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r História Mundial Equi pe de Reali::-arüo do Teatro MARGOT BERTHOLD Sup crvis úa edí tor íul Asxt'H oria ed itoriui Revis ão Tradução j"dic t' Cap a c Proj rto Gráfico PrOl/ll çci" J. Guinshurg Plínio Martins Filh o Ingrid Basílio c Ol ga Cafalcchio M ar-ia Paula V. Z uraw ski. J . G uins hurg , Sé rgio Coe lho c Clovi s Garcia Sand ra M a rth a Dof invky Ad rian a Garcia Ricar do \\'. Neves. Ad rianu Ga rc ia to: Hcd n M ar ia Lo pes ~\\I/~ ~ 1@ EDITORA PERSPECTIVA~I\\~ T ítulo do original cm a le mã o JI'L'II.~cschicl1f(' dcs Thco ters © 1968 hy A lfrcd Kr õne r Verlag iII S tut tgart Dad os lnternac iona is de Cmalogaç âo na Publi cação (C IP) (Câma ra Hrasilcira do Livro, S Il, Bras il) T Sumário R O \ I.-\ __ _ .. _ .. , 139 Int rodução _. . _. . 139 O s Ludi Rornani, o Teatro da Res Publica _. . 140 Comédia Romana 144 Do Tabl ado de Madeira ao Ed ifício Cê nico " 148 O Teatro na Roma Imperial 151 O An titea tro: Pão e Circo. . . 155 A F ábula Atelana [ (,I Mi mo e Panto mima. . . . . . . 162 Mimo Cristológico 167 B Iz..\ NC IO _ _ . _ - . . . . •. 171 Introdução . _. _ __. _. _. - . ... 171 Bcrthol d. Margot História Mundial do Teatro / 1\1argot Berthold: [traduç ão Mar ia Paula V. Zuraws k i, J. Guinsburg. Sérgio Coelh o c C lóvis Garcia ], -- São Paulo: I'crspcctiva, 200 I. Tít ulo or iginal: \\\:Itgcsc.: h ichh: dcs Thcatc rs Bibliografia, ISAN 85·273 -0nX- 4 I. Tea tro - História I. Tit ulo 0 1· 3650 C DD-792.0 'J - - ---- -_._-_. --- índices para catálogo sistemático: I . Teatro mundial; Arte dr amá tica : H istór ia 79".09 I~ edição - I' reimpre ss ão Direitos reser vados em língua portuguesa à EDITORA PERSPECTIVA S.A. Av. llr igode iro Luis A ntô n io , 3025 0140 1-000 - São Paul o - S I' - B rasil Tele rax: ( I I) J 8ôS -83ôS www.cditorapcrspcctiva x om .h r 200 1 SOBRE ESf.\ EDlçAo - J, GlI i I/ S I)[ II~g ... PREFAcIO . o T EATRO PRI ~lI TI \'O . E G ITO E A NTI GO ORIEJ'T E . In trodução - . EgiIO . Mesopotâmia _ . As O \' It.lZAÇÕES I S I. ·\ ~ lICAS _ . Introdução _ - . Pérsia . Turquia . As Ct v II.IZ ·\ Ç() ES [1'- [)o · P ..K iFll·,-\S . Introdução _ . Índia _ _. _ . Indonésia _. _. . _ - . CHINA _ _ _ - ' " Introdu ção - - . Ori gens c os "C cru Jogos" . Os E studantcs do Jardim das Peras O Caminho par a o Drama . Drama do Nort e c Dram a do Sul . A Peça Mu sical do Período Ming A Concep ção Art ística da Ópera de Pequ im . O Teat ro Ch inês Hoje ., . l w Ao _." _ - - - _. Introd ução . [X XI 7 7 8 [6 19 19 20 23 29 29 32 44 53 53 54 58 61 6[ (,6 66 70 75 75 Kagura . Gi gak u . Bu gaku . Saru gaku e Denga ku. Precursores do Nô.. . . . . .. .. ... . . - . . Nô _ . Kyo gen _ - - - . O Teatro de Bonecos . - - . - Kabuki . Shimpu - . - . Sh ingcki _.. _ - - G RÉCI A . l ntro d u ção .. . . . Tragédia . . . . . . . Comé d ia . O Teatro Helen ístico . O M imo . 76 78 78 80 8 1 87 87 90 99 99 103 103 104 118 13() 136 H i s t o rí u M' u n dí a í d o Tea t ro. Teatro sem Dra ma 172 Teatro na Arena . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 O Teatro na Igrej a ln O Teatro na Co rte . . . . . . . . . . . . . . . . 18 I Co mmedia dcllartc e Teat ro Popular 353 O Teat ro Barroco Es pa nhol 367 O s Ate res Ambul antes 374 Sobre esta Edição Do NATURAI.IS~lO AO PI{[' SENTE 451 A EI{A DA CtrJA DA NI A BURGUESA . .. . •.. . 38] í NDIC E 553 Int rodu ção 3RI O Iluminism o 3R2 Cl ass icismo Alemão 413 Romantismo 429 Real ismo 440 e nas ci ên c ia s . Sob es te â ng ulo , M arg ot Berthold realizou um trabalho notável co m sua História Mundial do Teatro, inte grando , de uma man eira que se pod eria dizer primorosa, a busca documental , o regi stro oco rrenc ial e o pod er de síntese esc ritural. Na verdade, est e volume é de um a a bra ngê nc ia surpree ndente que faz um j ogo muito be m equilibrado entre estética e hi stória, indivíduo criador e soc ie- dad e condic ionante e recep cionante, de modo que, com a sua riquíssima iconografia , ela po- derá atender, sobretudo co m respeito aos perío- do s mai s represen tativ os da evolução do tea- tro. às necessida des de info rmação e dis cu s- são de se u leitor. Isto por si pareceu à Ed itora Per spe cti va , q ue já ser ia um fator a recomen- dar plen amente sua publicaç ão em língua por - tuguesa e, apesar d as dificul dad es de sua tra- duçã o e dos cuidados ex igidos por sua edição, o qu e importou em um longo trab alho de nos- sa eq uipe , é co m gra nde prazer que nos é per, mitido dizer : Aqui está uma obra de import ân - cia para a biblioteca teatral brasil eira . 1. Guinsburg Em princípio, uma Históri a do Teat ro pod e ter a amplitude da pesquisa e da redução qu e se u a utor lhe der. Compor um a cr ônic a e um a an ál ise do qu e foi o desen volvim ento da art e dram ática atr avés do tempo, de se us momen- tos mais sign ificati vos e de suas realizações mai s di gn as de perm anência como memóri a de um passad o, ou co mo atualidade de um a fun ção, poderia oc upa r uma biblioteca de Al ex andria o u, co mo oc orre também, um resuminho na Internet. O difícil é re unir nu m só co n junto de algum as centenas de páginas, port anto , ao alcance de qu alquer leit or inte- ressado o u estud ioso do terna um ap anh ado que dê co nta, c rítica e historicament e, deste vasto uni verso de realizaçõe s e criações que se ins- creve no históric o e no sentido do ex istir do homem nest e mund o e de sua tran scendên cia em rela ção às co ndições e os requisito s ma is primários para o seu viver , isto é, o da sua ca - pacidad c de criar objetos inexistentes na natu- reza bruta e elaborar o seu espírito em feições cada vez mais novas, como é o caso do pap el de s uas vári as expressões na c ultur a, na s artes - 54 1 Introdu ção 451 O Naturalismo C énico 452 A Experimentação de Novas Formas 462 O Teat ro Engajad o 494 Sh ow Business na Broadway __. 51 3 O Teat ro Como Experimento 519 O Tea tro cm C rise '} 52 1 O Tea tro e os Meio s de Comunicação de Massa 523 O Tea tro do Diretor _ 529 I3 IBUO( õI{ A I I.-\ A I D.·\IJE Mrrn-, 185 Introdução I R5 Repre sent ações Rel igiosas . . . . . . . . . 186 Autos Profanos 242 A R ENASCENÇA . . . • • . . . • . . . • • . . . . . . . 269 Introdução 269 O Teatro dos Humanistas 270 Os Festivais da Cor te 292 O Drama Escolar 300 As Rcderijkers 304 Os Meistersinger 30R O Teatro Elizabetano 3 [2 O B A RR(X'O 323 Introdu ção 323 Ópera e Singsp iel 324 O Ballet de COI/ r 330 Bastid ores Desli zantes e Maquinaria de Palc o 335 O Teat ro Jesu íta _ 338 França : Tragédi a Clássica e Comédia de Ca rac teres 344 • 1'111 1 ! Prefácio Num a das tradic ionais cenas da Commc- dia dcll 'arte, um bufão aparece em cen a e ten- ta ve nder um a casa, el ogiando- a grandemente , descrevend o-a com brilho e. par a provar seu ponto de vista. apresenta uma única pedra da con strução. Da mesma forma, falar do teatro do mundo é apresentar um a única pedra c esperar que o leitor visualize a estrutura total a partir dela . O sucesso de uma tentati va como essa depende da capacidade de persuadir do bufã o, da força ex- pressiva da pedra e da imagin ação do leitor. Escrever um livr o so bre o teatro do mun- do é uma tarefa ousada. O es forço par a desc o- brir , dent ro do panorama hetcrog ênco , os den o- min adores comuns que carac terizam o fenôme- no do "teatro' a través do s tempos represent a um grande desafio. A estrutura necessariamen - te re strita de um estudo co mo esse impõe seletividade , omissões. co nc isão , col ocando assim fatores subje tivos em jogo . A própria natureza íntima do assunto torn a a objctivida- de difícil. Os problemas surge m tão logo é fei- ta uma tentativa de se ir a lém do que é pur a- mente fatual e apreender os traços que ca rac- terizam uma época. Contudo, é preci samente nesse ponto qu e a fascinação pel o processo ar- tístico do teat ro começ a: o leitor é então co lo- cado face a face co m a ex igê ncia não expressa de pross eguir, por co nta própria. nos assunt os merament e tocados. O mi stério do teatro resid e num a ap aren- te contradição. Co mo um a vela, o teatro co n- so me a si mesm o no próprio at o de criar a luz. Enquanto um quadro ou estátua po ssuem ex is- tên ci a conc re ta uma vez terminado o ato de sua criação . um espe t ácu lo teatral qu e termina desap arece imediatament e no passado . Embora o teatro não sej a um museu. as múltiplas formas co nte mporâneas de teatro cons tituem algo como um /11/1."" ,. inmg inai re: um musce irnag jnai rc ca pa z de se r trans- formado em exp eriência im ediata. Todas as noites o fe rec e m-se ao hom em mod erno dra- m as, e nce naç ões e mét od os de d ire ção que foram de sen vol vidos ao lon go dos séculos. Esses element os são ad ap tad o s ao gos to contemporâneo: são estilizado s. o bje tifica dos. e stilhaçados, retrab alh ado s. D iret ores e ato- res recriam-nos: os aur ores reformulam tema s tradicionais em adaptaçõ es modernas. Deter- minados reformadores quase de stroem o tex- to de ce rtas peças, int roduzindo efeito s ag res- sivos e criando o teatro talai . impro visado. Um esforço bem- suc ed ido e nfeitiça o es pec- tador, cria resistência, provoca discu ssões e faz pen sar. Nenhuma forma teat ral , nenhum antiteatro é tão novo que não tenh a analogia no pa ssado. O teatro como provocador') O teatro em crise') Nenhuma dessas qu est ões o u problemas são es pec ificame nte modern os: tod os surg iram no pas sado. O teatro pul sa de vida e sem pre foi vulnerável às enfermidades da vid a, Mas não há raz ão para se preocu par. o u pa ra previ sões co mo as de Cassandra. Enqua nto o teat ro for comentado, combatido - e as mentes crít icas têm feito isso sempre - , guardará seu signi fi- cado. Um teatro de não-controvérsia poderia ser um museu, um a institu ição repet itiva, com- Híst úria Afull ri i a / d o Tva t ro • pl acente . Mas um teatro que mo vimenta a mente é uma membrana sen sível, prop ensa à febr e , um organismo vivo . E é assim qu e ele deve ser. o Teatro Primitivo • XII o teat ro é tão velho qu ant o a humanida- de . Ex istem formas primitivas desde os pri- mórdi os do homem. A tran sformação numa outra pessoa é um a das formas arquetípicas da ex pressão human a. O raio de ação do teatr o, portanto, inclui a pant omima de caça dos po- vos da idad e do gelo e as ca tego rias dramáti- cas diferenciadas dos tempos modernos . O enc ant o má gico do teatr o. num sentido mais amplo, es t ána ca pacidade inexaurível de apresentar-se aos olhos do públ ico se m reve- lar se u seg redo pessoal. O xamã qu e é o port a- voz do deu s, o dançarino mascarado q ue afas- ta os demón ios. o atol' ljue traz a vid a à obra do poeta - todos obedecem ao mesm o co man- do , que é a conj uração de um a outra realida- de , mai s verdadei ra . Co nvert er essa co nj ur a- ção e m " teatro" pressupõe du as co isa s: a ele - vação do art ista aci ma da s leis que governa m a vida cotidiana, sua transformação no media- dor de um vislumbre mai s alto ; e a presença de esp ectadores pr eparad os par a receber a men sagem de sse vislumbre . Do ponto de vista da evo lução cult ura l, a d iferença ess e ncial entre formas de teatro pri- m itivas e mais avan çadas é o número de aces- sóri o s cénico s à di sposição do ator par a ex - pressar sua men sagem . O arti sta de c ulturas pr imi tivas e pr imevas arr anja- se co m um cho - ca lho de ca haça e uma pele de anima l; a ópe ra barroca mohili za toda a parafern ál ia c énica de sua época. lon esco des ordena o palc o co m ca- deiras e faz uma proclamação surda-m uda da tri ste nulidade da incapacidade humana . O sé- culo XX pratica a art e da redução. Qu alquer coisa além de um a ges tualização desampa rada ou um ponto de luz tende a parecer excessiva . O s espet ácul os so lo do mími co M arcel Marceau são um exemplo soberbo do teatr o atem poral. Fornece m-nos vislumb res de pes- soa s de todos os tempo s e lugares, da dan ça e do drama de cu lturas antigas, da pant omima das culturas altame nte desen vol vid as da Ás ia, da m ímica da An tig üi dade , d a Com media del l'arte , Num trabalho intitulado "Juventu- de, Maturidad e . Velh ice , Mort e" , alguns pou- cos minutos é tudo de qu e Marceau necessita par a um retr ato em ali a ve loc idade da vida do hom em , e nele atinge um a inten sidade ava s- sa ladora de expres siv ida de dram ática ele me n- tar. Co mo o pr óprio M ar cel diz, a pant omima é a "arte de identificar o hom em co m a nature- za e co m os e lementos próximos de nós" . Ele continua, not ando que a mími ca pode "criar a ilusão do tempo" , O c0 11'0do ator torn a-se um instrument o qu e subs titui uma orq ues tra intei- ra, um a mod alid ade pa ra expres sar a mai s pes- soa l e, ao me sm o tempo , a mai s universal men - sag em . O artista qu e necessita apen as de seu cor- po para evocar mundos intei ros e percorre a escala co mpleta das emoções é represent at ivo da arte de expres são pr imitiva do teatro . O pré- hi st órico e o mod ern o ma nifes tam-se e m sua pessoa . Di scut indo o teatro das tribos primiti- vas em seu livro Cen ulora, Oskar EberI e diz: o teatro primitivo real é arte incorporada na forma humana C' abrangendo todas as possibilidades do corpo informado pelo espírito: ele é. simultaneamente. a mais primitiva e a mais multiforme, e de qualquer maneira a mais velha arte da humanidade. Por essa razão é ainda a mais humana, a mais comovente arte. Arte imortal. Podemos aprender sobre o teatro primitivo pesquisando três fontes: astribos aborígines, que têm pouco contato com o resto do mundo e cujo estilo de vida e pantomimas mágicas devem por- tanto ser próximos daquilo que nós presumimos ser o estágio primordial da humanidade; as pin- turas das cavernas pré-históricas e entalhes, em rochas e ossos; e a inesgotável riqueza de dan- ças rrúmicas e costumes populares que sobrevi- veram pelo mundo afora. O teatro dos povos primitivos assenta-se no amplo alicerce dos impulsos vitais, primá- rios, retirando deles seus misteriosos poderes de magia, conjuração, metamorfose ~ dos en- cantamentos de caça dos nômades da Idade da Pedra, das danças de fertilidade e colheita dos primeiros lavradores dos campos, dos ritos de iniciação, totemismo e xamanismo e dos vários cultos divinos. A forma e o conteúdo da expressão tea- tral são condicionados pelas necessidades da vida e pelas concepções religiosas. Dessas con- cepções um indivíduo extrai as forças elemen- tares que transformam o homem em um meio capaz de transcender-se e a seus semelhantes. O homem personificou os poderes da na- tureza. Transformou o Sol e a Lua, o vento e o mar em criaturas vivas que brigam, disputam e lutam entre si e que podem ser influenciadas a favorecer o homem por meio de sacrifícios, orações, cerimônias e danças. Não somente os festivais de Dioniso da antiga Atenas, mas a Pré-história, a história da • 2 Híssórí a Mundial do Teatro. religião, a etnologia c o folclore oferecem um material abundante sobre danças rituais e fes- tivais das mais diversas formas que carregam em si as sementes do teatro. Mas o dcsenvol- vimento e a harmonização do drama c do tea- tro demandam forças criativas que fomentem seu crescimento; é também necessária uma auto-afirmação urbana por parte do indivíduo, junto a uma superestrutura metafísica. Sem- pre que essas condições foram preenchidas seguiu-se um florescimento do teatro. Quanto ao teatro primitivo, o reverso do seu desen- volvimento implica que a satisfação do vis- lumbre superior, em cada estágio, era conquis- tada às custas de alguma parte de sua força original. É fascinante traçar esse desenvolvimento pelas várias regiões do mundo c ver como, quando e sob que auspícios ele se deu. Há cla- ra evidência de que o processo sempre seguiu o mesmo curso. Hoje está completo em quase toda parte, c os resultados são contraditórios. Nas poucas áreas intocadas. onde as tribos aborígines têm ainda de levar a cabo o proces- so, a civilização moderna provoca saltos er- ráticos, mais do que um desenvolvimento equi- librado. Para o historiador de teatro, um estudo das formas pré-históricas revela paralelos sinó- tieos que o seduzem a traçar o desenvolvimento da humanidade mediante o fenômeno do "tea- tro". Conquanto nenhuma outra forma de arte possa fazer essa reivindicação com mais pro- priedade, é também verdade que nenhuma outra forma de arte é tão vulnerável à contes- tação dessa reivindicação. A forma de arte começa com a epifania do deus e, cm termos puramente utilitários, com o esforço humano para angariar o favore- cimento e a ajuda do deus. Os ritos de fertili- dade que hoje são comuns entre os índios Cherokees quando semeiam e colhem seu mi- lho têm seu contraponto nas festividades da corte japonesa, mímica c musicalmente mais sofisticadas, em honra do arroz: assemelham- se também ao antigo festival da espiga de tri- 1 Pintura na rocha na área de Cogul. sul de Lérida, Espanha: cena de dança ritual. Período Paleolítico, se gundo H. Brcuil. • O Teatro Prí mt t ivo 2. Pintura de caverna no sul da l-rança: o "Feiticei- ro" de Troi s Frõrcs. Período Paleolítico. segundo H. Breuil. go dourada, celebrado anualmente em Elêusis pelas mulheres da Grécia. Os mistérios de Elêusis são um caso limi- te significativo. São a expressão de urna fase final altamente desenvolvida, que, embora po- tencialmente teatral, não leva ao teatro. Corno os ritos secretos de iniciação masculinos, eles carecem do segundo componente do teatro - os espectadores. O drama da Antigüidade nas- ceria da ampla arena do Teatro de Dioniso em Atenas, totalmente it vista dos cidadãos reuni- dos, não no crepúsculo místico do santuário de Deméter em Elêusis. O teatro primitivo utilizava acessórios exteriores, exatamente como seu sucessor al- tamente desenvolvido o faz. Máscaras e figu- rinos, acessórios de conrra-regragern. cenários e orquestras eram comuns, embora na mais simples forma concebível. Os caçadores da Idade do Gelo que se reuniam na caverna de Montespan em torno de urna figura estática de um urso estavam eles próprios mascarados como ursos. Em um ritual alegórico-mágico, matavam a imagem do urso para assegurar seu sucesso na caçada. A dança do urso da Idade da Pedra nas cavernas rochosas da França, em Montespan ou Lascaux, tem seu paralelo nas festas do tro- féu do urso da tribo Ainu do Japão pré-históri- co. Em nossa própria época, é encontrado en- tre algumas tribos indígenas da J:mérica do Norte e também nas florestas da Africa e da Austrália, por exemplo, nas danças do búfalo dos índios Mandan, nas danças corroborce aus- tralianas e nos rituais pantomímicos do can- guru, do emu ou da foca de várias tribos nati- vas. Em cada nova versão e variadas roupagens mitológicas, o primitivo ritual de caça sobrevi- ve na Europa Central; nas danças guerreiras ri- tuais gennãnicas, na dança da luta de Odin com o lobo Fenris (como aparece na insígnia de Torslunda do século VI), e em todas as personi- ficações da "caçada selvagem" da baixa Idade Média, indo desde o niesnie Hcllequin francês ao Arlecchino da Commedia dcll 'arte. Existe uma estreita correlação entre a má- gica que antecede a caçada ~ onde a presa é simbolicamente morta - ou o subseqüente rito de expiação e as práticas dos xamãs. Medita- ção, drogas, dança, música e ruídos ensurde- cedores causam o estado de transe no qual o xamã estabelece um diálogo com deuses e de- mônios. Seu contato visionário com o outro mundo lhe confere poder "mágico" para cu- rar doenças, fazer chover, destruir o inimigo e fazer nascer o amor. Essa convicção do xamã, de que ele pode fazer com que os espí- ritos venham em seu auxílio induzem-no a jogar com eles. Além do transe. o xamã utiliza-se de todo tipo de meios de representação artísticos: ele é freqücnlclIlente muito mais um artista, e deve ter sido ainda mais em tem- pos ancestrais (Andreas Lommel). As raízes do xamanismo como uma "técnica" psicológica particular das culturas caçadoras podem ser remontadas ao período Magdaleniano no sul da França, ou seja, apro- ximadamente entre 15.000 e 800 a.c., e por- tanto aos exemplos de pantomimas de magia de caça retratadas nas pinturas em cavernas. Concebido e representado em termos zoomórficos, o panteão de espíritos das civili- zações da caça sobrevive na máscara: naquela do "espírito mensageiro" em forma de animal, no toternismo e nas máscaras de demônios-bes- tas dos povos da Ásia Central e Setentrional, e • 3 das tribos da Indonésia, Micronésia e Polinésia, dos Lapps e dos índios norte-americanos. Aquele que usa a máscara perde a identi- dade. Ele está preso - literalmente "possuído" - pelo espírito daquilo que personifica, e os espectadores participam dessa transfiguração. O dançarino javanês do Djaram-képang, que usa a máscara de um cavalo e pula de forma grotesca, cavalgando uma vara de bambu, é alimentado com palha. Aromas inebriantes e ritmos estimulan- tes reforçam os efeitos do teatro primitivo, uma arte em que tanto aquele que atua como os espectadores escapam de dentro de si mesmos. Oskar Eberle escreve: "O teatro primitivo é uma grande ópera". Uma grande ópera ao ar livre, deveríamos acrescentar, que em muitos casos é intensificada pela cena noturna irreal, na qual a luz das fogueiras bruxuleia nos ros- tos dos "dernônios" dançarinos. O palco do teatro primitivo é uma área aberta de terra batida. Seus equipamentos de palco podem in- cluir um totem fixo no centro, um feixe de lan- ças espetadas no chão, um animal abatido, um monte de trigo, milho, arroz ou cana-de-açúcar. Da mesma forma, as nove mulheres da pintura rupestre paleolítica de Cogul dançam em torno da figura de um homem; ou o povo de Israel dançava em torno de bezerro de ouro; ou os índios mexicanos faziam sacrifícios, jo- gos e dançavam, invocando seus deuses: ou, atualmente, os dançarinos totêrnicos australia- nos se reúnem quando o espírito ancestral faz sentir sua presença (quando soam os mugidos do touro). Assim, também, vestígios do teatro primitivo sobrevivem nos costumes populares, na dança em volta do mastro de maio ou da fogueira de São João. É assim que o teatro oci- dental começou, nas danças do templo de Dioniso aos pés da Acrópole. Além da dança coral e do teatro de arena, o teatro primitivo também fez Uso de procis- sões para suas celebrações rituais de magia. As visitas dos deuses egípcios envolviam cor- tejos - os sacerdotes que realizavam o sacrifí- cio guiavam procissões que incluíam cantores, bailarinas e músicos; a estátua de Osírisera trans- portada a Abidos numa barca. Os xiitas persas começavam a representação da paixão de Hussein com procissões de exorcismo. Todos os anos, em março , os índios Hopi da América do • 4 Hí s t á ri ct M'u n d iu l d o Teatro. Norte realizam sua dança da Grande Serpente numa procissão cuidadosamente organizada de acordo com modelo determinado. Com troncos e galhos constroem seis ou sete salões cerimo- niais (kivass para as fases distintas da dança. Exis- te até mesmo um "diretor de iluminação", que apaga a pilha de lenha ardente cm cada kiva tão logo a procissão de dançarinos passa. Diversas cerimônias místicas e magicas estão envolvidas nos ritos de iniciação de mui- tos povos primitivos, nos costumes que "ro- deiam" a entrada da criança no convívio dos adultos. Máscaras ancestrais são usadas numa peça com mímica. Em sua primeira participa- ção no cerimonial, o neófito aprende o signifi- cado das máscaras, dos costumes, dos textos rituais e dos instrumentos musicais. Contam- lhe que negligenciar o mais ínfimo detalhe pode trazer incalculáveis desgraças à tribo in- teira. Na ilha de Gaua, nas Novas Hébridas, os anciãos assistem criticamente à primeira dan- ça dos jovens iniciados. Se um deles comete um erro, é punido com uma flechada. Por outro lado, em todos os lugares e épo- cas o teatro incorporou tanto a bufonaria gro- tesca quanto a severidade ritual. Podemos en- contrar elementos farsescos nas formas mais primitivas. Danças e pantomimas de animais possuem urna tendência a priori para o gro- tesco. No momento em que o nó do culto afrou- xa, o instinto da mímica passa a provocar o riso. Situações e material são tirados da vida cotidiana. Quando o buscador de mel na peça homônima das Filipinas se mete nos mais va- riados infortúnios, é recompensado com gar- galhadas tão persistentes quanto o são, tam- bém, os atores da pantomima parodística "O Encontro com o Homem Branco", no bosque australiano. O nativo pinta seu rosto de ocre brilhante, põe um chapéu de palha amarelo, enrola juncos ao redor das pernas - e a ima- gem do colono branco, calçado com polainas, está completa. O traje dá a chave para a im- provisação - uma remota, mas talvez nem tan- to, pré-figuração da Commcdiu deli 'arte. À medida que as sociedades tribais torna- vam-se cada vez mais organizadas, uma espé- cie de atuação profissional desenvolveu-se entre várias sociedades primitivas. Entre os Areoi da Polinésia c os nativos da Nova Pomerânia, existiam troupes itinerantes que 3. Pintura na parede de um túmulo tebano: jovens musicistas com charamela dupla. alaúde longo e harpa. Da época de Amenhotep II, c. 1430 a.c. 4. Dançarino - "pássaro" maia. com chocalho e estandarte. Pintura na parede do templo de Bonarnpak. México, c. 800 d.e. Egito e Antigo Orienteviajavam de aldeia em aldeia e de ilha em ilha. O teatro, enquanto compensação para a rotin a da vida , pode ser encontrado onde quer que as pessoas se reúnam na esperança da magia que as tran sport ará para uma realidade mais eleva - da. Isso é verdade independentemente de a ma- gia aco ntec er num pedaço de terr a nua, numa cabana de bambu , numa plataform a ou num modern o palácio rnultimídia de con creto e vi- dro . É verdade, mesmo se o efeit o final for de uma desilusão brutal. A máscara mais altiva e a mais impressio- nante pompa não podem salvar o Imp erador Jones, de O'Neill , do pesadelo da autodestrui- ção . Os antigos poderes xarnânicos es magam- no num a lúgebr e noite de luar ao som de tam- bores africanos. Nesta peça expressioni sta, O 'Neill exa lta os "pequenos medos sem forma", transform and o-os no ameaçador frenesi do cu- randeiro do Congo, cujo chocalho de osso s mar- ca o tempo para o ribombar selvagem do s tam- bores. Um eco estridente de ritos primitivos de . (; H i st ó r ia M und ía l d o T eu t ru • sacrifício ronda o palco do século XX . Como se aflorasse do tron co da árvore, o curande iro, de acordo com as instru ções de O ' Ne ill, bate os pés e inicia uma ca nção monótona. Gradual men te sua da nça S~ transforma numa nar- rativa de pantomi ma. sua cançã o é um encantamen to . um a fórmula mágica pa ra apazi guar a fúria de alguma d ivin- dade que exige sacr ifício . Ele escapa. est á possuído pn r dem ônios, ele S ~ esconde... salta para a ma rgem do rio . Ele estira os braços e chama por algum Deus dentro ele sua profundeza . Então. co meç a a recuar vagarosamente, co m os braços ai nda para [ 0 1";1. A cabeça eno rme de um crocod ilo aparece na margem . e seus o lhos verd es c bri- lhantes fixam-se so bre Jorres. Numa montagem de 1933, o ce nógrafo america no lo Mi el zin er utili zou uma enorme cabeç a de Olmeca par a o primitivo alta r de pedra requerido pelo texto. Figurinos africa- nos, caribenhos e pré-colombian os combi- nam-se num pesadelo do passado, O teatro primitivo ressurge e age sobr e nossos medos existenciais modernos. INTRODUÇÃO A história do Egito e do Antigo Oriente Próximo nos proporcion a o registro dos povos que , nos três mil êni os anteriores a Cristo, lan- ça ram as bases da civilização ocide ntal. Eram povos atuante s nas regiões qu e iam desde o rio Nilo aos rios Tigre e Eufra tes e ao planalto irani ano , desde o B ósforo at éo Go lfo Pérsi co . Nes ta criativa época da human idade, o Egito instituiu as artes pl ásticas, a Mesopot âmia, a ciência e Israel, um a religi ão mundial. A leste e a oes te do mar Vermelho, o rei- deu s do Egito era o único e todo-poderoso le- gislador, a mais a lta autoridade e j uiz na terr a. A ele rendiam-se hom en agens em múltiplas formas de música , dança e di álogo dramático . Nas ce lebrações dos festi vai s, em glorificação à vida neste mundo ou no além -mundo. era e le a figura centra l. e não se economizava pom- pa no que concernia à sua pessoa. Esta era a posição dos dinastas do Eg ito. dos grandes le- g isladores sumér ios , dos imperadore s do s acádios, dos reis-deuses de UI', dos governantes do império hitit a e tamb ém dos rei s da Síria e da Palestina. No Egito e por todo o anti go Oriente Pró- ximo, a religi ão e mist érios, lodo pensamento e ação eram determinados pela realeza, o úni- co princípio orde nador. Alex andre, sabiamen- te respeitoso. submeteu-se a e la em seu triun- fant e progresso. Visitou o t úm ulo de Ciro e lhe prestou homenagem , da mesm a forma que o própri o C iro havia prestado homenagen s nas tumbas dos grandes reis da Babilônia . D ura nte muitos séculos, as fontes das qu ai s emergi u a imagem do antigo Ori ent e Próxim o estivera m limitadas a algun s poucos document os: o Antigo Testamento, que fala da sabedor ia e da vida luxuosa do Egito , e das narrativas de a lguns escritor es da Antigüida- de, que culpavam uns aos outros por sua "orien- tação notavelm ente pobre" . Me smo Her ódoto, o "pai da h istória" , que visito u o Eg ito e a Mesopot âmia no séc ulo V a.C; é fre q üente- mente vago . Seu silê nc io sobre os "j ard ins suspe nsos de Sem írumis" d iminui o nosso co - nhecimento de uma das Se te M aravilhas do mundo, e o fato de o pavilhã o do fes tiva l do An o Novo de Nabucodo nosor perm anecer des- conhec ido para ele priva os pesqui sad ores do teat ro de va liosas chaves. Nesse meio tempo, arqueólogos escava- ram as ruína s de vastos paláci os, de ed ifícios e ncrustado s de mosaicos para o festival do Ano Novo, e até mesmo cidades inteiras. Histori a- dores da lei e da religião decifraram o enge- nhoso código das tabuinhas cuneiformes, que também proporcionaram algumas indicações sobre os csperáculos teatrais de anti gam ente . S ab em os do ritual mágico -míti co do "ca sa me nto sagrado" dos mc sopot ãrni os e te- mos frag mentos descobertos das disp uta s di- vi nas dos sumé rins: so rna s agora ca pazes de recon strui r a o rige m do di álogo na dan ça eg ípci a de Halor c a orga n ização da pai xão de Osír is em Abid os. Sa be mo s que o mimo e a farsa, tamb ém, tinham seu lugar reserva- do. Havia o anão do faraó, que lançava seus trocadilh os diant e do trono e também reprc- sentava o deu s/gnom o Bes nas ce rimônias reli giosas. Havia os ate res mascarados que divertiam as cort es principescas do Ori ente Próximo antigo, parodiando os generais ini- migos e, mais tard e, na época do crepúsculo dos deu ses, zomb avam até mesmo dos seres sobrenaturais. Ao lado dos textos que sobrevivem, as artes plásticas nos fornece m algumas evidên- cias - que devem, entretanto , ser interpretadas com cuidado - a respeito das origens do tea- tro. As "másca ras" orna mentais do palácio pátr io em Hatra, as máscara s grotescas nas casas dos colonos fen ícios em Tharr os ou as representações das cabeças dos inimigos der- rotados, pendend o de broches dourados e com relevos de pedra - tudo isso dá testemunho de concepções intimamen te relaci onadas: o po- der primitivo da máscara continua a exercer seu efeito mesmo quand o ela se torna deco ra- tiva. Os motivos das máscaras antigas - a des- peito de algumas interpretações contraditórias - não impedem, fundame ntalmente, especu- lações a respeito de conexões teatrais, mas mais necessariamente per manecem como suposi- ções no enigmático panor ama do terceiro mi- lênio a.C. H ísr ór í a Mn n d ía l do Teat ro· o solo pobre e castigado pelo sol do Egi- to e do Oriente Próximo, irrigado errati camente por seu s rios, assistiu à asce nsão e à queda de muit as civilizações, Conheceu o poder dos faraós e testemunhou as invocaç ões do culto de M arduk e Mitra. Tremeu sob a marcha pe- sada dos arqueiros assírios cm suas procissões cerimoniais e sob os pés dos guerreiros mace- dóni os. Viu a prince sa aq uernênida Roxana, adornada co m os traje s nup ciai s e escoltada por trinta jovens dançar inas, ao lado de Ale- . xa ndre, e ouviu os tamb ores, flautas e sinos dos mú sicos partas e sassânidas, Suportou os mastr os de madeira que prendi am as cordas par a os acrobatas e dançarinos, e silencio u so- bre as artes praticadas pela hetera quando o rei a co nvocava para dançar em seus aposen- tos íntimos. EGI T O Na história da human idade , nad a deu ori- ge m a monumentos mais duradouros do que a dem on stração da transitoriedade do homem - o culto aos mortos. Ele está manifestado tanto nos túmulos pré-históricos como nas pirâmi- des e câmaras mortuárias do Egit o. Os músi- cos e dançar inas, banquetes e procissões e as ofere ndas sacrificiais retratados nos murais dos tem plos dedicado s aos mortos testemunham a I. Dança dramática de Hathor. Pintura 11;1 tu mba de Intef. cm Te bas. Terceiro mit ênio a.C . 8 2. Estandarte-mosaico cm UI': banqu ete da vitória com cantores e harpistas, provavelmente uma sequ ência de cenas das "Núpcias Sagradas" , Figuras de conchas c fragmento s de calcário, cm fundo de lapis-l uzúli. c. 2700 a.C. (Londres. British Museum). 3. Másca ras no palácio de Hatra, na plan ície da Me- sopotâmia setentrional. Hatra fo i fundada pelos panas, cujo último rei. Art abano. o Ars ácida, foi derrotado cm 12 6 d.e . pe lo sass ânidu Anaxcrxcs. • I:'X ; IO " Anr i g o t rr i vn t c 6. Dança cxt ática acro bática. Pintura no túmulo de Ankhr uah or, em Sakkara. Terceiro rnilênio a.C . ~ . Relevo em calcário da tumba de Patenemhab: cena com um sacerdot e oferecendo sacrifício. um harpista cego . um tocador de alaúde e dois flautistas. L 1350 a.C. (Lciden, Rijksmuseum). 5. Jovens musicistas c dançarinas. Pintura cm pared e de Shckh abd el Kurna, Tebas. 1W Dinastia. c. 1400 a.C. (Lo n- dres, Briti sh Museum). preocupação dos eg ípcios co m um além- mun- do onde nenhu m praze r terren o poder ia faltar. Ao poderoso ped ido aos deu ses, expresso nas ima gens pintadas e es culp idas, adiciona- va- se a magia da palavra: invocações a Rá, o deu s do paraíso, o u a Osíris , o se nho r dos mort os, suplicando para qu e aqu ele que parti a fosse receb ido em seus reinos e que os deuses o elevassem como seu se melha nte . A form a dialogada dessas inscrições se- pulcrais, os assim cha mados text os das pirâ- mides, deu origem a exc itantes especulações . Permitiriam-nos OS hieróglifos de ci nco mil anos , co m seus fasc inantes pictograma s, fazer infe rências a respeito do estad o do teatro no Egito antigo? A que stão foi respondida afir- ma tivamente desde q ue o bril han te egi pto lo- gi sta Gaston Musper o . e m IXl::2 , chamou a atenção para o ca ráter "dranuirico" dos textos das pirâmid es. Parece ce rto q ue as rec itações nas cerimônias de coroação e j ubil eus (Heb se ds ) eram ex press as em form a dram ática . Mesmo a apresenta ção da deu sa Ísis, pronun- ciando uma fórmula mágica para pro teger seu filhinho H órus dos efe itos fala is da picada de um esco rpião. parece ter sido dr amaticamente co nce bida . Um encantament o de ca ráter di ferente foi decifrado na es teja de Metternich (as sim cha- mada por encontrar-se preser vad a no Cas telo de Metterni ch na Boêmia). É um enca ntamen- to popular simples, co rno os qu e as mães egíp - cias pronunciam até hoje quando seus filho s são picados pelo escorpião : "Veneno de Tefen, qu e se derrame no chão, que não avance para dentro dest e corpo...', Achados como esse e insc rições de cantos funerai s e rec ita ções não nos dão chaves para as art es teatrais do Egito, mas, ao con trário , levam a a lguma co nfusão . A mistura entre a ap resen taçã o na prime i- ra pessoa e a forma invocat iva em tra duções antigas sugeriram, enganosa mente , um suposto "d iálogo" , de form a nenhuma e ndossado pe- las pesquisas mais recentes. A lé m d isso, às ofe re ndas sacerdotais e aos apelos aos deu ses nas c âma ras mortu árias falta o co mponen te de- c is ivo do teatro : seu indispens ável parceiro cr iativo, o p úblico. Ele exis te nas dança s dram áticas ce rimo - niai s, nas lamentações e choros pantom ímieos, e nas apresentações dos mistérios de Os íris em Ab ido s, que são rerniniscentes da peça de pai- xão . Todos os anos , dezenas de milh ar es de peregrin os viajava m a Abidos, para pa rt icipar dos grandes festivais rel igio sos. Aqu i ac redi- tuva- se est ar ente rrada a cabeça de O sír is ; Abid os era a Meca dos egípcios. No mis tério do de us qu e se tornou homem - sobre a e ntra- da da emoção humana no rein o do sobre natu- ra l, ou a descid a do deus às reg iões de so fri- ment o terreno - exi ste o contl ito dr am át ico e, assi m, a ra iz do teatro. Osíris é o mais humano de tod os os deu ses no panteão egípcio. A lenda final mente trans- formou o deu s da fertilidade num ser de ca rne e osso. Co mo o Cristo dos mistéri os medi evais, Osíris sofre traição e morte - um destino huma- no . Depo is de terminado II seu mart írio. as lá- gr imas e lament os dos prantead ores são sua ju stificativa di ante dos deuses. O síris ress usci- ta e se toma II governador do reino dos monos. Os es t ágios do des tino de Osíris co nxri- ruem as estações do grande mist ério de Ahidos . Os sacerdo tes organizavam a pe~'a e atuavam nela. O clero percebia quão vast as possibilida- des de sugestão das massas o mist ério oferecia. Testemunho de sua perspicácia é o fato de que, mesmo com toda e cada vez mai or popularida- de do culto a Osfris, com os cresce ntes recursos das fund aç ões princ ipescas e com a riqueza de suas tumbas e capelas. contin uavam a levar em co nta o hom em do povo. Qu alquer um q ue 0 /1 7. Rele vo em calcário de Sakkera: à esque rda, joven s dançando e toc ando música; à direita, homen s cam inhando com braços erguidos, 19' Oinaslia. c. 1300 a.c. (Cairo, !'>tusell). 8. Ostracon (fragmentos de ce râmica) com cena de UI11<..t proci ssão eg ípcia: a barca de Amon. carreg ada por sacerdotes, c. 1200 a.C.';encontrada em Der cl -Mcdfnc (Berlim, Staatlichc M us cen) . I i I I • E g i rn e An ti go Üri e n t c deixasse uma pedra ou estela memori al em Abid os poderia est ar seguro das bênçãos de Osíris e de que, após a morte, participaria , "trans- figurado", das cerimônias sagradas e dos ritos no templ o, co m sua família, exatamente co mo havia feito em vida . Existe uma esteta de ped ra, do oficial da corte Ikhern ofret , que viveu durante o reinado de Sesóstris III , na época da décima segunda dinastia . A estela traz gravadas as tarefas de seu do na tário, Ikh ern ofret , co nce rne ntes ao templ o em Abidos. A parte superior da ped ra comemorativa fal a da obra de restauração e reform a do templo, levada a cabo por Ikherno- fret ; a parte de bai xo (linha s 17-23) referem- se à ce leb ração dos mistérios de Osíris. Não é possível saber, a partir da inscrição , se as fases distintas do mistério, retratando a vida, a mor- te e a ressureição do deus, eram ence nadas em suces são imediata, a interval os de dia s, ou até mesmo de semanas. Heinrich Schãfer, o pri - mei ro a interpre tar os hieróglifos da pe dra , conjectu rou que os mistérios de Osíris "s e es- tendi am dura nte uma parte do ano reli gio so, como os nossos próprios festivais, indo desde o período do Adve nto até o Pe nteco stes, co ns- tituindo um gra nde drama " . A pedra, entre tanto, esclarece as princi - pai s ca racter ísticas dos mistérios de Osíris na époc a do Médio Império (2000- 1700 a.C .). O relato co meça com as pa lavras: "E u organi zei a pa rtida de Wepwawet quando ele fo i resga- tar seu pai" . Parec e claro, portanto , que o deu s Wepwawet , na forma de um chaca l, ab ria as cer imônias. Imedi atam ente após a figura de Wepwawe t "aparecia o deus Os íris, em tod a a sua majesta de, e cm seguida a e le, os nove deu ses de se u séquito. Wepwawet ia na fren - te, cla reando o caminho para ele..." . Em triun - fo , Osí ris navega em seu navio, a barca de Neschm et, acompanhad o dos parti cipantes das ce rimô nias dos mistérios. São os seus co mpa- nhei ros de ar mas em sua luta co ntra seu ini- migo Set . Se devemos co nceber o navio de O síris como harca ca rr ega da por terr a, então presu- mivelm ent e os guerreiros marchavam ao lon - go dela. Se a jornada era represent ada num barco real sobre o Nilo, um núm ero de pes- soas privilegiadas subiriam a bordo para "lu- tar" ao lado de Os íris. lkhernofret , alto oficia l do governo e favorito do rei, sem dúvida esta- va entre esses privilegiados, porque lemos em sua inscrição: "Repudiei aque les que se rebe- laram co ntra a barca Ne schme t e combati os inimigos de Os íris". Após est e prelúdio, seg uia-se a "grande partida" do deus, terminando com sua morte. A cena da morte provavelm ente não acontecia às vistas do públi co comum, co mo a crucifix ão no Gólgo ta, mas em segredo. Porém, tod os os part icipante s uniam-se em alta voz às lamen- rações da esposa de Osíris, Ísis. Heródoto con- ta, a respeito da cerimônia de Osíris em Busíris, que "muitas deze nas de milh ares de pessoas erguiam suas voze s em lamentos" ; em Abid os, deveria haver muit as mais. Na cena seguinte, II deu s Tot chega num navio para buscar o cadáve r. Então são feitos os preparativos para o enterro . Morto, Osíris é en- terrado em Peker, a pou co mais de um quilô- metro de distânci a do templ o de Osíris, contra o pano de fun do da larga planície em forma de crescente de Abidos. Numa grande batalha , os inimigos de Os íris são mort os por se u filho Hórus, agora um jovem. Osíris, erguido para uma nova existência no reino da morte, reentra no templo como o govern ador dos mortos. Nada se conhece sobre a parte final dos mist érios, qu e aco nte cia entre "iniciados" , na parte intern a do templo de Abidos. Como os mistérios de Elêusis, esses ritos permaneceram secretos para o público . Os fes tivai s do c ulto a Osíris tamb ém aconteciam nos grandes templos das cidades de Busín s. Heli ópoli s, Letópolis e Sais. O fes- tival de Upuaur, deus dos mortos, em Siut, deve ter tido um processo de procissão similar. Aqui. também, a imagem ricamente coberta do deus era acompanhada num a procissão solene até se u túmul o. A cerimônia do erguimenta da coluna de Ded, instituída por Am enófis III e sempre ob- ser vada solenemente nos aniversários de co - roação, po ssuía também el ementos teatrai s definidos. O túmulo de Kh eriu f em Assas i (Tebas) forn ece um a representação gráfica da ce na: Am en ófi s e sua esposa estão sentados em tronos no local do levantamento da colu - na. Suas filhas, as deze sse is princesas, tocam música com chocalhos e sistros. enquanto se is ca ntores louvam a Ptá, II de us guard ião do • 13 • E g i t o e A n t i g o Oriente imp ério. A parte inferior tio relevo de Kheriuf descreve a conclusão da ceri mô nia do festival: participantes lutando co m ba stões, num a cena simbó lica de com bate ritual , no qual os habi- tantes da cidade também tomavam parte. Heródoto, no segundo livro de sua histó- ria, desc reve uma ce rimônia simi lar, observada em homenagem ao deus Ares , embora, a julgar pelo contexto, o deus em questão deva ter sido Hórus. Essa observaç ão, conservada em Pa- premi s, envolve tamb ém o co mbate ritual: Em Paprernis, ce lebram -se sa cri fíc ios co mo em q ualqu er lugar, mas qua ndo O so l co meça a se pôr, a l- gun s sacerdotes ocu pam-se da imagem do deu s; todos os outros sacerdotes. armad os com ba stões de madeira , fi- cam à port a do templo. Diante deles se co loca uma mul- tidão de home ns, mais de mil deles , també m armad os co m bastões, que tenham algum va lo a cumprir. A ima- ge m do deu s perm anece num pequeno re licár io de madei- ra adornado. e na véspera do festival é, conforme dize m, transportada para outro templ o. Os poucos sace rdotes que a inda se oc upam da image m coloc am-na. juntamente com o reli cári o, num carro com qu atr o rodas e a levam para o templo. Os outros sace rdotes. que permanecem à porta. impe dem-nos de entrar, mas os devotos lutam ao lado do deus e atacam os ad versário s. Há uma luta feroz, onde cabeç as são que bradas e não são pou co s os qu e, acredito, morre m em conseqüência dos fer imentos . Os eg ípc ios. por é m , negavam que: ocorres sem q ua isq uer mortes. o fanatismo ritual que essa ce na sugere recorda os ferimentos au to-infligidos das pe- ças xiitas de Hussein, na Pérsia, e os flagelantes da Europa medieval. Através das épocas do esplendor e declínio dos faraós, o eg ípcio permaneceu um vassa lo dócil. Aceitou as leis impostas pelo rei e os preceitos do seu sacerdócio co mo mandarnen- tos dos deuses. Esse paciente apego à tradição sufoco u as se me ntes do drama. Par a um florescim ent o das artes dramáticas teria sido necessário o desenvolvimento de um indi ví- duo livrem ente responsável qu e tivesse parti - cipação na vida da comunidade, tal com o en- corajado na democrát ica Atenas . O cidadão da po lis grega, que possuía voz em seu gover- no, possuía também a possibilidade de um co n- fronto pessoal com o Estado , co m a históri a, co m os de uses. Falt ava ao egípcio o impu lso para a rebe- lião; não conhecia o conflito entre a vontade do hom em e a vontade dos deuses, de onde brota a semente do dram a. E, por isso , no anti- go Eg ito, a dança, a música e as origens do teat ro per manece ram amarradas às tradições do ce rimonial religioso e da corte. Por mais de três mil anos as artes plásticas do Egito flores- ceram, mas o pleno poder do drama jamais foi despertado. (O teatro de sombras, que surg iu no Egito durante o século XII d.e., pro porc io- nou estím ulos para a represe ntação de lend as populares e eventos históricos. Sua forma e téc- nica foram inspirada s pelo Ori ente. ) Foi es ta co mpulsão herd ada para a obe- diência que finalmente subj ugou Sinuhe, um oficia l do governo de Ses óstri s I que ousara fugi r para o Oriente Próximo. "Uma procis- são fun eral será organizada para ti no dia do tCII enterro" , o faraó o inform ou : "o cé u estará so bre ti quando fores colocado sobre o esqu ife e os bois te levarem, e os cantores irão à tua frente quand o a dança /lUlU for executada em teu túmulo..." . Sinuhe regres sou. A lei que ha- via governado o desem penho do seu ofíc io foi 9. Cena dram ática do mito de Hdrus: o deus-falcão Hórus . retratado na barca, como vitor ioso sobre se u irmão SeI. Rele vo em calcário em Edfu . Época dos Pto lom eu .'> , c. 200 a.C. lO. Bonecos de teatr o de sombras eg ípcio do século XIV a .C . (O ffenbac h aIO Main, Deutsches Ledermuseum). • 15 História MUI/dia! do Teatro. • Egito e Antigo Ori cn t c de dos pretensos bons conselhos e a relativi- dade das decisões "bem consideradas". Recen- temente, mais exemplos do teatro secular da Mesopotâmia vieram à luz. O erudito alemão Hartmut Schmõkel, por exemplo, interpretou a assim chamada Carta de um Deus como uma brincadeira de um escriba, um outro texto que soava como religioso como um tipo de sátira e um poema heróico como uma paródia grotesca. As disputas divinas dos sumérios possuem um carát~r definitivamente teatral. Até agora foram descobertos sete diálogos desse tipo. To- dos eles foram compostos durante o período em que a imagem dos deuses sumérios tomou-se humanizada, não tanto em sua aparência exter- na quanto em suas supostas emoções. Este cri- tério é crucial numa civilização: é a bifurcação na estrada de onde se ramifica o caminho para o teatro - pois o drama se desenvolve a partir do conflito simbolizado na idéia dos deuses transposta para a psicologia humana. Em forma e conteúdo, os diálogos sumé- rios consistem na apresentação de cada perso- nagem, a seu turno, exaltando seus próprios méritos e subestimando os do outro. Em um dos diálogos, a deusa do trigo, Aschnan, e seu irmão, o deus pastor Lahar, dis- cutem a respeito de qual dos dois é mais útil à humanidade. Em outro, o abrasador verão da Mesopotâmia tenta sobrepujar o brando inver- no da Babilônia. Num terceiro, o deus Enki bri- ga com a deusa mãe Ninmah, mas mostra ser um salvador no grande tema fundamental da mitologia, o retorno d~fero.Num quarto diá- logo, Inana, a deusa da fertilidade, banida para o mundo das sombras, poderá retornar à terra se puder encontrar um substituto. Ela escolhe para este propósito o seu amor, o pastor real Dumuzi, que assim é apontado príncipe do in- ferno. Com a lenda de Inana e Dumuzi, o ciclo se encerra e termina no "casamento sagrado". Inana e Dumuzi são o par sagrado original, Mesmo os sacerdotes mais bem instruí- dos do período não eram capazes de fazer um conspecto do vasto panteão do antigo Oriente, com seus inumeráveis deuses principais e sub- sidiários das muitas cidades-Estado separadas. As relações mitológicas são muito mais com- • 17 mais forte que a rebelião: o poder da tradição esmagou a vontade do indivíduo. Assim não há indício, e na verdade é contra qual- quer probabilidade. que desde esse ponto pudesse seguir- se lima trilha mesmo aproximadamente parecida com aquela que , na Hélade, a partir de uma origem similar na religião, levou ao desenvolvimento da tragédia ática. Para chegar a isso, o primeiro degrau precisaria ter sido uma extensão do mito de modo que contivesse o homem e, depois. um modo particular de ser humano; nenhuma das duas coisas foi encontrada no Egito (5. Morenz), MESOPOT ÂMIA No segundo milênio a.C.; enquanto os fiéis do Egito faziam peregrinações a Abidos e as- seguravam-se das graças divinas erigindo mo- numentos comemorativos, o povo da Meso- potâmia descobria que o perfil de seus deuses severos e despóticos estava ficando mais sua- ve. Os homens começavam a creditar a eles justiça e a si mesmos, a capacidade de obter a benevolência dos deuses. Estes estavam des- cendo à terra, tornando-se participantes dos ri- tuais. E, com a descida dos deuses, vem o co- meço do teatro. Um dos mais antigos mistérios da Meso- potâmia é baseado na lenda ritual do "matri- mônio sagrado" - a união do deus ao homem. Nos templos da Suméria, pantomima, encan- tamento e música converteram a tradicional representação do banquete para o par divino e humano num grande drama religioso. Os governantes de Ur e Isin fizeram derivar sua realeza divina deste "casamento sagrado", que o rei e a rainha (ou uma grã sacerdotisa dele- gada por comando divino) solenizavam após um banquete ritual simbólico. De acordo Com pesquisas recentes, o fa- moso estandarte-mosaico de Ur, do terceiro milênio a.C,, é uma das mais antigas repre- sentações do "casamento sagrado". Essa mag- nífica obra, com suas figuras compostas por fragmentos de conchas e calcário incrustados num fundo de lápis-lazúli, data de aproxima- damente 2700 a.c. e provavelmente foi parte da caixa de ressonância de algum instrumento musical, mais do que um estand.u te de guerra, Do segundo milénio em diante, o "casa- mento sagrado" foi quase com certeza cele- • 16 brado uma vez por ano nos maiores templos do império sumeriano. Sacerdotes e sacerdo- tisas faziam os papéis de rei e rainha, do deus e da deusa da cidade. Não se sabe onde foi traçada a linha divisória entre o ritual e a reali- dade, mas é certo que o rei Hamurabi (1728- 1686 a.c.), o grande reformador da lei sume- riana, riscou o festival do "casamento sagra- do" do calendário de sua corte. Hamurabi es- tabeleceu um novo ideal de realeza: descreveu a si mesmo como um "príncipe humilde, te- mente aos deuses", como um "pastor do povo" e "rei da justiça". Hamurabi nomeou Marduk, até então o deus da cidade da Babilónia, deus universal do império. Um diálogo surnério, que se acredita ter sido uma peça e intitulado A Conversa de Hamurabi com uma Mulher, é de- votado ao criador do Código de Hamurabi e é considerado pelos orientalistas um drama cor- tesão. Retrata a astúcia feminina triunfando sobre um homem brilhante, apaixonado, ain- da que envergue os esplêndidos trajes de um rei. É possível que o diálogo tenha sido ence- nado em alguma corte real rival, ou, após a morte de Harnurabi, até mesmo no palácio na Babilônia. Outro famoso documento sumério, o poema épico cm forma de diálogo, Ennterkar e o Senhor de A rata, pode também ter sido um drama secular, apresentado na corte real do período de lsin-Larsa. É certo que na Mesopotâmia os músicos da corte, tanto homens quanto mulheres, des- frutavam dos favores especiais dos soberanos. Nos templos, sacerdotes vocalistas, jovens can- toras e instrumentistas de ambos os sexos exe- curavam a música ritual nas cerimônias e eram tratados com grande respeito. Uma filha do imperador acádio Naram-Sin é referida como "harpista da deusa lua". As artes plásticas da Mesopotâmia dão testemunho da riqueza mu- sical que exaltava "a majestade dos deuses" nos grandes festivais. O fato de os artistas do templo serem investidos de uma significação mitológica especial é sugerido pelos musicistas com cabeças de animais sempre vistos em re- levos, selos cilíndricos e mosaicos. Os meso- potâmios possuíam um senso de humor desen- volvido. Um diálogo acádio, intitulado O Mes- tre e o Escravo, assemelha-se ao mimo e às farsas atelanas, a Plauto e à Conuncdia dell'ar- te. Os trocadilhos do servo expõem a vacuida- ... J a~ 1J. J ""~ I\. ',c. I.. 1 /){-). Jo 7U/~ ,.J:, t «v s«,» b 11\/lrl\... D plexas do que, por exemplo, aquelas existen- tes entre os conceitos mitológicos da Antigüi- dade e os do cristianismo primitivo. No início do século XX, o erudito Peter Jensen procurou estabelecer uma conexão en- tre Marduk e Cristo, mas não teve sucesso. A assim chamada controvérsia Bíblia-Babel fun- damentou-se na suposta existência de um dra- ma ritual que celebrava a morte e a ressurrei- ção de Marduk. Porém, as últimas pesquisas provaram que a interpretação textual em que se assentava esta suposição é insustentável. No reino de Nabucodonosor, o famoso festival do Ano Novo, em homenagem ao deus da cidade da Babilónia, Marduk, era celebra- do com pompa espetacular. O clímax da ceri- mônia sacrificial de doze dias era a grande pro- cissão, onde o cortejo colorido de Marduk era seguido pelas muitas imagens cultuais dos grandes templos do país, simbolizando "uma visita dos deuses", e pela longa fila de sacer- dotes e fiéis. Em pontos predeterminados no caminho pavimentado de vermelho e branco da procissão, até a sede do festival do Ano Novo, a comitiva se detinha para as recitações do epos da Criação e para as pantomimas. Este grande espetáculo cerimonial homenageava os deuses e o soberano, além de assombrar e emo- cionar o povo. "Era teatro no ambiente e no garbo do culto religioso, e demonstra que os antigos mesopotâmios possuíam, pelo menos, um senso de poesia dramática; é preciso que se façam pesquisas mais amplas sobre o cul- to" (H. Schmõkel). Durante o terceiro e o segundo milénios a.c., outras divindades do Oriente Próximo foram homenageadas de forma semelhante em Ur, Uruk e Nippur; em Assur, Dilbat e Harran; em Mari, Umma e Lagash. Persépolis, a anti- ga necrópole e cidade palaciana persa, foi fun- dada especialmente para a celebração do fes- tival do Ano Novo. Aqui, no final do século VI a.C., Dario ergueu o mais esplêndido dos palá- cios reais persas. E aqui Alexandre, sacrificou a idéia ocidental dc humanitas à sua'ebriedade com a vitória; após a batalha de Arbela, dei - xou que o palácio de Dario se consumisse nas chamas. j"'~ ,'\\ ~o <» ~l ; Jo I!Y'\ 1\1'11\. {) S~·""'''''. ""," d, .l",~.'L/" I:> As Civilizações Islâmicas INTRODUÇÃO Nenhuma outra região na terra experimen- tou tantas metamorfoses políticas, espirituais c intelectuais no curso da ascensão e queda de impérios poderosos quanto o Oriente Próxi- mo. Ele foi, alternadamente, o centro ou ponte entre civilizações, sementeira ou campo de batalha de grandes cont1itos históricos. No ano de 610, quando Maomé, mercador a serviço da rica viúva Khadija, recebeu a rcvclaçao do Islã no monte Hira, perto de Meca, alvoreceu uma nova era para o Oriente Próximo. A fé comum do Islã trouxe pela primeira vez aos povos do Oriente Próximo um senti- mento de solidariedade. O Islã reformulou a história dos povos do Oriente Próximo. do Norte da África e até mesmo da Península Ibé- rica. Talhou um novo estilo cultural. segundo os precei tos do Alcorão. O desenvolvimento do teatro e do drama foi asfixiado sob a proibição maometana de qualquer personificação de Deus, o que signifi- cou o sufocamento dos antigos germes do dra- ma no Oriente Próximo. Todavia, escavações de teatros greco-romanos, como por exemplo cm Aspendus, mostram restaurações feitas na época dos seldjúcidas - uma indicação de que os seguidores do Islã reviveram c apreciaram o circo e o combate de gladiadores. Evidencia-se que eles preservaram e restauraram edifícios tea- trais da Antiguidade. e que apresentações como essas devem ter sido toleradas. A divisão do Islã entre sunitas e xiitas, como resultado da controvertida sucessão de Maomé, deu origem à tarivé, forma persa de paixão, uma das mais impressionantes mani- festações teatrais do mundo. A taziyé nunca viajou além do Irã. Não seguiu a marcha vito- riosa do Islã através da costa do Norte da Áfri- ca para a Espanha, nem se propagou através de Anatólia, junto com as mesquitas e minare- tcs, ao Bósforo e aos Bálcãs. Contrariando os mandamentos do profe- ta, entretanto, além do Monte Ararat desen- volveram-se tanto espetáculos populares quan- to de sombras, de tipo folclórico, baseados no mimo. Mediante o uso dos heróis-bonecos tur- cos Karugüz e Hadjeivat no teatro de sombras, a proibição do Islã à representação das ima- gens de seres humanos era astuciosamente lu- dibriada. Esses heróis, corporificados em bo- necos maravilhosos, eram feitos de couro de camelo. Eram movimentados por meio de va- ras e possuíam buracos em suas articuluçôex através dos quais a luz brilhava - quem pode- ria acusá-los de serem imagens de seres hu- manos') Karagõz c Hadjeivat aproveitavam o privilégio para apimentar mais ainda suas pi- lhérias e deixar suas sombras abrir descarada- mente o caminho, através da tela de pano, para o coração de seu público. A paixão e a farsa, associadas em contra- ditória união nos mistcrios europeus, penna- ncccram como irmãos hostis sob a lei do Al- corão. Todavia, ambas cncontruram seu c.uui- nho para o coração das pessoas. Ambas torna- ram-se teatro, encontrando uma platéia entre a gente comum. PÉRSIA Sir Lewis Pelly, que acompanhou a mis- são diplomática inglesa à Pérsia e foi aí Resi- dente (agente diplomático) de 1862 a 1873, não era dado a exageros. Entretanto, escreveu a respeito da tariyé que "se o sucesso de um drama pode ser medido pelo efeito que pro- duz sobre as pessoas para quem é feito, ou so- bre as platéias diante das quais é apresentado, nenhuma peça jamais ultrapassou a tragédia conhecida no mundo muçulmano como a de Hassan e Hussein". As apresentações anuais da taziye vieram a ser de duradouro interesse para Pelly; graças à ajuda de um antigo pro- fessor e ponto dos atores, ele coletou 52 peças e, em 1878, publicou 37 delas. O enredo da taziyé é composto de fatos his- tóricos adornados pela lenda. Quando Maomé morreu em 632, deixou um harém de doze es- posas, mas nenhum filho. De acordo com um pretenso testamento deixado pelo Profeta, a sucessão passaria à sua filha Fátima, esposa de Ali. Acendeu-se uma disputa sangrenta entre seus filhos Hassan e Hussein. Em 680, o imã Hussein recebeu dos habitantes de Kufa, na Mesopotâmia, que supostamente eram dedica- dos a ele, um apelo para que se juntasse a eles e assumisse, com sua ajuda, a liderança do Islã como o legítimo sucessor do Profeta. Hussein, acompanhado de sua família e de setenta segui- dores, viajou para a Mesopotâmia. Mas, em vez da entronização, ele recebeu a ordem de sub- meter-se incondicionalmente ao califa Yazid e renunciar a todos os seus direitos. Hussein ten- tou resistir a esta traição; porém, privadode toda a ajuda e sem acesso às águas do Eufrates, ele e seus fiéis seguidores pereceram na planície de Kerbela. Enfraquecidos pela sede, caíram víti- mas das tropas do califa Yazid. As mulheres fo- ram levadas como prisioneiras. O único sobre- vivente do massacre de Kerbela foi o filho de Hussein, Zain al-Abidin, reconhecido pelos xiitas (em contraste à rejeição sunita à sucessão de Fátima-Ali) como o quarto imã e sucessor legítimo do profeta Maomé. • 20 História A1111ldiai do Tc at ro • Dramatizações desse evento, muito enfei- tadas por lendas, ainda são levadas no último dia do festival do Muharram. Elas duram do meio-dia até bem tarde da noite, e constituem o clímax e a finalização de dez dias de procis- sões religiosas (deste') iniciados ao alvorecer do primeiro dia do mês maometano do Muharram. Os fiéis, vestidos de branco como os flage- lantes da Europa medieval, seguem pelas ruas com altos gritos de lamentações. Dois dias an- tes, no oitavo do festival, bonecos de palha, re- presentando os cadáveres dos mártires de Ker- bela, são deitados em esquifes de madeira e carregados de um lado para outro entre lamen- tações intermináveis e extáticas. Os homens flagelam a si mesmos com os punhos e espe- tam-se com espadas, fazendo sangrar o pró- prio peito e cabeça. Aqueles que valorizam a própria pele mais do que o fervor da fé sem dúvida dão um jeito com uma enganosa simu- lação. Em 1812, o francês Ouscley, que viajou através da Pérsia, observou ambos - ferimentos auto-infligidos por fanatismo genuíno, e ou- tros, pintados habilidosamente na pele. Na manhã do décimo dia do Muharram. os espectadores dirigem-se às pressas para o pátio da mesquita ou para a tekie (monastério), onde um palco ao ar livre é montado para a tariye. Se chove, ou se o sol está muito quen- te, é estendido um toldo. O sekkon, platafor- ma redonda ou quadrada, serve como palco. Uma tina d'água representa o Eufrates, uma tenda, o acampamento em Kerbela, um esca- belo os céus, de onde desce o anjo Gabriel. Os intérpretes são amadores. Dão o texto a partir de um roteiro, embora a maior parte seja representada em pantomima, enquanto um sacerdote (moliah), que é ao mesmo tempo organizador e diretor, comenta a ação. Ele se coloca num pódio, acima dos atores, e recita também a introdução e os textos de conexão. Papéis femininos são executados por ho- mens. Os figurinos são feitos de qualquer ma- terial disponível. Em 1860, quando a legação da Prússia se encarregou de custear as despe- sas da apresentação de uma taziye, foram for- necidos uniformes e armas prussianos. Hoje, o anjo pode perfeitamente descer do teto de um indisfarçado automóvel c dirigir-se para o palco, sem que os participantes fiquem pertur- bados por tais anacronismos. O que importa é [ 1. Bonecos turcos de teatro de sombras: o cantor Hasan (à esquerda), e os dois personagens principais Karagõz e Hadjeivat, aos quais incumbem as falas no diálogo tosco e grotesco (Offenbach am Main, Deutsches Ledermuseum e coleção particular). 2. Grupo de figuras de teatro de sombras turcas. A esquerda, cena de diálogo; à direita, um comerciante atrás de seu balcão (Istambul, colcção particular) . . ..\ s C íví í í zoç ó cs Is lâ m ic a s TURQUIA Os misté rios persas são não menos mereced ore s de interesse do q ue a paixão de Oberamm ergcu . na Bavriria , visitada po r tu ristas de todas as parles da Euro pa c da América. É uma g rande pena que. numa époc a e m qu e as ligações ferroviárias estarão disponí veis não ape na s pa ra hom en s de neg ócio , mas também para turi stas. a Pérsia deva perde r esta curiosidade ímpar. nas cidade s um festival popul ar cada vez mais dispe ndioso desenvolveu-se a part ir da tazivé. Bagdá, Teerã e Isfaan competiam umas co m as o utras na apresent ação e na riqu eza narrati - va de suas peça s. Até 1904 , os espetácul os de taú yé no grande teatro de aren a Tekie-i Da - laut i em Teerã for am subsidiados pelo gov er- no. " De po is da revolução, porém", es cre ve Medj id Rezvani , "es te teatro enfrent ou uma crise , porque os fund os necessári os proveni en- tes previamente de fontes particul ares não era m mais obte n íve is" . E ele ci ta a observaçã o de seu co lega ru sso Sm im off: Hoje Teerã possui um modemo teatro es ta- dual, com todo tipo de equipamento técnico . Se u program a inclui obras clássicas e de vanguarda do repertório intern acional. O mérito de ter tra- zido Shakespeare para o palco persa pela pri- meira vez pert ence ao Teatro Zoroastriano de Teerã, fundado em 1927 e com capacida de para algo como qu atrocen tos espectadores. O povo do ca mpo, entretant o, apega-se como se mpre ao s espetáculos de danças tra- dicionais , a apresent ações de guerras acrobá- ticas e mitológicas e aos personagens folcló- ricos. Ele confirma qu e aquilo que Her ódoto disse ainda permanece verdade, quan do ob- servou que os irani anos possuem "em tod as as é pocas uma predileção notável pe la da n- ça". Essa predileção pode ser tra çada a part ir da s repre sentações das taças de prata sas sâ - nidas da Antig üid ad e até os dervixes rod o- piantes do sécul o XX. o conte údo simbólico . Andar em to rno do pal- co significa uma longa jornada. Int roduzir um cavalo ou camelo ca rrega do de fard os de ba- gagem e uten sílios de cozinha ind ica a chega- da de Hu ssein à planície de Kcrbela. Um atar, logo apó s ser mono, levanta-se e dirige-se si- len ciosamente para um lado do palc o . Cada um dos participante s mantém pronto um pu- nhado de palha que, nos momentos de gra nde tri st eza ou desespero, despeja sobre a própria cabeça . (De acord o co m o antigo costume aq ue m ênida, os pais de Dario derramaram are ia sobre a própr ia cabeça qu and o a notícia da mort e do "Rei dos Rei s" lhes fo i dada.) A pai xão de Hussein é sempre precedida de uma representação da história de José e se us irmãos, qu e é apresentada no A lcorão po r Maomé como a "sura (ca pítulo) de José" . Em Zefer Jinn , outra tariyé, o rei dos jinn aparece e oferece a Hussein o aux ílio do seu ex ército . Entretanto, o imã, pronto para sofrer o martírio , recusa a assistência ofereci da e des- pede o rei dos ji nn co m a adjuração de "cho- rar" . O re i dos ji nn e seus g uerre iros vestem máscar a ; este é o único caso onde a máscara é usada na tradição da taziye per sa. A pai xão taziy« é part e intrínseca da tra - dição xii ta. Desenvolveu -se a part ir da s lam en- taçõ es épica s e líricas das assembléi as de luto pela morte de Hussein . Este s ca ntos de lamen- tações foram apre sentados pel a primeira vez em forma dramática no século IX, quando um sultão xii ta da dinastia Buáiida assumiu o cali- fato. Dos palcos móveis, er guidos em carre- tas. ressoa va o chama do à pen itên cia: "Arran- ca i os cabelos, torcei vossas mãos, redu zi vos- sas ro upas a trapos, golpeai vo sso peit o !" É provável que a designação fin al de taziv é seja deri vad a da palavra equivalent e ao to ldo (ta 'kieh) , estendido sobre os pátios das mes- q uitas e pra ças de mercado . Testemunhos oc u- lare s da ta ziyé - de Olearius , Taver nie r, Thé venot e os de Gobineau e Pell y - fal am do opressivo fanatismo dos espet ácul os, não so- bre"' fIlologia. Conquanto os es petác ulos da taziyé nas Para o estudioso da história da cu ltura se- rem ot as re gi ões mo nta nhosas do mundo ria ao mesmo tem po ave nturoso e revel ad or isl âmi co e no Cáuca so lenham permanecid o, traçar um paralelo entre Alexandre, o G ra nde até hoj e, uma ocorrência pr im it iva - algumas e Gêng is Khan. A maneira imedi ata e d ireta veze s rep resent ada por um der vixe a funcio- co m a qu al A lex and re tran smiti u o espí rito do . I~ar c~mo um tipo de o fl e - II /m ,' SI IOW eX~;ítico -r-. Ocid ente ao qriente é balancea da pela influ êI4L ·L I"l ,,1 1~ ' ' 7 " ~ ~ I~ eh ' j; , I"1 E.. :>L/liL..:> , Pf ~J~ a 1;"")_1 '\ l \II~I\23 "' 'l.l\ ... \ , ,,-" ,~ \ c." U, 'l I) ~ "I\f\'\ <)/"v '. 1) " L ' , \ ' \o· "O 'M) ..... .... U '-~ ' ·~;' j)l , "\ 3. Taziye ao ar livre, encenada por dervixes errantes, século XIX. 4. Apresentação da taii vé persa de Husain. no pátio da mesquita cm Rustcmabad . 1860 (extraído de H. Brugsch . Reisc der konigíichrn Prrus sichen Gesandtschu]t fl(lel! Pvrsie n, Leipzig. 1863). T i • As Cí vií i ra ç õ es Islâmicas 5. Cerimônia teatral de recepção em palácio turco. À esquerda, músicos com instrumentos tradicionais; no centro, mulher com véu. Miniatura do período otomano (Istambul, Museu do Palácio de Topkapi). 6. Ce~a de teatro popular turco. Velho corcunda, de tamancos e dançando num tablado diante de um grupo de cinco pessoas. A esquerda, músicos com instrumentos de sopro c percussão. Miniatura do período otomano (Istambul, Museu do Palácio de Topkapi). tes inexauríveis e vitais dc motivos e inspira- ção na comédia improvisada turca. Ao lado dos dançarinos e músicos, os mímicos ambulantes, que foram sempre cha- mados "personificadores", nunca estavam au- sentes das ocasiões festivas, Eram abundantes nas cortes e nos mercados, nos trens de baga- gem das campanhas militares e entre as mis- sões diplomáticas. Quando o imperador de Bizâncio, Manuel II Paleólogo, visitou o sul- tão otomano Bayezid, admirou sua versátil tre;lIpede músicos, dançarinos e atores. Os principais personagens da comédia turca, Pischekar e Kavuklu, c os dois persona- gens do teatro de sombras, Karagoz e Had- jeivat, viajaram com as missões diplomáticas otomanas através da Grécia, e também a luga- res mais distantes como a Hungria e a Áustria, Na Moldávia e Valáquia, tornaram-se os an- cestrais de uma nova e independente forma na- tiva de teatro, Havia mímicos turcos, judeus, armênios e gregos nessas trempes, mas predo- minantemente os ciganos, bem versados em todo tipo de malabarismo e magia, danças e jogos acrobáticos, Os que não conseguiam chegar à corte apresentavam-se diante da gente simples, e assim desenvolveram o orla oyunu, forma tur- ca característica de teatro, que ainda pode ser encontrada em partes remotas de Anatólia, Orta oyunu significa "jogo do meio", ou "jogo do círculo", ou "jogo do anel", Não requer ne- nhum equipamento particular, nem cenário ou figurino. (O historiador do teatro turco Metin And aponta que, na Ásia Central, a palavra oyun designa também o ritual xamanista do exorcismo.) Uma marca oval traçada sobre a terra pla- na é a área de atuação do orta oyunu. Os aces- sórios necessários são nada menos que um cscabelo triangular e um biombo duplo, aos quais se pode juntar um barril, uma cesta de mercado e alguns guarda-chuvas coloridos, Os músicos, com oboé e tímpano, ficam acocora- dos no limite da área de atuação, e o público permanece em pé à volta . O administrador, di- retor, ator improvisado e protagonista é o per- sonagem Pischekar, Com eloqüência floreada e uma matraca de madeira ele abre a apresen- tação. A ação e o elemento cómico da peça baseiam-se na variedade de tipos étnicos re- cia indireta de Gêngis Khan sobre o mapa da Europa, Foi por causa da violenta investida dos mongóis contra o Extremo Oriente e suas leis rígidas que o chefe Suleimã, em 1219, guiou seu povo do Turquestão à região do Eufrates, O neto de Suleimã, Osman, tornou-se amigo do sultão de Konya e, sucedendo-o no trono em 1288, Osman tomou-se o fundador da di- nastia Osmanli (Otomana), Criou o império dos povos turcos, que se expandiu e cujos guerrei- ros conquistaram os Bálcãs e avançaram atra- vés do Norte da África para a Espanha, levan- do consigo sua cultura de minaretes e mesqui- tas, A Europa exaurira-se em sua luta contra uma avalancha que se iniciara com Gêngis Khan. Em 1922, com a extinção do sultanato, o império otomano oficialmente chegou ao fim, e um ano mais tarde foi proclamada a Repú- blica da Turquia. Quatro fatos principais influenciaram o desenvolvimento histórico e cultural da Tur- quia e, portanto, também do teatro turco. Fo- ram eles: primeiramente, os rituais xamânicos e da vegetação trazidos da Ásia Central, que eram, até certo ponto, misturados com o culto frígio a Dioniso e que ainda permanecem vi- vos nas danças e jogos anatólios; em segundo lugar, a influência da Antiguidade, mais fre- qüentemente negada que francamente admiti- da; em terceiro, a rivalidade com Bizâncio: c, em quarto, iniciando-se com o século X, a in- fluência decisiva do Islã. Konya, Bursa e, após 1453, a cidade con- quistada de Bizâncio, hoje Istambul, foram as capitais do império otomano e, dessa forma, os centros do mundo islâmico a leste e a oeste do Bósforo. Na corte de Seljuk em Konya, pa- ródias eram encenadas e muito apreciadas. Anna Comnena, filha de um imperador bizan- tino, dá provas disto em sua obra histórica so- bre Aléxio Comneno I (1069-1118 a.c.). Quando o imperador Aléxio, já idoso, foi aco- metido pela gota, e dessa forma impedido de participar de suas campanhas contra os turcos, eram representadas farsas na corte do sultão em Konya, conforme relata francamente sua filha, nas quais Aléxio era satirizado como um velhote covarde e chorão. Essa informação é valiosa. Indica a lopicidade e a orientação temática da farsa tur- ca, A personificação e o ridículo eram as fon- ,ia ..-,---,~ ,ft • 25 present ados, tod os mal faland o o turco, cada um em seu mod o parti cular - o mercador pe rsa , o our ives arrnê nio , o mendi go árabe , o guar- da-n oturno curdo . o presunçoso coronel janí- zaro, o Ievantino eur opeizado exi bindo -se, a mercadora brigu enta (interpretada por um ho- mem), o bêbado e a inequívoca preferênci a da plat éia rústica, o palh aço Kavuklu com suas pi adas e pas pa lhices. parente pr óximo de Kar ag õz. A ori gem e anti guidade do o r ta o)'UJlU é discutida, Sua relação com o mimo da Antigüi- dade é tão óbvia qu anto uma certa similarida- de co m a Comme dia dell 'a rte , O mai s ext raor- din ário de tudo, quer cm relação aos tipos dos personagens quer ao humor grotesco result ante, é o paralelo com Karagõz, Um manu scrito de 1675 afirm a que um grupo de atare s, vestidos como os personagen s do teatro de sombras, fez uma apre sentaç ão na corte . Até o séc ulo XIX o centro do orta O)' W IlI foi Kadikõy. uma pequena cidade na costa les- te do mar de M ãrmara, no setor asiático de Is- tambul. Aqui também se situava a famo sa tekk e (monas tério dervixe) onde, em eertos dias da semana, os "dervixes uivadores" executav am seu ritu al ex t ático . Seus primos, os der vixes dançarinos, preferiam vagar através do país, pois era se mpre fácil reunir um pequeno cí rculo de curiosos e, após a dança sagrada, co letar algu- mas moed as como recompensa. Hoje as danças dervixes tornaram- se um negó cio e surgem co mo atração turística em niglu-clubs de Istam- bul, do Ca iro, Áden ou Teerã. O primeiro teatro turco com um fosso para a orques tra e um cen ário mecani camente ope- rado surgiu na prim eira metade do sécu lo XIX. Organizad o segundo o padr ão franc ês e italia- no. apr esent ava peças de Moliêre e Gold oni , e também o Fausto de Goethe e Natan, ()Sábio, de Les sing . Malabarista s, mágicos. circen ses. entretanto , co ntinuavam a reunir suas platéias em galpões de madeira e tenda s. Mas nos ca - fés e ca sas de chá, a centenária arte do nieddha, o contador de hist órias, continuava com sua velha popul aridade. Duran te o mês do Ramadã, porém , ele se reti rava e deixava o campo aber- to para Karagüz. Em novembro de 1~67 , durante o Ram a- d ã, um armênio de nome Giillü Ago p inaugu- rou um teatro turco no bairro Ged ik Paxá de • 26 Hís t ú ri a Mwn d iuí do Trut ro • Istambul e cha mo u-o de "orta O)'W lll co m um a co rtina" , O cí rculo no chão , que havia come- ça do co mo improvi sação, ch egara ao teat ro com um palco e um auditório. Gül ü Agop atraiu talentosos atores e escrit ores locais. O orta 0)'/11111de Gedik Paxá tomou-se um ce ntro de um mo vimento nacional de teat ro turco . Em abril de IR73, apresentou a prim ei- ra montagem do dr ama Vala ll (Torrão Natal ) de Namik Kem al. A peça teve a mais entusiás- tica das recepções . O sultão, pressentindo pe- rigo, baniu o autor. Mas, após a revolução de julho de 1908, a estrela de Namik Kemal bri - lhou mais inten sament e: Vcltan esteve duran te se manas em tod os os teatros do país. Hoje, nas cidades principais e especial- mente em Anca ra, os teat ros oferecem um re- pertório qu e, somado aos dramaturgos e com - positores turcos, é verda deiramente interna- cio nal em seu s espetáculos de ópera, coméd ia musical , bal é e drama. o Teatro de S o mb ras de Ka ra g ô ; Karag õz é o her ói do teatro de sombras turco e árabe e dti nome ao cspet áculo de so m- bras. O espirituoso Karag õz, com sua retóri ca rápida e en genhosa, trocadilhos ásperos e jo- gos de pal avras rú sti cos. viajou para mu ito além de sua terra natal ; se nte-se em casa na Grécia e nos Bal cãs, e em lugares longínquos da Ásia . Tod o um fei xe de lendas circunda a sua orige m. Um a das ma is populares afirma que Karag õz - o nome significa "olho negro" - e seu companheiro Hadjeivat realm ente exis- tiram no século XIV, na época em que a gran- de mesqu ita de Bursa es tava sendo erguida. Seus du elos verbais vivos e grotescos parali - sa ram as obras de co nstrução da mesquita. Em vez de trabalhar, os pedreiros punham se us ins- trum entos de lado e ou viam os longos e diver - tidos discursos de Karag õz e Hadjeivat. O sul- tão soube de suas fa çanhas e ord enou que ambos foss em enforcados. Mais tarde , qu an- do rep rovava am ar gamente a si mesm o por isso . um dos cortesãos do sultão teve a idéia de trazer Kar ag õz e Hadj civat novamente à vida na form a de figuras de couro brilh antemente co loridas e translúc ida s e sombras num a tela de linho: Karagü z co m se u nariz adu nco. bar- 7. Kar ag õz com roupas de mulher. Co mo cm qua lquer lupnr, cenas li", d isfar ce eram pop ulare s no teatro de sombras turc o (da co leção de Ci. J;u.:ob . /)a.\ Sc/ W ll clIll ll'o t4'r iII sein rr Hhll4/(' rtOJg vcnnMorgen lnnd ; um A.!Jl'I1IJ/o ll(/ . Berl im. 1')(11•. ba negra , olhos astutos de botão e a mão direi- ta gestic ulando violentamente; e Hadjeivat ves tido de mercador, cauteloso e meditativo, de boa índole e sempre sendo enro lado. Uma relação de tipos pitorescos co mpletavam o elenco do teatro de sombras: CcJebi , o jovem d ândi; a linda Messalina Zenne: Beb eruhi, anão ingênuo;
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