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JUNTOS⏐GRUPO DE ESTUDOS EM SERVIÇO SOCIAL
Preparatório para Concurso UFF/2023
Apostila de Serviço Social - Aula 5
IAMAMOTO, MARILDA VILELA. O Serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo, Cortez,27ª edição, 2021.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempo de capital fetiche.2ª Ed. São Paulo, Cortez,
2007.
PARTE 1- IAMAMOTO, MARILDA VILELA. O Serviço social na contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. São Paulo, Cortez,27ª edição, 2021.
O fenômeno da globalização que produz um desemprego estrutural (não emprego forçado), o
subemprego, ampliando sobremaneira a exclusão de amplíssimas camadas da população mundial.
É verificado assim, o agravamento das múltiplas expressões da questão social, base sócio histórica da
requisição social da profissão. No âmbito do processo de trabalho do assistente social, é possível
atestar o crescimento da demanda por serviços sociais, o aumento da seletividade no âmbito das
políticas sociais, a diminuição dos recursos, dos salários, a imposição de critérios mais restritivos nas
possibilidades da população ter acesso aos direitos sociais, materializados em serviços sociais
políticos.
O quadro sócio histórico da sociedade brasileira atravessa e conforma o cotidiano do exercício
profissional do assistente social, afetando as suas condições e as relações de trabalho, assim como
as condições de vida da população usuária dos serviços sociais.
O nosso desafio é o de inquirir a realidade buscando pelo seu deciframento, o desenvolvimento de
um trabalho pautado no zelo pela qualidade dos serviços prestados, na defesa da universalidade dos
serviços públicos, na atualização dos compromissos ético-políticos com os interesses coletivos da
população usuária.
A autora ressalta seu primeiro pressuposto que é a indispensabilidade de rompermos com uma
visão endógena, focalista, uma visão “de dentro” do serviço social, prisioneira em seus muros
internos. Alargar os horizontes, olhar para mais longe, para o movimento das classes sociais e do
Estado em suas relações com a sociedade: não para perder as particularidades profissionais, mas, ao
contrário, para iluminá-las com maior nitidez. Extrapolar o Serviço Social para melhor apreendê-lo na
história da sociedade da qual ele é parte e expressão.
Isso é uma pré-condição para que se possa captar as novas mediações e requalificar o fazer
profissional, identificando suas particularidades e descobrir alternativas de ação.
Um dos desafios do assistente social é o de desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e
construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de
1
demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo. Hoje,
o próprio mercado demanda, além de um trabalho na esfera da execução, a formulação de políticas
públicas e a gestão de políticas sociais.
É preciso enxergar a profissão não como mero emprego, enxergar a ação de um sujeito profissional
que tem competência para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o
seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais.
As possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em
alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como
sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho. Essa compreensão é
muito importante para se evitar uma atitude fatalista do processo histórico e, por extensão, do
serviço social. Tal visão determinista e a-histórica da realidade conduz a acomodação, a rotinização
do trabalho, ao burocratismo e a mediocridade profissional.
Entretanto, também é necessário evitar a perspectiva do messianismo profissional em que se
enfatiza uma visão heroica do serviço social que reforça unilateralmente a subjetividade dos sujeitos,
a sua vontade política sem confrontá-la com as possibilidades e limites da realidade social.
O segundo pressuposto é a consideração de que o serviço social é uma especialização do trabalho,
uma profissão particular inscrita na divisão social e técnica do trabalho coletivo da sociedade. E
quando o Estado se “amplia”, passando a tratar a questão social não só pela coerção, mas buscando
um consenso na sociedade, que são criadas as bases históricas de nossa demanda profissional. Ora,
se isso é verdade, as mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho e na esfera estatal, em
suas relações com a sociedade civil, incidem diretamente sobre os rumos do desenvolvimento dessa
profissão na sociedade.
O processo de compra e venda da força de trabalho especializada em troca de um salário faz com
que o serviço social ingresse no universo da mercantilização, no universo do valor.
A profissão produz serviços que atendem as necessidades sociais, isto é, tem valor de uso, uma
utilidade social.
Na esfera do Estado, no campo da prestação dos serviços sociais, o assistente social pode participar
do processo de redistribuição da mais valia, via fundo público.
O terceiro pressuposto é de que o serviço social sendo trabalho, participa da produção/reprodução
da vida social. Quando se fala nessa produção/reprodução, não é apenas a dimensão econômica que
é ressaltada, mas a reprodução das relações sociais de indivíduos, grupos e classes sociais.
Relações sociais estas que envolvem poder, sendo relações de luta e confronto entre as classes e
segmentos sociais, que tem no Estado uma expressão condensada da trama do poder vigente na
sociedade.
Questão Social e Serviço Social
2
QUESTÃO DE PROVA: A questão social (e suas múltiplas expressões tais como a fome, o desemprego,
a doença, etc.) é a base da fundação do serviço social como especialização do trabalho. Ela é o
conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista moderna, que tem como raiz
comum: a produção social cada vez mais coletiva e a apropriação dos seus frutos mantêm-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade.
As bases da produção da riqueza na sociedade capitalista fazem crescer a distância entre a
concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria, da pauperização que
atinge a maioria da população nos vários países, inclusive naqueles considerados “primeiro
mundo”.
E nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalha
o assistente social, situados nesse terreno movidos por interesses sociais distintos, aos quais não é
possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade.
As tendências do mercado de trabalho, apontados por inúmeros estudiosos, indicam uma classe
trabalhadora polarizada, com uma pequena parcela com emprego estável, dotada de força de
trabalho qualificada e com acesso a direitos trabalhistas e sociais e uma larga parcela da população
com trabalhos precários, temporários, subcontratados, etc.
A autora chama nossa atenção para o fenômeno de uma nova pobreza de amplos segmentos da
população, cuja força de trabalho não tem preço, porque não tem mais lugar no mercado de
trabalho.
São estoques de força de trabalho descartáveis para o mercado de trabalho, colocando em risco
para esses segmentos a possibilidade de defesa e reprodução da própria vida.
As lutas sindicais encontram-se fragilizadas e a defesa do trabalho é dificultada diante do
crescimento das taxas de desemprego.
As transformações no mundo do trabalho vêm acompanhadas de profundas mudanças na esfera do
Estado, consubstanciadas na reforma do Estado exigida pelas “políticas de ajuste”, tal como
recomendada pelo consenso de Washington. Em função da crise fiscal do Estado em um contexto
recessivo, são reduzidas as possibilidades de financiamento dos serviços públicos: ao mesmo tempo,
preceitua-se o “enxugamento” dos gastos governamentais, segundo os parâmetros neoliberais.
Por um lado, a satanização do Estado, tido como responsável por todas as desgraças e infortúnios
que afetamda economia capitalista mundial, após a Guerra Fria e no início do século XXI sob a
hegemonia norte-americana, sofre profundas mudanças na sua conformação.
QUESTÃO DE PROVA: A efetiva mundialização da “sociedade global” é acionada pelos grandes grupos
industriais transnacionais articulados ao mundo das finanças, que tem como suporte as instituições
financeiras que passam a operar o capital que rende juros (bancos, fundos de pensão, etc), apoiadas
na dívida pública e no mercado acionário das empresas. Esse processo impulsionado pelos
organismos multilaterais captura os Estados nacionais e o espaço mundial, atribuindo um caráter
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cosmopolita à produção e consumo de todos os países, e radicaliza o desenvolvimento desigual e
combinado, que estrutura as relações de dependência entre nações no cenário internacional.
QUESTÃO DE PROVA: O capital financeiro assume o comando do processo de acumulação e,
mediante inéditos processos sociais, envolve a economia e a sociedade, a política e a cultura,
vincando profundamente as formas de sociabilidade e o jogo das forças sociais. O que é
obscurecido nessa nova dinâmica do capital é o seu avesso: o universo do trabalho — as classes
trabalhadoras e suas lutas —, que cria riqueza para outros, experimentando a radicalização dos
processos de exploração e expropriação. As necessidades sociais das maiorias, a luta dos
trabalhadores organizados pelo reconhecimento de seus direitos e suas refrações nas políticas
públicas, arenas privilegiadas do exercício da profissão, sofrem uma ampla regressão na prevalência
do neoliberalismo, em favor da economia política do capital. Em outros termos, tem-se o reino do
capital fetiche na plenitude de seu desenvolvimento e alienação.
Nesse novo momento do desenvolvimento do capital, a inserção dos países "periféricos" na divisão
internacional do trabalho carrega as marcas históricas persistentes que presidiram sua formação e
desenvolvimento, as quais se atualizam redimensionadas no presente. Essas novas condições
históricas metamorfoseiam a questão social inerente ao processo de acumulação capitalista,
adensando-a de novas determinações e relações sociais historicamente produzidas, e impõem o
desafio de elucidar o seu significado social no presente.
RELEMBRE:
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Mundialização da economia, capital financeiro e questão social
QUESTÃO DE PROVA: A mundialização da economia está ancorada nos grupos industriais
transnacionais, resultantes de processos de fusões e aquisições de empresas em um contexto de
desregulamentação e liberalização da economia. Esses grupos assumem formas cada vez mais
concentradas e centralizadas do capital industrial e se encontram no centro da acumulação. As
empresas industriais associam-se às instituições financeiras (bancos, companhias de seguros, fundos
de pensão, sociedades financeiras de investimentos coletivos e fundos mútuos), que passam a
comandar o conjunto da acumulação, configurando um modo específico de dominação social e
política do capitalismo, com o suporte dos Estados Nacionais.
QUESTÃO DE PROVA: Os investidores financeiros institucionais, por meio das operações realizadas
no mercado financeiro, tornam-se, na sombra, proprietários acionários das empresas transnacionais
e passam a atuar independente delas. Interferem no nível e no ritmo de investimentos das empresas
— na criação de novas capacidades de produção e na extensão das relações sociais capitalistas
voltadas à extração da mais-valia —, na repartição de suas receitas e na definição das formas de
emprego assalariado, na gestão da força de trabalho e no perfil do mercado de trabalho.
QUESTÃO DE PROVA: O processo de financeirização indica um modo de estruturação da economia
mundial. Não se reduz a mera preferência do capital por aplicações financeiras especulativas em
detrimento de aplicações produtivas. O fetichismo dos mercados financeiros, que apresenta as
finanças como potências autônomas diante das sociedades nacionais, esconde o funcionamento e a
dominação operada pelo capital transnacional e investidores financeiros, que atuam mediante o
efetivo respaldo dos Estados nacionais sob a orientação dos organismos internacionais, porta-vozes
do grande capital financeiro e das grandes potências internacionais.
A esfera estrita das finanças, por si mesma, nada cria. Nutre-se da riqueza criada pelo investimento
capitalista produtivo e pela mobilização da força de trabalho no seu âmbito, ainda que apareça de
uma forma fetichizada, como já anteriormente elucidado. Nessa esfera, o capital aparece como se
fosse capaz de criar "ovos de ouro", isto é, como se o capital-dinheiro tivesse o poder de gerar
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mais dinheiro no circuito fechado das finanças, independente da retenção que faz dos lucros e dos
salários criados na produção. O fetichismo das finanças só é operante se existe produção de
riquezas, ainda que as finanças minem seus alicerces ao absorverem parte substancial do valor
produzido.
Nesse palco da história do século XXI, o novo ciclo de expansão do capitalismo transnacional
redesenha o mapa do mundo. Ele desafia a compreensão da chamada "sociedade global": uma
sociedade na qual se subordinam as sociedades nacionais em seus segmentos locais e arranjos
regionais, considerando seus dinamismos e contradições. Nela se confrontam o neoliberalismo, o
nazifascismo e o neosocialismo. Nesse novo estágio do desenvolvimento do capital redefinem-se as
soberanias nacionais, com a presença de corporações transnacionais e organizações multilaterais
— o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, a
"santíssima trindade do capital em geral".
QUESTÃO DE PROVA: Em um mercado mundial realmente unificado, impulsiona-se a tendência à
homogeneização dos circuitos do capital, dos modos de dominação ideológica e dos objetos de
consumo — por meio da tecnologia e da multimídia. Homogeneização esta apoiada na mais
completa heterogeneidade e desigualdade das economias nacionais. Acelera-se, pois, o
desenvolvimento desigual, aos saltos, entre empresas, ramos de produção da indústria e de
diferentes nações, e, no interior dos países, a favor das classes e grupos dominantes. A transferência
de riqueza entre classes e categorias sociais e entre países está na raiz do aumento do desemprego
crônico, da precariedade das relações de trabalho, das exigências de contenção salarial, da chamada
"flexibilidade" das condições e relações de trabalho, além do desmonte dos sistemas de proteção
social – expressões da questão social.
A desregulamentação, iniciada na esfera financeira, invade paulatinamente o conjunto do mercado
de trabalho e todo o tecido social, na contratendência das manifestações do crescimento lento e da
superprodução endémica, que persiste ao longo dos anos 90. A superprodução é sempre relativa e,
longe de expressar um excedente absoluto de riqueza, é expressão de um regime de produção cujos
fundamentos impõem limites à acumulação em razão dos mecanismos de distribuição da riqueza
que lhe são próprios.
QUESTÃO DE PROVA: Em suma: o capital internacionalizado produz a concentração da riqueza, em
um pólo social (que é, também, espacial) e, noutro, a polarização da pobreza e da miséria,
potenciando exponencialmente a lei geral da acumulação capitalista, em que se sustenta a questão
social.
A redução do ritmo do crescimento e a superprodução em uma "onda longa de tonalidade
recessiva" (Mandel, 1985) impulsionam o deslocamento espacial de capitais, sua mobilidade
geográfica, mediante a produção de novos espaços para a exploração capitalista, combinando
formas de mais-valia absoluta e relativa. Produz-se a incorporação de novas tecnologias na
produção acompanhadas do ecletismo das formas de organização do trabalho.
Ao lado de formas especificamente capitalistas e de novos setores incorporados à lógica da
valorização, alvo dos investimentos externos diretos entre os quais o dos serviços —, revigoram-se as
formas arcaicas do trabalho doméstico,artesanal, familiar e o renascimento de economias
subterrâneas e "informais" — mesmo nos países centrais —, ressuscitando velhos traços
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paternalistas impressos às relações de trabalho. A subcontratação de pequenas empresas e ou do
trabalho em tempo parcial são encobertas sob o manto da moderna "flexibilização". A intensificação
da competição internacional e inter-regional estimula respostas "flexíveis" no mercado e processos
de trabalho e nos produtos e padrões de consumo (Harvey, 1993).
QUESTÃO DE PROVA: O novo nesse contexto de liberalização e desregulamentação do capital indica
que grandes bancos comerciais e aos bancos de investimento — dois segmentos do mercado
financeiro mundial — somam-se companhias de seguro, atualmente as instituições não-bancárias
mais poderosas. Não tendo a responsabilidade de criar créditos, elas dedicam-se a fazer crescer os
rendimentos monetários que concentram em suas mãos, oriundos de contribuições patronais sobre
o salário e poupança forçada dos assalariados a partir dos quais se sustentam. Esses grandes fundos
de investimentos incluem os seguros de vida, fundos de previdência privada por capitalização
(fundos de pensão), fundos mútuos de investimentos e administradores de carteiras de títulos —
mutual funds.
QUESTÃO DE PROVA: Outro elemento inédito, que alimenta a mundialização é o crescimento da
dívida pública, que se converte em fonte de poder dos fundos de investimentos, assoberbando o
capital fictício. Como as taxas de juros são superiores ao crescimento global da economia — ao
produto interno bruto —, tais rendimentos crescem como uma bola de neve. Em especial, a partir da
década de 80, os fundos de previdência privada e os fundos de investimentos passam a aplicar cerca
de um terço de suas carteiras em títulos da dívida pública, tidos como investimentos mais seguros
(Chesnais, 1996). O aumento da dívida pública combina com a desigual distribuição de renda e a
menor tributação das altas rendas, por razões de ordem política, fazendo com que a maior carga
tributária recaia sobre os trabalhadores.
O capital financeiro avança sobre o que Oliveira (1998) denomina de fundo público, formado por
parte dos lucros dos empresários e do trabalho necessário de trabalhadores, que são apropriados
pelo Estado sob a forma de impostos e taxas. Por um lado, reforça-se a desigual distribuição de
rendimentos, estimulando as poupanças dos altos rendimentos por meio de elevadas taxas de juros,
que consomem parcelas importantes da produção do valor, engessando a produção.
QUESTÃO DE PROVA: O que se pretende insinuar é que a mundialização financeira sob suas distintas
vias de efetivação unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que vêm sendo tratados pêlos
intelectuais como se fossem isolados ou autônomos: a "reforma" do Estado, tida como específica da
arena política; a reestruturação produtiva, referente às atividades econômicas empresariais e à
esfera do trabalho; a questão social, reduzida aos chamados processos de exclusão e integração
social, geralmente circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social; à ideologia neoliberal e
concepções pós-modernas, atinentes à esfera da cultura. Sem desmerecer as particularidades dos
processos econômicos, políticos e ideológicos — que não podem ser embaçadas —, o que se olvida
e obscurece é que o capitalismo financeiro integra, na expansão monopolista, processos
econômicos, políticos e ideológicos, que alimentam o crescente movimento de valorização do
capital, realizando a "subsunção real da sociedade ao capital".
QUESTÃO DE PROVA: É da maior importância para compreender a gênese da (re)produção da
questão social, que se esconde por detrás de suas múltiplas expressões específicas, que condensam
uma unidade de diversidades. Aquelas expressões aparecem sob a forma de "fragmentos" e
"diferenciações", independentes entre si, traduzidas em autônomas "questões sociais".
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Os anos sessenta são palcos de profundas mudanças nas relações entre Estados e países com os
avanços do capitalismo mundial: o desenvolvimento da Alemanha, da França e Itália reconstruídas e
consolidadas; o crescimento da economia japonesa mais rápida que a americana; o peso do poder
das corporações multinacionais e dos mercados financeiros com seu vasto circuito de especulação e
investimentos intercontinentais. As bases do acordo de Bretton Woods estavam sendo erodidas.
A ruptura unilateral desse acordo é realizada, em 1971, por parte do governo dos EUA. Ela foi
impulsionada pela explosão da dívida e do crescente déficit da balança de pagamentos, reforçada
pela emissão de dólares para financiamento da Guerra do Vietnã, gerando o esvaziamento das
reservas norte-americanas. Essa conjuntura é agravada pelo torpor económico com estagnação e
inflação elevadas e pelo choque do petróleo de 1973. O governo cria, então, instrumentos de
liquidez para financiar a dívida, dando origem à economia do endividamento, com o reforço do dólar
em relação a outras moedas, passando a alimentar os euromercados e os mercados financeiros.
O mercado de eurodólares expressava a concentração de capitais industriais das multinacionais
americanas, realizados na Europa, que ali permaneciam sob a forma dinheiro, e buscavam obter
lucros sem abandonar a esfera financeira diante da queda de rentabilidade do capital investido na
indústria, no início dos anos 70 do século XX. A quebra das legislações nacionais protetoras
impulsiona os euromercados, que têm um boom em 1973, seguindo uma trajetória de crescimento
até 1980. Ela é retomada, posteriormente, com a ampliação da liberalização monetária por parte dos
governos neoliberais, já na esteira da crise do Leste Europeu e a queda do muro de Berlim, na
década de 80, e da consequente reordenação das relações do poder mundial.
A primeira etapa da liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros (de 1982 a 1994)
teve na dívida pública seu principal ingrediente. O poder das finanças foi construído com o
endividamento dos governos, com investimentos financeiros nos Títulos emitidos pelo Tesouro,
criando-se a indústria da dívida. A dívida pública foi e é o mecanismo de criação de crédito; e os
serviços da dívida, o maior canal de transferência de receitas em benefício dos rentistas. Sob o efeito
das taxas de juros elevadas, superiores à inflação e ao crescimento do produto interno bruto, o
endividamento dos governos cresce exponencialmente. O aumento da taxa de juros representa uma
solução de partilha da mais-valia a favor da oligarquia financeira rentista, permitindo sua
redistribuição social e geográfica. O endividamento gera pressões fiscais sobre as empresas menores
e receitas mais fracas, a austeridade orçamentaria e a paralisia das despesas públicas (incentivos e
créditos à indústria e agricultura, políticas sociais e serviços públicos, entre outros).
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, impõem aos países devedores um
re-escalonamento dos empréstimos condicionados à aplicação de políticas econômicas
favorecedoras da entrada de divisas necessárias ao pagamento da dívida. Todas as medidas estão
voltadas para a maximização do fluxo líquido de capitais, tendo em vista a "indústria" da dívida e os
programas de ajuste são erigidos como um modelo universal de crescimento. Visam abrir as
economias dos países, priorizando as exportações, apoiados na "abordagem monetária da balança
de pagamentos", que preconiza aos países endividados não se protegerem, não estimularem a
emissão das moedas, não controlarem a saída de capitais. Impõem a redução da massa salarial
pública e da despesa pública, afetando os programas sociais, a eliminação de empresas públicas não
rentáveis, exacerbando as desigualdades de rendimentos e o aumento da pobreza (Husson, 1999).
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Em uma segunda etapa, a partir de 1994, os mercados das bolsas de valores (compra e venda de
ações) ocupam o cenário econômico, com a compra de ações dos grupos industriais pelas instituiçõesfinanceiras, que apostam na lucratividade futura dessas empresas. Passam, então, a impor, além da
manutenção do monopólio tecnológico e dos estímulos ao "trabalho de concepção criativa" sob o
seu controle; normas de rentabilidade, exigências relativas à produtividade e à intensificação do
trabalho, baixos salários, mudanças organizacionais nas estruturas produtivas, "flexibilidade" das
formas de remuneração etc.
QUESTÃO DE PROVA: O peso recai sobre o aumento do desemprego estrutural e o consequente
retrocesso do poder sindical, cuja desarticulação foi parte de uma estratégia política ultraliberal,
como condição de viabilizar o rebaixamento salarial e estimular a competitividade entre os
trabalhadores.
Amplia-se o alargamento da jornada de trabalho acoplada à intensificação do trabalho, estimulada
pelas formas participativas de gestão voltadas a capturar o consentimento passivo do trabalhador às
estratégias de elevação da produtividade e de rentabilidade empresarial. A redução do trabalho
protegido tem no seu verso a expansão do trabalho precário, temporário, subcontratado, com perda
de direitos e ampliação da rotatividade da mão-de-obra.
QUESTÃO DE PROVA: E a classe trabalhadora? Está polarizada. Por um lado, um grupo central,
proporcionalmente restrito, de trabalhadores regulares, com cobertura de seguros e direitos de
pensão, dotados de uma força de trabalho de maior especialização e salários relativamente mais
elevados. Por outro lado, um amplo grupo periférico, formado de um contingente de
trabalhadores temporários e/ou de tempo parcial, dotados de habilidades facilmente
encontráveis no mercado, sujeitos aos ciclos instáveis da produção e dos mercados. A ampliação
de trabalhadores temporários expressa o aumento da subcontratação de pequenas empresas, que
agem como escudo protetor das grandes corporações, enquanto transferem os custos das
flutuações dos mercados à externalização da produção.
A contenção salarial, somada ao desemprego e à instabilidade do trabalho, acentua as alterações na
composição da força de trabalho, com a expansão do contingente de mulheres, jovens, migrantes,
minorias étnicas e raciais, sujeitos ao trabalho instável e invisível, legalmente clandestino. Cresce o
trabalho desprotegido e sem expressão sindical, assim como o desemprego de larga duração. Os
segmentos do proletariado excluídos do trabalho envolvem trabalhadores idosos ou pouco
qualificados e jovens pobres, cujo ingresso no mercado de trabalho é vetado. Tais mudanças
encontram-se na origem do sofrimento do trabalho e da falta deste, que conduz à ociosidade
forçada enormes segmentos de trabalhadores aptos ao trabalho, mas alijados do mercado de
trabalho, engrossando a superpopulação relativa para as necessidades médias do capital.
Nesse quadro, os países que dispõem de um "mercado financeiro emergente" — um número
limitado de cerca de dez países no cenário mundial — passam a ser alvo de interesse, em função do
tamanho de seu mercado interno, das fontes de matérias-primas e do custo de sua mão-de-obra.
QUESTÃO DE PROVA: É importante acentuar o papel que cumpre ao Estado nesse modo de
dominação. O Estado tem o papel-chave de sustentar a estrutura de classes e as relações de
produção. A concorrência capitalista "determina a tendência à autonomização do aparato estatal,
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de maneira que possa funcionar com 'capitalista total ideal', acima e ao contrário dos interesses
conflitantes do "capitalista total real", constituído pelos muitos capitais do mundo real".
Embora o Estado transcenda os interesses em conflito, tem efeitos sobre os mesmos, em especial
por meio de suas funções econômicas (manutenção de relações legais universalmente válidas,
emissão de moedas fiduciárias, expansão do mercado local e regional, defesa do capital nacional
ante o estrangeiro), cujas despesas devem ser mínimas, consideradas pela burguesia como puro
desperdício de mais-valia. O Estado requer grupos capitalistas politicamente ativos para articular
seus interesses de classes e defender seus interesses particulares.
QUESTÃO DE PROVA: A expansão monopolista, em sua tendência à superacumulação permanente,
à exportação de capital e à divisão do mundo em áreas de influência imperialistas, aumenta o
aparato estatal e as despesas correspondentes. As despesas com armamentos, o financiamento
das condições gerais da produção, o aumento dos gastos para fazer frente à ampliação da legislação
social — que determina redistribuição considerável do valor a favor do orçamento público —
requerem maior canalização de rendimentos sociais para o Estado. O Estado funciona como esteio
do capital privado, oferecendo-lhe, por meio de subsídios estatais, possibilidades de investimentos
lucrativos nas indústrias de armamento, proteção ao meio ambiente, empréstimos aos países
estrangeiros e infraestrutura. A hipertrofia do Estado propicia maior controle sobre os rendimentos
sociais, o que amplia os interesses dos grupos de capitalistas em interferir nas decisões do Estado.
● É que, no capitalismo tardio, a maior suscetibilidade às crises atribui ao Estado a função de
administração das crises com políticas anticíclicas, isto é, o estabelecimento de políticas
voltadas para evitar as crises, proporcionando garantias econômicas aos processos de
valorização e acumulação.
QUESTÃO DE PROVA: A mundialização não suprime as funções do Estado de reproduzir os
interesses institucionalizados entre as classes e grupos sociais, mas modifica as condições de seu
exercício, na medida em que aprofunda o fracionamento social e territorial. O Estado passa a
presidir os "grandes equilíbrios" sob a vigilância estrita das instituições financeiras supranacionais,
consoante a sua necessária submissão aos constrangimentos económicos, sem que desapareçam
suas funções de regulação interna.
Apesar do refrão neoliberal sobre o "declínio" do Estado ou do mito de um "mundo sem
Nações-Estado", difundido pelos teóricos da globalização, afirma-se a centralidade do Estado,
peça-chave da expansão global das empresas multinacionais. O Estado interfere na gestão da crise
e na competição intercapitalista, pois, se os mercados transcendem os Estados, operam nas suas
fronteiras. São também decisivos na conquista de mercados externos e na proteção dos mercados
locais.
Os Estados são estratégicos no estabelecimento dos pactos comerciais, dos acordos de
investimentos, da proteção a produção produzida no seu território mediante barreiras
alfandegárias, na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias para subsidiar os interesses
empresariais, nos meios de comunicação de massa e na expansão do poder político das entidades
internacionais.
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QUESTÃO DE PROVA: Ou seja, os Estados recolonizados realizaram a privatização das empresas
estratégicas e lucrativas, o que requer alianças políticas, repressão aos sindicatos e militantes.
Conseguiram efetivar as políticas de ajuste estrutural com decisivas incidências nas relações de
propriedade, que se deslocam do público para o privado, do capital nacional ao estrangeiro. Todas
estas e outras medidas constitutivas das políticas neoliberais exigem um Estado forte, capaz de
resistir à oposição das maiorias. Assim, o Estado continua forte, o que muda é a direção
socioeconômica da atividade e da intervenção estatal, estabelecendo novas regras para governar a
favor do grande capital financeiro.
QUESTÃO DE PROVA: O resultado desse processo tem sido o agravamento da exploração e das
desigualdades sociais dela indissociáveis, o crescimento de enormes segmentos populacionais
excluídos do "círculo da civilização", isto é, dos mercados, uma vez que não conseguem transformar
suas necessidades sociais em demandas monetárias. As alternativas que se lhes restam, na ótica
oficial, são a "violência e a solidariedade".
A hipótese diretriz dessa análise é a de que na raiz do atual perfil assumido pela questão social
encontram-se as políticas governamentais favorecedoras da esfera financeirae do grande capital
produtivo — das instituições e mercados financeiros e empresas multinacionais. Estas são forças que
capturam o Estado, as empresas nacionais, o conjunto das classes e grupos sociais que passam a
assumir o ônus das "exigências dos mercados".
QUESTÃO DE PROVA: O predomínio do capital fetiche conduz à banalização do humano, à
descartabilidade e indiferença perante o outro, o que se encontra na raiz das novas configurações da
questão social na era das finanças. Nessa perspectiva, a questão social é mais do que as expressões
de pobreza, miséria e "exclusão". Condensa a banalização do humano, que atesta a radicalidade da
alienação e a invisibilidade do trabalho social — e dos sujeitos que o realizam — na era do capital
fetiche.
QUESTÃO DE PROVA: A questão social expressa a subversão do humano própria da sociedade
capitalista contemporânea, que se materializa na naturalização das desigualdades sociais e na
submissão das necessidades humanas ao poder das coisas sociais — do capital dinheiro e do seu
fetiche. Conduz à indiferença ante os destinos de enormes contingentes de homens e mulheres
trabalhadores — resultados de uma pobreza produzida historicamente (e, não, naturalmente
produzida) —, universalmente subjugados, abandonados e desprezados, porquanto sobrantes para
as necessidades médias do capital.
Como acentua Netto (2001:48), o problema teórico que envolve a questão social é o de determinar
concretamente a relação entre suas expressões emergentes e o conjunto de mediações envolvidas
nas modalidades vigen tes de exploração do trabalho: "se a lei geral da acumulação capitalista
opera independentemente das fronteiras nacionais, seus resultantes societários trazem a marca da
história que a concretiza".
Particularidades do Brasil
No caso brasileiro, a expansão monopolista faz-se, mantendo, de um lado, a dominação
imperialista e, de outro, a desigualdade interna do desenvolvimento da sociedade nacional. Ela
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aprofunda as disparidades econômicas, sociais e regionais, na medida em que favorece a
concentração social, regional e racial de renda, prestígio e poder. Engendra uma forma típica de
dominação política, de cunho contra-revolucionário, em que o Estado assume um papel decisivo não
só na unificação dos interesses das frações e classes burguesas, como na imposição e irradiação de
seus interesses, valores e ideologias para o conjunto da sociedade.
QUESTÃO DE PROVA: O Estado é capturado historicamente pelo bloco do poder, por meio da
violência ou de cooptação de interesses. Perfila-se, em consequência, um divórcio crescente entre o
Estado e as classes subalternas, "em que o povo se sente estrangeiro em seu próprio país e emigra
para dentro de si mesmo" apesar das formulas político-jurídicas liberais estabelecidas nas
constituições republicanas, (lanni, 1984a).
Foi decisivo o papel do Estado nos caminhos trilhados pela modernização "pelo alto", em que as
classes dominantes se antecipam às pressões populares, realizando mudanças para preservar a
ordem. Evitam qualquer ruptura radical com o passado, conservando traços essenciais das relações
sociais e a dependência ampliada do capital internacional. Os traços elitistas e antipopulares da
transformação política e da modernização econômica se expressam na conciliação entre as frações
das classes dominantes com a exclusão das forças populares, no recurso frequente aos aparelhos
repressivos e à intervenção econômica do Estado. (Coutinho, 1989: 122).
O Brasil experimentou um processo de modernização capitalista, sem por isso ser obrigado a
realizar uma "revolução democrático-burguesa" ou de "libertação nacional" segundo o modelo
jacobino — o latifúndio pré-capitalista e a dependência face ao imperialismo não se revelaram como
obstáculos insuperáveis ao completo desenvolvimento capitalista do País. Por um lado,
gradualmente e "pelo alto", a grande propriedade transformou-se em empresa capitalista agrária e,
por outro, com a internacionalização do mercado interno, a participação do capital estrangeiro
contribuiu para reforçar a conversão do Brasil em país moderno com alta taxa de urbanização e
complexa estrutura social. Ambos os processos foram incrementados pela ação do Estado, ao invés
de serem resultados de movimentos populares — ainda que marcando presença ao longo da história
política brasileira — ou seja, de um processo dirigido por uma burguesia revolucionária que
arrastasse consigo as massas camponesas e os trabalhadores urbanos.
QUESTÃO DE PROVA: A transformação capitalista teve lugar graças a acordos entre as frações de
classe economicamente dominantes, à exclusão forçada das forças populares e à utilização
permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção económica do Estado. Nesse sentido,
todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição do
capitalismo (desde a Independência política ao golpe de 64, passando pela Proclamação da
República e pela Revolução de 1930), encontraram uma solução "pelo alto", ou seja, elitista e
antipopular (Idem).
A debilidade histórica da democracia no Brasil, que se expressa no fortalecimento do Estado e na
subalternidade da sociedade civil, é indissociável do perfil da revolução burguesa no País. O amplo
uso de instrumentos coercitivos por parte do Estado restringiu a participação política e o exercício da
cidadania para os setores majoritários da população, derivando em uma rede de relações autoritárias
que atravessa a própria sociedade civil "incorporada" pelo Estado.
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lanni (1984a: 33-44) alerta para que essa interpretação não resvale, de contrabando ainda que por
lentes que se propõem críticas, na reafirmação da tese conservadora da existência de uma sociedade
civil amorfa, frágil, incompetente — nas trilhas de Oliveira Vianna e outros —silenciando a longa
história das lutas populares. O autor sustenta que os "de baixo" nunca deixaram de "reivindicar,
protestar e lutar", contribuindo, na ofensiva e pelo avesso, para a construção do Estado forte, que se
desenvolve ao longo da revolução burguesa no Brasil.
A burguesia brasileira tem suas raízes profundamente imbricadas às bases do poder oligárquico e à
sua renovação diante da expansão dos interesses comerciais, financeiros e industriais. Essa expansão
determinou uma diferenciação e reintegração do poder — qualificado impropriamente de "crise do
poder oligárquico" — que anuncia o início da era da modernidade no país (Fernandes, 1975: 30).
QUESTÃO DE PROVA: A velha oligarquia agrária recompõe-se, moderniza-se economicamente, refaz
alianças para se manter no bloco do poder, influenciando decisivamente as bases conservadoras
da dominação burguesa no Brasil. Esse vínculo de origem marca profundamente o "horizonte
cultural da burguesia", que se socializa polarizada por um forte conservadorismo sociocultural e
político, traduzido no mandonismo oligárquico. A ele se aliam as representações ideais da burguesia,
segundo o modelo francês, como símbolo da modernidade e da civilização restrito à condução de
suas atividades econômicas, nas quais são incorporados os princípios da livre concorrência.
Portanto, estamos diante de uma burguesia dotada de moderado espírito modernizador e que,
além do mais, tendia a circunscrever a modernização ao âmbito empresarial e às condições
imediatas de sua atividade econômica ou do crescimento econômico. Ir além representava um risco:
o de acordar o homem nativo para os sonhos de independência e revolução social, que estavam em
conflito com a dominação externa (Idem: 51).
Com a República são estabelecidos os requisitos formais para a universalização dos direitos dos
cidadãos. Eliminam-se, em tese, as fronteiras jurídico-políticas entre as classes e estratos sociais,
com a abolição da escravatura, a generalização do trabalho livre e a instauração da propriedade
privada da terra (Lei de Terras, de 1850). Essas medidas permitem o estabelecimento dos
pressupostos para a organização capitalistada produção e do mercado de trabalho, cujas
virtualidades não foram homogeneamente incorporadas na formação econômica e política brasileira.
A revolução burguesa no País nasce marcada com o selo do mundo rural, sendo a classe dos
proprietários de terra um de seus protagonistas. Sua origem e o desenvolvimento explicam a
persistência e tenacidade de um horizonte que colide com as formas de concepção do mundo e
organização de vida inerentes à uma sociedade capitalista, verificando-se uma "combinação entre a
ordem tradicionalista e as concepções de cunho liberal que sustentam, no nível ideológico, o
ordenamento competitivo da economia" (Fernandes, 1975: 105).
A burguesia brasileira aceita o princípio da livre-concorrência nas relações econômicas
estratégicas, todavia, repele, na prática, a igualdade jurídico-política, tal como proclamada nas
cartas constitucionais. Apega-se às formas tradicionais de mandonismo, recurso para preservar suas
posições na estrutura de poder no nível nacional. Estabelece-se, pois, uma estranha articulação
entre o forte conservantismo no plano político — do qual o mandonismo oligárquico é expressão —
e a incorporação do ideário liberal e sua defesa no campo de seus interesses econômicos.
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A constante dessa trajetória tem sido a permanente exclusão dos trabalhadores urbanos e rurais
das decisões do Estado e do bloco do poder, sujeitos à repressão centralizadora do Estado e ao
arbítrio do poder privado dos chefes políticos locais e regionais. A contrapartida da força, do arbítrio,
da anulação da cidadania dos trabalhadores tem sido o caráter explosivo das lutas sociais, assim
como a presença da violência no cotidiano das classes subalternas, manifesta nas mais triviais
situações (Mello Franco, 1976). O amadurecimento político dos trabalhadores rurais é resultante
de um longo e intermitente processo de lutas, expressas nos quilombos, nas greves do colonato, no
cangaço, nos movimentos messiânicos, nas ligas camponesas, no sindicalismo rural, nas greves dos
assalariados permanentes e temporários e na luta pela terra dos posseiros, parceiros e
arrendatários.
Essas lutas se unem à história do movimento operário urbano e do sindicalismo brasileiro, que
remontam aos primórdios da industrialização. Com a "modernização conservadora", verifica-se uma
aliança do grande capital financeiro, nacional e internacional, com o Estado nacional, que passa a
conviver com os interesses oligárquicos e patrimoniais, que também se expressam nas políticas e
diretrizes governamentais, imprimindo um ritmo lento à modernização capitalista da sociedade.
As desigualdades agravam-se e diversificam-se, expressas nas lutas operárias, nas reivindicações do
movimento negro, nas lutas pela terra, pela liberdade sindical e pelo direito de greve, nas
reivindicações em torno dos direitos à saúde, à habitação, à educação, entre outros, assim como
contra a degradação ambiental. Moderniza-se a economia e o aparelho de Estado, mas as conquistas
sociais e políticas — ainda que registradas no último texto constitucional — permanecem defasadas,
expressando o desencontro entre economia e sociedade, que se encontra na raiz da "prosperidade
dos negócios".
QUESTÃO DE PROVA: A questão social recebe diferentes explicações e denominações: "coletividades
anormais", "sociedade civil incapaz", "povo amorfo", sendo o tom predominante a suspeita que de a
vítima é culpada, e a pobreza, um "estado da natureza". Essa tendência de naturalizar a questão
social combina-se, no pensamento social brasileiro, com o assistencialismo e a repressão, em uma
criminalização "científica" da questão social. (lanni, 1992).
QUESTÃO DE PROVA: Com a crise dos anos 70, as ideias neoliberais preconizam a desarticulação do
poder dos sindicatos, como condição de viabilizar o rebaixamento salarial, aumentar a
competitividade dos trabalhadores e impor a política de ajuste monetário. Essas medidas têm por
fim atingir o poder dos sindicatos, possibilitar a ampliação da taxa "natural" de desemprego,
implantar uma política de estabilidade monetária e uma reforma fiscal que reduza os impostos sobre
as altas rendas e favoreça a elevação das taxas de juros, preservando os rendimentos do capital
financeiro. Como sugere Anderson (1999), se o projeto neoliberal surgiu como uma terapia para
animar o crescimento da economia capitalista, para deter a inflação, obter deflação como condição
de recuperação dos lucros, fez crescer o desemprego e a desigualdade social. Não consegue atingir
os fins econômicos para os quais surgiu, ou seja, alavancar a produção e ampliar as taxas de
crescimento econômico, ainda que seja vitorioso no plano político-ideológico. Ora, o capital, ao invés
de voltar-se para o setor produtivo, é canalizado para o setor financeiro, favorecendo um
crescimento especulativo da economia.
O aprofundamento das desigualdades sociais e a ampliação do desemprego atestam ser a
proposta neoliberal vitoriosa, visto serem estas suas metas, ao apostar no mercado como a
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grande esfera reguladora das relações econômicas, cabendo aos indivíduos a responsabilidade de
"se virarem no mercado". Todo esse ideário, que envolve uma canalização do fundo público para
interesses privados, cai como uma luva na sociedade brasileira, que, como reafirma Chaui (1995a), é
uma sociedade marcada pêlos coronelismos, populismos, por formas políticas de apropriação da
esfera pública em função de interesses particularistas dos grupos no poder.
Esta sociedade é presidida por uma tradição autoritária e excludente, que se condensa no
"autoritarismo social", isto é, uma sociedade hierarquizada em que as relações sociais ora são
regidas pela "cumplicidade" — quando as pessoas se identificam como iguais — ora pelo "mando e
pela obediência" — quando as pessoas se reconhecem como desiguais —, mas não pelo
reconhecimento da igualdade jurídica dos cidadãos.
QUESTÃO DE PROVA: O discurso neoliberal tem a espantosa façanha de atribuir título de
modernidade ao que há de mais conservador e atrasado na sociedade brasileira: fazer do interesse
privado a medida de todas as coisas, obstruindo a esfera pública e a dimensão ética da vida social
pela recusa das responsabilidades e obrigações sociais do Estado (Chaui, 1995a), o que tem amplas
repercussões na luta por direitos e no trabalho cotidiano dos assistentes sociais.
QUESTÃO DE PROVA: Na contratendência da crise capitalista de longa duração de tonalidade
recessiva, cujo desencadeamento remonta à década de 70 do século XX, verificam-se profundas
alterações nas formas de produção e de gestão do trabalho perante as exigências do mercado
mundial sob o comando do capital financeiro, que alteram profundamente as relações entre o
Estado e sociedade. Novas mediações históricas reconfiguram a questão social na cena brasileira
contemporânea no contexto da mundialização do capital.
A abertura abrupta da economia nos países da periferia dos centros mundiais, conforme orientação
dos organismos multilaterais, tem redundado na ampliação do déficit da balança comercial, no
fechamento de empresas nacionais, na elevação das taxas de juros e no ingresso maciço de capitais
especulativos. As importações substituem parte da produção nacional, em um verdadeiro processo
de "substituição das importações".
A economia passa a mover-se entre a reestruturação de sua indústria e a destruição de parte do
aparato industrial que não resiste à competitividade dos grandes oligopólios e à grande expansão
das exportações e importações. Cresce a necessidade de financiamento externo e, com ele, a dívida
interna e externa, os serviços da dívida — o pagamento de juros —, ampliando o déficit comercial. As
exigências do pagamento dos serviços da dívida, aliada às elevadas taxas de juros, geram escassez de
recursos para investimento e custeio. Os investimentos especulativos são favorecidos em
detrimento da produção, o que se encontra na raiz da redução dos níveis de emprego, do
agravamento da questão sociale da regressão das políticas sociais públicas.
Na esfera da organização da produção, o padrão fordista-taylorista convive com formas de
organização da produção dotadas de elevado padrão tecnológico, mediante a incorporação dos
avanços científicos de última geração apropriados pelas empresas multinacionais, mas que têm
como contrapartida relações de trabalho regressivas do ponto de vista dos interesses dos
trabalhadores. QUESTÃO DE PROVA: A desregulamentação do capital — ao nível do capital
produtivo das empresas transnacionais e do capital-dinheiro das instituições financeiras — nutre o
aumento das taxas de mais-valia absoluta e relativa, presentes e futuras, que o discurso do capital
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resume na "flexibilidade". Esta se estende às formas de organização dos processos de produção, da
gestão e remuneração da força de trabalho, do mercado de trabalho, dos direitos sociais e
trabalhistas e dos padrões de consumo.
Essa investida a favor do crescimento econômico dos oligopólios e contra o desenvolvimento social
atinge visceralmente a luta sindical em um quadro de recessão e desemprego. Estabelece-se uma
ampla competitividade no mercado mundial, e a qualidade dos produtos é erigida como requisito
para enfrentar a concorrência intercapitalista e salvaguardar os superlucros das empresas
multinacionais e as elevadas taxas de juros a favor dos agentes institucionais financeiros. A exigência
ao nível da produção é reduzir custos e ampliar as taxas de lucratividade.
QUESTÃO DE PROVA: A reestruturação produtiva afeta radicalmente a organização dos processos
de trabalho: o consumo e gestão da força de trabalho, as condições e relações de trabalho, assim
como o conteúdo do próprio trabalho. Envolve a intensificação do trabalho e a ampliação da
jornada, a redução dos postos de trabalho e a precarização das condições e dos direitos do trabalho.
Reduz-se a demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado incorporado nos meios de produção,
com elevação da composição técnica e de valor do capital, ampliando o desemprego estrutural.
Nesse quadro, radicais mudanças nas relações Estado/sociedade civil, orientadas pela terapêutica
neoliberal, têm sido traduzidas nas políticas de ajuste recomendadas pelo "Consenso de
Washington". (Baptista, 1994). Por meio de vigorosa intervenção estatal a serviço dos interesses
privados articulados no bloco do poder, sob inspiração liberal, conclama-se a necessidade de
reduzir a ação do Estado para o atendimento das necessidades das grandes maiorias mediante a
restrição de gastos sociais, em nome da chamada crise fiscal do Estado.
QUESTÃO DE PROVA: A resultante é um amplo processo de privatização da coisa pública: um Estado
cada vez mais submetido aos interesses económicos e políticos dominantes no cenário internacional
e nacional, renunciando a dimensões importantes da soberania da nação, a favor do grande capital
financeiro em nome de honrar os compromissos morais do Estado com as dívidas interna e externa.
Tais processos atingem não só a economia e a política, mas afetam as formas de sociabilidade.
Esse cenário, de nítido teor conservador, atinge as formas culturais, a subjetividade, as identidades
coletivas, erodindo projetos e utopias. Estimula um clima de incertezas e desesperanças. A
debilidade das redes de sociabilidade em sua subordinação às leis mercantis estimula atitudes e
condutas centradas no indivíduo isolado, em que cada um "é livre" para assumir riscos, opções e
responsabilidades por seus atos em uma sociedade de desiguais.
QUESTÃO DE PROVA: Nesse cenário, a "velha questão social" metamorfoseia-se, assumindo novas
roupagens. Ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do
trabalho social e as relações sociais que o impulsionam. Fratura esta que vem se traduzindo na
banalização da vida humana, na violência escondida no fetiche do dinheiro e da mistificação do
capital ao impregnar todos os espaços e esferas da vida social. Violência que tem no aparato
repressivo do Estado, capturado pelas finanças e colo cado a serviço da propriedade e poder dos
que dominam, o seu escudo de proteção e de disseminação. O alvo principal são aqueles que
dispõem apenas de sua força de trabalho para sobreviver: além do segmento masculino adulto de
trabalhadores urbanos e rurais, penalizam-se os velhos trabalhadores, as mulheres e as novas
gerações de filhos da classe trabalhadora, jovens e crianças, em especial negros e mestiços.
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Crescem os níveis de exploração e as desigualdades, assim como, no seu reverso, as insatisfações e
resistências presentes nas lutas do dia-a-dia, ainda carentes de maior organicidade e densidade
política. Na sua maioria, silenciadas pêlos meios de comunicação, essas lutas condensam a recusa do
instituído e expressam iniciativas tensas e ambíguas, que adensam um processo de acumulação de
forças que procura avançar historicamente no horizonte da igualdade. Lutas tímidas, mas vivas nos
âmbitos do direito ao trabalho e do trabalho; da luta pela reforma agrária; pelo acesso aos serviços
públicos no atendimento às necessidades básicas dos cidadãos; contra as discriminações
étnico-raciais e de género; pela defesa do meio ambiente, das expressões culturais etc.
QUESTÃO DE PROVA: A mundialização do capital também (re)produz, de forma ampliada, a questão
social no espaço mundial e não apenas nos países pobres que lideram o ranking mundial das
desigualdades e disparidades econômicas, políticas, religiosas, étnico-raciais, de gênero, entre suas
outras múltiplas dimensões (lanni, 2004). Espraia as desigualdades de toda ordem e os conflitos
delas decorrentes aos recantos mais sagrados do capitalismo mundial, sob formas particulares e
distintas, segundo as características nacionais.
Esse quadro de radicalização da questão social atravessa o cotidiano do assistente social que se
defronta com segmentos de trabalhadores duplamente penalizados. De um lado, ampliam-se as
necessidades não atendidas da maioria da população, pressionando as instituições públicas por uma
demanda crescente de serviços sociais. De outro lado, esse quadro choca-se com a restrição de
recursos para as políticas sociais governamentais, coerente com os postulados neoliberais para a
área social, que provocam o desmonte das políticas públicas de caráter universal, ampliando a
seletividade típica dos "programas especiais de combate à pobreza" e a mercantilização dos serviços
sociais, favorecendo a capitalização do setor privado.
A leitura da seguridade passa a ser efetuada segundo os parâmetros empresariais de
custo/benefício, da eficácia/inoperância, da produtividade/rentabilidade. O resultado é a
subordinação de necessidades sociais e sua satisfação à mecânica instrumental do orçamento
público.
QUESTÃO DE PROVA: A crítica neoliberal sustenta que os serviços públicos, organizados à base de
princípios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal (Grassi et al., 1994),
assim como a folha salarial dos servidores públicos. Como o gasto social é tido como uma das
principais causas da crise fiscal do Estado, a proposta é reduzir despesas, diminuir atendimentos,
restringir meios financeiros, materiais e humanos para implementação de projetos. E o assistente
social, que é chamado a implementar e viabilizar direitos sociais e os meios de exercê-los, vê-se
tolhido em suas ações, que dependem de recursos, condições e meios de trabalho cada vez mais
escassos para operar as políticas sociais.
Mudanças para o Serviço Social
QUESTÃO DE PROVA: Historicamente, os assistentes sociais dedicaram-se à implementação de
políticas públicas, localizando-se na linha de frente das relações entre população e instituição ou,
nos termos de Netto (1992), sendo "executores terminais de políticas sociais". Embora esse seja
ainda o perfil predominante, não é mais o exclusivo, sendo abertas outras possibilidades. O processo
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de descentralização das políticas sociais públicas, com ênfase na suamunicipalização, requer dos
assistentes sociais — como de outros profissionais — novas funções e competências. Os assistentes
sociais estão sendo chamados a atuar na esfera da formulação e avaliação de políticas e do
planejamento, gestão e monitoramento, inscritos em equipes multiprofissionais. Ampliam seu
espaço ocupacional para atividades relacionadas ao controle social, à implantação e orientação de
conselhos de políticas públicas, à capacitação de conselheiros, à elaboração de planos e projetos
sociais, ao acompanhamento e avaliação de políticas, programas e projetos.
QUESTÃO DE PROVA: Tais inserções são acompanhadas de novas exigências de qualificação, tais
como: o domínio de conhecimentos para realizar diagnósticos so-cioeconômicos de municípios, para
a leitura e análise dos orçamentos públicos, identificando seus alvos e compromissos, assim como os
recursos disponíveis para projetar ações; o domínio do processo de planejamento; a competência no
gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais; a capacidade de negociação, o
conhecimento e o know-how na área de recursos humanos e relações no trabalho, entre outros.
Somam-se possibilidades de trabalho nos níveis de assessoria e consultoria para profissionais mais
experientes e altamente qualificados em determinadas áreas de especialização. Registram-se, ainda,
requisições no campo da pesquisa, de estudos e planejamento, dentre inúmeras outras funções.
A categoria dos assistentes sociais, articulada às forças sociais progressistas, vem envidando esforços
coletivos no reforço da esfera pública, de modo a inscrever os interesses das maiorias nas esferas de
decisão política. O horizonte é a construção de uma "democracia de base" que amplie a democracia
representativa, cultive e respeite a universalidade dos direitos do cidadão, sustentada na socialização
da política, da economia e da cultura. Tais elementos adquirem especial importância em nossas
sociedades latino-americanas, que se constróem no reverso do imaginário igualitário da
modernidade, sociedades que repõem cotidianamente e de forma ampliada privilégios, violência,
discriminações de renda, poder, gênero, etnias e gerações, alargando o fosso das desigualdades no
panorama diversificado das manifestações da questão social.
É na dinâmica tensa da vida social que se ancoram a esperança e a possibilidade de defender,
efetivar e aprofundar os preceitos democráticos e os direitos de cidadania — afirmando inclusive a
cidadania social, cada vez mais desqualificada. E, para impulsionar a construção de um outro padrão
de sociabilidade, regido por valores democráticos, requer-se a redefinição das relações entre o
Estado e a sociedade, a economia e a sociedade, o que depende uma crescente participação ativa da
sociedade civil organizada.
Orientar o trabalho nos rumos aludidos requisita um perfil profissional culto, crítico e capaz de
formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações
sociais.
QUESTÃO DE PROVA: Exige-se, para tanto, compromisso ético-político com os valores democráticos e
competência teórico-metodológica na teoria crítica em sua lógica de explicação da vida social. Esses
elementos, aliados à pesquisa da realidade, possibilitam decifrar as situações particulares com que
se defronta o assistente social no seu trabalho, de modo a conectá-las aos processos sociais
macroscópicos que as geram e as modificam.
QUESTÃO DE PROVA: Mas, requisita, também, um profissional versado no instrumental
técnico-operativo, capaz de potencializar as ações nos níveis de assessoria, planejamento,
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negociação, pesquisa e ação direta, estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas decisões
que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los.
LEMBRE-SE QUE:
FETICHISMO DAS FINANÇAS = MAIS VALIA GERADA ATRAVÉS DO CAPITAL PRODUTIVO (INDÚSTRIA,
COMÉRCIO, PRODUÇÃO AGRÍCOLA) ABSORVIDA COMO LUCRO E REINVESTIDA NO MERCADO
FINANCEIRO.
QUESTÕES DE CONCURSOS ANTERIORES
16- Leia o texto a seguir:
“As desigualdades que presidem o processo de desenvolvimento do País têm sido uma de suas
particularidades históricas. O ‘moderno’ se constrói por meio do ‘arcaico’, recriando elementos de
nossa herança histórica colonial e patrimonialista, ao atualizar marcas persistentes e, ao mesmo
tempo, transformá-las, no contexto de mundialização do capital sob a hegemonia financeira.”
(Iamamoto, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e
questão social. São Paulo: Cortez, 2007).
Com base nas reflexões da referida autora sobre a questão social, analise as afirmativas a seguir:
I - A questão social é indissociável da sociedade capitalista e, particularmente, das configurações
assumidas pelo trabalho e pelo Estado na expansão monopolista do capital.
II – A gênese da questão social na sociedade burguesa deriva do caráter coletivo da produção,
contraposto à apropriação privada da própria atividade humana, das condições necessárias à sua
realização, assim como de seus frutos.
III – A questão social condensa o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produzidas e
reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais, alcançando plenitude de suas
expressões e matizes em tempo de capital fetiche.
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IV – A análise da questão social deve estar envolta de um discurso genérico, que a redunda em uma
visão unívoca da questão social, segmentada da dinâmica conjuntural e da vida dos sujeitos sociais.
Assinale a alternativa correta:
A)As afirmativas I, II e III são corretas.
B)As afirmativas I e II são corretas.
C)As afirmativas I, III e IV são corretas.
D)As afirmativas I, II, III e IV são corretas.
17- Marilda Iamamoto, em sua obra Serviço Social em tempo de capital fetiche (2007), discute as
condições que circunscrevem o trabalho do assistente social na dinâmica das relações sociais
vigentes na sociedade contemporânea.
A autora considera que:
1. O exercício profissional é polarizado pela trama de relações e interesses sociais, participando de
um processo que permite tanto a continuidade da sociedade de classes quanto as possibilidades de
sua transformação.
2. O exercício profissional exige um sujeito profissional que tenha competências para propor e
negociar com a instituição os seus projetos e atribuições profissionais.
3. A sociabilidade capitalista contemporânea, fortemente impregnada nas relações entre Estado e
sociedade, subordina o trabalho do assistente social aos princípios neoliberais.
4. A sociedade civil deve ser entendida como espaço para canalizar as demandas não atendidas pelo
Estado.
5. O exercício profissional exige uma análise crítica e teoricamente fundamentada do trabalho
realizado, sendo este indissociável dos projetos societários mais amplos.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.
A)São corretas apenas as afirmativas 1 e 5.
B)São corretas apenas as afirmativas 1, 2 e 4.
C)São corretas apenas as afirmativas 1, 2 e 5.
D)São corretas apenas as afirmativas 2, 3 e 4.
E)São corretas as afirmativas 1, 2, 3, 4 e 5.
18- Iamamoto (2011), ao elaborar o capítulo que trata da produção teórica brasileira sobre os
fundamentos do trabalho do assistente social, na obra Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche,
tem como ponto de partida a concepção de profissão elaborada pela própria autora na década de
1980 e difundida no livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. No novo texto de 2011, a autora
parte da hipótese de que a categoria profissional não incorporou elementos centrais de suas análises
anteriores, o que justifica ter retornado àquele debate e o aprofundado. Levando em consideração o
exposto, assinale a alternativa correta.
A)A tese da autora é de que a produção acadêmica do Serviço Social sobre os fundamentos do
trabalho profissional, nas duas décadas que precedem a obra Serviço Social em Tempo de Capital
Fetiche, centrou-se na pesquisa das particularidadesda inserção profissional em espaços
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sócio-ocupacionais em que são operadas as políticas sociais, analisando-os sob múltiplas
determinações, porém não abordando os demais espaços sócio-ocupacionais.
B) A hipótese da autora é de que a análise da profissão na divisão social e técnica do trabalho
tornou-se de domínio público e foi amplamente incorporada pela categoria profissional, o que não
ocorreu com os fundamentos referentes ao processo de produção e reprodução das relações sociais,
sendo retomado sob o enfoque no trabalho e sociabilidade na ordem do capital, como subsídio para
pensar o exercício profissional na atualidade.
C)A argumentação da autora é de que as interpretações de caráter histórico-crítico foram assumindo
a liderança no debate acadêmico a partir de 1980, rompendo com as interpretações de cunho
estrutural-funcionalista, porém a análise dos processos de exclusão social não foi devidamente
incorporada pela categoria, demandando da autora retornar ao aprofundamento das categorias
teóricas inclusão social, direitos sociais e cidadania
D)A hipótese da autora é de que, entre a categoria profissional, uma pequena parcela conseguiu
incorporar os fundamentos do Serviço Social a partir da centralidade do trabalho na sociedade
burguesa, explicando a inserção dessa profissão na divisão social e técnica do trabalho, levando a
autora à produção de textos com linguagem acessível sobre as categorias trabalho produtivo e
improdutivo, trabalho concreto e abstrato, trabalho material e imaterial, para ampla divulgação entre
os profissionais da área.
E) A tese da autora é de que as produções teóricas dos anos 1980 sobre os fundamentos do Serviço
Social identificaram a particularidade dessa atividade profissional na divisão social e técnica do
trabalho, porém limitaram seu entendimento na perspectiva do valor de uso dos serviços prestados e
na qualidade do trabalho realizado, entendido este como trabalho concreto alienado, que participa
na produção da mais valia, exigindo da autora que aprofundasse o debate sobre relativa autonomia
de que dispõe o assistente social.
19- De acordo com IAMAMOTO, é necessário hoje repensar a Questão Social, porque as bases de sua
produção sofrem, na atualidade:
A)A ampliação da liberdade e dos direitos humanos irrestritos.
B)Uma redução do ciclo expansionista internacional e do capital financeiro.
C)Uma profunda transformação com as inflexões verificadas no padrão de acumulação.
D)A organização da produção com predomínio das bases fordistas e tayloristas.
20- A expansão do capital financeiro intensificou a exploração do trabalho, as desigualdades sociais e
o desmonte das políticas sociais. Nesse contexto de predomínio do capital fetiche, conforme
41
Iamamoto (2012), a questão social tem na sua raiz:
A)a visibilidade do trabalho
B)a subordinação do capital
C)o predomínio da sociabilidade
D)a banalização do humano
21-A respeito das manifestações da “questão social” na era das finanças, conforme Iamamoto (2009),
todas as afirmações a seguir estão corretas, exceto:
A) Englobam indiferença com os direitos das maiorias trabalhadoras, subjugadas a uma pobreza
historicamente produzida.
B) Tornam-se alvo de filantropia, benemerência e programas focalizados de combate à pobreza com
participação do “terceiro setor”.
C) Sofrem forte politização de seu conjunto, haja vista o empreendimento de “refilantropização do
social”.
D) Circunscrevem-se à pobreza e à miséria das(os) sobrantes para as necessidades do capital
22- Assinale a alternativa CORRETA, com base em Iamamoto (2009), sobre o que afeta diretamente
os assistentes sociais em face da transferência para distintos segmentos da sociedade civil de
significativa parcela da prestação de serviços sociais:
A)O espaço ocupacional.
B)O sigilo profissional.
C)A imagem profissional.
D)Os interesses particulares dos profissionais.
E)As atribuições do Conselho Regional de Serviço Social.
23- A financeirização do capital aliada às medidas de supressão de direitos provocou um quadro de
radicalização da “questão social” e de desproteção social. No Brasil, uma dessas medidas se expressa
no deslocamento da noção de seguridade social para a de seguro social (Iamamoto, 2007).
Assim, a lógica que passa a presidir a política social é a do(a):
A)privatização seletiva dos serviços sociais;
B)universalização de programas segmentados;
42
C)equidade e justiça social;
D)respeito e atendimento às demandas emergenciais;
E)gerencialismo.
24- O Serviço Social atua intervindo nas mais variadas expressões da questão social. De acordo com
Iamamoto (2012), atualmente, sob a égide do capital financeiro, uma das tendências de resposta à
questão social é:
A)a implementação de programas assistenciais focalizados de combate à pobreza
B)a ampliação dos programas sociais com caráter universal
C)a exigência de cadastros únicos para acesso a benefícios
D)o incentivo à filantropia e à transferência de responsabilidade para a iniciativa privada
25- As estratégias para responder à questão social têm sido tensionadas por projetos
políticos-institucionais distintos, que presidem na estruturação legal e a implementação das políticas
sociais públicas desde o final dos anos de 1980 no Brasil (IAMAMOTO, 2011). Sobre a temática do
Serviço Social e das políticas sociais nos marcos da financeirização e o neoliberalismo no Brasil,
segundo Iamamoto (2011), marque a alternativa CORRETA:
A)A partir dos anos de 1990, observa-se uma clara tendência de deslocamento no trato das
necessidades sociais por “organizações da sociedade civil de interesse público” para ações
governamentais públicas de abrangência universal.
B)As condições de trabalho e relações sociais em que estão inscritos os assistentes sociais são
indissociáveis da contra-reforma do Estado.
C)No Brasil, as contribuições fiscais para os gastos sociais e para investimentos diretos crescem
mais do que a carga tributária, ou seja, os gastos sociais e os estímulos a investimentos
produtivos são maiores do que o pagamento de impostos, o que explica o peso enorme da
dívida pública.
D)A seguridade social no Brasil tem sido deficitária, considerando-se seu orçamento, tal como
constitucionalmente definido, em decorrência do “explosivo déficit da previdência”, tanto em
termos de cobertura como de recursos financeiros envolvidos, decorrente da vinculação de
recursos do seu orçamento realizada pela União, para compor sua estratégia de superávit
fiscal primário.
E)No Brasil, constata-se uma progressiva mercantilização do atendimento às necessidades
sociais, decorrente da estatização das políticas sociais. Nesse quadro, os serviços sociais
deixam de expressar direitos, metamorfoseando-se em atividade de outra natureza, inscrita
43
no circuito de compra e venda de mercadorias.
26- Nesses novos tempos, em que se constata a retração do Estado no campo das políticas sociais,
amplia-se a transferência de responsabilidades para a sociedade civil no campo da prestação de
serviços sociais. Em conformidade com a análise de IAMAMOTO, trata-se de uma das formas de:
A)Ampliar a ação direta do Estado.
B)Terceirizar a prestação de serviços sociais.
C)Efetivar uma das recomendações da Constituição Federal, de supressão da ação pública.
D)Atuação ilegítima da sociedade civil.
27- Para Iamamoto (2009), o Serviço Social se desenvolve no Brasil a partir dos anos 1930 e suas
primeiras experiências de formação ocorre em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sobre a conjuntura
brasileira da época, é CORRETO afirmar que:
A)Havia um contexto de expansão da legislação social frente ao crescimento do proletariado e
refluxo das instituições da assistência social.
B)Havia forte tendência de crescimento urbano e industrial.
C)Havia um contexto de regressão da legislação social e refluxo das instituições da assistência
social.
D)Havia uma tendência de desindustrialização em face do avanço da urbanização.
E)Havia um contexto de regressão da legislação social frente ao crescimento do proletariadoe
consolidação das instituições da assistência social.
28-Iamamoto (2011) destaca que o mercado de inserção laboral dos Assistentes Sociais vivenciou
uma série de mudanças nos últimos anos. Para assumir os novos postos de trabalho disponíveis
novas exigências de qualificação são apresentadas aos profissionais, dentre as quais as citadas nas
afirmativas:
I. Domínio para realizar diagnósticos socioeconômicos de municípios.
II. Domínio amplo da língua culta e da grafia adequada de termos.
III. Domínio do processo de planejamento.
IV. Domínio amplo e irrestrito do chamado “arsenal de técnicas do Assistente Social”.
Estão corretas as afirmativas:
44
A)I e III apenas
B)I e II apenas
C)II e III apenas
D)III e IV apenas
29-De acordo com Iamamoto (2017), “uma mediação fundamental do exercício profissional no
âmbito das relações entre as classes e destas com o Estado no enfrentamento das múltiplas
expressões da ‘questão social’“ é o(a):
A)projeto ético-político;
B)embasamento teórico-metodológico;
C)política social;
D)vinculação institucional do profissional;
E)formação profissional.
30-Analise as afirmativas a seguir considerando o pensamento de Iamamoto (2011) sobre a questão
social.
I. A questão social assume na atualidade várias expressões , mas ela não é um fenômeno recente.
II. A questão social não é influenciada pelos padrões de acumulação capitalista.
III. A questão social se reproduz sob novas mediações históricas.
IV. A questão social não possibilita a consolidação de formas de resistência e de defesa da vida.
Estão corretas as afirmativas :
A)I e II apenas
B)II e III apenas
C)II e IV apenas
D)I e III apenas
45
GABARITO:
1=C 2-D 3-D 4-D 5-D 6-C 7-B 8-B 9-A 10-C
11-C 12-B 13-C 14-B 15-D 16-A 17-C 18-B 19-C 20-D
21-C 22-A 23-A 24-A 25-B 26-B 27-B 28-A 29-C 30-D
46a sociedade capitalista. Por outro, a exaltação e a santificação do mercado e da
iniciativa privada, vista como a esfera da eficiência e da austeridade, justificando a política das
privatizações.
A autora sublinha que na onda neoliberal, uma das formas de redução do custo da força de trabalho
é o contrato da mão de obra infantil. Quando 30% da população economicamente ativa do mundo
está desempregada, cresce o desemprego de adultos e aumenta, contraditoriamente, o emprego
infantil. Para possibilitar a sobrevivência da família, quando o pai se encontra desempregado e a mãe
já está no mercado de trabalho, uma terceira possibilidade que se apresenta é que as crianças
trabalhem.
3
As mudanças no mercado profissional de trabalho
A retração do Estado em suas responsabilidades e ações no campo social manifesta-se na
compreensão das verbas orçamentárias e no deterioramento da prestação de serviços sociais
públicos. Tal fato vem implicando uma transferência para a sociedade civil, de parcelas das iniciativas
para o atendimento das sequelas da questão social, o que gera significativas alterações no mercado
profissional de trabalho.
Constata-se uma tendência a refilantropização social em que grandes corporações econômicas
passam a se preocupar e a intervir na questão social dentro de uma perspectiva de “filantropia
empresarial”. Essas ações filantrópicas atuam em detrimento da garantia da universalidade no
acesso, tal como o previsto pela constituição vigente no país. E o que compreendemos como
“filantropia do grande capital”, resultante de um amplo processo de privatização dos serviços
públicos. Dotada de alta eficácia, evocando a solidariedade social na parceria entre a sociedade civil
e o Estado, é, entretanto, incapaz de deter, ou apenas encobrir, o outro produto daquele
desenvolvimento, a reprodução ampliada da pauperização, que, no mundo contemporâneo, atinge
níveis de barbárie social.
Uma outra fatia do mercado profissional de trabalho encontra-se hoje constituída pelas ONGs – um
amplo e diversificado campo que necessita ser melhor qualificado. Temos que ter clareza da
diferença existente entre o público que não é estatal e o público estatal.
Outro resultado do novo padrão de acumulação tem sido a desregulamentação das relações de
trabalho e dos direitos sociais, derivada da preocupação com a necessidade de redução dos custos
sociais do trabalho. Todavia, afirma a autora, que esse custo da mão de obra no Brasil está entre os
mais baixos do mundo, que a rotatividade da mão de obra é de 37%, uma das maiores do mundo,
indicando não haver rigidez na fixação da mão de obra.
Esse processo vem repercutindo no mercado de trabalho do assistente social de várias maneiras:
vem aumentando a atuação do serviço social na área de recursos humanos das empresas, na
esfera da assessoria gerencial e na criação dos comportamentos produtivos favoráveis para a força
de trabalho, também denominado “clima social”. Ampliam-se as demandas ao nível da atuação nos
círculos de controle de qualidade total, todos voltados ao controle da qualidade, ao estímulo de uma
maior aproximação da gerência aos trabalhadores do chão da fábrica, valorizando um discurso de
chamamento à participação. Verifica-se uma sensível mudança nas formas de pagamento, centrado
em premiações e em sistemas meritocráticos de incentivos.
1. A apropriação teórico-metodológica no campo das grandes matrizes do pensamento social
permitiria a descoberta de novos caminhos para o exercício profissional;
2. O enganjamento nos movimentos organizados da sociedade garantiria – ou seria uma condição
fundamental para tanto – a intervenção profissional articuladas aos interesses dos setores
majoritários da sociedade;
3. O aperfeiçoamento técnico-operativo mostra-se como uma exigência para uma inserção
qualificada do assistente social no mercado de trabalho.
4
Cada elemento contido nesses pressupostos, é fundamental e complementar entre si. Porém,
aprisionados em si mesmos, transformam-se em limites que vem tecendo o cenário de algumas
dificuldades, identificadas pela categoria profissional: o teoricismo, o militantismo e o tecnicismo.
A prática como trabalho e a inserção do assistente social em processos de trabalho
A década de 1980 foi extremamente fértil na definição de rumos técnico-acadêmicos e políticos para
o Serviço Social. Hoje existe um projeto profissional, que aglutina segmentos significativos de
assistentes sociais no país, amplamente discutido e coletivamente construído ao longo das duas
últimas décadas. As diretrizes norteadoras desse projeto se desdobraram no Código de Ética
Profissional do Assistente Social, de 1993, na Lei da Regulamentação da Profissão de Serviço Social e,
hoje, na nova Proposta de Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social.
Esse projeto de profissão e de formação profissional, hoje hegemônico, é historicamente datado. É
fruto e expressão de um amplo movimento da sociedade civil desde a crise da ditadura, afirmou o
protagonismo dos sujeitos sociais na luta pela democratização da sociedade brasileira. Foi no
contexto de ascensão dos movimentos sociais, das mobilizações em torno da elaboração e
aprovação da Carta Constitucional de 1988, das pressões populares que redundaram no
afastamento do Presidente Collor — entre outras manifestações —, que a categoria dos assistentes
sociais foi sendo questionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil. E os
assistentes sociais não ficaram a reboque desses acontecimentos. Ao contrário, tornaram-se um dos
seus co-autores, co-participantes desse processo de lutas democráticas na sociedade brasileira.
Encontra-se aí a base social da reorientação da profissão nos anos 1980.
Um olhar retrospectivo para as duas últimas décadas não deixa dúvidas que, ao longo desse
período, o Serviço Social deu um salto de qualidade em sua autoqualificação na sociedade. Essa
adquiriu visibilidade pública por meio do Novo Código de Ética do Assistente Social, das revisões da
legislação profissional e das profundas alterações verificadas no ensino universitário na área. Mas
houve, também, um adensamento do mercado editorial e da produção acadêmica. Parcela
substancial do acervo bibliográfico e principais publicações do Serviço Social, hoje disponíveis, são
resultantes das duas últimas décadas. Os assistentes sociais ingressaram nos anos 1990, como uma
categoria que também é pesquisadora, reconhecida, como tal, pelas agências de fomento. Por outro
lado, amadureceram suas formas de representação político-corporativas, contando com órgãos de
representação acadêmica e profissional reconhecidos e legitimados. Um amplo debate em torno das
políticas sociais públicas, em especial da assistência social, situada no campo dos direitos sociais, na
teia das relações entre o Estado e a sociedade civil, contribuiu para adensar o debate sobre
identidade desse profissional, fortalecendo o seu auto-reconhecimento.
Assim sendo, tanto a formação profissional quanto o trabalho de Serviço Social, nos anos 1980, se
solidificaram, tornando possível, hoje, dar um salto qualitativo na análise sobre a profissão. A
relação do debate atual com esse longo trajeto é uma relação de continuidade e de ruptura. É uma
relação de continuidade, no sentido de manter as conquistas já obtidas, preservando-as; mas é,
também, uma relação de ruptura, em função das alterações históricas de monta que se verificam no
presente, da necessidade de superação de impasses profissionais vividos e condensados em
reclamos da categoria profissional. Quais são esses impasses?
5
Primeiro, o famoso distanciamento entre o trabalho intelectual, de cunho teórico-metodológico, e o
exercício da prática profissional cotidiana. Esse é um desafio colocado por estudantes e profissionais
ao salientarem a defasagem entre as bases de fundamentação teórica da profissão e o trabalho de
campo. Um outro aspecto a ser enfrentado é a construção de estratégias técnico-operativaspara o
exercício da profissão, ou seja, preencher o campo de mediações entre as bases teóricas já
acumuladas e a operatividade do trabalho profissional.
O caminho para a ultrapassagem desses impasses parece estar, por um lado, no cultivo de um
trato teórico-metodológico rigoroso. Largos passos foram dados, nos anos 1980, na aproximação do
Serviço Social aos seus fundamentos, em diferentes matrizes: às concepções de cunho positivista ou
estrutural-funcionalista, fenomenológica e à teoria social-crítica. Esse longo voo teórico, dado pelo
Serviço Social, merece ser preservado e aprofundado. Mas a ele deve ser aliado um atento
acompanhamento histórico da dinâmica da sociedade. A aproximação do Serviço Social ao
movimento da realidade concreta, às várias expressões da questão social, captadas em sua gênese e
manifestações, é fundamental. A pesquisa concreta de situações concretas é condição para se
atribuir um novo estatuto à dimensão interventiva e operativa da profissão, resguardados os seus
componentes ético-políticos.
O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da
profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e
técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de
estudo e ação do assistente social.
No balanço da formação profissional feito pela ABESS, tendo em vista a formulação do currículo
mínimo, no cenário das dificuldades hoje presentes, foram identificadas três armadilhas sobre as
quais a categoria se viu prisioneira nos últimos anos — o teoricismo, o politicismo e o tecnicismo
—, sobre as quais é preciso refletir. Mas antes, faz-se necessário elucidar os pressupostos em que
se baseou a procura de firmar novos pilares para exercício profissional e os desvios de rota
verificados.
O primeiro pressuposto é o de que a apropriação teórico-metodológica no campo das grandes
matrizes do pensamento social permitiria a descoberta de novos caminhos para o exercício
profissional. A primeira assertiva é que a busca de novos caminhos passaria por uma apropriação
mais rigorosa da base teórico-metodológica.
O segundo pressuposto é de que o engajamento político nos movimentos organizados da
sociedade e nas instâncias de represenntação da categoria garantiria — ou seria uma condição
fundamental para tanto —, a intervenção profissional articulada aos interesses dos setores
majoritários da sociedade. A segunda afirmativa é o reconhecimento da dimensão política da
profissão e as suas implicações mais além do campo estrito da ação profissional, pensada a partir
da inserção nos movimentos organizados da sociedade.
O terceiro pressuposto é de que o aperfeiçoamento técnico-operativo mostra-se como uma
exigência para uma inserção qualificada do Assistente Social no mercado de trabalho.
O que tais afirmativas têm de verdadeiro e o que têm de falso? Cada elemento original contido
naquelas afirmativas — o teórico-metodológico, o ético-político e o técnico-operativo — são
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fundamentais e complementares entre si. Porém, aprisionados em si mesmos, transformam-se em
limites que vêm tecendo o cenário de algumas das dificuldades, identificadas pela categoria
profissional, que necessitam ser ultrapassadas: o teoricisrno, o militantismo e o tecnicismo.
A primeira assertiva sustenta a necessidade de uma fundamentação teórico-metodológica como o
caminho necessário para a construção de novas alternativas no exercício profissional. É uma
afirmativa correta, ainda que insuficiente — e mesmo falsa —, se considerada isoladamente. O
domínio teórico-metodológico só se completa e se atualiza ao ser frutificado pela história, pela
pesquisa rigorosa das condições e relações sociais particulares em que se vive. Requer o
acompanhamento da dinâmica dos processos sociais, como condição, inclusive, para a apreensão das
problemáticas cotidianas que circunscrevem o exercício profissional. Expresso de outra forma, talvez
mais clara: só o domínio de uma perspectiva teórico-metodológica, descolada seja de uma
aproximação à realidade, do engajamento político, ou ainda de uma base técnico-operativa, ele,
sozinho, não é suficiente para descobrir e imprimir novos caminhos ao trabalho profissional. Corre-se
o risco de cair no teoricismo estéril, uma vez que a metodologia nos fornece uma lente para leitura e
explicação da realidade social, o que supõe a apropriação dessa mesma realidade. Por outro lado, a
mera inserção política, desvinculada de uma sólida fundamentação teórico-metodológica,
mostra-se inócua para decifrar as determinações dos processos sociais. Enquanto a militância tenha
impulsionado o potencial questionador da categoria profissional, dela não se pode derivar
diretamente uma consciência teórica e uma competência profissional.
As relações entre engajamento político e profissão foram fontes de inúmeros equívocos desde o
movimento de reconceituação no âmbito do Serviço Social. Esse, como profissão, tem uma
necessária dimensão política por estar imbricado com as relações de poder da sociedade. O Serviço
Social dispõe de um caráter contraditório que não deriva dele próprio, mas do caráter mesmo das
relações sociais que presidem a sociedade capitalista. Nesta sociedade, o Serviço Social inscreve-se
em um campo minado por interesses sociais antagônicos, isto é, interesses de classes distintos e
em luta na sociedade.
Apenas o engajamento político do cidadão profissional não é suficiente para diretamente dele
derivar uma base teórica rigorosa. Aliás, é um velho ensinamento da política que embora a vivência
da realidade provoque indagações para a análise, a formação de uma consciência teórica requer um
trato rigoroso do conhecimento acumulado, da herança intelectual herdada. Portanto, o mero
engajamento político, descolado de bases teórico-metodológicas e do instrumental operativo para a
ação é insuficiente para iluminar novas perspectivas para o Serviço Social.
A terceira afirmativa diz respeito à necessidade de uma base técnico-operativa para a profissão, o
que é procedente. Porém, o privilégio da eficiência técnica, se considerado isoladamente, é
suficiente para propiciar uma atuação profissional crítica e eficaz. Ao se descolar dos fundamentos
teórico-metodológicos e ético-políticos poderá derivar em mero tecnicismo.
As abordagens unilaterais, antes acentuadas, acabaram por provocar um relativo afastamento entre
o Serviço Social e a própria realidade social, o que explica a reiterada proclamação da urgência de um
estreitamento de vínculos entre ambos. Entretanto, o reconhecimento da necessidade de o Serviço
Social dar um "mergulho na realidade social do país" restringe-se, com freqüência, ao plano do
dever ser e menos à realização de estudos e pesquisas que expressem sua efetivação.
7
Pode-se concluir que articular a profissão e a realidade é um dos maiores desafios, pois entende-se
que o Serviço Social não atua apenas sobre a realidade, mas atua na realidade. Nesta perspectiva,
compreende-se que as análises de conjuntura — com o foco privilegiado na questão social —, não
são apenas o pano de fundo que emolduram o exercício profissional; ao contrário, são partes
constitutivas da configuração do trabalho do Serviço Social, devendo ser apreendidas como tais. O
esforço está, portanto, em romper qualquer relação de exterioridade entre profissão e realidade,
atribuindo-lhe a centralidade que deve ter no exercício profissional.
Na perspectiva assinalada, a investigação adquire um peso privilegiado no Serviço Social: o
reconhecimento das atividades de pesquisa e do espírito indagativo como condições essenciais ao
exercício profissional.
Não é recente a preocupação com pesquisa no Serviço Social. Mas se a pesquisa tem sido encarada
como um elemento necessário para a "prática", ao mesmo tempo, tem sido tratada como dela
separada. A investigação é tida como um "outro" componente, uma "outra" especialização, ou seja,
"quandose tem oportunidade e condições se faz pesquisa". Além do mais, existem entidades que a
ela especificamente se dedicam, como a Universidade e os centros especializados. Assim, exercício
profissional e pesquisa não se encontram diretamente associados.
O que se reivindica, hoje, é que a pesquisa se afirme como uma dimensão integrante do exercício
profissional, visto ser uma condição para se formular respostas capazes de impulsionar a formulação
de propostas profissionais que tenham efetividade e permitam atribuir materialidade aos princípios
ético-políticos norteadores do projeto profissional. Ora, para isso é necessário um cuidadoso
conhecimento das situações ou fenômenos sociais que são objeto de trabalho do assistente social.
IMPORTANTE: Emerge daí um duplo desafio: entender a gênese da questão social e as situações
particulares e fenômenos singulares com os quais o Assistente Social se defronta no mercado de
trabalho, como, por exemplo, a criança e o adolescente, a terceira idade, a questão da propriedade
da terra, a saúde etc., o que supõe pesquisas para o acompanhamento da dinâmica dos processos
sociais que envolvem essas realidades. Considerando a descentralização das políticas públicas,
exige-se hoje um profissional com domínio das particularidades da questão social ao nível
regional e municipal. Para tanto a pesquisa da realidade social torna-se um recurso fundamental
para a formulação de propostas de trabalho e para a ultrapassagem de um discurso genérico, que
não dá conta das situações particulares. Essa pode ser uma trilha fértil para se pensar as relações
entre indivíduo e sociedade, entre a vida material e a subjetividade, envolvendo a cultura, o
imaginário e a consciência. É seguramente um caminho fecundo para a superação de algumas das
dificuldades anteriormente mencionadas.
A ABESS, na formulação de sua proposta de currículo mínimo, reconhece ser a investigação e a
capacitação continuada dos profissionais e professores requisitos indispensáveis para a qualificação
de Assistentes Sociais conciliados com os novos tempos.
A prática como trabalho e a inserção do Assistente Social em processos de trabalho
A proposta curricular, ora em debate, contém dois elementos que representam uma ruptura com a
concepção predominante nos anos 1980. O primeiro é considerar a questão social como base
8
fundamentação sócio-histórica do Serviço Social e o segundo é apreender a ‘prática profissional'
como trabalho e o exercício profissional inscrito em um processo de trabalho. No debate efetuado
pelas unidades de ensino para a formulação de um novo currículo mínimo para o curso de Serviço
Social, surgiu a seguinte questão: qual é a base que funda a instituição do Serviço Social na
sociedade e que, por isso, deve dispor de uma centralidade na formação profissional?
Para alguns, o debate parecia estar em torno de um eixo que sofreu significativo avanço nos anos
1980: o das relações entre história, teoria e metodologia do Serviço Social, que teve seus
desdobramentos no nível de disciplinas curriculares pertinentes. Em outros termos, os fundamentos
históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social, campo temático essencial para profissão, alvo
de um inconteste desenvolvimento para atender, inclusive, aos requisitos curriculares estabelecidos
em 1982.
A compreensão dos fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social que informa
a revisão curricular parte da premissa que decifrar a profissão exige aprendê-la sob um duplo ângulo.
Em primeiro lugar, abordar o Serviço Social como uma profissão socialmente determinada na história
da sociedade brasileira. Em outros termos, analisar como o Serviço Social se formou e desenvolveu
no marco das forças societárias, como uma especialização do trabalho na sociedade. Mas pensar a
profissão é também pensá-la como fruto dos sujeitos que a constróem e a vivenciam. Sujeitos que
acumulam saberes, efetuam sistematizações de sua "prática" e contribuem na criação de uma
cultura profissional, historicamente circunscrita. Logo, analisar a profissão supõe abordar,
simultaneamente, os modos de atuar e de pensar que foram por seus agentes incorporados,
atribuindo visibilidade às bases teóricas assumidas pelo Serviço Social na leitura da sociedade e na
construção de respostas à questão social.
Importante avanço foi reconhecer que o chão comum tanto do trabalho quanto da cultura
profissional é a história da sociedade. A realidade social e cultural provoca e questiona os
assistentes sociais na formulação de respostas, seja no âmbito do exercício profissional, seja das
elaborações intelectuais acumuladas ao longo da história do Serviço Social, os saberes que construiu,
as sistematizações da prática que reuniu ao longo do tempo.
Alguns outros sustentavam a ideia de que as políticas sociais deveriam ser o elemento privilegiado
para se pensar a fundação do Serviço Social na sociedade. O assistente social é o profissional que
trabalha com políticas sociais, de corte público ou privado e não resta dúvida ser essa uma
determinação fundamental na constituição da profissão, impensável mais além da interferência do
Estado nesse campo. Entretanto as políticas sociais públicas são uma das respostas privilegiadas à
questão social, ao lado de outras formas, acionadas para o seu enfrentamento por distintos
segmentos da sociedade civil, que têm programas de atenção à pobreza, como as corporações
empresariais, as organizações não-governamentais, além de outras formas de organização das
próprias classes subalternas para fazer frente aos níveis crescentes de exclusão social a que se
encontram submetidas.
A questão social explica a necessidade das políticas sociais, no âmbito das relações entre as classes
e o Estado, mas as políticas sociais por si, não explicam a questão social. Aquela é, portanto,
determinante devendo traduzir-se como um dos pólos chaves da formação e do trabalho
profissional.
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Importa deixar claro que a questão social não é aqui focada exclusivamente como desigualdade
social entre pobres e ricos, muito menos como "situação social problema", tal como historicamente
foi encarada no Serviço Social, reduzida a dificuldades do indivíduo. O que se persegue é decifrar, em
primeiro lugar, a gênese das desigualdades sociais, em um contexto em que acumulação de capital
não rima com equidade. Desigualdades indissociáveis da concentração de renda, de propriedade e
do poder, que são o verso da violência, da pauperização e das formas de discriminação ou exclusão
sociais. Mas decifrar a questão social é também demonstrar as particulares formas de luta, de
resistência material e simbólica acionadas pelos indivíduos sociais à questão social.
A insistência na questão social está em que ela conforma matéria-prima do trabalho profissional,
sendo a prática profissional compreendida como uma especialização do trabalho, partícipe de um
processo de trabalho.
A eleição do trabalho como uma categoria chave não ocorre por acaso. Poder-se-ia indagar: por
que a centralidade do trabalho, quando segundo algumas interpretações, se vive a crise da
sociedade do trabalho, o adeus ao trabalho, ante a presença de um crescente contingente de força
de trabalho sobrante para as necessidades da acumulação capitalista.
Ao se pensar a prática profissional, existe a tendência de conectá-la diretamente à prática da
sociedade. Alguns qualificam a prática do Serviço Social de "práxis social", ainda que esta se refira à
prática social, isto é, ao conjunto da sociedade em seu movimento e contradições. A análise da
"prática" do assistente social como trabalho, integrado em um processo de trabalho permite
mediatizar a interconexão entre o exercício do Serviço Social e a prática da sociedade.
Por que a categoria trabalho?
Ela não surge por acaso. O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois mediatiza a
satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens. Pelo trabalho o homem se
afirma como umser social e, portanto, distinto da natureza. O trabalho é a atividade própria do ser
humano, seja ela material, intelectual ou artística. É por meio do trabalho que o homem se afirma
como um ser que dá respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas necessidades. O
trabalho é, pois, o selo distintivo da atividade humana. Primeiro, porque o homem é o único ser que,
ao realizar o trabalho, é capaz de projetar, antecipadamente, na sua mente o resultado a ser obtido.
Em outros termos, no trabalho tem-se uma antecipação e projeção de resultados, isto é dispõe de
uma dimensão teleológica. Mas o homem também é o único ser que é capaz de criar meios e
instrumentos de trabalho, afirmando essa atividade caracteristicamente humana. É pelo trabalho
que as necessidades humanas são satisfeitas, ao mesmo tempo em que o trabalho cria outras
necessidades.
Por meio do trabalho o homem se afirma como ser criador, não só como indivíduo pensante, mas
como indivíduo que age consciente e racionalmente. Sendo o trabalho uma atividade
prático-concreta e não só espiritual, opera mudanças tanto na matéria ou no objeto a ser
transformado, quanto no sujeito, na subjetividade dos indivíduos, pois permite descobrir novas
capacidades e qualidades humanas.
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Esse ato de acionar consciente, que é o trabalho, é uma atividade que tem uma necessária dimensão
ética, como atividade relacionada a fins, que tem a ver com valores, com o dever ser, envolvendo
uma dimensão de conhecimento e ético-moral.
O interesse é pensar o Serviço Social como trabalho, sendo esta uma porta de entrada muito
provocativa para a análise da "prática profissional". Nos anos 1980, os assistentes sociais
descobriram a importância da consideração da dinâmica das instituições e das relações de poder
institucional para se pensar o Serviço Social, assim como as políticas sociais, os movimentos e lutas
sociais. A imagem que poderia representar o esquema imanente de análise tinha no centro a "prática
do Serviço Social" e, no seu entorno, a dinâmica institucional, as políticas sociais; movimentos sociais
como fatores relacionados ao exercício profissional. Mas, geralmente, ao se falar em prática
referia-se, exclusivamente, à atividade do Assistente Social. Os demais elementos citados eram tidos
como condicionantes dessa prática, com uma certa relação de externalidade em relação a ela.
Qual é o objeto de trabalho do Serviço Social? Como repensar a questão dos meios de trabalho do
Assistente Social? Como pensar a própria atividade e/ou o trabalho do sujeito? E qual é o produto
do trabalho do assistente social?
O objeto de trabalho, aqui considerado, é questão social. É ela, em suas múltiplas expressões, que
provoca a necessidade da ação profissional junto à criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de
violência contra a mulher, a luta pela terra etc. Essas expressões da questão social são a
matéria-prima ou o objeto do trabalho profissional. Pesquisar e conhecer a realidade é conhecer o
próprio objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de
mudanças. Nesta perspectiva, o conhecimento da realidade deixa de ser um mero pano de fundo
para o exercício profissional, tornando-se condição do mesmo, do conhecimento do objeto junto ao
qual incide a ação transformadora ou esse trabalho.
Dar conta das particularidades das múltiplas expressões da questão social na história da
sociedade brasileira é explicar os processos sociais que as produzem e reproduzem e como são
experimentadas pelos sujeitos sociais que as vivenciam em suas relações sociais quotidianas. É
nesse campo que se dá o trabalho do Assistente Social, devendo apreender como a questão social
em múltiplas expressões é experienciada pelos sujeitos em suas vidas cotidianas.
Como pensar os instrumentos de trabalho do Assistente Social?
Geralmente, tem-se uma visão dos instrumentos de trabalho como um "arsenal de técnicas":
entrevistas, reuniões, plantão, encaminhamento etc. Mas a questão é mais complexa. Quais são os
meios de trabalho do Assistente Social?
A noção estrita de instrumento como mero conjunto de técnicas se amplia para abranger o
conhecimento como um meio de trabalho, sem o que esse trabalhador especializado não
consegue efetuar sua atividade ou trabalho. As bases teórico-metodológicas são recursos
essenciais que o Assistente Social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a
leitura da realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a moldam. Assim, o
conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe artificialmente à prática profissional, podendo
ser dispensado; mas é um meio pelo qual é possível decifrar a realidade e clarear condução do
trabalho a ser realizado. Nessa perspectiva, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos
11
pelo Assistente Social ao longo do seu processo formativo são parte do acervo de seus meios de
trabalho.
Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, o Serviço Social não se realiza
como tal. Isso significa que o assistente social não detém todos os meios necessários para a
efetivação de seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos necessários ao exercício profissional
autônomo. Depende dos recursos previstos nos programas e projetos da instituição que o requisita e
o contrata, por meio dos quais é exercido o trabalho socializado. Em outros termos, parte dos meios
ou recursos materiais, financeiros e organizacionais necessários ao exercício do trabalho são
fornecidos pelas entidades empregadoras. Portanto, a condição de trabalhador assalariado não só
enquadra o Assistente Social na relação de compra e venda da força de trabalho, mas molda a sua
inserção socioinstitucional na sociedade brasileira.
Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o assistente social
depende, na organização da atividade, do Estado, da empresa, entidades não-governamentais
mobilizam aos usuários o acesso a seus serviços, fornecem os recursos para sua realização,
estabelecem prioridades a serem cumpridas, interferem na definição de papéis e funções impõem o
cotidiano do trabalho institucional. Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do
trabalho do assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual o AS participa.
Importa ressaltar que o assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte
de um trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de
trabalho. Sua inserção na esfera do trabalho é parte de um conjunto de especialidades que sao
acionadas conjuntamente para a realização dos fins das instituições empregadoras, sejam empresas
ou instituições governamentais.
Qual é o 'negócio' do Serviço Social, ou seja, qual o produto do Serviço Social? O que ele tem a
oferecer? O assistente social está aí para quê?
Como todo trabalho resulta em um produto, qual é o produto do trabalho do assistente social?
Não dá para dizer que "não tem" ou "não se sabe", pois se assim fosse esse trabalho especializado
não teria demanda.
Os estudos clássicos, no âmbito da tradição marxista, abordam o trabalho sob dois ângulos
indissociáveis: do ponto de vista do trabalho concreto, isto é, das características materiais
particulares que o tornam um trabalho útil e moldam as formas particulares assumidas pelos
componentes presentes em qualquer processo de trabalho: os meios ou instrumentos, a
matéria-prima e a própria atividade. Aí se acentuam os aspectos qualitativos desse trabalho, o seu
valor de uso. Mas os mesmos elementos podem ser abordados dê um outro ponto de vista, da
quantidade de trabalho socialmente necessário que contêm materializado, independentes da sua
forma material útil que assumem. Aí o destaque são os valores, que se expressam na troca de
mercadorias equivalentes, medidos pelo tempo. Em outras palavras, nesta sociedade tanto os
elementos constitutivos do processo de trabalho como o seu produto não são apenas objetosúteis,
são, também, valores de troca. Vive-se a sociedade da mercantilização universal, em que toda
atividade tende a ingressar no circuito do valor, passível de ser comprado e vendido.
12
E o Serviço Social produz? Como contribui para o processo de produção e/ou redistribuição de
riqueza social, da mais-valia social? O Serviço Social ingressa na esfera do valor? Em caso positivo,
de que forma, por meio de que processos?
Do ponto de vista da qualidade, a análise é menos problemática. Poder-se-ia dizer que o Serviço
Social em uma empresa, produz treinamentos, realiza programas de aposentadoria, viabiliza
benefícios assistenciais e previdenciários, presta serviços de saúde, faz prevenção de acidentes de
trabalho etc. É fundamental que se tenha clareza do que se é capaz de oferecer ou produzir ou, na
linguagem empresarial, qual é o "negócio" do Serviço Social. A análise se complexifica ao se pensar a
outra dimensão, não imediatamente visível: como o Serviço Social contribui no processo de
produção e reprodução da vida social, como participar do processo de produção do valor e da
mais-valia e/ou de sua distribuição social?
Não resta dúvida de que o trabalho do assistente social tem um efeito nas condições materiais e
sociais daqueles cuja sobrevivência depende do trabalho. Em outros termos, tem um efeito no
processo de reprodução da força de trabalho, que é a única mercadoria que ao ser colocada em ação,
ao realizar trabalho, é fonte de valor, ou seja, cria mais valor que ela custou. É ela que está no centro
do segredo da criação da riqueza social na sociedade capitalista. E o Serviço Social interfere na
reprodução da força de trabalho por meio dos serviços sociais previstos em programas, a partir dos
quais se trabalha nas áreas de saúde, educação, condições habitacionais e outras. Assim, o Serviço
Social é socialmente necessário porque ele atua sobre questões que dizem respeito à sobrevivência
social e material dos setores majoritários da população trabalhadora. Viabiliza o acesso não só a
recursos materiais, mas as ações implementadas incidem sobre as condições de sobrevivência
social dessa população. Então, resta dúvida de que o Serviço Social tem um papel no processo de
reprodução material e social da força de trabalho, entendendo o processo de reprodução como o
movimento da produção na sua continuidade.
O Serviço Social tem também um efeito que não é material, mas é socialmente objetivo. Tem uma
objetividade que não é material, mas é social. Por exemplo, quando o assistente social viabiliza o
acesso a um óculos, uma prótese, está fornecendo algo que é material e tem uma utilidade. Mas o
assistente social não trabalha só com coisas materiais. Tem também efeitos na sociedade como um
profissional que incide no campo do conhecimento, dos valores, dos comportamentos, da cultura,
que, por sua vez, têm efeitos reais interferindo na vida dos sujeitos. Os resultados de suas ações
existem e são objetivos, embora nem sempre se corporifiquem como coisas materiais autônomas,
ainda que tenham uma objetividade social (e não material), expressando-se sob a forma de serviços.
Nenhuma sociedade sobrevive apenas à base da coerção, mas para sobreviver tem de criar
consensos de classes, base para construir uma hegemonia na vida social. O assistente social é um
dos profissionais que está nesse "mar de criação de consensos". Por exemplo, uma de suas
requisições clássicas — criar um comportamento produtivo da força de trabalho na empresa — hoje
se atualiza no sentido de criar um consenso em torno dos programas de qualidade total, do alcance
de metas de produtividade, da garantia de padrões de qualidade dos produtos.
De um outro ângulo inteiramente distinto, o assistente social é chamado hoje a atuar no âmbito dos
Conselhos de políticas sociais (saúde, assistência social) e de direitos da criança e do adolescente, de
idosos, de deficientes. Os profissionais estão, também, contribuindo para a criação de formas de
um outro consenso — distinto daquele dominante — ao reforçarem os interesses de segmentos
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majoritários da coletividade. Contribuem nesta direção ao socializarem informações que subsidiem
a formulação/gestão de políticas e o acesso a direitos sociais; ao viabilizarem o uso de recursos legais
em prol dos interesses da sociedade civil organizada; ao interferirem na gestão e avaliação daquelas
políticas, ampliando o acesso a informações a indivíduos sociais para que possam lutar e interferir na
alteração dos rumos vida em sociedade.
Então, o Serviço Social é um trabalho especializado, expresso forma de serviços, que tem produtos:
interfere na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução política ou
ídeo-política dos indivíduos sociais. O assistente social, neste sentido, um intelectual que contribui,
junto com outros protagonistas, na criação de consensos na sociedade. Falar em consenso diz
respeito não apenas à adesão ao instituído: é consenso em torno de interesses de classes
fundamentais, sejam dominantes ou subalternas, contribuindo no reforço da hegemonia vigente ou
criação de uma contra-hegemonia no da vida social.
Porém aí não se esgota a análise do produto do trabalho desenvolvido pelo assistente social. Ao se
pensar esse trabalho em empresas capitalistas, ele tem um efeito na sociedade do vista da produção
de valores ou da riqueza social, ao de um trabalhador coletivo. O assistente social não produz
diretamente riqueza — valor e mais-valia —, mas é um profissional que é parte de um trabalhador
coletivo, fruto de uma combinação de trabalhos especializados na produção, de uma divisão técnica
do trabalho. É este trabalho cooperativo que, no seu conjunto, cria as condições necessárias para
fazer crescer o capital investido naquela empresa. Caso essa especialização do trabalho não tivesse
alguma função a desempenhar no processo de produção, na óptica dos interesses capitalistas, não
seria contratada pelo empresariado.
É diferente, por exemplo, o significado do trabalho do assistente social na órbita do Estado, no
campo da prestação de serviços sociais. Aí não existe criação capitalista de valor e mais-valia, visto
que o Estado não cria riquezas ao atuar no campo das políticas sociais públicas. O Estado recolhe
parte da riqueza social sob a forma de tributos e outras contribuições que formam o fundo público e
redistribui parcela dessa mais-valia social por meio das políticas sociais. Assim, a análise das
características assumidas pelo trabalho do assistente social e de seu produto depende das
características particulares dos processos de trabalho que se inscreve.
Mas os profissionais necessitam ter clareza, consideradas as condições específicas do que produzem
com o seu trabalho junto aos conselhos, na habitação, na saúde etc., para que possam decifrar o que
fazem. Importa deixar claro que viver o Serviço Social não resulta, automaticamente, em dar conta
de suas explicações, da mesma forma que existe uma grande distância entre viver a cotidianidade da
sociedade capitalista e decifrar o que é esse cotidiano.
Essa discussão sobre os processos de trabalho no Serviço Social gera indagações importantes que
ajudam a pensar, a ampliar uma autoconsciência dos profissionais quanto ao seu trabalho. E, mais
do que isso, permite ultrapassar aquela visão isolada da prática do assistente social como atividade
individual do sujeito, ampliando sua apreensão para um conjunto de determinantes que interferem
na configuração social desse trabalho, (dessa prática) e lhe atribuem características particulares.
Parece ser um caminho fértil para o enriquecimento do debate sobre o exercício profissional.
O Serviço Social é uma atividade que, para se realizar no mercado, depende das instituições
empregadoras, nas quais o assistente social dispõe de uma relativa autonomia no exercício do seu
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trabalho. Dela resulta que nem todos os trabalhos desses profissionais são idênticos, o que revela a
importância dos componentesético-políticos no exercício da profissão.
Esforços têm sido empreendidos no sentido de desmistificar o ultrapassar uma visão disciplinadora
e controladora quanto ao valor de uso da força de trabalho desse profissional. Hoje questionam-se
aquelas requisições tradicionais que o tornam um agente público no disciplinamento dos
cidadãos, exercendo tutela ou paternalismo para que as pessoas se enquadrem e se integrem no
circuito instituído.
O Código de Ética do assistente social, a democratização do debate profissional impulsionado por
suas entidades representativas e os resultantes da revisão curricular dos anos 1980 contribuíram
para construir um projeto profissional em uma outra direção social, contraposta à anteriormente
mencionada.
E a nova proposta de diretrizes curriculares para o curso Serviço Social, aprovada pelas unidades de
ensino do país, vem somar-se no desenvolvimento das preocupações apontadas.
Rumos ético-políticos do trabalho profissional
Quais as perspectivas que se abrem, no reverso da crise, ao Serviço Social nesses novos tempos?
O desafio é redescobrir alternativas e possibilidades para o profissional no cenário atual; traçar
horizontes para a formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidárias
com o modo de vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam
pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade. Essa discussão é dos rumos
perseguidos pelo trabalho profissional contemporâneo.
Apontar perspectivas exige um esforço de decifrar o movimento societário, situando o Serviço
Social na dinâmica das relações entre o Estado e a sociedade civil. Uma hipótese de trabalho sobre
o desenvolvimento do Serviço Social nos anos 1980 indica que a profissão teve os olhos mais
voltados para o Estado e menos para a sociedade; mais para as políticas sociais e menos para os
sujeitos com quem trabalha: o modo e condições de vida, a cultura, as condições de vida dos
indivíduos sociais são pouco estudadas e conhecidas.
Esse privilégio atribuído às políticas sociais foi essencial, tendo permitido uma redefinição e
ampliação das bases de reconhecimento da profissão pelos empregadores e usuários dos serviços
prestados. Mas, não raras vezes, redundou em uma secundarização da sociedade civil e hoje se faz
urgente uma aproximação às condições de vida e de trabalho dos usuários dos seus serviços, para
decifrar as suas formas de explicitação cultural, social e política, suas experiências e interesses
expressos não só no campo das organizações coletivas, político-partidárias ou sindicais, mas em suas
lutas por melhorias parciais de vida e no conjunto de suas expressões associativas e culturais que
expressam modo de viver e de pensar, de enfrentar e resistir a essas desigualdades sociais.
Foi afirmado que apreender a questão social é também apreender como os sujeitos a vivenciam.
Ora, desvelar as condições de vida dos indivíduos, grupos e coletividades com as quais se trabalha é
um dos requisitos para que se possa decifrar as diversas formas de luta, orgânicas ou não, que estão
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sendo gestadas e alimentadas, com inventividade, pela população. É condição ainda para se
perceber as aspirações, os núcleos de contestação, a capacidade de imaginação e de invenção da
sociedade aí presentes, que contêm misturados elementos de recusa e afirmação do ordenamento
social vigente. Esta parece ser uma das condições para que o assistente social possa romper com a
relação tutelar e de estranhamento com os sujeitos junto aos quais se trabalha e um caminho fértil
para a formulação de propostas novas de trabalho.
Muitas vezes, o profissional se move pela vontade de estar junto com a população atendida, mas
objetivamente não está próximo de seus interesses como coletividade, sendo, de fato, um estranho
para os indivíduos com que trabalha. O professor José de Souza Martins, estudando o mundo
agrário, tem um livro que chama A chegada do estranho. O estranho, para os produtores familiares,
posseiros e assalariados é o representante do capital dos grandes proprietários de terra, mas,
também, o militar, o jagunço, o cientista social. Enfim, todos aqueles que são alheios ao universo e
interesses sociais daquela população e que contribuem para subjugá-la política ou economicamente.
O assistente social também pode estar sendo um estranho diante dos segmentos das classes
subalternas, contribuindo para que cidadãos se metamorfoseiem em vítimas, exercendo uma ação
de cunho impositivo.
Uma das condições do exercício democrático, como já dizia Gramsci, é captar os reais interesses e
necessidades das classes subalternas, sentir com ela suas paixões para que se possa efetuar crítica
do senso comum e da herança intelectual acumulada — papel da "filosofia da práxis". Segundo
Ernesto Cardenal é este papel do intelectual: "devolver claramente às massas o que recebeu
confusamente". Supõe conhecimento crítico do verso cultural das classes subalternas,
contribuindo para a ultrapassagem de seus elementos opacos, que vedam o descortinar horizontes
coletivos.
O Código de Ética nos indica um rumo ético-político, um horizonte para o exercício profissional. O
desafio é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que
transformem em indicativos abstratos, descolados do processo social. Afirma, como valor ético
central, o compromisso com a parceira inseparável, a liberdade. Implica a autonomia, emancipação
e a plena expansão dos indivíduos sociais, o que tem repercussões efetivas nas formas de realização
do trabalho profissional e nos rumos a ele impressos. QUESTÃO DE PROVA
Assumir a defesa intransigente dos direitos humanos traz, como contrapartida, a recusa a todas as
formas de autoritarismo e arbítrio. Requer uma condução democrática do trabalho do Serviço
Social, reforçando a democracia na vida social. Afirmar o compromisso com a cidadania exige a
defesa dos direitos sociais tanto em sua expressão legal, preservando e ampliando conquistas da
coletividade já legalizadas, quanto em sua realidade efetiva. À medida que os direitos se realizam,
alteram o modo como as relações entre os indivíduos sociais se estruturam, contribuindo na criação
de novas formas de sociabilidade, em que o outro passa a ser reconhecido como sujeito de valores,
de interesses, de demandas legítimas, passíveis de serem negociadas e acordadas. Portanto,
colocar os direitos sociais como foco do trabalho profissional é defendê-los tanto em sua
normatividade legal, quanto traduzi-los praticamente, viabilizando a sua efetivação social. Essa é
uma das frentes de luta que move os assistentes sociais nas microações cotidianas que compõem o
seu trabalho.
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Os princípios constantes no Código de Ética são focos que vão iluminando os caminhos a serem
trilhados, a partir de alguns compromissos fundamentais acordados e assumidos coletivamente pela
categoria. Então ele não pode ser um documento que se "guarda na gaveta": é necessário dar-lhe
vida por meio dos sujeitos que, internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão
tecendo o novo projeto profissional no espaço ocupacional cotidiano.
Essa perspectiva choca-se com o culto do individualismo, a linguagem do mercado e os ecos da
pós-modernidade. O que se busca é construir uma cultura pública democrática, em que a sociedade
tenha um papel questionador, propositivo, por meio do qual se possa partilhar poder e dividir
responsabilidades. O assistente social é tido como o profissional da participação, entendida como
partilhamento de decisões, de poder. Pode impulsionar formas democráticas na gestão de políticas e
programas, socializar informações, alargar os canais que dão voz e poder decisório à sociedade civil,
permitindo ampliar sua possibilidade de ingerência na coisa pública.
Os assistentes sociais ao realizarem suas ações profissionais, seja ao nível das Secretarias de
Governo, dos bairros, das instâncias de organização e mobilizaçãoda população, das organizações
não-governamentais (ONGs), exercem a função de um educador político; um educador
comprometido com uma política democrática ou um educador envolvido com a política dos
"donos do poder". Mas é nesse campo atravessado por feixes de tensões que se trabalha, e nele que
são abertas inúmeras possibilidades ao exercício profissional. QUESTÃO DE PROVA RECENTE DA
COSEAC
Finalmente, um outro aspecto que merece atenção no trabalho assistente social é a relação entre o
público e o privado. O desafio é transformar espaços de trabalho, especialmente estatais, espaços de
fato públicos, alargando as possibilidades de apropriação da coisa pública por parte da coletividade,
o que se choca com a tendência de privatização do Estado persistente na histórica política brasileira.
Como diz Francisco de Oliveira, "uma sociedade em que se tem o máximo de Estado para o mínimo
da coisa pública ou o máximo de aparência de Estado para o máximo de privatização social".
O Estado brasileiro foi historicamente privatizado por coronéis, grupos econômicos com interesses
particularistas, fazendo com que o máximo de Estado tenha convivido com o mínimo da esfera
pública. O assistente social atuando na esfera das políticas sociais, das organizações e movimentos
sociais, pode interferir, no âmbito de sua área de competência, para ampliar a ingerência de
segmentos da sociedade civil em questões que lhes são concernentes, compartilhando propostas e
decisões, contribuindo para romper as "caixas pretas" que guardam em segredo informações que
necessitam ser difundidas à coletividade.
Esse rumo ético-político requer um profissional informado, crítico e competente. Exige romper
tanto com o teoricismo, quanto com o pragmatismo, aprisionados no fazer pelo fazer, em alvos e
interesses imediatos. Demanda competência, mas não a competência autorizada é permitida, a
competência da organização, que dilui o poder como se ele não fosse exercido por ninguém, mas
derivasse das "normas" da instituição, da burocracia. O requisito é, ao inverso, uma competência
crítica capaz de decifrar a gênese dos processos sociais, suas desigualdades e as estratégias de ação
para enfrentá-las. Supõe competência teórica e fidelidade ao movimento da realidade; competência
técnica e ético-política que subordine o "como fazer" ao "o que fazer" e, este, ao "dever ser", sem
perder de vista seu enraizamento no processo social.
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Tal perspectiva reforça a preocupação com a qualidade dos serviços prestados, com o respeito aos
usuários, investindo na melhoria dos programas institucionais, na rede de abrangência dos
serviços públicos, reagindo contra a imposição de crivos de seletividade no acesso aos
atendimentos. Volta-se para a formulação de propostas (ou contra propostas) de políticas
institucionais criativas e viáveis, que alarguem os horizontes indicados, zelando pela eficácia dos
serviços prestados. Enfim, requer uma nova natureza do trabalho profissional, que não recusa as
tarefas socialmente atribuídas a esse profissional, mas lhes atribui um tratamento
teórico-metodológico e ético-político diferenciado.
Dimensionar o novo no trabalho profissional significa captar as inéditas mediações históricas que
moldam os processos sociais e suas expressões nos vários campos em que opera o Serviço Social.
Ao profissional é exigida uma bagagem teórico-metodológica que lhe permita elaborar uma
interpretação crítica do seu contexto de trabalho, um atento acompanhamento conjuntural, que
potencie o seu espaço ocupacional, o estabelecimento de estratégias de ação viáveis, negociando
propostas de trabalho com a população e entidades empregadoras.
Os assistentes sociais, apesar do pouco prestígio social e dos baixos salários, formam uma categoria
que tem ousado sonhar, que tem ousado ter firmeza na luta, que tem ousado resistir aos obstáculos,
porque aposta na história, construindo o futuro, no presente.
OBS: Esta parte do livro quase não é abordada em concursos, mas vale a pena deixar um registro,
uma síntese.
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QUESTÕES DE CONCURSOS ANTERIORES
1-Iamamoto (2006) afirma que, para analisar a profissão como parte das transformações históricas
da sociedade, é necessário, entre outros aspectos, romper com uma visão endógena. Para a autora,
essa perspectiva de análise também exige dos profissionais
A) o reconhecimento da profissão como uma especialização do trabalho da sociedade cuja prioridade
de ação são as demandas institucionais.
B) a compreensão de que o Serviço Social se torna profissão quando impõe uma base
técnico-científica às atividades de ajuda.
C) uma análise do movimento das classes sociais e do Estado nas suas relações com a sociedade.
D) uma visão a-histórica dotada de profundos conhecimentos teórico-metológicos.
2-A rebeldia política presente na formação dos assistentes sociais contradiz a cultura da indiferença,
do medo e da resignação que conduz à naturalização das desigualdades sociais, da violência, de
preconceitos de gênero, raça e etnia. Com base na leitura de Marilda Iamamoto, a categoria
profissional desenvolve uma ação
A) de caráter social na consecução dos objetivos do projeto profissional.
B) pautada por determinantes sociais e humanos.
C) permeada pela ética, pela política e pelas diretrizes curriculares.
D) de cunho socioeducativo na prestação de serviços sociais.
3-O protagonismo e a autonomia profissional dos assistentes sociais são perpassados por tensões e
contradições, dentre as quais podem ser citadas:
I. a tensão entre o projeto ético-político profissional e o estatuto de assalariado;
II. os assistentes sociais dispõem de relativa autonomia resguardada pela legislação profissional e
passível de reclamação judicial;
III. essa autonomia depende da correlação de forças econômica, política e cultural em nível societário
e se expressa, de forma particular, nos distintos espaços ocupacionais; IV. as atividades profissionais
são perpassadas também pelas necessidades sociais dos cidadãos, transformadas em demandas
profissionais.
É verdadeiro o que está contido:
A) somente nas afirmações I e II.
B) somente nas afirmações I e III.
C) somente nas afirmações II e IV.
D) em todas as afirmações.
4-Ao receber as determinações históricas, estruturais e conjunturais da sociedade burguesa e
respondendo a elas, o exercício profissional do assistente social, consiste
A) em dimensões fixas que podem ser consideradas de forma autônoma.
B) em uma totalidade de diversas dimensões que existem e se manifestam de forma independente
uma das outras e não se autoimplicam no exercício profissional.
C) no atendimento de necessidades sociais, como parte do trabalho coletivo, sem reproduzir a
ideologia dominante.
D) em uma totalidade de diversas dimensões que se autoimplicam, se autoexplicam e se determinam
entre si.
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5-De acordo com Iamamoto (2009), todos os desafios profissionais e acadêmicos a seguir são
inerentes ao Serviço Social contemporâneo, exceto:
A) rigor na formação teórico-metodológica para desvelamento das particularidades do capitalismo
financeiro no Brasil e suas implicações no âmbito das políticas públicas e da profissão.
B) articulação com os movimentos dos trabalhadores no campo e na cidade em defesa do trabalho e
dos direitos civis, políticos e sociais.
C) manutenção de atitude crítica na defesa das condições de trabalho e da qualidade dos serviços
prestados.
D) acompanhamento da expansão do ensino superior privado e da graduação à distância no país e
seus desdobramentos para o aumento do mercado de trabalho
6-Todas as opções apresentam considerações de Iamamoto (2009) acerca da competência
profissional de assistentes sociais na contemporaneidade, exceto:
A) a competência técnico-política envolve recusa do messianismo utópico e do fatalismo sob a
perspectiva da direção do fazer.
B) o discurso competente abarca diálogo fértil e rigoroso entre teoria e história com bagagem
cultural para deciframento da realidade.
C) a competência crítica supõe cumprimento de exigências burocráticase administrativas em
denúncia do instituído.
D) a vontade política dos sujeitos tem sua importância para elaboração de estratégias de ação
sintonizadas com o tempo histórico.
7-Sobre o debate do Serviço Social nos últimos decênios, Iamamoto (2009) aponta que
A) o movimento de reconceituação do Serviço Social latino-americano a partir dos anos 1960
superou o lastro conservador de suas origens.
B) ao enfrentamento da influência conservadora do passado profissional, somou-se uma reação
ideológica pós-moderna.
C) o neoconservadorismo revigorou o reconhecimento da sociedade de classes no seio da categoria
profissional.
D) por influência das políticas públicas de orientação neoliberal, a profissão alcança a compreensão
da totalidade da vida social.
8-Conforme análise da literatura do Serviço Social, a questão social é nas suas expressões
compreendida como o objeto de trabalho de Assistentes Sociais. Partindo desse pressuposto, é
correto afirmar que está colocada a necessidade de enfrentamento do profissional a partir de:
A) sua mobilidade institucional para nas “brechologias” utilizar tais oportunidades para o
atendimento dos usuários do serviço social que não apresentam capacidade organizativa para
encaminhar suas reivindicações.
B) sua capacidade intelectiva, sua dimensão investigativa, com particularidades crítica reflexiva e
propositiva nos espaços sócio institucionais, compreendendo-os como locus de tensionamentos,
demonstrando capacidade de negociação de seus projeto de trabalho como uma das formas de criar
uma visibilidade ao exercício profissional.
C) sua potencialidade transformadora junto aos heterogêneos movimentos sociais, lutando por uma
sociedade anticapitalista em conformidade com o Movimento de Reconceituação. D) seu
conhecimento técnico, pois como profissão interventiva, é necessário conhecer a realidade social nas
suas múltiplas contradições e atuar em sintonia com o projeto ético político.
9- Segundo Iamamoto (2001, p. 160), “temos, por um lado, o crescimento da pressão na demanda
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por serviços, cada vez maior, por parte da população usuária mediante o aumento de sua
pauperização. Esta se choca com a já crônica – e agora agravada – falta de verbas e recursos das
instituições prestadoras de serviços sociais públicos, expressão da redução de gastos sociais
recomendada pela política econômica governamental (...)”.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 5. ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
Considerando a crescente restrição da capacidade de atendimento, o assistente social se vê cada vez
mais compelido a exercer a função de um
A)juiz rigoroso da pobreza.
B)defensor de direitos humanos.
C)promotor da igualdade social.
D)árbitro da equidade social.
E)agente revolucionário.
10- O Serviço Social é uma especialização do trabalho da sociedade, inscrita na divisão sociotécnica
do trabalho social, que supõe o primado do trabalho na constituição dos indivíduos sociais
(IAMAMOTO, 2017). Sobre o significado social do Serviço Social no processo de produção e
reprodução das relações sociais e os desafios para profissão na contemporaneidade, de acordo com
Iamamoto(2017), analise as afirmações a seguir:
I- O exercício profissional é necessariamente polarizado pela trama de suas relações e interesses
sociais. Participa tanto dos mecanismos de exploração e dominação quanto, ao mesmo tempo e pela
mesma atividade, dá resposta às necessidades de sobrevivência das classes trabalhadoras e da
reprodução do antagonismo dos interesses sociais.
II- O Serviço Social é uma profissão regulamentada através de estatutos legais e éticos que indicam
uma autonomia teórico-metodológica, técnica e ético-política na condução do exercício profissional.
Contudo, o exercício da profissão é tensionado pela compra e venda da força de trabalho
especializada do assistente social, enquanto trabalhador assalariado, determinante fundamental na
autonomia do profissional, carregando assim essa atividade os constrangimentos do trabalho
alienado.
III- A possibilidade de imprimir uma direção social ao exercício profissional decorre da autonomia de
que dispõe o assistente social, resguardada pela legislação profissional. Essa autonomia é
independente da correlação das forças econômica, política e cultural em nível societário, e se
expressa, de forma particular, nos distintos espaços ocupacionais construídos na relação com sujeitos
sociais.
Está(ão) CORRETO(s):
A)I apenas.
B)I, II e III.
C)I e II apenas.
D)I e III apenas.
E)III apenas.
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11-Assinale a alternativa CORRETA que, conforme Iamamoto (2009), acontece em relação ao
trabalho do assistente social em espaços ocupacionais:
A)É uma atividade não especializada.
B)Inscreve-se somente em espaços ocupacionais de natureza pública.
C)Não existe um processo de trabalho do serviço social.
D)É algo dissociável dos dilemas vividos pelo conjunto dos trabalhadores.
E)Não pode ser concebido como trabalho, mas como uma prática.
12-Para Marilda Iamamoto (1998), “O assistente social é tido como profissional da participação,
entendida como partilhamento de decisões, de poder. Pode impulsionar formas democráticas na
gestão de políticas e programas, socializar informações, alargar os canais que dão voz e poder
decisório à sociedade civil, permitindo ampliar sua possibilidade de ingerência na coisa pública”.
Assim, segundo a autora, o profissional exerce a função de:
A)Assistente social comprometido.
B)Educador político.
C)Bom profissional.
D)Agente do conservadorismo.
E)Militante político.
13-Marilda Iamamoto, ao tecer suas reflexões e análises fundamentadas na teoria marxista, introduz
a concepção do Serviço Social como
A)pertencente à área das Ciências Humanas.
B)profissão liberal.
C)originária do sincretismo ideológico.
D)especialização do trabalho coletivo na sociedade.
E)maturação da intenção de ruptura.
14-Para Iamamoto (1999, p. 88), “A crescente potencialização do trabalho vivo possibilitada pelo
avanço científico e tecnológico, em que a ciência torna-se uma força produtiva por excelência,
patenteia o papel essencial que o trabalho cumpre na reprodução da sociedade contemporânea,
como substância mesma da riqueza.” Para a autora, a afirmação acima referenda:
A)O aumento de demanda do trabalho vivo justificada pela necessidade de mão de obra para
operacionalizar os recursos tecnológicos.
B)O trabalho de muitos se configura como descartável na medida em que reduz a demanda do
trabalho vivo.
C)A diminuição do excedente de força de trabalho, justificando o aumento de empregos de espaços
de intervenção.
D)A melhoria do cotidiano da classe trabalhadora como reflexo dos benefícios advindos do processo
de socialização da tecnologia.
15- Os assistentes sociais têm nas múltiplas expressões das desigualdades condensadas na “questão
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social”, a “matéria” sobre a qual incide o trabalho profissional.
(Iamamoto, 2007.)
A questão social é inerente à sociedade de classes e seus antagonismos; podemos afirmar que a sua
gênese encontra-se em:
A)Caráter individual da produção.
B)Alcançar a esfera financeira e do grande capital produtivo.
C)Caráter coletivo da produção e apropriação coletiva do trabalho.
D)Caráter coletivo da produção e da apropriação privada do trabalho.
E)Caráter coletivo da produção e apropriação coletiva por meio do trabalho assalariado.
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PARTE 2- IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempo de capital fetiche.2ª Ed. São Paulo,
Cortez, 2007.
O texto busca delinear as novas determinações que incidem no capital financeiro no atual contexto
de mundialização da economia, tendo em vista salientar as determinações históricas que
redimensionam a questão social na cena contemporânea e suas particularidades no Brasil.
Traz o debate sobre o tema no universo profissional e estratégias de seu enfrentamento nos quadros
das forças sociais que incidem nas políticas governamentais.
A estruturação

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