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Caro(a) interlocutor(a), Escrevo-lhe como quem busca harmonizar duas paisagens distintas: a dos afetos — feita de metáforas, memórias e silêncios — e a das normas, regidas por números, prazos e selos oficiais. O Direito Tributário Internacional assemelha-se a essa encruzilhada: um território onde soberanias se tocam e, por vezes, se espelham; onde fluxos — de capital, de serviços, de ideias — desenham contornos de poderes e lacunas. Permita-me, nesta carta, argumentar não apenas com precisão técnica, mas com a cadência de quem quer sensibilizar para a urgência ética e institucional do tema. Imagine um mapa onde as linhas são impostos. Nesse mapa, os Estados traçam fronteiras e aforamentos de receita. Historicamente, o critério da residência e o critério da fonte se alternam como faróis: um atrai a tributação pela nacionalidade do contribuinte; outro, pela origem do rendimento. Essa alternância, porém, já não explica tudo. A globalização digital e a mobilidade dos ativos tornam o ponto de incidência cada vez mais difuso. Empresas sem presença física exploram mercados; indivíduos transcendem fronteiras com simples cliques. O resultado é um conflito entre o princípio da capacidade contributiva e o da neutralidade fiscal, que exige respostas juridicamente robustas e politicamente legítimas. O primeiro argumento que sustento é simples: não se trata apenas de evitar a dupla tributação, mas de promover justiça fiscal. A tutela contra a dupla tributação protege o contribuinte, certamente; contudo, a maior preocupação deve ser a dupla não-tributação, que fertiliza a erosão da base tributária e perpetua desigualdades entre Estados. Quando lucros evaporam em jurisdições que não exigem substância econômica, a arrecadação dos países que efetivamente geraram riqueza — muitas vezes, economias em desenvolvimento — fica precarizada. Por isso, a arquitetura normativa internacional deve priorizar critérios substantivos, não meramente formais. Em segundo lugar, defendo a cooperação multilateral como princípio de organismo vivo, não como decoro protocolar. Tratados bilaterais, por vezes, replicam padrões antiquados; instrumentos multilaterais, como os esforços da OCDE e a Convenção Modelo da ONU, oferecem espaços para corrigir assimetrias. As iniciativas contra BEPS e as propostas de Pilar Um e Pilar Dois representam tentativas de redesenhar a repartição dos direitos tributários. Mesmo imperfeitas, são sinais de um consenso emergente: nenhum país, isoladamente, pode resolver as distorções da economia globalizada. Ainda, é indispensável combinar eficácia administrativa com respeito aos direitos fundamentais. A troca automática de informações, os mecanismos de cooperação tributária e os instrumentos de resolução de controvérsias ampliam a capacidade fiscal dos Estados, mas também impõem riscos de excesso de formalismo e de vulneração da privacidade. Assim, proponho uma síntese normativa: instrumentos eficazes de cooperação condicionados a salvaguardas processuais, transparência e acesso à justiça. Uma tributação legítima é aquela que se exerce com previsibilidade e com possibilidade de reparação. Ademais, deve-se enfrentar a competição fiscal nociva que transforma tributos em armas de atração por desmaterialização de lucros. A ética pública exige limites: incentivos devem promover desenvolvimento real, não apenas servirem de artifício contabilístico. A implementação de regras anti-abuso, o endurecimento das normas depreciação de lucros e a revisão de critérios para benefícios fiscais são medidas necessárias. Ao mesmo tempo, é preciso contemplar a capacidade administrativa diferenciada entre países — propondo assistência técnica e mecanismos de compensação que ofereçam alternativas à simples renúncia fiscal. Por fim, não podemos perder de vista a dimensão política e simbólica do Direito Tributário Internacional: tributar é afirmar responsabilidade coletiva. A adoção de um imposto mínimo global, longe de ser tecnocracia, significa reconectar lucro e contribuição pública; significa, sobretudo, preservar o contrato social entre cidadãos e Estado num mundo fragmentado. Se as nações se empenharem em um diálogo sincero — que combine solidariedade, reciprocidade e técnica jurídica — poderemos alcançar um sistema mais equitativo. Concluo pedindo que este tema seja tratado com urgência e ternura: urgência porque os fluxos não esperam pela norma; ternura, porque a justiça fiscal consolida-se na vida cotidiana das pessoas. Que a literatura dos direitos e a disciplina das normas encontrem, no Direito Tributário Internacional, uma gramática que respeite soberanias e promova solidariedade. Sinto-me persuadido de que, com coragem normativa e cooperação genuína, é possível transformar o mapa tributário em um desenho que favoreça desenvolvimento justo, redução de assimetrias e, por que não, um pouco mais de confiança entre povos. Com consideração e expectativa de diálogo, [Assinatura] PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) O que distingue a tributação por residência da tributação por fonte? Resposta: Residência tributa conforme domicílio do contribuinte; fonte tributa conforme a origem do rendimento no território onde foi gerado. 2) O que é BEPS e por que preocupa? Resposta: BEPS (erosão da base e transferência de lucros) descreve estratégias para reduzir impostos globalmente, minando arrecadação e justiça fiscal. 3) Como funcionam o Pilar Um e o Pilar Dois? Resposta: Pilar Um redistribui lucros de grandes digitais a mercados; Pilar Dois estabelece imposto mínimo global para evitar corrida por menores tributos. 4) Países em desenvolvimento perdem com as regras atuais? Resposta: Muitas vezes sim, porque carecem de capacidade administrativa e enfrentam perdas de receita por estruturas que transferem lucros para baixas tributação. 5) Qual solução prática para maior equidade tributária internacional? Resposta: Multilateralismo fortalecido, assistência técnica, regras anti-abuso eficazes e salvaguardas processuais que protejam direitos e garantam arrecadação justa.