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Relatório técnico-científico: Terapia Nutricional aplicada a doenças infecciosas 1. Introdução A terapia nutricional constitui componente integral do manejo de doenças infecciosas, atuando tanto na prevenção quanto na mitigação de desfechos adversos. Infecções agudas e crônicas alteram o estado nutricional por meio de respostas inflamatórias, catabolismo proteico, anorexia e alterações no metabolismo de micronutrientes. Este relatório sintetiza fundamentos fisiopatológicos, evidências clínicas e diretrizes pragmáticas para intervenção nutricional em contexto infeccioso, com ênfase em abordagem individualizada, vigilância de parâmetros e integração multidisciplinar. 2. Objetivos do documento - Delinear mecanismos pelos quais infecções influenciam as necessidades nutricionais. - Revisar estratégias de suporte nutricional (oral, enteral, parenteral) adaptadas a apresentações clínicas. - Recomendar parâmetros de avaliação e monitoramento relevantes para prática clínica. - Indicar lacunas de pesquisa e prioridades para estudos translacionais. 3. Fundamentação fisiopatológica A infecção desencadeia resposta inflamatória sistêmica com liberação de citocinas (IL-1, IL-6, TNF-α) que promovem febre, resistência à insulina e aumento do catabolismo proteico. O balanço energético torna-se negativo devido a aumento do gasto energético basal e redução da ingestão alimentar. A mobilização de aminoácidos de tecido muscular sustenta gluconeogênese e síntese de proteínas de fase aguda, comprometendo massa magra. Deficiências ou desequilíbrios de micronutrientes (vitamina D, zinco, selênio, vitaminas A e C) modulam imunidade inata e adaptativa, influenciando suscetibilidade e evolução da infecção. 4. Avaliação nutricional e risco Avaliação inicial deve incluir triagem de risco nutricional (por ex. NRS-2002, MUST), história alimentar, medidas antropométricas, exame físico focalizado em perda de massa magra, além de bioquímica: albumina (como marcador inflamatório crônico), pré-albumina, proteína C-reativa, glicemia, eletrólitos e status de micronutrientes quando indicado. Em infecções graves, avaliar gasto energético indireto quando disponível para guiar prescrição calórica. Escalas funcionais (handgrip) e índice de massa corporal completam a avaliação. 5. Estratégias de intervenção - Suporte oral otimizado: prioridade quando via GI preservada. Intervenções comportamentais e suplementos de alta energia/proteína para atender demanda aumentada (1,2–2,0 g/kg/dia de proteína em catabolismo agudo; ajustar para função renal). - Nutrição enteral (NE): indicada quando ingestão insuficiente por >3 dias ou risco de desnutrição com via GI funcional. NE preserva barreira intestinal, modula microbiota e reduz cirurgia/infecção associada à terapia intravenosa. - Nutrição parenteral (NP): indicada quando NE contraindicada ou insuficiente. Uso criterioso pela associação a complicações infecciosas; restrita a períodos necessários e integrada a estratégias de desmame precoce para NE. - Imunonutrição: fórmulas enriquecidas com arginina, glutamina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos podem modular resposta imune em pacientes cirúrgicos ou com sepse, porém evidências heterogêneas; considerar caso a caso. - Micronutrientes: correção de déficits documentados (vitamina D, zinco, selênio, vitamina A/C) com doses terapêuticas quando susceptibilidade ou curso prolongado da infecção. Suplementação empírica rotineira não é recomendada sem evidência de deficiência, exceto em contextos específicos (ex.: deficiência endêmica). 6. Considerações em populações específicas HIV/AIDS: maior prevalência de caquexia e má absorção; foco em densidade energética e proteína, avaliação de comorbidades: hepatopatias, coinfecções. Tuberculose: alta perda de peso e deficiência de micronutrientes; intervenções nutricionais aceleram recuperação funcional e podem melhorar aderência ao tratamento. Infecções respiratórias agudas grave (incluindo COVID-19): transição rápida para NE quando risco de depleção; monitorar glicemia, função renal e sobrecarga de fluidos. Pacientes críticos: políticas de início precoce de NE (preferivelmente) com ajuste calórico gradual e atenção à síndromes hipermetabólicas. 7. Monitoramento e indicadores de resposta Monitorar ingestão energética e proteica diária, peso, medidas de massa magra, índices laboratoriais (proteína C-reativa para contexto inflamatório), eletrólitos, glicemia e parâmetros relacionados a suporte nutricional (triglicerídeos, função hepática). Reavaliar plano nutricional a cada 48–72 horas em pacientes instáveis e semanalmente em estáveis. 8. Integração clínica e segurança Abordagem multidisciplinar (nutricionista, infectologista, intensivista, farmacêutico) para adequar terapias, evitar interações medicamentosas com suplementos e reduzir riscos infecciosos por acesso venoso. Protocolos institucionais reduzem variabilidade e melhoram desfechos. 9. Lacunas e recomendações para pesquisa Necessidade de estudos randomizados focando tipos e doses de imunonutrientes em populações específicas; investigação de biomarcadores que individualizem terapia nutricional; impacto da modulação da microbiota sobre resolução de infecções. 10. Conclusão A terapia nutricional é componente crítico no manejo de doenças infecciosas, influenciando recuperação, morbimortalidade e qualidade de vida. Intervenções devem ser baseadas em avaliação contínua, com priorização da via enteral quando possível, ajuste proteico e correção de deficiências micronutricionais documentadas. Estratégias individualizadas e integração multidisciplinar aumentam a efetividade e segurança do cuidado. PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) Qual a prioridade da via de alimentação em pacientes com infecção grave? Resposta: Priorizar via enteral quando o trato gastrointestinal funcionar; reduz complicações infecciosas e preserva barreira intestinal. 2) Quanto de proteína é indicado em catabolismo associado à infecção? Resposta: Geralmente 1,2–2,0 g/kg/dia, ajustando para função renal e estado clínico. 3) Suplementação de vitaminas deve ser rotineira em infecções? Resposta: Não rotineira; recomendar correção quando houver deficiência documentada ou indicação clínica específica. 4) Imunonutrição é recomendada para todos os pacientes sépticos? Resposta: Evidências heterogêneas; considerar em contextos cirúrgicos e caso a caso, não como padrão universal. 5) Quais principais indicadores para reavaliar o plano nutricional? Resposta: Ingestão energética/proteica, perda de peso, medidas de massa magra, glicemia, eletrólitos e marcadores inflamatórios.