípio do
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais – donde se inferem os
princípios da erradicação da pobreza e da igualdade; promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação – donde se extrai o princípio da não
discriminação.
Impende frisar, ainda, que há diversos outros princípios gerais do
Direito que integram o nosso ordenamento, conquanto não mencionados na
Constituição.
Como agem os princípios?
Como o próprio nome indica, um princípio é um fundamento, uma
diretriz, uma norma basilar. Por essa razão, os princípios agem informando,
orientando, tanto a organização do Estado, quanto o comportamento das
pessoas, quanto a solução dos conflitos.
O tema da união civil entre pessoas do mesmo sexo é um exemplo
clássico de aplicação dos princípios. As principais bases sobre as quais se
apoiam os defensores dessa união são dois princípios constitucionais: o da
liberdade (art. 3º, I, e art. 5º, caput) e o da não discriminação (art. 3º, IV). E
foram justamente essas diretrizes que permitiram a já mencionada
conclusão do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de união civil
entre pessoas do mesmo sexo, atualmente regulamentada pela Resolução
175, de 14/5/2013, do Conselho Nacional de Justiça.
Ainda sobre o aspecto principiológico que envolve as uniões entre
pessoas do mesmo sexo, cabe lembrar que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), à qual o Brasil se submete há mais de 20
anos , já teve diversas oportunidades de abordar as questões de gênero a
partir da conexão com o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Somente para exemplificar, no julgamento do Caso Duque vs. Colômbia, a
Corte IDH fixou tese segundo a qual nenhuma norma, decisão ou prática de
direito interno pode diminuir ou restringir os direitos de uma pessoa por sua
orientação sexual. Qualquer providência tendente a promover a redução ou
extinção desses direitos viola os princípios da igualdade e da não
discriminação, protegidos pelos artigos 1.1 e 24 da Convenção
Americana de Direitos Humanos.
Outro exemplo: nosso Direito acolheu constitucionalmente o princípio
da função social da propriedade (art. 5º, XXIII). Esse princípio tem dupla
ação: serve para orientar o Estado no sentido de promover políticas de
distribuição de terras e políticas urbanísticas e para orientar o proprietário
com relação à destinação que deve dar a seus bens. Para que se tenha uma
ideia, houve um tempo em que o Direito, por não reconhecer esse princípio,
dava à propriedade o caráter de absoluto, pelo que nada podia perturbá-la,
podendo o proprietário fazer o que bem quisesse com aquilo que lhe
pertencia. À luz do constitucionalismo moderno, o direito de propriedade
deve, necessariamente, atender a sua função social, não consistindo mais
em um direito absoluto e ilimitado. Nesse contexto, é importante salientar
que a doutrina e a jurisprudência também atrelam o direito de propriedade à
sua função ecológica. Por exemplo, a existência de uma área de reserva
legal no âmbito de uma propriedade rural, embora seja uma espécie de
limitação administrativa, é imprescindível para a tutela do meio ambiente,
legitimando, portanto, a existência de restrições a direitos individuais em
prol da coletividade. Como conclusão podemos definir que, embora a
propriedade seja um direito constitucionalmente assegurado, ele não é
absoluto, devendo ser cotejado com outros princípios que regem o nosso
ordenamento.
Outro exemplo, ainda: ao longo do século XX, a doutrina brasileira
começou a refletir sobre o princípio da função social dos contratos, até que
o Código Civil de 2002 expressamente estatuiu, no art. 421, que “a
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liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato”. Esse princípio passou então a atuar com ainda mais força nas
relações contratuais, sobretudo na solução de conflitos, dando a brecha para
que o Poder Judiciário intervenha nos acordos particulares para garantir a
dignidade dos contratantes.
Princípios norteadores do Direito Civil:
socialidade, operabilidade e eticidade
Costuma-se indicar que o Direito Civil é composto de um sistema
aberto de normas, desvinculado de estruturas rígidas e abstratas. Com as
transformações operadas, por exemplo, no direito das famílias, algumas
estruturas normativas precisaram ser repensadas e interpretadas à luz das
novas demandas sociais. A fim de facilitar a aplicação do Direito Civil e
proporcionar soluções atentas ao contexto social, MIGUEL REALE, alterando
a principiologia do direito privado – cujo caráter era essencialmente
individual –, estabeleceu alguns princípios norteadores da atual codificação,
quais sejam: socialidade, operabilidade e eticidade.
A socialidade procura superar o caráter individualista do direito
privado, impondo às relações – inclusive negociais – um aspecto social,
coletivo. A função social da propriedade e dos contratos é exemplo desse
princípio. Também o é a função social da empresa, que está expressamente
prevista no art. 47 da Lei 11.101/2005.
Podemos sintetizar que a socialidade permite a restrição de direitos em
prol da coletividade ou a sobreposição de interesses sociais sobre os
interesses meramente individuais.
A dimensão social é valorizada, impedindo que, a pretexto do exercício
de um direito, atos de conteúdo socialmente perversos sejam
praticados [...]. Se antes seria anedótico pensar em limitar,
funcionalmente, o exercício dos direitos, mormente a propriedade, hoje
seu conteúdo já nasce com semelhante feição. Ser proprietário não é
mais ser titular de um bloco rígido de prerrogativas, mas ser titular de
direitos cuja conformação varia de acordo com a inserção social.
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A socialidade pode ser vista, por exemplo, na interpretação das
cláusulas dos contratos de planos de saúde, impedindo a negativa de
cobertura em caso de atendimento de urgência e emergência que implique
risco imediato à vida do segurado, ainda que não transcorrido o prazo de
carência contratualmente estipulado .
A operabilidade, por sua vez, traduz a ideia de tornar as categorias de
direito civil menos complexas e mais efetivas, afastando as dúvidas que
haviam persistido durante a vigência do Código de 1916. Por exemplo, o
CC/2002 distinguiu os prazos decadenciais dos prazos prescricionais,
estabelecendo as consequências jurídicas para cada um dos institutos.
A operabilidade busca dar praticidade ao Código, ao oferecer soluções
normativas para facilitar a sua interpretação e aplicação. Com esse
princípio valorativo, o que se busca é a aplicação concreta do direito,
em razão dos elementos fáticos e axiológicos, que devem ser sempre
consideradosna enunciação e na aplicação dos preceitos legais. Com a
operabilidade, a norma deve ser de fácil compreensão e aplicação, a
fim de evitar equívocos e dificuldades.
Por fim, a eticidade simboliza a necessidade de diálogo entre o direito
civil e a ética. Seja na esfera contratual seja nas relações familiares, a
eticidade condiciona a atuação das partes aos deveres de lealdade,
veracidade e boa-fé. Um exemplo na atual codificação é o art. 113, segundo
o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e
os usos do lugar de sua celebração”. Também o art. 422 explicita a
exigência de boa-fé nas fases de formulação e execução do contrato. Nesse
ponto, vale lembrar que a doutrina também prevê o comportamento ético
das partes antes mesmo da celebração do negócio (Enunciado 25 da I
Jornada de Direito Civil do CJF), ou seja, ainda na fase pré-contratual .
O Princípio da eticidade visa coibir tudo que esteja contra o justo, o
ideal, o correto, e tudo que ofenda aos valores da sociedade, tendo em
vista que estas condutas devem ser reprimidas e punidas com extremo
rigor. O Princípio da eticidade estimula aos operadores do direito, não
praticarem a mera subsunção do caso a norma, mas, a aplicação, no
caso concreto, de noções básicas de moral, ética, boa-fé, honestidade,
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lealdade e confiança (TJ-PB, Embargos Á execução
00244858220038152001 PB, Relator: Des. Leandro dos Santos, data
do julgamento: 24/4/2018, 1ª Câmara Especializada Cível).
A eticidade, longe de ser um princípio atrelado exclusivamente ao
direito material, também se encontra presente na atual codificação
processual. O art. 5º do CPC/2015 prevê que as partes e todos aqueles que
de alguma forma participem do processo devem observar a boa-fé. Dessa
forma, não há como negar que a ética também deve orientar a atuação
jurisdicional.
Jurisprudência
O vocábulo jurisprudência tem duas acepções: originalmente, significa
a ciência do Direito (do latim juris + prudentia, a prudência do Direito);
todavia, desde o final do século XIX, passou a ser utilizado para se referir a
reiteradas decisões dos juízes e tribunais. É nesse sentido que se diz que
a jurisprudência é fonte formal do Direito – no Direito brasileiro, desde
antes da independência, por comando das Ordenações Filipinas.
A razão pela qual é inútil negar à jurisprudência o caráter de fonte
formal do Direito é simples, e os civilistas do século XIX já a haviam
percebido: são os tribunais que, afinal, julgarão os conflitos sociais; sejam
quais forem as fontes formais reconhecidas pela doutrina, são os tribunais
que selecionarão as normas aplicáveis, que as interpretarão e que proferirão
a decisão final. Ademais, se um tribunal superior começa a seguir uma
tendência no julgamento de uma questão, é razoável que os tribunais
inferiores, e que os juízes a eles subordinados, adotem aquele
posicionamento. Por quê? Porque, mesmo que não o façam, em sede
recursal o tribunal reformará o julgado. Antes mesmo da codificação do
nosso Direito Civil, o CONSELHEIRO RIBAS já tivera a ocasião de asseverar
que:
Quanto à autoridade moral dos casos julgados pelos tribunais
superiores em relação aos inferiores, é lógica consequência do sistema
de diversidade de instâncias. Com efeito, pois que a lei autorizou
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aqueles tribunais a reformarem as decisões destes, e a fazerem que
destarte prevaleçam as suas opiniões nos casos particulares, quer
implicitamente que, em regra, os tribunais adotem as opiniões dos seus
superiores, evitando assim estéril luta em prejuízo das partes; salvo
quando poderosas razões gerarem opostas convicções.
O reconhecimento da jurisprudência como fonte formal do Direito tem
ainda uma importante consequência: considerando-se a velocidade lenta
com a qual se processam as mudanças legislativas, são os tribunais que, por
meio da jurisprudência, têm a oportunidade de atualizar o direito objetivo.
Nesse sentido, questiona EDUARDO ESPÍNOLA:
a) é lícito ao juiz deixar de aplicar a lei que já não corresponde às
necessidades sociais e se opõe à instituição e desenvolvimento de
relações jurídicas vivamente reclamadas pelo comércio social? b) pode
o juiz criar a norma jurídica para suprir as lacunas insolúveis da lei?
[...]
A doutrina mais recente, aceita por grande número de civilistas de
responsabilidade e destinada a romper as resistências de muitos outros, é
francamente favorável a uma solução afirmativa.
E complementa:
A jurisprudência, prática e doutrinária, [...] não tem simplesmente por
objetivo investigar o sentido das regras legais e aplicá-las de acordo
com o resultado obtido. Ela é também autorizada a estabelecer, por
meio de um profundo exame, o pensamento jurídico latente nas
disposições da lei, como corresponda às necessidades da vida prática e,
desse modo, a aperfeiçoar incessantemente o direito.
CLÓVIS BEVILÁQUA chegou a incluir na Lei de Introdução constante do
seu projeto de Código Civil de 1899 o seguinte dispositivo, no art. 8º: “uma
lei só pode ser derrogada ou revogada por outra, mas a jurisprudência
assentada e a praxe forense podem suprir as suas lacunas, na conformidade
dos arts. 12 e 13”. Tal comando, infelizmente, foi suprimido pela Câmara
dos Deputados quando da votação do projeto naquela casa.
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Em que pese a lei ainda ser considerada como fonte primária do Direito,
não é possível conceber um Estado exclusivamente legalista. Seja porque a
sociedade passa por constantes modificações (culturais, sociais, políticas,
econômicas etc.) que não são acompanhadas pelo legislador, seja porque
este nunca será capaz de prever solução para todas as situações concretas e
futuras submetidas à apreciação judicial, não se pode admitir um
ordenamento dissociado de qualquer interpretação jurisdicional.
Igualmente, não se pode negar a segurança jurídica proporcionada pelo
ordenamento previamente estabelecido (positivismo jurídico).
Com efeito, seria tolo negar que ao aplicar o Direito, o Judiciário o
interpreta. Além disso, como se sabe, a boa interpretação sequer busca o
sentido que o legislador pretendeu dar ao texto, mas sim o melhor sentido
que dele se pode extrair. Nesse sentido, a Common Law é muito franca ao
conceituar o Direito como o Direito aplicado pelas cortes; o BISPO
HOADLY, desde o século XVI, na Inglaterra, afirmara que quem tem o
poder de interpretar o Direito acaba sendo, em realidade, e para todos os
efeitos, o verdadeiro criador do Direito, e não quem redigiu as leis.
Dando um importante passo na solução da discussão em comento, a
Emenda Constitucional 45 de 2004 incluiu na Constituição o art. 103-A,
com a seguinte redação:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem
como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida
em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia
de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
sobre questão idêntica.
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§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação,
revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles
que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará
que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme
o caso.
Embora se estabeleça que a súmula vinculante “terá porobjetivo a
validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas”, na prática, o
que se vê é a atuação do Judiciário na criação de normas, sobretudo para
solucionar os casos não regulados por lei.
Um exemplo é o da Súmula Vinculante 25, que determina que “é
ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do
depósito”. Esse caso não deixa dúvida sobre a força da jurisprudência como
criadora de norma, porquanto a Súmula 25 do STF derroga o art. 652 do
Código Civil e o próprio inciso LXVII do art. 5º da CF, os quais dispõem,
respectivamente, que “seja o depósito voluntário ou necessário, o
depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo
mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos” e “não
haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Como vimos, com o Código de Processo Civil, a ideia de que a
jurisprudência também pode ser considerada fonte do Direito ficou ainda
mais evidente. No art. 927 (incisos I a V), o legislador buscou adequar os
entendimentos dos tribunais superiores em todos os níveis jurisdicionais, a
fim de evitar a dispersão da jurisprudência e, consequentemente, a
intranquilidade social e o descrédito nas decisões emanadas pelo Poder
Judiciário. Trata-se de rol que contém precedentes de observância
obrigatória, tal como é a lei. Assim, havendo precedente sobre a questão
posta em julgamento, ao juiz não se dá opção para escolher outro parâmetro
de apreciação do Direito. Somente lhe será lícito recorrer à lei ou ao
arcabouço principiológico para valorar os fatos na ausência de precedentes.
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Pode-se até utilizar de tais espécies normativas para construir a
fundamentação do ato decisório, mas jamais se poderá renegar o precedente
que contemple julgamento de caso idêntico ou similar.
A vinculação, entretanto, se restringe à adoção da regra contida na ratio
decidendi do precedente . Tal como se passa no sistema de leis, não se
cogita da supressão da livre apreciação da prova ou da decisão da lide
atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos. Ao juiz
permite-se não seguir o precedente ou a jurisprudência, hipótese em que
deverá demonstrar, de forma fundamentada, que se trata de situação
particularizada que não se enquadra nos fundamentos da tese firmada pelo
tribunal.
A respeito do tema, sugerimos a leitura do capítulo sobre precedentes
judiciais do Curso Didático de Direito Processual Civil (Capítulo I, Parte
V), do coautor desta obra ELPÍDIO DONIZETTI.
Doutrina
O termo doutrina refere-se aos ensinamentos dos estudiosos do Direito.
Hoje em dia, com a enorme quantidade de leis em nosso país, e com a
influência cada vez mais crescente da jurisprudência, a doutrina tem
perdido força como criadora de normas. Isso não quer dizer que a doutrina
não inspire o legislador e os julgadores. O que estamos a afirmar é que hoje
é menos comum que uma situação seja regulada normativamente de forma
direta pela doutrina.
Um exemplo interessante do papel da doutrina criando normas foi o
caso da lesão. A lesão, como teremos a oportunidade de estudar, é um dos
defeitos do ato jurídico, mas não foi incluída no rol das causas de
anulabilidade dos atos defeituosos no Código de 1916, por influência do
pensamento liberal. Todavia, ao longo do século XX a doutrina voltou a
discutir o fato de que a lesão vicia o ato jurídico, o qual, por essa razão,
pode ser anulado. Nesse caso, a doutrina atuou claramente como fonte
formal do Direito e, baseando-se nesse ensinamento, os juízes e tribunais
passaram a anular atos em que enxergavam a ocorrência da lesão. O
entendimento da doutrina acabou por inspirar o legislador, que incluiu a
27
28
lesão no rol dos defeitos do ato jurídico – e, por conseguinte, entre as causas
de anulabilidade do ato –, no Código Civil de 2002.
A título de ilustração, transcrevemos abaixo trecho do voto vencedor do
Ministro Barros Monteiro, do STJ, no julgamento do REsp 107.961/RS. No
extrato fica bem clara a atuação da doutrina como fonte formal do Direito.
Não é fácil extremar-se, com efeito, a lesão dos chamados vícios do
consentimento.
O Prof. Caio Mário da Silva Pereira leciona que o conceito de lesão,
aproximado da noção moderna, emana do concurso de dois elementos:
o objetivo e o subjetivo. [...] (Lesão nos Contratos, págs. 164-165, 5ª
ed.). O característico da lesão é o dolo de aproveitamento, o abusar
daquele estado psíquico da outra parte, para obter vantagem
patrimonial (ob. citada, pág. 168).
Pela lição do eminente Mestre, um dos mais ardorosos defensores
desse instituto em nosso país, poder-se-ia afirmar encontrar-se
delineada, em tese, a lesão no caso dos autos: os autores referem-se
repetidamente aos dois irmãos cedentes como “os morenos
analfabetos”. Diga-se em princípio, porque prova acerca da
inexperiência, da inferioridade destes, não há. Existe apenas a alegação
formulada pelos autores, pois o feito terminou por ser julgado
antecipadamente pela Mma. Juíza de Direito.
De todo modo, a distinção entre o instituto da lesão e os vícios do
consentimento vem realçada pela Professora Anelise Becker em sua
obra “Teoria Geral da Lesão nos Contratos”.
(STJ, REsp 107.961/RS, 4ª Turma, relator: Min. Barros Monteiro, data
do julgamento: 13/3/2001.)
É cada vez mais frequente a realização de encontros para a discussão,
elaboração e divulgação de enunciados doutrinários sobre diversos temas,
inclusive envolvendo o Direito Civil. As jornadas do Conselho da Justiça
Federal (CJF/STJ) potencializam a importância da doutrina na interpretação
do Direito, gerando reflexos até nas decisões dos tribunais superiores.
Exemplificando: o art. 413 do Código Civil esclarece que a cláusula penal
deve ser reduzida de forma equitativa pelo juiz, caso a obrigação principal
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tenha sido satisfeita em parte, ou quando o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do
negócio. Perceba que a legislação não trata da possibilidade (ou mesmo da
vedação) de atuação ex officio do juiz, ou seja, não há como saber, por meio
de uma interpretação meramente gramatical, se essa redução pode ou não
ser feita sem a prévia provocação da parte prejudicada. O Enunciado 356,
aprovado na IV Jornada de Direito Civil do CJF, considera que, “nas
hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a
cláusula penal de ofício”. Essa interpretação já foi acolhida diversas vezes
pela jurisprudência do STJ (p. ex: AgInt no AREsp 668.670/RJ, data do
julgamento: 15/3/2018). Há, portanto, uma troca de experiências: a doutrina
se vale da jurisprudência e os tribunais superiores utilizam a doutrina como
reforço interpretativo.
Costume
O costume jurídico, que consiste na prática reiterada de uma
determinada conduta não reprovada pelo Direito, completa o rol das fontes
formais do Direito. Embora seja fonte de menor importância no
ordenamento atual, ainda há costumes que exercem o papel de norma
jurídica.
Um exemplo é o cheque pré-datado. O cheque é, por definição, uma
ordem de pagamento à vista. Ocorre que, no Brasil, tornou-se prática
comum a circulação de cheques com data futura. Vez que o Direito não
veda essa conduta, o cheque pré-datado se tornou um costume jurídico,
amplamente difundido no comércio. Ainda assim, se um cheque pré-datado
for apresentado a um banco antes da data, este o aceitará. Se, por acaso, não
houver fundos na conta do emitente do cheque, o título será devolvido. Não
se pode considerar ilícita a conduta do banco, vez que o cheque é ordem de
pagamento à vista. Mas, se uma pessoa aceita receber o cheque pré-datado,
deve obedecer ao costume e apresentá-lo ao banco apenas na data
designada, sob pena de causar dano ao emitente e ficar obrigada a indenizá-
lo. Trata-se de norma jurídica que se consolidou de tal forma que o STJ foi
levado a editar a Súmula 370, preceituando que “caracteriza dano moral a
apresentação antecipada de chequepré-datado”.
29
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No Direito do Trabalho, a utilização dos costumes como fonte do
Direito é recorrente. Em um caso submetido a julgamento pelo Tribunal
Regional do Trabalho da 17ª Região, considerou-se inadequada a supressão
injustificada de premiação destinada aos trabalhadores de uma empresa, a
qual já adotava essa prática há mais de 30 anos. O Tribunal registrou que “o
costume da empresa passou a ser fonte de direito, além do princípio da
condição mais benéfica, fazendo com que o direito se incorpore aos
contratos de trabalho” (Processo 0038100-36.2012.7.17.0121, data da
publicação: 21/11/2012).
No âmbito do direito contratual, veremos mais à frente alguns conceitos
parcelares da boa-fé objetiva, entre os quais a supressio e a surrectio. O
primeiro se refere à supressão de um direito contratual diante de uma
posição jurídica que configura verdadeira renúncia tácita em relação ao
exercício daquele direito. Já o segundo é considerado o surgimento de um
direito por meio de um costume estabelecido entre os contratantes na
execução do contrato. Isso quer dizer que as práticas reiteradas são também
consideradas normas aptas a reger a relação negocial.
LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO
DIREITO BRASILEIRO (DECRETO-LEI
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O Decreto-lei 4.657/42, que era, até 31 de dezembro de 2010,
denominado (inadequadamente) Lei de Introdução ao Código Civil, passou
a se chamar, a partir de tal data, por efeito da modificação operada pela Lei
12.376/2010, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Anteriormente, uma curiosidade era suscitada: como podia uma lei de
1942 ser a introdução ao Código Civil, considerando-se que o nosso
primeiro Código, vigente em 1942, era do ano de 1916?
Ocorre que, à época da codificação do Direito Civil pátrio, nosso
ordenamento jurídico era ainda muito pobre. Para sistematizar o Direito
brasileiro, que dava um grande passo com a organização de um Código
Civil, fazia-se necessário estabelecer algumas diretrizes gerais, que não
diziam respeito apenas ao Direito Civil, mas ao Direito como um todo.
Atentos a isso, os autores dos nossos projetos de Código Civil incluíram em
seus trabalhos um título preliminar – TEIXEIRA DE FREITAS foi o primeiro a
utilizar tal expressão, no Esboço – que serviria como um prefácio não só ao
Código, mas ao Direito brasileiro que se sistematizava. No projeto de
COELHO RODRIGUES, o título preliminar passou a ser chamado de lei
preliminar. No projeto BEVILÁQUA, ganhou o nome de lei de introdução, o
qual, após ser modificado pelas comissões revisoras, acabou sendo mantido
pelo Senado. BEVILÁQUA ponderou que “a introdução do Código Civil não é
uma parte componente do mesmo; é, por assim dizer, uma lei anexa, que se
publica, juntamente com o Código, para facilitar a sua aplicação”. E
esclareceu, quanto à sua matéria: “os seus dispositivos compreendem
matéria de Direito Público, de hermenêutica e de direito internacional
privado”.
Em 1942, todavia, promulgou-se um decreto-lei para substituir os
preceitos da Lei de Introdução de 1916. É certo que, naquele momento, não
se deveria ter mantido a designação lei de introdução, vez que a nova lei
nem introduzia o Código nem a ele se referia. O defeito, não obstante, foi
parcialmente corrigido em 2010, passando o Decreto-lei 4.657/42 a se
chamar Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Uma
denominação mais adequada teria sido algo como “Lei geral sobre fontes do
Direito e Direito Internacional Privado”.
Nesta obra, estudaremos apenas as normas da Lei de Introdução que se
referem às fontes do Direito – regras sobre vigência das leis e sobre conflito
de leis no tempo. Sobre a matéria do conflito de leis no espaço, objeto de
estudo do Direito Internacional Privado, daremos apenas notícia muito
rápida de dois princípios gerais.
Ressalte-se que, em 2018, foi promulgada a Lei 13.655, de 25 de abril, a
qual acrescentou à LINDB os arts. 20 a 30. Os novos dispositivos cuidam,
conforme consta da ementa de Lei 13.655, de “disposições sobre segurança
jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público”. Pelo fato
de a presente obra ter por objeto o Direito Privado, especificamente o
Direito Civil, não faremos aqui o exame das novas normas acrescidas à
LINDB.
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Vigência das leis
Vimos anteriormente que as leis são criadas pelo legislador por meio do
processo legislativo. A primeira etapa desse processo consiste na
elaboração de um projeto, que posteriormente será analisado pela casa
legislativa (no caso das leis nacionais, são duas: o Senado e a Câmara dos
Deputados) e, então, submetido ao Chefe do Executivo, o qual poderá
aprová-lo por meio do que se chama sanção, ou reprová-lo, por meio do
veto. Se sancionada, a lei será promulgada (ou seja, dada à luz) e, depois,
publicada, para que se torne do conhecimento de todos.
No caso de tratados internacionais, o processo é um pouco diverso. O
Presidente da República Federativa do Brasil, como representante do Estado
Federal nas relações internacionais, é o responsável pela celebração dos
tratados internacionais, nos termos do art. 84, VIII, da Constituição Federal
de 1988. Entretanto, sua manifestação não é isolada, cabendo ao Congresso
Nacional (art. 49, I, da CF) aprovar (ou não) o respectivo tratado. Após essa
junção de vontades entre os Poderes Executivo e Legislativo, caberá ao
Presidente da República ratificar o tratado, observando-se as eventuais
reservas feitas pelo Congresso Nacional. Em seguida, para incorporação à
legislação interna, o chefe de Estado edita um decreto presidencial, também
chamado de decreto de promulgação. É a partir desse momento que a norma
passa a ser válida igualmente no plano interno . O trâmite que engloba a
fase congressual e conta com a participação da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal demanda, inclusive, a atuação de outros órgãos do Poder
Legislativo, notadamente das Comissões de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJC).
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Segundo o princípio da obrigatoriedade, a lei obriga ao seu
cumprimento todos os que estão a ela sujeitos.
Ocorre que a lei, depois de criada, somente se torna obrigatória quando
recebe o potencial para produzir efeitos, chamado de eficácia. Uma lei se
torna eficaz quando entra em vigor, ou seja, quando se inicia sua vigência.
Por sua vez, deixa de ser eficaz quando termina a sua vigência. Vê-se,
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assim, que o tema da vigência das leis, ou seja, do período em que elas são
obrigatórias, é de fundamental importância.
Os arts. 1º e 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
disciplinam a vigência das leis.
Segundo o art. 1º, a não ser que haja disposição diversa no texto da lei,
esta entra em vigor quarenta e cinco dias após a data de sua publicação.
Não obstante, é comum que o próprio legislador, por meio de disposição
expressa no texto da lei, determine quando sua vigência deve se iniciar,
considerando o período necessário para que a sociedade se adapte a ela. O
espaço de tempo entre a data da publicação e a entrada em vigor é chamado
de vacatio legis, ou, em português, vacância da lei. Conforme o § 1º do art.
8º da Lei Complementar 95/98, “a contagem do prazo para entrada em vigor
das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da
data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia
subsequente à sua consumação integral”.
Atenção: por comando expresso da Lei Complementar 95/98, devem ser
incluídos na contagem do prazo tanto a data da publicação quanto o último
dia do prazo, e a lei somente entra em vigor no dia subsequente.
No caso do Código Civil de 2002, por exemplo, o legislador determinou
que sua vigência somente se iniciaria “um ano após sua publicação”.
Afinal, uma lei que vem para substituir o Código Civil em vigor deve ser
cuidadosamente estudada pelos juristas antes de se tornar obrigatória,
aposentando o Código anterior. O Código Civil foi promulgado em
10/1/2002, todavia somente foi publicado em 11/1/2002. Conta-se um ano,
portanto, de 11/1/2002a 11/1/2003. Logo, o Código Civil de 2002
somente entrou em vigor em 12/1/2003. Contudo, não falta quem defenda
que o termo inicial da vigência foi o dia 11/1 – certamente por
esquecimento do comando do art. 8º da Lei Complementar 95/98.
No recente exemplo do Código de Processo Civil de 2015, o legislador
também estabeleceu prazo de vacância de um ano. Como o Código – Lei
13.105 – foi promulgado em 16/3/2015 e publicado no dia 17/3/2015, a
vacância durou de 17/3/2015 a 17/3/2016, e o novo Código entrou em
vigor, portanto, no dia 18/3/2016.
Um exemplo de lei que não traz menção à data em que começaria a
vigorar é a Lei 4.717/65, a qual regula a ação popular. Por essa razão,
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33
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entrou em vigor 45 dias após sua publicação (a qual ocorreu em 5/7/1965).
Logo, as normas da Lei da Ação Popular somente se tornaram obrigatórias a
partir de 20/8/1965.
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O fim da vigência de uma lei, conforme o art. 2º da Lei de Introdução,
ocorre quando outra a modifica ou revoga. Trata-se do princípio da
continuidade das leis. Caso a lei se destine a vigência temporária, ela
mesma disporá sobre o término de sua eficácia.
A revogação da lei – fato de uma lei desaparecer no ordenamento
jurídico, e por conseguinte, deixar de ser obrigatória – ocorre em duas
hipóteses (art. 2º, § 1º, da LINDB): quando uma lei posterior determina
expressamente que outra deixará de existir – fenômeno chamado de
revogação expressa; quando uma lei nova abrange toda a matéria constante
da lei anterior, sendo com esta incompatível ou alterando totalmente o que
esta dispunha – fenômeno chamado de revogação tácita.
A revogação, seja ela expressa ou tácita, pode ser total ou parcial. A
revogação total da lei também é conhecida como ab-rogação, e a parcial
como derrogação.
Nesse ponto, é necessário ponderar que uma lei, embora revogada, pode
continuar a ser aplicada para, por exemplo, reger um negócio jurídico que
foi firmado ainda na vigência do Código Civil anterior. Temos um exemplo
recente na jurisprudência do STJ em que o julgamento do caso ocorreu na
vigência do CC/2002, mas, considerando o momento de incidência da lei,
foram adotadas as regras do CC/1916. No REsp 1.617.636 (data do
julgamento: 27/8/2019), a 3ª Turma do STJ fixou entendimento segundo o
qual, sob o antigo Código Civil, o direito real de habitação do cônjuge
sobrevivente deve cessar com o novo casamento ou com a constituição de
uma união estável.
Abordaremos o tema em capítulo próprio, mas desde já adiantamos que
o direito real de habitação é aquele que permite ao cônjuge ou companheiro
sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, permanecer no imóvel
destinado à residência familiar até o momento do falecimento. Uma dúvida
que pode surgir – e foi justamente objeto de apreciação pelo STJ – está
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relacionada à persistência (ou não) desse direito quando constituída nova
união. A jurisprudência entende que a resposta depende da data da abertura
da sucessão: se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do
CC/1916, a nova união afetará o direito real de habitação; por outro lado,
se a morte tiver ocorrido na vigência do CC/2002, a constituição de nova
entidade familiar não atuará como condição resolutiva do direito real de
habitação. Essa diferença decorre do fato de que o CC/1916 previa que o
direito real de habitação seria extinto quando afastado o estado de viuvez, o
que não ocorre no Código atual.
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Como veremos adiante, ao estudar os conflitos de leis no tempo, as leis
brasileiras, em geral, não produzem efeitos retroativos – trata-se do
princípio da irretroatividade. Ou seja, uma lei somente atinge os fatos
ocorridos após o início de sua vigência.
Exemplo de exceção a essa regra é a lei penal benéfica. No Direito
brasileiro, a lei penal posterior à prática do crime e mesmo à condenação
retroage para beneficiar o réu ou o condenado. Se Rui é condenado por usar
drogas, e posteriormente esse fato deixa de ser considerado crime, Rui
haverá de ser solto, por efeito retroativo da lei descriminalizante.
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A edição de uma lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais
a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2º, § 2º,
da LINDB). Cuida-se do princípio da especialidade das leis.
Uma lei imaginária de 2008 que trate de prestação de serviços de acesso
à Internet (lei especial) não revogaria os dispositivos do Código Civil de
2002 acerca da prestação de serviços (lei geral).
A especialidade também é vista quando se pretende excluir uma norma
em razão de disposição especial contraditória prevista em outra. Por
exemplo: embora o Código de Processo Civil possa ser aplicado ao
processo penal, por força do art. 3º do CPP , a contagem dos prazos35
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processuais em dias úteis, prevista no art. 219 do CPC/2015, não tem
incidência nos procedimentos criminais. Isso porque o CPP possui
disposição específica a respeito da contagem dos prazos (art. 798).
Contudo, em relação à substituição de testemunhas, o CPP não traz
qualquer previsão, podendo ser aplicada a norma processual civil que trata
do tema .
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No Direito brasileiro não ocorre automaticamente o que a doutrina
chama de repristinação ou eficácia repristinatória. Repristinar significa
fazer vigorar novamente. No nosso ordenamento, a revogação da lei que
havia revogado uma outra lei não restaura a vigência desta lei, salvo
disposição expressa em sentido contrário (art. 2º, § 3º, da LINDB).
Suponhamos que a lei B revogou expressamente a lei A. Imaginemos
agora que a lei C revogue a lei B sem nada dispor acerca de repristinação.
Poder-se-ia pensar que, desaparecendo a lei B (revogadora), a lei A voltaria
a vigorar. Isso, no entanto, não ocorre, porquanto a revogação da lei
revogadora, por si só, não produz efeito repristinatório.
VIGÊNCIA DAS
LEIS
Início Fim
Expressa Determinado no
texto da lei, por
exemplo, um ano
após a publicação
ou de forma
imediata.
Atingida data
expressa no texto da
lei ou por revogação
expressa.
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Tácita Quarenta e cinco
dias após a
publicação.
Por revogação tácita.
REVOGAÇÃO DAS
LEIS
Total Parcial
Expressa Ab-rogação Derrogação
Tácita
Conflito de leis no tempo e no espaço
Comentamos, ao estudar as leis como fontes formais do Direito, que no
Brasil a grande maioria das normas jurídicas se manifesta na forma de lei.
Por mais que os dispositivos do art. 2º da LINDB resolvam os problemas
relacionados à revogação das leis, pode ser que haja conflitos com relação a
leis diferentes em razão de terem sido promulgadas em momentos
diferentes, ou em lugares diferentes.
Para entender esses conflitos, o leitor pode imaginar a situação de um
contrato de locação de um apartamento com prazo de dez anos, celebrado
em 2001. Em 2003, entrou em vigor o novo Código Civil. Em 2010,
entraram em vigor as modificações da Lei de Locação. Quais serão as
normas aplicáveis a esse contrato?
Outra situação: Manuel, português, domiciliado em Buenos Aires,
celebra com Pierre, francês, domiciliado em Roma, contrato de compra e
venda de uma casa no Rio de Janeiro, quando ambos se encontravam em
viagem na Grécia. Qual lei regerá o contrato, a portuguesa, a brasileira, a
francesa, a italiana ou a grega?
A Lei de Introdução prevê a solução para essas hipóteses nos arts. 6º a
19.
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Para resolver o conflito de leis no tempo, é preciso conhecer três
conceitos fundamentais: o de ato jurídico perfeito, o de direito adquirido
e o de coisa julgada. Isso porque o comando do art. 6º da LINDB é no
sentido de que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Essa norma se
resume no chamado princípio da irretroatividade das leis. Ou seja: no
nosso ordenamento, a lei somente atinge os fatos que ocorrerem
posteriormente à sua entrada em vigor.
A etimologia da palavra perfeito nos ensina que o termo se refere a algo
acabado, feito por completo.Daí é que se chama de ato jurídico perfeito o
ato feito por completo, quer dizer, acabado, exaurido. Conforme o § 1º do
art. 6º, trata-se do ato “já consumado segundo a lei vigente ao tempo em
que se efetuou”.
Uma paciente contrata um médico para realizar um determinado
procedimento. Suponhamos que a realização desse procedimento venha a
ser proibida por lei. Teremos, então, duas hipóteses: se o procedimento tiver
sido realizado antes da entrada em vigor da lei, veremos configurado o ato
jurídico perfeito, por se tratar de um contrato celebrado e executado. Nesse
caso, a nova lei em nada interferirá no procedimento realizado. Todavia, se
o procedimento ainda não tiver sido realizado quando a vigência da lei se
iniciou, não haverá ato jurídico perfeito. Isso porque o contrato, embora
celebrado, não foi executado. Logo, não se trata de negócio exaurido,
consumado, acabado. Nesse caso, o procedimento não poderá ser realizado
e o médico terá de restituir à paciente o que houver porventura recebido
(descontadas as despesas preparatórias que houver efetuado).
Direito adquirido, por sua vez, refere-se a um direito subjetivo
incorporado à esfera jurídica de uma determinada pessoa. Na extensa
definição do § 2º do art. 6º, “consideram-se adquiridos os direitos que o seu
titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do
exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a
arbítrio de outrem”. Fujamos dessa confusa redação. Para compreender o
conceito, usaremos a distinção entre o direito objetivo e o direito subjetivo.
Como o leitor deve se lembrar, direito objetivo é a norma, e direito
subjetivo é a faculdade que o sujeito adquire por meio da norma.
Imaginemos um contrato de locação. Sem descer a minúcias, as quais
serão estudadas no devido momento, destacamos que o locatário que realiza
obras necessárias na coisa alugada tem o direito de ser ressarcido pelo
locador, ainda que este não tenha autorizado o reparo. Manuel é locatário de
uma casa. Suponhamos que uma nova lei seja promulgada, a qual revogue o
dispositivo que autoriza o ressarcimento. Também aqui temos de considerar
duas hipóteses: se Manuel realizou uma obra necessária antes da entrada em
vigor da nova lei, o direito objetivo ao ressarcimento fez nascer na esfera
jurídica de Manuel o direito subjetivo ao ressarcimento. Portanto, esse
direito foi adquirido por Manuel e, mesmo que somente acione o locador
para ressarci-lo após a entrada em vigor da lei nova, este não se esquivará
do ressarcimento. Entretanto, se Manuel realiza a obra após o início da
vigência da nova lei, ainda que o contrato e a ocorrência do dano sejam a
ela anteriores, não terá o direito de cobrar do locador a despesa efetuada
com o reparo. Isso porque o direito somente se teria incorporado a seu
patrimônio no momento em que se efetuasse o gasto. Vemos, por
conseguinte, que Manuel não adquiriu o direito.
Coisa julgada, por fim, consiste em uma controvérsia submetida à
jurisdição e que teve seu mérito definitivamente solucionado. Impende
frisar que a extinção do processo sem resolução do mérito não gera coisa
julgada material, senão formal. Ressalte-se, ademais, que a solução do
mérito deve ser definitiva, ou seja, não pode comportar recurso.
Suponhamos a promulgação de uma lei que fixe um limite para a
indenização por dano moral no caso de negativação indevida do nome do
devedor (por meio da inserção em cadastros de maus pagadores).
Imaginemos que Caio ajuizou ação de reparação civil em face de Orlando.
No caso de o mérito já haver sido definitivamente julgado quando da
entrada em vigor da lei, não poderá o vencido ajuizar ação alegando que foi
condenado a pagar indenização superior ao novo limite legal. Isso porque a
lei não pode alterar aquilo que já foi definitivamente julgado. Aqui cabe
fazer uma ressalva: o Direito Penal admite o efeito retroativo da chamada
lei penal mais benéfica. Afinal, se um determinado fato deixa de ser
considerado criminoso pela sociedade, não faria sentido manter a punição
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contra alguém que o praticou. Mas, se a lei penal for maléfica, não poderá
retroagir.
Feitas essas considerações, é possível concluir que no exemplo
suscitado inicialmente, do contrato de locação de um apartamento com
prazo de dez anos, celebrado em 2001, estariam sujeitos às normas do
Código de 1916 os fatos referentes à locação ocorridos até a entrada em
vigor do Código de 2002; às normas do Código de 2002 os fatos ocorridos a
partir do termo inicial de sua vigência; às normas da reforma da Lei de
Locação os fatos específicos por ela disciplinados, desde quando entrou em
vigor. Isso com base nas ideias de direito adquirido e de ato jurídico
perfeito. E, atentando-se à ideia de coisa julgada, não se poderiam alterar as
decisões de mérito proferidas acerca de questões relativas à locação, ainda
que as normas aplicadas sofressem posterior alteração.
A garantia da coisa julgada não é, contudo, absoluta. O próprio
ordenamento jurídico prevê hipóteses de relativização da coisa julgada. É o
caso da Ação Rescisória, da querela nullitatis e da inexigibilidade da
sentença. Na jurisprudência, o STJ já considerou que se deve dar
prevalência ao princípio da verdade real, por exemplo, nas ações de estado,
como as de filiação, razão pela qual se admite a relativização da coisa
julgada quando, na demanda anterior, não foi possível a realização de
exame de DNA (STJ, AgInt no REsp 1.414.222/SC, data da publicação:
29/6/2018).
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Na federação brasileira não se leva em conta a naturalidade da pessoa
para determinar se é a lei do Estado A ou do Estado B que deve ser aplicada
a ele. Aqui, a lei de cada município se aplica dentro daquele município, o
que também ocorre com as leis estaduais, que somente se aplicam dentro
dos respectivos Estados.
Os conflitos surgem, no entanto, quando estão envolvidas leis de nações
diferentes ou pessoas de nacionalidades diferentes ou, ainda, pessoas
domiciliadas em países diferentes, como no mencionado exemplo do
português domiciliado na Argentina que celebra, na Grécia, um contrato
com um francês domiciliado na Itália acerca de um bem situado no Brasil.
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A solução desses conflitos não constitui matéria do Direito Civil, senão
do Direito Internacional Privado.
Vejam-se, em apertada síntese, as soluções para os conflitos espaciais
estabelecidas pela LINDB: aplicam-se a questões referentes à
personalidade, ao nome, à capacidade e aos direitos de família a lei do país
em que for domiciliada a pessoa (art. 7º); a questões referentes a bens, a
lei do país em que estiverem situados (art. 8º); a questões referentes a
obrigações, a lei do país em que se constituírem (art. 9º); a questões
referentes à sucessão hereditária, a lei do país em que era domiciliado o
morto (art. 10º); a questões referentes a pessoas jurídicas, a lei do país em
que se constituírem (art. 11).
No exemplo do contrato celebrado de promessa de compra e venda de
um imóvel no Rio de Janeiro entre Manuel, domiciliado em Buenos Aires, e
Pierre, domiciliado em Roma, em viagem pela Grécia, conclui-se, por
aplicação do art. 9º da LINDB, que a lei aplicável ao contrato será a grega,
vez que lá se constituiu a obrigação.
CONFLITO DE LEIS NO TEMPO
Não pode a lei
nova atingir:
Ato jurídico
perfeito
Direito
adquirido
Coisa julgada
Ato exaurido,
consumado,
completo.
Direito
subjetivo
incorporado à
esfera jurídica
da pessoa.
Questão cujo
mérito foi
definitivamente
julgado.
CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO
40
�.
Resolve-se por aplicação de regras de Direito Internacional
Privado.
BREVE HISTÓRICO DA CODIFICAÇÃO DO
DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Quando da independência, já se sentia no Brasil a necessidade da
criação de universidades, sobretudo de cursos jurídicos. Esse anseio foi
atendido pela Lei de 11 de agosto de 1827, que criou dois cursos de ciências
jurídicas e sociais, um na cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda,
os quais passaram a funcionar a partir de 1828 – o primeiro no Convento de
SãoFrancisco, e o segundo no Mosteiro de São Bento –, contando com
professores formados na Europa, sobretudo em Coimbra.
Nessa época, ainda vigiam entre nós, por comando da Lei de 20 de
outubro de 1823, as Ordenações Filipinas, que eram a compilação do
Direito português organizada por ordem de Filipe II de Portugal em 1603.
O Direito Civil brasileiro nasceu, pois, sob forte influência do Direito
lusitano, o qual, por sua vez, sofria grande influência do Direito Romano.
Todavia, os estudantes de Direito das duas academias nacionais foram
desde a criação dos cursos inspirados pelos ideais liberais à época
difundidos tanto em São Paulo quanto em Olinda, e, ademais, começaram a
ocupar as cátedras pouco depois de formados, ainda muito jovens.
O resultado foi uma cultura jurídica que reclamava, imediatamente, a
promulgação de um Código Civil, com o consequente desapego das velhas
Ordenações portuguesas e das instituições romanas. Deve-se frisar, a
propósito, que já a Constituição do Império de 1824 ordenava a elaboração,
o quanto antes, de um Código Civil “fundado nas sólidas bases da Justiça e
Equidade” (art. 179, n. XVIII ).
Não é de admirar, portanto, que duas mentes formadas nas primeiras
turmas do curso de Olinda tenham sido as protagonistas da primeira etapa
da codificação do Direito Civil brasileiro: o Ministro da Justiça JOSÉ
THOMAZ NABUCO DE ARAÚJO e o Conselheiro de Estado AUGUSTO TEIXEIRA
DE FREITAS. Por encomenda de NABUCO, FREITAS elaborou, por contrato de
41
1855, a Consolidação das Leis Civis brasileiras, publicada em 1857 e que,
até 1916, funcionou, na prática, como o primeiro Código Civil pátrio.
Após a conclusão da Consolidação, o mesmo FREITAS foi contratado
para elaborar o projeto do Código. Essa fase constitui o momento que os
historiadores costumam aclamar como o da maior produção jurídica
brasileira no Império. De 1859 a 1864 TEIXEIRA DE FREITAS se debruçou
sobre a tarefa de esboçar o Código Civil até que, quando o Esboço já
contava com 4.908 artigos publicados, o jurisconsulto se convenceu da
necessidade de recomeçar o trabalho, para a elaboração de dois projetos, de
um Código Geral – a tratar da matéria das pessoas, dos bens e dos fatos,
peculiar a todo o Direito – e do Código Civil – a tratar da matéria dos
direitos pessoais, dos direitos reais e das disposições comuns às duas
categorias de direitos, em que se cuidaria uniformemente de obrigações e
contratos, sem distinção entre civis e comerciais – o que promoveria a
unificação do Direito Privado. Se, por um lado, as ideias inovadoras de
FREITAS encantavam a comunidade jurídica, e recebiam o apoio do Ministro
NABUCO DE ARAÚJO, por outro lado a efervescente civilística nacional não
conseguia controlar sua ansiedade por um Código Civil o mais rápido
possível, razão pela qual acabou não se aceitando sua ideia de recomeçar o
projeto. Desgostoso com a falta de incentivo, TEIXEIRA DE FREITAS
considerou resolvido o contrato e se desincumbiu da tarefa da codificação.
O trabalho de FREITAS, que ficou conhecido pelo nome que ele lhe dera
– Esboço –, inspirou vários juristas estrangeiros, americanos e europeus,
sobretudo o autor do Código Civil argentino, VÉLEZ SÁRSFIELD.
Fracassada a nossa primeira tentativa de codificação, em 1872 o próprio
NABUCO DE ARAÚJO acabou incumbido de elaborar um projeto. O Ministro
chegou a elaborar mais de 200 artigos, mas faleceu antes de terminar o
trabalho, em 1878.
Naquele mesmo ano, o jurista mineiro JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS se
ofereceu ao governo para concluir o trabalho, e em 1881 o Brasil conheceu
os Apontamentos para o Código Civil, com 2.692 artigos. O trabalho foi
então submetido a uma comissão da qual faziam parte, entre outros, nossos
maiores civilistas da época: os conselheiros LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA
e ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS. Concluída a revisão, o governo converteu a
comissão revisora em comissão permanente, para elaborar o projeto
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44
definitivo, e convidou FELÍCIO DOS SANTOS para integrá-la. Antes que se
concluísse o trabalho, porém, morreu o conselheiro RIBAS e se afastou
LAFAYETTE. ANTÔNIO FELÍCIO DOS SANTOS, sobrinho de JOAQUIM FELÍCIO, e
deputado por Minas, acabou apresentando o projeto do tio à Câmara dos
Deputados, a qual, todavia, acabou não lhe dando andamento.
Em 1889, o VISCONDE DE OURO PRETO nomeou comissão para elaborar
um novo projeto, da qual faziam parte, entre outros, AFONSO PENA e
COELHO RODRIGUES. Todavia, em novembro foi proclamada a República, e
a comissão foi dissolvida. A República, então, nasceu ainda sem um Código
Civil.
Em 1890, CAMPOS SALLES, que à época era Ministro da Justiça,
encomendou de COELHO RODRIGUES um projeto, o qual foi concluído em
1893, mas rejeitado pela comissão encarregada de examiná-lo. Apresentado
posteriormente ao Senado pelo seu autor, então senador, o projeto foi mais
uma vez rejeitado em 1896.
Em 1899, o mesmo CAMPOS SALLES, então Presidente da República,
com o apoio do Ministro da Justiça EPITÁCIO PESSOA, contratou o civilista
cearense CLÓVIS BEVILÁQUA para elaborar um novo projeto, baseado,
sobretudo, no trabalho de COELHO RODRIGUES. EPITÁCIO PESSOA assim
justificou sua escolha:
O Dr. Clóvis Beviláqua estava como que naturalmente indicado para a
grandiosa empresa, não só como um dos nossos mais profundos
jurisconsultos, mas também por já ter desenvolvido em eminentes
obras de doutrina – o Direito de Família, o Direito das Obrigações, o
Direito das Sucessões – quase todo o Direito Civil.
BEVILÁQUA iniciou seus trabalhos em abril de 1899 e em novembro do
mesmo ano os concluiu. Após ser submetido a uma comissão revisora, a
qual encerrou seus trabalhos em agosto de 1900, o projeto foi submetido a
uma nova revisão, da qual participou o autor. Definitivamente aprovado, o
Presidente CAMPOS SALLES enviou-o ao Congresso em 17 de novembro de
1900. A Câmara dos Deputados, após os volumosos trabalhos da comissão
constituída para examiná-lo, aprovou-o em 1902. Remetido ao Senado,
entretanto, o projeto encontrou seu maior opositor: o senador RUI BARBOSA,
45
o qual elaborou, em apenas três dias, um longo e estranho parecer em que se
limitou a discutir, minuciosamente, os aspectos linguísticos do projeto. O
senador desde o início fora contrário à escolha de BEVILÁQUA para a tarefa
da codificação. Em artigos publicados no jornal A Imprensa em 1899, RUI
asseverara que a obra de BEVILÁQUA haveria de ser “tosca, indigesta,
aleijada” e que lhe faltava “um requisito primário, essencial, soberano
para tais obras: a ciência da sua língua, a vernaculidade, a casta correção do
escrever”. Completara asseverando que “o teor de um código há de ser
irrepreensível. Qualquer falha na sua estrutura idiomática assume
proporções de deformidade”.
Referindo-se ao que considerava a má redação do projeto, RUI BARBOSA
pontuou, na introdução ao seu parecer, que “aos meus primeiros reparos,
supus não passassem de leves e raras jaças na superfície da imensa jaça
despolida. Mas tanto se repetiam, que principiei a assinalá-las para
orientação minha, e afinal não sei se houve página da brochura, onde não
tivesse que notar”.
Travou-se então uma batalha, na qual se destaca a participação de um
ex-professor de RUI, CARNEIRO RIBEIRO, e do próprio BEVILÁQUA, os quais
defenderam o projeto. O prolixo senador chegou a redigir um parecer maior
ainda que o primeiro para defender suas críticas, denominado Réplica,
respondido por CARNEIRO RIBEIRO na Tréplica.
O projeto se arrastou e, após muitas emendas, somente foi aprovado
pelo Senado em 1912. De volta à Câmara, foram discutidas as modificações
propostas pelo Senado até 1915. De volta ao Senado, foram discutidas as
decisões da Câmara e, finalmente, o Código Civil foi sancionado e
promulgado, em 1º de janeiro de 1916, na forma da Lei 3.071, que entrou
em vigor no dia 1º de janeiro de 1917.
O Código acabou por nascer velho, porquanto inspirado pelos ideais
individualistas do século XIX, e promulgado quando os ideais do Estado
social já se encontravam em curso. O curioso é que o próprio autor do
projeto,ao elaborá-lo, tinha consciência dos novos pensamentos que
começavam a aflorar pelo mundo, mas optou por seguir o caminho que lhe
parecia o mais seguro para uma codificação:
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49
Por ocasião de discutir o Código Civil Alemão, agitou-se, como era de
prever, a questão social e nas disposições dele penetraram algumas
gotas de socialismo.
[...]
Em frente às novas formações, ou estas já rasgaram sulco do
organismo social, e cabe ao codificador abrir-lhes espaço no seu
sistema, cercando-as de proteção legal, ou ainda se acham mal
definidas, vacilantes, e é dever do codificador, se as divisa, deixar-lhes
o caminho aberto para que se desenvolvam e preencham a função
social a que se destinam para que vicem, se merecerem viger. Injetar-
lhes seiva, caso não tenham por si, poderá ser uma intervenção funesta
na economia da vida social. É preciso, pois, marchar muito
cautelosamente por esses terrenos, cujas orlas ainda ensombra o
desconhecido.
Cumpre evitar do individualismo o que ele contém de exageradamente
egoístico e desorganizado, mas não é perigo menor resvalar no
socialismo absorvente e aniquilador dos estímulos individuais.
Havia no projeto, não obstante, preceitos bastante inovadores, os quais,
infelizmente, perderam-se nas revisões a que o trabalho foi submetido. Um
deles, interessante de ser citado, encontrava-se no art. 6º, acerca da
capacidade de fato da mulher. Sobre ele comentou BEVILÁQUA que “a
mulher, juridicamente igual ao homem, nas relações civis, não perdia a sua
capacidade pelo matrimônio, que, se é a sua dignificação social, não pode
ser a sua degradação jurídica”.
Essa ideia desdobrava-se em dispositivos da parte especial, que
estabeleciam os direitos e deveres da mãe de família (arts. 279 e 297),
dando-lhe posição equivalente à de seu companheiro e sócio,
permitindo-lhe a tutoria, a caução fidejussória, e ser testemunha em
quaisquer atos jurídicos.
Tais normas, não obstante, não foram mantidas no Código promulgado
em 1916, em que prevaleceu uma visão machista.
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Pois bem. Ao longo do século XX, os civilistas, atentos à necessidade
de um código mais aliado às novas ideias sociais, lutaram por um novo
Código Civil.
Na década de 1930, OROZIMBO NONATO, PHILADELPHO AZEVEDO e
HAHNEMANN GUIMARÃES foram incumbidos de nos elaborar um novo
código. Apresentaram, em 1941, um projeto de Código das Obrigações,
seguindo a tendência do Direito suíço que destacara as obrigações do
Código Civil. No entanto, o projeto caiu no esquecimento.
Mais tarde, já na década de 60, ORLANDO GOMES, CAIO MÁRIO e
OROZIMBO NONATO receberam a missão de elaborar um novo projeto.
ORLANDO GOMES elaborou o anteprojeto de Código Civil, revisado por CAIO
MÁRIO e OROZIMBO NONATO, e CAIO MÁRIO cuidou do Código das
Obrigações. Ambos os projetos foram concluídos em 1963, mas,
encaminhados ao Congresso, não alcançaram êxito.
Em 1967, o filósofo do Direito MIGUEL REALE foi nomeado para
presidir uma comissão destinada a elaborar mais um projeto, o qual foi
concluído em 1972, e, após ser amplamente criticado, sofreu emendas e foi
novamente concluído em 1973. Encaminhado ao Congresso em 1975, foi
aprovado pela Câmara somente em 1983, e remetido ao Senado em 1984. O
trabalho somente foi afinal sancionado e promulgado em 10 de janeiro de
2002, por meio da Lei 10.406.
Como o leitor pode perceber, o novo Código Civil padece do mesmo
problema do Código de 1916: nasceu velho. Muitas foram as mudanças
sociais vividas desde a década de 70 até o início do século XXI. O país
ganhou, até mesmo, uma nova Constituição.
Dentro do contexto contemporâneo da constitucionalização do Direito
Civil – consistente na revisão do Direito Civil à luz da Constituição de 1988
–, vários preceitos do Código vêm sendo repensados e alterados, seja por
meio de reforma legislativa, seja pelas vias das construções doutrinárias e
jurisprudenciais.
PROJETOS DE CÓDIGO CIVIL
Autores Resultados
Teixeira de Freitas, 1860-1865 Esboço quase completo
abandonado pelo próprio autor.
Nabuco de Araújo, 1878 Projeto não concluído em razão
da morte do autor.
Felício dos Santos, 1881 Primeiro projeto concluído. Mas
não teve andamento na
comissão revisora, nem nas
casas legislativas.
Coelho Rodrigues, 1893 Projeto reprovado.
Clóvis Beviláqua, 1899 Projeto aprovado em 1900 pelo
Presidente da República,
enviado ao Congresso no
mesmo ano. O Código dele
decorrente, todavia, só foi
promulgado em 1916.
Comissão: Orozimbo Nonato,
Philadelpho Azevedo e
Hahnemann Guimarães, 1941
Projeto de Código das
Obrigações, caído no
esquecimento.
Comissão: Orlando Gomes,
Caio Mário e Orozimbo Nonato,
1963
Dois projetos: um de Código
Civil e outro de Código das
Obrigações, ambos caídos no
esquecimento.
Comissão presidida por Miguel
Reale: José Carlos Moreira
Alves, Torquato Castro, Clóvis
do Couto e Silva, Sylvio
Marcondes, Ebert Viana
Chamoun e Agostinho Alvim,
1973
Projeto aprovado pelo
Presidente da República em
1975, enviado ao Congresso no
mesmo ano. O Código dele
decorrente, todavia, só foi
promulgado em 2002.
Quadro Esquemático 1
_____________
O Decreto-lei 4.657 era conhecido como Lei de Introdução ao Código Civil até 31 de
dezembro de 2010, quando entrou em vigor a Lei 12.376/2010, a qual deu ao diploma
a nova denominação.
Art. 1º do Código Civil: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
Essa é a denominada idade núbil, que, atualmente, não pode ser relativizada (art.
1.520 do CC/2002). Abordaremos o tema no capítulo atinente aos requisitos para o
casamento.
Estas palavras do CONSELHEIRO RIBAS ilustram o pensamento jusnaturalista: “o direito
preexiste ao legislador na consciência nacional, ele não o inventa, nem o cria; apenas
o formula, e traduz em caracteres sensíveis, esclarece-o com as luzes da razão
universal, e presta-lhe o apoio da força social” (RIBAS, Antônio Joaquim. Direito
civil brasileiro. Edição Comemorativa. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1983. p. 71).
Quanto à analogia, seguimos o entendimento de CÉSAR FIUZA: “alguns juristas
incluem entre as fontes do Direito a analogia. Reputo equivocada essa opinião. Ora,
analogia é método, seja de interpretação, seja de integração do Direito. [...] Usa-se
processo analógico, aplicando-se normas que, por analogia, possam enquadrar-se ao
caso. Com base nisso, alguns juristas dizem ser a analogia fonte de Direito. Na
verdade, a fonte, no caso, não foi a analogia, mas sim a própria Lei, que se integrou ao
fato concreto por processo analógico” (FIUZA, César. Direito civil: curso completo.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 30).
GRAY, John Chipman. The nature and sources of the law. Reprodução da edição de
1909, da Columbia University Press. Nova York: Elibron Classics, 2005.
Art. 121 do Código Penal: “matar alguém: pena – reclusão, de seis a vinte anos”.
Uma curiosidade: nossa federação é ímpar, por ter considerado os municípios entes
federativos. Nos Estados Unidos, berço do pensamento federativo, são entes federados
apenas a União e os Estados. Os municípios são subordinados à autoridade legislativa
do Estado em que estão situados e, ao editar normas de incidência meramente
municipal, fazem-no por delegação de poder do legislador estadual, razão pela qual as
ordinances, que são as leis incidentes em uma determinada cidade, têm status de lei
estadual.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, de relatoria do
Ministro Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal admitiu interpretação em
conformidade com a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 para
excluir do dispositivo qualquer significado que impeça o reconhecimento como
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entidade familiar da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo
(data do julgamento: 5/5/2011, Plenário). Igualmente, no Recurso Extraordinário
477.554, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, o STF reconheceu “[...] assistir, a
qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por
isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da uniãohomoafetiva como entidade
familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem
a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes
consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também,
na esfera das relações sociais e familiares” (2ª Turma, data do julgamento: 16/8/2022,
data da publicação: 26/8/2011).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 127, III, V e VI, da Constituição do Estado
do Ceara. Definição dos legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade,
perante o Tribunal de Justiça local, contra lei municipal. Exclusão do rol de
legitimados do Procurador-Geral de Justiça. Preliminar de ausência de interesse de
agir. Rejeição. Relevância constitucional das funções desempenhadas pelo Parquet.
Dever do Ministério Público de defesa da integridade do ordenamento jurídico.
Supremacia da Constituição. Interpretação histórica e sistemática. Impossibilidade de
os Estados-membros recusarem legitimidade ao Procurador-Geral de Justiça para
instauração de processo de controle normativo abstrato. Interpretação conforme à
Constituição. Procedência. 1. Há, no âmbito do Tribunal de Justiça local, efetiva
controvérsia quanto à legitimidade do Procurador-Geral de Justiça para propor ação
direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, a evidenciar a presença do
interesse de agir, na hipótese. 2. A ordem constitucional de 1988 erigiu o Ministério
Público à condição de guardião independente da Constituição, defensor dos direitos
individuais indisponíveis, difusos e coletivos, protetor da higidez dos atos praticados
pelo Poder Público, outorgando-lhe um papel proeminente e indispensável à tutela
efetiva do ordenamento jurídico-constitucional. 3. Todas as vezes em que a
Constituição dispôs sobre fiscalização normativa abstrata previu como legitimado
ativo o Procurador-Geral da República, a demonstrar o papel central desempenhado
pelo Ministério Público em referido sistema de controle de constitucionalidade. 4. Ao
Ministério Público, por dever de ofício, incumbe a defesa da integridade do sistema
normativo, portanto, tem o dever de zelar pela supremacia da Constituição,
contestando, pelos meios processuais adequados, os atos do Poder Público com ela
conflitantes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Pedido julgado
procedente. 6. Fixada a seguinte tese: Os Estados-membros da Federação, no
exercício da competência outorgada pela Constituição Federal (art. 25, caput, c/c art.
10
125, § 2º, CF), não podem afastar a legitimidade ativa do Chefe do Ministério Público
estadual para propositura de ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de
Justiça local” (STF, ADI: 5693 CE, relatora: Min. Rosa Weber, data do julgamento:
11/11/2021, Tribunal Pleno, data da publicação: 18/11/2021).
Em 1998, o Brasil aderiu à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (1979), instituição judicial autônoma da OEA com a finalidade de aplicar e
interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica). A CADH foi adotada em 1969 no âmbito da OEA, mas somente entrou
em vigor internacionalmente em 18 de julho de 1978, após receber 11 ratificações. O
Brasil aderiu à CADH em 25 de setembro de 1992 e promulgou-a por meio do
Decreto 678, de 6 de novembro de 1992.
“Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e
liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que
esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor,
sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem
nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição
social.”
“Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem
discriminação, a igual proteção da lei.”
Em 2019, o art. 421 ganhou nova redação, que lhe foi dada pela Lei 13.874: “A
liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”. A
diferença é bastante sutil. A redação original tratava da liberdade de contratar,
enquanto a redação dada pela Lei 13.874/2019 aborda a liberdade contratual. A
primeira está relacionada com a vontade do indivíduo de estabelecer um contrato. Ou
seja, a celebração de um contrato é uma mera faculdade, e não uma obrigatoriedade
para o indivíduo. A liberdade contratual, por outro lado, tem relação com o objeto ou
com o conteúdo do contrato.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Braga.
Manual de Direito Civil. 6. ed. Salvador; Juspodivm, 2021. p. 140.
“O princípio da obrigatoriedade dos contratos, apesar de ser um dos pilares do Direito
Privado, deve ser mitigado quando se observa que há ameaça ou violação a um direito
fundamental, pois a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988
emergiram novos princípios para a teoria contratual, corolário da socialidade que
passou a informar todo o Direito Privado. É obrigatória a cobertura do plano de saúde
em caso de atendimento de urgência e emergência que implique risco imediato à vida
ou a higidez física do paciente, independente do prazo de carência estabelecido no
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contrato (art. 12 da Lei n.º 9.656/98). Considerando que o tratamento recomendado
pelo médico do segurado possui caráter emergencial, e não eletivo, a autorização do
plano de saúde deve ser imediata” (TJ-DF, Agravo de Instrumento 0709324-
40.2019.8.07.0000, relatora: Carmelita Brasil, data do julgamento: 7/8/2019, 2ª Turma
Cível, data da publicação: 19/8/2019).
REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Revista de Direito Privado, v. 9,
p. 9-17, jan-mar. 2002. Disponível no julgado: STJ, EREsp 1.281.594, Corte Especial,
relator: Min. Benedito Gonçalves, data do julgamento: 15/5/2019, data da
publicação: 23/5/2019.
“O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da
boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.”
Nesse sentido, pondera ORLANDO GOMES que “empregada como sinônimo de Ciência
do Direito, tem, contudo, na atualidade, significado técnico mais restrito. Por
jurisprudência entende-se o conjunto de decisões dos tribunais sobre as matérias de
sua competência ou uma série de julgados similares sobre a mesma matéria: rerum
perpetuo similiter judicatorum auctoritas. Forma-se a jurisprudência mediante o labor
interpretativo dos tribunais, no exercício de sua função específica. Interpretando e
aplicando o direito positivo, é irrecusável a importância do papel dos tribunais na
formação do Direito, sobretudo porque se lhe reconhece, modernamente, o poder de
preencher as lacunas do ordenamento jurídico no julgamento de casos concretos”
(GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
p. 53).
Conforme o Título LXIV do Livro III, que determinava que, no silêncio das
Ordenações, o julgador deveria julgar de acordo com os chamados estilos da Casa da
Suplicação. Esses “estilos” eram decisões, e a Casa da Suplicação era o tribunal de
mais alta hierarquia, localizado em Portugal. Mesmo após a independência, as
Ordenações Filipinas continuaram a viger entre nós. E, conquanto não nos
submetêssemos mais à Casa da Suplicação, foi criado o Supremo Tribunal de Justiça
do Império, que tinha igualmente o poder de criar normas, na forma de assentos.
ORLANDO GOMES foi uma das maiores vozes nesse sentido, no século XX.
RIBAS, Joaquim. Direito civil, cit., p. 153-154.
ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1917. v. 1. p. 170.
Ibidem, p. 172.
HOADLY, Bispo Benjamin. Apud GRAY, John Chipman. The nature and sources of
the law, cit., p. 100.
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Publicada no DJe e no DOU em 23/12/2009.
O que forma o precedente é apenas a razão de decidir do julgado, a sua ratio
decidendi. Em outras palavras, os fundamentos que sustentam os pilares de uma
decisão é que podem ser invocados em julgamentos posteriores. As circunstâncias de
fato que deramembasamento à controvérsia e fazem parte do julgado não têm o
condão de tornar obrigatória ou persuasiva a norma criada para o caso concreto.
Nesse caso, não foi a jurisprudência a fonte formal da norma; os julgadores apenas
aplicaram a norma assentada pela doutrina que considerava a lesão causa da
anulabilidade do ato jurídico.
Publicada no DJe de 25/2/2009.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1956. v. 1. p. 69.
A exigência do decreto de promulgação é bastante criticada pela doutrina,
especialmente porque condiciona a eficácia do tratado no âmbito interno a um
procedimento meramente confirmatório. No entanto, prevalece, na jurisprudência, que
a internalização só ocorre com esse decreto.
Art. 2.044 do Código Civil: “este Código entrará em vigor um ano após a sua
publicação”.
Art. 1º da Lei 810/49: “Considera-se ano o período de doze meses contados do dia do
início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”.
Art. 2º da LINDB: “Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que
outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência”.
“A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem
como o suplemento dos princípios gerais de direito.”
“Substituição de testemunhas no processo penal. Aplicabilidade das hipóteses
previstas no CPC. Na ausência de regramento específico sobre os requisitos para
substituição de testemunhas na legislação processual penal, o que ocorre desde a
edição da Lei n. 11.719/2008, é válida a aplicação subsidiária do Código de Processo
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Civil sobre o tema” (STF, AgRg no RHC 199.621, relator: Min. Nunes Marques, 2ª
Turma, data do julgamento: 17/8/2021).
O art. 269 do Código de Processo Civil de 1973 trazia as hipóteses em que o processo
deveria ser extinto com resolução do mérito. O CPC/2015 não traz mudanças
relevantes relativamente às hipóteses de extinção do processo, seja com ou sem
resolução do mérito (arts. 485 e 487, CPC/2015).
Isso quer dizer que aquela decisão não comporta reforma, conquanto se admita a
análise da mesma matéria em nova ação.
Nos Estados Unidos, a naturalidade do sujeito tem maior relevância, tanto que os
casos envolvendo sujeitos de Estados diferentes são julgados pela Justiça federal, para
garantir a imparcialidade. Teme-se que os juízes estaduais pudessem favorecer o
cidadão do seu Estado.
Uma curiosidade: tradicionalmente, eram os civilistas que estudavam o Direito
Internacional Privado e que escreviam sobre ele, o que explica o fato de haver normas
dessa natureza inseridas na lei que, originalmente, era de introdução ao Código Civil.
Somente no século XX surgiram juristas especializados exclusivamente neste ramo do
Direito.
O mesmo dispositivo ordenava também a elaboração de um Código Criminal, o qual
foi promulgado em 1830.
Sobre a Consolidação, CLÓVIS BEVILÁQUA afirmou: “é das mais estimadas obras
jurídicas do Brasil, e constitui um verdadeiro monumento de erudição e capacidade
organizadora” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil
comentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1956. v. 1. p. 11). CAIO MÁRIO, por sua
vez, taxou-a de “grande monumento jurídico nacional” (PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 1. p. 54).
Sobre a desistência de FREITAS, BEVILÁQUA lamentou: “é uma página dolorosa, a mais
dolorosa da jurisprudência brasileira, essa em que o sábio jurista renega e despedaça
todo o seu trabalho anterior, sacrificando-o, com a heroica abnegação de um estoico,
ao que ele julgava a verdade científica” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil
brasileiro: trabalhos relativos à sua elaboração. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1917. v. 1. p. 15).
Em 1942 foi promulgado o novo Código Civil italiano, o qual uniu o Direito Civil ao
Comercial em um único código, por inspiração do jurista CESARE VIVANTE, o qual fora
influenciado pelo pensamento de TEIXEIRA DE FREITAS.
PESSOA, Epitácio. Apud ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. v.
1, cit. p. 16.
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BARBOSA, Rui. Apud BEVILÁQUA, Clóvis. Código Comentado, cit., v. I. p. 18.
Ibidem, p. 18-19.
Ibidem, p. 19.
BARBOSA, Rui. Projeto de Código Civil brasileiro: trabalhos da Comissão especial
do Senado – Parecer do Senador Rui Barbosa sobre a redação do Projeto da Câmara
dos Deputados. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902. p. 8.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código: trabalhos, cit., v. I. p. 24-25.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código comentado, cit., v. I. p. 22.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código comentado, cit., v. I. p. 22.
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Teoria das Pessoas (arts. �º a ��)
O cerne da Teoria Geral do Direito Civil é dividido em três grandes
teorias: a teoria das pessoas, a qual estuda os sujeitos dos direitos; a teoria
dos bens, a qual estuda os objetos dos direitos; e a teoria dos fatos, a qual
estuda os eventos que criam, extinguem, modificam, conservam e
transferem os direitos.
TEORIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O Direito somente admite que sejam titulares de direitos os entes a que
se atribui personalidade jurídica, e que são, do ponto de vista jurídico,
consideradas, portanto, pessoas. Pode-se conceituar personalidade jurídica
como o reconhecimento jurídico de que um ente pode ser sujeito de
direitos.
Crise da personalidade jurídica
Apesar de a teoria da personalidade jurídica comportar diversas
categorias de pessoas, desde que haja diversas categorias de entes aos quais
se reconheça a aptidão para que sejam sujeitos de direitos, ao longo do
século XX a leitura da teoria se fechou em torno das chamadas pessoa
natural e pessoa jurídica, entendida aquela como o ser humano com vida.
Não obstante, assim como no passado se verificam divergências quanto
aos entes a quem se reconhecia aptidão para serem sujeitos de direitos,
também hoje a questão é polêmica, e provavelmente sempre será.
Uma leitura contemporânea, atenta e crítica da teoria da personalidade
jurídica não pode deixar de contemplar a crise ocasionada pelas pressões
pelo reconhecimento da aptidão para serem sujeitos de direitos de outros
entes, como o nascituro e alguns animais não humanos, como revela
vasta produção bibliográfica e acadêmica atualmente.
Face à crise, já há, inclusive, quem proponha a substituição da teoria da
personalidade por outras teorias acerca da aptidão para ser sujeito de
direitos. Da nossa parte, compreendemos que a teoria ainda pode funcionar,
desde que não se considerem estanques as categorias de pessoas
contempladas.
É que, o que define a personalidade jurídica é o reconhecimento jurídico
da possibilidade de que um ente seja sujeito de direitos. Ou seja, para nós, a
leitura adequada da teoria é no sentido de que um ente é considerado pessoa
porque se lhe reconhece a aptidão para ser sujeito de direitos. Parece-nos
inadequada a leitura no sentido contrário, de considerar que o ente tem essa
aptidão por ser pessoa. Isso porque a história revela que a conquista da
aptidão para ser sujeito de direitos ocorre no plano dos fatos, cabendo ao
Direito, posteriormente, tão somente reconhecê-la.
É o que ilustra a questão do nascituro, que adiante enfrentaremos.
Apesar de ter o Código Civil de 2002 tradicionalmente adotado a teoria
natalista, fortíssimo é o movimento na doutrina e na jurisprudência para que
se reconheça ao nascituro a aptidão efetiva para, ainda enquanto nascituro,
ser sujeito de direitos da personalidade, ficando apenas os direitos
patrimoniais condicionados ao nascimento com vida.
Quer dizer, no lugar de pretender definir categorias, impondo-seSOLIDÁRIAS
2.1 Diferenças entre obrigação solidária e obrigação
indivisível
2.2 Vínculo interno da solidariedade
2.3 Elementos não essenciais da obrigação solidária
2.4 Solidariedade ativa
2.4.1 Pagamento fracionado
2.4.2 Intransmissibilidade da solidariedade causa
mortis
2.4.3 Conversão da obrigação solidária em perdas
e danos
2.4.4 Remissão da dívida por um dos credores
2.4.5 Oponibilidade de exceções pessoais
2.5 Solidariedade passiva
2.5.1 Chamamento ao processo
2.5.2 Oponibilidade de exceções pessoais
2.5.3 Intransmissibilidade da solidariedade causa
mortis
2.5.4 Impossibilidade da prestação
2.5.5 Juros moratórios e multa
2.5.6 Renúncia da solidariedade
2.5.7 Vínculo interno: presunção de igualdade de
quotas; interesse imediato de um dos devedores
na prestação
3. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO A
ELEMENTOS NÃO ESSENCIAIS
3.1 Obrigações alternativas
3.1.1 Execução judicial das obrigações
alternativas
3.2 Obrigações facultativas
3.3 Obrigações cumulativas
3.4 Obrigações principais e acessórias
3.5 Obrigações puras e simples, condicionais, a termo
e modais
3.6 Obrigações de meio e de resultado
3.7 Obrigações civis e naturais
3.8 Obrigações propter rem
3.9 Obrigações contínuas
Extinção Natural das Obrigações (arts. 304 a 359)
1. TEORIA DO PAGAMENTO
1.1 Natureza jurídica do pagamento
1.2 Daqueles que devem pagar
1.2.1 Terceiro interessado e não interessado
1.3 Daqueles a quem se deve pagar
1.3.1 Pagamento feito ao credor cujo crédito foi
penhorado ou impugnado
1.3.2 Pagamento feito ao credor putativo
1.3.3 Pagamento feito ao credor incapaz de dar
quitação
1.4 Objeto do pagamento
1.4.1 Princípios da identidade, da integridade e da
indivisibilidade
1.4.2 Demais considerações acerca do objeto do
pagamento
1.4.2.1 Teoria da imprevisão
1.5 Tempo do pagamento
1.6 Lugar do pagamento
1.7 Prova do pagamento
2. MODALIDADES ESPECIAIS DE PAGAMENTO
2.1 Pagamento por consignação
2.1.1 Hipóteses que autorizam o pagamento por
consignação
2.1.2 Procedimento da consignação
2.1.3 Consignação de imóvel ou corpo certo
2.1.4 Obrigação litigiosa
2.2 Pagamento com sub-rogação
2.2.1 Sub-rogação legal
2.2.2 Sub-rogação convencional
2.3 Imputação do pagamento
2.4 Dação em pagamento
Inexecução das Obrigações (arts. 389 a 406)
1. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO
1.1 Impossibilidade da execução por caso fortuito ou
força maior
1.2 Impossibilidade da execução por fato imputável ao
sujeito
1.3 Impossibilidade da execução em contrato gratuito e
em contrato oneroso
2. PERDAS E DANOS
3. MORA
3.1 Mora do devedor
3.1.1 Incidência da cláusula penal
3.1.2 Responsabilidade pelas perdas e danos
3.1.3 Agravação da responsabilidade pela
impossibilidade da prestação
3.2 Mora do credor
3.3 Purgação da mora
4. CLÁUSULA PENAL
4.1 Cláusula penal em obrigação divisível e obrigação
indivisível
4.2 Multa compensatória
4.3 Multa moratória
4.4 Cláusula penitencial e arras
Extinção das Obrigações sem Pagamento (arts. 360 a 384)
1. NOVAÇÃO
1.1 Diferença entre novação objetiva e dação em
pagamento
1.2 Requisitos para a configuração da novação
1.2.1 Existência de obrigação anterior
1.2.2 Consentimento
1.2.3 Surgimento de obrigação nova
1.2.4 Ânimo de novar
1.3 Novação subjetiva passiva
1.3.1 Novação por expromissão
1.3.2 Novação por delegação
1.4 Novação subjetiva ativa
1.5 Novação objetiva
1.6 Efeitos da novação
2. COMPENSAÇÃO
2.1 Natureza da compensação
2.2 Requisitos para configuração da compensação
2.3 Casos de impossibilidade de compensação
2.3.1 Impossibilidade de compensação em razão
da causa da dívida
2.3.2 Impossibilidade de compensação em
prejuízo de direito de terceiro
2.4 Compensação de dívida de terceiros
2.5 Compensação de dívidas pagáveis em lugares
diversos
2.6 Compensação de crédito cedido
2.7 Compensação múltipla
3. CONFUSÃO
4. REMISSÃO
5. TRANSAÇÃO
5.1 Requisitos para a configuração da transação
5.2 Objeto da transação
5.3 Eficácia da transação
5.4 Invalidade da transação
5.4.1 Nulidade da transação
5.4.2 Anulabilidade da transação
5.5 Cláusula penal na transação
6. COMPROMISSO
Transmissão das Obrigações (arts. 286 a 303)
1. CESSÃO DE CRÉDITO
1.1 Créditos passíveis e privados de cessão
1.2 Eficácia da cessão de crédito
1.3 Múltiplas cessões
2. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
Responsabilidade Civil Extracontratual (arts. 186 a 188 e 927 a
954)
1. FUNDAMENTO DA REPARAÇÃO CIVIL
2. CARACTERÍSTICAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
3. MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
3.1 Responsabilidade civil por culpa (responsabilidade
subjetiva)
3.2 Responsabilidade civil independente de culpa
(responsabilidade objetiva)
4. REQUISITOS CONFIGURADORES DA
RESPONSABILIDADE CIVIL
4.1 Ato
4.1.1 Análise objetiva da culpa
4.1.2 Ato ilícito por abuso de direito
4.2 Dano
4.2.1 Dano material
4.2.2 Dano moral
4.2.3 Dano estético
4.2.4 Dano social
4.2.5 Dano existencial
4.2.6 Perda de uma chance
4.2.7 Lucro da intervenção
4.3 Nexo de causalidade
4.3.1 Teoria da equivalência dos antecedentes
4.3.2 Teoria da causalidade adequada
4.3.3 Teoria da causalidade alternativa
4.4 Excludentes de responsabilidade
4.4.1 Fato exclusivo da vítima
4.4.2 Fato de terceiro
4.4.3 Caso fortuito e força maior
4.5 Concorrência de causas
5. CASOS DE RESPONSABILIDADE INDEPENDENTE DE
CULPA NO CÓDIGO CIVIL
5.1 Responsabilidade por fato próprio
5.1.1 Responsabilidade da pessoa que agiu em
estado de necessidade
5.1.2 Responsabilidade do incapaz
5.2 Responsabilidade por fato de terceiro
5.2.1 Responsabilidade do responsável pelo
incapaz
5.2.2 Responsabilidade do empregador ou
comitente
5.2.3 Responsabilidade do hospedeiro
5.2.4 Responsabilidade do beneficiado por
produto de crime
5.2.5 Responsabilidade do morador de edifício
5.3 Responsabilidade pelo fato da coisa
5.3.1 Responsabilidade pelo fato do animal
5.3.2 Responsabilidade pelo fato do edifício ou
construção
6. DEVER DE INDENIZAR E VALOR DA INDENIZAÇÃO
7. INDENIZAÇÃO E PENSIONAMENTO
7.1 Alimentos indenizatórios em caso de falecimento
7.2 Indenização por lesão à saúde e por inabilitação ou
redução da capacidade laborativa da vítima
Noção de Contrato
1. CONTRATO, NECESSIDADE E VONTADE
2. HISTÓRICO DA NOÇÃO DE CONTRATO
3. CONCEITO DE CONTRATO E SUAS
CARACTERÍSTICAS
4. REQUISITOS DE VALIDADE
5. EFICÁCIA DOS CONTRATOS
Princípios Informadores do Direito dos Contratos (arts. 421, 422
e 2.035)
1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA
2. PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO
3. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE
4. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA
5. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
5.1 Desdobramentos do princípio da boa-fé
5.1.1 Vedação do venire contra factum proprium
5.1.2 Supressio
5.1.3 Surrectio
5.1.4 Vedação da tu quoque
5.1.5 Duty to mitigate the loss
5.2 Boa-fé objetiva e teoria da aparência
6. FUNDAMENTO DA PRINCIPIOLOGIA: FUNÇÃO
SOCIAL DOS CONTRATOS
7. DIÁLOGO DAS FONTES
Formação dos Contratos
1. MANIFESTAÇÃO POSITIVA E INEQUÍVOCA DE
VONTADE
2. ETAPAS DA FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
2.1 Negociações preliminares
2.1.1 Responsabilidade civil na fase das
negociações preliminares
2.2 Proposta
2.2.1 Distinção entre proposta e negociações
preliminares
2.2.2 Obrigatoriedade da proposta
2.2.3 Proposta entre presentes e proposta entre
ausentes
2.3 Aceitação
2.3.1 Aceitação da proposta entre ausentes
2.3.1.1 Lugar da celebração do contrato entre
ausentes
3. CONTRATO PRELIMINAR
Contratos Peculiares
1. ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO
2. PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO
3. CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR
4. CONTRATO CONSIGO MESMO
Classificação dos Contratos
1. CONTRATO TÍPICO E ATÍPICO
2. CONTRATO CONSENSUAL, FORMAL E REAL
3. CONTRATO BILATERAL E UNILATERAL
4. CONTRATO GRATUITO E ONEROSO
5. CONTRATO COMUTATIVO, PREESTIMADO E
ALEATÓRIO
5.1 Disciplina legal do contrato aleatório
6. CONTRATO DE EXECUÇÃO IMEDIATA E DE
EXECUÇÃO DIFERIDA
7. CONTRATO POR ADESÃO
Disciplina Especial dos Contratos Bilaterais e Onerosos
1. DISCIPLINA ESPECIAL DOS CONTRATOS
BILATERAIS
1.1 Exceção do contrato não cumprido
1.2 Cláusula resolutiva
1.3 Arras
1.3.1 Arras confirmatórias
1.3.2 Arras penitenciais
2. DISCIPLINA ESPECIAL DOS CONTRATOS
ONEROSOSsobre o
mundo dos fatos, o que se revela ineficaz, o papel do Direito deve ser o de
estabelecer critérios de reconhecimento e as respectivas consequências.
O que é imprescindível, todavia, para que o debate seja possível, é não
confundir o conceito jurídico de pessoa, consectário da teoria da
personalidade jurídica – o ente que pode ser sujeito de direitos, o ator da
cena jurídica, com recurso à etimologia –, com conceitos leigos ou de
outras ciências, sobretudo da teologia e da filosofia, que identificam pessoa
com o indivíduo da espécie homo sapiens sapiens, ou que estudam o self ou
a pessoalidade. Compreendidas as distinções conceituais, a teoria da
personalidade, no lugar de se fechar na dogmática jurídica, revela-se aberta
aos diálogos transdisciplinares.
Exemplo moderno dessa possibilidade de interpretação mais aberta dos
direitos da personalidade é visto na questão dos animais. Se adotarmos uma
visão antropocêntrica, veremos que não há dignidade para além do ser
humano. Trata-se, no entanto, de um entendimento que vem sendo aos
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poucos alterado, inclusive com amparo no direito comparado, a exemplo do
Código Civil Português, que reconhece que os animais não são coisas
neutras e disponíveis e, justamente por isso, devem ser uma qualificação
intermediária entre coisa e ser humano. Nessa perspectiva, propõe-se uma
releitura do princípio da dignidade humana para reconhecer uma
dimensão ecológica do seu conteúdo, na qual os animais deixem de ser
enxergados como meros objetos e passem a ser reconhecidos como sujeitos
especiais de direito. A propósito do tema, o Superior Tribunal de Justiça ,
no julgamento no REsp 1.797.175 (data do julgamento: 21/3/2019),
desacolhendo pedido de órgão ambiental federal (IBAMA), reconheceu a
dignidade de um papagaio e a sua condição como sujeito especial de direito,
mantendo a guarda do animal em favor de pessoa que convivia com ele há
mais de 23 anos. No decorrer do voto, o Min. relator Og Fernandes
ponderou a necessidade de uma reflexão no campo interno das legislações
infraconstitucionais, na tentativa de apontar caminhos para que se
amadureça a discussão a respeito do reconhecimento da dignidade dos
animais não humanos, e, consequentemente, do reconhecimento dos direitos
e da mudança da forma como as pessoas se relacionam entre si e com os
demais seres vivos.
Categorias de pessoas
No Direito brasileiro contemporâneo é reconhecida por unanimidade a
personalidade jurídica das pessoas naturais – compreendidas como os
seres humanos vivos – e das pessoas jurídicas.
As denominações pessoas naturais e pessoas jurídicas foram, ao
longo da história, motivo de debate. Entre nossos civilistas, TEIXEIRA DE
FREITAS inicialmente preferiu chamá-las de pessoas de existência visível
(pessoas naturais) e pessoas de existência ideal (pessoas jurídicas), tendo,
posteriormente, mudado de ideia, para simplificar a linguagem.
Conquanto nossa legislação civil tenha adotado os adjetivos “natural” e
“jurídica”, mais vulgarmente fala-se em pessoas físicas para se referir às
naturais, em razão de as leis que tratam do imposto sobre a renda terem
perfilhado o Direito francês e adotado essa denominação (a Lei 4.506/64 foi
a primeira delas).
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�.
Polêmica à parte, as pessoas naturais, ou físicas, ou de existência
visível são os seres humanos com vida. As pessoas jurídicas, ou de
existência ideal, ou, ainda, morais, como preferem alguns, são os entes
criados pela imaginação humana para o desempenho de um determinado
papel social. São pessoas jurídicas de Direito Privado as associações, as
sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos
políticos, conforme o art. 44 do Código Civil.
Outros entes, que, segundo a teoria que proporemos adiante, podem
tecnicamente ser denominados entes de capacidade reduzida, têm
efetivamente atuado na cena jurídica como sujeitos de direitos.
Trata-se do nascituro e dos entes comumente denominados
“despersonalizados”: o condomínio, o espólio, a massa falida e a herança
jacente.
Conforme visto anteriormente, além desses entes, os animais não
humanos têm sido apresentados como sujeitos de direitos em algumas obras
resultantes de pesquisas de pós-graduação, tema sobre o qual os manuais
ainda não se debruçaram. Cite-se, por todos, a tese de doutorado de SIMONE
EBERLE, defendida em 2006 na Faculdade de Direito da UFMG, intitulada
“Deixando a sombra dos homens: uma nova luz sobre o estatuto jurídico
dos animais”, orientada por João Baptista Villela. No Direito Comparado,
além do Código português, podemos citar decisões da Corte Constitucional
Argentina, proferidas em sede de habeas corpus. Em uma delas, decidiu-se
pela liberação de animal (orangotango), a pedido do presidente de uma
associação protetora dos direitos dos animais, com a sua transferência do
zoológico de Buenos Aires para uma reserva de proteção no Brasil. Na
jurisprudência nacional, temos o exemplo da 7ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Paraná (Agravo de Instrumento 0059204-56.2020.8.16.0000),
que reconheceu a capacidade de dois animais de serem parte em processo
judicial .
PESSOA NATURAL
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58
�.� Pessoa natural: o início da personalidade
e a questão do nascituro
A determinação exata do momento em que se inicia a personalidade da
pessoa natural tem grande relevância; afinal, somente podem ser sujeitos de
direitos aqueles a quem se atribui personalidade jurídica.
Duas teorias principais procuram explicar a questão.
Para a teoria natalista, somente se considera pessoa natural o ser
humano nascido com vida. Para a teoria concepcionista, por sua vez,
considera-se que a pessoa natural surge com a concepção.
No caso brasileiro, os Códigos Civis optaram pela teoria natalista,
inovando, no entanto, ao resguardar, desde a concepção, os direitos que o
nascituro poderá adquirir se nascer com vida.
Passou-se a falar, pois, em uma terceira teoria, a teoria da
personalidade condicionada . Quanto à determinação do início da
personalidade, esta teoria mantém a ideia natalista do nascimento com vida.
Trata-se, portanto, de um desdobramento da teoria anterior. Admite,
todavia, a produção de efeitos ex tunc do início da personalidade, para que o
recém-nascido adquira todos os direitos que teria adquirido enquanto
nascituro.
MARIA HELENA DINIZ propôs, ainda, uma teoria que divide a
personalidade jurídica em formal e material. Segundo a autora, o nascituro
possui personalidade jurídica formal desde a concepção, o que significa
dizer que seus direitos estão protegidos independentemente do nascimento
com vida. Por outro lado, a personalidade jurídica material tem relação com
os aspectos patrimoniais, cuja aquisição somente ocorre com o nascimento
com vida. Assemelha-se, portanto, à teoria da personalidade condicionada.
Temos exemplos ao longo do Código Civil que evidenciam a existência
de um sistema de proteção especial ao nascituro e são constantemente
utilizados pela doutrina para afastar a literalidade do art. 2º do CC, que teria
adotado a teoria natalista. Por exemplo: (i) a obrigatoriedade de nomeação
de um curador, se o pai falecer estando grávida a mãe e não tendo esta o
poder familiar por alguma razão (art. 1.779); (ii) a possibilidade de o
nascituro ser objeto de reconhecimento voluntário de filiação (art. 1.609,
59
parágrafo único); e (iii) a possibilidade de o nascituro receber doação e ser
contemplado em testamento (arts. 542 e 1.798). No Estatuto da Criança e do
Adolescente acrescentamos, ainda, o direito que toda mãe deve ter em
relação à assistência adequada pré-natal (art. 8º do ECA ). Trata-se de
verdadeiro direito do nascituro, que tem início a partir do momento da
fecundação até o termo final da gestação.
Em complemento, a Lei 11.804/2008, que regula os alimentos
gravídicos, embora confira legitimidade ativa à própria gestante para
requerer alimentos, tem como principal objetivo, em última análise,
proporcionar um nascimento com dignidade ao ser que está sendo
concebido. Além disso, o art. 6º dessa legislação é expresso ao afirmarque,
com o nascimento com vida, os alimentos gravídicos são convertidos em
pensão alimentícia, ainda que não haja pedido expresso nesse sentido. Com
essa alteração da titularidade, altera-se também a legitimidade para pleitear
a execução desses alimentos. Trata-se de hipótese de sucessão processual.
Para se determinar se houve vida, no caso da criança que morre em
seguida do parto, tradicionalmente se ensina que se deve apurar se o bebê
respirou, por meio de um exame para verificar se entrou ar em seus
pulmões, denominado docimasia hidrostática de Galeno. Não que se trate
de exame frequentemente realizado na prática médica contemporânea.
Ainda quanto ao nascituro, é forçoso enfrentar o fato de que o
Enunciado 1 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da
Justiça Federal determina, acerca do art. 2º, que “a proteção que o Código
defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da
personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura”. Ademais, tem se
visto na doutrina uma crescente corrente que, no sentido do Enunciado 1 e a
despeito da literalidade do art. 2º do Código, defende que o nascituro tem
direitos da personalidade, ficando apenas os direitos patrimoniais
condicionados ao nascimento com vida.
Este é o posicionamento ao qual nos filiamos, e ao qual acrescentamos a
teoria da capacidade reduzida , a qual, a nosso ver, resolve de pronto a
polêmica. Por meio desta teoria, reconhece-se ao nascituro o potencial para
ser sujeito de certos direitos, ou seja, reconhece-se sua personalidade
jurídica, alertando-se, todavia, para o fato de que sua capacidade de direito
é reduzida, no sentido de que o nascituro ainda não pode adquirir todos os
60
61
•
•
direitos franqueados à pessoa natural, nascida com vida. Tal teoria oferece
interpretação diferenciada ao tema do início da personalidade da pessoa
natural, por meio da análise dos conceitos de capacidades, e eleva o
nascituro à condição de pessoa, em que ele goza de proteção máxima.
Em síntese, pode-se dizer que, segundo a teoria da capacidade reduzida,
considerando-se que todo ente suscetível de aquisição de direitos é pessoa,
se deve explicar os diferentes graus de aptidão para a aquisição de direitos
dos entes que não se enquadram nos conceitos de pessoa natural e de
pessoa jurídica, mas que, ainda assim, têm aptidão para adquirir certos
direitos, não por meio do conceito de personalidade – o qual é absoluto: ou
se tem, ou se não tem –, mas, sim, por meio do conceito de capacidade de
direito, reconhecendo que tais entes têm capacidade de direito reduzida. E,
por conseguinte, no lugar de chamá-los “entes despersonalizados”, o que
não é técnico, porquanto têm direitos e, portanto, têm personalidade, pode-
se chamá-los de entes de capacidade reduzida. Afinal, o que os difere da
pessoa natural e da pessoa jurídica, além de sua natureza, é seu grau menor
de aptidão para adquirir direitos.
Importante destacar que o posicionamento atual do STJ é no sentido
de que o nascituro pode ter direitos a partir da concepção. Ou seja, o STJ
segue a teoria concepcionista, pelo menos no que diz respeito aos direitos
da personalidade. Alguns exemplos ilustram essa conclusão:
Em 2002, o STJ reconheceu ao nascituro o direito à reparação moral
decorrente da morte do pai, embora a circunstância de não tê-lo
conhecido em vida tenha influenciado a fixação do quantum
indenizatório (REsp 399.029/SP);
Em 2008, a 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 931.556/RS,
concedeu, de forma unânime, o direito de um nascituro de receber
indenização por danos morais. No caso concreto, o pai faleceu em
razão de acidente de trabalho, razão pela qual a mãe (esposa)
ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais em face
do empregador. Na ocasião, o STJ manteve a indenização fixada
pelo tribunal de origem em montante igual, tanto para os filhos
nascidos da vítima quanto para o nascituro;
• Em 2014, o STJ decidiu que a beneficiária legal de seguro DPVAT
que teve a sua gestação interrompida em razão de acidente de
trânsito tem direito à indenização prevista no art. 3º, I, da Lei
6.9144/1974 (REsp 1.415.727/SC). Ao analisar o caso concreto, o
relator Ministro Luis Felipe Salomão ponderou que o referido
dispositivo garante a indenização por morte, de modo que o aborto
causado pelo acidente também se enquadra no comando normativo.
Em 2010, esse mesmo entendimento já havia sido aplicado no
julgamento do REsp 1.120.676, no qual a 3ª Turma do STJ
reconheceu a necessidade de pagamento do seguro DPVAT a um
casal em virtude de aborto sofrido pela gestante quatro dias após o
acidente de trânsito; ela estava com 35 semanas de gestação.
Essa questão do início da personalidade jurídica não tem relevância
apenas teórica. Ao contrário, as implicações práticas é que são as mais
importantes, sobretudo no que concerne aos direitos patrimoniais
sucessórios.
Imaginemos que um dos pais do nascituro venha a morrer, deixando
patrimônio. Terá o nascituro direito à herança? Se for reconhecida sua
personalidade, e, posteriormente, sua capacidade, certamente que sim.
Entretanto, caso contrário, não terá. No nosso Direito, em que o nascituro
não é pessoa natural, mas pode ser sujeito de certos direitos, com
capacidade reduzida, o direito sucessório do nascituro fica resguardado até
o momento em que se determine se veio a se tornar uma criança viva.
Pensemos em Clóvis, pai do nascituro Silvio, casado em regime de
separação obrigatória de bens com Berenice e filho de Augusto e Helena.
Clóvis morre antes do nascimento de Silvio. Para determinar quem herdará,
é necessário aguardar o resultado da gravidez. Deve-se frisar que a esposa,
Berenice, não concorre com descendentes, em razão do regime de bens (art.
1.829, I). Nascendo com vida, Silvio herdará tudo o que deixou seu pai.
Supondo-se que nasça morto, sua capacidade condicional com relação ao
direito sucessório não se confirmará, e Silvio, por conseguinte, nada terá
herdado. A herança será deferida aos próximos herdeiros legítimos de
Clóvis – seus pais, Augusto e Helena, em concorrência com a mulher,
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Berenice, que herdará um terço do acervo deixado por Clóvis (art. 1.829, II,
e art. 1.837).
Deve-se atentar para a seguinte hipótese: se Silvio nascer com vida, mas
morrer logo em seguida, ainda que segundos após o parto, terá herdado,
pois sua capacidade condicional para suceder terá se confirmado no
momento em que o ar entrou em seus pulmões – mesmo que isso tenha
ocorrido uma única vez. Nesse caso, a herança de Clóvis será transmitida a
Silvio, e, morto este, à sua única herdeira, a mãe, Berenice. Conclusão:
Berenice, que herdaria apenas um terço do patrimônio deixado por Clóvis,
na sucessão direta deste, acabou por receber o patrimônio inteiro, na
sucessão intermediada por Silvio.
Principais teorias que marcam o início da personalidade
Natalista: a
personalidade
jurídica só começa
com o nascimento
com vida. O
nascituro é um ente
despersonalizado
que tem mera
expectativa de
direitos.
Personalidade
condicionada: o
nascituro tem
direitos sob
condição
suspensiva, ou seja,
direitos eventuais,
condicionados ao
nascimento.
Concepcionista: a
personalidade tem
início com a
concepção. O
nascituro é pessoa,
inclusive para efeitos
patrimoniais. O
momento aquisitivo
dos direitos da
personalidade é a
concepção, e não o
nascimento.
Pessoa natural: fim da personalidade
Cumpre verificar, agora, em que momento termina a personalidade da
pessoa natural. Segundo o Código Civil, esse momento é o da morte (art.
6º, primeira parte). Ocorre a morte da pessoa quando se verifica a morte
encefálica (cerebral). Trata-se de hipótese de morte real, cuja prova se faz
pelo atestado de óbito.
Atualmente, a Lei 9.434/97 – Lei de Transplantes – é o diploma legal
que tangencia o assunto, determinando, no art. 3º, que “a retirada post
mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte
encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantesdas
equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos
e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.
Atualmente, o ato do CFM que estabelece os critérios para apuração da
morte encefálica é a Resolução 2.173/2017.
Com relação ao fim da personalidade, duas observações devem ainda
ser feitas: uma quanto à chamada comoriência, e a outra quanto à
presunção da morte.
Comoriência significa “morte em conjunto”, ou seja, morte de diversas
pessoas no mesmo evento. É o que ocorre em vários desastres, como um
acidente aéreo ou um deslizamento de terras. Para o Direito, tem relevância
a ordem em que morreram, notadamente quando uma for herdeira ou
beneficiária da outra.
O principal efeito da presunção de morte simultânea é que, não tendo
havido oportunidade para a transferência de bens entre os comorientes, um
não herdará do outro. Dessa forma, se um casal sem descendentes ou
ascendentes morre em acidente, sem que seja possível definir quem morreu
primeiro, não haverá transferência de bens entre eles. Nesse exemplo, os
colaterais da mulher ficarão com a sua meação, enquanto os colaterais do
marido com a meação dele.
Usando o direito sucessório para mostrar qual a importância desse fato,
imaginemos que Clóvis e Berenice eram casados no regime da separação
obrigatória. Se tiverem morrido antes do filho, Silvio, este terá herdado e,
morto, transmitirá a herança aos avós paternos, Augusto e Helena, e
maternos, Manuel e Maria Berenice, que são seus herdeiros e receberão,
cada um, 25% da herança, considerando o patrimônio de Clóvis somado ao
de Berenice (hipótese 1). Mas, se o filho tiver morrido antes, não terá
herdado. Nesse caso, os herdeiros de Clóvis e Berenice (seus pais),
respectivamente, herdarão 50% do patrimônio dos filhos (hipótese 2).
HIPÓTESE 1
HIPÓTESE 2
Considerando que na grande maioria dos casos é quase impossível
determinar a ordem em que as pessoas morreram em um mesmo desastre, o
art. 8º do Código traz a regra da presunção de morte simultânea: “se dois
ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar
se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão
simultaneamente mortos”. Trata-se de louvável ideia de TEIXEIRA DE
FREITAS, que inovou com relação à tradição europeia, de origem romana, a
qual, até hoje, em diversos países, estabelece ordens presumidas de morte
levando em conta gênero e idade.
No exemplo discutido, a hipótese 2 prevaleceria, pois a consequência da
morte de Silvio simultaneamente à de Clóvis e Berenice é a mesma de
Silvio morrer antes de Clóvis e Berenice, qual seja, Silvio não herda.
Outra questão ligada ao fim da personalidade é a dos casos em que se
acredita que uma pessoa morreu, mas não se tem certeza. Em alguns casos,
essa crença advém do desaparecimento de uma pessoa por um longo
período de tempo – hipótese disciplinada nas disposições do Código acerca
da ausência (art. 6º, segunda parte), que estudaremos oportunamente, em
capítulo próprio. Aqui, trataremos das hipóteses do art. 7º do Código Civil:
Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de
ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de
vida;
62
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos,
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações,
devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
Em primeiro lugar, cumpre destacar que, conforme o parágrafo único,
devem ser despendidos todos os esforços possíveis para buscar o corpo e
averiguar se realmente houve morte. Esgotadas as buscas e averiguações,
então, poderão os interessados – por exemplo, os parentes – requerer a
declaração da morte presumida, por meio de ação judicial. Vê-se que o
Código Civil não determina quem tem legitimidade para ajuizar a ação,
cabendo ao julgador verificar se o autor da ação realmente tem interesse ou
não na declaração da morte.
A hipótese do inciso I (de perigo de vida) depende, para se configurar,
de que a pessoa tenha sido vista, pela última vez, em situação que
geralmente causa a morte, embora o corpo não tenha sido encontrado.
É o caso de uma pessoa que é vista pela última vez arrastada pelas águas
de uma enchente para dentro das galerias de esgoto de uma cidade. Tão
labiríntico deve ser o sistema sanitário de uma grande cidade que é
extremamente provável que uma pessoa arrastada para dentro dele em uma
situação de enchente morra afogada, pois dificilmente terá como sair das
galerias inundadas. É igualmente provável que as equipes de resgate não
consigam encontrar o corpo dessa pessoa, pois a maior parte das galerias de
esgoto é inacessível. Exemplo real e recente é o caso do rompimento da
barragem de Brumadinho. Em janeiro de 2019, uma barragem pertencente à
Vale S/A se rompeu, matando cerca de 270 pessoas. Em razão dos rejeitos
de minério de ferro, a localização dos corpos se tornou uma tarefa
extremamente difícil, especialmente com o passar do tempo e a
sedimentação. Muitas famílias recorreram ao Judiciário, antes mesmo do
encerramento das buscas, com o objetivo de ver declarada a morte
presumida de seus parentes.
A hipótese do inciso II (pessoa desaparecida em campanha ou feita
prisioneira), bem menos comum em nosso país, que não se envolve
habitualmente em guerras, depende de prazo para se configurar: dois anos
contados a partir do término do conflito, não tendo retornado as pessoas
desaparecidas em campanha ou feitas prisioneiras. Somente após esse lapso
é que se autoriza o pedido de declaração de morte presumida.
Em qualquer das hipóteses, o juiz deverá, atento às circunstâncias dos
casos e às provas produzidas, fixar a data provável da morte. Como o
leitor já deve ter imaginado, essa data tem grande relevância, sobretudo
para fins dos direitos sucessórios.
PERSONALIDADE
JURÍDICA
Início Fim
Pessoa natural Nascimento com
vida.
Morte real ou morte
presumida (com ou
sem declaração de
ausência)
Voltaremos ao tema da ausência em capítulo próprio, mas precisamos,
antecipadamente, reforçar a diferença entre a morte presumida com
declaração de ausência e sem a declaração de ausência. Quando os parentes
requerem apenas a declaração de ausência para que possam providenciar a
abertura da sucessão provisória e, depois, a sucessão definitiva, não se
pretendendo a declaração da morte do ausente, estamos diante da hipótese
do art. 6º, segunda parte. Por outro lado, no caso do art. 7º, pretende-se que
se declare a morte que se supõe ter ocorrido, sem que, para isso, seja
decretada a ausência.
A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) prevê um procedimento
de justificação destinado a suprir a falta de atestado de óbito de pessoas
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desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer
outra catástrofe, desde que provada a sua presença no local do desastre e
não for possível encontrar o cadáver para a realização do exame médico
(art. 88).
Vale destacar que também a Lei 9.140/2005, posteriormente alterada
pela Lei 10.536/2002, reconhece como mortos todos aqueles que tenham
participado ou tenham sido acusados de participação em atividades políticas
durante o período do regime militar, compreendido entre 2 de setembro de
1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por essa razão, tenham sido detidos por
agentes públicos e estejam desaparecidos desde então (art. 1º).
Diante da complexidade do final da vida, cabe inserirmos, ainda dentro
do tema sobre o fim da personalidade da pessoa natural, um tópico sobre
testamento vital, um instrumento dos direitos da personalidade para a
garantia da dignidade da pessoa humana em estado de terminalidade.
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Certamente, você já ouviu falar em testamento vital ou Diretivas
Antecipadas de Vontade (DAV). Embora seja comum a primeira
nomenclatura, precisamos partir da seguinte premissa: na verdade, não se
trata propriamente de um testamento. Sua naturezajurídica é de escritura
pública de declaração de vontade, cujos efeitos são produzidos ainda em
vida. Lembre-se que o testamento somente produz efeitos após a morte do
testador. Daí a diferenciação.
Pois bem. O “testamento” vital começou a ser efetivamente discutido
após a publicação da Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de
Medicina. De acordo com a normativa, o paciente que pretender expressar
antecipadamente a sua vontade quanto às diretrizes de um tratamento
médico futuro, caso fique impossibilitado de manifestar sua vontade em
virtude de acidente ou doença grave, poderá fazê-lo por meio de documento
escrito.
Exemplificando: uma pessoa em câncer terminal pode desejar não se
submeter a tratamento para prolongamento da vida de modo artificial. Caso
essa mesma pessoa, em determinado momento, não tenha mais condições
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de se expressar, livre e autonomamente, seus desejos apresentados no
testamento deverão ser cumpridos.
Embora não exista legislação específica sobre o instituto, a doutrina
defende a sua aplicabilidade com base na dignidade da pessoa humana (art.
1º, III, da CF), na garantia de liberdade e de autodeterminação (art. 5º, II, da
CF), no direito fundamental à privacidade (art. 5º, X, da CF) e na
impossibilidade de submissão de pacientes a tratamentos sem prévio
consentimento (art. 15 do CC). Há, ainda, enunciados do Conselho da
Justiça Federal que buscam conferir alguma diretriz ao tema :
Enunciado 528 da V Jornada de Direito Civil: “É válida a declaração
de vontade expressa em documento autêntico, também chamado
‘testamento vital’, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo
de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se
encontrar sem condições de manifestar a sua vontade”.
Enunciado 533 da VI Jornada de Direito Civil: “O paciente plenamente
capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento
médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo
as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos
cirúrgicos que não possam ser interrompidos”.
A autodeterminação e o consentimento informado desempenham
funções de especial relevo no testamento vital. O conjunto de vontades,
prévia e expressamente manifestadas pelo paciente, sobre cuidados e
tratamentos que deseja, ou não, receber no momento em que estiver
incapacitado de expressar sua vontade deve ser considerado pelo médico. O
auxílio de um advogado não é essencial, mas é desejável para que não
sejam incluídas no documento determinações que sejam ilegais, a exemplo
da eutanásia. O registro em cartório também não é necessário, mas se
orienta a sua realização para fins de publicidade e para conferir fé pública
ao documento.
Teoria das capacidades
63
A teoria da personalidade se completa pela teoria das capacidades.
Aquela teoria trabalha com o conceito de pessoa, enquanto esta teoria
trabalha com os conceitos de capacidade jurídica, capacidade civil,
capacidade de direito e capacidade de fato.
Vale lembrar que se pode conceituar personalidade como o
reconhecimento jurídico de que um ente pode ser sujeito de direitos, e, por
conseguinte, de que atua no plano do Direito. Destarte, pessoa é todo ente
suscetível de aquisição de direitos.
A capacidade jurídica, por sua vez, pode ser conceituada como a
aptidão genérica para adquirir direitos. Já houve, em alguns momentos
históricos, entes que atuavam no plano do Direito (hoje, dir-se-ia que
tinham personalidade), muito embora não pudessem adquirir direitos
(faltava-lhes capacidade).
A capacidade jurídica da pessoa desdobra-se em diversas capacidades,
dentre as quais a capacidade penal, a capacidade política e a capacidade
civil. Esta, por sua vez, comporta a capacidade de direito e a capacidade
de fato.
A capacidade de direito consiste no grau de aptidão para adquirir
direitos ou praticar, por si ou por outrem, atos não proibidos pela lei.
A capacidade de fato, por sua vez, consiste na aptidão para o
exercício, por si, dos atos da vida civil.
Dos conceitos percebe-se que todo ente a quem se atribui personalidade
jurídica tem capacidade de direito, em maior ou menor grau, dependendo do
número dos direitos que tem o potencial para adquirir, e dos atos que a lei
proíbe (por isso, grau de aptidão). Por se limitar a capacidade de direito do
nascituro, por exemplo, aos direitos da personalidade, havendo apenas
capacidade condicionada ao nascimento com vida com relação aos demais,
diz-se que tem capacidade (de direito) reduzida.
Igualmente se percebe que nem toda pessoa tem capacidade de fato –
uns têm, outros não têm – (por isso aptidão). O nascituro não a tem. Uma
pessoa com quinze anos, por sua vez, pode ser emancipada, como veremos,
com o que adquire capacidade de fato para os atos da vida civil, mas nem
por isso pode elaborar testamento, pois a lei somente atribui capacidade de
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direito para o testamento aos dezesseis anos de vida completos (ou seja,
proíbe o testamento dos menores de dezesseis anos).
Para fins de proteção de certas pessoas cujo discernimento não é
completo, a capacidade de fato no Direito brasileiro comportava três graus:
capacidade de fato plena, incapacidade de fato relativa e incapacidade
de fato absoluta. Após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com
Deficiência – Lei 13.146/2015 –, todavia, apesar de ainda existirem os três
graus, não é mais possível identificar a distinção entre incapacidade relativa
e incapacidade absoluta com o grau de discernimento do sujeito, como se
verá.
Pois bem. Vale lembrar que, por aplicação da teoria da capacidade
reduzida, os entes a que se reconhece a aptidão para ser sujeito de direitos,
sem que “sejam considerados pessoas”, têm capacidade de direito limitada
a poucos atos, e não têm nenhuma capacidade de fato.
Por essa razão, a prática dos atos da vida civil com relação aos direitos
que podem adquirir depende de representação.
No caso específico do nascituro, em que há desde a concepção
capacidade de direito com relação a alguns direitos, como os da
personalidade, e capacidade condicionada ao nascimento com vida com
relação a outros, a representação cabe aos genitores. Na falta do pai, se a
mãe não puder exercer o poder parental, deve ser nomeado um curador (art.
1.779).
No caso do condomínio, a representação fica a cargo do síndico ou
administrador; no caso do espólio, cabe a representação ao inventariante; no
caso da massa falida, ao administrador (o qual, antes da Lei 11.101/2005,
era chamado de síndico); no caso da herança jacente, ao curador.
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Convém chamar a atenção do leitor para tomar bastante cuidado ao
estudar o tema das capacidades nos demais manuais de doutrina.
Apesar de os conceitos de personalidade e de capacidades utilizados nos
Códigos Civis brasileiros serem provenientes da teoria de TEIXEIRA DE
FREITAS, os autores do século XX os confundiram com conceitos
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provenientes do Direito francês (capacidade de gozo e capacidade de
exercício), do Direito alemão (capacidade natural, capacidade jurídica e
capacidade de agir) e do Direito português (personalidade jurídica e
capacidade jurídica).
Ocorre que, apesar de haver semelhanças, cada um desses conceitos
contém, nos sistemas em que se enquadram, peculiaridades. E a tentativa de
universalização da teoria, e do tratamento dos conceitos como se fossem
sinônimos, faz com que haja muita divergência entre os conceitos
trabalhados pela doutrina no Brasil. Uns confundem personalidade jurídica
com capacidade civil, outros confundem esta e aquela com capacidade de
direito etc.
Veja-se que não se trata de querer impor os conceitos de TEIXEIRA DE
FREITAS, apesar de nos parecerem os mais adequados, pelo fato de terem
sido os que inspiraram a legislação vigente. Trata-se, pelo menos, de tentar
evitar a terrível confusão conceitual que se constata ao realizar uma
pesquisa comparativa nos diversos manuais brasileiros desde a promulgação
do Código Civil de 1916 até hoje.
Certamente, a confusão conceitual levaa uma inevitável perda de
qualidade da teoria e do debate acerca de um tema tão importante quanto o
da teoria das capacidades, sobretudo levando-se em conta que o esquema
brasileiro, criado por TEIXEIRA DE FREITAS, é um dos poucos que enumera,
aprioristicamente, nos primeiros artigos do Código, pessoas consideradas
incapazes para a prática dos atos da vida civil, absoluta ou relativamente.
Informação, aliás, pouco divulgada no Direito Civil pátrio, justamente pelo
fato de não se comparar efetivamente a disciplina do tema nos diversos
ordenamentos e, ao contrário, pretender-se tratá-la como equivalente.
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Em 6 de julho de 2015, foi promulgada a Lei 13.146, apelidada
Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD. Publicada no Diário Oficial
da União no dia 7 de julho de 2015, e sujeita a prazo de vacância de 180
dias (art. 127), a nova lei entrou em vigor no dia 3 de janeiro de 2016.
70
Sem discutir os méritos e os deméritos do Estatuto, o fato é que seu art.
114 alterou substancialmente os arts. 3º e 4º do Código Civil, modificando
sobremaneira o regime das incapacidades de fato e a teoria das capacidades
no geral, como se verá.
Com as mudanças implementadas pelo EPD, somente são
absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos. Aqueles que, por
enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento
para a prática dos atos da vida civil, considerados absolutamente incapazes
anteriormente (art. 3º, inc. III, do CC/02 – redação original), não estão mais
listados entre os incapazes de fato, seja absoluta, seja relativamente. Os que,
por causa permanente ou transitória, não podem exprimir sua vontade,
deixaram de ser considerados absolutamente incapazes (art. 3º, inc. III, do
CC/02 – redação original) e passaram a ser considerados relativamente
incapazes (art. 4º, inc. III, do CC/02 – nova redação). Por fim, os que, em
razão de deficiência mental têm o discernimento reduzido, bem como os
excepcionais, sem o desenvolvimento mental completo, antes considerados
relativamente incapazes (art. 4º, incs. II e III, do CC/02 – redação original),
não são mais considerados incapazes de fato.
O quadro a seguir estabelece um comparativo entre a disciplina das
hipóteses de incapacidade de fato no Código Civil antes e depois das
alterações promovidas pelo EPD:
ANTES DO EPD – REDAÇÃO
ORIGINAL DO CC/02
DEPOIS DO EPD – NOVA
REDAÇÃO DO CC/02
Art. 3º – Absolutamente incapazes
I – os menores de dezesseis
anos;
Os menores de dezesseis anos.
II – os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem
o necessário discernimento
para a prática desses atos;
 
III – os que, mesmo por causa
transitória, não puderem
exprimir sua vontade.
 
Art. 4º – Relativamente incapazes
I – os maiores de dezesseis e
menores de dezoito anos;
I – os maiores de dezesseis e
menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os
viciados em tóxicos, e os que,
por deficiência mental, tenham
o discernimento reduzido;
II – os ébrios habituais e os
viciados em tóxico;
III – os excepcionais, sem
desenvolvimento mental
completo;
III – aqueles que, por causa
transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade;
IV – os pródigos. IV – os pródigos.
Um comparativo inicial entre a redação anterior e a redação atual dos
arts. 3º e 4º do Código Civil nos permite a seguinte e antecipada conclusão:
após o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Código Civil passou a prever
que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
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civil apenas os menores de dezesseis anos. Ou seja, não existe
absolutamente incapaz que seja maior de idade.
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Na teoria das capacidades consolidada no século XX no Brasil, eram
consideradas absolutamente incapazes as pessoas a quem se negava
completamente a capacidade de fato, para fins de proteção. Tais pessoas
somente podiam validamente praticar os atos da vida civil por meio de um
representante.
Na redação original do Código Civil de 2002 (art. 3º), eram
consideradas absolutamente incapazes:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua
vontade.
Todavia, com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência
– EPD – em janeiro de 2016, o art. 3º do Código Civil passou a viger com
nova redação: “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”.
Ou seja, conforme já antecipamos, no Direito brasileiro vigente, ante a
alteração efetuada pelo EPD, somente são absolutamente incapazes os
menores de dezesseis anos. Não há mais nenhuma outra hipótese de
incapacidade absoluta. A essa conclusão também já chegou o STJ:
É inadmissível a declaração de incapacidade absoluta às pessoas
com enfermidade ou deficiência mental
A questão consiste em definir se, à luz das alterações promovidas pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, quanto ao regime das
incapacidades, reguladas pelos arts. 3º e 4º do Código Civil, é possível
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declarar como absolutamente incapaz adulto que, por causa
permanente, encontra-se inapto para gerir sua pessoa e administrar
seus bens de modo voluntário e consciente. A Lei n. 13.146/2015 tem
por objetivo assegurar e promover a inclusão social das pessoas com
deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade
em igualdade de condições com as demais pessoas. A partir da entrada
em vigor da referida lei, a incapacidade absoluta para exercer
pessoalmente os atos da vida civil se restringe aos menores de 16
(dezesseis) anos, ou seja, o critério passou a ser apenas etário, tendo
sido eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual
anteriormente previstas no Código Civil. Sob essa perspectiva, o art.
84, § 3º, da Lei n. 13.146/2015 estabelece que o instituto da curatela
pode ser excepcionalmente aplicado às pessoas portadoras de
deficiência, ainda que agora sejam consideradas relativamente capazes,
devendo, contudo, ser proporcional às necessidades e às circunstâncias
de cada caso concreto (STJ, REsp 1.927.423/SP, relator: Min. Marco
Aurélio Bellizze, 3ª Turma, por unanimidade, data do julgamento:
27/04/2021, Informativo 694).
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Na redação original do Código Civil de 2002, eram considerados
relativamente incapazes (art. 4º):
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os
exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação
especial.
Todavia, após a alteração promovida pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, passaram a ser relativamente incapazes (art. 4º):
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV – os pródigos.
Tradicionalmente, eram considerados relativamente incapazes aqueles
que, em razão do seu grau de discernimento, eram admitidos à prática dos
atos da vida civil pessoalmente, desde que auxiliados por um assistente. Os
atos praticados sem assistência pelos relativamente incapazes são anuláveis
(art. 171, I), e, por conseguinte, admitem convalidação.
Cumpre advertir o leitor para que não confunda os ébrios habituais
(inc. II) com os ébrios eventuais, cuja condição, no sistema adotado pelo
Código Civil, não enseja invalidade dos atos praticados sob influência do
álcool.
Veja-se que, agora, de acordo com a nova redação do art. 4º, inc.III, são
relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente,
não puderem exprimir sua vontade (outrora absolutamente incapazes, nos
termos do art. 3º, inc. III, do Código, com a redação original). Trata-se de
uma significativa – e estranha – alteração realizada pelo EPD. Afinal, se o
relativamente incapaz é aquele que participa do ato com seu assistente,
como considerar como tal aquele impossibilitado de manifestar sua
vontade?
Com relação aos pródigos (inc. IV), trata-se daqueles que, por uma
razão qualquer, dissipam inexplicavelmente seu patrimônio, realizam gastos
excessivos, endividam-se. Para evitar sua ruína, podem os interessados
pedir ao juiz que reduza sua capacidade civil, por meio de sentença, para
que não possam, sem assistência, emprestar, transigir, dar quitação, alienar,
hipotecar, demandar ou ser demandados, e praticar, em geral, atos que não
sejam de mera administração (art. 1.782).
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A incapacidade do pródigo constitui matéria bastante controvertida,
tendo sido combatida, por exemplo, por grandes juristas como TEIXEIRA DE
FREITAS e CLÓVIS BEVILÁQUA. Há, no mínimo, três questões que
merecem atenção quanto ao tema. (1) Em que momento se configura a
prodigalidade para fins de incapacidade de fato? Quando se realizam as
despesas injustificadas, ou quando se configura o comprometimento do
patrimônio (a ruína iminente)? (2) Há alguma hipótese de prodigalidade que
não se relacione a um sofrimento mental, ou seja, há algum caso em que se
devesse declarar a incapacidade do pródigo que não pudesse ser resolvido
pelo art. 3º, inc. II? (3) É razoável a intervenção da ordem jurídica nos atos
praticados por uma pessoa simplesmente por importarem gastos
injustificados? Quer-se proteger a pessoa do pródigo, ou seu patrimônio,
com vistas à eventual sucessão causa mortis?
A reflexão sobre esses três pontos nos leva a crer, como TEIXEIRA DE
FREITAS e CLÓVIS BEVILÁQUA, que a prodigalidade não constitui por si causa
incapacitante. Ou a pessoa dissipa injustificadamente seu patrimônio em
razão de ser portadora de sofrimento mental, caso em que deve ser
considerada incapaz com base no art. 3º, inc. II, ou dissipa
injustificadamente seu patrimônio lucidamente, no exercício de sua
liberdade e de sua autonomia privada, caso em que não deve a ordem
jurídica intervir sobre seus atos simplesmente para garantir o montante da
futura herança.
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Anteriormente, distinguia-se entre aqueles absolutamente incapazes de
praticar os atos da vida civil e aqueles apenas relativamente incapazes, por
se levar em conta o grau de discernimento – ainda que presumido – do
sujeito.
Eram, pois, tidos como absolutamente incapazes de praticar
pessoalmente os atos da vida civil: os menores de dezesseis anos; aqueles
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário
71 72
73
discernimento para a prática de tais atos; e, ainda, os que, ainda que por
causa transitória, não pudessem exprimir a sua vontade – vez que a
impossibilidade, ainda que temporária, de exprimir a vontade equivale à
falta total de discernimento. Tais pessoas eram, então, protegidas pelo
ordenamento jurídico, por meio da figura de um representante, que
praticava os atos da vida civil por elas, suprindo sua falta de discernimento.
Caso o incapaz viesse a praticar um ato jurídico pessoalmente, e não por
meio de seu representante, a consequência era a nulidade do ato (art. 166,
I), cujos efeitos, então, seriam desfeitos com a declaração judicial da
invalidade. Ainda que não fosse perfeito, tratava-se de um sistema que
buscava proteger certas pessoas, carecedoras de proteção.
Na mesma linha, eram consideradas relativamente incapazes de praticar
os atos da vida civil os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os
ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os que, por deficiência mental,
tivessem o discernimento reduzido; os excepcionais, sem o
desenvolvimento mental completo; e os pródigos. Nesse caso, o Direito
levava em conta o discernimento – e, pois, a vontade do sujeito –, mas,
considerando certas circunstâncias que poderiam prejudicar tal
discernimento, concedia ao sujeito um assistente, que o auxiliaria na prática
do ato. Se um ato viesse a ser praticado sem a participação do assistente, a
consequência jurídica seria a anulabilidade do ato (art. 171, I), ou seja, a
possibilidade de se desfazerem seus efeitos, em ação anulatória, para
proteger o incapaz de eventual prejuízo que o ato lhe tivesse trazido. Mais
uma vez, por mais que não fosse perfeito, tratava-se de um sistema que
buscava conceder proteção.
Com as alterações promovidas no sistema pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, todavia, a coerência que existia se perdeu. A primeira mudança
foi deixar de considerar incapazes as pessoas portadoras de sofrimento
mental – na linguagem original do Código de 2002, as que por enfermidade
ou deficiência mental não tinham o necessário discernimento para a prática
dos atos da vida civil. Nos termos do art. 6º do EPD, ao contrário, “a
deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”. São, portanto,
agora, plenamente capazes.
Também as pessoas que, em razão de deficiência mental, têm
discernimento reduzido, bem com os excepcionais, sem desenvolvimento
mental completo, outrora considerados relativamente incapazes, passaram a
ser plenamente capazes, nos termos do art. 6º do EPD.
Em primeiro lugar, sobre este ponto, é preciso esclarecer que as pessoas
portadoras de deficiência física não eram consideradas – e nem poderiam
ser – incapazes de praticar os atos da vida civil. As hipóteses de
incapacidade de fato baseadas em deficiência levavam em conta apenas a
deficiência mental, com o intuito de proteger os portadores de deficiências
que prejudiquem o discernimento. Ao estabelecer, genericamente, que a
deficiência (condição médica) não afeta a plena capacidade civil da pessoa
(estado jurídico), o art. 6º do EPD comprova o desconhecimento, por parte
do legislador, de que a teoria das capacidades, ao instituir diferentes estados
de capacidade de fato, tem por objetivo proteger pessoas que precisam de
especial proteção do ordenamento jurídico, e não discriminá-las. Ademais, a
redação do EPD trata de deficientes físicos e de deficientes mentais sem
distinguir entre a natureza de suas deficiências, o que acaba por violar o
princípio da igualdade – por desconsiderar desigualdades – o que afeta a
diferente atenção que cada grupo merece da ordem jurídica, em razão de
suas peculiares características.
Agora, se um portador de Alzheimer em grau avançado doar diversos de
seus bens injustificadamente, ou adquirir diversos outros, endividando-se,
nada se poderá fazer para desfazer tais negócios, vez que, por se tratar de
sujeitos capazes, cuida-se de atos jurídicos válidos.
Que fique claro: se as pessoas portadoras de deficiência, ainda que
mental, são todas plenamente capazes, nos termos do art. 6º do EPD, então
os atos que praticam são válidos, não se sujeitando à declaração de nulidade
nem à anulação. Ademais, contra elas correm, normalmente, os prazos
prescricionais e decadenciais, que só não correm contra os absolutamente
incapazes. Mas o objetivo do Estatuto não era proteger as pessoas com
deficiência?
Outra mudança realizada pelo EPD foi passar a considerar apenas
relativamente capazes as pessoas que, por causa transitória ou duradoura,
não possam exprimir sua vontade. Eis aqui outra incoerência gerada pela
nova lei. Se relativamente incapazes eram aqueles cuja vontade era levada
em conta na prática dos atos da vida civil, por ter o sujeito discernimento,
ainda que prejudicado ou não pleno, e que, por isso mesmo, participavam
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da prática dos atos, com seus assistentes, como explicar a incapacidade
relativa dos que não podem expressar sua vontade? Como se pode pensar
que quem não pode expressar sua vontade é assistido, e não representado,
na prática dos atos da vida civil?
É precisolembrar, ademais, que os atos praticados pelos relativamente
incapazes são apenas anuláveis, e não nulos, sujeitando-se, portanto, a prazo
decadencial. Além disso, é preciso lembrar que os prazos prescricionais e
decadenciais correm contra os relativamente incapazes. Na nova disciplina
das incapacidades de fato, pois, os prazos prescricionais e decadenciais
correrão enquanto uma pessoa estiver em coma, ainda que nessa condição a
pessoa esteja absolutamente impedida de manifestar sua vontade.
Em conclusão, são questões tão absurdas as geradas pelas alterações
realizadas nos arts. 3º e 4º do Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência que o que se espera é que a doutrina e a jurisprudência, com o
tempo, encontrem soluções adequadas para manter protegidas as pessoas
que até então recebiam, com as incapacidades de fato, alguma proteção da
ordem jurídica quanto à prática dos atos da vida civil.
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Aos dezoito anos completos a pessoa adquire a capacidade plena para
a prática por si dos atos da vida civil (art. 5º do Código).
Não obstante, a lei admite que certas pessoas, menores de dezoito anos,
adquiram a capacidade plena por meio da emancipação de que trata o
parágrafo único do art. 5º. Emancipação, pois, é o ato jurídico por meio do
qual se atribui capacidade jurídica plena a um menor.
A primeira hipótese é a das chamadas emancipação parental e
emancipação judicial (art. 5º, parágrafo único, I). A emancipação é
parental se for concedida por meio de outorga dos pais, via escritura
pública, e judicial se por meio de sentença. A emancipação parental não
depende de homologação judicial e pode ser concedida por apenas um dos
pais, na falta do outro (ou seja, morto o pai, apenas a mãe outorgará a
emancipação, e, morta a mãe, apenas o pai). Trata-se de uma hipótese de
emancipação voluntária que, justamente por isso, não afasta a
responsabilidade civil dos pais. Segundo o STJ, por se tratar de um ato de
vontade, não há possibilidade de que ele elimine a responsabilidade
proveniente da lei .
Já a emancipação judicial tem lugar quando ambos os pais, ou apenas
um deles, não concordar em emancipar o filho, ou quando o menor estiver
sob tutoria, caso em que o juiz ouvirá o tutor no processo, e decidirá. Em
qualquer caso, para que haja emancipação parental ou judicial, o menor
deve ter, no mínimo, dezesseis anos completos.
Importante destacar que o art. 9º, II, exige que seja levada a registro a
emancipação concedida pelos pais – emancipação parental – ou obtida por
sentença – emancipação judicial. Enquanto não for levada ao registro, no
Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, é ineficaz a emancipação
nessas hipóteses. Veja, no entanto, que a questão se dá no plano da
eficácia, não no plano da validade. Ou seja, a ausência do registro não
torna inválida a emancipação, mas impede a sua produção de efeitos.
Outra hipótese de cessação da menoridade é o casamento (art. 5º,
parágrafo único, II). Trata-se de emancipação legal, vez que ocorre por
comando da lei. Admite-se o casamento dos maiores de dezesseis anos,
exigindo-se, no entanto, autorização dos pais ou dos representantes legais
(art. 1.517 do Código). Importante destacar que a Lei 13.811/2019 alterou a
redação do art. 1.520, passando a proibir, em qualquer hipótese, o
casamento dos menores de dezesseis anos, que anteriormente era permitido,
excepcionalmente, em caso de gravidez ou para evitar o cumprimento de
pena criminal.
A doutrina diverge, ante o silêncio da lei, quanto à situação da
emancipação pelo casamento quando, posteriormente, o casamento é
anulado ou declarado nulo. Entendemos que o casamento, por ser
hipótese legal de emancipação, faz cessar a menoridade no momento em
que é validamente celebrado. Ocorre que tanto o casamento anulável quanto
o nulo são inválidos. A lei admite que produzam efeitos apenas se
contraídos de boa-fé – hipótese em que se fala em casamento putativo (art.
1.561). Destarte, a anulação ou declaração de nulidade do casamento revoga
a emancipação, salvo quanto ao cônjuge que casou de boa-fé, que
permanece emancipado – nada impede, evidentemente, que ambos os
cônjuges tenham procedido de boa-fé, caso em que ambos permanecem
emancipados.
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Impende frisar que a viuvez subsequente à celebração do casamento,
quando o viúvo emancipado ainda é menor, não constitui por si só causa de
revogação da emancipação, se o casamento foi validamente celebrado. O
mesmo se passa com a separação, quanto ao cônjuge ou cônjuges com
menos de dezoito anos, e com o divórcio, com relação ao ex-cônjuge que
ainda for menor à época da dissolução do vínculo conjugal. Isso porquanto
nem a viuvez, nem a separação, nem o divórcio invalidam o casamento.
Outra hipótese de emancipação legal – que o Código Civil de 2002
manteve – é a do exercício de emprego público efetivo (art. 5º, parágrafo
único, III). Essa hipótese, todavia, desapareceu na prática, desde que a
Constituição de 1988 instituiu a necessidade de haver seleção por concurso
público para que se assuma emprego ou cargo público efetivo (art. 37, II, da
CF). Isso porque todos os concursos exigem que os candidatos sejam
maiores de dezoito anos.
Uma outra hipótese de emancipação legal, ainda, é a da colação de
grau em curso de ensino superior (art. 5º, parágrafo único, IV). Também
essa hipótese, parece-nos, perdeu a razão de ser, visto que, no atual sistema
educacional brasileiro, com sua divisão em ensino fundamental, médio e
superior, é impossível que um menor de dezoito anos conclua um curso
superior. A idade normal de ingresso nos cursos de nível superior varia entre
dezessete e dezoito anos, e a duração dos cursos, entre três e seis anos.
Logo, mesmo que o menor com dezessete anos ingresse em um curso,
colará grau quando tiver, no mínimo, vinte anos.
A última hipótese de emancipação legal, comum no passado, mas bem
menos frequente na sociedade contemporânea, é a do menor que se lança
em carreira civil ou comercial, ou que trabalhe, e, em qualquer caso,
adquira com isso economia própria (art. 5º, parágrafo único, V). Essa é a
hipótese, por exemplo, do menor que herda o comércio dos pais e passa a
administrá-lo, tornando-se economicamente independente.
CAPACIDADE
Capacidade jurídica → capacidade política (referente aos direitos
políticos) e capacidade civil (referente aos direitos civis)
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Capacidade civil → capacidade de direito e capacidade de fato
Capacidade de direito → grau de aptidão para adquirir direitos
ou para praticar, por si ou por outrem, atos não proibidos pela lei
Decorre da capacidade civil
Capacidade de fato → aptidão para praticar por si os atos da
vida civil
É adquirida relativamente aos 16 anos e plenamente aos 18
EMANCIPAÇÃO
Natural → 18 anos
Parental ou voluntária → vontade dos pais → escritura pública
Judicial → sentença
Legal → casamento, exercício de emprego público efetivo,
colação de grau em curso superior, independência econômica
Estado
Fala-se em estado para se referir ao conjunto de características que
individualizam e designam uma pessoa. Essas características, para o Direito
Civil, referem-se à situação familiar, política, profissional e individual da
pessoa.
Para se individualizar e designar uma pessoa do ponto de vista jurídico,
indagar-se-á se é, quanto ao estado familiar, pai, mãe, filho ou filha,
solteiro, casado, divorciado etc.; quanto ao estado político, cidadão ou não,
nacional ou estrangeiro; quanto ao estado profissional, empregado ou não,
jurista, advogado, médico, arquiteto etc.; quanto ao estado individual,
homem, mulher, heterossexual, homoafetivo, esportista, sedentário etc.
A individualização e a designação da pessoa no plano jurídico têm
enorme relevância com relação ao tratamento jurídico da pessoa, sobretudo
no que se refere ao comando do princípio da igualdade, que manda que se
tratem os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade. Não se
trata, de forma alguma, de discriminação, senão o contrário. Busca-se
proteger os indivíduos de qualquer discriminação,conhecidas suas
características distintivas.
Pode-se pensar, por exemplo, no auxílio-creche, que alguns
empregadores pagam a seus empregados. Ora, para fazer jus a esse
benefício, é preciso que a pessoa seja, em primeiro lugar, empregada, e, em
segundo, que seja mãe de criança que ainda não está em idade escolar. Não
se trata de discriminação contra os não empregados, ou contra os homens
sem filhos. Cuida-se de tratar os desiguais com desigualdade, como
prescreve o princípio da igualdade. Afinal, as mães de crianças que não têm
idade escolar, para trabalhar, precisam deixar seus filhos em creches, o que
gera uma despesa adicional; já os homens sem filhos não têm esse gasto.
O estado da pessoa é protegido por diversas ações, em razão de sua
relevância jurídica. Entre elas, como exemplo, podemos citar a chamada
ação de investigação de paternidade. Ora, havendo dúvida sobre a
situação da paternidade de uma criança – seria Caio realmente o pai de
Berenice? –, é necessário um procedimento judicial para que se possa
resolver essa dúvida quanto ao estado familiar de Caio e de Berenice.
Outra ação que protege o estado é a ação de naturalização, por meio da
qual alguns estrangeiros, ante o permissivo constitucional, podem adquirir a
nacionalidade brasileira (art. 12, II, da Constituição Federal de 1988).
ESTADO
Familiar → pai, mãe, filho ou filha, solteiro, casado, divorciado,
em união estável etc.
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Político → cidadão ou não, nacional ou estrangeiro
Profissional → empregado ou não, jurista, advogado, médico,
arquiteto etc.
Individual → homem ou mulher, heterossexual ou homoafetivo,
esportista, sedentário etc.
Ausência
Pode acontecer de uma pessoa desaparecer sem deixar notícias, nem
representante. Essa situação é mais comum do que se imagina. Basta prestar
atenção aos anúncios de pessoas desaparecidas que são publicados em
painéis dentro de ônibus, em estações de metrô, em jornais e até mesmo em
embalagens de comida.
Além, naturalmente, da preocupação com a pessoa desaparecida, cujo
procedimento de busca está afeto ao Direito Público, é necessário
preocupar-se com as relações jurídicas em torno do desaparecido, o qual
provavelmente deixará parentes, que possam ter algum direito sucessório;
cônjuge ou companheiro, que terá direitos referentes ao estado de casado ou
de união estável, além de direitos sucessórios; credores, que terão direitos
de crédito etc. Não seria razoável que os herdeiros não pudessem receber a
herança, apesar do abandono do patrimônio, ou que o cônjuge
permanecesse casado, apesar de abandonado, ou que os credores deixassem
de receber o pagamento, apesar de haver patrimônio para saldar as dívidas.
Para solucionar esses casos, o Direito determina a declaração da
ausência do desaparecido, por meio de sentença (art. 22 do Código Civil).
Ressalte-se que o Código de Processo Civil de 2015 deixou de regulamentar
de maneira minuciosa as hipóteses de ausência, como fazia o art. 1.159 do
CPC/73. A disciplina desta matéria, evidentemente vinculada ao direito
material, é de competência do legislador civil. Persistem, contudo, as
disposições procedimentais relacionadas à nomeação de curador e à
arrecadação de bens do declarado ausente (arts. 744 e 745 do CPC/2015).
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As consequências jurídicas da declaração de ausência são a curadoria
dos bens do ausente, a abertura da sucessão provisória e, por fim, a
declaração da morte presumida e a abertura da sucessão definitiva.
Inicialmente, verificado o desaparecimento de uma pessoa, deve-se
perquirir se deixou notícias, ou se deixou representante (um mandatário,
chamado vulgarmente de procurador). Isso porque, se houver deixado
notícias, por exemplo, “fui dar à volta ao mundo, não sei quando voltarei”,
o caso não é de ausência.
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Constatado o desaparecimento, sem notícias, e sem nomeação de
representante, restará configurada a situação jurídica da ausência. Para que
produza os efeitos legais, será necessária sentença declaratória da ausência.
Se o desaparecido houver deixado representante, com poderes para
administrar seus bens, este será responsável por administrar os interesses da
pessoa, e nessa hipótese não se configurará a ausência, desde que o
representante nomeado queira e possa exercer o mandato, e que lhe tenham
sido outorgados poderes suficientes.
Nas hipóteses de o representante nomeado não querer ou não poder
exercer o mandato, ou de seus poderes serem insuficientes, fica configurada
a ausência (art. 23).
Também se caracteriza a ausência se, mesmo tendo nomeado
representante, a pessoa desaparecida não retornar em até três anos de seu
desaparecimento. Decorrido esse prazo, os interessados poderão requerer
que seja declarada a ausência e aberta a sucessão provisória (art. 26,
segunda parte).
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O procedimento judicial a que se refere o Código Civil nos arts. 22 a 24,
como de declaração de ausência, é que o Código de Processo Civil (arts.
744 e 745 do CPC/2015) menciona, entre os procedimentos especiais de
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jurisdição voluntária, como “dos bens do ausente”, no Capítulo VI, em que
se cuida da declaração de ausência, arrecadação dos bens do ausente,
nomeação de curador, sucessão provisória e sucessão definitiva.
A declaração de ausência pode ser requerida por qualquer interessado
ou pelo Ministério Público (art. 22 do Código Civil). Consideram-se
interessados o cônjuge não separado judicialmente, os herdeiros
presumidos, legais ou testamentários, os que tiverem direito sobre os
bens do ausente dependente de sua morte e os credores de obrigações
vencidas e não pagas das quais o ausente seja devedor (art. 27 do Código).
Conquanto não mencionado no texto da lei, deve-se considerar igualmente
interessado o companheiro (Enunciado 97 da I Jornada de Direito Civil
realizada pelo Conselho da Justiça Federal).
Constatando a ocorrência de qualquer das hipóteses de ausência, o juiz
mandará arrecadar os bens do ausente e lhes nomeará curador (art. 744 do
CPC/2015). Essa curadoria restringe-se aos bens, não produzindo efeitos de
ordem pessoal. Isso quer dizer que, se a cônjuge do ausente pretender se
divorciar, terá que propor ação de divórcio na vara competente e requerer a
citação por edital do ausente.
A seguir veremos cada uma das fases da declaração de ausência. De
forma resumida, teremos três momentos distintos: (i) o primeiro,
subsequente ao desaparecimento, no qual o ordenamento jurídico procura
preservar os bens deixados pelo ausente; (ii) o segundo, no qual o legislador
se ocupa dos interesses dos sucessores, admitindo a abertura de sucessão
provisória; (iii) finalmente, o terceiro momento, em que é autorizada a
abertura da sucessão definitiva.
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Se a pessoa está ausente e tem bens, é preciso que alguém cuide deles,
em nome do ausente, e administre seus interesses. Para a consecução desses
fins, o juiz, na sentença que declarar a ausência, mandará arrecadar os bens
do ausente e lhes nomeará curador, ou seja, uma pessoa que deles tomará
conta.
Da sentença que nomear o curador deverão constar os poderes e
obrigações deste (art. 24).
A nomeação do curador se faz observando-se a seguinte ordem: em
primeiro lugar, o cônjuge, salvo se estiver separado judicialmente, ou de
fato por mais de dois anos (art. 25, caput); na falta deste, um ascendente,
ou, então, um descendente – entre estes, os de grau mais próximo preferem
aos de grau mais remoto, ou seja, os filhos preferem aos netos etc. (art. 25,
§§ 1º e 2º); na falta das pessoas mencionadas, caberá ao juiz a escolha do
curador (art. 25, § 3º). Na ordem estabelecida pela lei, ao lado do cônjuge
encontra-se o companheiro, caso o desaparecido vivesse em união estável
e não em matrimônio – por interpretação sistemática e por aplicação do
referido Enunciado 97.
Frise-se que o § 1º do art. 25 expressamente determina que não há
impedimentos que os ascendentes e descendentes possam alegar para se
escusar do exercício da curadoria.
Eventual substituição docurador do ausente deve ser averbada no livro
de emancipações, interdições e ausências do cartório do Registro Civil das
Pessoas Naturais do último domicílio do ausente (art. 104 da LRP).
Após a arrecadação dos bens do ausente, o juiz mandará publicar editais
durante o período de um ano, os quais devem ser reproduzidos de dois em
dois meses, anunciando a arrecadação e convocando o ausente para se imitir
na posse de seus bens (art. 745 do CPC). Frise-se que o CPC/2015 deixa
expressamente consignada a possibilidade de publicação na rede mundial de
computadores, em sítio do tribunal a que estiver vinculado o processo e na
plataforma de editais de citações e intimações do Conselho Nacional de
Justiça.
Cabe destacar que o CPC/2015 reduziu significativamente a disciplina
da arrecadação dos bens do ausente, em comparação com o Código de
1973.
No Novo CPC, as disposições sobre bens dos ausentes foram
significativamente reduzidas. Evitaram-se repetições de regramentos
próprios do direito material e por isso mesmo constantes no Código Civil.
Por outro lado, deixou-se de regular o óbvio ou aspectos que decorrem da
própria lógica do procedimento. A norma do art. 1.162 do CPC/73, que
dispõe sobre as hipóteses de cessação da curadoria dos ausentes, por
exemplo, não foi reproduzida na nova legislação. E nem precisava. A
curadoria, que tem por finalidade a administração do patrimônio do ausente,
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tem natureza provisória. Esse múnus inicia-se com a nomeação do curador,
cujo primeiro ato consiste na arrecadação do patrimônio do ausente, e vai
até o momento em que os herdeiros são provisoriamente empossados nos
bens e passarão a defender os interesses do ausente (art. 32 do Código
Civil). Nesse sentido, a sucessão provisória faz cessar a curadoria.
Igualmente, o comparecimento do ausente, pessoalmente ou por meio de
procurador, faz desaparecer a finalidade da curadoria, conduzindo à sua
cessação, uma vez que a administração do patrimônio voltará à pessoa do
até então ausente. Finalmente, se há certeza da morte do ausente, haverá a
abertura de inventário definitivo, com a nomeação de inventariante, a quem
caberá a administração dos bens do espólio.
Dúvida que pode surgir ainda nessa primeira fase refere-se à
propriedade dos bens. É possível, por exemplo, que ocorra a nomeação de
curador e arrecadação dos bens mesmo que não haja comprovação da
propriedade? Se o ausente detinha apenas a posse de um imóvel, permite-se
a instauração do procedimento? A jurisprudência considera possível, desde
que haja comprovação do acervo e da posse, por qualquer meio de prova. O
julgado a seguir transcrito é bastante didático, pois, além de não inviabilizar
a declaração de ausência por falta de prova da propriedade, evidencia a
importância do procedimento para a preservação dos interesses do ausente e
de seus sucessores:
Direito civil e processual civil. Ausência. Curadoria dos bens do
ausente. Comprovação de propriedade em nome do desaparecido.
Desnecessidade.
A nova tônica emprestada pela CF/88 ao CC/02, no sentido de dar
ênfase à proteção da pessoa, na acepção humana do termo, conjugada
ao interesse social prevalente, deve conciliar, no procedimento especial
de jurisdição voluntária de declaração de ausência, os interesses do
ausente, dos seus herdeiros e do alcance dos fins sociais pretendidos
pelo jurisdicionado que busca a utilização do instituto. Resguarda-se,
em um primeiro momento, os interesses do ausente, que pode
reaparecer e retomar sua vida, para, após as cautelas legalmente
previstas, tutelar os direitos de seus herdeiros, porquanto menos
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remota a possibilidade de efetivamente ter ocorrido a morte do
desaparecido.
A preservação dos bens do ausente constitui interesse social relevante,
que busca salvaguardar direitos e obrigações tanto do ausente quanto
dos herdeiros que permaneceram à deriva, durante longo período de
incertezas e sofrimentos causados pelo abrupto afastamento de um ente
querido. Essa incerteza gerada pelo desaparecimento de uma pessoa,
deve ser amparada pelo intérprete da lei como necessidade de adoção
de medidas tendentes a proteger o ausente e sua família, quanto aos
direitos e obrigações daí decorrentes.
Se o ausente deixa interessados em condições de sucedê-lo, em direitos
e obrigações, ainda que os bens por ele deixados sejam, a princípio,
não arrecadáveis, há viabilidade de se utilizar o procedimento que
objetiva a declaração de ausência.
O entendimento salutar para a defesa dos interesses do ausente e de
seus herdeiros deve perpassar pela afirmação de que a comprovação da
propriedade não é condição sine qua non para a declaração de ausência
nos moldes dos arts. 22 do CC/02 e 1.159 do CPC.
Acaso certificada a veracidade dos fatos alegados na inicial, por todos
os meios de prova admitidos pela lei processual civil, considerada não
apenas a propriedade como também a posse na comprovação do acervo
de bens, deve o juiz proceder à arrecadação dos bens do ausente, que
serão entregues à administração do curador nomeado, fixados seus
poderes e obrigações, conforme as circunstâncias e peculiaridades do
processo. Recurso especial provido (REsp 1016023/DF, relatora: Min.
Nancy Andrighi, 3ª Turma, data do julgamento: 27/5/2008, data da
publicação: 20/6/2008).
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A declaração da ausência, a arrecadação dos bens do ausente e a sua
curadoria consistem em medidas a curto prazo a serem tomadas após o
desaparecimento de uma pessoa. No entanto, após certo lapso temporal sem
que a pessoa tenha retornado ou sido encontrada, o Direito autoriza a
abertura da sua sucessão provisória. Aberta a sucessão, os sucessores do
desaparecido tomarão seu lugar nas diversas relações jurídicas de que seja
parte, ativa ou passiva. Assumirão, por exemplo, a titularidade dos bens do
desaparecido, assim como seus créditos e suas dívidas. Por ora, no entanto,
a sucessão se opera em caráter provisório, pois é possível que a pessoa
desaparecida ainda retorne ou venha a ser localizada.
Segundo o art. 26 do Código Civil, são duas as hipóteses que autorizam
a abertura da sucessão provisória: (1) decurso de um ano da sentença que
declarou a ausência e determinou a arrecadação dos bens do ausente; (2)
decurso de três anos do desaparecimento de pessoa que deixou
representante, cuja ausência, portanto, não foi declarada. Neste último caso,
a mesma sentença declarará a ausência e determinará a abertura da sucessão
provisória. No primeiro caso, vez que a ausência já fora declarada, a
decisão do juiz, nesse momento, será apenas para determinar a abertura da
sucessão.
São legitimados a requerer a abertura da sucessão provisória o
Ministério Público (art. 28, § 1º) e as pessoas que o art. 27 considera
interessadas: o cônjuge do ausente (leia-se também, nessa hipótese, o
companheiro), não separado judicialmente; os herdeiros presumidos,
legais ou testamentários; os que têm direito sobre os bens do ausente
dependente de sua morte; os credores de obrigações vencidas e não pagas
de que o ausente é devedor.
Prolatada a sentença que determina a abertura da sucessão provisória,
deverá esta ser publicada pela imprensa, e seus efeitos ficarão suspensos
pelo prazo de cento e oitenta dias a contar dessa publicação (art. 28,
primeira parte). Tão logo a sentença transite em julgado, não obstante, o
testamento, se houver, será aberto, e proceder-se-á ao inventário e à
partilha dos bens (art. 28, segunda parte). Mas, frise-se, em razão da
suspensão dos efeitos da sentença, os sucessores, mesmo após a partilha,
somente poderão se imitir na posse dos bens decorrido o prazo de 180
dias.
A sentença que declarar aberta a sucessão provisória deverá, depois de
transitada em julgado, ser levada a registro no livro de emancipações,
interdições e ausências do cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais
do último domicílio do ausente (art. 104, parágrafo único, da LRP).
Não podemos nos esquecer de que estamos tratando de sucessão
provisória. Por essa razão, o art. 30 determina que os sucessores, para se
80
imitiremna posse dos bens do ausente – decorrido o prazo de 180 dias do
art. 28 –, terão de dar garantia da restituição deles, por meio de penhor ou
hipoteca equivalente aos quinhões respectivos. As exceções a essa regra são
os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, os quais entram na posse dos
bens do ausente independentemente de garantia (art. 30, § 2º).
Quem tiver direito à posse, mas não puder prestar a referida garantia,
não poderá recebê-la (art. 30, § 1º, primeira parte). Todavia, os bens que lhe
cabiam permanecerão sob a administração do curador, ou, se preferir o juiz,
de outro herdeiro, por ele designado, desde que preste a garantia (segunda
parte do dispositivo citado).
Se nenhum interessado requerer a abertura do inventário dentro de
trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença que determinou a
abertura da sucessão provisória, os bens do ausente serão arrecadados na
forma dos arts. 1.819 a 1.823 do Código – os quais dispõem sobre a herança
jacente, e que estudaremos na Parte VI desta obra, sobre o Direito das
Sucessões – (art. 28, § 2º).
Permite-se ao juiz determinar, antes da partilha, a conversão dos bens
móveis sujeitos a deterioração ou extravio, em bens imóveis, ou em títulos
garantidos pela União, sempre que julgar conveniente (art. 29).
Imagine-se, por exemplo, um carro que o ausente já não usava antes de
desaparecer, e que se encontra estacionado em um pátio. Lembremo-nos de
que, da última vez que o carro foi usado até a abertura da sucessão
provisória, ter-se-ia passado, no mínimo, mais de um ano. Isso é suficiente
para que o bem sofra grande deterioração. Logo, é de grande conveniência
que ele seja alienado e com o produto da alienação comprado bem imóvel.
Não se autoriza a alienação ou hipoteca dos bens imóveis do ausente, a
não ser por ordem judicial, e somente para evitar que se arruínem (art. 31).
A partir do momento em que se imitirem na posse dos bens do ausente,
os sucessores provisórios se tornarão representantes ativos e passivos do
ausente, e todas as ações futuras ajuizadas em face do ausente se terão como
ajuizadas em face deles; no caso das ações pendentes, haverá sucessão
processual (art. 32). Naturalmente que a responsabilidade patrimonial dos
sucessores, nesses casos, ficará limitada às forças da herança que tiverem
recebido.
81
�.�.�.�
Os frutos dos bens transmitidos aos ascendentes, aos descendentes e ao
cônjuge ou companheiro serão de propriedade deles; por outro lado, com
relação aos frutos dos bens que couberem aos outros sucessores, metade
deles deverá ser capitalizada, por meio da aquisição de imóveis ou de títulos
garantidos pela União, devendo ser ouvido o Ministério Público, bem como
prestadas contas anualmente ao juiz competente (art. 33, caput).
Admite-se que o herdeiro incapaz de dar garantia, e que, por essa razão,
deixou de se imitir na posse dos bens a que teria direito, receba metade dos
frutos que tais bens venham a render, se justificar sua falta de meios, ou
seja, sua insuficiência econômica (art. 34).
A situação dos sucessores provisórios se mantém até que uma de três
coisas aconteça: o ausente regresse ou seja localizado, ou se prove sua
morte, ou decorra o prazo legal de 10 (dez) anos da abertura da sucessão
provisória.
Se regressar ou for localizado, já tendo a sucessão provisória sido
aberta, o ausente terá direito aos bens que deixou, razão pela qual cessarão
incontinenti para os sucessores as vantagens recebidas (art. 36, primeira
parte). Ademais, ficarão os sucessores provisórios obrigados a tomar as
medidas assecuratórias dos bens até que sejam restituídos ao dono
(segunda parte do art. 36).
O ausente terá, ademais, direito de receber a metade capitalizada dos
frutos, caso prove que sua ausência foi involuntária e justificada. Perdê-
los-á em favor dos sucessores, todavia, se ficar provado que sua ausência
foi voluntária e injustificada (parágrafo único do art. 33). Hipóteses de
ausência involuntária e justificada seriam os casos de sequestro, de amnésia,
de crises de doença mental etc.
Por outro lado, se ficar provada a morte do ausente, bem como a época
em que ocorreu, será considerada aberta, na data em que segundo a prova
produzida ocorreu o óbito, a sucessão definitiva, em favor de quem
naquela ocasião gozava da qualidade de herdeiro (art. 35).
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82
Caso se passem mais de dez anos, desde o trânsito em julgado da
sentença que determinou a abertura da sucessão provisória, sem que se
tenha notícia do ausente, os interessados poderão requerer a declaração da
morte presumida (art. 6º, segunda parte), bem como requerer a abertura
da sucessão definitiva, levantando as cauções prestadas (art. 37 do
Código). Esse prazo é reduzido para cinco anos, se ficar provado que o
ausente, ao desaparecer, contava já com mais de oitenta anos de idade (art.
38).
Vale frisar que, se o ausente era casado, com a declaração de sua morte
presumida, dissolve-se o seu casamento (art. 1.571, § 1º).
Aberta a sucessão definitiva, os sucessores deixam de ser provisórios,
adquirindo o domínio dos bens, mas de forma resolúvel, porque o ausente
pode ainda regressar, conforme dispõe o art. 39 do CC/2002. Se isso ocorrer
dentro de um prazo de dez anos (a contar da data da abertura da sucessão
definitiva), o ausente que regressou terá direito aos bens existentes no
estado em que se encontrarem, aos bens sub-rogados no lugar deles, e ao
preço que se houver recebido pelos bens alienados (art. 39, caput).
Esse mesmo direito terão os ascendentes ou descendentes do ausente
que somente se manifestarem após a abertura da sucessão definitiva, ou
seja, que não forem contemplados nela, contanto que o façam dentro do
mesmo prazo de dez anos (art. 39, caput).
Por interpretação a contrario sensu, conclui-se que o ausente que
regressar após o prazo do art. 39, bem como os ascendentes ou
descendentes que somente após aquele prazo se manifestarem, não terão
direito a nada.
Na remota hipótese de, passados dez anos da abertura da sucessão
provisória, nenhum interessado promover a sucessão definitiva, nem o
ausente regressar, os bens arrecadados serão incorporados ao patrimônio
público: do Município ou do Distrito Federal onde estiverem situados, ou da
União, se situados em território federal (art. 39, parágrafo único).
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RETORNO DO AUSENTE
Após a abertura da sucessão provisória, mas antes da
definitiva → recebe todos os bens, inclusive a metade
capitalizada dos frutos, se a ausência tiver sido involuntária e
justificada
Em até dez anos após a abertura da sucessão definitiva →
recebe os bens no estado em que se encontrarem, inclusive os
bens sub-rogados e o preço dos bens alienados
Após dez anos contados da abertura da sucessão definitiva
→ não recebe nada
Domicílio da pessoa natural e da pessoa
jurídica
A palavra domicílio deriva do latim domicilium, que, por sua vez, deriva
de domus, que significa casa, mais colere, que significa residir. Ou seja,
domicílio, originalmente, tem a ver com morada, com residência.
No Direito, toma-se a palavra domicílio em duas acepções: domicílio
político e domicílio civil.
O domicílio político é o lugar em que a pessoa natural exerce sua vida
política; trata-se do lugar em que a pessoa vota.
Já o domicílio civil, que é o que nos interessa nesta obra, é definido
como o lugar em que a pessoa natural, com ânimo definitivo, estabelece
sua residência e o centro de suas atividades. É comum o uso da expressão
ânimo definitivo em latim: animus manendi.
O leitor verá que a grande maioria dos civilistas, e o próprio Código de
2002 (art. 70), definem domicílio apenas como o lugar em que a pessoa
natural estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Ocorre que falta
nesse conceito o elemento profissional, ressalvado pelo art. 72 do Código:
“é também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à
profissão, o lugar onde esta é exercida”. Daí por que preferimos a definição
mais completa.
Como se pode depreender do conceito mais amplo,2.1 Vícios redibitórios
2.1.1 Ações edilícias e direitos decorrentes do
vício redibitório
2.1.2 Decadência dos direitos à redibição e ao
abatimento do preço
2.2 Evicção
2.2.1 Responsabilidade pela evicção
2.2.2 Denunciação da lide ao alienante
Extinção dos Contratos sem Cumprimento
1. RESOLUÇÃO
2. RESILIÇÃO
2.1 Resilição bilateral
2.2 Resilição unilateral
2.2.1 Denúncia
2.2.2 Revogação e renúncia
2.2.3 Resgate
3. RESCISÃO
Dirigismo Contratual
1. IMPOSIÇÃO DA CONTRATAÇÃO
2. IMPOSIÇÃO OU PROIBIÇÃO DE CLÁUSULAS
3. REVISÃO CONTRATUAL
3.1 Teoria da imprevisão
3.2 Teoria da onerosidade excessiva
3.3 Requisitos para a revisão contratual por aplicação
das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva
3.4 Revisão contratual por aplicação do princípio da
função social do contrato
Contratos Tipificados no Código Civil (arts. 481 a 839)
1. COMPRA E VENDA (ARTS. 481 A 532)
1.1 Conceito e caracterização jurídica
1.1.1 Objeto
1.1.2 Preço
1.1.3 Tradição e despesas com a transferência da
propriedade
1.1.4 Venda de ascendente a descendente
1.1.5 Venda ad corpus e venda ad mensuram
1.2 Cláusulas especiais da compra e venda
1.2.1 Retrovenda
1.2.2 Venda a contento
1.2.3 Venda sujeita a prova
1.2.4 Preempção ou preferência
1.2.4.1 Direito de preferência entre
condôminos
1.2.5 Venda com reserva de domínio
1.3 Venda sobre documentos
2. TROCA (ART. 533)
2.1 Conceito e considerações gerais
2.2 Caracterização jurídica
3. CONTRATO ESTIMATÓRIO (ARTS. 534 A 537)
3.1 Conceito e considerações gerais
3.2 Caracterização jurídica
4. DOAÇÃO (ARTS. 538 A 564)
4.1 Conceito e caracterização jurídica
4.2 Aceitação
4.3 Espécies
4.3.1 Doação remuneratória
4.3.2 Doação como adiantamento de herança
4.3.3 Doação entre cônjuges e anulabilidade da
doação feita pelo cônjuge adúltero ao amante
4.3.4 Subvenção periódica
4.3.5 Cláusula de reversão – doação com
condição resolutiva
4.3.6 Doação feita em contemplação de
casamento futuro
4.3.7 Doação com encargo
4.3.8 Doação a entidade futura
4.4 Nulidade da doação que priva o doador do
necessário à sua subsistência
4.5 Responsabilidade do doador
4.6 Doação a mais de um donatário em comum
4.7 Revogação da doação
5. LOCAÇÃO (ARTS. 565 A 578)
5.1 Conceito e caracterização jurídica
5.1.1 Obrigações do locador
5.1.2 Obrigações do locatário
5.1.3 Revisão e resolução em caso de
deterioração superveniente da coisa
5.1.4 Alienação da coisa locada
5.1.5 Uso da coisa
5.1.6 Realização de benfeitorias
5.1.7 Garantia da locação
5.1.8 Resilição da locação
5.1.9 Extinção natural da locação
5.1.10 Transferência ou extinção causa mortis
5.1.11 Transferência por divórcio, separação ou
dissolução da união estável do locatário
5.1.12 Cessão, sublocação e comodato do objeto
da locação
6. COMODATO (ARTS. 579 A 585)
6.1 Conceito e caracterização jurídica
6.1.1 Obrigações do comodatário
6.1.2 Responsabilidade pelos riscos e benfeitorias
6.1.3 Responsabilidade solidária
6.1.4 Despesas com a coisa
6.1.5 Prazo e extinção do comodato
6.1.6 Situações de vedação do comodato e
possibilidade de inclusão de finalidade
7. MÚTUO (ARTS. 586 A 592)
7.1 Conceito e caracterização jurídica
7.1.1 Transmissão da propriedade ao mutuário
7.1.2 Exigência de garantia posterior
7.1.3 Juros e capitalização
7.1.4 Prazo e extinção do mútuo
7.1.5 Empréstimo a pessoa menor
8. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (ARTS. 593 A 609)
8.1 Conceito e caracterização jurídica
8.1.1 Objeto da prestação de serviços
8.1.2 Natureza da prestação do serviço
8.1.3 Prazo e extinção da prestação de serviço
8.1.4 Remuneração
8.1.5 Caráter personalíssimo do contrato
8.1.6 Habilitação do prestador
8.1.7 Aliciamento do prestador
8.1.8 Assinatura do contrato a rogo
9. EMPREITADA (ARTS. 610 A 626)
9.1 Conceito e caracterização jurídica
9.1.1 Empreitada de lavor e empreitada de
materiais
9.1.2 Empreitada de projeto, empreitada de obra e
fiscalização
9.1.3 Obra que se realiza em partes distintas ou
por medida
9.1.4 Verificação da obra concluída
9.1.5 Revisão do preço
9.1.6 Suspensão da obra
9.1.7 Extinção da empreitada
10. DEPÓSITO (ARTS. 627 A 652)
10.1 Conceito e caracterização jurídica
10.1.1 Depósito voluntário
10.1.1.1 Obrigações e responsabilidade do
depositário
10.1.1.2 Alienação da coisa depositada pelo
herdeiro do depositário
10.1.1.3 Extinção do depósito
10.1.1.4 Vedação do uso da coisa e depósito
celebrado pelo depositário com terceiro
10.1.1.5 Depósito irregular
10.1.2 Depósito necessário
10.1.3 Depositário infiel
11. MANDATO (ARTS. 653 A 692)
11.1 Conceito e caracterização jurídica
11.1.1 Mandato e procuração
11.1.2 Representação e outorga de poderes
11.1.3 Atos que podem ser objeto de mandato
11.1.4 Capacidade para celebrar mandato
11.1.5 Obrigações do mandatário
11.1.6 Obrigações do mandante
11.1.7 Direito de retenção
11.1.8 Extinção do mandato
12. COMISSÃO (ARTS. 693 A 709)
12.1 Conceito e considerações gerais
12.2 Caracterização jurídica
13. AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO (ARTS. 710 A 721)
13.1 Conceito e considerações gerais
13.2 Caracterização jurídica
14. CORRETAGEM (ARTS. 722 A 729)
14.1 Conceito e considerações gerais
14.2 Caracterização jurídica
15. TRANSPORTE (ARTS. 730 A 756)
15.1 Conceito e caracterização jurídica
15.1.1 Transporte cumulativo
15.1.2 Transporte de pessoas
15.1.3 Transporte de coisas
16. SEGURO (ARTS. 757 A 802)
16.1 Conceito e caracterização jurídica
16.1.1 Capacidade especial para ser segurador
16.1.2 Nomenclatura peculiar do seguro
16.1.3 Proposta e determinação do interesse
protegido e dos riscos
16.1.4 Mora do segurado
16.1.5 Boa-fé no seguro
16.1.6 Sinistro e indenização
16.1.7 Beneficiário do seguro
16.1.8 Seguro de dano
16.1.8.1 Pluralidade de seguros
16.1.8.2 Risco
16.1.8.3 Boa-fé
16.1.8.4 Sinistro e indenização
16.1.8.5 Transferência do seguro
16.1.9 Seguro de pessoa
16.1.9.1 Seguro de grupo
16.1.9.2 Impossibilidade de sub-rogação do
segurador
16.1.9.3 Seguro da vida de terceiro
16.1.9.4 Beneficiário
16.1.9.5 Prêmio e indenização
16.2 Questões jurisprudenciais sobre o contrato de
seguro
16.2.1 Cobertura para o caso de suicídio e de
doença preexistente
16.2.2 Cobertura para o caso de embriaguez
17. CONSTITUIÇÃO DE RENDA (ARTS. 803 A 813)
17.1 Conceito e considerações gerais
17.2 Caracterização jurídica
18. JOGO E APOSTA (ARTS. 814 A 817)
18.1 Conceito e considerações gerais
18.2 Caracterização jurídica
19. FIANÇA (ARTS. 818 A 839)
19.1 Conceito, caracterização jurídica e considerações
gerais
19.1.1 Benefício de ordem e solidariedade
19.1.2 Cofiança
19.1.3 Direito de regresso contra o devedor
19.1.4 Prazo da fiança
19.1.5 Extinção da fiança
Atos Unilaterais (arts. 854 a 886)
1. PROMESSA DE RECOMPENSA (ARTS. 854 A 860)
2. GESTÃO DE NEGÓCIOS
2.1 Deveres e responsabilidade do gestor
2.2 Obrigações do dono do negócio
3. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
3.1 Teorias sobre o enriquecimento sem causa
3.2 Ação de enriquecimento sem causa
4. PAGAMENTO INDEVIDO
4.1 Melhoramentos, acréscimos e deteriorações da
coisa recebida indevidamente
4.2 Entrega indevida de imóvel
4.3 Pagamento indevido ao acipiente que era credor
de outro devedor
4.4 Cumprimento de obrigação de fazer indevida
4.5 Irrepetibilidade da dívida oriunda de obrigação
prescrita ou natural
4.6 Irrepetibilidade do que se pagou em caso de
obrigação que tenha objeto ilícito ou imoral
Noção de Direito Real
Posse (arts. 1.196 a 1.224)
1. TEORIAS SOBRE A POSSE
1.1 Teoria subjetivista
1.2 Teoria objetivista
1.2.1 Posse e utilização econômica da
propriedade
1.2.2 Proteção possessória na teoria objetivista
1.2.3 Extensão da proteção possessória na teoria
objetivista
1.2.4 Detenção na teoria objetivista
1.3 Comparativo entre as teorias subjetivista e
objetivista
1.4 A posse no Direito brasileiro
2. NATUREZA JURÍDICA DA POSSE
3. SITUAÇÕES DE POSSE
3.1 A posse na ocupação
3.2 A posse na tradição
3.3 A posse na usucapião
3.4 A posse dos interditos
4. CLASSIFICAÇÃO DA POSSE
4.1 Posse jurídica e posse natural
4.2 Posse justa e posse injusta
4.2.1 Caráter temporário e convalidação da
violência e da clandestinidade
4.3 Posse nova e posse velhaque sustentamos,
pode a pessoa ter diversos domicílios, caso resida em mais de um lugar em
caráter definitivo, e tenha atividades profissionais em mais de um lugar.
Essa hipótese é contemplada pelo art. 71 do Código Civil.
À guisa de ilustração, pensemos em uma senhora que reside, durante
seis meses, com a filha que mora na praia, e nos demais seis meses com o
filho, que mora no campo. Cada um desses lugares será o domicílio dessa
senhora durante o tempo em que neles residir.
Outro exemplo: um empresário trabalha em todas as cidades de uma
determinada região do Estado em que reside. Cada uma dessas cidades será
seu domicílio para os atos que nelas praticar.
E qual a diferença entre domicílio e residência? Não podemos
confundir os institutos, especialmente porque o primeiro é mais amplo e
define uma situação jurídica de determinada pessoa. A residência, por outro
lado, é um mero estado de fato material, que indica a radicação do
indivíduo em determinado lugar. Uma pessoa pode ter um só domicílio e
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84
mais de uma residência, assim como pode ter uma pluralidade de
domicílios.
Excepcionalmente, é admitida a hipótese de uma pessoa ter domicílio
sem possuir residência determinada, ou em que esta seja de difícil
identificação. Nesse caso, adota-se a regra prevista no art. 73 do Código
Civil: “ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência
habitual, o lugar onde for encontrada”. Pensemos, por exemplo, em
comunidades como a dos ciganos, que levam vida nômade. O domicílio
dessas pessoas será o lugar onde forem encontradas (domicílio ocasional).
Obviamente que se admite a mudança do domicílio de uma pessoa,
caso ela resolva se mudar para outra localidade, com a intenção de lá
permanecer, ou caso mude o centro de suas atividades (art. 74, caput). A
referida intenção pode ser provada por meio de declarações feitas pela
pessoa às autoridades locais, ou simplesmente pelas circunstâncias da
mudança (art. 74, parágrafo único). Assim, deixa clara sua intenção de
mudar de domicílio a pessoa que pede à companhia de energia elétrica que
proceda ao “corte” do fornecimento em um lugar e solicita a “ligação da
luz” em outro, para onde se muda. O mesmo se passa com relação à pessoa
que, antes de mudar, comunica o novo endereço, em lugar diferente, para o
síndico do condomínio onde morava. Qualquer dessas situações basta para
provar a intenção de mudar o domicílio.
Perde-se o domicílio não somente pela mudança mas também por
determinação legal e pela vontade ou eleição das partes, como ocorre nos
contratos, no que respeita à execução das obrigações deles resultantes.
Quanto às pessoas jurídicas de Direito Privado, o domicilio é
especial, que pode ser livremente escolhido no estatuto ou atos
constitutivos. Não o sendo, o domicílio será o lugar em que funcionar a
respectiva diretoria e administração (art. 75, IV). Este será o local de suas
atividades habituais, onde os eventuais credores poderão demandar o
cumprimento das obrigações (Enunciado 55 da I Jornada de Direito Civil do
CJF ).
Certamente que também a pessoa jurídica pode ter mais de um
domicílio, o que ocorrerá quando tiver diversos estabelecimentos em locais
distintos, caso em que cada um deles será considerado domicílio para os
atos nele praticados (art. 75, § 1º). Dessa forma, se a pessoa jurídica tiver
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filiais ou agências situadas em comarcas diferentes, poderá ser demandada
no foro em que tiver praticado o ato. Essa também é a regra disposta no art.
53, III, a e b, do CPC/2015 e na Súmula 356 do STF: “A pessoa jurídica de
direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou
estabelecimento em que se praticou o ato”.
Se, por sua vez, ocorrer de a administração ou diretoria estar sediada no
exterior, será considerado domicílio o lugar do estabelecimento situado no
Brasil a que corresponderem as obrigações contraídas por suas agências
(art. 75, § 2º).
Vejam-se alguns exemplos. A diretoria da sociedade A está situada no
Rio de Janeiro. Esta cidade, portanto, será o seu domicílio. No caso da
sociedade B, que tem vários pequenos estabelecimentos em diversas
cidades da grande Belo Horizonte, o domicílio, por designação no contrato
social, é Belo Horizonte. Já a associação C tem diversos escritórios pelo
Estado de São Paulo, sem administração central, e não há definição do
domicílio no ato constitutivo. Por essa razão, será considerado domicílio o
lugar de cada um dos escritórios, para os atos nele praticados. A fundação
D, por fim, é sediada em Paris, e tem representantes em Vitória e em
Salvador. Cada uma dessas cidades será, por conseguinte, o domicílio da
fundação, para as obrigações correspondentes a cada uma das
representações. Por exemplo, a compra de alimentos para distribuição pelo
interior da Bahia, realizada pelo representante de Salvador, implicará a
determinação de Salvador como domicílio da fundação.
Já, para as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, o domicílio
corresponderá à sede do respectivo governo. Assim, dispõe o art. 75 do CC
que o domicílio da União é a capital federal, dos Estados e territórios as
respectivas capitais e dos municípios o local em que funcione a
administração municipal.
Por fim, destacamos que o domicílio é classificado, doutrinariamente,
em voluntário e necessário.
Considera-se voluntário o domicílio da pessoa que tem o poder de
escolhê-lo livremente, tal como ocorre com as pessoas naturais e jurídicas
em geral (por exemplo, uma pessoa pode, na maior parte dos casos,
escolher onde pretende residir, bem como podem os sócios escolher o
domicílio da pessoa jurídica ao celebrar o contrato de sociedade). O
domicílio voluntário pode ser geral ou de eleição. Será geral o domicílio
assim considerado relativamente aos atos praticados pela pessoa em geral, e
de eleição o que for eleito em um contrato com relação àquele negócio
jurídico (art. 78). No Brasil, costuma-se eleger expressamente, nos negócios
jurídicos, o foro que terá competência para julgar eventuais conflitos. Ao
fazê-lo, as partes estão, na verdade, elegendo o domicílio do negócio. Para
fins processuais, o foro é o do lugar do domicílio.
Por outro lado, considera-se necessário o domicílio imposto pelo
Direito, o qual pode ser de origem ou legal. Diz-se de origem o domicílio
de quem o adquire ao nascer: é o caso dos filhos menores, cujo domicílio é
o dos pais. Legal, por sua vez, é o determinado pela lei (art. 76 do Código):
trata-se dos domicílios do incapaz (o do seu representante ou assistente); do
servidor público (o do lugar em que exercer permanentemente suas
funções); do militar (o do lugar onde servir); do oficial da Marinha ou da
Aeronáutica (o da sede do comando a que estiver subordinado); do
marítimo (o do lugar onde o navio estiver matriculado) e do preso (o do
lugar onde cumprir a sentença). Nesses casos, não existe liberdade de
escolha, pois o domicílio é predefinido pela lei.
Há outras hipóteses de domicílio necessário na lei civil: (i) o de cada
cônjuge será o do casal (art. 1.569 ); (ii) o do agente diplomático do Brasil
que, citado no estrangeiro, alega extraterritorialidade, mas não designa
onde, no Brasil, tem domicílio. Nesse caso, poderá ser acionado tanto no
Distrito Federal quanto no último lugar em que teve seu domicílio no Brasil
(ou seja, o último lugar onde residiu ou teve seu centro de atividades).
DOMICÍLIO NECESSÁRIO
Incapaz → o domicílio do seu representante ou assistente
Servidor público → lugar onde exercer permanentemente sua
função
Militar → lugar onde servir
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�.�
Oficial da Marinha ou da Aeronáutica → lugar da sede do
comando
Marítimo → lugar onde o navio estiver matriculado
Preso → lugar onde cumprir a sentença
Direitos da personalidade
A partir da Revolução Francesa e da Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão, o Direito passou a preocupar-se, cada vez mais,
com a dignidade do ser humano. Desse momento em diante, direitos que
antes eram objeto da análise apenas dos jusnaturalistas passaram a se
incorporar, pouco a pouco, aos ordenamentosjurídicos que se desenhavam
no século XIX.
Os jusnaturalistas pensavam em direitos inatos ou imanentes, por
considerarem que, sem a sua proteção, o ser humano perderia a própria
condição de humano. O melhor exemplo, para que se compreenda o porquê
das expressões inatos e imanentes, é o direito à vida. Ora, só existe ser
humano se houver vida. Por isso a garantia desse direito imanaria da própria
natureza humana.
A partir do nascimento e fortalecimento do positivismo jurídico,
passou-se a questionar a natureza dos direitos da personalidade, vez que se
negou a existência dos chamados direitos naturais.
Todavia, conquanto se negasse o caráter inato e imanente desses
direitos, não se negava a sua importância. Em razão disso, os ordenamentos
jurídicos passaram a tipificar os direitos da personalidade, pondo fim ao
debate. Afinal, não importa se são naturais ou não: a partir de quando são
positivados, os direitos da personalidade são garantidos pelo ordenamento
jurídico.
No rol dos direitos da personalidade incluíram-se o direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à imagem, ao nome etc. Todos com um único
objetivo comum: garantir ao ser humano a realização plena da sua condição
de pessoa. E todos, como se vê, sem caráter patrimonial.
Na tentativa de classificar os direitos da personalidade, outras duas
correntes de pensamento entraram em choque. Os chamados monistas
defendiam a existência de um único direito geral de personalidade, o qual
fundamentaria a proteção de todos os interesses da pessoa. A justificativa
dos monistas era no sentido de que, se o ser humano é uno, seus interesses
encontram-se todos conectados, daí por que a proteção dos diversos
desdobramentos da personalidade se fundamentaria em um único direito
geral da personalidade.
Os chamados pluralistas, por sua vez, defendiam a existência de
diversos direitos da personalidade, cada qual referente a um interesse da
pessoa, não sendo possível pensar-se em proteção genérica.
Não obstante, a doutrina mais recente sustenta que, no Brasil, com o
advento da Constituição de 1988, não se trata nem de um direito geral da
personalidade, nem de diversos direitos, mas sim da elevação da proteção
da dignidade da pessoa humana, em qualquer circunstância, à posição de
diretriz de interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Ou seja, os direitos da personalidade, a partir da Constituição de 1988,
não se limitam a um único direito geral da personalidade, nem se encontram
destrinchados na lei, mas giram em torno das ideias fundamentais de
realização da personalidade e de proteção da dignidade da pessoa humana,
orientando o intérprete e o legislador.
A propósito, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a
dignidade humana (art. 1º, inciso III, da CF). De acordo com o Supremo
Tribunal Federal, esse princípio “busca proteger de forma integral o sujeito
na qualidade de pessoa vivente em sua existência concreta”. Trata-se,
portanto, de uma qualidade intrínseca a todo ser humano, pouco importando
a sua origem, gênero, raça, religião ou orientação sexual. As condições
mínimas de dignidade coincidem com o respeito ao mínimo existencial, ou
seja, com o “[...] conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se
poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade
[...]” .
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Além do advento da Constituição Federal de 1988, podemos estabelecer
como marco dos direitos da personalidade o fenômeno da
despatrimonialização. No direito civil clássico, a propriedade sempre
esteve no centro da proteção jurídica. Atualmente, contudo, a pessoa
também se insere no centro do sistema civil material. Ao ser humano – e à
coletividade de seres humanos – deve ser garantida proteção jurídica, dela
defluindo consectários como o respeito à integridade física e moral.
Considerando-se que os direitos da personalidade visam resguardar a
dignidade da pessoa, o Código Civil de 2002 traçou certas normas, nos
arts. 11 a 21, com o objetivo de oferecer disciplina, ainda que tímida e
conservadora, aos mecanismos de proteção de tais direitos. Não obstante,
impende frisar que, no Direito pátrio, os direitos da personalidade não se
esgotam no Código Civil, porquanto infinitamente derivados da proteção
da dignidade humana, razão pela qual não se restringem aos direitos
expressamente mencionados nos arts. 11 a 21. Nesse sentido é o Enunciado
274 da IV Jornada de Direito Civil do CJF, que, além de tratar da técnica da
ponderação em caso de colisão, deixa expresso que os direitos da
personalidade estão regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil.
Os direitos da personalidade têm a natureza de direitos oponíveis a
todos (erga omnes) e cujo dever correspondente consiste em uma inação
(dever negativo). Em razão de aos direitos da personalidade
corresponderem deveres negativos de todas as demais pessoas, diz-se que
são excludendi alios.
A doutrina clássica aponta as seguintes características dos direitos da
personalidade: a intransmissibilidade, a irrenunciabilidade e a
indisponibilidade (art. 11), além da imprescritibilidade. Isso porque tais
direitos têm por objeto a própria personalidade da pessoa com todos os seus
elementos constitutivos – moral, corpo, honra, imagem etc.
Nos termos do art. 11, “com exceção dos casos previstos em lei, os
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo
o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
No entanto, admite-se a disposição relativa, nos casos expressamente
previstos no ordenamento jurídico, entre os quais os dos arts. 13 e 14 do
Código, que tratam de disposição do próprio corpo por exigência médica
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(art. 13) e para depois da morte, com objetivo científico ou altruístico (art.
14).
Cumpre frisar que na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo
Conselho da Justiça Federal, aprovou-se o Enunciado 4, acerca do art. 11 do
Código Civil, com o seguinte conteúdo: “o exercício dos direitos da
personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja
permanente nem geral”. Já na III Jornada de Direito Civil aprovou-se o
Enunciado 139, também acerca do art. 11, com o seguinte conteúdo: “os
direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não
especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de
direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes”.
Não obstante, pesquisas científicas recentes têm combatido as
características apontadas e defendidas pela doutrina clássica, por
trabalharem com uma noção mais aberta de pessoa. Já se defende, por
exemplo, a renunciabilidade do exercício dos direitos da personalidade,
bem como a liberdade de uso e de manipulação do corpo. Trata-se de
excelentes trabalhos, que têm alçado a discussão no Brasil a um altíssimo
nível, e que a têm inserido no debate no cenário internacional.
Importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal de setembro de
2016 produziu grande impacto sobre a discussão por ter dado claras
indicações de que, na ordem constitucional vigente, a teoria clássica dos
direitos da personalidade deve ser repensada – bem na linha das pesquisas
recentes que já vinham sendo desenvolvidas sobre o tema. Comentaremos
tal impacto ao discorrer sobre o direito à busca da felicidade e à
realização plena, na subseção 2.7.2.1.
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Tradicionalmente, o Direito brasileiro tutela os direitos da personalidade
por duas vias: a via da proibição, estabelecendo diversas restrições – já
criticadas pelos estudiosos do tema – ao exercício dos direitos da
personalidade; a via da reparação, prevendo a possibilidade de indenização
pela lesão a direitos da personalidade.
Os arts. 11 e 13 do Código são exemplos da tutela proibitiva.
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O art. 12, por sua vez, cuida da tutela reparatória, conferindo ao titular
do direito da personalidade a prerrogativa de exigir que cesse a ameaça ou a
lesão ao seu direito, bem como reclamar perdas e danos. O parágrafo único
desse dispositivo estende essa prerrogativa, caso o titulardo direito da
personalidade violado já se encontre morto, ao cônjuge sobrevivente, ou
qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. Trata-se de
hipótese de legitimidade ordinária e autônoma. Os legitimados indiretos
poderão agir em nome próprio, defendendo interesse próprio, consistente na
defesa da personalidade jurídica de seus parentes falecidos.
Ademais, é possível falar em tutela preventiva ou inibitória para os
casos em que o dano ainda não ocorreu. A primeira parte do art. 12
evidencia uma espécie de tutela inibitória, cuja nota específica consiste em
buscar prevenir a ameaça de lesão a um bem jurídico. Essa espécie de tutela
surge como forma de admitir uma maior proteção a direitos materiais que
não encontram na tutela reparatória a sua proteção plena. O mandado de
segurança preventivo, assim como o interdito proibitório são exemplos
tradicionais de procedimentos que buscam tutelar direitos ameaçados, ou
seja, a sua utilização é sempre pensando no futuro, ao contrário da tutela
reparatória, por meio da qual se busca reparar um dano que já ocorreu. A
propósito, o parágrafo único do art. 497 do Código de Processo Civil dispõe
que, “para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a
reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a
demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”.
Isso quer dizer que o conceito de ilícito civil não está atrelado à culpa, de
modo que, se houver ameaça a um direito da personalidade, a tutela
preventiva poderá se mostrar a mais adequada ao caso concreto, ainda que
não comprovada a existência de dano ou de qualquer elemento subjetivo.
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A Constituição de 1988 estabeleceu como um de seus fundamentos a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), e como dois de seus objetivos
fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, e
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Da interpretação sistemática desses preceitos decorre, espontaneamente,
a conclusão de que, na ordem constitucional brasileira, as pessoas têm
direito a buscar a felicidade e sua plena realização. Todavia, até bem
recentemente, a ideia de um direito à busca da felicidade e à realização
plena era dotada de quase nenhuma eficácia jurídica, para não dizer
totalmente desprovida. Não servia de diretriz para a elaboração de normas,
nem para a decisão sobre problemas concretos.
Entretanto, acreditamos que esse quadro se alterou com a decisão do
Supremo Tribunal Federal proferida em setembro de 2016 sobre a
constitucionalidade da pluriparentalidade (assunto que estudaremos na Parte
V).
No voto do relator, Ministro LUIZ FUX, atribui-se, claramente,
operacionalidade ao direito à busca da felicidade e à realização plena,
que, então, a nosso ver, ganharam destaque dentre os direitos da
personalidade. Veja-se o seguinte excerto da decisão:
Em estreita conexão com a dignidade humana, e dela derivando ao
mesmo passo em que constitui o seu cerne, apresenta-se o denominado
direito à busca da felicidade.
[...]
Tanto a dignidade humana, quanto o devido processo legal, e assim
também o direito à busca da felicidade, encartam um mandamento
comum: o de que indivíduos são senhores dos seus próprios destinos,
condutas e modos de vida, sendo vedado a quem quer que seja,
incluindo-se legisladores e governantes, pretender submetê-los aos
seus próprios projetos em nome de coletivos, tradições ou projetos de
qualquer sorte.
(STF, RE 898.060/SP, Tribunal Pleno, relator: Min. Luiz Fux, data do
julgamento: 21/9/2016, data da publicação: 24/8/2017.)
Da leitura da decisão, que pode, quanto ao assunto de que aqui tratamos,
ser bem sintetizada no excerto transcrito, a busca da felicidade ganha
contornos de princípio jurídico, a funcionar como diretriz máxima para a
elaboração e aplicação de normas no âmbito do Direito Privado, bem como
de direito da personalidade, podendo ser alegado por seu titular, para
suscitar sua tutela, e também devendo ser levado em conta pelo julgador,
em casos de controvérsias envolvendo desdobramentos da personalidade.
Por exemplo, se Augusto, apesar de se identificar como sendo do gênero
masculino – não sendo relevante seu sexo –, quiser ir trabalhar vestindo
uma saia, porque assim será mais feliz – por exemplo, pelo fato de que
sentirá menos calor –, não poderá ser impedido de fazê-lo. Do mesmo
modo, se a sua identidade de gênero for diversa do seu sexo biológico, nada
poderá lhe impedir de assumir essa construção social e de se expressar
como tal. A propósito, no Recurso Extraordinário 477554, o então Ministro
Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, atrelou o direito à orientação
sexual ao direito à felicidade, reconhecendo que a extensão às uniões
homoafetivas de direitos garantidos à família heteronormativa justifica-se e
legitima-se pela direta incidência, entre outros, dos princípios
constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade e do postulado
constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade . Nas
palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, “as pessoas têm o direito de
colocar seu afeto onde mora o seu desejo” , de modo que cada indivíduo
pode dar ao seu corpo as finalidades que desejar, adaptando-se à forma de
ser e de alcançar a felicidade .
O exercício do direito à busca da felicidade e de seu correlato, o
direito à realização plena, só pode legitimamente sofrer limitação quando
esta decorrer de proteção da ordem constitucional ou de lei, e, nesse caso, se
for lógica, objetiva e razoável.
Logo, ainda que o devedor seja mais feliz não cumprindo a obrigação,
poderá ser constrangido a fazê-lo, vez que é lógica, objetiva e razoável a
norma geral que prevê as consequências jurídicas do inadimplemento. Por
conseguinte, pode o devedor vir a sofrer a penhora de um bem supérfluo,
vez que, nessa hipótese, a limitação ao seu direito advém de previsão legal
legítima. Todavia, não pode o devedor, para fins de satisfação da dívida, ser
submetido a tortura, ainda que, porventura, no caso concreto, o credor
alegasse que assim seria mais feliz. Nesse caso, o direito do credor seria
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limitado, e o do devedor protegido, levando-se em conta que a ordem
constitucional brasileira não admite a tortura.
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O Código Civil cuidou do direito ao próprio corpo nos arts. 13 a 15. Em
suma, o direito à integridade física apresenta três formas de tutela: (i) a
tutela ao corpo ainda vivo; (ii) a tutela ao corpo após a morte; (iii) a tutela
da autodeterminação do paciente.
O art. 13 proíbe a disposição do próprio corpo se esta importar
“diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons
costumes”, salvo em casos de necessidade médica, ou se a finalidade for a
realização de um transplante . A expressão “bons costumes” é bastante
criticada pela doutrina, especialmente por atrelar o direito a uma moral
rígida, que não se coaduna, por exemplo, com a possibilidade de realização
da denominada cirurgia de redesignação ou readequação sexual. Por isso, a
doutrina é unânime em admiti-la:
O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo
por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho
Federal de Medicina e a consequente alteração do prenome e do sexo
no Registro Civil (Enunciado 276, CJF) .
Ainda em relação ao art. 13, precisamos ter em mente que a exigência
de “necessidade médica” não pode restringir, por exemplo, a realização de
cirurgias plásticas, ainda que exclusivamente para fins estéticos. O respeito
à autonomia deve prevalecer, havendo necessidade de controle estatal
quando houver periclitação da dignidade do titular do direito.
O art. 14, por sua vez, autoriza a disposição do corpo, para depois da
morte, desde que gratuita, e para finscientíficos ou altruísticos, sendo a
qualquer tempo revogável o ato em que foi estabelecida. Também
considerando a autonomia do sujeito, o eventual consentimento de
familiares – previsto na Lei de Transplantes (art. 4º da Lei 9.434/1997) –
deve ser exigido apenas quando o próprio titular, ainda vivo, não dispôs
expressamente sobre o destino do seu cadáver . Essa disposição sequer
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exige uma formalidade específica, pois, segundo o Superior Tribunal de
Justiça, é possível, por exemplo, que uma pessoa manifeste, em vida, a sua
vontade em se submeter a procedimento de criogenia ou criopreservação,
consistente na preservação do cadáver para eventual e futura reanimação.
Essa deliberação não exige testamento, podendo ser comprovada por outros
meios (STJ, REsp 1.693.718, relator: Min. Marco Aurélio Bellizze, data do
julgamento: 26/3/2019, data da publicação: 4/4/2019).
Por fim, o art. 15 proíbe a realização de tratamento médico ou
procedimento cirúrgico com risco de vida, contra a vontade da pessoa.
Trata-se de regra que obriga os médicos a não atuarem sem prévia
autorização do paciente, preservando, assim, o direito à informação,
também previsto na lei consumerista.
Caso o doente não possa manifestar a sua vontade, exige-se autorização
escrita para o tratamento ou a intervenção cirúrgica. Essa autorização deve
ser dada por qualquer parente maior, da linha reta ou colateral até o segundo
grau, ou por cônjuge ou companheiro. Se, contudo, não houver tempo hábil
para ouvir o paciente ou coletar a referida autorização, o profissional
médico terá a obrigação de realizar o tratamento, pois justificado pelo
iminente perigo de vida. Aliás, a Resolução 2.232/2019 do Conselho
Federal de Medicina determina que, em situações de urgência e emergência
que caracterizem perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas
necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente,
independentemente da recusa terapêutica.
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Um dos direitos da personalidade mais importantes é o direito ao
nome. Isso porque o nome é a designação pela qual a pessoa é conhecida no
mundo.
Nesse sentido dispõe o art. 16 do Código que “toda pessoa tem direito
ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. O art. 17,
ademais, estabelece que “o nome da pessoa não pode ser empregado por
outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo
público, ainda quando não haja intenção difamatória”, e o art. 18 determina
que “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda
comercial”. Havendo violação ao direito ao nome, é possível recorrer à
tutela reparatória prevista no art. 12.
Frise-se que o art. 18 aplica-se a qualquer pessoa, inclusive às
celebridades, que, a despeito da fama, ainda assim têm seu nome protegido.
Em sua obra sobre os direitos da personalidade, ANDERSON SCHREIBER narra
interessante caso envolvendo Luciano Huck, que “viu seu nome veiculado,
sem qualquer autorização, no informe publicitário de um lançamento
imobiliário de alto luxo”. Tal informe publicitário mencionava, como
atrativo do empreendimento, o fato de que Luciano Huck seria um dos
moradores. O apresentador ajuizou ação pleiteando indenização pela lesão a
seu direito ao nome, e venceu.
O art. 19, por fim, estende ao pseudônimo a proteção que se garante ao
nome.
Atualmente, o nome da pessoa natural se encontra disciplinado nos arts.
55 e seguintes da Lei de Registros Públicos (LRP) – Lei 6.015/73.
Conforme o art. 55 da LRP, o nome é composto pelo prenome
escolhido pela pessoa que realiza o registro do nascimento (chamada pela
lei de declarante) e de um ou mais sobrenomes dos pais. Admite-se,
ainda, o uso de um agnome, como Júnior, Filho, Neto, Sobrinho etc., para
diferenciar a pessoa de um homônimo na família.
É dever do oficial do registro se recusar a registrar nomes que possam
expor a pessoa ao ridículo (§ 1º do art. 55 da LRP), sobretudo
considerando-se que se trata de um direito da personalidade.
Tema de extrema importância no contexto contemporâneo é o do direito
à alteração do nome.
Da nossa parte, sempre entendemos que, considerando-se que se trata de
direito da personalidade, protegido em um contexto em que a proteção da
dignidade da pessoa humana é a diretriz maior de interpretação do
ordenamento, deve se admitir a mudança de nome pela vontade da pessoa,
devidamente justificada, desde que preservados os direitos de terceiros;
afinal, é por meio do nome que a dignidade humana se projeta.
Uma pessoa somente consegue se relacionar socialmente por meio de
um nome. Desse modo, “ele deve exprimir uma realidade designativa, ou
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seja, estar condizente com a realidade vivida pela pessoa, sem
artificialismo, e de forma a respeitar sua integridade moral e psíquica” .
Até junho de 2022, prevalecia sobre o nome a ideia de inalterabilidade
relativa. Isso quer dizer que era possível a alteração de um prenome ou
sobrenome, mas somente em hipóteses excepcionais. Com a edição da Lei
14.382/2022, que entrou em vigor em 28 de junho de 2022, após ser
atingida a maioridade civil, o interessado poderá requerer pessoal e
imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão
judicial. Ou seja, a via administrativa poderá ser utilizada sem que haja
qualquer justificativa para a alteração, bastando a vontade do requerente.
A flexibilização em relação ao prenome já era admitida, por exemplo,
na hipótese de alteração em razão da identidade de gênero, ou melhor, em
virtude da falta de correspondência entre a identidade sexual e de gênero. A
partir do julgamento do RE 670.422, de relatoria do Min. Dias Toffoli
(julgado em 15/8/2018, com repercussão geral), definiu-se que “o
transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e
de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto,
nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer
tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via
administrativa”. Ou seja, a retificação do nome não está condicionada à
realização da cirurgia. O STF ainda definiu que a alteração averbada junto
ao registro de nascimento não pode ser realizada com a inclusão do termo
“transgênero”, até porque tal providência tornaria ainda mais
constrangedora a situação de quem já sente diariamente o peso da
discriminação. Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
editou o Provimento 73, de 28 de junho de 2018, que dispõe sobre a
averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento
e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais
(RCPN). Diante dessa nova realidade, amparada pela cláusula geral de
dignidade da pessoa humana, é possível afirmar que integram o rol dos
direitos da personalidade o direito à identidade de gênero e o direito à
orientação sexual. Isso significa que a identidade de gênero e a orientação
sexual devem ser consideradas bens jurídicos a merecer a respectiva tutela
do Direito, sobretudo ao não criar obstáculos ilegítimos ao exercício de tais
direitos e ao permitir a reparação da lesão a tais bens.
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A forma como a pessoa se identifica socialmentee também já foi motivo
ensejador da alteração judicial, dentro da perspectiva de imutabilidade
relativa do nome. No REsp 1.217.166/MA, o STJ admitiu que uma pessoa
chamada “Raimunda”, mas conhecida desde criança por “Danielle”, tivesse
o prenome modificado por decisão judicial. Nesse caso, o justo motivo
decorreu da forma como a autora da ação era conhecida em seu meio social
e da necessidade de que essa adequação fosse realizada para não lhe gerar
mais constrangimentos.
Também a Lei de Registro Públicos admitia a alteração no primeiro ano
após o interessado ter atingido a maioridade civil. Para que isso ocorresse,
fazia-se necessário o ajuizamento de uma demanda junto à Vara de
Registros Públicos, caso existente, no prazo decadencial de um ano a contar
da aquisição da maioridade. Agora, não há qualquer prazo para a
alteração. Basta que o interessado tenha atingidoa maioridade. Após
deferido o pedido, a alteração de nome será publicada em meio eletrônico.
Por meio eletrônico deve-se entender o jornal devidamente matriculado
junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas competente (art. 122, I, da Lei
6.015/73). De toda forma, essa alteração extrajudicial poderá ser feita
apenas uma única vez, e, se houver suspeita de fraude, falsidade, má-fé,
vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente,
o oficial de registro civil fundamentadamente poderá recursar a retificação.
Nada impede que, em casos assim, o requerente recorra à via judicial, o que
também deverá ser feito em caso de arrependimento.
A alteração legislativa modifica radicalmente o entendimento
jurisprudencial, e o que era exceção virou regra. A título de exemplo, no
julgamento do REsp 1.728.039/SC, ocorrido em 12/6/2018, a Terceira
Turma do STJ inviabilizou a alteração do prenome Tatiane por Tatiana.
Segundo a Corte, a mera alegação de que a recorrente era conhecida
popularmente como Tatiana, e não Tatiane, não era suficiente para afastar o
princípio da imutabilidade do prenome, sob pena de se transformar a
exceção em regra. Agora, sem advogado ou justificativa, poderá a
requerente valer-se do art. 56 da Lei de Registros Públicos e solicitar, no
próprio cartório, a modificação de seu prenome.
A dispensa de intervenção judicial para esse ato registral se coaduna
com os princípios da dignidade humana e da autonomia da vontade. A
desjudicialização do registro civil, como uma tendência no direito
brasileiro, vem facilitar e desburocratizar determinados procedimentos,
efetivando, em última análise, o direito da personalidade consagrado no art.
16 do Código Civil.
Na tentativa de se garantir a segurança jurídica, o legislador dispôs que:
A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o
prenome anterior, os números de documento de identidade, de
inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial
da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do
registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as
certidões solicitadas.
Outra alteração relevante refere-se à possibilidade de mudança de nome
de recém-nascido em até 15 (quinze) dias após o registro, caso não tenha
havido consenso entre os pais. Nesse ponto a legislação corrobora o
entendimento da jurisprudência, que já havia admitido a modificação na
hipótese de quebra, por um dos pais, do acordo sobre o nome a ser dado a
filho. Assim, desrespeitado o consenso prévio entre os genitores, com
violação aos deveres de lealdade e de boa-fé, admite-se a alteração
administrativa, desde que observado o prazo decadencial indicado. Se
ultrapassado o lapso temporal previsto na nova lei, a ação judicial ainda
poderá ser utilizada.
Também consolidando o posicionamento jurisprudencial (p. ex.: REsp
1.873.918/SP e REsp 910.094/SC), a Lei 14.382/2022 permite que, em
razão do casamento, o sobrenome seja alterado a qualquer momento, assim
como excluído independentemente do fim da sociedade conjugal. A
jurisprudência já entendia que o direito a acrescer não inviabilizava o
direito de desistir desse mesmo acréscimo, especialmente quando o pedido
fosse devidamente justificado e houvesse baixo risco à segurança jurídica
ou ao direito de terceiros. Em suma, como havia possibilidade de
modificação do patronímico tanto no momento do casamento quanto
durante a convivência, era plenamente admissível que essa alteração não
fosse apenas para incluir mas também para excluir o sobrenome
eventualmente acrescido. O que a Lei 14.382/2022 fez foi acatar esse
entendimento. Assim, de acordo com o art. 57, a alteração extrajudicial do
sobrenome poderá ser feita para: inclusão de sobrenomes familiares;
inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do
casamento; exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da
sociedade conjugal, por qualquer de suas causas ; inclusão e exclusão de
sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os
descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado
alterado.
Embora o art. 57 da Lei de Registros Públicos trate da modificação do
sobrenome em razão da “alteração das relações de filiação”, entendemos
que a possibilidade de mudança do sobrenome em razão do abandono
afetivo, ainda que não seja excluída a paternidade, é plenamente possível. A
propósito, o STJ já admitiu a exclusão dos sobrenomes paternos em razão
do abandono pelo genitor. Na situação concreta, um indivíduo foi
abandonado em tenra idade pelo pai e, ao completar 18 (dezoito) anos de
idade, desejou retirar o sobrenome de seu genitor biológico. Na situação
ventilada, a Corte Cidadã adotou um posicionamento mais flexível acerca
da imutabilidade ou definitividade do nome civil, acrescentando que a
referida flexibilização se justifica “pelo próprio papel que o nome
desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa.”
Ao final, concluiu-se que “o abandono pelo genitor caracteriza o justo
motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a
respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos” (REsp 1.304.718-
SP, relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, data do julgamento:
18/12/2014, data da publicação: 5/2/2015).
No caso de dissolução da sociedade conjugal, cabe asseverar que a
opção do cônjuge é sempre levada em consideração. É que, como o nome é
um atributo da personalidade, um cônjuge não pode exigir do outro que
deixe de utilizar o nome que acrescentou em razão do casamento. Vale
conferir trecho da decisão da Ministra do Superior Tribunal de Justiça,
Nancy Andrighi, sobre o assunto:
O fato de a ré ter sido revel em ação de divórcio em que se pretende,
também, a exclusão do patronímico adotado por ocasião do casamento
não significa concordância tácita com a modificação de seu nome civil,
quer seja porque o retorno ao nome de solteira após a dissolução do
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vínculo conjugal exige manifestação expressa nesse sentido, quer seja
porque o efeito da presunção de veracidade decorrente da revelia
apenas atinge as questões de fato, quer seja ainda porque os direitos
indisponíveis não se submetem ao efeito da presunção da veracidade
dos fatos .
Também o enteado ou a enteada poderão requerer ao oficial de registro
civil que, nos registros de nascimento e de casamento, seja averbado o
nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta. Para tanto, deverá
haver consenso entre os envolvidos e justo motivo (art. 57, § 8º). Nesse
caso, a legislação deverá ser utilizada somente quando não houver
reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva, uma vez que, nesse caso,
já se admite a alteração do sobrenome.
Há outras hipóteses de alteração que decorrem da própria lei, como é o
caso da adoção. A sentença que constitui o vínculo da adoção (art. 47, § 5º,
do Estatuto da Criança e do Adolescente) confere ao adotado o nome do
adotante. Na prática, subtraem-se os sobrenomes dos pais biológicos e
incluem-se os sobrenomes dos pais adotivos. A legislação também admite
que o prenome seja alterado, hipótese na qual o adotado, se maior de 12
(doze) anos de idade, será necessariamente ouvido (art. 47, § 6º, c/c art. 28,
§ 2º, do ECA).
Importa lembrar que o art. 58 da Lei de Registros Públicos igualmente
admite a substituição do prenome por apelidos notórios. A permissão
depende, para ser implementada, de decisão judicial, além do
preenchimento dos seguintes requisitos: a) o apelido deve existir e o
interessado atender, quando chamado por ele, em seu universo social; b) o
apelido deve ser conhecido no grupo social em que o interessado na
alteração convive.
Esta última possibilidade não se restringe aos artistas ou às pessoas com
notoriedade pública. “A melhor interpretação sugere que se a pessoa é
chamada, no estamento social a que pertence, normal e naturalmente pelo
apelido que queria adotar, deve ter deferida sua pretensão” .
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•
•
Outro importante direito da personalidade naatualidade é o direito à
imagem.
O Código Civil dele cuidou no art. 20, estabelecendo que “salvo se
autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção
da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a
publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão
ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber,
se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais”.
Sobre este direito e sua atual disciplina legal, cabem aqui duas
observações.
A primeira diz respeito à relevante crítica de ANDERSON SCHREIBER à
ressalva final do art. 20. Segundo ele, a proteção da imagem da pessoa
independe de violação à honra, à boa fama ou à respeitabilidade. Por se
tratar de um direito da personalidade autônomo, o direito à imagem permite
ao seu titular impedir o uso da sua imagem mesmo quando de forma
elogiosa. Por exemplo: uma escola não pode veicular a imagem de um
aluno sem prévia autorização dos pais, ainda que para divulgar a boa
colocação do estudante no ENEM. Nesse caso, embora não haja violação à
honra, há notória violação ao direito de imagem e configuração do dano in
re ipsa, ou seja, que independe de comprovação, por ser presumido . Dois
enunciados das Jornadas de Direito Civil do CJF também confirmam essa
conclusão:
Enunciado 278 (IV Jornada): “A publicidade que divulgar, sem
autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que
sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la,
constitui violação a direito da personalidade”.
Enunciado 587 (VII Jornada): “O dano à imagem restará
configurado quando presente a utilização indevida desse bem
jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito
da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado
ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se
tratar de modalidade de dano in re ipsa”.
105
106
A segunda diz respeito à divulgação da imagem pela própria pessoa nas
redes sociais, como vem se tornando muito comum por meio das chamadas
selfies – fotografias da pessoa tiradas por ela mesma em situações do
cotidiano. Um dos problemas que tem havido é o seguinte: a pessoa tira
uma selfie e envia para um grupo de amigos por meio do aplicativo
WhatsApp. Posteriormente, os membros do grupo enviam a imagem para
outros grupos, e assim sucessivamente. Nesses casos, seria mais difícil
pensar em lesão ao direito de imagem simplesmente pela sua replicação,
considerando-se que a publicação, via WhatsApp, Facebook ou outro meio
eletrônico, foi feita pela própria pessoa. Nem por isso, todavia, admite-se o
uso da imagem que lese outros direitos da personalidade. A título de
exemplo, recentemente, o STJ teve a oportunidade de analisar um caso em
que se pretendia a fixação de danos morais por divulgação de textos e
imagens que haviam sido encaminhados em grupo de aplicativo de
mensagens. Imagine que você e seus colegas de trabalho criam um grupo no
aplicativo WhatsApp. Todos participam das conversas, inclusive tecendo
críticas sobre alguns chefes que não fazem parte do grupo. Em determinado
momento, um dos colegas sai do grupo e divulga para o presidente da
empresa prints das mensagens com as críticas feitas por você. Essa conduta
caracteriza ato ilícito apto a ensejar a responsabilização por eventuais danos
decorrentes da publicização das mensagens?
O sigilo das comunicações é uma garantia constitucional (art. 5º, X, da
CF) e a intimidade e a privacidade são direitos da personalidade
consagrados nos arts. 20 e 21 do Código Civil. Isso quer dizer que não
apenas as tradicionais comunicações telefônicas possuem caráter sigiloso
mas também todos os programas que permitem a transmissão instantânea de
informações – escritas ou faladas. Por essa razão é que há diversos
precedentes judiciais indicando que o acesso às conversas entre o
proprietário de um aparelho celular e outros interlocutores é uma violação
ao sigilo das comunicações, excepcionando-se somente no caso de ordem
judicial devidamente fundamentada. Dessa forma, para fins de sigilo, não
importa o meio de comunicação, mas, sim, o conteúdo da comunicação.
Partindo dessa premissa, é razoável concluir que a disseminação de
mensagens pode, a depender do caso concreto, ofender a imagem e a honra
de uma pessoa. Ainda que esta esteja participando de um grupo com
dezenas de outras pessoas, o seu consentimento para a participação não se
confunde com o consentimento para publicação das mensagens dirigidas ao
grupo. Ademais, em nosso exemplo, fica claro que se instaurou uma
legítima e recíproca expectativa de privacidade entre os participantes do
grupo, os quais, certamente, confiaram não apenas na criptografia proposta
pelo aplicativo, mas também na confidencialidade de todos os colegas.
Em cenário semelhante, o STJ considerou que as mensagens eletrônicas
estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado, isto é,
restrito aos interlocutores. Ou seja, as conversas enviadas via WhatsApp se
situam no campo confidencial. Dessa forma, se um integrante do grupo leva
a conhecimento público conversa privada, estará configurada a violação à
legítima expectativa, à privacidade e à intimidade do emissor. Para chegar a
essa conclusão, a Corte ponderou dois direitos que estavam em jogo: a
liberdade de informação e a privacidade. Prevaleceu o segundo, em
especial, porque a informação divulgada não era de interesse público.
Assim, se a publicização de uma conversa causa danos ao emissor, é cabível
a responsabilização daquele que procedeu à divulgação sem prévia
autorização.
No decorrer da decisão (REsp 1.903.273/PR), a Ministra Nancy
Andrighi registrou, na fundamentação, a chamada “Teoria das Esferas”,
desenvolvida pela doutrina alemã, que, basicamente, expressa as formas de
extensão da proteção à privacidade. Essas esferas são de quatro espécies: a)
esfera da publicidade; b) esfera pessoal; c) esfera privada; e d) esfera
íntima. Na esfera da publicidade, os atos são praticados em público com o
desejo de torná-los públicos. Nessa hipótese, há clara dispensa da proteção
à intimidade/privacidade. Já, na esfera pessoal, há uma interação entre
pessoas que não interessa a terceiros, o que ocorre, por exemplo, quando as
partes firmam um contrato para a compra de um imóvel. Nesse exemplo,
não há interesse do comprador na divulgação dos termos da oferta, do preço
ou de quaisquer informações sobre o bem objeto do negócio. Na esfera
pessoal, a restrição é maior, porque os dados divulgados vinculam-se às
relações interpessoais, como é o caso do grupo formado por pessoas de uma
mesma empresa. Justamente por não terem procurado uma rede social
menos restrita, não se vê interesse dos integrantes na divulgação das
mensagens.
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Por fim, a esfera íntima é a mais restrita e abarca documentos como o
diário, notas pessoais ou quaisquer outros que guardem informações mais
íntimas do indivíduo que ele não deseja compartilhar com ninguém. “Em
atenção à teoria das esferas, pode-se afirmar que as conversas enviadas via
WhatsApp se situam na esfera confidencial” (STJ).
Essa conclusão não significa dizer que as conversas travadas em
aplicativos não possam, em hipótese alguma, ser divulgadas ao público. Em
processos judiciais de violência doméstica, por exemplo, ou em ações de
alimentos, é comum que os envolvidos juntem aos autos mensagens que
provam as suas alegações. Nesses casos, o próprio STJ ressalvou a
possibilidade de utilização, afirmando que, quando as mensagens têm por
objetivo a defesa de direito próprio, será necessário avaliar as
peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito
deverá prevalecer.
Com efeito, somente na análise de cada caso concreto é que se pode
verificar se houve ou não o uso indevido da imagem. Sobre o tema, há mais
um enunciado das Jornadas de Direito Civil, que busca afirmar a ausência
de proteção ilimitada ou absoluta ao direito de imagem, especialmente
quando há preponderânciade interesse público:
A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses
constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de
amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de
colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos
abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características
de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se
medidas que não restrinjam a divulgação de informações (Enunciado
279, CJF).
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O Código tratou do direito à privacidade no art. 21, determinando que
“a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma”.
Também com relação a este direito têm surgido questões ligadas às
redes sociais, bem como aos reality shows. Nestes, os participantes abrem
mão da sua privacidade para sujeitar sua vida privada à vigilância constante
do público. Naquelas, pessoas divulgam comentários, fotografias e vídeos
de sua vida privada nos meios eletrônicos, talvez sem se darem conta de
que, quando o fazem, acabam por tornarem tais momentos públicos. De
toda forma, assim como no caso da imagem, há que se fazer uma
ponderação em relação aos direitos envolvidos. Por exemplo, o ocupante de
cargo público possui uma maior relativização na proteção da sua honra e da
sua privacidade, já que, em uma ponderação de valores, o interesse público
e o acesso à informação da coletividade também devem ser levados em
consideração. Trata-se, nessa hipótese específica, da materialização da
teoria da proteção débil do homem público, a qual estabelece que as
pessoas ocupantes de atividades públicas fazem jus à proteção à honra de
forma atenuada e em menor latitude que as demais pessoas, pois estão mais
sujeitas a um controle rígido da sociedade, pela natureza da atividade que
livremente escolheram.
Na jurisprudência internacional, no acórdão do caso Tristan Donoso vs.
Panamá, a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisou a temática
da proteção da honra dos funcionários públicos e entendeu que “a proteção
da honra das pessoas envolvidas em assuntos de interesse público deve
ocorrer em conformidade com os princípios do pluralismo democrático e
com uma margem de aceitação e tolerância às criticas muito maior que a
dos particulares”. (Mérito, § 90). Portanto, segundo o tribunal
interamericano, os indivíduos envolvidos com assuntos de interesse público
estão submetidos a uma maior restrição no que tange ao seu direito à
privacidade e à honra.
Ainda em relação à privacidade, considerando, em especial, a Lei Geral
de Proteção de Dados Pessoais, necessário tecermos alguns breves
comentários, especialmente porque a Constituição Federal de 1988, alterada
pela Emenda Constitucional 115/2022 inseriu, no rol de direitos
fundamentais (art. 5º, LXXIX), o direito à proteção dos dados pessoais,
inclusive nos meios digitais.
A Lei 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, publicada
em 14 de agosto de 2018, estabelece um marco normativo geral para a
proteção de dados e, na toada do art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988,
elege a responsabilidade civil como meio de proteção aos direitos de
privacidade e intimidade. Embora não seja uma inovação, a LGPD aborda a
temática de forma geral, unificando conceitos e procedimentos, além de
conferir importância aos dados sobre as pessoas para o exercício de seus
direitos fundamentais.
Antes da LGPD, já existiam leis e regulamentos no Brasil protegendo o
uso e a coleta de dados, como as Leis 7.232/1984 (art. 2º, VII), 7.492/1986
(art. 18) e o Código de Defesa do Consumidor (arts. 43 e seguintes). A
unificação da legislação no Brasil tem inspiração na iniciativa da União
Europeia em editar um regulamento geral, conhecido como GPDR –
General Data Protection Regulation, que foi publicado em 2016 e passou a
ter plena aplicação em toda a União Europeia e no Espaço Comum Europeu
a partir de 2018.
O tema central da proteção dos dados é a preservação da privacidade
das pessoas, abarcando a projeção social ou relacional da personalidade
(imagem e honra). O art. 2º da LGPD deixa essa preocupação expressa:
Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como
fundamentos:
I – o respeito à privacidade;
II – a autodeterminação informativa;
III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de
opinião;
IV – a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a
dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
Embora já fosse possível admitir a proteção de dados como um direito
da personalidade, a sua inclusão no rol de direitos fundamentais tem
relevância particular, especialmente porque a LGPD não contemplou todos
os setores nos quais os dados pessoais são costumeiramente utilizados,
como é o caso da segurança pública e dos processos de investigação
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criminal. Isso quer dizer que, além dos setores que permitem a incidência da
LGDP, todas as esferas – públicas e privadas – têm o dever de promover a
proteção desse direito. Com a EC 115/2022, o direito à proteção de dados
pessoais ganhou autonomia própria e o status de cláusula pétrea, que não
pode vir a ser suprimido nem restringido.
Voltaremos ao tema no capítulo sobre a Responsabilidade Civil.
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O direito ao esquecimento começou a ser discutido a partir de casos
emblemáticos submetidos à jurisdição alemã. O “caso Lebach”, por
exemplo, colocou em discussão a dificuldade do processo de
ressocialização quando, mesmo após a aplicação da pena, se permitiu a
transmissão de filme sobre os fatos ocorridos e respectivos envolvidos. A
permissão foi posteriormente revogada pela Corte Constitucional Alemã. A
propósito do episódio, colacionam-se as palavras de GILMAR FERREIRA
MENDES, para quem:
[...] a divulgação posterior de notícias sobre o fato é, em todo caso,
ilegítima, se se mostrar apta a provocar danos graves ou adicionais ao
autor, especialmente se dificulta a sua reintegração na sociedade. É de
se presumir que um programa, que identifica o autor de fato delituoso
pouco antes da concessão de seu livramento condicional ou mesmo
após a sua soltura ameaça seriamente o seu processo de reintegração
social .
Ainda na Alemanha, costuma-se fazer referência ao caso de Wolfgang
Werlé e Manfred Lauber, que, junto com o direito ao esquecimento,
provocou (e ainda provoca) discussões sobre os limites das informações
perpetuadas pela internet.
Na Suíça, em 1983, o Tribunal Federal local ponderou, em um caso
envolvendo a Sociedade Suíça de Rádio e um familiar de sentenciado à
pena de morte, que, embora os fatos históricos não possam ser apagados, o
esquecimento naturalmente pode ser reduzido ou eliminado pelas mídias
eletrônicas. No Brasil, o “caso Doca Street” pode ser utilizado como marco,
mesmo sem a referência expressa ao termo “esquecimento”.
107
Outros casos concretos discutidos na Espanha, na Bélgica, na Itália e na
França são marcos jurisprudenciais do direito ao esquecimento,
posteriormente debatidos pela doutrina nacional e internacional. No Estados
Unidos, o texto “The right to privacy”, de Samuel Dennis Warren e Louis
Dembitz Brandeis, é um dos artigos iniciais que trata do direito ao
isolamento (the right to be let alone) como desdobramento fundamental do
direito à privacidade e que pode ser considerado como marco para as
discussões sobre a necessidade de desvinculação do indivíduo dos
acontecidos que lhe são imputados após determinado período de tempo.
Na doutrina brasileira, cita-se o exemplo do Professor Titular de Direito
Civil da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ANDERSON
SCHREIBER. Para o autor:
[...] o direito ao esquecimento não é um direito de impedir análises ou
comentáriossobre fatos ou acontecimentos relevantes para a memória
de um povo. Insurge-se, muito ao contrário, contra a individualização
do fato sobre uma determinada pessoa, ainda viva, que tem direito “a
não ser implacavelmente perseguida por fatos do seu passado”
(Stefano Rodotà, Intervista sulla Privacy), se isso, objetivamente,
puder comprometer a realização da sua personalidade
Há pelo menos três correntes doutrinárias acerca do direito ao
esquecimento. A primeira, nega a existência desse direito, tornando o direito
à informação absoluto e instransponível. A segunda aceita, sem ressalvas, o
direito ao esquecimento, propondo, inclusive, prazos para a remoção de
conteúdos de caráter pessoal da internet. A terceira corrente doutrinária
tenta conciliar, por meio de exercícios de ponderação, o direito ao
esquecimento e a liberdade de informação.
Na doutrina interna, especialmente após a entrada em vigor do Código
Civil de 2002, os princípios inerentes à dignidade humana tomaram forma e
conteúdo mediante os estudos proporcionados pelas Jornadas de Direito
Civil. Aparentemente a doutrina brasileira tentou adaptar o ordenamento
jurídico interno à terceira corrente. São exemplos dessa conclusão os
seguintes enunciados:
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Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF: “A tutela da
dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o
direito ao esquecimento”.
Enunciado 576 da VII Jornada de Direito Civil do CJF: “O direito
ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória”.
Durante as referidas Jornadas, registrou-se que a tutela do direito ao
esquecimento não consiste em atribuir a alguém o direito de apagar fatos
passados ou reescrever a própria história. Em verdade, não se quer vedar o
direito à informação, mas, tão somente, o superinformacionismo.
Sobre o tema, agora na seara criminal, o Superior Tribunal de Justiça
veiculou, em uma das edições da Jurisprudência em Teses, o seguinte
enunciado: “quando os registros da folha de antecedentes do réu são muito
antigos, admite-se o afastamento de sua análise desfavorável, em aplicação
à teoria do direito ao esquecimento”. A tese é aplicável, segundo a Corte,
em hipóteses excepcionais, quando já decorrido tempo razoável. Há
julgados que tratam de penas cumpridas, por exemplo, há 18, 20, 30 anos.
Mais recentemente, em Informativo divulgado em 22 de maio de 2020
(Informativo 670, REsp 1.736.803-RJ, relator: Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, 3ª Turma, data da publicação: 4/5/2020), o Superior Tribunal de
Justiça, por decisão unânime, mesmo reconhecendo expressamente que “a
exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal
configura violação do princípio constitucional da proibição de penas
perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de retorno ao convívio
social, garantidos pela legislação infraconstitucional, nos arts. 41, VIII e
202, da Lei n. 7.210/1984 e 93 do Código Penal”, considerou inviável o
acolhimento da tese relativa ao direito ao esquecimento, sob o argumento de
que esses direitos citados não são absolutos e que há “evidente interesse
social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório”.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, no julgamento do RE
1.010.606/RJ, ocorrido em fevereiro de 2021, caminhando em sentido
oposto, considerou que a previsão ou aplicação do direito ao esquecimento
afronta a liberdade de expressão. Fixou-se, então, a seguinte tese sob a
sistemática da repercussão geral:
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É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao
esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da
passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e
licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social
analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da
liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a
caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os
relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da
personalidade em geral – e das expressas e específicas previsões legais
nos âmbitos penal e cível.
Ou seja, mesmo com uma forte tendência na doutrina em admitir o
direito ao esquecimento – e também da jurisprudência, em casos
específicos, como condenações bastante antigas –, a Corte Constitucional
Brasileira não reconhece a existência efetiva de um direito ao
esquecimento.
Entes de capacidade reduzida
Vimos que o Direito atribui personalidade jurídica às pessoas naturais e
jurídicas e também a entes denominados entes de capacidade reduzida.
Entes de capacidade reduzida são aqueles que não se enquadram nem no
conceito de pessoa natural, nem no de pessoa jurídica, mas que, no entanto,
atuam no plano jurídico como sujeitos de direitos, razão pela qual gozam
de personalidade. O que os distingue, sobretudo, é o fato de terem
capacidade de direito reduzida, se comparada com a capacidade de direito
das outras categorias de pessoas. Vale lembrar que se entende por
capacidade de direito o grau de aptidão para adquirir direitos e para
praticar, por si ou por outrem, atos não proibidos pela lei. No caso dos
entes de capacidade reduzida, tal grau de aptidão é baixo. Em sede de
Direito Processual, atribui-se aos entes de capacidade reduzida
personalidade judiciária – capacidade de atuar em juízo –, a qual lhes dá
legitimidade para o processo.
Pois bem. Consideram-se entes de capacidade reduzida o nascituro e os
entes costumeiramente denominados “despersonalizados.
109
Do nascituro cuidamos na subseção acerca do início da personalidade
da pessoa natural, em razão de os temas estarem necessariamente
conectados.
Com relação aos “entes despersonalizados”, trata-se de certos entes
coletivos, representativos ou de pessoas ou de bens, os quais, conquanto
não sejam pessoas, podem ser sujeitos de direitos.
Trata-se do condomínio (representativo de pessoas – os condôminos),
do espólio (representativo tanto de pessoas – os herdeiros –, quanto de bens
– o acervo hereditário), da massa falida (representativa de bens – o acervo
da pessoa jurídica que teve a falência decretada) e da herança jacente
(representativa de bens – o acervo hereditário sem sucessor conhecido).
O condomínio, tomado, aqui, como coletivo de condôminos, é
representado por um administrador ou síndico e age em nome de todos os
condôminos. O condomínio é registrado e tem até mesmo CNPJ, apesar de
não ser reconhecido como pessoa jurídica. O reconhecimento da
personalidade jurídica do condomínio viabiliza a sua existência. Imagine-se
se, em um edifício com trezentos apartamentos, todos os condôminos
tivessem de assinar, em conjunto, um contrato de prestação de serviços de
limpeza, ou se tivessem todos de contestar, por exemplo, uma ação de
cobrança de IPTU do imóvel. A existência do condomínio edilício se
tornaria inviável.
É bem verdade, como o leitor pode estar questionando, que há um
contrato por meio do qual é possível se fazer representar – o contrato de
mandato. Ocorre que, para que o condomínio fosse representado por um
mandatário, seria necessário que cada condômino participasse do contrato,
como mandante. E bastaria que um condômino apenas se recusasse a
celebrar o mandato para que a representação fosse ilegítima. Por isso é que
a lei exige que o condomínio edilício tenha um administrador ou síndico,
eleito em assembleia dos condôminos, e, por essa razão, legítimo. Em se
tratando de eleição, não há necessidade de unanimidade, nem de
participação de cem por cento dos condôminos.
Outro ente de capacidade reduzida representativo de pessoas é o
espólio, o qual também é representativo de bens. Espólio é o coletivo de
herdeiros ou acervo hereditário (conjunto de bens do morto). No momento
em que uma pessoa morre, seus bens são imediatamente transmitidos a seus
sucessores. Ora, obviamente que se trata de uma ficção jurídica. Na
verdade, quando morre o autor da herança, é provável que seus bens, assim
como seus herdeiros, estejam espalhados por diversos lugares. Mas, para
proteger o patrimônio, o Direito consideraque tanto a propriedade quanto a
posse são imediatamente transmitidas, no momento da morte – trata-se do
princípio da saisine. Ocorre que é comum que, logo após o falecimento,
não se conheçam os herdeiros, ou que estes sejam vários. Aí é que entra o
espólio, como sujeito dos direitos referentes à herança, e que representará
os sucessores na sucessão processual do autor da herança, nas ações já em
andamento, e figurará como réu, nas ações ajuizadas em face dos
sucessores, e como autor, nas ações ajuizadas em nome deles. Cabe frisar
que, após a abertura do inventário, a pessoa natural que atuará em nome do
espólio é o inventariante.
No caso da massa falida, trata-se de um ente representativo dos bens de
uma sociedade empresária que tenha tido sua falência decretada. A falência
é um golpe fatal dado a uma pessoa jurídica insolvente. Embora não extinga
ainda a personalidade jurídica, a decretação da falência implica a
arrecadação dos bens da sociedade, que são reunidos sob a denominação de
massa falida e para os quais é nomeado um administrador, o qual atuará ao
longo do processo da falência.
Por último, fala-se em herança jacente, como ente representativo de
bens, para se referir a um patrimônio hereditário cujos sucessores são
desconhecidos, vez que deixado por uma pessoa morta que não tem
herdeiros legítimos conhecidos e nem deixou testamento. Ou seja, podemos
falar em uma “herança sem herdeiros”, ainda que possa existir algum, o
qual, todavia, não se manifestou. A herança jacente atua no plano do
Direito, e para representá-la é nomeado um curador, que exercerá sua
função até que algum herdeiro se habilite para receber a herança, ou que ela
seja declarada vacante.
ENTES DE CAPACIDADE REDUZIDA
Nascituro
110
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Representativo de pessoas
Condomínio → conjunto de condôminos em condomínio edilício
Representativo de pessoas e bens
Espólio → conjunto de herdeiros e dos bens deixados pelo morto
Representativos de bens
Massa falida → patrimônio da sociedade cuja falência foi
decretada
Herança jacente → herança sem herdeiro conhecido
PESSOAS JURÍDICAS
À medida que a vida em sociedade foi se tornando mais complexa,
houve necessidade de que as relações jurídicas extrapolassem a esfera
jurídica das pessoas naturais. O gênio inventivo humano, então, desenhou
instituições que teriam um papel social relevante a desenvolver, as quais,
para tanto, precisavam ter sua existência reconhecida pelo Direito, para que,
dotadas de personalidade, ganhassem capacidade jurídica e pudessem
adquirir direitos e contrair obrigações.
Até o século XIX, a doutrina ainda não era unânime quanto à
designação dessas entidades. Entre as sugestões de origem nacional, ganhou
certa relevância a de TEIXEIRA DE FREITAS, que pensou em chamá-las de
pessoas de existência ideal. O Código Civil argentino, inspirado no
esboço de FREITAS, chegou inclusive a utilizar essa expressão. Não obstante,
a denominação que se consagrou foi a de pessoas jurídicas, conquanto
alguns Códigos expressivos, como o Suíço, tenham preferido a expressão
pessoas morais.
111
A ideia genial por trás das pessoas jurídicas é a da separação. Isso
porque, apesar de serem, sempre, criação humana, ganham uma existência
que é separada do seu criador. A personalidade distinta implica existência
distinta e patrimônio distinto. Assim, o reconhecimento da existência das
pessoas jurídicas permite situações antes inimagináveis: a sobrevivência de
uma entidade, mesmo após a morte de seu criador, ou mesmo sua criação a
partir da morte, e a ausência de responsabilidade do criador pelas
obrigações contraídas pela pessoa jurídica, bem como desta pelas
obrigações daquele.
Além disso, após a criação da pessoa jurídica o patrimônio desta,
embora lhe seja atribuído pelo seu criador, não mais se confunde com o
patrimônio particular dele. Pode acontecer de a pessoa jurídica mostrar-se
extremamente eficiente e multiplicar seu patrimônio, e de seu criador se
tornar insolvente. Não poderá a pessoa jurídica, jamais, ser responsabilizada
por dívidas que não sejam suas.
Aqui, impende chamar a atenção do leitor para um costume
problemático. Trata-se do emprego da expressão dono para se referir aos
sócios de algumas pessoas jurídicas. É que pessoas jurídicas, pessoas que
são (e não bens), não têm donos, mas sim controladores, administradores,
diretores, presidentes etc. Voltaremos ao tema ao tratar das hipóteses de
desconsideração da personalidade jurídica.
Vale destacar que, conforme o art. 52 do Código Civil, as pessoas
jurídicas também têm direitos da personalidade, os quais também são
tutelados pelo ordenamento. Há que se ter cuidado com o fato de que nem
todos os direitos da personalidade da pessoa natural são atribuídos à pessoa
jurídica, por óbvio. Assim, se, por um lado, direitos da personalidade como
o direito ao nome, o direito à imagem e o direito à honra objetiva são
atribuídos à pessoa jurídica, não faz sentido, por outro lado, pensar-se em
direito à busca da felicidade ou à identidade de gênero.
A propósito, consolidando a possibilidade de a pessoa jurídica ter
tutelado alguns direitos da personalidade, como no caso da honra objetiva, o
STJ definiu, por meio da Súmula 277, que “a pessoa jurídica pode sofrer
dano moral”. Em outubro de 2020, a mesma Corte decidiu que “danos
morais gerados a pessoa jurídica por venda de produtos falsificados podem
ser presumidos”. Conforme notícia publicada no portal eletrônico do112
Tribunal, a Terceira Turma decidiu que “a comercialização de produtos
falsificados afeta a identidade construída pelo titular da marca, resultando
na mudança de público-alvo e desvirtuando as qualidades que o proprietário
busca ver atreladas à sua imagem”.
O processo correu em segredo de justiça, razão pela qual o acórdão não
está acessível. No entanto, o trecho a seguir, da matéria publicada, permite
compreender melhor o caso:
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (TJSC) que, apesar de ter reconhecido a existência de danos
materiais em episódio de venda de produtos falsificados, afastou a
condenação das vendedoras ao pagamento de danos morais por
concluir que o uso indevido de uma marca não implicaria,
necessariamente, dano extrapatrimonial à pessoa jurídica titular desse
direito. Para o TJSC, a violação à honra e à imagem deveria ser
concretamente demonstrada pelo titular.
De acordo com o relator do recurso do proprietário da marca, ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, o entendimento tradicional do STJ é no
sentido de que os danos morais experimentados pela pessoa jurídica –
diferentemente daqueles sofridos pela pessoa física – não são
presumidos, devendo ser comprovados para que haja a compensação.
“Todavia, nos casos em que há violação do direito de marca,
notadamente naqueles em que há falsificação ou pirataria, o ato ilícito
atinge a própria identidade do titular do direito de propriedade
industrial”, explicou o ministro.
O julgado aborda a ofensa à honra de pessoa jurídica de direito privado,
razão pela qual surge a seguinte dúvida: pessoa jurídica de direito público
pode, também, ter direito à indenização por danos morais? O tema não
é pacífico. Uma corrente doutrinária defende que não há possibilidade de
reconhecimento desse direito aos entes públicos, pois o direito à honra e à
imagem, como direito fundamental, deve ser tutelado pelo Estado. Assim,
admitir que o próprio Estado detenha essa prerrogativa é o mesmo que
subverter a ordem natural dos direitos fundamentais. No julgamento do
Recurso Especial 1.258.389/PB, o STJ desacolheu pedido de indenização
113
114
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formulado pelo Município de João Pessoa em face de uma rede de rádio e
televisão, que teria supostamente veiculado, em sua programação,
informações que ofendiam a honra e a imagem da municipalidade. No
Recurso Especial 1.505.923/PR, a Corte chegou a mesma conclusão em um
caso envolvendo o IBAMA (autarquia federal). Segundo a Corte, uma
pessoa jurídica de direito público,de índole não comercial ou lucrativa, não
pode ser vítima de dano moral por ofensa perpetrada por particular.
Em novembro de 2020, contudo, a 2ª Turma do STJ definiu que a
pessoa jurídica de direito público tem, sim, direito à indenização por danos
morais no caso de violação da honra ou da imagem, quando a credibilidade
institucional é fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais
jurisdicionados é evidente. No caso concreto, uma procuradora do INSS
teria organizado um esquema criminoso de desvio de verbas dos cofres da
Previdência Social, gerando prejuízo de bilhões de reais. A autarquia
propôs, então, ação indenizatória contra a procuradora, afirmando que foi
prejudicada em razão dos crimes praticados, os quais promoveram
verdadeiro descrédito à instituição. Perceba que, diferentemente dos outros
casos, o pano de fundo deste último julgado é a conduta criminosa de uma
pessoa que, aproveitando-se da função que exercia, gerou prejuízos para a
autarquia e, consequentemente, para toda a coletividade. Dessa forma,
embora o STJ tenha posicionamento reconhecendo a impossibilidade de
pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral, essa orientação
não pode ser aplicada ao caso, pois o prejuízo social foi consideravelmente
maior do que a mera ofensa à honra objetiva da autarquia.
Teorias sobre a pessoa jurídica
Historicamente, a doutrina se dividiu quanto à concepção da pessoa
jurídica. Podem-se dividir as diversas teorias elaboradas sobre o tema em
dois grandes grupos: o das teorias da ficção, que negam a existência da
pessoa jurídica enquanto tal, e a das teorias da realidade, que afirmam a
existência da pessoa jurídica.
Entre as teorias da ficção destaca-se a teoria da ficção legal, defendida
por SAVIGNY, segundo a qual somente as pessoas naturais podem ser sujeito
115
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de direitos e obrigações, consistindo as pessoas jurídicas em uma criação
artificial, imaginária.
Entre as teorias da realidade, destacam-se a teoria da realidade
objetiva e a teoria da realidade jurídica, também chamada de teoria da
realidade técnica. A primeira, concebida por GIERKE e ZITELMAN, sustenta
que a vontade humana é apta para criar um organismo – a pessoa jurídica –
que passa a ter existência autônoma. A segunda, delineada por FERRARA,
argumenta que a personalidade é atributo jurídico, o qual o Direito concede
tanto às pessoas naturais quanto às pessoas jurídicas.
A teoria mais aceita entre nós atualmente é a teoria da realidade
jurídica (realidade técnica), a qual é consentânea com a disciplina das
pessoas jurídicas no Código Civil, sobretudo no que concerne às exigências
formais para que lhes seja atribuída personalidade.
Pessoa jurídica: início da personalidade
A criação das pessoas jurídicas é sempre obra humana e pode se dar, no
caso das pessoas jurídicas de Direito Privado, por atos jurídicos bilaterais
ou unilaterais. Assim, tanto pode se criar uma sociedade por contrato (ato
bilateral) entre certas pessoas, quanto se pode criar uma fundação por
testamento (ato unilateral).
Independentemente do momento da sua criação, a pessoa jurídica de
Direito Privado somente adquire personalidade jurídica quando o ato que a
constituiu é levado a registro (art. 45), no cartório do Registro Civil das
Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial, dependendo do caso.
Antes de ser efetuada a inscrição no registro público, a pessoa jurídica
simplesmente não existe para o Direito, e os atos eventualmente praticados
em nome dela são considerados, para todos os fins jurídicos, atos das
pessoas naturais que os praticaram (em geral, os sócios ou os
administradores).
Assim, por exemplo, se uma sociedade não registrada compra um bem,
o bem será considerado comprado pela pessoa natural que celebrou o
contrato em nome da pessoa jurídica.
116
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Também no caso da pessoa jurídica é fundamental determinar o
momento em que se inicia sua personalidade civil. Isso porque, ao adquirir
personalidade, a pessoa jurídica ganha patrimônio distinto do patrimônio
de quem a criou. Não seria necessário dizer, por óbvio, que também a
personalidade da pessoa jurídica não se confunde com a daqueles que a
criaram.
No exemplo mencionado, da sociedade não registrada que compra um
bem, imaginemos que o preço (R$ 10.000,00) não seja dado ao vendedor.
Ao averiguar a situação da sociedade, descobre-se que o patrimônio que se
diz dela é de apenas R$ 1.000,00, mas que os dois sócios – que assinaram o
contrato em nome da sociedade – têm patrimônios de mais de R$
1.000.000,00. Pergunta-se: o vendedor ficará a ver navios? Não. Isso
porque, se a sociedade não foi registrada, não existe para o Direito: não tem
personalidade e, portanto, não tem patrimônio próprio. Logo, o patrimônio
pessoal de quem praticou o ato em nome da sociedade – nesse caso, os
próprios sócios – responderá pela dívida de R$ 10.000,00.
Por outro lado, após o registro do título constitutivo, não se pode
confundir nem a personalidade da pessoa jurídica com a dos que a criaram,
ou que a administram, nem confundir os patrimônios.
Pessoa jurídica: fim da personalidade
Uma curiosa questão que deve ter ocorrido ao leitor refere-se ao
momento em que se extingue a personalidade da pessoa jurídica.
Vez que a pessoa jurídica não morre, sua extinção depende de um ato de
vontade dos associados, sócios ou administradores, chamado de
dissolução. No caso específico das sociedades empresárias (as que se
enquadram no conceito do art. 982), a extinção também pode ocorrer em
razão de falência. Em qualquer caso, seja de dissolução ou de falência, a
pessoa jurídica mantém sua personalidade até que ocorra a liquidação (art.
51). Somente após a liquidação é que se pode cancelar o registro – seja no
cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, seja na Junta Comercial,
dependendo do caso –, quando então a pessoa desaparece do mundo
jurídico (art. 51, § 3º). Fazendo uma analogia com o que se passa com a
pessoa natural, pode-se afirmar que a liquidação da pessoa jurídica
117
118
119
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corresponde à morte da pessoa natural, e que o cancelamento do registro
corresponde ao registro do óbito.
Categorias de pessoa jurídica
As pessoas jurídicas podem ser de Direito Público ou de Direito
Privado (art. 40).
Pessoas jurídicas de Direito Público são a União, os Estados, o Distrito
Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias, as associações
públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei (art. 41).
Pessoas jurídicas de Direito Privado, por sua vez, são as associações, as
sociedades e as fundações (art. 44, incs. I, II e III). Essa classificação vige
entre nós desde a entrada em vigor do novo Código Civil, em 2003. Desde
então deixaram de existir as sociedades civis sem fins lucrativos (que se
enquadram no conceito atual de associação) e as sociedades mercantis
(que se enquadram no conceito atual de sociedade empresária).
Veja-se que, embora a Lei 10.825/2003 tenha acrescentado ao rol do art.
44 as organizações religiosas e os partidos políticos, o Direito Civil não
se ocupa de seu estudo. Com relação aos partidos políticos, impende
destacar que são disciplinados pela Lei 9.096/95.
A Lei 12.441/2011 acrescentou mais uma espécie ao rol das pessoas
jurídicas de Direito Privado do art. 44 do Código: as denominadas
empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI). Contudo,
em 2021, essa forma societária foi extinta pela Lei 14.195/2021. Trata-se de
reflexo da Lei 13.874/2019, que admitiu expressamente a constituição de
sociedade limitada unipessoal (art. 1.052 do CC). Tanto a EIRELI quanto a
sociedade limitada unipessoal objetivavam incentivar o empreendedorismo,
possibilitando a limitação da responsabilidade do empresário. Contudo, no
primeiro caso, a constituição dependia da integralização do capital social
equivalente a pelo menos 100 (cem) salários mínimos. Na sociedade
limitada unipessoal, criada posteriormente à EIRELI, não há restrição
patrimonial nem a impossibilidade de um mesmo titular constituir mais de
uma sociedade unipessoal – como4.4 Posse com justo título e sem justo título
4.5 Posse de boa-fé e de má-fé
4.6 Posse direta e posse indireta
4.7 Composse
4.8 Posse ad usucapionem
4.9 Posse ad interdicta
5. DETENÇÃO
5.1 Detenção no art. 1.198 – o servidor ou fâmulo da
posse53
5.1.1 Autoproteção
5.2 Detenção no art. 1.208 – os casos de mera
permissão ou tolerância
5.3 Detenção e posse natural
6. DIREITO DE INÉRCIA POSSESSÓRIA E DIREITO DE
POSSUIR
7. FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE
8. OBJETO DA POSSE
8.1 Considerações acerca da posse de servidões
9. AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE
9.1 Aquisição da posse
9.1.1 Aquisição originária
9.1.2 Aquisição derivada
9.2 Quem pode adquirir a posse
9.3 Aquisição a título universal e a título singular
9.4 Extensão da aquisição da posse das coisas
imóveis
9.5 Perda da posse
9.5.1 Derrelicção
9.5.2 Tradição
9.5.3 Esbulho
9.5.4 Destruição
10. EFEITOS DA POSSE
10.1 Proteção possessória
10.1.1 Legítima defesa da posse
10.1.2 Ação de reintegração de posse
10.1.3 Ação de manutenção de posse
10.1.4 Interdito proibitório
10.1.5 Outras considerações acerca das ações
possessórias
10.1.5.1 Fungibilidade das ações
possessórias
10.1.5.2 Natureza dúplice das ações
possessórias
10.1.5.3 Exceção de domínio
10.1.5.4 Pedidos cumulados
10.1.5.5 Manutenção provisória na posse
10.1.5.6 Ajuizamento de ação possessória em
face de terceiro
10.1.5.7 Nomeação à autoria – ilegitimidade
do réu85
10.2 Percepção dos frutos
10.3 Responsabilidade pela perda ou deterioração da
coisa
10.4 Indenização pelas benfeitorias
10.5 Usucapião
Propriedade (arts. 1.228 a 1.368-A)
1. CONCEITO DE PROPRIEDADE
2. PODERES DA PROPRIEDADE
2.1 Poder de usar
2.2 Poder de fruir
2.3 Poder de dispor
2.4 Poder de reivindicar
2.5 Direito de possuir
3. FUNDAMENTO DA PROPRIEDADE
3.1 Teoria da ocupação
3.2 Teoria do trabalho
3.3 Teoria da lei
3.4 Teoria do instinto de conservação
4. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
5. PROPRIEDADE PLENA E PROPRIEDADE LIMITADA
6. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE DO SOLO
7. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DOS BENS IMÓVEIS
7.1 Registro do título translativo
7.2 Usucapião
7.2.1 Fundamento da usucapião
7.2.2 Elementos configuradores
7.2.2.1 Posse ad usucapionem
7.2.2.2 Lapso temporal prescrito em lei
7.2.3 Modalidades de usucapião
7.2.3.1 Usucapião extraordinária
7.2.3.2 Usucapião ordinária
7.2.3.3 Usucapião especial urbana
7.2.3.4 Usucapião especial urbana coletiva
7.2.3.5 Usucapião especial rural
7.2.3.6 Usucapião social indenizada
7.2.3.7 Usucapião por abandono do lar
7.2.4 Procedimentos de usucapião
7.3 Acessão
7.3.1 Formação de ilhas
7.3.2 Aluvião
7.3.3 Avulsão
7.3.4 Abandono de álveo
7.3.5 Plantações e construções
8. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DOS BENS MÓVEIS
8.1 Tradição
8.1.1 Tradição nua e tradição por quem não é
dono
8.2 Ocupação
8.3 Achado do tesouro
8.4 Especificação
8.5 Confusão, comistão e adjunção
8.6 Usucapião
8.6.1 Usucapião ordinária
8.6.2 Usucapião extraordinária
9. DESCOBERTA OU INVENÇÃO
10. PERDA DA PROPRIEDADE
10.1 Alienação
10.2 Renúncia
10.3 Abandono
10.4 Perecimento da coisa
10.5 Desapropriação
11. CONDOMÍNIO
11.1 Condomínio voluntário
11.1.1 Direitos dos condôminos
11.1.2 Deveres dos condôminos
11.1.3 Administração do condomínio voluntário
11.2 Condomínio necessário
11.3 Condomínio edilício
11.3.1 Natureza jurídica do condomínio edilício
11.3.2 Condomínio de lotes – condomínio edilício
em loteamento fechado
11.3.2.1 Polêmica anterior à Lei 13.465/2017
e as associações
11.3.3 Instituição, constituição e regulamentação
do condomínio edilício
11.3.4 Direitos e deveres dos condôminos
11.3.5 Realização de obras
11.3.6 Despesas condominiais: aspectos
relacionados à cobrança
11.3.7 Administração do condomínio edilício
11.3.8 Extinção do condomínio
11.4 Condomínio em multipropriedade ou com posse
compartilhada
11.4.1 Conceito e origem do condomínio em
multipropriedade
11.4.2 Características do condomínio em
multipropriedade
11.4.3 Instituição do condomínio em
multipropriedade
11.4.4 Direitos e deveres dos condôminos
multiproprietários
11.4.5 Transmissão dos direitos decorrentes do
condomínio em multipropriedade
11.4.6 Administração do condomínio em
multipropriedade
11.4.7 Condomínio em multipropriedade em
condomínio edilício
11.5 Fundos de investimento
12. DIREITOS DE VIZINHANÇA
12.1 Uso da propriedade
12.2 Árvores limítrofes
12.3 Passagem forçada
12.4 Passagem de cabos e tubulações
12.5 Águas
12.6 Limites entre prédios
12.7 Construção
13. PROPRIEDADE RESOLÚVEL
14. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
14.1 Especificidades em relação à propriedade
fiduciária de veículos
Direitos Reais sobre a Coisa Alheia (arts. 1.369 a 1.510)
1. DIREITOS REAIS DE USO E FRUIÇÃO
1.1 Superfície
1.1.1 Direitos e deveres do superficiário e do
concedente
1.1.2 Extinção da superfície
1.2 Servidão
1.2.1 Classificação da servidão
1.2.2 Direitos e deveres decorrentes da servidão
1.2.3 Extinção das servidões
1.3 Usufruto
1.3.1 Classificação do usufruto
1.3.2 Direitos e deveres do usufrutuário
1.3.3 Extinção do usufruto
1.4 Uso
1.5 Habitação
1.6 Laje
1.7 Enfiteuse
2. DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO
3. DIREITOS REAIS DE GARANTIA
3.1 Normas gerais incidentes sobre os direitos reais de
garantia
3.2 Penhor
3.2.1 Direitos do credor pignoratício
3.2.2 Deveres do credor pignoratício
3.2.3 Extinção do penhor
3.2.4 Penhor rural
3.2.5 Penhor industrial e mercantil
3.2.6 Penhor de direitos e títulos de crédito
3.2.7 Penhor de veículos
3.2.8 Penhor legal
3.3 Hipoteca
3.3.1 Hipoteca legal
3.3.2 Registro da hipoteca
3.3.3 Extinção da hipoteca
3.3.4 Hipoteca de vias férreas
3.4 Anticrese
Noção de Família
1. CONCEITO DE FAMÍLIA
2. MODELOS DE FAMÍLIA
2.1 Família matrimonial
2.2 Família por união estável entre homem e mulher
2.3 Família homoafetiva
2.4 Família mosaico
2.5 Família monoparental
2.6 Família parental
2.7 Família paralela
2.8 Família poliafetiva
Princípios Informadores do Direito de Família
1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
2. PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DOS MODELOS DE
FAMÍLIA
3. PRINCÍPIO DO LIVRE PLANEJAMENTO FAMILIAR
4. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR
Casamento (arts. 1.511 a 1.582 e 1.639 a 1.688)
1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO
2. MODALIDADES DE CASAMENTO-ATO
2.1 Casamento civil
2.2 Casamento religioso
2.3 Casamento homoafetivo
2.4 Casamento por mandatário
2.5 Casamento nuncupativo
2.6 Casamento consular
2.7 Casamento putativo
2.8 Casamento estrangeiro
3. CAPACIDADE PARA CASAR
4. IMPEDIMENTOS AO CASAMENTO
4.1 Impedimentos dirimentes
4.1.1 Impedimentos dirimentes públicos (causas
impeditivas)
4.1.1.1 Impedimento do incesto
4.1.1.2 Impedimento da bigamia
4.1.1.3 Impedimento do favorecimento do
homicídio
4.1.2 Impedimentos dirimentes privados
4.1.2.1 Ausência de idade mínima
4.1.2.2 Ausência de autorização
4.1.2.3 Erro e coação
4.1.2.4 Incapacidade de consentir ou de
manifestar inequivocamente o consentimento
4.1.2.5 Revogação do mandato
4.2 Impedimentos impedientes (causas suspensivas)
4.2.1 Morte do cônjuge
4.2.2 Presunção de paternidade
4.2.3 Divórcio, pendente partilha de bens
4.2.4 Exercício e prestação de contas da tutela ou
curatela
5. HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO
5.1 Apresentação de documentos
5.2 Proclamas (edital)
5.3 Registro
5.4 Extração de certificado
6. CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO
7. PROVAS DO CASAMENTO
7.1 Posse do estado de casados
7.2 In dubio pro matrimonio
7.3 Sentença declaratória do casamento
8. INVALIDADE DO CASAMENTO
8.1 Causas de nulidade
8.2 Causas de anulabilidade
8.2.1 Casamento do menor de dezesseis anos
8.2.2 Casamento do menor em idade núbil, sem
autorização
8.2.3 Erro ou coação
8.2.3.1 Erro
8.2.3.2 Coação
8.2.4 Incapacidade de consentir ou manifestar o
consentimento
8.2.5 Revogação do mandato
8.2.6 Incompetência da autoridade celebrante
9. EFEITOS DO CASAMENTO
9.1 Direitos referentes à direção da sociedade conjugal
e da família
9.2 Direito de acrescer o sobrenome do cônjuge ao
seu
9.3 Deveres dos cônjuges
9.3.1 Dever de fidelidade recíproca
9.3.2 Dever de vida em comum no domicílio
conjugal
9.3.3 Dever de mútua assistência
9.3.4 Dever de sustento, guarda ehavia para o caso de EIRELI. Em suma,
como há maior vantagem na constituição do segundo tipo societário, o
legislador optou por extinguir a EIRELI, prevendo, ainda, que todas as
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empresas individuais de responsabilidade limitada existentes serão
transformadas em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de
alteração dos atos constitutivos ou da solicitação do titular.
Ao nosso estudo interessam tão somente as associações, as sociedades e
as fundações, razão pela qual passaremos à sua análise. Frise-se que um
estudo mais aprofundado das sociedades é feito, atualmente, também pelo
Direito Empresarial, não obstante a disciplina da matéria ter sido
incorporada pelo Código Civil; nosso exame, nesse ponto, será superficial,
restrito ao escopo do Direito Civil.
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Associações são entidades criadas pela reunião de pessoas para a
consecução de atividades não econômicas (art. 53 do Código). Exemplos
bem corriqueiros são as associações atléticas, estudantis, de bairro,
educacionais, de classe etc.
Para fins da criação de associações, consideram-se não econômicas as
atividades que não tenham como finalidade precípua a obtenção de lucro.
Isso não quer dizer que as associações não possam ter lucro; o que elas não
podem é ter fins lucrativos. Os eventuais lucros obtidos por uma associação
devem ser revertidos em benefício da própria associação, e não distribuídos
aos associados.
A criação das associações se dá por estatuto, o qual, nos termos do art.
54 do Código, deve necessariamente conter: a denominação, os fins e a sede
da associação; os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos
associados; os direitos e deveres dos associados; as fontes de recursos para
sua manutenção; o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos
deliberativos; as condições para a alteração das disposições estatutárias e
para a dissolução; a forma de gestão administrativa e de aprovação das
respectivas contas.
Vejamos um exemplo. Denominação: Associação dos Civilistas
Brasileiros. Finalidade: proporcionar um espaço para a discussão e
atualização do Direito Civil, bem como para perpetuar a memória dos
civilistas pátrios. Sede: Avenida Afonso Pena, s/n, Belo Horizonte, MG.
Requisitos para admissão: requerimento de associação e pagamento de taxa.
Requisitos para demissão: requerimento de demissão. Requisitos para
exclusão: decisão do conselho administrativo ao final do devido processo.
Direitos e deveres dos associados: participar dos eventos promovidos pela
Associação independentemente do pagamento de inscrição; utilizar a
biblioteca localizada na sede; pagar a contribuição mensal de manutenção.
Fontes de recursos para manutenção: contribuição mensal dos associados e
taxa de associação, para admissão de associados novos. Modo de
constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos: conselho
administrativo eleito em assembleia geral anual, composto de dez
associados; reuniões do conselho todas as segundas-feiras às 19h, ou em
outras ocasiões em que se fizer necessário, bastando a convocação dos
conselheiros com 24h de antecedência. Condições para alterações
estatutárias: voto da maioria dos associados presente na assembleia geral
anual. Condições para dissolução: voto de três quintos de todos os
associados, independentemente do número de presentes, em assembleia
extraordinária convocada com esse fim. Forma de gestão administrativa:
administração pelo conselho administrativo. Forma de aprovação das
contas: discussão na assembleia geral anual, devendo a planilha contábil ser
enviada para cada associado juntamente com a convocação para a
assembleia.
O leitor não deve se esquecer jamais de que a associação somente
adquire personalidade jurídica quando o estatuto é registrado (no ofício do
Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou, na falta deste, no ofício do Registro
de Títulos e Documentos, conforme o art. 2º, II, da Lei de Registros
Públicos – Lei 6.015/73).
Embora os associados devam ter, em regra, os mesmos direitos, é
possível que, no estatuto, sejam instituídas categorias com vantagens
especiais (art. 55). No caso de associações atléticas, comumente chamadas
de clubes, por exemplo, é comum haver uma categoria de “sócios”
simplesmente, e outra dos chamados “sócios-proprietários”, com vantagens
especiais. Seriam simplesmente “sócios” (na verdade, associados) aqueles
que, para utilizar o clube, associam-se e pagam apenas uma contribuição
mensal. Já os “sócios-proprietários” (na verdade, associados quotistas)
seriam os que, para se associar, adquirem uma quota da associação. Uma
vantagem que esses associados têm, em regra, é a de não pagar para
participar dos eventos do clube, como, por exemplo, um baile de carnaval.
Já os outros associados, nesses casos, teriam de pagar pelo ingresso. Na
verdade, juridicamente falando, não se trata de proprietários, vez que, como
vimos, as pessoas jurídicas não são objeto de propriedade.
Salvo disposição expressa no estatuto, a qualidade de associado é
intransmissível (art. 56, caput). Ainda que o associado seja titular de quota
ou fração ideal do patrimônio da associação, estabelece o parágrafo único
do art. 56 que a transferência da quota ou fração ideal não implica
transferência da qualidade de associado, a não ser que o estatuto disponha
diversamente.
A exclusão de associado é possível e deve obedecer ao procedimento
previsto no estatuto, exigindo a lei que haja justo motivo e que seja
assegurado ao associado o direito de defesa e de recorrer da decisão (art.
57).
Com relação à administração da associação, o Código Civil prevê a
competência privativa da assembleia geral para destituir administradores e
alterar o estatuto, e o direito de um quinto dos associados de convocar os
órgãos deliberativos (arts. 59 e 60). Ressalte-se que, para que a assembleia
geral delibere sobre a destituição de administradores e a alteração do
estatuto, exige-se que seja especialmente convocada para esse fim,
observado o quorum estabelecido no estatuto (art. 59, parágrafo único).
Na hipótese de dissolução da associação, seu patrimônio será liquidado
e os associados que tiverem quotas ou frações ideais terão direito a recebê-
las (art. 61, primeira parte). O remanescente do patrimônio líquido será
destinado à associação designada no estatuto, ou, se este não dispuser sobre
o assunto, a uma instituição pública que tenha fins semelhantes ou
idênticos, que os associados deverão designar (art. 61, segunda parte).
É lícito aos associados deliberar, caso o estatuto não disponha nesse
sentido, que terão direito a receber, antes da destinação final do
remanescente do patrimônio líquido, a restituição das contribuições que
tiverem efetuado (art. 61, § 1º).
Imaginemos que a Associação X tem dois associados quotistas e dois
associados não quotistas. As quotas são no valor de R$ 5.000,00, e cada
associado pagou desde a instituição da associação, há dez anos, a
contribuição anual de R$ 1.000,00. Suponhamos que, à época da
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dissolução, a associação tivesse patrimônio líquido de R$ 70.000,00. Desse
patrimônio, serão descontados, em primeiro lugar, R$ 10.000,00 das quotas
de R$ 5.000,00 de cada um dos dois associados quotistas. Sobrarão, então,
R$ 60.000,00. Caso o estatuto assim determine, ou, se omisso, caso os
associados assim deliberem, poderão receber a restituição das contribuições
efetuadas: R$ 1.000,00 por ano durante dez anos, totalizando R$ 10.000,00
para cada associado. Sendo quatro os associados, serão descontados do
patrimônio remanescente da associação R$ 40.000,00, e sobrarão R$
20.000,00 para serem transferidos a outra associação, a qual poderá ser uma
entidade privada (se houver a sua designação no estatuto) ou uma entidade
pública escolhida pelos associados (em ambos os casos, uma que tenha
finalidade semelhante ou idêntica).
Nos termos do parágrafo segundo do art. 61, na falta de instituição com
fins semelhantes ou idênticos no Município, no Estado, no Distrito Federal
ou no Território em que a associação estiver sediada, o remanescente do
patrimônioserá entregue à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da
União, de acordo com onde se situar a sede.
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O Código Civil de 2002 consolidou o entendimento de alguns juristas
de que somente deveria ser classificada como sociedade a entidade criada
por um grupo de pessoas com finalidade lucrativa. Assim, deixou de
existir a chamada sociedade civil sem fins lucrativos, que se enquadra, hoje,
no conceito de associação.
A outra inovação do Código Civil de 2002 foi dedicar todo um livro ao
chamado Direito de Empresa (arts. 966 a 1.195), para dentro do qual foi
deslocado o estudo das sociedades, não só das empresárias (anteriormente
chamadas de mercantis) – destacadas do Código Comercial – como
também das não empresárias. Segundo o art. 982, considera-se empresária a
sociedade que desenvolve atividade típica de empresário – a qual, conforme
o art. 966, é a atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços – e não empresárias as demais. Na
linguagem dos comercialistas, o objeto da atividade das sociedades
empresárias (assim como dos empresários individuais) constitui elemento
120
121
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de empresa. Frise-se que, segundo o parágrafo único do art. 966 do Código,
não se considera atividade empresária o exercício de profissão intelectual,
de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de
auxiliares ou colaboradores.
A pretensão do legislador foi a de contribuir para a unificação do Direito
Privado, tal como sugerira TEIXEIRA DE FREITAS no século XIX, e à
semelhança do que fez o legislador italiano de 1942.
Na verdade, embora o Direito de Empresa esteja compreendido no
Código Civil, seu estudo continua não sendo objeto do Direito Civil, e sim
do modernamente denominado Direito Empresarial.
Dentro do escopo desta obra, puramente de Direito Civil, cabe a nós
destacar, além do que já foi dito, que também a sociedade somente adquire
personalidade jurídica a partir do registro: se empresárias, no Registro
Público de Empresas Mercantis (nas Juntas Comerciais dos Estados); se não
empresárias, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
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As fundações são, por assim dizer, patrimônios personalizados.
Diferentemente do que se passa com as associações e as sociedades, as
quais são compostas de pessoas reunidas para a consecução de um
determinado fim, no caso das fundações é um patrimônio que é posto à
consecução de certas finalidades admitidas pela lei. Não se pode
constituir fundação para a realização de atividades de nenhuma outra
natureza (art. 62, parágrafo único, do Código).
Até a entrada em vigor da Lei 13.151/2015, somente se admitia a
constituição de uma fundação para fins religiosos, morais, culturais e de
assistência (redação original do art. 62, parágrafo único). Todavia, a Lei
13.151/2015 alterou a redação do dispositivo, e ampliou o rol das possíveis
finalidades de uma fundação:
Art. 62. [...]
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de:
I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção
do desenvolvimento sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de
informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos
humanos;
IX – atividades religiosas; e
X – (VETADO).
A constituição da fundação se dá pela dotação de bens livres para um
determinado fim, determinado pelo instituidor, por escritura pública ou por
testamento (art. 62, caput). Cabe também ao instituidor, no ato de dotação,
designar aqueles a quem incumbirá a elaboração do estatuto da fundação.
Estes, após cumprir a tarefa, deverão submeter o estatuto ao Ministério
Público, com recurso ao juiz (art. 65, caput). Se o instituidor não designar a
quem caberá a elaboração do estatuto, ou se o designado não cumprir a
tarefa no prazo estipulado, a incumbência caberá ao Ministério Público
(parágrafo único do art. 65).
Quando a fundação for instituída por negócio jurídico entre vivos,
deverá o instituidor transferir à fundação a propriedade ou outro direito
real, se for o caso, dos bens dotados. Se o instituidor não o fizer, os bens
serão registrados em nome da fundação, por mandado judicial (art. 64).
Qualquer alteração do estatuto dependerá, conforme o art. 67, de
deliberação por dois terços dos competentes para gerir e representar a
fundação; de não contrariar ou desvirtuar a finalidade desta; de ser aprovada
pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco)
dias, findo o qual, ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o
juiz supri-la, a requerimento do interessado.
No caso de a alteração não ser aprovada por unanimidade, os
administradores deverão submeter o estatuto ao órgão do Ministério
Público, requerendo que seja dada ciência à minoria vencida para que,
querendo, apresente impugnação, em dez dias (art. 68).
Como o leitor já deve ter percebido, o Ministério Público é o ente
estatal responsável pelos assuntos relativos às fundações, que deve, segundo
o art. 66, “velar” por elas. Velarão pelas fundações que estenderem sua
atividade por mais de um Estado os respectivos Ministérios Públicos
estaduais (art. 66, § 2º).
Após a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal do texto original do § 1º do art. 66, que atribuía ao Ministério
Público Federal a veladura pelas fundações situadas no Distrito Federal ou
em Território, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.794-8, de 2006, o
texto foi alterado pela Lei 13.151/2015, que atribuiu tal função ao
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Por fim, cumpre esclarecer que, caso os bens dotados sejam
insuficientes para constituir a fundação, deverão ser incorporados a outra
fundação, a qual se proponha a finalidade idêntica ou semelhante, salvo se
de outro modo tiver disposto o instituidor (art. 63). O mesmo ocorrerá se a
finalidade da fundação se tornar ilícita, impossível ou inútil, ou quando
atingido o termo final (se houver), caso em que qualquer interessado poderá
promover a extinção da fundação (art. 69).
Para que essas hipóteses fiquem mais claras, imaginemos que alguém
deixe R$ 10.000,00 para a criação de uma fundação de assistência à
moradia de estudantes universitários. Ora, esse montante não é suficiente
para que uma fundação forneça morada para universitários. Por essa razão,
esses R$ 10.000,00 seriam incorporados a uma outra fundação que tivesse a
mesma finalidade, ou, na falta desta, a outra fundação que tivesse por fim a
assistência universitária em geral.
E, como exemplo de fundação cujo fim se tornou ilícito, imaginemos
uma fundação de pesquisa genética de vegetais. Suponhamos que, por
alguma razão, uma lei proíba a pesquisa genética vegetal por entidades
privadas. Nesse caso, o patrimônio da fundação, após sua extinção, seria
incorporado ao de outra fundação de pesquisa botânica ou similar.
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PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
Associações reuniões de pessoas com finalidade não econômica
Sociedades reuniões de pessoas com o intuito de obter lucro
Fundações patrimônio personalizado para a promoção de certas
atividades previstas em lei
Nome da pessoa jurídica
O nome da pessoa jurídica depende da natureza da pessoa: em se
tratando de associações e fundações, a lei não faz exigências. Normalmente,
são chamadas de Associação A (geralmente se referindo à origem da
associação, por exemplo, Associação dos Moradores do Bairro) ou
Fundação B (neste caso, é comum o uso do nome do instituidor, por
exemplo, Fundação Teixeira de Freitas). Quanto às sociedades, todavia, são
feitas exigências, as quais variam de acordo com cada tipo societário. Em se
tratando de sociedade anônima, por exemplo, nos termos do art. 3º da Lei
das S.A. – Lei 6.404/76 –, “será designadapor denominação acompanhada
das expressões ‘companhia’ ou ‘sociedade anônima’, expressas por extenso
ou abreviadamente, mas vedada a utilização da primeira ao final”. Com
relação à denominação, estabelece a Lei das S.A.:
Art. 3º [...]
§ 1º O nome do fundador, acionista ou pessoa que, por qualquer outro
modo, tenha concorrido para o êxito da empresa, poderá figurar na
denominação.
§ 2º Se a denominação for idêntica ou semelhante a de companhia já
existente assistirá à prejudicada o direito de requerer a modificação,
por via administrativa (artigo 97) ou em juízo, e demandar as perdas e
danos resultantes.
Exemplo de nome de sociedade é Companhia Editora Jurídica, ou
Carvalho de Mendonça Empreendimentos S.A.
A denominação não é, contudo, a única espécie de nome empresarial. A
sociedade limitada, por exemplo, poderá adotar tanto a denominação quanto
a firma. Esta, por sua vez, é a espécie de nome empresarial na qual o seu
núcleo é composto sempre de um nome civil. São exemplos de firma social:
Silva e Barbosa; Silva e Barbosa Materiais de Construção.
Cabe destacar que o nome empresarial, de acordo com o art. 34 da Lei
8.934/1994, deve observar os seguintes princípios: da veracidade e da
novidade. Isso quer dizer que o nome empresarial não pode conter
nenhuma informação falsa. Como exemplo de aplicação desse princípio
temos o art. 1.165 do CC, que exige a exclusão da firma social do nome do
sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar. A novidade, por sua vez,
reflete a ideia de que o nome empresarial não pode ser igual ou semelhante
a outro existente e já registrado na Junta Comercial. O art. 1.163 do CC
consiste em uma manifestação do princípio da novidade: “O nome de
empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo
registro”.
Por fim, imprescindível não confundir o nome empresarial com outros
institutos, igualmente importantes e abordados no Direito Empresarial:
Nome
empresarial
Nome de
fantasia
Marca Domínio
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Designado
para
identificar o
empresário.
Expressão que
indica o título do
estabelecimento.
Expressão que
identifica os
produtos ou
serviços de
determinado
empresário e é
regulada pela Lei
9.279/1996.
Endereço
eletrônico
do
empresário.
Tão importante quanto o nome empresarial é o domicílio da pessoa
jurídica. Sobre o tema, conferir o item 2.6 do capítulo anterior.
Teoria da desconsideração da
personalidade jurídica
Vimos anteriormente que a atribuição de personalidade a certos entes
criados pela imaginação humana permite separar a pessoa jurídica das
pessoas naturais que a tenham criado, ou que a administrem. Mencionamos,
também, que há uma tendência de os criadores e administradores tratarem
da pessoa jurídica como se esta fosse patrimônio deles, daí, muitas vezes,
dizerem-se donos dela.
Essa postura leva alguns sócios, associados ou administradores a agirem
de forma lesiva para a pessoa jurídica, cometendo o que se denomina abuso
da personalidade jurídica. Tal abuso se caracteriza quando a finalidade da
pessoa jurídica é desviada, ou quando há confusão patrimonial.
A pessoa jurídica é criada com uma determinada finalidade, a qual,
obviamente, há de ser lícita: pode-se criar uma associação para fins
educacionais, uma sociedade para fabricar papel, uma fundação para prestar
assistência à saúde etc. Mas, e se, de repente, os associados resolvem se
utilizar do patrimônio da associação de fins educacionais para promover
viagens de férias periódicas? E se os sócios da fábrica de papel resolvem
usar o patrimônio da sociedade para importar carros de luxo? E se a
fundação de assistência à saúde resolve contratar cirurgiões plásticos para
realizar cirurgias nas esposas dos administradores?
Em todas essas hipóteses, ocorre desvio da finalidade da pessoa
jurídica. Diz-se desvio, vez que a atividade realizada por meio da pessoa
jurídica não é relacionada com a atividade-fim da associação, sociedade ou
fundação, mas com o benefício dos associados, sócios ou administradores.
Com relação à confusão patrimonial, configura-se quando não se pode
distinguir com clareza qual é o patrimônio da pessoa jurídica e qual é o
patrimônio particular dos associados, sócios ou administradores.
Voltando aos exemplos dados anteriormente, suponhamos que alguns
associados construam um edifício de apartamentos com dinheiro da
associação, e que, depois disso, com dinheiro próprio realizem uma série de
reformas na obra, para ali estabelecer suas residências. Passam, então, a
tratar o edifício como se fosse patrimônio particular. Chegam até a vender
apartamentos em nome da associação, mas embolsando os preços. O que
acontecerá é que não se saberá mais qual é o patrimônio da associação e
qual é o patrimônio dos associados. Isso poderia acontecer também nos
nossos exemplos da fábrica de papel e da fundação de assistência à saúde.
E se os credores da pessoa jurídica, cujo patrimônio se confunde com o
dos sócios, associados ou administradores, por não receberem o que lhes é
devido, resolvem acioná-la? Difícil seria determinar a quem pertence o
patrimônio.
O contrário também pode acontecer: os credores dos sócios, associados
ou administradores os acionam e então descobrem que eles não têm
patrimônio. Os apartamentos em que residem pertencem à associação, ou à
sociedade, ou à fundação. Não é localizado dinheiro em conta corrente dos
devedores, nem nenhum outro bem. Veja-se, mais uma vez, a confusão.
Pois bem. Essas duas situações, de desvio de finalidade e de confusão
patrimonial, são repelidas pela ordem jurídica, porquanto potencialmente
lesivas, tanto para a própria pessoa jurídica, quanto para seus credores.
Daí a adoção, pelo nosso direito, da chamada teoria da
desconsideração da personalidade jurídica. Tal doutrina se encontra hoje
positivada no art. 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a
utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de
fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou
do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas
contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante;
e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica
à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa
jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos
requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração
da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa
jurídica.
A teoria da desconsideração nasceu no Direito Anglo-saxão. Em 1809,
nos Estados Unidos, houve um conflito de competência envolvendo o Bank
of the United States. No Direito Norte-americano, os casos envolvendo
cidadãos de Estados diferentes devem ser julgados pela Justiça Federal.
Levando isso em consideração, o Bank of the United States ajuizou uma
ação em face de Peter Deveaux e Thomas Robertson, cidadãos de outro
Estado, na Justiça Federal. Instaurou-se, então, conflito de competência,
alegando-se que, não sendo a pessoa jurídica cidadã, não teria direito a
litigar nas cortes federais. Ao chegar o caso à Suprema Corte, o juiz
MARSHALL decidiu que seria possível considerar a origem dos cidadãos por
trás da pessoajurídica para autorizar o julgamento da ação pela Justiça
Federal. Na sua famosa decisão, MARSHALL ponderou que “o termo
‘cidadão’ deve ser compreendido da maneira como foi usado na
Constituição e como é usado em outras leis – isto é, para descrever pessoas
que vem à Justiça, neste caso sob o nome da sociedade”.
Essa decisão abriu espaço para que se construísse a ideia de, em alguns
casos, ser necessário “lift the corporate veil”, ou seja, “levantar o véu
corporativo”, para enxergar, por trás da pessoa jurídica, as pessoas naturais
que a administram, ou as pessoas naturais dos sócios. Surgiu, assim, a
disregard doctrine (doutrina da desconsideração), ou theory of lifting the
corporate veil.
No Direito contemporâneo, complicando um pouco o que poderia ser
mais simples, alguns doutrinadores começaram a falar em três teorias da
desconsideração da personalidade jurídica: uma teoria maior (que se
subdivide em objetiva e subjetiva), uma teoria menor e uma teoria
inversa.
A chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica
somente aceita a desconsideração excepcionalmente e nos casos de abuso
da personalidade jurídica. Bem se vê que é a adotada pelo Código Civil.
A vertente subjetiva da teoria maior considera essencial o elemento
anímico – intenção de lesar –, e se consubstancia na hipótese de desvio de
finalidade. Nesse sentido, o § 1º do art. 50 estabelece que o desvio de
finalidade se caracteriza pela “utilização da pessoa jurídica com o propósito
de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”.
Ainda sobre o desvio de finalidade, o § 5º estabelece expressamente que
não o configura “a mera expansão ou a alteração da finalidade original da
atividade econômica específica da pessoa jurídica”.
Já a vertente objetiva dispensa a intenção de lesar, e se consubstancia
na hipótese da confusão patrimonial. É certo que, segundo a teoria maior
objetiva, pode ocorrer a confusão patrimonial simplesmente por má
administração, sem que haja necessariamente a intenção de fraudar a pessoa
jurídica ou credores. Conforme o § 2º do art. 50, a confusão patrimonial se
122
caracteriza pela “ausência de separação de fato entre os patrimônios” da
pessoa jurídica e dos sócios, e se configura, nos termos dos incisos do novo
dispositivo, em caso de: “I – cumprimento repetitivo pela sociedade de
obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de
ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor
proporcionalmente insignificante; e III – outros atos de descumprimento da
autonomia patrimonial”.
A chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica,
por sua vez, aceita a desconsideração em outros casos além dos de abuso da
personalidade. Paradoxalmente, a teoria menor é a mais ampla, ou seja, a
que alberga mais hipóteses de desconsideração. Essa teoria foi a adotada
pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Lei Antitruste – Lei
12.529/11 –, e pela Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/98.
Veja-se o que determinam esses diplomas legais:
Código de Defesa do Consumidor
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento
ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má-administração.
Lei Antitruste
Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem
econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste
abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando
houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má administração.
Lei de Crimes Ambientais
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à
qualidade do meio ambiente.
Percebe-se que as três leis estenderam a aplicação da teoria da
desconsideração a casos não previstos na chamada teoria maior (a mais
restrita): são os casos de falência, insolvência ou encerramento das
atividades por má administração e de obstáculo à reparação dos
prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Infelizmente, por ampliar demasiadamente as hipóteses de
desconsideração, a chamada teoria menor desvirtua a teoria original.
Entendemos que a desconsideração da personalidade jurídica em casos em
que não há abuso da personalidade jurídica, apenas para proteger o
consumidor, a ordem econômica e o meio ambiente tangencia uma violação
ao princípio da separação. A má administração não configura por si só ato
ilícito, razão pela qual não pode ser punida pelo Direito. Na verdade, a má
administração é normalmente punida pelo próprio mercado, vez que os
sócios ou administradores sofrem prejuízos em razão dela. E, no caso da Lei
dos Crimes Ambientais, cuida-se quase que de uma hipótese de pena que
passa da pessoa do condenado, algo que o ordenamento jurídico reprova. A
pessoa jurídica comete crime ambiental, e, por não ser capaz de ressarcir os
prejuízos causados ao meio ambiente, a pena atinge seus sócios ou
administradores. Apesar da nossa crítica, o leitor deve saber que essa teoria
existe e que é aplicada.
Temos, ainda, a chamada teoria inversa da desconsideração da
personalidade jurídica, que permite a responsabilização da pessoa jurídica
por obrigações de seus sócios ou administradores, nas hipóteses em que se
abusa da pessoa jurídica para ocultar bens particulares dos sócios ou
administradores. Assim, em vez de “levantar o véu” da personalidade
jurídica para que eventual constrição de bens atinja o patrimônio dos sócios,
a desconsideração inversa objetiva atingir os bens da própria sociedade em
razão das obrigações contraídas pelo sócio, desde que, da mesma forma que
a desconsideração tradicional, sejam preenchidos os requisitos legais.
Um exemplo de desconsideração inversa seria o do sócio que, por
desenvolver atividades particulares arriscadas, opta por comprar seus bens
sempre em nome da sociedade. Isso lhe permite usar do patrimônio assim
adquirido como se fosse seu, mas garantir que, em uma hipótese de
execução, não haverá nenhum bem em seu nome para ser penhorado.
Cuida-se, também aqui, de abuso da personalidade jurídica por meio da
confusão patrimonial. Daí por que, por aplicação da teoria inversa, o juiz
poderá determinar a responsabilização do patrimônio da pessoa jurídica
pelas obrigações contraídas pelo sócio.
Essa teoria já era plenamente acolhida pela jurisprudência e doutrina
antes da Lei 13.874/2019, que, além de alterar o art. 50 do Código Civil,
trouxe expressamente a possibilidade de desconsideração inversa (§ 3º). A
título de exemplo, no REsp 1.236.916, o STJ admitiu a desconsideração do
sócio controlador de sociedade empresária que transfere parte de seus bens
à pessoa jurídica controlada com o intuito de fraudar a partilha. Nesse caso,
a legitimidade para requerer a medida é da companheira ou do cônjuge
prejudicado.
Na lei processual civil, o § 2º do art. 133 do CPC/2015 consolidou o
entendimento jurisprudencial ao permitir que as disposições relativas ao
incidente também sejam aplicadas à hipótese de desconsideração inversa da
personalidade jurídica. Sobre o incidente, considerando que se trata de
matéria processual, sugerimos a leitura do volume único do Curso Didático
de Direito Processual Civil, de autoria de ELPÍDIO DONIZETTI.
Por fim, a doutrina costuma elencar mais duas hipóteses de
desconsideração da personalidade jurídica, a saber: a desconsideração
indireta e a desconsideração expansiva. No primeiro caso, há uma
sociedade controladora que comete abuso por meio de outra empresa que
figura como controlada. Aplica-se aos casos de grupos ou conglomerados
econômicos, que utilizam empresasmenores para praticar os atos descritos
no art. 50 do Código Civil. No segundo, utiliza-se a figura do “laranja” ou
para acobertar fraudes.
TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
Teoria maior objetiva (mais restrita) Ò autoriza a
desconsideração somente nos casos de confusão patrimonial
123
Teoria maior subjetiva (mais restrita) Ò autoriza a
desconsideração somente nos casos de desvio de finalidade
Teoria menor (mais
ampla) → autoriza a
desconsideração em
casos em que não houve
abuso da personalidade
jurídica
Código de Defesa do Consumidor →
falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má
administração
Lei Antitruste → falência, estado de
insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração
Lei de Crimes Ambientais → obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos
causados à qualidade do meio
ambiente
Teoria inversa → autoriza a responsabilização do patrimônio da
pessoa jurídica por dívida dos sócios ou administradores
Quadro Esquemático 2
_____________
A ideia original não é nossa. Seguimos, quanto ao assunto, a teoria de TEIXEIRA DE
FREITAS expendida em seu Esboço do Código Civil.
Em outra oportunidade, a 4ª Turma do STJ garantiu o direito de ex-companheiro
visitar animal de estimação após a dissolução da união estável. A cadela havia sido
adquirida no decorrer da união e, embora pudesse ser enquadrada na categoria de bens
semoventes, suscetível de posse e propriedade, a Turma concluiu que ela não poderia
ser considerada como mera “coisa inanimada”, merecendo, pois, tratamento peculiar
em virtude das relações afetivas estabelecidas com os seres humanos (número do
processo não divulgado por estar em segredo de justiça).
A terminologia foi adotada por BEVILÁQUA no projeto original do Código Civil, mas
abandonada nas diversas reformas procedidas no trabalho.
FREITAS, Augusto Teixeira de. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: B. L. Garnier,
1882. p. 386. Lá, FREITAS revê o Esboço e adota as expressões “pessoas naturais” e
“pessoas jurídicas”.
Neste trabalho, adotaremos a terminologia pessoas naturais e pessoas jurídicas,
porquanto em consonância com a doutrina atual e com o Código Civil.
De acordo com a notícia divulgada no site do Tribunal (www.tjpr.jus.br), “a ação
originária foi ajuizada em agosto de 2020 pelos cães Spyke e Rambo e a Organização
não Governamental (ONG) que os resgatou. Na petição inicial, foi relatado que os
animais estavam há 29 dias sozinhos no imóvel, pois os tutores estavam viajando.
Segundo a petição, poucas vezes alguém apareceu para fornecer água e alimento aos
cães. Preocupados, os vizinhos passaram a alimentar os animais e chamaram a ONG e
a Polícia Militar para verificar a situação. Os dois animais foram resgatados pela
Organização e levados a uma clínica veterinária, onde foi constatado que o cão Spike
estava com lesões e feridas. Diante dos fatos relatados, a ONG e os cachorros
ajuizaram a ação de reparação de danos em face de seus antigos tutores, solicitando
que os cães fossem reconhecidos como parte autora do processo. Pediram, também, o
ressarcimento dos valores gastos pela ONG, além da condenação dos réus ao
pagamento de indenização por danos morais, pelo sofrimento causado, e uma pensão
mensal aos animais, até que eles passem para a guarda definitiva da ONG. Ao apreciar
a demanda, o Juízo de Primeiro Grau extinguiu a ação sem resolução de mérito em
relação aos cachorros Spyke e Rambo, por entender que não possuem capacidade de
ser parte em um processo. Os autores da ação recorreram, mediante recurso de agravo
53
54
55
56
57
58
http://www.tjpr.jus.br/
de instrumento, solicitando a reforma da decisão pelo TJPR, tendo a 7ª Câmara Cível
reconhecido os cães como parte autora”.
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral, cit., p. 88-89.
“É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da
mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção
humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e
pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde.”
A teoria da capacidade reduzida é uma proposta do Prof. FELIPE QUINTELLA, um dos
autores desta obra, e foi desenvolvida com base em seus estudos da teoria das
capacidades na obra e no pensamento de AUGUSTO TEIXEIRA DE FREITAS.
Art. 243 do Esboço do Código Civil.
A jurisprudência vem considerando válido esse tipo de declaração. Veja, por exemplo,
julgado de 2013 proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Apelação
cível. Assistência à saúde. Biodireito. Ortotanásia. Testamento vital. 1. Se o paciente,
com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo
psicológico, morrer para ‘aliviar o sofrimento’; e, conforme laudo psiquiátrico, se
encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo
e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo
nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão
da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por
meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido
no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto
no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A
Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite
que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando
mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir
tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer
que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser
constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual
acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o
denominado testamento vital, que figura na Resolução 1.995/2012, do Conselho
Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida” (TJ-RS, AC 70054988266 RS, relator:
Irineu Mariani, data do julgamento: 20/11/2013, 1ª Câmara Cível, data da publicação:
27/11/2013).
Como já queria TEIXEIRA DE FREITAS, no art. 16 do seu Esboço do Código Civil.
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Adota-se aqui a teoria das capacidades de TEIXEIRA DE FREITAS, desenvolvida nas
obras Esboço do Código Civil e Nova Apostila, a qual inspirou parcialmente os
projetos de Código Civil brasileiro.
É o conceito proposto por TEIXEIRA DE FREITAS.
Idem.
As aspas se devem ao fato de que, para nós, considerando os conceitos com os quais
trabalhamos, não há problema nenhum em considerar esses entes pessoas. Ao
contrário, problema há em não considerá-los pessoas e, ao mesmo tempo, reconhecer
direitos que eles adquirem, e atos que praticam.
Devidamente explicados, com detalhes, no Esboço do Código Civil e na Nova
Apostila.
Esta crítica pode ser aprofundada por meio da consulta à dissertação de Mestrado de
um dos autores desta obra, o Prof. FELIPE QUINTELLA, defendida no Programa de Pós-
graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulada “Teixeira
de Freitas e a história da teoria das capacidades no Direito Civil brasileiro”.
FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço, cit., p. 45.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1956. p. 155.
Pesquisa realizada por um dos autores desta obra, o Prof. FELIPE QUINTELLA, em
conjunto com a Prof. MARIANA LARA, da Faculdade de Direito Milton Campos, e
relatada em artigo apresentado no XXIII Congresso Nacional do CONPEDI,
posteriormente publicado (Notas históricas sobre a incapacidade do pródigo;
disponível em: )
revela que a proposta de exclusão do pródigo do rol do art. 4º do Código Civil de
2002 foi rejeitada de maneira absurda, com recurso a opiniões de economistas
francesesdo século XIX, Bastiat e Cauwès.
STJ, AgRg no Ag 1.239.557/RJ, Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, data do
julgamento: 9/10/20212, data da publicação: 17/10/2012.
Redação original do art. 1.520: “Excepcionalmente, será permitido o casamento de
quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou
cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”. Nova redação, dada ao
dispositivo pela Lei 13.811/2019: “Não será permitido, em qualquer caso, o
casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste
Código”.
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http://publicadireito.com.br/publicacao/ufpb/livro.php?gt=266
CÉSAR FIUZA entende que a anulação do casamento do menor restabelece a sua
incapacidade (FIUZA, César. Direito civil, cit., p. 127). WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO, por sua vez, entende que a anulação não implica retorno do emancipado à
condição de incapaz (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil:
parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 67).
Também adotam esse posicionamento CARLOS ROBERTO GONÇALVES e FLÁVIO
TARTUCE (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 1. p. 139; TARTUCE, Flávio. Direito civil. 7. ed. São Paulo: Método,
2011. v. 1. p. 161).
CPC/73, Art. 1.159. “Desaparecendo alguém do seu domicílio sem deixar
representante a quem caiba administrar-lhe os bens, ou deixando mandatário que não
queira ou não possa continuar a exercer o mandato, declarar-se-á a sua ausência.”
A Emenda Constitucional 66, que excluiu a etapa na separação judicial no processo de
dissolução do casamento, em nada alterou, todavia, a norma do art. 25 do Código.
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil.
38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 3. p. 424. FLÁVIO TARTUCE, contudo,
interpreta o dispositivo como se o prazo de cento e oitenta dias fosse um prazo
especial para o trânsito em julgado da sentença (TARTUCE, Flávio. Direito civil, cit.,
v. 1, p. 215).
Segundo o art. 115, dá-se a representação por vontade do representado ou por força
de lei. Nesse caso, trata-se de representação legal.
Sabe-se que certos transtornos mentais, que podem durar considerável lapso de tempo,
podem levar pessoas ao afastamento da família e do lugar de sua residência, razão
pela qual, às vezes, são recolhidas a instituições de assistência.
Não obstante a diferença conceitual entre o domicílio político e o domicílio civil,
veja-se que o parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral estabelece como
domicílio eleitoral da pessoa – onde esta deverá votar – o lugar onde residir, que
também é considerado, pelo Código Civil, seu domicílio civil.
A sugestão do conceito mais abrangente é de BEVILÁQUA (BEVILÁQUA, Clóvis.
Teoria geral, cit., p. 194).
“O domicílio da pessoa jurídica empresarial regular é o estatutário ou o contratual em
que indicada a sede da empresa, na forma dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o
art. 1.150, todos do Código Civil.”
“O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem
ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de
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sua profissão, ou a interesses particulares relevantes.”
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.
53.
Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.543/DF, relator: Min. Edson Fachin, Plenário,
data do julgamento: 11/5/2020, data da publicação: 26/8/2020).
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o
princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 305.
Estudaremos, com calma, o tema dos direitos absolutos e relativos na Parte II –
Direito das Obrigações.
A imprescritibilidade pode significar que um direito não se sujeita à prescrição (a
qual esvazia a eficácia da pretensão) ou à decadência (a qual extingue o direito),
dependendo do caso. A prescrição e a decadência são o objeto do nosso estudo no
Capítulo 8.
Por todos, citem-se os trabalhos de Brunello Stancioli (Renúncia ao exercício dos
direitos da personalidade: ou como alguém se torna o que quiser. Belo Horizonte: Del
Rey, 2010) e de Mariana Lara (O direito à liberdade de uso e (auto) manipulação do
corpo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014).
No mesmo sentido o STJ: “A legislação que regula a união estável deve ser
interpretada de forma expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas
tenham o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais,
trazendo efetividade e concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da
não discriminação, igualdade, liberdade, solidariedade, autodeterminação, proteção
das minorias, busca da felicidade e ao direito fundamental e personalíssimo à
orientação sexual. 4. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser
diferente, o direito à autoafirmação e a um projeto de vida independente de tradições e
ortodoxias, sendo o alicerce jurídico para a estruturação do direito à orientação sexual
como direito personalíssimo, atributo inseparável e incontestável da pessoa humana.
Em suma: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se for garantido o
direito à diferença [...]” (REsp 1.302.467/SP, relator: Min. Luis Felipe Salomão, 4ª
Turma, data do julgamento: 3/3/2015, data da publicação: 25/3/2015).
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS MINEIROS. Luís Roberto Barroso, um
progressista no STF. AMAGIS, Minas Gerais, 31/7/2015. Disponível em:
.
GIDDEns, Anthony. Sociología. Madri: Alianza, 2007. p. 441.
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https://amagis.com.br/posts/luis-roberto-barroso-um-progressista-no-stf
O art. 9º e parágrafos da Lei 9.434/97 permitem à pessoa juridicamente capaz dispor
gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos
ou para transplantes, desde que o ato não represente risco para a sua integridade física
e mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável. Só é permitida a doação
em caso de órgãos duplos (rins), partes regeneráveis de órgão (fígado) ou tecido (pele,
medula óssea), cuja retirada não prejudique o organismo do doador nem lhe provoque
mutilação ou deformação.
Quando abordarmos o direito ao nome, veremos que o direito à retificação do
prenome e do gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da
referida cirurgia.
Também nesse sentido é o Enunciado 277 do CJF.
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
200.
O sobrenome também é chamado apenas de nome, ou de patronímico, ou de apelido
de família.
TJDFT, Acórdão 948914, unânime, relatora: Maria Ivatônia, 5ª Turma Cível, data do
julgamento: 15/6/2016.
Antes da alteração legislativa, o STJ também já havia decidido pela possibilidade de a
esposa, após o falecimento do marido, voltar a utilizar o nome de solteira. É que,
apesar de a legislação anterior admitir a modificação quando da realização do divórcio
ou da separação, silenciava em relação à dissolução do vínculo conjugal pela morte.
Nada mais coerente que admitir tal possibilidade, especialmente porque presente a
mesma razão de ser: o fim da sociedade conjugal (STJ, 3ª Turma, REsp
1.724.718/MG, relatora: Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 22/5/2018).
Processo em segredo de justiça. Decisão noticiada na página oficial do Superior
Tribunal de Justiça.
CENEVIVA, Walter. Leis dos Registros Públicos Comentada, p. 377.
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2014. p. 107.
“Para a configuração do dano moral pelo uso não autorizado da imagem de menor não
é necessária a demonstração de prejuízo, pois o dano se apresenta in re ipsa. 4. O
dever de indenizar decorre do próprio uso não autorizado do personalíssimo direito à
imagem, não havendo de se cogitar da prova da existência concreta de prejuízo ou
dano, nem de se investigar as consequências reais do uso” (STJ, REsp 1.217.422/MG,3ª Turma, relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, data do julgamento: 23/9/2014,
data da publicação: 30/9/2014). No mesmo sentido é a Súmula 403 do STJ:
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“Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da
imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. 12. ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 389.
Disponível em: .
Segundo a teoria das capacidades de TEIXEIRA DE FREITAS, a qual adotamos.
O leitor compreenderá melhor o tema da herança jacente e da declaração de sua
vacância ao estudar o Direito das Sucessões na Parte VI desta obra.
Muito embora tenha, ao final da vida, mudado de ideia e adotado a locução pessoas
jurídicas (FREITAS, Augusto Teixeira de. Vocabulário jurídico, cit., p. 386).
Disponível em:
. Acesso em: 29 dez. 2020.
Idem.
Idem.
REsp 1.722.423/RJ, relator: Min. Herman Benjamin, data do julgamento: 24/11/2020,
data da publicação: 18/12/2020.
São registradas no cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas as pessoas
jurídicas não empresárias, e na Junta Comercial as empresárias – que se enquadram no
conceito do art. 982.
A não ser no caso de certos tipos de sociedade em que a responsabilidade dos sócios é
ilimitada (por exemplo: sociedade em comandita simples).
As hipóteses de dissolução das sociedades, especificamente, estão previstas no art.
1.033 do Código Civil.
As hipóteses em que se decreta a falência estão listadas no art. 94 da Lei de Falências
e Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005, alterada pela Lei 14.112/2020).
A entrega à Fazenda da União teria lugar se a associação estivesse sediada em
Território federal, o que, atualmente, não existe no Brasil.
O Código Civil de 2002 revogou expressamente toda a Parte Primeira do Código
Comercial de 1850 (art. 2.045). Permanece em vigor apenas a Parte Segunda, acerca
do Direito Comercial Marítimo. A Parte Terceira já havia sido ab-rogada pelo
Decreto-lei 7.661/45, que dera nova disciplina à falência.
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http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/direito-ao-esquecimento-criticas-e-respostas/17830
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/05102020-Danos-morais-gerados-a-pessoa-juridica-por-venda-de-produtos-falsificados-podem-ser-presumidos-decide.aspx
Nossa tradução de: “the term ‘citizen’ ought to be understood as it is used in the
Constitution and as it is used in other laws – that is, to describe the real persons who
come into court, in this case under their corporate name” (Suprema Corte dos Estados
Unidos, Bank of the United States v. Deveaux, 9 U.S. 61 (1809)).
Enunciado 283 da IV Jornada de Direito Civil: “É cabível a desconsideração da
personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu
da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
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Teoria dos Bens (arts. �� a ���)
Há uma lógica na topologia dos temas tratados na Teoria Geral do
Direito Civil. Primeiro estudam-se as pessoas, que são os sujeitos dos
direitos. Em seguida, estudam-se os bens, os quais são os objetos dos
direitos. Por fim, estudam-se os fatos jurídicos, por meio dos quais nascem,
modificam-se e extinguem-se os direitos. Neste capítulo, procederemos ao
estudo dos bens.
Primeiramente devemos chamar a atenção do leitor para a distinção
entre os bens em sentido amplo e os bens jurídicos.
Costuma-se conceituar bem como aquilo que é objeto do desejo
humano. São bens, portanto, o amor, a felicidade, a alegria, a vida, a
liberdade, o trabalho, o lazer, a casa, um carro etc. Desses, o amor e a
alegria não são bens jurídicos, e não podem, por conseguinte, ser objetos de
direitos. Os demais, por sua vez, interessam ao direito e podem, por
conseguinte, ser o objeto de direitos subjetivos.
Dentro da ideia de bens aparece a noção de coisas. Na técnica do
Direito Civil, coisas são bens corpóreos, materiais, portanto, e suscetíveis
de valoração econômica. Destarte, da nossa lista mencionada, somente
seriam coisas a casa e o carro.
Na doutrina, propuseram-se três requisitos para caracterizar a coisa:
interesse econômico, gestão econômica e subordinação jurídica.
Interesse econômico se refere ao fato de que a coisa deve representar uma
utilidade. Gestão econômica se refere à existência material autônoma, à
delimitação no espaço. Por fim, subordinação jurídica refere-se ao fato de
que deve o sujeito do direito poder exercer sua vontade sobre o bem,
subordinando-o a si.
No entanto, entendemos dispensável a apuração desses requisitos, desde
que se conceitue coisa como o fizemos, seguindo TEIXEIRA DE FREITAS.
Tomemos alguns exemplos. A luz do sol é coisa? Pelo conceito
proposto, não, por não se tratar de bem corpóreo, e, em consequência, por
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não ser material, assim como por não ser suscetível de valoração
econômica. Pelo critério do interesse econômico – gestão econômica –
subordinação jurídica, a luz do sol também não é coisa, porque, embora
tenha interesse econômico, não tem gestão econômica, nem, tampouco,
subordinação jurídica.
E uma estrela? A estrela, por sua vez, é um bem corpóreo, e, por
conseguinte, material. Mas não tem valoração econômica, razão pela qual
não é coisa. Pelo critério do interesse econômico – gestão econômica –
subordinação jurídica chega-se à mesma conclusão.
Um terreno é uma coisa? O terreno é um bem corpóreo, material, e pode
ser valorado economicamente. Logo, é coisa. Tem interesse econômico?
Sim, pois é útil ao homem. Tem gestão econômica? Sim, pois pode ser
individualizado no espaço. Tem subordinação jurídica? Sim, vez que é
possível apoderar-se dele e nele construir, plantar etc.
Compreendidas as noções de bem e de coisa, passemos à classificação
dos bens jurídicos. Tradicionalmente, os bens são classificados levando-se
em conta a sua essência e a sua relação uns com os outros.
BENS
Bens
jurídicos
Bens que têm relevância para o Direito. Exemplos
vida, liberdade, trabalho, casa, carro.
Coisas Bens corpóreos (materiais) passíveis de valoração
econômica. Exemplos casa, carro, cadeira, livro.
BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS
O Código Civil de 2002 segue a orientação doutrinária e começa por
classificar os bens com relação à sua essência, ou, como se costuma dizer,
considerados em si mesmos. Os bens podem, seguindo esse critério, ser
classificados em móveis ou imóveis, fungíveis ou infungíveis,
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consumíveis ou inconsumíveis, divisíveis ou indivisíveis, e singulares ou
coletivos, públicos ou particulares.
Bens móveis e imóveis
Segundo a regra geral, são considerados móveis os bens que podem ser
movimentados, seja por força própria, seja por força alheia, sem que isso
altere suas características essenciais (art. 82).
Exemplos de bens móveis seriam uma pera, um carro, um cavalo etc.
De bens imóveis, bons exemplos seriam um edifício, uma árvore, um lago
etc.
Nos termos do art. 83 do Código, são também considerados bens
móveis, para fins legais: as energias que tenham valor econômico (como
a energia elétrica); os direitos reais sobre bens móveis e as ações
correspondentes (como o direito de propriedade de um carro, e a ação
reivindicatória que o protege); os direitos pessoais de caráter patrimonial
e as respectivas ações (como o direito de crédito de R$ 100,00, e a ação de
cobrança que o assegura; o direito a uma safra de soja; os direitos autorais).
Também os materiais destinados a alguma construção, antes de
serem nela empregados, são considerados bens móveis; o mesmo se passa
com os materiais de demolição.
A doutrina chama de bens semoventes os bens móveis cujo movimentoé possível por força própria: trata-se dos animais. Veja-se que um carro não
é um bem semovente porquanto seu movimento depende de energia
externa, em geral proveniente de combustão.
São considerados imóveis, por sua vez, os bens não suscetíveis de
movimento, em razão de se encontrarem incorporados ao solo, natural ou
artificialmente (art. 79). O próprio solo também é, obviamente, um bem
imóvel.
Os bens imóveis são classificados em imóveis por natureza, imóveis
por acessão artificial e imóveis por acessão intelectual. São imóveis por
natureza o solo e os bens a ele naturalmente incorporados, como uma árvore
e um lago. Imóveis por acessão artificial são os bens incorporados ao solo
por ato humano, como os edifícios e as plantações. Por fim, imóveis por
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acessão intelectual são os bens móveis que, em razão de estarem
economicamente vinculados a um imóvel, são considerados imóveis.
Considerando-se uma fábrica de papel, cujo galpão é um bem imóvel, são
consideradas igualmente imóveis todas as máquinas necessárias para a
atividade de fabricação de papel. Isso porque as máquinas estão
economicamente vinculadas à fábrica. Mas, se tomamos as máquinas no
depósito de seus próprios fabricantes, deveremos considerá-las bens móveis.
O Código Civil não cuidou da disciplina dos imóveis por acessão
intelectual. Não obstante, a classificação perdura na doutrina.
Consideram-se também bens imóveis os direitos reais sobre imóveis e
as ações que os asseguram (art. 80, I), e o direito à sucessão aberta (art.
80, II). Podemos citar, como exemplo, o direito de propriedade de um
terreno (direito real sobre imóvel) e a ação reivindicatória, a qual assegura o
direito de propriedade. Com relação ao direito à sucessão aberta, trata-se do
direito dos herdeiros, após a morte do autor da herança. Ainda que a
herança consista apenas em bens móveis, o direito à sucessão aberta, ou
seja, a receber a herança, reputa-se bem imóvel.
Ressalva-se ainda que não perdem o caráter de imóveis as edificações
que forem removidas para outro local, desde que, ao serem separadas do
solo, conservem sua unidade (art. 81, I), e também os materiais que forem
temporariamente destacados de uma construção para, posteriormente,
serem nela reempregados (art. 81, II).
Por exemplo, uma estufa que seja movida de um lado de um jardim para
outro. Sabe-se que, hoje, com modernas técnicas de engenharia, é possível
destacar certas construções do solo e transportá-las para outro lugar, em que
se fixarão.
Quanto aos materiais, podemos tomar o exemplo de janelas e portas que
são retiradas de uma casa, durante uma reforma, para depois serem
recolocadas.
Bens fungíveis ou infungíveis
Há bens que podem ser substituídos perfeitamente por outros, desde que
estes sejam da mesma espécie e qualidade, e estejam na mesma quantidade.
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Tais bens são classificados como fungíveis (art. 85).
Por outro lado, outros bens há que, por uma razão qualquer, não podem
ser substituídos por outro, da mesma espécie, qualidade e quantidade. Esses
recebem a classificação de infungíveis.
Um exemplar do Código Civil atualizado, sem nenhuma marca
distintiva, pode ser substituído por qualquer outro exemplar, desde que da
mesma editora e da mesma edição. Todavia, se esse livro foi autografado
por um grande civilista, ganhou, destarte, um traço distintivo, que o torna
insubstituível. O Código, no primeiro exemplo, era bem fungível; no
segundo, por sua vez, tornou-se infungível.
Bens consumíveis e inconsumíveis
Se um bem, ao ser usado, sofre destruição de sua substância, ou se é
destinado à alienação, considera-se dito consumível (art. 86 do Código).
Exemplos clássicos seriam os alimentos, os produtos de higiene pessoal, de
limpeza etc.
Todavia, se o uso não importar destruição, o bem é considerado
inconsumível, ainda que, com o tempo e o uso, sofra os desgastes naturais.
Assim são os carros, a mobília, os eletrodomésticos etc.
Bens divisíveis e indivisíveis
Consideram-se divisíveis os bens que admitem fracionamento, sem,
contudo, sofrer alteração na sua substância, ou ter seu valor
consideravelmente diminuído, ou, ainda, deixarem de servir para o uso a
que se destinam (art. 87). Já os bens que não admitem tal fracionamento são
ditos indivisíveis.
Um terreno de 10.000 m pode ser dividido em dois terrenos de 5.000
m , sem que isso altere sua substância (cada terreno continuará sendo
terreno), seu valor (pois as duas frações obtidas continuarão tendo,
somadas, senão o mesmo valor, outro próximo), e sem prejuízo do uso a
que se destina (vez que dois terrenos de 5.000 m continuam passíveis de
uso perfeito).
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Cuidado, caro leitor, quando examinar o requisito referente ao valor. Se
dividimos um terreno, seu valor não sofrerá diminuição considerável, desde
que somemos os valores das frações obtidas, obviamente. O que pode
ocorrer quando se divide um terreno é que, ou o valor de cada nova parte
será superior ao valor proporcional do terreno antes da divisão, ou
exatamente este, ou um tanto inferior. Mas nunca haverá diminuição
considerável. Imaginemos que o terreno original valia R$ 10.000,00. Ao
dividi-lo em duas partes de mesma área, pode acontecer de cada uma delas
valer R$ 5.000,00, ou, quem sabe, R$ 6.000,00, ou R$ 4.000,00, em razão
da avaliação que lhe atribuir o mercado imobiliário.
Mais um exemplo ajuda a aclarar o ponto. Tomemos uma edição do
clássico Dom Casmurro, de Machado de Assis. O livro tem sua substância,
seu valor e sua utilidade como um todo. Se, por acaso, alguém o rasgar em
três partes, haverá perda da substância (uma parte de Dom Casmurro
deixará de ser Dom Casmurro), do valor (uma parte rasgada do livro não
tem valor algum) e, ademais, o livro perderá sua utilidade (não se pode ler
um romance sem se ter acesso a ele por inteiro; não basta um terço).
Deve-se frisar, por fim, que se admite que bens naturalmente divisíveis
sejam considerados indivisíveis, por determinação da lei ou pela vontade
das partes (art. 88). Isso poderia ocorrer, por exemplo, com uma frota de
ônibus de turismo. Supondo-se que a frota fosse alugada, poderia o locador
estabelecer, no contrato, a indivisibilidade da frota. Esse fato teria
implicações que, posteriormente, estudaremos no Direito das Obrigações –
Parte II desta obra.
Bens singulares ou coletivos
Há bens que, por assim dizer, “fazem sentido” quando considerados
singularmente, ou seja, podem ser considerados individualmente (de per si,
na linguagem do art. 89). Outros, por sua vez, são tratados coletivamente e
podem ser objeto de relações jurídicas próprias (art. 90, parágrafo único),
seja porque, com isso, ganham uma destinação unitária própria, ou porque
essa é sua relevância jurídica – caso das universalidades de fato – (art. 90),
ou, ainda, porque integram o complexo de relações jurídicas de uma pessoa,
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dotada de valor econômico – caso das universalidades de direito – (art.
91).
Considerado individualmente – em si –, um exemplar de Dom
Casmurro “faz sentido”. Mas, para que faça sentido a coleção de Machado
de Assis, é preciso tomar Dom Casmurro e todas as demais obras
coletivamente, formando uma universalidade, a qual tem destinação
unitária: pode ser objeto de direitos. Trata-se de uma universalidade de fato.
Já a herança, que é o conjunto de bens deixados pelo morto, deve ser
sempre considerada coletivamente. Cuida-se, aqui, de universalidade de
direito.
Bens públicos ou particulares
Classificam-se os bens, em atenção ao titular do domínio (proprietário),
em públicos e particulares.
Segundo o art. 98, consideram-se públicos os bens do domínio nacional
pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público interno, sendo
particulares todos os demais, seja quem for seu proprietário.
O art. 99, por sua vez, classifica os bens públicos em bens de uso
comum do povo (rios, mares, estradas, ruas, praças); bens de uso especial
(edifícios ou terrenos destinados ao serviço da administração pública); bens
dominicais (os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de
Direito Público,como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas
entidades).
Enquanto conservarem sua classificação, são inalienáveis os bens de
uso comum do povo e os de uso especial (art. 100). Já os dominicais podem
ser alienados, observadas as exigências da lei (art. 101).
Seja qual for sua classificação, tradicionalmente nenhum bem público
sujeita-se à usucapião (art. 102; Súmula 340 do STF). Esse entendimento,
embora seja criticado por alguns administrativistas, especialmente no que
tange aos bens dominicais, ainda é o aplicado atualmente, inclusive quando
se trata de bem particular, mas afetado a determinado serviço público .
Isso não quer dizer, contudo, que um particular ocupante de bem público
não possa, por exemplo, ajuizar uma ação possessória com o objetivo de
129
proteger a sua posse contra outro particular. Nesse caso, segundo o
próprio STJ, a possibilidade não retira o bem do patrimônio do Estado, mas
apenas reconhece a posse de um particular, garantindo o exercício da
função social da propriedade (4ª Turma, REsp 1.296.964/DF, relator: Min.
Luis Felipe Salomão, data do julgamento: 18/10/2016).
De acordo com o art. 103, a critério do ente a que pertencerem, o uso
dos bens públicos poderá ser gratuito (caso de ruas e praças, por exemplo)
ou oneroso (como se dá, a título de ilustração, com um zoológico).
BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS
Móveis Podem ser movimentados sem alteração de
suas características essenciais, por força própria
ou alheia
Imóveis Não suscetíveis de movimento
Fungíveis Admitem substituição por outro bem da mesma
espécie, qualidade e quantidade
Infungíveis Não admitem substituição
Consumíveis Destroem-se pelo uso (consomem-se)
Inconsumíveis Não sofrem destruição pelo uso (não se
consomem)
Divisíveis Admitem fracionamento sem que haja perda de
sua essência, diminuição considerável de seu
valor e prejuízo para o uso
Indivisíveis Não admitem fracionamento
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Singulares Consideram-se individualmente, ainda que
reunidos
Coletivos Bens que, reunidos, formam uma universalidade
com destinação econômica unitária
Públicos Compreendem o domínio nacional das pessoas
jurídicas de Direito Público interno. Classificam-
se em bens de uso comum do povo, bens de
uso especial e bens dominicais. A doutrina e a
jurisprudência estendem esse conceito aos bens
pertencentes às pessoas jurídicas de direito
privado que sejam prestadoras de serviços
públicos – bem vinculado à atividade prestada.
Particulares Todos os que não compreendem o domínio
nacional das pessoas jurídicas de Direito Público
interno, seja quem for o proprietário
BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS
Os bens podem também ser classificados de acordo com sua relação uns
com os outros, ou, como se costuma dizer, reciprocamente considerados. De
acordo com esse critério, classificam-se em bens principais, acessórios ou
pertenças; frutos, produtos, benfeitorias e acessões.
Bens principais, acessórios e pertenças
Fala-se em bem principal para se referir àquele que tem existência
autônoma. Nos termos da primeira parte do art. 92 do Código, é o que
“existe sobre si, abstrata ou concretamente”. Bem acessório, por sua vez, é
aquele cuja existência depende de um bem principal, sem o qual não existe
(art. 92, segunda parte). Quanto à relação entre o bem principal e o bem
acessório, vale a máxima accessorium sequitur principale, ou seja, o
acessório segue o principal.
Uma cadeira é um bem principal, pois tem existência autônoma. O
assento da cadeira, por sua vez, para ser assento, depende da existência da
cadeira, razão pela qual é bem acessório dela.
Outro exemplo: um direito obrigacional oriundo de um contrato de
locação é um bem principal, pois existe por si só. Se, por acaso, houver uma
fiança que garante esse direito, teremos, então, um bem acessório dele.
Extinto o direito obrigacional, extingue-se a fiança, cuja existência
pressupõe a da dívida (bem principal).
Em razão de o acessório seguir o principal – princípio da gravitação
jurídica, como diz a doutrina, se alguém doa a cadeira, doa também o
assento, ainda que não mencione o fato expressamente. No contrato de
locação, se houver transmissão do direito do locador, por exemplo, para seu
herdeiro, este também se beneficiará da garantia, a qual segue o direito
obrigacional. A título de exemplo: o art. 37, I, da Lei de Locações prevê a
caução como uma das garantias locatícias. Se houver pretensão de
restituição da caução, o prazo prescricional a ser observado é o mesmo
destinado aos aluguéis (art. 206, § 3º, I, do CC), justamente em homenagem
ao princípio da gravitação jurídica .
O Código Civil de 2002 inovou em relação ao anterior, trazendo o
conceito jurídico de pertença. Nos termos do art. 93, “são pertenças os
bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo
duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”.
Vejamos alguns exemplos. Um trator, na fazenda, pode ser considerado
uma pertença. Isso porque, conquanto não faça parte integrante da fazenda,
destina-se, de modo duradouro, ao seu uso e serviço. Imaginemos um
aparelho leitor de DVD que é instalado em um carro. Ora, tal aparelho
também pode ser considerado uma pertença, vez que se destina, de modo
duradouro, ao uso e ao serviço do carro.
Conquanto seja bem elaborado, o conceito de pertença é aberto e quase
sempre permite o debate sobre a caracterização de um determinado bem
130
131
como acessório e como pertença.
E o problema se agrava diante do art. 94 do Código, o qual determina
que os negócios jurídicos que se referem ao bem principal não abrangem as
pertenças, a não ser que o contrário seja estabelecido em lei, ou decorra da
vontade das partes, ou das circunstâncias do caso.
Assim, nos exemplos anteriores, se a fazenda fosse alugada, ou o carro
vendido, nem o trator nem o leitor de DVD se considerariam incluídos no
negócio, a menos que houvesse disposição expressa no sentido da inclusão,
e o locador ou vendedor poderiam removê-los, sem que a isso pudessem
objetar o locatário e o comprador. Isso, caso sejam considerados pertenças.
Ocorre que a prática tem revelado que é interesse do vendedor
argumentar que são pertenças, enquanto é interesse do comprador alegar
que são bens acessórios. Em geral, há margem para a argumentação, e cada
qual terá um preceito normativo a seu favor: o acessório segue o principal; a
pertença, não. Discussões têm surgido acerca de armários planejados em
imóveis, bem como acerca de lustres, cortinas e até mesmo carpetes.
Quando o imóvel é apresentado ao comprador, nada se estabelece sobre
esses bens. Posteriormente, o vendedor suscita o direito de retirá-los do
imóvel, por considerá-los pertenças, e para isso invoca o art. 94. O
comprador, por sua vez, suscita o direito de recebê-los, por considerá-los
bens acessórios, e invoca o art. 233 (“a obrigação de dar coisa certa abrange
os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do
título ou das circunstâncias do caso”). Nem mesmo a análise pelo ângulo da
boa-fé objetiva ajuda muito. Tudo acaba ficando sujeito ao convencimento
do julgador, no caso concreto.
Na jurisprudência, há discussões relevantes sobre a inclusão de
pertenças nos negócios jurídicos. Por exemplo, no REsp 1.305.183, o STJ
definiu que os instrumentos que servem para adaptar os veículos para
condução por pessoas com alguma deficiência física devem ser
considerados como pertenças (e não como bens acessórios). Justamente por
isso, não seguem o princípio da gravitação jurídica e, consequentemente,
não podem ser alcançados pelo negócio jurídico que os envolver, salvo
expressa manifestação em contrário das partes.
Para realmente resolver os problemas de ordem prática por meio da
criação do conceito de pertença, deveria o legislador ter estabelecido, no art.
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94, que as pertenças consideram-se incluídas no negócio acerca do bem
principal, salvo disposição expressa em contrário. Assim, não adiantaria a
discussão sobre a caracterização do bem como pertença ou bem acessório,
porquantoa consequência seria a mesma.
Por fim, cuidado para não confundir a ideia da pertença com a ideia do
bem imóvel por acessão intelectual.
Em primeiro lugar, a classificação em bem móvel ou imóvel se refere ao
bem considerado em si mesmo, enquanto a classificação como pertença
toma mais de um bem, considerado um com relação ao outro. Daí não ser
possível comparar as classificações, porquanto advindas de critérios
distintos.
Ademais, um bem não se classifica como pertença necessariamente com
relação a um imóvel. Há pertenças de coisa móvel, como o leitor de DVD
do carro. Por outro lado, um bem somente se classifica como imóvel por
acessão intelectual se aceder a um imóvel, como as máquinas na fábrica de
papel.
Por fim, veja-se que um bem móvel permanece classificado como
móvel ainda que seja considerado pertença de um imóvel, enquanto um bem
móvel que aceda a um imóvel passa a ser reputado imóvel por acessão.
Frutos e produtos
Segundo o permissivo do art. 95 do Código, admite-se que os frutos ou
produtos pendentes (aqueles que estão unidos à coisa principal) sejam
objeto de negócio jurídico.
Por essa razão, é possível vender dez sacas de laranjas que ainda estão
presas à laranjeira, ou uma tonelada de minério de ferro que ainda não foi
extraído.
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São chamados de frutos os bens que se originam periodicamente de um
outro bem, sem que este sofra alteração em sua substância, especificamente
por não sofrer redução nem deterioração.
132
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O exemplo mais corriqueiro é o das frutas, as quais nascem das árvores,
mas não se reduzem ou deterioram. Outro exemplo é o do aluguel, o qual é
oriundo do direito do locador. Também os juros, em se tratando de
empréstimo oneroso, são considerados frutos do direito do mutuante.
É possível classificar os frutos de acordo com seu estado: pendentes
enquanto não destacados do bem que os originou; percebidos ou colhidos
depois de separados; caso não tenham sido colhidos, embora pudessem sê-
lo, são chamados de percipiendos; por fim, consumidos são os frutos que
já não mais existem.
Conforme asseverado anteriormente, segundo o art. 95 do Código, todos
os frutos – mesmo os percipiendos – podem ser objeto de negócio jurídico.
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Produtos, por sua vez, são extraídos da substância de outro bem, daí
por que implicam redução ou deterioração deste. Diz-se que são recursos
não renováveis.
O exemplo mais banal é o das pedras, ou dos minerais, extraídos de uma
mina. A extração pode prosseguir até o dia em que não mais houver pedras
a extrair, em razão da deterioração e redução da fonte.
Tal como os frutos, os produtos, mesmo antes de serem extraídos da
coisa, podem ser objeto de negócio jurídico (art. 95 do Código).
Benfeitorias e acessões
É comum que uma coisa seja melhorada, ou que nela sejam
acrescentadas outras coisas, por fato do homem ou pela natureza. A pintura
de uma casa representa um melhoramento; a instalação de um rádio em um
carro representa um acréscimo.
Os melhoramentos e acréscimos consistem em bens que se relacionam
com um certo bem (principal), tornando-o melhor ou mais proveitoso, ou
aumentando-o. Podem se incorporar à coisa, tornando-se dela um acessório
(uma parte integrante; art. 92, segunda parte), ou podem com ela se
relacionar, sem, entretanto, a ela aceder, tornando-se dela uma pertença
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(uma parte não integrante; art. 93, de que já tratamos). Nos exemplos
mencionados, a tinta constitui um acessório da casa, enquanto o rádio
constitui uma pertença do carro (o rádio pode ser separado do carro, mas a
tinta não pode ser separada da casa).
Os melhoramentos e acréscimos que se incorporam à coisa principal
como acessórios dela podem tomar a forma de benfeitorias ou de acessões.
B�����������
Benfeitoria é uma obra realizada em uma coisa para conservá-la,
melhorá-la ou embelezá-la. A benfeitoria executada para conservar a coisa é
chamada de necessária (art. 96, § 3º). Já a benfeitoria executada para
melhorar a coisa é chamada de útil (art. 96, § 2º). Por último, a benfeitoria
realizada para simplesmente embelezar a coisa é chamada de voluptuária
(art. 96, § 2º).
Imaginemos uma casa. Supondo que os rufos do telhado estejam podres,
a execução de reparos se impõe, sob pena de o telhado desabar. A obra
realizada com esse fim é uma benfeitoria necessária. Mas, se o proprietário
quiser construir uma piscina, executará uma benfeitoria útil. E, se optar por
revestir o muro de alvenaria com pedra-sabão, realizará uma benfeitoria
voluptuária.
Impende frisar que o art. 97 estabelece que os melhoramentos ou
acréscimos que sobrevenham ao bem sem intervenção do proprietário,
possuidor ou detentor não são considerados benfeitorias.
Uma roseira que nasce no jardim por ação da natureza, sem que a
semente tenha sido plantada por ação humana, conquanto aumente o jardim
– daí ser dele um acréscimo –, não se considera benfeitoria.
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Fala-se em acessões artificiais para se referir aos acréscimos feitos à
coisa com o intuito de lhe dar destinação, ou de alterá-la. Não se trata,
portanto, de obras para conservar, melhorar ou embelezar a coisa, como
ocorre com as benfeitorias.
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Um exemplo é da construção de uma casa em um terreno. Quando se
toma um lote para ali se construir uma casa, a ideia não é a de melhorar
nem embelezar o terreno (tampouco de conservá-lo). A construção da casa
dá ao terreno a sua destinação – é para isso que ele serve: para que nele se
construa, ou para que nele se plante, ou se criem animais etc.
Pode acontecer, por outro lado, de sobrevir à coisa um acréscimo por
ação da natureza, o qual poderá dar destinação, melhorar ou embelezar a
coisa, mas não será considerado benfeitoria porquanto não sofre intervenção
do proprietário, possuidor ou detentor (art. 97 do Código). Trata-se das
acessões naturais.
O fenômeno da aluvião consiste no acréscimo de terra ao lote ribeirinho
realizado pelo depósito constante de sedimentos pelas águas de um rio.
Reputa-se, por conseguinte, uma acessão natural. Outro exemplo são as
florestas, acrescidas ao solo pela ação da natureza.
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Já não é comum encontrar na doutrina a distinção entre as benfeitorias e
as acessões. A distinção aparece, às vezes, apenas ao se tratar da acessão
como modo originário de aquisição da propriedade.
Todavia, é importante, desde logo, distinguir uma da outra, porquanto
são diversas as consequências previstas para cada qual na lei.
O Código estabelece normas acerca das benfeitorias em diversas
passagens. Em síntese, atribui ao possuidor de boa-fé direito de indenização
pelas benfeitorias necessárias e úteis, com direito de retenção (direito de
recusar a restituição da coisa enquanto não for indenizado), e, quanto às
benfeitorias voluptuárias, direito de levantá-las (levá-las consigo), caso isso
seja possível sem danificar a coisa, e se o proprietário não preferir indenizá-
lo (art. 1.219). Atribui ao possuidor de má-fé, por sua vez, apenas o direito
de indenização pelas benfeitorias necessárias, sem direito de retenção (art.
1.220).
Com relação às acessões, por sua vez, determina o Código sua aquisição
pelo proprietário do solo, salvo se a construção ou plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno (art. 1.255). Neste último caso, será
devida ao proprietário indenização a ser fixada pelo julgador, segundo a
parte final do parágrafo único do art. 1.255. Nas demais hipóteses, ou seja,
quando o construtor ou plantador perde a acessão para o proprietário do
solo, a lei somente atribui direito de indenização a quem agiu de boa-fé
(parte final do caput do dispositivo em comento).
BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS
Principais Têm existência autônoma
Acessórios Sua existência depende do bem principal
Pertenças Embora não integrem o outro bem, destinam-se de
modo duradouro ao uso, serviço ou
aformoseamento dele
Frutos Bens originados
de outro bem,
cuja substância
não se altera para
produzi-los
Pendentes → não destacados
da origemeducação dos
filhos
9.3.5 Dever de respeito e consideração mútuos
10. REGIMES DE BENS
10.1 Pacto antenupcial
10.2 Regime de comunhão parcial
10.2.1 Bens excluídos da comunhão no regime da
comunhão parcial
10.2.1.1 Bens anteriores ao casamento
10.2.1.2 Bens havidos por doação ou
sucessão
10.2.1.3 Bens sub-rogados
10.2.1.4 Obrigações anteriores ao casamento
10.2.1.5 Obrigações provenientes de atos
ilícitos
10.2.1.6 Bens de uso pessoal
10.2.1.7 Livros e instrumentos de profissão
10.2.1.8 Renda do trabalho
10.2.1.9 Pensões e rendas semelhantes
10.2.1.10 Bens cuja causa de aquisição é
anterior ao casamento
10.2.2 Bens incluídos na comunhão no regime da
comunhão parcial
10.2.2.1 Bens adquiridos onerosamente na
constância do casamento
10.2.2.2 Bens adquiridos por fato eventual
10.2.2.3 Bens transferidos a ambos os
cônjuges
10.2.2.4 Benfeitorias em bens particulares
10.2.2.5 Frutos
10.2.3 Administração do patrimônio comum
10.3 Regime da comunhão universal
10.3.1 Bens excluídos da comunhão universal
10.3.1.1 Bens transferidos com cláusula de
incomunicabilidade
10.3.1.2 Bens gravados de fideicomisso
10.3.1.3 Dívidas anteriores ao casamento
10.3.1.4 Bens havidos por doação
antenupcial gravada de incomunicabilidade
10.3.1.5 Bens de uso pessoal, livros e
instrumentos de profissão, proventos de
trabalho e pensões
10.3.2 Comunicação dos frutos
10.3.3 Administração dos bens
10.4 Regime da participação final nos aquestos
10.4.1 Controle contábil dos bens
10.4.1.1 Doações
10.4.1.2 Alienações
10.4.1.3 Pagamentos de dívidas
10.4.1.4 Dívidas posteriores ao casamento
10.4.1.5 Bens adquiridos pelo esforço comum
10.4.2 Propriedade dos bens móveis e imóveis
10.4.3 Meação dos aquestos
10.5 Regime da separação de bens
10.5.1 Separação obrigatória
10.5.1.1 Casamentos que violem
impedimentos impedientes
10.5.1.2 Casamento de pessoa maior de
setenta anos
10.5.1.3 Casamento de pessoa que dependa
de suprimento judicial
10.5.2 Consequências da separação de bens
10.5.3 Discussão acerca da comunicabilidade ou
não dos aquestos no regime da separação legal, e
da exigência de prova de esforço comum
10.6 Vigência e alteração do regime de bens
10.7 Atos que os cônjuges podem livremente praticar
independentemente do regime de bens
10.7.1 Atos relativos à profissão
10.7.2 Atos de administração dos bens
particulares
10.7.3 Atos referentes a bens imóveis gravados
ou alienados sem o seu consentimento
10.7.4 Atos extintivos de doação, fiança ou aval
10.7.5 Atos de reivindicação de bens doados ou
transferidos ao concubino
10.7.6 Atos não vedados expressamente
10.7.7 Atos de aquisição das coisas necessárias à
economia doméstica
10.8 Atos vedados aos cônjuges sem autorização do
outro, salvo no regime da separação absoluta
10.8.1 Alienação e gravação de bens imóveis
10.8.2 Atuação em demandas sobre bens imóveis
10.8.3 Prestação de fiança ou aval
10.8.4 Doação não remuneratória
10.9 Impossibilidade de o cônjuge exercer a
administração dos bens que lhe incumbe
10.10 Posse dos bens particulares do cônjuge
11. EXTINÇÃO DA SOCIEDADE E DISSOLUÇÃO DO
VÍNCULO CONJUGAL
11.1 Divórcio
11.1.1 Ação de divórcio
11.2 Separação
11.2.1 Ação de separação
11.3 Separação de fato
11.4 Guarda dos filhos
11.5 Alimentos
União Estável (arts. 1.723 a 1.727)
1. CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
1.1 União estável e namoro qualificado
2. DISCIPLINA DA UNIÃO ESTÁVEL
2.1 Particularidades sobre as questões patrimoniais
que envolvem a união estável
3. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO
ESTÁVEL
Parentesco (arts. 1.591 a 1.638 e 1.689 a 1.693)
1. FILIAÇÃO
1.1 Histórico da disciplina da filiação
1.2 Proibição da discriminação
1.3 Presunção de paternidade dos filhos da mulher
casada
1.3.1 Filhos nascidos após o casamento
1.3.2 Filhos nascidos em até trezentos dias após a
extinção da sociedade conjugal
1.3.3 Filhos gerados por fecundação artificial
1.4 Impugnação da paternidade
1.5 Impugnação da maternidade
1.6 Reconhecimento espontâneo de filiação
1.6.1 Reconhecimento de filiação socioafetiva
1.7 Direito à declaração da identidade dos pais e ação
declaratória de filiação
1.7.1 Insusceptibilidade de decadência do direito
de impugnar a filiação
1.7.2 Titularidade do direito à declaração de
filiação e legitimidade para ajuizar a ação
declaratória
1.7.3 Ação declaratória de filiação
1.7.4 Ação declaratória de paternidade post
mortem
1.8 Prova da filiação
1.9 Multiparentalidade
1.10 Abandono afetivo
2. ADOÇÃO
2.1 Quem pode ser adotado e quem pode adotar
2.2 Efeitos da adoção
2.3 Procedimento da adoção
2.4 Adoção à brasileira
2.5 Adoção póstuma
3. AUTORIDADE PARENTAL (PODER FAMILIAR)
3.1 Exercício da autoridade parental
3.1.1 Criação e educação
3.1.2 Exercício da guarda unilateral ou
compartilhada
3.1.3 Consentimento para o casamento
3.1.4 Consentimento para viagens ao exterior
3.1.5 Consentimento para mudança de residência
permanente para outro município
3.1.6 Nomeação de tutor
3.1.7 Representação e assistência
3.1.8 Recuperação
3.1.9 Obediência, respeito e realização de tarefas
3.2 Extinção, suspensão e perda da autoridade
parental
3.2.1 Extinção da autoridade parental
3.2.2 Suspensão da autoridade parental
3.2.3 Perda da autoridade parental
3.3 Usufruto e administração dos bens dos filhos
4. GUARDA DOS FILHOS
4.1 Aspectos gerais
4.2 Guarda compartilhada: peculiaridades e
implicações
Alimentos (arts. 1.694 a 1.710)
1. ALIMENTOS NATURAIS, CIVIS, PROVISÓRIOS,
PROVISIONAIS, TRANSITÓRIOS, COMPENSATÓRIOS,
DEFINITIVOS E GRAVÍDICOS
1.1 Alimentos naturais e civis
1.2 Alimentos provisórios e provisionais
1.3 Alimentos transitórios
1.4 Alimentos compensatórios
1.5 Alimentos definitivos
1.6 Alimentos gravídicos
2. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
2.1 Aspectos gerais
2.2 Alimentos avoengos
2.3 Maioridade
2.4 Verbas incidentes sobre os alimentos
2.5 Inadimplemento da obrigação alimentar: existe
justificativa?
2.6 Execução de alimentos
Bem de Família (arts. 1.711 a 1.722)
1. BEM DE FAMÍLIA LEGAL E BEM DE FAMÍLIA
CONVENCIONAL
1.1 Bem de família legal
1.2 Bem de família convencional
2. DISCIPLINA DO BEM DE FAMÍLIA
Tutela, Curatela e Tomada de Decisão Apoiada (arts. 1.728 a
1.783-A)
1. TUTELA
1.1 Pessoas incapazes de exercer a tutela
1.2 Escusa dos tutores
1.3 Exercício da tutela
1.4 Administração dos bens do menor
1.5 Destinação dos bens do menor
1.6 Prestação de contas
1.7 Cessação da tutela
2. CURATELA
2.1 Interdição no CPC/2015
2.2 Peculiaridades da curatela
2.3 Curatela do nascituro
2.4 Exercício da curatela
2.5 Disposições comuns
3. TOMADA DE DECISÃO APOIADA
Noção de Sucessão, Direito Sucessório, Herança e Legado
1. SUCESSÃO
1.1 Fundamento da sucessão
1.2 Crítica da sucessão
2. DIREITO SUCESSÓRIO
3. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E LEGÍTIMA
4. SUCESSÃO A TÍTULO UNIVERSAL E A TÍTULO
SINGULAR
5. HERANÇA E LEGADO
5.1 Indivisibilidade da herança
5.2 Espólio
6. PACTO SUCESSÓRIO
7. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
Abertura da Sucessão
1. TRANSMISSÃO DA HERANÇA
1.1 Pressupostos da transmissão da herança
1.1.1 Comoriência
1.1.2 Capacidade para suceder
1.2 Transmissão da posse e o droit de saisine
2. LUGAR DA ABERTURA DA SUCESSÃO
3. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA
3.1 Aceitação da herança
3.2 Renúncia da herança
3.3 Títulos sucessórios diversos
3.4 Capacidade para aceitar e renunciar e autorização
do cônjuge
4. CESSÃO DO DIREITO À SUCESSÃO ABERTA
5. HERANÇA JACENTE
6. PETIÇÃO DE HERANÇA
Sucessão Legítima (arts. 1.790, 1.814 a 1.818 e 1.829 a 1.856)
1. HERDEIROS NECESSÁRIOS
2. HERDEIROS LEGÍTIMOS
3. SUCESSÃO POR CABEÇA E POR ESTIRPE
3.1 Sucessão por cabeça
3.2 Sucessão por estirpe
4. DIREITO DE TRANSMISSÃO E DIREITO DE
REPRESENTAÇÃO
4.1 Direito de transmissão
4.2 Direito de representação
5. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
5.1 Primeira ordem de vocação hereditária
5.1.1 Sucessão dos descendentes
5.1.2 Sucessão do cônjuge ou companheiro em
concorrência com os descendentes
5.1.3 Divisão da herança e quinhão mínimo do
cônjuge ou companheiro
5.1.4 Direito real de habitação do cônjuge ou
companheiro
5.2 Segunda ordem de vocação hereditária
5.2.1 Sucessão dos ascendentesPercebidos → destacados da
origem
Percipiendos → não
destacados da origem, embora
possam sê-lo
Consumidos → não mais
existem
�.
Produtos Bens extraídos de outro bem, o qual sofre redução
com a extração
Benfeitorias Necessárias → obras realizadas para conservar a
coisa
Úteis → obras realizadas para melhorar a coisa
Voluptuárias → obras realizadas para embelezar a
coisa
Acessões Artificiais → construções ou plantações que dão
destinação à coisa
Naturais → acréscimos feitos na coisa pela
natureza
BEM DE FAMÍLIA
Em nosso ordenamento, há duas espécies de bem de família: (i) o
voluntário ou convencional; e (ii) o legal.
O primeiro se encontra regulado pelos arts. 1.711 e 1.712 do Código
Civil. Ele é instituído pelos cônjuges ou pela entidade familiar, mediante
escritura pública ou testamento, desde que não ultrapasse um terço do
patrimônio líquido existente ao tempo da instituição.
Um terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento
ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os
cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. Para que haja a
proteção, o bem de família deve ser imóvel residencial, urbano ou rural.
O bem de família, instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se
pelo registro de seu título no Registro de Imóveis. Por se tratar de regra
especial, não se aplica o art. 108 do CC, que dispensa a elaboração se os
imóvel tem valor inferior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no
País.
A constituição do bem de família convencional tem como objetivo
tornar o bem inalienável e impenhorável, exceto se as dívidas forem
anteriores à constituição ou provenientes de tributos relativos ao prédio, ou
de despesas de condomínio. Em capítulo próprio, o tema voltará a ser
abordado.
Bem de família legal é, por sua vez, aquele regulado pela Lei
8.009/1990. Sua instituição independe de prévia manifestação das partes e
tem como principais características a irrenunciabilidade e a
impenhorabilidade. Ele corresponde ao imóvel residencial próprio do casal
ou da entidade familiar, que não poderá responder por qualquer tipo de
dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele
residam, salvo nas hipóteses expressamente previstas na Lei 8.009/90.
Essa impenhorabilidade decorre da necessidade de proteção tanto da
família – em suas mais diversas formas – quanto da dignidade da pessoa
humana. No entanto, como visto, existem exceções à impenhorabilidade,
que estão previstas no art. 3º da Lei 8.009/1990:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido:
[...]
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à
construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e
acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre
o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável
ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela
dívida;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de
sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens;
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação.
Essas exceções, de acordo com as lições de CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO, “significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de
balancear valores, privilegiando o valor moradia”, mas sem deixar de
considerar algumas particulares que, de modo excepcional, devem se
sobrepor a esse direito fundamental, porque também merecedoras de uma
proteção especial, qualificada .
Quando a dívida tem origem na coisa a ser penhorada (obrigação
propter rem), incidem os incisos II e IV do art. 3º da Lei 8.009/1990, que
possibilitam a penhora pelo titular do crédito decorrente do financiamento
destinado à construção ou à aquisição do imóvel, bem como para
pagamento de impostos, taxas e contribuições relativos ao imóvel, a
exemplo das despesas de condomínio. No primeiro caso, se o imóvel é
objeto de contrato de compra e venda inadimplido, o devedor não pode
alegar a impenhorabilidade.
Especialmente em relação ao inciso IV, deve-se ter em mente que, além
da necessária vinculação entre a dívida e a coisa a ser penhorada, é preciso
que o débito seja proveniente do próprio imóvel. Por exemplo: se Antônio
tem dívidas de IPTU relacionadas à imóvel localizado em Águas Claras/DF,
não pode ocorrer a penhora de imóvel localizado em Taguatinga/DF, pois,
para a aplicação da exceção à impenhorabilidade, é preciso que o débito de
natureza tributária seja proveniente do próprio imóvel que se pretende
penhorar .
Quanto ao credor de alimentos, o inciso II abrange tanto o pagamento
de dívidas de pensão decorrente de vínculo familiar quanto de ato ilícito de
natureza civil. Ademais, o próprio CPC/2015 excepciona a
impenhorabilidade em seu art. 833, § 2º. Entretanto, deve ser assegurada a
proteção ao patrimônio do novo cônjuge ou companheiro do devedor de
133
134
pensão alimentícia. Exemplo: João mantém união estável com Maria, bem
como a copropriedade de um bem imóvel. Pedro, filho apenas de João, é
credor de prestação alimentícia. Na execução proposta contra o pai, o bem
imóvel de propriedade também de Maria não poderá ser atingido. Nesse
caso, sequer haverá impenhorabilidade parcial, pois, segundo o STJ, quando
a impenhorabilidade for reconhecida sobre metade de imóvel relativa à
meação, ela deverá ser estendida à totalidade do bem, porquanto o escopo
precípuo da lei é a tutela não apenas da pessoa do devedor, mas da entidade
familiar como um todo (STJ, REsp 1.227.366/RS, 4ª Turma, relator: Min.
Luis Felipe Salomão, data do julgamento: 21/10/2014). Na prática, o bem
permanece integralmente impenhorável, devendo o cônjuge ou
companheiro apresentar embargos de terceiro para defender a sua parte.
Para a execução de hipoteca sobre o imóvel ofertado como garantia real
pelo casal ou pela entidade familiar (inciso V do art. 3º da Lei 8.009/1990),
o STJ tem afastado a exceção nas hipóteses em que a hipoteca não é
constituída em benefício da própria família, por exemplo, quando
formalizada para garantia de dívida de terceiro (STJ, REsp 997.261/SC,
relator: Min. Luis Felipe Salomão, data do julgamento: 15/3/2012) ou
quando ofertada por membro da entidade familiar visando garantir dívida de
sua empresa individual (STJ, AgRg no Ag 597.243/GO, relator: Min.
Fernando Gonçalves, data do julgamento: 3/2/2005).
Em julgado mais recente, o STJ decidiu que, nas hipóteses em que a
hipoteca é suporte à dívida de terceiros, a impenhorabilidade do imóvel
deve, em princípio, ser reconhecida. No REsp 1.180.873, julgado em
outubro de 2015, a Quarta Turma afastou a penhora de imóvel que garantiu
dívida do filho da proprietária, pois restou comprovado que a dívida havia
sido feita para quitar compromissos pessoais do devedor, de modo que não
deve incidir a exceção do art. 3º, V, da Lei 8.009/1990, que diz que a
impenhorabilidade não pode ser invocada em caso de execução de hipoteca
sobre imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela família. De
toda forma, havendo incidência da regra do inciso V, a eventual ausência de
registro da hipoteca não afastará a exceção à impenhorabilidade (REsp
145.554, data da publicação: 16/6/2016).
A regra da impenhorabilidade também é afastada caso o bem tenha sido
adquirido como produto de crime ou para satisfação de execução de
sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de
bens (inciso VI do art. 3º da Lei 8.009/1990). Para que haja incidência dessa
regra, a jurisprudência vem exigindo o trânsito em julgado5.2.2 Sucessão do cônjuge ou companheiro em
concorrência com os ascendentes
5.3 Terceira ordem de vocação hereditária
5.4 Quarta ordem de vocação hereditária
5.4.1 Sucessão dos colaterais de segundo grau
5.4.2 Sucessão dos colaterais de terceiro grau
5.4.3 Sucessão dos colaterais de quarto grau
6. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
6.1 Polêmicas após a decisão do STF
6.2 Sucessão do companheiro conforme o art. 1.790
7. FALTA DE HERDEIROS LEGÍTIMOS
8. INDIGNIDADE DO SUCESSOR
8.1 Hipóteses de indignidade
8.1.1 Homicídio doloso tentado ou consumado
8.1.2 Crime contra a honra
8.1.3 Ato contrário à liberdade de testar
8.2 Efeitos da indignidade
8.2.1 Exclusão da sucessão
8.2.2 Consideração como morto
8.2.3 Proibição do usufruto e da administração
dos bens ereptícios
8.2.4 Exclusão da sucessão dos bens ereptícios
8.2.5 Validade das alienações a terceiro de boa-fé
e obrigação de indenizar
8.2.6 Obrigação de restituir os frutos e direito à
indenização das despesas de conservação
8.3 Reabilitação do indigno
8.4 Direito à erepção e ação de exclusão do indigno
Sucessão Testamentária (arts. 1.857 a 1.990)
1. HISTÓRICO DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
2. LIBERDADE PARA TESTAR E CAPACIDADE
TESTAMENTÁRIA ATIVA
3. CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA PASSIVA
4. NOÇÃO E FORMAS DE TESTAMENTO
4.1 Testamentos ordinários
4.1.1 Testamento público
4.1.2 Testamento cerrado
4.1.3 Testamento particular
4.1.3.1 Testamento hológrafo, excepcional ou
emergencial
4.2 Testamentos especiais
4.2.1 Testamento marítimo
4.2.2 Testamento aeronáutico
4.2.3 Testamento militar
4.3 Testamentos conjuntivos
4.3.1 Testamento simultâneo
4.3.2 Testamento recíproco
4.3.3 Testamento correspectivo
4.4 Codicilo
5. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS PATRIMONIAIS
5.1 Instituição de herdeiros e legatários
5.2 Substituição de herdeiros e legatários
5.2.1 Substituição vulgar
5.2.2 Substituição recíproca
5.2.3 Substituição recíproca cumulada com vulgar
5.2.4 Substituição fideicomissária
5.3 Distribuição da herança entre os herdeiros106
5.4 Erro na identificação do herdeiro ou legatário ou na
determinação do objeto do legado
5.5 Disposições patrimoniais nulas
5.5.1 Disposição captatória
5.5.2 Disposição referente a pessoa incerta e
indeterminável
5.5.3 Disposição referente a pessoa incerta
determinável por terceiro
5.5.4 Disposição acerca de legado com valor a
determinar
5.5.5 Disposição em favor das pessoas vedadas
pela lei
5.5.6 Demais disposições nulas
5.6 Disposições patrimoniais válidas
5.6.1 Disposição referente a pessoa incerta, a ser
determinada
5.6.2 Disposição remuneratória
5.6.3 Disposição contumeliosa
5.7 Redução das disposições patrimoniais
5.8 Cláusula de inalienabilidade
5.9 Disposições testamentárias anuláveis e ineficazes
6. DESERDAÇÃO
7. LEGADOS
7.1 Objeto dos legados
7.1.1 Legado de coisa pertencente ao testador ou
que dependa de sub-rogação
7.1.2 Legado de coisa pertencente ao herdeiro ou
outro legatário
7.1.3 Legado de crédito e de quitação
7.1.4 Legado de alimentos
7.1.5 Legado de usufruto
7.2 Pagamento dos legados
7.2.1 Legado de coisa certa integrante do acervo
7.2.2 Legado de renda ou pensão
7.2.3 Legado de prestações periódicas
7.2.4 Legado de coisa determinada pelo gênero
7.2.5 Legado alternativo
7.2.6 Cumprimento dos legados
7.3 Caducidade dos legados
7.3.1 Modificação do objeto
7.3.2 Alienação do objeto
7.3.3 Perecimento ou evicção do objeto
7.3.4 Exclusão do legatário da sucessão
7.3.5 Morte do legatário antes da abertura da
sucessão, do implemento da condição ou do
advento do termo
8. DIREITO DE ACRESCER
9. REVOGAÇÃO DO TESTAMENTO
10. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO
11. INVALIDADE DO TESTAMENTO
12. TESTAMENTARIA
12.1 Testamenteiro
12.2 Exercício da testamentaria
12.3 Remuneração do testamenteiro
Inventário e Partilha (arts. 1.991 a 2.027)
1. HISTÓRICO DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA
2. INVENTÁRIO
2.1 Inventário judicial
2.2 Inventário extrajudicial
2.3 Administração da herança antes do compromisso
do inventariante
2.4 Colação
2.5 Sonegados
2.6 Pagamento de dívidas
3. PARTILHA
3.1 Sobrepartilha
4. ARROLAMENTO
Referências Bibliográficas
Nota sobre a ��ª Edição
“E o que há algum tempo era jovem, novo, hoje é antigo 
E precisamos todos rejuvenescer.”
O trecho da música do saudoso Belchior, “Velha roupa colorida”, ilustra
as mudanças ocorridas nesta obra. O livro rejuvenesceu. Seus primeiros
anos foram dedicados aos estudantes de Direito e àqueles que se
preparavam para concursos públicos, incluindo provas da Ordem dos
Advogados do Brasil. Os estudos de caso apresentados nas edições
anteriores nortearam as aulas de Direito Civil nas faculdades mais
importantes do País, enquanto as questões objetivas expostas ao final de
cada capítulo serviram como um treino para aqueles que almejavam a
habilitação como advogado ou servidor público.
A nova edição foi reformulada para atender, em especial, aos
advogados. Embora persista a sua utilidade para concursos, notadamente
em razão da incorporação da jurisprudência atualizada, o seu formato
mudou. Mais casos práticos foram incorporados, além de discussões que
envolvem as novas diretrizes do Direito Civil. A título de exemplo, o livro
reforça a necessidade de valorização da autodeterminação como integrante
da dignidade humana, abordando temas como o direito ao esquecimento, a
perda de uma chance, os danos existenciais, as diretrizes antecipadas da
vontade, a proteção de dados pessoais e a constituição de novas formas
familiares, tudo à luz do entendimento dos tribunais superiores e da
doutrina.
Essa reformulação conta com a participação de uma nova coautora, a
Professora e Mestre em Direito Civil Tatiane Donizetti. Com sua
experiência acadêmica na área do Direito das Famílias e sua atuação prática
como coordenadora do Escritório Elpídio Donizetti Advogados, Tatiane
Donizetti contribuiu para um olhar técnico e, ao mesmo tempo, inovador e
sensível sobre temas importantes do Direito Civil.
As edições pretéritas também contavam com referências, por meio de
códigos estilizados (QR Code), aos textos dos coautores publicados pela
Editora Atlas | GEN. Para otimizar a leitura, os links foram excluídos, mas
os artigos continuam disponíveis para o leitor no blog GEN Jurídico .
Esta edição incorpora, inclusive, as atualizações legislativas de 2021 e
2022, os atos normativos do Conselho Nacional de Justiça, além de
Enunciados do Conselho da Justiça Federal, que cada vez mais estão sendo
adotados na fundamentação das decisões judiciais e, por isso mesmo,
merecem a nossa atenção.
A jurisprudência temática, antes exposta ao final de cada tópico ou
capítulo, foi incorporada ao próprio texto, além de atualizada. Como os
precedentes constituem fonte do Direito, nada mais razoável que abordá-los
ao longo da obra, com explicações que transcendem a mera repetição de
ementas.
Trocamos a roupa, mas mantivemos a didática e a objetividade. Nosso
lema: abarcar o maior espectro possível das temáticas do Direito Civil, indo
direto ao ponto.
Diante da multiplicidade de caminhos que o Direito Civil nos oferece,
podemos, eventualmente, incorrer em erro. Deixamos nossos canais à
disposição para sugestões e críticas.
Esperamos que este livro conduza seus estudos, suas teses, pareceres e
peças processuais.
Elpídio Donizetti (@elpidiodonizetti)
Felipe Quintella Hansen Beck (@prof.felipequintella)
Tatiane Donizetti (@tatianedonizetti)
1
mailto:@elpidiodonizetti
mailto:@prof.felipequintella
mailto:@tatianedonizetti
_____________
Disponível em: http://genjuridico.com.br/elpidiodonizetti/;
http://genjuridico.com.br/tatianedonizetti/; http://genjuridico.com.br/felipequintella/.
1
http://genjuridico.com.br/elpidiodonizetti/
http://genjuridico.com.br/tatianedonizetti/
http://genjuridico.com.br/felipequintella/
�.
�.�
Introdução ao Estudo do Direito Civil
Para iniciarmos o nosso estudo do Direito Civil, é necessário
abordarmos certos temas, alguns puramente teóricos e outros positivados,
que têm relevância para a consolidação da base teórica geral do Direito
Civil.
Neste primeiro capítulo, vamos apresentá-loa conceitos fundamentais,
ao tema das fontes do Direito, a alguns preceitos da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/42) e a um breve histórico
da formação do Direito Civil pátrio.
ACEPÇÕES DO VOCÁBULO DIREITO
Direito objetivo e direito subjetivo
Na língua portuguesa, a palavra direito assume diversas acepções, o que
também ocorre com droit (em francês), com diritto (em italiano), com Recht
(em alemão), com derecho (em espanhol) etc. Por essa razão, sobretudo nos
sistemas jurídicos romano-germânicos, há necessidade de distinguir o
chamado direito objetivo do chamado direito subjetivo. Isso não ocorre,
todavia, na língua inglesa. Nos sistemas jurídicos dos países anglo-saxões,
utiliza-se o vocábulo law para se referir ao direito objetivo e o vocábulo
right para se referir ao direito subjetivo.
Para nós, a expressão direito objetivo (law) refere-se às normas
jurídicas. Os adeptos do latim dizem do direito objetivo: ius est norma
agendi (direito é a norma de agir). O conteúdo do art. 1º do Código Civil,
que é uma norma jurídica, tem natureza de direito objetivo, assim como o
Direito Civil como um todo, por englobar um conjunto de normas. Vale
lembrar que o conceito de norma abrange tanto as regras (comandos
concretos) quanto os princípios (diretrizes abstratas).
1
2
Já a expressão direito subjetivo (right), por sua vez, refere-se a uma
faculdade incorporada à chamada esfera jurídica do sujeito em
decorrência de previsão do direito objetivo. Cuida-se da faculdade de um
sujeito realizar uma conduta comissiva (ação) ou omissiva (omissão) ou
exigi-la de outro sujeito. Do direito subjetivo dizem os romanistas: ius est
facultas agendi (direito é a faculdade de agir). Por se tratar de faculdade, o
exercício efetivo de um direito subjetivo depende da vontade do próprio
sujeito; ninguém pode forçar outrem a exercer direito subjetivo.
Tomemos a primeira parte do art. 1.517 do Código Civil. Trata-se de
uma norma, e, por conseguinte, de direito objetivo. Segundo esse
dispositivo, “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar,
exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais,
enquanto não atingida a maioridade civil”. Logo, Clóvis, com vinte e dois
anos, e sua noiva, Berenice, com vinte e um, têm incorporado a suas esferas
jurídicas o direito subjetivo de se casar, o qual pode ser exercido ou não,
dependendo da vontade do casal, porquanto se trata de faculdade.
Outro exemplo: o art. 5º da Constituição Federal de 1988 prevê o direito
objetivo de propriedade: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”. Caio, então, que compra um carro
e o recebe, adquire o direito subjetivo de propriedade do veículo, o qual se
incorpora à sua esfera jurídica. O direito subjetivo de propriedade lhe
confere as faculdades de usar, fruir e dispor do carro, bem como de exigir
que todas as demais pessoas omitam-se de usar, fruir e dispor do
mencionado bem. Ou seja, o direito de propriedade concede faculdades
referentes a ações e omissões. Mas, se for a vontade de Caio abandonar o
veículo, então estará deixando de exercer o direito subjetivo de propriedade,
e outra pessoa poderá se apropriar do bem. Essa conduta de Caio é lícita,
pois o direito subjetivo se reveste em uma faculdade: pode ser exercido ou
não.
Aos direitos subjetivos correspondem os chamados deveres. Destarte,
se Helena e Caio têm o direito subjetivo de se casar, então alguém (no caso,
um juiz de casamentos) tem o dever de casá-los; se Orlando tem o direito
3
�.�
subjetivo de propriedade da vaca Mimosa, então todas as demais pessoas
têm o dever de não perturbar a propriedade de Orlando.
Considerando a relação entre o sujeito do direito e o sujeito do dever, a
esfera de operação do dever e o objeto da relação, os direitos subjetivos
dividem-se ainda em direitos absolutos e direitos relativos. Em razão de
essa classificação ser de fundamental importância para o estudo dos
Direitos das Obrigações e das Coisas, o leitor a encontrará detalhadamente
expendida no primeiro capítulo da Parte II – Direito das Obrigações – desta
obra. Por ora, adiantamos que direitos absolutos consistem em direitos que
travam uma relação jurídica entre o sujeito do direito e toda a coletividade,
e incidem diretamente sobre um bem, enquanto direitos relativos consistem
em direitos que operam em uma relação entre o sujeito do direito e o titular
do dever correspondente, e incidem diretamente sobre um fato de um dos
sujeitos.
Direito natural e direito positivo
A filosofia do Direito questiona sobre a origem dos direitos. Diversas
são as teorias que procuram responder à questão. Identificam-se nessas
teorias duas correntes principais: a dos que creem que os direitos não são
criados pelo ser humano – chamados de jusnaturalistas – e a dos que
creem que sim, os direitos são criação humana – chamados de positivistas.
Para os jusnaturalistas, os direitos são naturais – decorrentes de Deus,
segundo alguns, e imanentes ao humano, ou seja, decorrentes de sua própria
natureza, segundo outros. Para os positivistas, por outro lado, os direitos
são criação das sociedades, que os “escrevem”, pelo que se diz que os
direitos são postos, de onde vem a expressão direito positivo.
Tradicionalmente, os teóricos do direito natural negam o direito
positivo e vice-versa. Todavia, hoje é comum encontrar juristas que
defendem a coexistência de direitos naturais e direitos positivos. Para estes,
direitos naturais seriam o direito à vida, à igualdade, à dignidade e à
personalidade, entre outros. Direitos positivos seriam os criados pela lei.
A discussão parece-nos interessar mesmo à filosofia do Direito, não
tendo implicação prática entre nós, porquanto, no ordenamento jurídico
brasileiro, os direitos que os jusnaturalistas veem como naturais se
4
�.
encontram positivados aqui e acolá, seja na Constituição, como direitos
humanos, seja em diversos princípios gerais do Direito.
É importante, todavia, que o leitor compreenda o que significam as
expressões direito natural e direito positivo quando as encontrar em seus
estudos.
ORDENAMENTO E SISTEMAS JURÍDICOS
A par da expressão direito objetivo, fala-se também em ordenamento
jurídico e sistemas jurídicos. Ordenamento jurídico é um quase sinônimo
do direito objetivo, referindo-se, especificamente, a todas as normas
aplicáveis a uma determinada sociedade. Ao falarmos em ordenamento
jurídico brasileiro, referimo-nos a todas as normas que vigem na República
Federativa do Brasil.
Já a expressão sistemas jurídicos refere-se à estrutura e à dinâmica do
ordenamento jurídico, ou seja, trata-se da organização das fontes do Direito
e da doutrina, do sistema de ramificações do Direito, do sistema de solução
de conflitos etc. Os países herdam seus sistemas jurídicos de seus
fundadores. Em geral, o que realmente varia é o ordenamento, na medida
em que novas normas jurídicas são criadas.
No ocidente, os dois grandes sistemas jurídicos, adotados pela grande
maioria dos países, são o sistema romano-germânico e o sistema anglo-
saxão.
O sistema romano-germânico desenvolveu-se no Sacro Império
Romano Germânico, da fusão do Direito Romano com os diversos Direitos
dos povos bárbaros germânicos a partir da alta Idade Média. Esse sistema é
o adotado pelos países europeus continentais (França, Itália, Alemanha,
Portugal, Espanha etc.), pelos países latino-americanos, além de diversos
outros, colonizados pelos países mencionados.
O sistema anglo-saxão, frequentemente chamado de common law
(“Direito comum”), nasceu na Inglaterra, a partir de 1066, concebido e
implementado pelos invasores normandos. Hoje, é adotado pelo Reino
Unido e pelos países que foram colônia britânica, como os Estados Unidos,
o Canadá e a Austrália.
�.
O principal traço distintivo entre os dois sistemas reside nas fontes do
Direito. No sistema romano-germânico,o ordenamento jurídico
consubstancia-se principalmente em leis, muitas vezes em extensas leis,
chamadas de códigos, os quais regulam os diferentes ramos do Direito
(Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de
Processo Penal, Código Tributário etc.); aos juízes e tribunais é concedido o
poder-dever de aplicar as normas. Por sua vez, no sistema anglo-saxão,
embora haja muitas leis, e sejam estas a fonte primária do Direito, não se
encontra a abundância legislativa do sistema romano-germânico; aos juízes
e tribunais dos países anglo-saxões é concedido o poder-dever de criar
normas toda vez que não houver lei solucionando a questão, e as normas
criadas pelos tribunais por meio de suas decisões – denominadas
precedentes judiciais – vinculam todos os julgadores hierarquicamente
inferiores ao órgão (juiz ou tribunal que as criou), ou seja, os julgadores têm
o dever de aplicar aquele precedente.
Se, por um lado, os juízes que laboram no sistema romano-germânico,
de regra, não têm o poder de criar leis (o que dá a impressão de serem
menos livres), por outro lado não estão obrigados a seguir os precedentes
judiciais decorrentes das decisões dos tribunais superiores (o que os faz
parecer mais livres).
Atualmente, alguns sistemas de inspiração romano-germânica, como o
brasileiro, têm se aproximado do modelo anglo-saxão, porquanto os
precedentes judiciais vêm ganhando cada vez mais expressão como fontes
do Direito, especialmente após a entrada em vigor do Código de Processo
Civil de 2015. É o que ocorre, por exemplo, com as súmulas vinculantes do
Supremo Tribunal Federal e as decisões proferidas no julgamento dos
recursos especiais repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça.
Trataremos mais detidamente do tema das fontes do Direito na seção a
seguir.
FONTES DO DIREITO
Asseveramos que o direito positivo (que, no nosso Direito, inclui até
mesmo os direitos naturais) é criação humana, é criado pelas sociedades.
•
•
•
•
Pode ser, então, que o leitor esteja se perguntando: como se cria o direito
positivo?
Em primeiro lugar, para que se crie qualquer norma jurídica, deve haver
uma razão, um fundamento, um motivo. Essa razão, fundamento ou motivo
será histórica ou social. Ou seja, uma tradição de um grupo, ou alguma
circunstância atual daquela sociedade, induz a criação da norma. Às razões,
fundamentos ou motivos de uma norma – que constituem sua matéria – a
doutrina dá o nome de fontes materiais do Direito. Delas se ocupam a
sociologia jurídica e a filosofia do Direito.
Ocorre que não basta à norma ter matéria; ela precisa também de forma.
Por meio da forma é que a norma se revela à sociedade. Às diversas formas
que a norma pode tomar, a doutrina dá o nome de fontes formais do
Direito. Delas se ocupa a Ciência do Direito.
Nos países do sistema romano-germânico, as fontes do Direito são a lei,
os princípios gerais do Direito, a jurisprudência, a doutrina e os
costumes. A grande maioria dos doutrinadores diverge quanto a esse tema,
rejeitando que a jurisprudência possa ser considerada fonte formal. Hoje,
entretanto, em face da obrigatoriedade dos precedentes vinculantes, é
inegável que a jurisprudência consiste em verdadeira fonte produtora do
Direito. A propósito, o Código de Processo Civil de 2015 reforça a tese de
que a jurisprudência, além de constituir ferramenta apta a suprir lacunas
deixadas por eventual omissão legislativa, tem a função de uniformizar a
interpretação da legislação constitucional e infraconstitucional, promovendo
segurança jurídica e estabilidade social. O art. 927 do diploma processual
civil, que está em vigor desde 18/3/2016, contempla a obrigatoriedade de
os juízes e tribunais observarem:
as decisões do STF proferidas em sede de controle concentrado de
constitucionalidade;
os enunciados de ssúmula vinculante editados pelo STF na forma da
Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006;
os acórdãos firmados em incidente de assunção de competência
(IAC) ou de resolução de demandas repetitivas (IRDR);
os acórdãos proferidos no julgamento dos recursos especial e
extraordinário repetitivos;
5
•
•
�.�
os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do
STJ em matéria infraconstitucional;
a orientação do plenário do Tribunal ou do órgão especial aos quais
estiverem vinculados.
Essa nova sistemática demonstra a força normativa cogencial dos
precedentes, pondo fim às discussões sobre a possibilidade de a
jurisprudência também servir como fonte do direito.
Nos países do sistema anglo-saxão, por sua vez, as fontes do Direito são
a lei (statutes e a Constitution) e, subsidiariamente, nesta ordem, os
precedentes judiciais (judicial precedents), a doutrina (opinions of
experts), o costume (custom) e a moralidade (morality).
O domínio do tema das fontes formais do Direito permite ao jurista
distinguir uma norma religiosa de uma norma moral e de uma norma
jurídica, vez que, não obstante todas as três espécies normativas poderem
tratar da mesma matéria, revestem-se de fontes diversas. Normas religiosas
e normas morais não tomam a forma de lei, nem de princípios gerais do
Direito, nem de jurisprudência, nem de doutrina.
Por exemplo, a proibição de matar é uma norma comum em quase toda
religião, em geral formalizada em um mandamento – “não matarás” –, e
constitui uma norma moral de quase toda pessoa, formalizada em uma
convicção íntima. No Brasil, também constitui norma jurídica, insculpida
no art. 121 do Código Penal. Se tal norma não se encontrasse no
ordenamento jurídico, não se puniria quem matasse, não obstante a norma
religiosa e a moral, porquanto somente se pode punir alguém, no nosso país,
pelo descumprimento de norma jurídica.
Lei
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A maioria das normas jurídicas que operam no ordenamento pátrio toma
a forma de lei, daí ser essa a principal fonte formal do nosso Direito.
A lei é a norma positiva por excelência, elaborada por legisladores por
meio do chamado processo legislativo. Os legisladores são, nos países
democráticos, representantes do povo, eleitos para essa finalidade. No
Brasil e nos demais países federativos, há diferentes esferas legislativas. Na
esfera nacional, temos o Congresso, composto de representantes dos
Estados federados, que integram o Senado, e representantes do povo, que
integram a Câmara dos Deputados. Na esfera estadual, existem as
Assembleias Legislativas, compostas de deputados estaduais, e, na esfera
municipal, as Câmaras Municipais, as quais são integradas pelos
vereadores.
A doutrina conceitua a lei como a norma geral, abstrata, inovadora,
imperativa e coativa. Geral, porquanto se dirige a um grupo de pessoas; por
exemplo, as leis do Estado do Rio de Janeiro destinam-se a todos os
residentes ou presentes naquele Estado. Abstrata, vez que não regula
situações concretas; por exemplo, a Lei de Locação regula as locações
urbanas abstratamente, e não a locação da Fazenda do Moinho entre
Augusto e César, ou do Edifício Roma entre Rui e Pontes. Inovadora, em
razão de sua matéria passar a regular uma questão, ou lhe dar nova
regulação; por exemplo, o Código Civil foi promulgado para dar uma nova
disciplina ao Direito Civil brasileiro, conquanto já existisse antes dele um
outro Código Civil. Imperativa, porque seu cumprimento é obrigatório;
para se fazer um registro público, deve-se seguir o comando da Lei de
Registros Públicos, cuja observação não é opcional, mas obrigatória.
Coativa, vez que o descumprimento da lei gera uma sanção para o sujeito;
por exemplo, quem descumpre a proibição de matar do art. 121 do Código
Penal se sujeita à pena de reclusão, cujo prazo pode variar conforme as
circunstâncias do caso concreto.
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O tempo durante o qual uma lei produz efeitos jurídicos é chamado
pela doutrina de vigência e será analisado em subseção própria, quando
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estudarmos a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),
vez que se encontra por ela regulado.
Por razões didáticas, não obstante, cuidaremos também aqui dos
princípios informadores da vigênciadas leis, que também interessam ao
estudo das fontes do Direito, objeto desta seção.
Quatro são os princípios que informam a vigência de uma lei: o
princípio da obrigatoriedade, o princípio da continuidade, o princípio
da irretroatividade e o princípio da especialidade.
Segundo o princípio da obrigatoriedade, a lei, durante sua vigência,
obriga a cumpri-la todos aqueles a quem se destina, sem qualquer espécie
de distinção.
De acordo com o princípio da continuidade, a lei permanece em vigor
até que outra a modifique ou revogue, o que pode ocorrer quando a lei nova
expressamente o declarar, ou quando for com a lei antiga incompatível, ou,
ainda, quando regular inteiramente a matéria de que cuidava a lei anterior.
Conforme o princípio da irretroatividade, a lei nova somente regula
os fatos que ocorrerem após a sua entrada em vigor, não incidindo sobre
fatos anteriores à sua vigência. Essa é a regra em nosso ordenamento e sua
aplicação tem por objetivo manter a estabilidade e a segurança das relações
jurídicas.
Admite-se a retroatividade se o legislador dispuser expressamente nesse
sentido, e desde que não haja ofensa ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada
e ao direito adquirido (art. 5º, XXXV, da CF). Uma importante exceção é a
lei penal, cuja retroatividade é plenamente admitida quando a lei
superveniente é mais benéfica para o réu (art. 5º, XL, da CF), ainda que o
procedimento criminal tenha transitado em julgado. O mesmo ocorre com
as ações que envolvem o denominado direito administrativo sancionador, a
exemplo daquelas submetidas à Lei 8.429/1992, com as alterações
propostas pela Lei 14.230/2021.
Por fim, o princípio da especialidade dita que a lei especial – a qual
trata de uma matéria de forma mais detalhada e específica – não revoga
nem modifica a lei geral – que trata da matéria de forma mais ampla e
abstrata.
No que diz respeito à interpretação, temos que ter em mente que a
disciplina filosófica que estuda essa temática é denominada hermenêutica
e pode se dar de variadas formas, assim como pela utilização de diversos
métodos.
Em relação à origem, a lei pode ser interpretada de forma autêntica –
pelo próprio legislador –, judicial – pela jurisprudência – ou doutrinária –
pela doutrina.
Quanto à abrangência, a lei pode ser interpretada de forma extensiva –
quando se aplica a mais situações do que aquelas por ela diretamente
disciplinadas – ou restritiva – quando se limita às situações expressamente
abrangidas pelo preceito.
Quanto aos métodos de interpretação, costumam-se identificar os
métodos gramatical, o lógico, o sistemático, o ontológico, o teleológico, o
sociológico e o histórico.
A interpretação pelo método gramatical emana da análise sintática,
semântica e até mesmo etimológica do texto. Ou seja, levam-se em
consideração as funções exercidas pelos vocábulos nas frases, bem como a
relação de significados destes, além de sua origem vocabular.
O art. 159 do Código Civil de 1916 trazia a seguinte redação: “aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar
direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Já o
art. 186 do Código de 2002 trouxe o seguinte texto: “aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Como
se vê, o novo preceito substituiu o “violar direito, ou causar prejuízo” por
“violar direito e causar dano”. Para que se compreenda a mudança
normativa operada por essa alteração, deve-se utilizar o método gramatical,
que permitirá a conclusão de que, antes, o ato ilícito era aquele que violava
direito ou aquele que causava prejuízo, enquanto, agora, ato ilícito é aquele
que viola direito e causa dano. A partir de 2002, o ato de mera violação de
direito, que não causa dano, não se considera ilícito.
A interpretação pelo método lógico parte da busca pelo melhor sentido
da norma, quer dizer, pelo sentido mais lógico que se pode extrair do
preceito.
O art. 1.273 do Código refere-se à confusão, “comissão” e adjunção. No
entanto, a comissão – contrato – em nada se relaciona com a confusão e a
adjunção, que são modos de aquisição da propriedade móvel ao lado da
comistão. Por conseguinte, utilizando-se o método lógico, conclui-se que o
art. 1.273 se refere à comistão e não à comissão, pois com isso o comando
faz sentido. Entende-se que houve simples erro de grafia.
A interpretação pelo método sistemático consiste na verificação de
significado da norma não isolada, mas dentro de um contexto normativo.
Conquanto o art. 1.514 do Código estabeleça que “o casamento se
realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o
juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara
casados”, utilizando-se o método sistemático, inserindo esse dispositivo no
contexto da nova ordem constitucional fundada pela Constituição de 1988
na proteção da dignidade da pessoa humana, tendo como um de seus
objetivos a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de
discriminação, conclui-se que o preceito não exclui a possibilidade do
casamento de pessoas do mesmo sexo
A interpretação pelo método ontológico, por sua vez, leva em conta a
razão de ser da lei, chamada em latim de ratio legis.
O art. 1.521 do Código proíbe o casamento de irmãos com irmãos, sem
se referir à natureza do parentesco, se biológica ou socioafetiva. Como se
concluir, então, se irmãos por socioafetividade se encontram impedidos de
se casar? Pelo método ontológico, analisa-se a ratio legis do preceito, que é
a proibição do incesto, o qual se define como a relação sexual entre
membros do mesmo grupo familiar. Por conseguinte, por interpretação
ontológica conclui-se que o art. 1.521 impede também o casamento entre
irmãos por vínculo socioafetivo.
Pelo método teleológico, a interpretação emana da identificação da
finalidade da lei.
É esse o método de interpretação recomendado pelo art. 5º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-lei 4.657/42: “na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”.
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Utilizando-se o exemplo anterior, do art. 1.521 do Código, chega-se à
conclusão diversa por meio da utilização do método teleológico. É que a
finalidade do art. 1.521 é impedir que do casamento entre consanguíneos
surjam crianças com complicações genéticas, risco que não se corre em se
tratando de irmãos que não têm vínculo biológico.
Pelo método sociológico, a interpretação conjuga o conteúdo da norma
com o contexto social em que ele se insere. Ou seja, cabe ao intérprete
adaptar a norma jurídica às condições ou aos efeitos sociais anteriormente
inexistentes ao tempo de sua formação. Considerando que a sociedade não é
estanque, é imprescindível que o intérprete acompanhe as mudanças que o
cercam e os impactos de tais alterações. Por exemplo, levando-se em
consideração o fator cultural, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
(REsp 1.977.124, relator: Min. Rogério Schietti, data do julgamento:
5/4/2022, Data da publicação: 22/4/2022) considerou possível a aplicação
da Lei Maria da Penha para a proteção de mulheres transexuais. A
compreensão baseia-se na jurisprudência do STF, que já determinou que o
direito à igualdade sem qualquer discriminação abrange a identidade ou
expressões de gênero, e não propriamente o sexo biológico.
Pelo método histórico, por fim, a interpretação se baseará em dados
históricos a respeito daquele preceito. Esse método decorre da investigação
da causa geradora da norma, ou seja, das circunstâncias fáticas que
envolviam a elaboração do texto no momento de sua produção. Por
exemplo: considerando que a ordem constitucional de 1988 erigiu o
Ministério Público à condição de guardião da Constituição, defensor dos
direitos individuais indisponíveis, difusos e coletivos, o STF ponderou que
a recusa de Estados-membros em relação à legitimidade do Procurador-
Geral de Justiça para a instauração de controle normativo abstrato de

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