Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Certa manhã, ao sair de casa, encontrei uma cadeira de rodas estacionada num poste — não por negligência, mas porque alguém a havia deixado ali, como se fosse um objeto comum numa cidade que insiste em esquecer causas e pessoas. A cena ficou comigo: a cadeira, vazia e resignada, lembrava que tecnologia não é neutralidade. Ela é narrativa. Carrega histórias de quem a usa, de quem a projeta, de quem a decide comprar ou negar. Nesta coluna, que mistura memória e análise, quero contar por que a tecnologia assistiva merece virar matéria-prima de políticas públicas, de design e de imaginação coletiva.
Tecnologia assistiva é a ponte entre uma limitação e uma possibilidade. É o aparelho auditivo que devolve o rumor límpido das vozes, é o software que lê páginas e abre janelas no mundo digital, é a prótese que devolve gesto e afeto. Mas, acima de tudo, é uma promessa: a promessa de participação. Quando bem concebida, a tecnologia assistiva não só compensa impossibilidades; ela reconfigura identidades, permite que as vidas sejam escritas em fontes maiores, com ritmos próprios, sem pedágios desumanos.
Vi, numa clínica, uma criança com um comunicador aumentativo e alternativas — uma caixa de luz e imagens que lhe abriam o léxico do desejo. A cada escolha da criança, ouvia a sala inteira se transformar; os pais viam, enfim, a possibilidade de diálogo. Aquela máquina era menos um objeto do que um tradutor entre mundos: entre o interior incandescente da criança e as rotinas embaladas pelo inexpresso dos adultos. O que nos obriga a perguntar, editorialmente: por que tantos nomes e tantos direitos ainda não se materializam em dispositivos nas mãos de quem precisa?
Há duas linhas que atravessam o debate: tecnologia e acesso. A primeira fala de invenção, de pesquisa, de qualidade. A segunda, da economia do cuidado, das desigualdades que decidem quem recebe um implante coclear e quem improvisa com fita adesiva. A tecnologia assistiva, sem políticas redistributivas, corre o risco de ser luxo — um adorno para poucos. Quando política pública e design inclusivo se entrelaçam, materializa-se o princípio da dignidade: escolas que adotam recursos de acessibilidade, transporte equipado, crédito para adaptações domésticas, programas públicos de reabilitação.
Mas o futuro exige mais do que leis bem-intencionadas. Exige processo. Exige co-design: ouvir aqueles que vivem a deficiência não como objeto de estudo, mas como agentes produtoras de soluções. Exige, também, um olhar crítico sobre o mercado. Há inovações incríveis — braços robóticos controlados por pensamento, leitores de olhos que decifram intenções, óculos que descrevem imagens —, mas muitas vêm com cadeados: preços, manutenção, incompatibilidade com a infraestrutura local. Tecnologia assistiva que não pode ser consertada numa oficina daqui é, no fundo, tecnologia exótica.
Os riscos éticos aparecem em várias formas. Primeiro, a medicalização excessiva: reduzir a pessoa à sua condição e tratar cada avanço como remédio definitivo, quando a inclusão passa por transformar ambientes. Segundo, a privacidade: dispositivos conectados colhem dados sensíveis sobre saúde e rotina. Terceiro, a dependência tecnológica sem alternativas humanas: nem todo problema pode — ou deve — ser resolvido por um gadget. A sensibilidade de políticas públicas está em equilibrar promessas tecnológicas com direitos civis e autonomia.
Do ponto de vista literário, penso na tecnologia assistiva como um fio que costura uma cidade mais polida. Há beleza nesse processo de costura: sobras de talento humano, linhas de código que não excluem, parafusos que não humilham. E há, também, urgência: a cada minuto em que uma calçada permanece inacessível, alguém paga com perda de mobilidade cívica. Um editorial não é só elogio; é cobrança. Cobrança de financiamento público, de formação de profissionais, de inclusão no currículo escolar dos conceitos de acessibilidade, de investimento em pesquisa aplicada que considere diversidade corporal, cognitiva e sensorial desde a concepção.
A inovação pode e deve ser democrática. Imagine políticas que subvencionem oficinas de adaptação local, cursos técnicos que formem reparadores de próteses, laboratórios comunitários onde famílias aprendam a programar comunicadores. Imagine uma economia circular da assistência, em que dispositivos obsoletos sejam reaproveitados, recondicionados, ensinando novas gerações a criar com respeito aos corpos. Essa é a narrativa que proponho: uma cidade onde a tecnologia assistiva é matéria-prima de cidadania, e não mercadoria de exceção.
Fecho esta reflexão com uma imagem: a mesma cadeira de rodas que vi no poste, agora pousada na calçada de uma escola, com crianças ao redor aprendendo a consertá-la. A cena traduz o verbo que precisamos conjugar: incluir. Incluir não é apenas instalar rampas; é integrar saberes, decisões, investimentos e afetos. Se a tecnologia assistiva for escrita assim — com mão, corpo e política —, transformará a cadeira vazia em lugar onde histórias se encontram.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
1) O que é tecnologia assistiva?
Resposta: Conjunto de produtos, serviços e práticas que aumentam, mantêm ou melhoram capacidades de pessoas com deficiência, promovendo participação social.
2) Quais são os principais tipos?
Resposta: Dispositivos de mobilidade, próteses, órteses, leitores de tela, comunicadores aumentativos, implantes auditivos, adaptações domésticas e sistemas de acessibilidade digital.
3) Como políticas públicas podem ampliar o acesso?
Resposta: Por financiamento direto, subsídios, programas de reabilitação, formação técnica, compras públicas inclusivas e incentivos à produção local.
4) Quais são os riscos éticos?
Resposta: Medicalização excessiva, violação de privacidade por dados sensíveis, desigualdades de acesso e dependência tecnológica sem alternativas sociais.
5) Como envolver usuários no desenvolvimento?
Resposta: Adotar co-design participativo, consultas contínuas, testes em campo e financiamento de projetos liderados por pessoas com deficiência.

Mais conteúdos dessa disciplina