Prévia do material em texto
Era uma manhã abafada quando o dono de uma pequena indústria de bolachas empurrou a porta do escritório do meu colega contabilista. Trajava calça gasta e um sorriso cansado: o balanço mensal lhe devolvera duas certezas — negócios que crescem pedem decisões fiscais e, sem orientação, impostos podem engolir o lucro. A conversa que se seguiu ilustraria, na prática, o sentido e as contradições da contabilidade do Lucro Presumido. Narrar essa cena é permitir uma aproximação humana a um tema técnico. O empresário queria simplicidade e previsibilidade; o contador ofereceu um quadro: o Lucro Presumido não é um atalho para sonegação nem é sempre a opção mais barata. É um regime tributário que presume, pela legislação, uma margem de lucro sobre a receita bruta para fins de IRPJ e CSLL, simplificando a apuração tributária. Em vez de medir o lucro real ocurrido, o fisco aceita uma presunção legal — um ganho de eficiência para quem tem estrutura contábil menos complexa, ou para quem, de fato, lucra acima da margem presumida. Como editorial, cabe ponderar: a contabilidade do Lucro Presumido exige, paradoxalmente, mais disciplina do que a si pode parecer. A presunção reduz a necessidade de comprovar despesas para dedução, mas não elimina a escrituração contábil obrigatória. Livros fiscais, notas fiscais, registros do caixa e demonstrativos contábeis continuam essenciais — tanto para gestão quanto para cumprir obrigações acessórias. A falsa ideia de “contabilidade flexível” gera riscos fiscais e decisões empresariais precipitadas. Explicando com objetividade: o regime define como base de cálculo uma parcela da receita considerada como lucro presumido; sobre essa base aplicam‑se as alíquotas do IRPJ e da CSLL. A periodicidade de apuração costuma ser trimestral para esses tributos, com recolhimentos provisionados durante o ano. Além disso, PIS e COFINS, ISS e demais tributos municipais ou previdenciários mantêm incidência conforme a atividade. Portanto, a contabilidade do Lucro Presumido é um exercício de reconciliar receitas, tributos e planejamento, mantendo controles que permitam demonstrar conformidade e otimizar fluxo de caixa. No diálogo entre contador e empresário, surgiram argumentos comuns: “Posso reduzir custos de compliance?” Sim — em muitos casos, a complexidade diminui. “Posso pagar menos imposto?” Depende. Se a empresa tiver margens efetivas menores do que as presumidas, acabará pagando mais imposto do que sob o Lucro Real. Se tiver margens maiores, a presunção pode ser vantajosa. Assim, a escolha exige simulação: comparar tributos projetados em ambos os regimes. A contabilidade, nesse contexto, cumpre papel duplo. Primeiro, como ferramenta de registro fiel: alimentar razão, diário e livros auxiliares para compor demonstrativos que suportem decisões e obrigações. Segundo, como instrumento de aconselhamento: o contador calcula cenários, indica provisões, organiza cronograma de recolhimentos e prepara obrigações acessórias, como a ECF e as declarações federais exigidas. A ausência dessas rotinas transforma a presunção em armadilha, com multas e autuações que corroem a vantagem inicial. Há nuances que exigem atenção editorial crítica. A presunção afeta o planejamento de investimentos e pagamento de pró‑labore, influencia políticas de distribuição de dividendos e requer cuidado com receitas não operacionais. Empresas que recebem subvenções, rendimentos financeiros expressivos ou que praticam margens atípicas devem avaliar, com contadores e advogados tributaristas, se a presunção refletirá sua realidade econômica. Além disso, a migração entre regimes — do Simples ao Presumido, ou do Presumido ao Real — tem janelas, limites e impactos contábeis que merecem ser ponderados antes do movimento. Retornando ao empresário das bolachas: depois de três simulações, ele entendeu que, naquele momento, o Lucro Presumido traria previsibilidade para o fluxo de caixa e reduziria o custo administrativo. Contudo, decidiu implantar controles mais rígidos nas áreas de estoque e custo, para monitorar quando a mudança de regime se tornaria vantajosa. A história ilustra uma máxima editorial: escolher Lucro Presumido é compromisso com a contabilidade como ferramenta de governança, não apenas uma opção tributária. Concluo este editorial com uma recomendação prática: encare o Lucro Presumido como um contrato entre empresa e fisco baseado em estimativa. Para que esse contrato seja benéfico, a contabilidade deve ser escrupulosa, as simulações periódicas e o diálogo com o profissional contábil constante. Assim, a presunção deixa de ser aposta e passa a ser estratégia consciente — capaz de proteger margem, facilitar expansão e evitar surpresas que, em negócios reais, custam mais do que números em uma planilha. PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) Quando optar pelo Lucro Presumido? R: Quando a estimativa de imposto, baseada em margens legais, for inferior à do Lucro Real e a empresa buscar simplicidade administrativa. 2) Exige escrituração contábil completa? R: Sim. Apesar da presunção, mantêm‑se livros e demonstrativos para gestão e cumprimento de obrigações acessórias. 3) Como é feita a apuração dos tributos? R: Apura‑se uma base presumida sobre receita bruta; sobre ela aplicam‑se alíquotas de IRPJ e CSLL, com recolhimentos periódicos. 4) Quais são os riscos dessa opção? R: Pagar mais imposto que o lucro efetivo, perda de benefícios fiscais e adequação inadequada da estrutura financeira. 5) Precisa revisar a opção periodicamente? R: Sim. Mudanças de faturamento, margem ou legislação exigem reavaliação anual para manter a escolha vantajosa. Era uma manhã abafada quando o dono de uma pequena indústria de bolachas empurrou a porta do escritório do meu colega contabilista. Trajava calça gasta e um sorriso cansado: o balanço mensal lhe devolvera duas certezas — negócios que crescem pedem decisões fiscais e, sem orientação, impostos podem engolir o lucro. A conversa que se seguiu ilustraria, na prática, o sentido e as contradições da contabilidade do Lucro Presumido. Narrar essa cena é permitir uma aproximação humana a um tema técnico. O empresário queria simplicidade e previsibilidade; o contador ofereceu um quadro: o Lucro Presumido não é um atalho para sonegação nem é sempre a opção mais barata. É um regime tributário que presume, pela legislação, uma margem de lucro sobre a receita bruta para fins de IRPJ e CSLL, simplificando a apuração tributária. Em vez de medir o lucro real ocurrido, o fisco aceita uma presunção legal — um ganho de eficiência para quem tem estrutura contábil menos complexa, ou para quem, de fato, lucra acima da margem presumida.