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Ciência: da filosofia à publicação Copyright @ Gilson Luiz Volpato, 2013 www.gilsonvolpato.com.br Todos direitos reservados. Não pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização do detentor dos direitos autorias desta edição. Capa: Fernanda Moreno Sanchez Volpato. Este livro não é para velhos, é para jovens; Revisão Crítica: Helene Mariko Ueno mas jovens de espírito, Revisão Gramatical: José Tereziano Barros Neto não importa a idade que tenham. (tereziano@uol.com.br) Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação Divisão Técnica de Biblioteca e Documentação Campus de Botucatu UNESP Bibliotecária responsável: Sulamita Clemente Colnago CRB 8/4716 Volpato, Gilson Luiz. A man can do all things if he will. Ciência : da filosofia à publicação / Gilson Luiz Volpato. São Paulo : Cultura Acadêmica, 2013 [Leon Battista Alberti (1404-1472)] 377 p. il. ; 23,5 cm Inclui bibliografia ISBN: 978-85-7983-282-6 1. Filosofia. 2. Ciência. 3. Comunicação. 4. Metodologia. 5. Estatística. I. Título. Ou o século XXI é dedicado aos valores humanos, morais e éticos... CDD 001.42 ou de nada valeram os avanços tecnológicos conquistados até aqui. [Volpato 2000] Cultura Acadêmica Editora Praça da Sé, 108 Centro CEP: 01.001-900 São Paulo SP Telefone: (11) 3242-7171 www.culturaacademica.com.br74 Gilson Volpato Alves R. 2008. Ostra feliz não faz pérola. Editora Planeta. Alves R. 2012. Pimentas: para provocar um incêndio não é preciso fogo. Editora Planeta. Barbosa C. 2011. A tríade do tempo. Sextante. Barbosa RLL (org.). 2004. Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. Editora Unesp. Brockman J, Matson K (eds.). 2002. As coisas são assim: pequeno repertório científico das coisas que nos cercam. Companhia das Letras. Buarque C. 2000. A aventura da universidade. Editora Unesp. Gardner H (org.). 2009. Responsabilidade no trabalho. Editora Bookman. CAPÍTULO II Gleiser M. 2007. Cartas a um jovem cientista. Editora Campus. Gordon K. 2010. Líderes que mudaram 0 mundo. Larousse do Brasil. Harvard Business 2002. Empreendedorismo e estratégia. Editora Campus. Ciência Hunter JC. 2004. monge e 0 executivo; uma história sobre a essência da liderança. Editora Sextante. Keough DR. 2010. 10 mandamentos para fracassar nos negócios. Editora Sextante. Kida T. 2007. Não acredite em tudo que você pensa; 6 erros básicos que cometemos quando pensamos. Editora Campus. Oliveira S. 2010. Geração Y: 0 nascimento de uma nova versão de líderes. Integrare Editora. II-1 0 que é ciência? Penteado W. 2007. Cartas a um jovem indeciso: que profissão escolher? Editora Campus. Popper KR. 2006. Em busca de um mundo melhor. Editora Martins Fontes. A ciência é uma das formas de o homem abordar universo. Portanto, para uma Semler R. 2006. Você está louco: uma vida administrada de outra forma. Editora Rocco. melhor compreensão do seu significado, é necessário conhecermos as demais formas exis- tentes e como elas se relacionam entre si. Sertek P. 2007. Empreendedorismo. ed. Ipbex. Spencer J. 2002. Quem техеи no meu queijo? ed. Editora Record. Considero cinco formas pelas quais o ser humano aborda 0 universo: ciência, filo- sofia, religião, arte e loucura. Suas principais características são mostradas na Tabela 1 e Volpato GL. 2007. Bases teóricas para redação científica. Editora Cultura Acadêmica, Editora Scripta. explicadas em seguida. Volpato GL. 2009. Administração da vida científica. Editora Cultura Acadêmica. Watts DJ. 2011. Tudo é óbvio: desde que você saiba a resposta. Editora Paz e Terra.76 Gilson Volpato Ciência: da à publicação 77 Tabela 1. Características das formas de abordagem do universo. concreto e observável. Assim, na ciência são aceitos apenas os enunciados teóricos que podem ser Principais Formas de Abordagem sustentados empiricamente. Mesmo que o objeto de estudo não seja, de fato, observável, a postura do Características Ciência Filosofia Religião Arte Loucura cientista é a de buscar elementos para a confrontação dos enunciados com fatos concretos do mundo Explicativo + + + ? que observa. Ao estudar, por exemplo, a origem dos seres vivos (que jamais poderá ser vista), cientista Lógico + + + ? busca sustentação em elementos observáveis, mesmo que indiretos, como a reconstrução do cenário Provisório primitivo, a produção laboratorial de DNA a partir de elementos mais simples etc. É essa abordagem + + ? uma das características marcantes da ciência. É por isso que nos textos científicos há um capítulo deno- Empírico + ? minado "Resultados" (parte da base empírica) e outro "Material e (veja Volpato 2007). É Estético + ? evidente que o cientista racionaliza sobre fatos, mas sempre havendo fatos. +: presença; não necessário ou não procede; ?: não se sabe Outras duas características da abordagem científica são: uso do discurso lógico e reconheci- mento de que conhecimento é provisório. Porém, nem sempre a ciência reconheceu sua incapacidade de identificar a verdade (veja Parte 1 e II-8), sendo essa postura adotada mais sistematicamente a partir Na história do conhecimento humano, duas visões são comumente apresentadas, ou contras- do século XX e, assim mesmo, por poucos cientistas, apesar da evolução do conhecimento nessa área tadas: a racional, pela qual 0 conhecimento é construído a partir de nossa razão, sem necessidade de (veja séc. XVII e XVIII na Parte 1 deste livro). Tal fato deve-se provavelmente ao distanciamento que se confrontar com fatos da natureza; e a empírica, que admite a necessidade de se ter algum indício do mundo natural para se construir conhecimento muitos cientistas mais práticos mantêm em relação à reflexão filosófica. A filosofia também admite a incapacidade do ser humano para ter consciência de verdades, O termo "mundo natural", embora bastante empregado na história da filosofia e da ciência, embora nem sempre tenha sido assim (veja a Parte I e II-8 e II-11), e também usa discurso lógico. apresenta algumas confusões de entendimento. Assim, mostro aqui como o considero, sem precon- Porém, ao contrário da ciência, não se preocupa necessariamente em contrapor seu universo teórico ceitos de áreas. Faz parte do mundo natural tudo que for material ou imaterial; todos organismos com mundo físico (embora alguns filósofos mais antigos já usassem tais contraposições por ex., e materiais do universo. Nesse sentido, o ser humáno faz parte desse mundo. As "mentes", "pensa- Aristóteles, Rogério Bacon, Guilherme de Occam e Maquiavel). Ou seja, ciência e filosofia se distin- mentos", as interações sociais desses organismos (humanos ou não) e seus produtos também pertencem ao mundo natural. guem pelo método de estudo: em particular, a valorização que dão à confrontação das ideias com a base empírica. Assim, um texto filosófico não precisa ter Material e Métodos nem Resultados, embora possa Embora toda forma de obtenção de conhecimento que fuja da magia ou outras forças sobre- se valer de tais dados. naturais e use pensamento lógico tenha sido geralmente chamada de filosofia ou ciência (formas Para falar de religião, inicialmente defino-a como toda postura que procura explicações racionais de consideração do conhecimento), a ciência (referida daqui para frente) é ciência empírica por meio de entidades imateriais divinas e, num certo sentido, governantes do mundo. Assim, os surgida no século XVII e reinante na atualidade (veja Parte 1 deste livro). Antes dessa ciência moderna, tudo era filosofia. Veja, por exemplo, que filósofos como Aristóteles, Rogério Bacon, Maquiavel, Francis diversos tipos de cristianismo, islamismo, induísmo, judaísmo, umbandismo são religiões. O elemento básico que congrega é essa crença nas entidades imateriais. A religião ocupa-se do mundo físico e Bacon, Leibniz e Kant, entre outros, consideravam a base empírica como útil para a construção do conhecimento sobre mundo natural. metafísico, pode usar a lógica no discurso e procura explicar fenômenos do universo. Porém, dife- rentemente da ciência e da filosofia, cada doutrina religiosa admite como condição sine qua non a Na ciência, mundo físico é fundamental para se aceitar as construções teóricas sobre o verdade sobre seus respectivos deuses ou dogmas. Essa condição é crucial e tem implicação impor- universo. Mesmo que algumas questões pareçam tratar de aspectos métafísicos (além dos físicos), como tante. A abordagem religiosa admite que homem consiga conhecer e ter consciência dessa verdade a psique e as interações sociais, a visão na abordagem científica é pautada pela contraposição de quais- (por ex., Deus existe). Uma verdade que transcende tempo. Esse ponto é fundamental, pois se essa quer enunciados teóricos (metafísicos) com 0 mundo físico ao qual se referem ou de onde se originam verdade for eliminada, a religião desaparece. Ao contrário, no caso da ciência e da filosofia, a negação (por ex., atividade cerebral e mente; manifestação comportamental e pensamento). de teorias e paradigmas não elimina essas duas formas de ver mundo. Mesmo que na ciência e na surgimento da ciência rompe metodologicamente com a prática puramente filosófica de aceitação das ideias sem a confrontação com fatos (prática racionalista). Empírico diz respeito ao 47 É irrelevante discutir se esse capítulo deveria ser intitulado "Material e ou "Materiais e Métodos", ou "Métodos", ou ainda "Procedimentos", ou quem sabe "Estratégicas e Técnicas", ou qualquer outro derivado. mundo científico internacional, que melhor espelha 0 comportamento do cientista neste aspecto, revela que 46 Esta divisão é bem ilustrada na Parte 1 (Da Filosofia à Ciência) deste livro. cada corpo editorial opta por uma forma, todas justificáveis, ou injustificáveis, como queiram, mas que sentido de todas elas é sempre mesmo e todos sabemos qual é (veja X-11).78 Gilson Volpato Ciência: da filosofia à publicação 79 filosofia também recorramos, em dados momentos, a dogmas (postulados necessários) para darmos a harmonia (geralmente bela) entre as partes de um todo. 0 artista, em geral, não se refere à verdade continuidade ao processo de compreensão do universo, a história da ciência e a história da filosofia de uma paisagem. Ele ocupa-se com as relações de forma, som, movimento, cor etc. É a estética na mostram que esses dogmas podem ser derrubados com avanço do conhecimento. Essa postura de comunicação do sentimento e das ideias. É por essa estética que diferenciamos um conjunto de palavras destruição dos próprios dogmas (veja II-10) não está presente na religião, dada a necessidade intrínseca como conto, prosa, poesia etc.; diferenciamos música de ruído; borrão de tela e assim por de sobre a existência de suas entidades imateriais. diante. Mas é instrutiva a comparação da ciência com a religião. Por que religioso tem essa Embora seja relativamente fácil caracterizar cada uma das abordagens citadas acima, a quinta na verdade sobre a existência de Deus? Ele age assim por conceber que se trata de uma forma, a loucura, é bem mais complexa. Historicamente, concebia-se que a loucura era determinada revelação divina (Deus revelou para ele). Se um religioso convicto disser a um cientista ateu convicto nas pessoas pelos deuses. Homero, figura lendária ou real, fala sobre a influência das moiras, as irmãs (veja II-16) que conversou com Deus, como esse cientista poderá afirmar que esse religioso está enga- que teciam 0 fio que conduz a vida, num sentido de controle do destino humano... elas determinavam o nado? Para afirmar erro do religioso, cientista ateu, necessariamente, estará colocando a sua verdade comportamento. Sócrates fala de quatro formas de loucura, também determinadas por forças externas: (que Deus não existe) sobre a do religioso (que Deus existe). E não há nada que o autorize a agir dessa a profética, sendo oráculo meio de comunicação com os deuses; a ritual, aonde se chega ao êxtase maneira. As dificuldades para aceitar a inexistência ou existência de Deus são iguais, do ponto de vista por meio de danças e rituais; a amorosa, dominada por Afrodite; e a poética, governada pelas musas. A experiência do religioso, conversar com Deus, é única e é A diferença fundamental Bem mais tarde, médico francês desloca o foco do comportamento "louco" para uma abor- entre ambos, religioso e o cientista descrente, é que 0 primeiro aceita sua experiência pessoal como dagem mais racionalista (sem se basear nas causas teístas). Hegel, por outro lado, incorpora a razão ao indício para construir um mundo explicativo, enquanto cientista não. cientista precisa da evidência comportamento humano anormal. Segundo ele, a loucura não é oposta à razão, e nem a perda da razão, empírica e ela deve ser "visível" a outros (universalidade das evidências; um sentido de objetividade); mas parte integrante do ser. Ele atribui lógica à loucura. auxilia a contextualizar a loucura e se for só dele, não tem valor. Esse é um preceito da forma científica de ver Quando apresen- discuti-la no político e-legal. tamos os resultados num texto científico, mostramos também os procedimentos usados para obtê-los, Mesmo com a participação de pacientes com quadros de loucura (delírios, alterações do de forma que outros cientistas poderão até mesmo repetir 0 estudo, devendo encontrar as mesmas pensamento, alucinações, desconfigurações da realidade) na não podemos caracterizá-los evidências. Esse preceito de reprodutibilidade da evidência científica é fundamental para a abordagem simplesmente como artistas. São artistas, de certa forma, mas acompanhados de quadros clinicamente científica. Assim, não estamos discutindo sobre verdades, mas sobre referenciais que nos validam diagnosticados como algum tipo de loucura. aceitar discursos sobre mundo natural. E esses referenciais divergem entre religioso e cientista exatamente nesse ponto; 0 primeiro aceita a experiência individual para validar ideias, o segundo não. Seja como for, a determinação da forma de pensar sobre a loucura é ainda, matéria especu- lativa; exceto nos quadros de insanidade clínica em que abordagens científicas são adotadas, mas longe Outra forma de abordagem do universo é a arte. Ao contrário das três formas anteriores, na de se chegar à essência do pensamento. Talvez seja impossível caracterizar a insanidade, ao contrário arte não nos restringimos a um dos mundos, físico ou metafísico, nem estamos preocupados com o do que fizemos acima com as outras formas de se ver o mundo. Mas isso não nos impede de colocá-la discurso lógico ou com a verdade das coisas⁵⁰. Tampouco interessa se as evidências vêm de uma expe- como uma das formas de ser humano ver 0 mundo. Lógico que a sociedade dos "normais", de certa riência individual ou universal, reproduzível ou não. Na arte nos ocupamos com a do mundo, 52 Veja, por exemplo, a evolução da situação da Arte de Rua (Pixo, Sticker adesivos Lambe-Lambe), em par- 48 Podemos admitir que princípio da parcimônia permita pendermos mais para lado do ateu. Ou seja, esse ticular 0 debate entre grafiteiros e responsáveis pela bienal de Arte, em São Paulo, edição de 2008 princípio estabelece que devemos aceitar uma hipótese mais complexa apenas após termos eliminado hipóteses manifestação de uma grafiteira do Rio Grande do Sul resultou em sua prisão por 53 Em 2010, São Paulo mais simples. No caso, incluir um elemento novo (Deus) no sistema é tornar sistema mais complexo; mais realiza a bienal de grafites e pichações, se destacando no mundo pela inserção dessa forma de comunicação na simples seria explicar esse sistema com os elementos que todos, sem controvérsias, aceitam existir. Porém, esse Arte. Veja também a inserção de certos estilos musicais como Arte, anteriormente não aceitos como atividade princípio é apenas uma ferramenta metodológica estratégica útil para encurtar caminho na busca de soluções artística por alguns críticos ou dominantes. Enfim, tudo isso mostra que conceito do que se considere estético (pois nada garante que as explicações mais simples sejam as verdadeiras em todos os casos), mas não uma fer- na Arte varia no tempo e espaço. ramenta que dispõe sobre verdades. Portanto, aplicá-la neste caso não é apropriado. 53 Philippe Pinel (França: Saint André, 20/04/1745 Paris, 25/10/1826). Considerado por muitos como pai da 49 A interpretação considerando se foi Deus ou algum delírio dependerá do ponto de vista de quem fizer a inter- Psiquiatria. pretação, e não dos fatos presentes. 54 Michel Foucault (França: Poitiers, 15/10/1926 Paris, 25/06/1984). Contrário ao Existencialismo de Sartre e ao 50 Isto não nega que algumas correntes artísticas possam agir dessa forma, mas de longe não representam a essên- Humanismo. Mesmo contra sua vontade, acaba sendo associado à visão No início de sua vida cia de toda a atividade artística. acadêmica discorre sobre a doença mental e a loucura. 51 Mais comum na época moderna, mas que, do ponto de vista da lógica das abordagens, é extremamente coerente 55 Veja 0 excelente trabalho da psiquiatra junguiana Nise da Silveira (Maceió, 15/02/1905 Rio de Janeiro, com a atividade de qualquer artista contemporâneo. 30/10/1999), parte sobre a Arte de seus pacientes.80 Gilson Volpato Ciência: da filosofia à publicação 81 forma, marginaliza. Mas ninguém detém a verdade sobre a situação... apenas a maioria. Pode-se dizer diversificadas formas que cientistas usaram para construir conhecimento científico. Ele admite que é que louco distorce a realidade. Mas, real se confunde com verdade. Distorcer pressupõe também uma um verdadeiro "vale-tudo". Apesar disso, algumas atitudes como controle de variáveis (para que a base verdade referencial. Portanto, me limito a dizer que se trata de outra forma de ver 0 mundo. Quando empírica tenha validade em alguns casos), princípio da parcimônia e teste de hipótese são frequente- um louco nos diz que existe uma série de bolas coloridas ao seu redor, podemos chamá-lo de louco, mas mente usadas na ciência, embora longe de serem regras rígidas de conduta (veja II-3). Dessas, controle jamais podemos ter certeza absoluta que aquilo não exista e seja apenas uma elucubração de sua mente. de variáveis é essencial para se investigar relações entre elementos da natureza. Alguns cientistas poderão dizer que se trata da alteração em certas regiões encefálicas, mas isso é insufi- Em resumo, ciência é a forma humana de construir e aceitar generalizações acerca do ciente, pois nada impede que essas supostas alterações apenas permitam ao "louco" perceber realidades universo sustentadas em bases empíricas, valendo-se de um método (mais ou menos variável), do que OS "normais" não conseguem ver. Trata-se de um discurso pautado pela soberania da maioria. Será que 0 mundo é apenas 0 que OS "normais" percebem? A maioria será realmente sempre o "normal"? discurso lógico e admitindo que essas generalizações são conjeturais (podem ser derrubadas no futuro). Do ponto de vista lógico podemos assumir que a loucura é outra forma de ver o mundo, Por razões históricas, no entanto, podemos ter num trabalho uma mescla de abordagens, por ex., a científica e a filosófica. Nesse quadro, é comum que cientista use o suporte empírico para mesmo com nossa dificuldade para caracterizá-la objetivamente. raciocínio é simples: se existe o louco e sua forma de ver 0 mundo não é considerada dentro dos vieses anteriores (científico, filosófico, validar conclusões, mas que também teça generalizações sem essa base, fornecendo suas impressões (logicamente conduzidas) do problema. Há revistas que aceitam 0 uso dessas duas abordagens. Mas, se religioso ou artístico), embora possa perambular entre eles; e se 0 louco vê 0 mundo por um prisma que o veículo for estritamente científico, sem 0 cunho filosófico, 0 autor não conseguirá espaço, tendo que lhe é particular; então, trata-se de outra forma de ver 0 mundo. se restringir apenas ao que pode dizer a partir da base E 0 que seria senso comum, tão enfatizado pelos autores como uma forma de conheci- mento? Meu ponto de vista é que 0 chamado senso comum nada mais é que uma mistura desordenada Pela influência filosófica, pode ocorrer que alguns autores da ciência qualitativa usem as dos quatro primeiros prismas de abordagem referidos acima, e não uma abordagem diferente. opiniões como "verdades", a partir das quais constroem conhecimento. Esse tipo de conhecimento do senso comum é obtido por ensaio e erro, 0 que aprendemos em nosso dia-a-dia, sem citação (o que 0 autor disse, mas não demonstrou) não é válido na ciência, pois opiniões são diferentes de (estas requerem evidências empíricas fortes). Na filosofia, que outros filósofos necessariamente muita crítica. Embora seja um conjunto de informações que se incorporam em nosso cabedal de conhecimento, seria uma forma diferente de ver 0 mundo natural? Tudo que aprendemos falam é importante, e eles não precisam de base empírica para demonstrar suas afirmações; basta a argumentação lógica. pela "metodologia" do senso comum passa por nossos critérios mais íntimos de aceitação das informa- ções, caracterizados pelas quatro formas de conhecimento discutidas acima (ciência, filosofia, religião e arte). Mas no senso comum não há coerência entre as distinções dessas quatro formas. Um fato pode ser observado e discutido numa visão científica ou filosófica, mas fato seguinte pode ser entendido por outra ótica (por exemplo, artística ou religiosa). A percepção de algo, por exemplo, uma flor resplan- decente à beira de uma estrada, também não foge dos filtros acima. A flor pode ser bela, pertencer a determinada espécie, simbolizar uma dádiva divina etc. Uma visão que reúna todas as formas aqui apresentadas (mesmo com exceção da loucura) seria outra forma de conhecimento? Provavelmente não. Se observarmos um mesmo fato pelas abor- dagens apresentadas, talvez estejamos mais próximos da verdade mas nada nos garante que, de fato, estejamos! Volto à definição de ciência. Já sugeri seu lugar em relação às outras formas de abordagem do universo. 0 próximo passo é apresentar mais elementos para sua caracterização. Para bem caracterizarmos a ciência, é necessário considerarmos seu método de construção do conhecimento (empirismo) e sua concepção sobre a natureza do conhecimento humano. primeiro aspecto será brevemente considerado a seguir e segundo é mais detalhado em II-7, II-8 e II-11). Vários estudiosos tentaram estabelecer 0 que seria método científico (veja II-2 e II-4). Todos apresentaram visões particulares, incompletas ou não consensuais. Na contramão dessas tenta- tivas, Feyerabend (1993) admite que não existe um método científico único. Segundo ele, há várias e