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Lembro-me do primeiro dia em que a psoríase entrou na minha rotina como algo mais que um diagnóstico escrito no prontuário. Era uma tarde de outono quando uma paciente de meia-idade, com as mãos vermelhas e fissuradas, entrou tímida no consultório. Contou-me histórias de vergonha, noites sem sono por prurido, e de uma série de tratamentos empilhados como promessas não cumpridas. Ali começou uma narrativa clínica que atravessou consultórios, exames e decisões terapêuticas — e que me convenceu de que tratar psoríase e dermatites na prática é, acima de tudo, gerir histórias humanas com ciência e pragmatismo. No relato do caso, a psoríase se revelou com placas bem delimitadas, escamosas, acompanhadas de queixas articulares discretas. A dermatite atópica de um jovem paciente, por sua vez, manifestou-se desde a infância como prurido intenso e áreas de liquenificação. Cada história pede uma escuta diferenciada. Por isso, defendo que, ao atender, o clínico deve primeiro mapear a trajetória do sofrimento: intensidade do prurido, efeito no sono, comorbidades, impacto psíquico e tentativas terapêuticas prévias. Avalie a extensão (PASI), a localização (face, palmas, plantares, genitais), e associe sempre exame físico a uma anamnese psicosocial. Use fotos seriadas para monitorizar resposta, e registre escalas de qualidade de vida. Argumento que o manejo eficaz combina diagnóstico preciso, educação do paciente e adesão terapêutica. Não se trata apenas de prescrever corticosteroides tópicos ou biológicos caros; trata-se de decidir com base em gravidade, presença de artrite, fatores de risco cardiovascular e preferências do paciente. Indique: trate de forma escalonada — terapias tópicas para doença limitada; fototerapia para doença extensa ou refratária a tópicos; terapias sistêmicas tradicionais (metotrexato, ciclosporina, acitretina) quando indicadas; e agentes biológicos nos casos moderados a graves ou com falha terapêutica. Monitore hematologia, função hepática e renal conforme o fármaco. Investigue com cuidado sinais de artrite e encaminhe ao reumatologista quando houver suspeita. No que concerne às dermatites, a instrução é clara: identifique o tipo (atópica, de contato, seborreica, numular) e elimine gatilhos. Faça testes epicutâneos quando a história sugerir contato alérgico; peça avaliação ocupacional se houver relação trabalho-doença. Oriente medidas gerais: hidratação regular com emolientes, evitar sabonetes alcalinos, usar roupas de algodão, controlar temperatura ambiente e reduzir estressores. Prescreva anti-inflamatórios tópicos com regras claras de uso — explique a técnica correta de aplicação e a duração. Sempre avalie a necessidade de antibioterapia quando houver sobreinfecção bacteriana. Intervenha também sobre comorbidades metabólicas: a psoríase associa-se a síndrome metabólica, diabetes e risco cardiovascular aumentado. Portanto, meça pressão arterial, glicemia, perfil lipídico e IMC; oriente mudanças no estilo de vida; e, se necessário, articule cuidado com endocrinologia e cardiologia. Previna: consiga vacinação atualizada, especialmente para pacientes em terapia imunossupressora. Eduque sobre riscos e sintomas de sinais de alerta, como febre ou lesões extensas que sugerem infecção. Um ponto central da prática clínica é a comunicação: explique mecanismo básico (inflamação crônica e desregulação imune), expectativas realistas de resposta e efeitos adversos potenciais. Determine objetivos terapêuticos compartilhados: redução do PASI, melhoria de DLQI (Dermatology Life Quality Index) e retorno às atividades sociais e laborais. Encoraje o autocuidado: registre diário de sintomas, evite automedicação crônica com corticosteroides tópicos de alta potência sem supervisão, e promova adesão ao tratamento prescrito. Defendo uma prática interdisciplinar. Envolva fisioterapia para pacientes com artrite psoriásica, psicologia para transtornos de ansiedade ou depressão, nutrição para manejo do peso e possível modulação inflamatória, e assistência social para acesso a tratamentos de alto custo. Questione protocolos rígidos e busque personalização: um mesmo agente biológico pode ser ideal para um paciente e inadequado para outro devido a comorbidades, disponibilidade e preferências. Na rotina, faça revisões periódicas: reavalie a cada 4–12 semanas no início do tratamento e, uma vez estabilizado, amplie intervalos conforme necessidade. Documente respostas, efeitos adversos e justificativas para mudança terapêutica. Seja pragmático na escalada ou troca de terapias: espere tempo suficiente para avaliar resposta, mas não prolongue tratamentos ineficazes que prejudicam qualidade de vida. Por fim, mantenha-se atualizado: a literatura evolui rápido, com novos alvos terapêuticos e evidências sobre segurança a longo prazo. Participe de grupos clínicos, revise diretrizes e contribua com dados locais sempre que possível. Tratar psoríase e dermatites é manejar incertezas com empatia e ciência. Prescreva com critério, eduque com paciência e ouça com atenção — essa combinação é, para mim, a prática clínica que transforma placas e prurido em recuperação funcional e dignidade. PERGUNTAS E RESPOSTAS: 1) Como diferenciar psoríase de dermatite seborreica? Resposta: Psoríase tem placas bem delimitadas e escamas prateadas; seborreica afeta áreas oleosas com escamas amarronzadas e menos definição. 2) Quando solicitar biópsia de pele? Resposta: Indique biópsia se quadro atípico, resposta terapêutica inesperada ou dúvida diagnóstica entre psoríase e outras dermatoses. 3) Quais critérios para iniciar terapia biológica? Resposta: Doença moderada a grave, falha ou intolerância a terapias convencionais, presença de artrite ou impacto importante na qualidade de vida. 4) Como abordar adesão ao tratamento? Resposta: Eduque sobre expectativas, simplifique regimes, use lembretes e envolva família; revise custos e efeitos adversos potenciais. 5) Quais exames de triagem antes de imunossupressores? Resposta: Hemograma, função hepática e renal, sorologias (HBV, HCV, HIV), teste de tuberculose e avaliação cardiometabólica.