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MÉTODO PSICANALÍTICO 
Aula 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Juliana Lourenço 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Antes de iniciarmos esta etapa, precisamos lembrar que a psicanálise 
trouxe um avanço para a sociedade ao instaurar a ideia de que o homem não se 
restringe ao seu biológico, mas, ainda assim, ela segue sendo alvo de ataques 
por aqueles que pretendem substitui-la por tratamentos químicos julgados mais 
eficazes por inibir os sintomas dos quais o homem não quer nada saber. 
Podemos observar que as histéricas já não são as mesmas de Freud, o 
corpo já não é tão atormentado como antes e, em seu lugar, surge um ser 
angustiado, com um sofrimento psíquico em forma de depressão, um inimigo 
invisível e silencioso que devasta a alma. 
Assim, de um lado temos o saber da psicanálise e os sintomas da 
atualidade, que surgem sob o sujeito concebido pela ciência, que, por outro lado, 
não exerce eficácia sob ele. Eis, então, a pergunta: por que a psicanálise hoje? 
TEMA 1 – PSICANÁLISE E CIÊNCIAS 
Desde a sua criação, a psicanálise sofre ataque pelos que se dizem do 
lado da ciência, considerada por eles um sistema de interpretação literária dos 
afetos e dos desejos, que, por assim ser, não depende da experimentação. 
Assim, em nome de uma “ciência cognitiva”, a única capaz de atestar uma 
“ciência verdadeira”, insistem em repensar a organização de todos esses 
campos, tal como a sociologia, a história, a antropologia, a linguística etc. 
Segundo os comentários de Roudinesco (2000) em seu livro Por que a 
psicanálise?, “esses procedimentos cientificistas pressupõem que existiria uma 
separação radical entre as chamadas ciências ‘exatas’ e as chamadas ciências 
‘humanas’”(p. 113). Essa concepção se inclina para uma aberração. A exemplo 
disso, temos a comemoração do centenário da psicanálise, que teve seu evento 
adiantado na Library of Congress (LOC) por conta de uma petição que 
considerava o evento demasiadamente institucional. 
O fato é que a psicanálise propõe uma ruptura com os “saberes oficiais”, 
e reconhece de forma racional os fenômenos que outrora foram marginalizados. 
No texto Sonhos e ocultismo, de 1932, Freud, ao afirmar o caminho estreito que 
a psicanálise trilha, evidencia os seus critérios: 
 
 
 
3 
O ocultismo afirma que existem, de fato, ‘mais coisas no céu e na terra 
do que sonha a filosofia’. Pois bem, não precisamos nos sentir 
amarrados pela estreiteza de vistas da filosofia acadêmica; estamos 
prontos a acreditar naquilo que nos é demonstrado de forma a merecer 
crédito. 
Propomos lidar com essas coisas da mesma forma como o fazemos 
com qualquer outro material científico: antes de mais nada, estabelecer 
se se pode realmente demonstrar que tais eventos acontecem, e então, 
e somente então, quando sua natureza factual não pode ser posta em 
dúvida, dedicar-nos a sua explicação. (Freud, 1932, p. 39) 
 Freud recusou-se a tornar a psicanálise uma ciência demasiadamente 
positivista, mas teve todo o cuidado de construir uma lógica, assim, “existe em 
sua doutrina um pacto original que liga a psicanálise à filosofia do iluminismo e, 
portanto, a uma definição de um sujeito fundamentado na razão” (Roudinesco, 
2000, p. 126). 
1.1 As modalidades do irracional 
A ciência a partir de Galileu foi definida como o conhecimento das leis que 
regem os processos naturais e, em seguida, originou novas abordagens que têm 
como ponto comum o ato de retirar a análise da realidade humana da antiga 
dominação das ciências ditas divinas, baseadas na Revelação. 
Surgem, então, as ciências formais (lógica e matemática), as ciências 
naturais (física e biologia) e as ciências humanas (sociologia, antropologia, 
história, psicologia, linguística e psicanálise). A que nos interessa – a humana – 
oscila entre duas atitudes, explica Roudinesco (2000, p. 120): 
uma toma como modelo uma única realidade humana, os processos 
físico-químicos, biológicos ou cognitivos, eliminando, assim, toda 
forma de subjetividade, de significação ou símbolo; a outra reivindica 
as categorias eliminadas. 
No entanto, nenhuma ciência está protegida do processo de 
irracionalidade que a permeia. A exemplo disso, Roudinesco (2000) cita Gilles 
Gaston, que, em um recente livro, evidencia três modalidades do irracional da 
própria história da ciência. 
1. Obstáculos constituídos por um conjunto de doutrinas que regem uma 
época, da qual o cientista tem que contestar o modelo dominante, sendo 
o recurso ao irracional o meio de suscitar uma imagem da razão e, assim, 
lograr novamente uma nova racionalidade. 
 
 
4 
2. Surge quando se está com um pensamento fixo em uma doutrina, ficando 
incapaz de avançar sobre ela. Então, prolonga-se o ato criador que lhe 
deu origem, influindo nele um novo vigor. 
3. Delibera-se um modo de pensar estranho à racionalidade, pela qual se 
assiste uma rejeição ao saber dominante. 
Roudinesco (2000, p. 122) assinala que, assim como essas três 
modalidades do irracional perpassam por todas as ciências, também estão 
presentes na história da psicanálise. “Contudo, Freud sempre se manteve dentro 
dos limites das duas primeiras”. 
 Verificamos o primeiro momento no período entre 1887 e 1900, quando 
Freud abandonou a teoria da sedução e construiu uma nova teoria da 
sexualidade. Depois, entre 1920 e 1935, quando Freud introduziu a dúvida no 
cerne da racionalidade da psicanálise com a finalidade de combater o positivismo 
que a ameaçava por dentro, em primeiro lugar com a hipótese da pulsão de 
morte que transformava por completo o modo de pensar da teoria e, em seguida, 
Freud passou por um “irracional especulativo”, que o conduziu a outras 
inovações. 
Diferentemente do percurso de Freud, a terceira modalidade do irracional 
surge apenas na história da psicanálise e, segundo Roudinesco, apresentou-se 
mesmo durante a vida de Freud, quando alguns retornam à prática de negar a 
própria ideia de uma explicação racional do psiquismo. 
1.2 O futuro da psicanálise 
O que pudemos observar até aqui é que se Freud em algum momento 
tentou integrar a psicanálise às ciências da natureza, nenhum passo foi dado por 
ele nessa direção. Em vez disso, ele elaborou um modelo especulativo e passível 
de dar conta de uma conceituação não restritiva da experiência clínica, mas que 
se amplia em relação à metafísica (ramo da filosofia), que trata das coisas 
especulativas, do ser ou da imortalidade da alma. A esse modelo nomeou de 
metapsicologia. 
Assim, com a sua nova doutrina do inconsciente, rompeu com a psicologia 
clássica, traduziu a metafisica numa metapsicologia e inventou um método 
interpretativo que convocou e convoca até os dias de hoje a desconstrução de 
“mitos”, “bem e mal”, “imortalidade” etc. 
 
 
5 
Desse modo, poderá a psicanálise resistir ao imperativo da ciência? Cabe, 
então, a cada um de nós o futuro da psicanálise. 
TEMA 2 – A ESPECIFICIDADE DA PSICANÁLISE 
 Quanto ao termo especificidade, precisamos ter a clareza do que 
representa. No dicionário on-line Dicio, encontramos a seguinte definição: 
“qualidade daquilo que é específico; particularidade/ qualidade própria”. Dito 
isso, podemos compreender que, para tomarmos a responsabilidade do futuro 
da psicanálise, é imprescindível que mantenhamos o rigor daquilo que 
caracteriza a sua especificidade. Em decorrência disso, decidimos dividir o que 
a psicanálise revela como sua especificidade em duas partes a fim de obtermos 
uma melhor compreensão. A primeira, quanto à especificidade da clínica, ou 
seja, sobre o tratamento; a segunda, quanto à formação do psicanalista, sobre 
aquilo que concerne à especificidade para a sua prática. 
2.1 A especificidade do tratamento 
 O termo “psicanálise” foi usado pela primeira vez por Freud em 1896, em 
seu texto redigido em francês, mas, o que o precedera foi a publicação do livro 
Estudo sobre a histeria, que traz o caso da Anna O., uma paciente que se tornoureferência para a psicanálise por evidenciar um método – o tratamento 
fundamentado na fala. 
 A fala para a psicanálise é um agente de cura, a cura pela fala, vindo 
desde o método catártico que, a princípio, visava à ab-reação e, depois, revelou-
se a principal via de acesso à psique humana. Foi ao escutar o sofrimento de 
seus pacientes que Freud pôde descobrir o funcionamento do inconsciente e 
elaborar o conceito de resistência, de recalque e de transferência, entre outros 
conceitos base da psicanálise. 
 No texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953), 
Lacan resgata a especificidade da clínica psicanalítica – a linguagem – já 
acrescida de toda significação e denuncia os pós-freudianos por terem se 
afastado dela: 
A descoberta de Freud é a do campo das incidências, na natureza do 
homem, de suas relações com a ordem simbólica, e do remontar do 
seu sentido às instâncias mais radicais da simbolização no ser. 
Desconhecer isso é condenar a descoberta ao esquecimento, a 
experiência à ruina. (Lacan, 1953, p. 276) 
 
 
6 
 No livro Fundamentos da psicanálise (2005), Marco Antônio Coutinho 
Jorge afirma que a psicanálise opera por meio de um único meio, a palavra do 
analisando. Lacan estabeleceu sob a obra de Freud a relação inevitável entre as 
diversas formações do inconsciente e a linguagem, meio pela qual ela 
necessariamente se manifesta (Jorge, 2005, p. 65). 
 Assim, quando se fala, o que entra em jogo é o inconsciente, mesmo 
quando se depara apenas como o silêncio, diz Lacan, se tiver um ouvinte. Aí 
está o cerne da função da análise (1953, p. 249). O aforisma lacaniano “o 
inconsciente é estruturado como uma linguagem” reflete a diferença entre o 
inconsciente de Freud, que seguia o modelo biológico, e o inconsciente de 
Lacan, que se apoia no modelo linguístico. É o que nos explica Roudinesco no 
livro Dicionário de psicanálise (1998). 
 A incisão feita no conceito de inconsciente, depositando nele o saber da 
linguística, do qual Freud não teve a mão, Lacan pôde identificar algumas 
evidências que o levariam ao entendimento de que “o inconsciente é estruturado 
como uma linguagem”, logrando ampliar o entendimento sobre a fala do 
analisante, destacando que toda produção é da ordem do sentido, portanto, da 
ordem simbólica, isto é, um sistema de representação baseado na linguagem, 
cujos signos e significações determinam o sujeito. 
Dessa forma, o sujeito está mais implicado na sua fala do que ele possa 
imaginar, e o verbo realiza no discurso o ato que devolve ao sujeito a história, 
que lhe dá a sua verdade. Luciano Elia, no livro O conceito de sujeito (2004), 
afirma: 
Só a fala permite que o sujeito, que emergirá nos tropeços das 
intenções conscientes daquela fala, possa, além de emergir nesses 
tropeços, ser reconhecido como tal pelo falante, que, a partir desse 
reconhecimento, não será mais o mesmo porquanto terá sido levado a 
admitir como sua uma produção que desconhecia, mas que, ainda 
assim, faz parte dele. (Elia, 2004, p. 23) 
A fala, como linguagem concreta na experiência psicanalítica, revela ao 
sujeito o seu inconsciente, um inconsciente não caótico ou biológico, mas 
estruturado como uma linguagem, ou seja, com elementos materiais simbólicos 
que desembocam em significantes engendradores de sentido, mesmo não 
portando sentidos constituídos em si, mas que faz produzir sentidos, faz 
significar (Elia, 2004, p. 23). 
 
 
 
7 
Enfim, por meio da experiência psicanalítica, que torna a fala a sua 
especificidade, é possível compreender “que é no dom da fala que reside toda a 
realidade de seus efeitos; pois foi através desse dom que toda realidade chegou 
ao homem, e é por seu ato contínuo que ele mantém” (Lacan, 1953, p. 323). 
2.2 A especificidade da formação do psicanalista 
 Quanto à especificidade da formação do psicanalista, cuja direção é 
lacaniana, existe uma frase que nos orienta tanto quanto nos desorienta: “o 
analista só se autoriza de si mesmo!”. Ao fazer essa declaração, Lacan 
conseguiu, mais do que nunca e mais do que qualquer outra pessoa, implicar o 
sujeito em sua formação. 
Retomemos um pouco a história para lembrar que a Associação de 
Psicanálise Internacional (IPA) foi inicialmente fundada para normatizar a análise 
e formar os profissionais de psicanálise. A necessidade surgiu pela iminente 
expansão da teoria psicanalítica pelo mundo. Mas ao mesmo tempo em que a 
IPA exportava os modelos de formação, com o intuito de manter-se fiel às 
doutrinas freudianas, ela foi se tornando uma fábrica de produção de grandes 
notáveis que, segundo Roudinesco (2000), pela força de cultivas mais a norma 
do que a originalidade, e de cultivar a globalização em detrimento do 
internacionalismo, o terreno do debate político e intelectual foi banido. Nesse 
sentido, foram se desinteressando pelo mundo real para se voltar à fantasia de 
seres intocáveis. 
 Ao recusar os moldes enrijecidos da IPA na França, em 1963 Lacan teve 
sua excomunhão, como ele mesmo nomeou (um modo crítico para expressar o 
seu não aceite em relação à IPA). A partir do ano de 1964, fundou em Paris, 
como o seu “Ato de Fundação”, a Escola Francesa de Psicanálise, com o objetivo 
de resgatar a práxis e a doutrina psicanalítica, cujo valor maior é prezado pelo 
bem-fundado da experiência (Lacan, 1964, p. 235). 
 Com efeito, para Dominique Fingermann, no livro A (de)formação do 
psicanalista (2016), o que qualifica a sua eficiência específica (referindo-se à 
formação do psicanalista) não é a autoridade de uma teoria, o pertencimento a 
uma associação de pares ou a aplicação de uma cartilha técnica, menos ainda 
a conformidade à demanda de quem solicita sua presença e sua escuta 
(Fingermann, 2016, p. 21). 
 
 
8 
O que institui um sujeito analista é, em primeiro lugar, a sua experiência 
com o seu próprio inconsciente, apreendida em sua análise, “o analista não 
opera a partir do senso comum, mas a partir do ponto fora do comum” (p. 22). 
 No texto A questão da análise leiga (1926)1, ao tratar da formação do 
analista, Freud diz que “somente no curso de sua análise, quando vivencia de 
fato os processos postulados pela análise em seu corpo – dito de outro modo: 
em sua própria alma – que se adquirirá as convicções que o guiará como 
analista2. (p. 186). Resumidamente, o que Freud nos ensina e reafirma durante 
toda sua obra é que a condição de analista é pela própria análise do analista. 
 No entanto, a análise pessoal como especificidade da formação do 
analista não esgota a resposta à questão sobre a formação do psicanalista, pois 
a ela se acrescenta o estudo teórico e a supervisão, o tripé que estabelece a 
especificidade da formação do analista. 
2.2.1 Supervisão 
Sobre a questão da supervisão que soa tão contraditório ao ato de 
autorizar-se por si mesmo, Lacan afirma que ela se “impõe” para o analista. O 
que isso significa? Fingermann (2015), ao interpretar o sentido dessa imposição, 
declara que o fato de o analista não ter a garantia no autorizar-se de si mesmo 
torna a supervisão necessária. “A supervisão convoca o analista a ‘dar as razões 
da sua clínica’, dar prova da sua posição e de suas consequências que só podem 
qualificar um ato propriamente sem qualidade” (Fingerman, 2016, p. 181). 
 Outro ponto para o qual a supervisão se impõe para o analista em 
formação permanente diz respeito ao impossível da transmissão, dito de outro 
modo, sobre um ponto que é foracluído para analista e, que, apenas ao dispor 
de um terceiro (outro analista com mais experiência) ele poderá tornar audível o 
que ficou esquecido atrás dos ditos. Diz ainda: 
Engajar-se em um trabalho de supervisão coerente com o discurso 
analítico consiste, antes de qualquer coisa, em manter viva a sensação 
de um risco absoluto. O supervisor precisa estar à altura dessa 
responsabilidade se quiser colaborar para a manutenção da aposta do 
ato do psicanalista, que inquieta justamenteo supervisionando. 
(Fingermann, 2016, p. 26) 
A supervisão é o primeiro lugar em que se pratica a práxis da teoria. 
 
1 Tradução livre da obra em espanhol: “puedes los legos ejercer el análisis?” 
2 Tradução livre. 
 
 
9 
2.2.2 Estudo teórico 
Por meio das escolas de psicanálises, Lacan almejou o “ensino 
verdadeiro”, aquele que não parasse de se submeter às chamadas “novações”. 
Para isso, criou o dispositivo “cartel”, cuja fórmula podemos resumir pela frase: 
“para que a psicanálise, ao contrário, volte a ser o que nunca deixou de ser: um 
ato por vir” (Lacan, 1968, p. 293). 
O cartel é o “órgão base” da Escola de psicanálise proposta por Lacan. 
Ela indica um caminho indispensável para quem se responsabiliza por sua 
formação permanente e se engaja na tarefa de transmissão. Não nos propomos 
a ir mais fundo sobre esse tema, pois, por hora, queremos apenas por acento no 
que concerne ao estudo teórico como parte da especificidade da formação em 
psicanálise. 
Com a entrada do ensino da psicanálise nas universidades, podemos 
considerá-la como mais um aporte ao conjunto que integra o tripé da formação 
do psicanalista, ou mais bem dito, uma porta de entrada para a modalidade dos 
estudos teóricos que visam ser permanentes no processo de formação. 
Freud e Lacan deram insistentes orientações a respeito do que o 
psicanalista tinha que saber para estar à altura de sua operação (Fingermann, 
2016). O não saber do analista jamais pode se equivaler à ignorância. “A 
aparente incompatibilidade entre o ensino e a experiência não pode ser um 
motivo, uma desculpa, para não saber nada, satisfazer-se na posição do não 
saber, da ignorância” (Fingerman, 2016, p. 60). 
TEMA 3 – A PRÁXIS PSICANALÍTICA 
A ética da psicanálise é a práxis de sua teoria, declara Lacan no Ato de 
fundação (1964). Para nos orientar a respeito dessa afirmação, nos guiaremos 
de acordo com as seguintes questões: quais são as consequências dessa 
prática? A escola de psicanálise pode garantir essa prática? Afinal, o que é a 
psicanálise? É o que tentaremos responder a seguir. 
3.1 O que é a psicanálise? 
 Iniciaremos pela última pergunta, acreditando que ela abrirá caminhos 
para responder às demais questões. Pois bem, certa vez Lacan foi interrogado 
a respeito da nossa questão – o que é a psicanálise? 
 
 
10 
“A psicanálise [...] é o tratamento que se espera de um psicanalista”3. A 
resposta dada por ele foi um tanto quanto provocativa, recolocando a questão 
da formação do analista ao mesmo tempo em que devolve a responsabilidade 
da psicanálise aos seus operadores, fazendo-os lembrar, iminentemente, que a 
psicanálise é um tratamento, ou como diz Lacan, uma cura. Assim, para 
entendermos melhor, buscaremos mais referências com outros autores. 
 No livro Fundamentos da psicanálise (2017), Jorge traz à luz uma citação 
de Lacan que nos remete ao que estamos buscando responder: “É de meus 
analisandos que aprendo tudo, que aprendo o que é psicanálise” (p. 7). Desde 
então, podemos pensar que a psicanálise não é um saber circunscrito, ou seja, 
a psicanálise se produz a cada início de sessão, sendo sua apreensão da ordem 
do impossível. 
 No livro A estranheza da psicanálise (2009), Antonio Quinet reafirma que 
a psicanálise não é uma ciência, visto que não tem o propósito de transmitir tudo 
sem resto, pois sabe que a verdade jamais será dita por inteiro por conta do 
recalque originário, assim, ela se sustenta pela lógica do não todo (p. 75). Amelia 
Imbriano, no seu livro La Odiseia del siglo XX (2010), declara que a psicanálise 
se funda como uma práxis delimitada no campo da experiência psicanalítica, na 
qual o que está em tratamento é o sujeito do inconsciente, sendo essa a 
invenção freudiana. Assim, podemos entender que a psicanálise tampouco se 
reduz a uma simples técnica, mas parece ser mais um tipo de trabalho inspirado 
pelo seu analista durante a análise. Desse modo, a práxis que instaura a 
experiência psicanalítica decorre de seu procedimento próprio, que transforma a 
dor e o mal-estar em fala dirigida ao psicanalista. 
 Com esses autores, observamos que a psicanálise é um trabalho 
psicanalítico que, por sua complexidade, jamais será abarcado em sua 
totalidade, sendo apenas possível apreendê-la pela experiência. Assim sendo, 
quem poderá garantir a sua prática? A Escola? 
 
 
3 Fingermann cita Lacan no livro A (de)formação do psicanalista (2015, p. 70). 
 
 
11 
3.2 As escolas de psicanálise ou universidades garantem a práxis da 
psicanálise? 
 Em sua época, Freud foi questionado sobre quem poderia exercer a 
psicanálise. Assim, dedicou-se ao texto A questão da análise leiga (1926)4 para 
responder à sociedade que acusava de charlatanismo aquele que praticava a 
psicanálise não sendo médico. A pergunta que não se calava era: como e onde 
se aprende o necessário para exercer a psicanálise?5 O acento dado por Freud 
foi que “a análise é leiga: é uma experiência subjetiva, singular, que implica uma 
ética peculiar”. Para Freud, a psicanálise poderia ser exercida por qualquer 
campo do saber, desde que o sujeito em questão assumisse um compromisso 
ético com a sua práxis. E foi seguindo esses trilhos que Lacan propôs a sua 
Escola, no Ato de fundação. 
Imbuída em reaver a que se propõe a formação do analista no que tange 
à ética de sua prática, Fingermann declara: 
A ética da psicanalise é a práxis de sua teoria [...] a ética do analista, 
sua disposição para o ato, que, enquanto tal, dispensa qualquer 
modelo e modelização, depende da sua disponibilidade para algo que 
excede o simples estudo da teoria. Esta não é o modelo que se aplica, 
mas uma práxis que a produz à medida das ocorrências, e, por isso, é 
coerente com o que se espera de um psicanalista à altura do ato e do 
real. 
Do próprio exercício da transmissão da prática clínica depende a 
formação permanente da analista. A práxis da teoria é o exercício do 
analista, o qual põe à prova o seu saber, não o seus conhecimentos. 
(Fingermann, 2016, p. 25) 
 Dessa forma, podemos concluir que a prática que põe em ato a 
psicanálise só pode partir da própria ética daquele que se pretende psicanalista. 
3.3 Quais são as consequências da prática psicanalítica? 
 A partir de então, podemos refletir sobre as consequências da prática 
psicanalítica. Se nos remetermos ao ato inaugural da psicanálise, podemos 
extrair como consequência o ato que nos deu acesso ao inconsciente e à sua 
formalização. Segundo Quinet (2016), o ato tem marca de um antes e um depois, 
que traz em si a descontinuidade e, por ser assim, tem a estrutura de corte (p. 
7). 
 
4 Edição Amorrotu, Buenos aires: “¿Puedes los legos ejercer el análisis?” 
5 Tradução livre. 
 
 
12 
Assim, quando um psicanalista autoriza uma análise, o ato fundador de 
Freud se renova. É preciso compreender que não se trata de uma consequência 
que tente ao místico, pois os fundamentos e alicerces que compõem o ato 
psicanalítico estão entrelaçados ao tripé da formação permanente do 
psicanalista e, por assim ser, as consequências do tratamento instituem o valor 
de verdade aos sintomas, de modo que se valida a angústia como indicador da 
singularidade real de um sujeito. Posto isso, conclui Fingermann: “Que 
extravagância nesses tempos de cólera do discurso da ciência e do capitalismo: 
como ousar dar valor de uso para algo que não tem valor de troca” (2016, p. 71). 
TEMA 4 – PARA ALÉM DA CLÍNICA 
No texto que se intitula Proposição sobre o analista da Escola (1967), 
Lacan, já no âmago da sua Escola, insere os termos “psicanálise em extensão” 
e “psicanálise em intensão”. A primeira diz respeito a toda função da Escola cujo 
objetivo é presentificar a psicanálise no mundo; a segunda refere-se à afirmação 
dos conceitos aos seus operadores, pelo qual depende da qualificação da 
primeira (psicanálise em extensão). 
Os termos (extensão/intensão) que foram retirados da lógica por Lacan 
buscamrefletir a operação da formação do psicanalista que coexiste à própria 
psicanálise e ao seu emprego na sociedade. Assim, a prática psicanalítica pode 
ser reexaminada toda vez que pensada sobre seu alcance e limitações. 
4.1 Psicanalítica extensão x intensão 
A psicanálise em extensão diz respeito à ética política da Escola em sua 
transmissão, cujo viés que a orienta a essa experiência original é a psicanálise 
em intensão, visto que somente a prática funda a teoria e o lugar da Escola. 
Desse modo, a psicanálise em intensão é anterior à experiência da psicanálise 
em extensão, que, por sua premissa, implica na destituição de um mestre, visto 
que é só num depois que ela acontece. 
O dualismo se configura como uma banda de moebius, na qual dentro e 
fora constituem-se um só, como o funcionamento de uma engrenagem que 
promove o avanço da psicanálise em sua intensão (sua prática) e extensão em 
sua pólis. 
 
 
 
13 
TEMA 5 – A NOÇÃO DE SUJEITO 
Quando se fala em sujeito, logo pensamos em uma persona ou em uma 
espécie de construto, pois o termo “sujeito” não diz respeito a um conceito no 
sentido filosófico ou científico, mas trata-se de uma categoria. 
A categoria de sujeito se impõe na elaboração da teoria psicanalítica com 
base em Lacan, que o aborda pela sua constituição, sendo assim, sua tese se 
baseia nas concepções freudianas sob a constituição do aparelho psíquico, pelo 
qual o sujeito não nasce ou se desenvolve, mas se constitui no campo da 
linguagem. 
Sob esses argumentos, no texto dos Escritos – A subversão do sujeito e 
dialética do desejo (1960), Lacan demarca uma distinção entre a concepção de 
sujeito da ciência e da fenomenologia hegeliana e o sujeito da psicanálise: 
Nossa dupla referência ao sujeito absoluto de Hegel e ao sujeito 
abolido da ciência dá o esclarecimento necessário para formular em 
sua verdadeira medida a dramaticidade de Freud: reingresso da 
verdade no campo da ciência, ao mesmo tempo em que ela se impõe 
no campo de sua práxis: recalcada, ela ali retorna. (Lacan, 1960, p. 
813) 
Nesse contexto, ao apontar para a diferença entra a ciência e a 
psicanálise, Lacan localiza a psicanálise por meio da ciência, visto que o sujeito 
sobre o qual operamos é o sujeito da ciência. 
5.1 Sujeito da ciência e sujeito da psicanálise 
 O sujeito sobre quem operamos em psicanálise só pode ser o sujeito da 
ciência, declara Lacan no texto A ciência e a verdade (1956). Tal declaração, 
então, desemboca em três situações: que a psicanálise opera sobre um sujeito 
e não, por exemplo, sobre um eu; que há um sujeito na ciência; e, por último, 
que esses dois sujeitos constituem apenas um. Essas reflexões foram trazidas 
por Jean-Claude Milner em A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia (1996). 
 Assim, podemos situar o sujeito da ciência por meio do nascimento da 
ciência moderna estabelecido a partir de Descartes, no que confere o chamado 
Cogito, em que se inaugura um “ancoramento no ser”, pelo qual o ato de pensar 
determina a existência do sujeito – penso, logo sou (ou penso, logo existo). 
 
 
 
14 
O surgimento do sujeito concebido pela ciência moderna, no entanto, não 
opera com ele nem sobre ele, segundo o que nos explica Luciano Elia (2004). O 
autor declara, ainda, que é ao contrário disso, pois o que a ciência faz é excluir 
o sujeito do seu campo operatório, ou seja, “o sujeito é posto pela ciência para, 
no mesmo ato, ser dela excluído, ou, mais exatamente, ser excluído do campo 
de operação da ciência” (Elia, 2004, p. 14). 
 Ao passo que a ciência exclui o sujeito, é sobre ele que a psicanálise 
opera. Isso significa que a psicanálise não opera sobre uma pessoa humana ou 
um indivíduo, mas sobre o mesmo sujeito da ciência. É aí que está a subversão 
declarada pela psicanálise, em criar condições de operar nesse sujeito por meio 
da regra fundamental da psicanalise – fale o que lhe vier à mente. Ao instituir a 
associação livre, Freud se dirige diretamente ao sujeito, supondo-lhe um saber 
inconsciente sobre si, saber esse que emerge pela fala e por meio de falhas da 
fala. 
NA PRÁTICA 
 Autorizar-se psicanalista é uma posição ética e não institucional, visto que 
não há um lugar que forme psicanalista a não ser pela implicação do sujeito com 
o seu desejo. A escola de psicanálise ou as universidades jamais poderão ser o 
lugar de garantia da prática da psicanálise, ainda que ofertem o título. 
 O que garante a práxis do psicanalista é a psicanálise pura, ou seja, a 
experiência que inclui o tripé da formação: análise pessoal, supervisão e estudo 
teórico. Na escola não se ensina, só “se copia”, parafraseando Estamira, no 
documentário que levava o seu nome. O modelo pensado por Freud e Lacan 
considera o sujeito na sua peculiaridade e leva até as últimas consequências o 
seu saber na experiência. 
 A responsabilidade de não permitir que a psicanálise seja sucumbida aos 
anseios de se fazer ciência cabe a cada um que se pretenda psicanalista, sendo 
necessário sustentar as suas especificidades com o mesmo rigor estabelecido 
por Freud. Para isso, Lacan nos deixou advertidos para um permanente retorno 
aos textos freudianos. 
 
 
15 
FINALIZANDO 
 Podemos, agora, retomar a nossa questão inicial: por que a psicanálise 
hoje? A psicanálise é a ciência que toma o sujeito como objeto e se coloca como 
testemunha de sua verdade. Talvez essa seja a forma mais resumida de 
expressar a sua práxis, mas o que decorre numa sessão de análise é território 
infinito de possibilidade, visto que, ao devolver a fala ao sujeito, faz emergir em 
seu ser todo o emaranhado de sua fantasia que dá suporte aos seus sintomas. 
A psicanálise hoje e sempre será a cura para o sujeito, o sujeito que a ciência 
não alcança, pois ele não faz parte de seu campo de experiência. 
 A invenção de Freud – a psicanálise – como uma experiência do discurso 
visa alcançar o bem-dizer da ética do desejo ao tocar no singular do sujeito, sem 
que, com isso, deixe de reconhecer o caminho da ciência e as mudanças sociais, 
pois a psicanálise anda ao seu tempo em extensão e intensão (transmissão e 
tratamento). 
 A garantia de sua prática será sempre um lugar problemático, pois é assim 
que deve se manter, no debate. É essa a estranheza da psicanálise em relação 
a outras disciplinas e à própria civilização. É neste ponto que Lacan situa o 
âmago de sua Escola, escreve Antonio Quinet (2009). 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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FINGERMANN, D. A (de)formação do psicanalista. As condições do ato 
psicanalítico. São Paulo: Escuta, 2016. 
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completas. v. XX. Buenos Aires: Amorrortu, 1986. 
______. Sonhos e ocultismo, 1933. In: ______. Obras completas. v. XXII. Rio 
de Janeiro: Imago, 1996. 
IMBRIANO, A. Las Odisea del siglo XXI: Efectos de la globalización, Buenos 
Aires: Letra Vivas, 2010. 
LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, 1953. In: 
______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 
______. Ato de Fundação, 1964. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2003. 
______. Proposição de 9 de outubro, 1967. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2003. 
JORGE, M. A. C. Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan. v. 3. Rio de 
Janeiro: Zahar, 2017. 
MILNER, J. C. A obra clara: Lacan, a ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. 
QUINET, A. As 4+1 condições da análises. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 
______. A estranheza da psicanálise, a escola de Lacan e seus analistas. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 
______. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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