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Analogia no Direito Penal

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DIREITO PENAL I
PROF. LUÍS ROBERTO
(luisrob@unitoledo.br)
Paper
5. Analogia
5.1 Noções fundamentais
	O ordenamento jurídico (conjunto de normas que compõe a ordem jurídica), por melhor que seja, não é capaz de prever todas as hipóteses de situações que podem ocorrer na vida em sociedade. Ou seja, sempre haverá lacunas na legislação. Agora, nenhum juiz pode deixar de julgar, alegando que não existe lei para resolver este ou aquele caso. Sempre que não houver norma reguladora para certa situação, o julgador deve solucionar o caso legalmente omisso mediante o emprego: a) da analogia; b) dos costumes; c) dos princípios gerais de direito, conforme dispõe o artigo 4º da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil).
	A analogia é uma forma de auto-integração da lei penal. Consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante. Exemplo: existe uma lei X que se aplica ao fato Y. Se ocorrer um fato Z, o que fazer para resolvê-lo, se não estiver previsto em lei mas for semelhante ao fato Y? Resposta: aplica-se a lei X ao fato Y.
	Qual o fundamento para esse procedimento? Porque é permitido proceder-se assim, aplicando a analogia? Cuida-se da aplicação do princípio de que “onde existe a mesma razão de decidir, é de aplicar-se o mesmo dispositivo de lei” (ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio). Ou seja, essa solução nasce da necessidade de igualdade jurídica, em face da qual idênticas (semelhantes) situações de fato devem receber a mesma solução jurídica.
	Pergunta para reflexão: na analogia temos interpretação ou aplicação da lei?
5.2 Emprego da analogia no direito penal
	
	No Direito Penal prevalece o princípio da legalidade dos delitos e das penas. A ninguém pode ser imputado crime ou aplicada pena por conduta não descrita em lei como crime. É inadmissível, portanto, o emprego de analogia para criar ilícitos penais. A aplicação da analogia é possível, entretanto, quando se trate de normas não incriminadoras, quando se vise, na lacuna evidente da lei, favorecer o réu por um princípio de equidade (igualdade). 
	Portanto:
a) a analogia in bonam partem é permitida (LICC, art. 4º). Ex.: exclusão de pena no caso de aborto que se pratica em mulher vítima de atentado violento ao pudor, que engravidou pela prática do ato delituoso (art. 128, II).
b) a analogia in malam partem é proibida, por violar o princípio da reserva legal.
	
5.3 Diferença entre analogia, interpretação extensiva e analógica
	Analogia x interpretação extensiva: na interpretação extensiva, amplia-se o texto da norma, enquanto na analogia isso não ocorre. Na analogia, que é forma de auto-integração da lei penal, o intérprete parte da própria lei para elaborar a regra concernente ao caso não previsto pela legislação. Aplica-se a analogia quando há lacuna. Na interpretação extensiva não há lacuna. Apenas à primeira vista, aparentemente, é que parece haver lacuna, mas não há. Na interpretação extensiva, o intérprete apenas estende o sentido da lei que já existe, para abranger o caso examinado. Na interpretação extensiva há vontade de a lei prever o caso, mas o seu texto diz menos do que o desejado – estende-se, portanto, seu sentido até o fato. Já na analogia, não há vontade de a lei regular o caso, justamente porque não existe previsão legal para aquele caso. Será, na analogia, aplicada outra norma, que regula fato semelhante. 
	Analogia x intepretação analógica: analogia é a auto-integração da lei. Omissa, parte-se da solução nela prevista para caso semelhante não previsto. Interpretação analógica é uma espécie de interpretação extensiva. Nela, a própria lei dirige o intérprete para a extensão. É o próprio dispositivo que determina que seja aplicado analogicamente certo preceito. Na analogia, não é a vontade da lei que determina a aplicação ao caso concreto. A norma não existe, na verdade, pois há um vácuo, uma lacuna legislativa nesse ponto. Não poderia, pois, determinar a aplicação a casos semelhantes. Já na interpretação analógica, a própria lei, após definir a fórmula casuística, menciona os casos que devem ser compreendidos por semelhança (Ex. art. 121, par. 2º, art. 171, caput).
Jurisprudência
Vedação da analogia “in malam partem”
	HC 56529 / RJ
HABEAS CORPUS
2006/0061656-4 
	Relator(a)
	Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131) 
	Órgão Julgador
	T6 - SEXTA TURMA
	Data do Julgamento
	05/03/2009
	Data da Publicação/Fonte
	DJe 23/03/2009
	Ementa 
	HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. 1. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CÁLCULO. CRIME CONSIDERADO NÃO HEDIONDO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DO CÁLCULO CASSADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CRIME NÃO HEDIONDO. LISTAGEM TAXATIVA DOS CRIMES COM
TAL NATUREZA. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. 2. ORDEM CONCEDIDA. 1. O crime de associação para o tráfico não integra a listagem legal de crimes considerados hediondos. Impossível analogia in malam partem com o fito de considerá-lo crime dessa natureza. 2. Ordem concedida para, em confirmação à liminar já deferida,
cassar a decisão proferida no acórdão impugnado, para que seja restabelecido o cálculo efetuado pelo juízo da execução criminal, que considerou o crime previsto no artigo 14 da Lei 6.368/76 como não hediondo.
	HC 23419 / PB
HABEAS CORPUS
2002/0082891-0 
	Relator(a)
	Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107) 
	Relator(a) p/ Acórdão
	Ministro PAULO MEDINA (1121)
	Órgão Julgador
	T6 - SEXTA TURMA
	Data do Julgamento
	28/09/2004
	Data da Publicação/Fonte
	DJ 21/03/2005 p. 443
	Ementa 
	HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. LIBELO. QUALIFICADORA. AGRAVANTE. DESCONFORMIDADE. TRÉPLICA. CONTRADITA. NULIDADE. Não se decreta nulidade de ato processual que não causa prejuízo às partes (artigo 563, do CPP). A qualificadora inserta no libelo, em desacordo com a pronúncia (motivo fútil), não foi submetida ao Conselho de Sentença e, portanto, nenhuma influência teve na quantificação da pena. Incabível a agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal, pois há nos autos prova pré-constituída de que a vítima não era esposa do paciente, porquanto casados apenas em cerimônia religiosa. A norma penal refere unicamente o cônjuge, sendo vedado, no Direito
Penal, ampliar tal conceito restritivo, com o emprego de analogia in malam partem. Ordem parcialmente concedida, apenas para afastar a agravante e reduzir a pena para 15 (quinze) anos de reclusão, mantidas as demais
condições da sentença.
B) Aborto de feto anencefálico
	Processo – STJ
	HC 56572 / SP
HABEAS CORPUS
2006/0062671-4 
	Relator(a)
	Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) 
	Órgão Julgador
	T5 - QUINTA TURMA
	Data do Julgamento
	25/04/2006
	Data da Publicação/Fonte
	DJ 15/05/2006 p. 273 
	Ementa 
	PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO WRIT ORIGINÁRIO. MANIFESTA ILEGALIDADE. CABIMENTO DE HABEAS CORPUS PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. PATOLOGIA CONSIDERADA INCOMPATÍVEL COM A VIDA EXTRA-UTERINA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. GESTAÇÃO NO TERMO FINAL PARA A REALIZAÇÃO DO PARTO. ORDEM PREJUDICADA.
1. A via do habeas corpus é adequada para pleitear a interrupção de gravidez fora das hipóteses previstas no Código Penal (art. 128, incs. I e II), tendo em vista a real ameaça de constrição à liberdade ambulatorial, caso a gestante venha a interromper a gravidez sem autorização judicial. 
2. Consoante entendimento desta Corte, é admitida a impetração de habeas corpus contra decisão denegatória de liminar em outro writ quando presente flagrante ilegalidade.
3. Não há como desconsiderar a preocupação do legislador ordinário com a proteção e a preservação da vida e da saúde psicológica da mulher ao tratar do aborto no Código Penal, mesmo que em detrimento da vida de um feto saudável, potencialmente capaz de transformar-se numa pessoa (CP, art.128, incs. I e II), o que impõe reflexões com os olhos voltados para a Constituição Federal, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Havendo diagnóstico médico definitivo atestando a inviabilidade de vida após o período normal de gestação, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, uma vez que a morte do feto é inevitável, em decorrência da própria patologia.
5. Contudo, considerando que a gestação da paciente se encontra em estágio avançado, tendo atingido o termo final para a realização do parto, deve ser reconhecida a perda de objeto da presente impetração.
6. Ordem prejudicada.
	Processo - STJ
	HC 32159 / RJ
HABEAS CORPUS
2003/0219840-5 
	Relator(a)
	Ministra LAURITA VAZ (1120) 
	Órgão Julgador
	T5 - QUINTA TURMA
	Data do Julgamento
	17/02/2004
	Data da Publicação/Fonte
	DJ 22/03/2004 p. 339
RMP vol. 25 p. 400
RSTJ vol. 190 p. 447 
	Ementa 
	HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.
1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a
defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro. 
2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.
3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.
4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.
5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte
Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.
Referências bibliográficas
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 8.ed. São Paulo: RT, 2008.
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