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LYRA, Pedro. Conceito de Poesia, p.5-7

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LYRA, Pedro. Conceito de poesia. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios, 57). P. 5-7. 
 
1 
Poesia: A transitividade do ser 
 
Poetas e leitores, críticos e historiadores, teóricos e professores têm-se reportado, ao longo 
da História, à poesia e ao poema, ora como coisas distintas, ora como coisas identificadas. São 
inúmeras as tentativas de definição, mas nenhuma se apresentou com a universalidade e o rigor ne-
cessários à sua afirmação estética, filosófica ou científica. 
 
Que são, em realidade, poesia e poema? 
 
A princípio, podemos afirmar — baseados na mais visível constatação empírica — que a 
definição de poema é muito menos controvertida do que a de poesia, e este fato já nos remete a uma 
dedução inicial óbvia: identificados pela consciência ingênua, poesia e poema são, e sem mais 
dúvida, coisas diferentes. 
 
Em que se diferenciam? 
 
A tradição apresenta esses dois seres por três distintos enfoques, como se deduz desta série 
de intuições/conceituações/definições formuladas por poetas e críticos de todos os tempos: 1) “não 
é literatura” (Ezra Pound); 2) “palavra-coisa” (Jean-Paul Sartre); 3) “crítica da vida” (Mathew 
Arnold); 4) “mensagem voltada para a mensagem” (Roman Jakobson); 5) “uma alegria eterna” 
(Keats); 6) “palavras olhando apenas para si mesmas” (Cecília Meireles); 7) “as melhores palavras 
na melhor ordem” (Coleridge); 8) “um fingimento deveras” (Fernando Pessoa); 9) “design da 
linguagem” (Décio Pignatari); 10) “estrela que leva a Deus” (Victor Hugo); 11) “uma das artes 
plásticas” (Mário Quintana); 12) se faz com palavras, não com ideias” (Mallarmé); 13) “emoção 
recolhida em tranquilidade” (Wordsworth); 14) “uma viagem ao desconhecido” (Maiakovsky); 15) 
“vivência e paixão” (Vigny); 16) “palavras postas em música” (Dante); 17) “o que o meu 
inconsciente me grita” (Mário de Andrade); 18) “música que se faz com ideias” (Ricardo Reis); 19) 
“essências e medulas” (Ezra Pound); 20) “a expressão da imaginação” (Shelley); 21) “a fala do 
infalível” (Goethe); 22) “a religião original da humanidade” (Novallis); 23) “permanente hesitação 
entre som e sentido” (Paul Valéry); 24) “fundação do ser mediante a palavra” (Heidegger); 25) 
“miragem que em mim mira” (Augusto de Campos); 26) “a liberdade da minha linguagem” (Paulo 
Leminski). A essas poderíamos acrescentar pelo menos mais quatro, igualmente conhecidas: 27) “o 
autêntico real absoluto” (Novallis); 28) “uma força divina e misteriosa, que age de maneira 
incompreendida” (Schiller); 29) “a descoberta das coisas que eu nunca vi” (Oswald de Andrade); 
30) “a ida ao fundo do desconhecido para encontrar o novo” (Baudelaire). 
 
Como se pode deduzir, o poema é, de modo mais ou menos consensual, caracterizado como 
um texto escrito (primordialmente, mas não exclusivamente) em verso. A poesia, por sua vez, é 
situada de modo problemático em dois grandes grupos conceituais: ora como uma pura e complexa 
substância imaterial, anterior ao poeta e independente do poema e da linguagem, e que apenas se 
concretiza em palavras como conteúdo do poema, mediante a atividade humana; ora como a 
condição dessa indefinida e absorvente atividade humana, o estado em que o indivíduo se coloca na 
tentativa de captação, apreensão e resgate dessa substância no espaço abstrato das palavras. 
 
Se o poema é um objeto empírico e se a poesia é uma substância imaterial, é que o primeiro 
tem uma existência concreta e a segunda não. Ou seja: o poema, depois de criado, existe per se, em 
si mesmo, ao alcance de qualquer leitor, mas a poesia só existe em outro ser: primariamente, 
naqueles onde ela se encrava e se manifesta de modo originário, oferecendo-se à percepção objetiva 
de qualquer indivíduo; secundariamente, no espírito do indivíduo que a capta desses seres e tenta 
(ou não) objetivá-la num poema; terciariamente, no próprio poema resultante desse trabalho 
objetivador do indivíduo-poeta. Este é o problema fundamental: se a poesia está no mundo 
originariamente, antes de estar no poeta ou no poema — e isso pode ser comprovado pela simples 
constatação popular de que determinados objetos/situações do mundo são “poéticos” — ela tem a 
sua existência literária decidida nesse trânsito do abstrato ao concreto, do mundo para poema, 
através do poeta, no processo que a conduz do estado de potência (força) ao de objeto. Então, 
podemos deduzir que a existência primordial da poesia se vincula à daqueles seres que exercem 
algum influxo sobre o sujeito que entra em contato com eles e o provocam para uma atitude estética 
de resposta, consumando o trânsito — da percepção à objetivação — mediante uma forma qualquer 
de linguagem. 
[...] 
Rayane
Realce
Rayane
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