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Design thinking chega ao centro do debate público e corporativo como se fosse uma pauta que finalmente saiu das salas iluminadas por post-its e atingiu a rua. Reportagens recentes, seminários e cursos executivos impulsionaram o termo para além do jargão de inovação: ele é celebrado como metodologia, criticado como modismo e avaliado como instrumento de transformação. Nesta resenha, observo o fenômeno com olhares complementares — jornalístico no relato dos fatos e dissertativo-argumentativo na avaliação crítica — para oferecer uma visão plural e fundamentada sobre o que o design thinking representa hoje. Em termos práticos, design thinking é apresentado como um processo iterativo que prioriza o usuário, combina empatia, ideação, prototipagem e testes. Empresas de tecnologia, agências de serviço público e startups promulgam sua adoção, narrando ganhos em rapidez de inovação e melhor alinhamento com necessidades reais. Casos emblemáticos circulam com frequência: uma prefeitura que redesenhou o atendimento social; uma fintech que reduziu o tempo de onboarding; uma ONG que reestruturou campanhas com base em mapas de empatia. Esses exemplos, divulgados pela mídia e por consultorias, criam a impressão de eficácia quase universal. No entanto, uma leitura mais atenta revela nuances que merecem explicitação. O primeiro ponto crítico é a banalização terminológica. Se antes o vocabulário do design era circunscrito a quadros profissionais específicos, hoje "pensamento de design" virou etiqueta para iniciativas muito diversas — desde oficinas produtivas até simples sessões de brainstorming. Essa diluição ameaça transformar uma metodologia robusta em uma moda gestual: post-its e personas usados como adereços, sem comprometimento com a profundidade analítica que o método exige. Outro aspecto merece destaque: a tensão entre rapidez e profundidade. O apelo do design thinking se dá em parte por promessas de agilidade e menores custos de laboração. Entretanto, processos verdadeiramente empáticos demandam tempo — observação participante, entrevistas profundas, imersão no contexto do usuário — etapas que nem sempre cabem nos cronogramas enxutos das corporações. Assim, há risco de versões superficiais que geram protótipos aparentemente úteis, mas desvinculados de problemas estruturais. A eficácia do método também depende da cultura organizacional. Em empresas burocráticas, hierarquias rígidas e métricas de performance mal alinhadas, iniciativas de design thinking enfrentam resistência ou são cooptadas para finalizar projetos sem alterar modelos subjacentes. Por outro lado, organizações que cultivam experimentação, tolerância ao fracasso e colaboração interdisciplinar conseguem extrair maior valor. Logo, o sucesso não está apenas no conjunto de técnicas, mas no ambiente que as abriga. Do ponto de vista argumentativo, defendo que o design thinking tem mérito substancial, porém não é panaceia. Seu principal valor é deslocar o foco do produto para as pessoas — um movimento normativo importante em tempos de soluções tecnocráticas. Além disso, ao promover iteração rápida, o método reduz custos de erro, permitindo falhas baratas com aprendizado incorporado. Esses pontos o tornam útil em contextos voláteis, onde hipóteses precisam ser testadas rapidamente. Entretanto, o método peca se for apresentado como substituto de análises estruturais. Problemas sociais, econômicos ou institucionais frequentemente exigem intervenções políticas e mudanças em larga escala, que extrapolam protótipos de serviço. A sobrevalorização do design thinking como ferramenta de transformação social corre o risco de privatizar respostas coletivas, deslocando a responsabilidade do Estado e de políticas públicas para soluções pontuais desenvolvidas por consultorias e empresas. No campo da formação, observa-se uma proliferação de cursos com linguagem acessível — um aspecto positivo para disseminação —, mas a qualidade varia enormemente. Programas que combinam teoria, prática supervisionada e exposição a contextos reais tendem a formar praticantes mais críticos. Por contraste, formações rápidas e voltadas apenas para técnicas reduzem o método a rituais visuais e a uma caixa de ferramentas truncada. Como resenha final, o design thinking merece reconhecimento como caixa de ferramentas valiosa, especialmente para problemas centrados no usuário e em cenários de incerteza. Sua eficácia real depende, porém, da fidelidade conceitual (empatia e iteração genuínas), da integração com análises estruturais e do suporte organizacional para experimentação. Levado a sério, pode democratizar processos de inovação; transformado em modismo, vira espetáculo sem substância. O desafio contemporâneo é, portanto, aprender a praticá-lo com rigor e crítica, evitando tanto a idolatria acrítica quanto o desprezo injustificado. PERGUNTAS E RESPOSTAS: 1) O que diferencia design thinking de outras metodologias de inovação? R: O foco explícito no usuário e na empatia, aliado à iteração rápida por meio de protótipos e testes, distingue sua prática. 2) Onde o design thinking funciona melhor? R: Em problemas complexos centrados em experiência humana, serviços e produtos com necessidade de validação contínua e aprendizado rápido. 3) Quais são os riscos de adotá-lo sem critério? R: Superficialidade, ritualização de ferramentas, soluções pontuais sem impacto estrutural e descarte de análise sistêmica. 4) Como avaliar se uma organização está pronta para aplicá-lo? R: Verificar cultura de experimentação, abertura interdisciplinar, tolerância ao erro e suporte executivo para mudanças. 5) Pode contribuir para políticas públicas? R: Sim, quando integrado a análises institucionais e escala, mas não substitui reformas estruturais e ação estatal coordenada.