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PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E FORMAÇÃO DO PROFESSOR MARTINS, Elita Betania de Andrade 1 RESUMO: O presente texto tem como objetivo discutir o conceito de projeto político-pedagógico e os cuidados necessários em seu processo de elaboração, além disso, destaca a importância do tema na formação de professores. Para essa discussão, citamos autores como Neidson Rodrigues, Celso Vasconcellos e Maria Teresa Estrela que nos fornecem subsídios teóricos para discutirmos a influência das propostas de descentralização e autonomia no processo de construção do projeto político-pedagógico de uma escola. O reconhecimento da autonomia escolar fortalece a possibilidade da escola definir sua identidade que deverá ser revelada em seu projeto político- pedagógico, esse por sua vez exigirá uma revisão na atuação docente assim como em seu processo de formação, sendo importante refletirmos sobre o significado do processo de formação inicial, continuada e em contexto. Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico; Identidade; Autonomia; Construção; Formação. ABSTRACT: The present paper aims at discussing the concept of the Political Pedagogical Project (PPP), and the necessary care in its elaboration process, moreover, it stands out the importance of the theme in the teacher’s formation. To this discussion, we make reference to some authors like: Neidson Rodrigues, Celso Vasconcellos and Maria Teresa Estrela that give us theoretical subsidies to discuss the influence of the decentralization proposals and the autonomy in the school PPP construction process. The recognition of school autonomy fortifies the possibility of school to define its identity which ought to be revealed in its PPP, this, in turn, will require a revision in the teaching actuation, as well as in its formation process. Therefore, it is necessary to reflect upon the meaning of the initial, continued, and in context formation procedures. Key words Political Pedagogical Project, Identity, Autonomy, Construction, Formation 1 Professora dos Cursos de Pedagogia e Educação Física da Faculdade Metodista Granbery; atualmente, desempenhando funções técnicas no Departamento de Ações Pedagógicas da Secretaria de Educação de Juiz de Fora. Projeto Político-pedagógico e Formação do Professor MARTINS, Elita Betania de Andrade INTRODUÇÃO Como professora de cursos de licenciatura (Pedagogia e Educação Física), nas disciplinas Políticas Públicas e Gestão e Docência tenho discutido muito com nossos alunos sobre a necessidade de construirmos um projeto político pedagógico que represente mais que o cumprimento de uma exigência legal, mas que se constitua um retrato fiel da identidade de determinada escola. Durante essas discussões, há sempre a necessidade de uma contextualização sobre as discussões a respeito do projeto político pedagógico e o levantamento de questões que ainda hoje, interferem na sua concretização. O presente texto pretende abordar alguns aspectos importantes para a compreensão do conceito de projeto político-pedagógico e sua elaboração, assim como sua caracterização enquanto tema de estudo para a formação de professores. PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Nossa história educacional foi marcada pelo centralismo, no qual atribuía-se às escolas o papel de meras executoras de propostas elaboradas por técnicos e políticos que em seus gabinetes criavam as “melhores” propostas educacionais, na maioria das vezes, desconsiderando ou desconhecendo a realidade da escola. Era o reflexo da crença que só uma elite teria competência técnica para planejar e governar. Na década de 1980, iniciaram os movimentos populares pela democratização da sociedade brasileira e consequentemente das escolas, com a reivindicação da eleição para diretores, defesa da realização de concursos, constituição de Colegiados, ampliação de vagas, redefinição de conteúdos que respeitassem a realidade de nossos alunos e a construção de um projeto pedagógico próprio da escola. É interessante destacar que há mais de 20 anos atrás já era apontada a necessidade de construirmos um projeto político- pedagógico para as nossas escolas. Rodrigues em 19852, ao referir-se à atuação do Colegiado, tratava da necessidade da unidade escolar construir seu projeto pedagógico, afirmando: A escola não é um lugar onde cada um pode fazer o que quer: ela é um lugar onde todos trabalham para a realização de um projeto coletivo de sociedade, em primeiro lugar, e de um projeto coletivo de uma dada comunidade, em segundo, projeto este a que todos se obrigam e ao qual têm o dever de respeitar (1991, p. 78). O autor aponta o projeto político-pedagógico como um instrumento que possibilita a articulação do trabalho escolar, superando o individualismo e contribuindo assim para a realização de um projeto de educação. Vasconcellos (2002) destaca que além do projeto político-pedagógico possibilitar a melhor articulação das ações desenvolvidas pela escola, o diálogo necessário para sua elaboração possibilita uma maior aproximação com a realidade e a construção de uma proposta que seja marcada, de fato, pela identidade do grupo. Segundo o autor A identidade se constrói na alteridade e não na confusão de idéias, posicionamentos e personalidades. Cada instituição deverá traçar o seu caminho; porém, este caminho poderá ser tanto mais interessante quanto maior a oportunidade de diálogo com outros sujeitos também posicionados (VASCONCELLOS, 2002, p.17). A questão da identidade destacada por Vasconcellos (2002) é extremamente importante, porque à medida que o projeto é político (traduz pensamento e ação e exprime uma visão de mundo e de sociedade) e pedagógico (explicita uma concepção de educação e possibilita a concretização da intencionalidade escolar), sua definição ajuda a compreender o que diferencia o trabalho entre duas instituições escolares. Apesar de parecer claro a importância da elaboração do projeto político- pedagógico como um documento que expressa a identidade e a proposta educacional de uma determinada escola, e ser defendido desde a década de 1980, por que tem recebido tanta importância nos últimos anos? 2 Neste ano foi editada a primeira edição do livro “Por uma nova escola – o transitório e o permanente na Educação”de Neidson Rodrigues, Ed. Cortez. Em primeiro lugar porque a LDB (Lei n.º 9394/96) prevê em seu artigo 12, inciso I, que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Em segundo, porque não conseguimos concretizar todos os aspectos que na década de 1980, eram apontados como instrumentos para construção de uma escola democrática. Pesquisas têm indicado que a eleição para diretores ainda apresenta falhas como: concentração de poderes nas mãos de indivíduos ou grupos, diretores que vêem sua escola como propriedade particular, relações de troca de favores com políticos locais... Além disso, o Colegiado em muitas escolas não tem papel ativo, servindo apenas para legitimar decisões tomadas anteriormente. É importante destacar que o desenvolvimento da prática democrática implica no enfrentamento de resistências, como as apontadas por Cançado (apud MACHADO,1999): herança de uma cultura autoritária; medo de perder o poder; apego a velhas crenças, sentimentos e práticas pedagógicas bem como as velhas formas de organização e administração escolar, preconceito em relação ‘a competência de pais e alunos’ no sentido de sua participação nasdecisões e avaliação do trabalho escolar. Diante dessa situação reconhecemos que apesar de todo o nosso esforço, a nossa prática, por diversas razões, não corresponde às nossas crenças educacionais, havendo muito o que fazer. Além desses fatores, cabe ainda destacar que a partir da década de 1990, em toda a América Latina, por influência de órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Banco Mundial, temos assistido ao desenvolvimento de um projeto de redução da atuação do Estado, frente ao mercado e a várias áreas sociais, dentre as quais educação, colocando-se em prática propostas de descentralização. Neste contexto, o Brasil, assim como vários países, passa a defender um discurso de educação como prioridade e realiza reformas no seu sistema educacional, buscando enfrentar a nova realidade de competitividade do mercado mundial. Este mercado, com a revolução tecnológica, passa a valorizar “matérias-primas”, como: conhecimento, capacidade de relacionar informações, criatividade e iniciativa. Para atingir tais metas torna-se necessário uma reorganização da instituição escolar e o Estado passa a transferir para as escolas a responsabilidade pelo seu gerenciamento, concedendo-lhe autonomia. Cabe aqui, destacar a idéia de autonomia concedida, pois tal proposta tem sido cuidadosamente avaliada, afinal a autonomia pode representar a liberdade da escola organizar seu trabalho conforme sua realidade, mas ao mesmo tempo, pode resultar no “abandono” das escolas a sua própria sorte, à medida que a política de descentralização, quando mal empregada, pode representar a omissão do Estado quanto ao dever de oferecer educação. Independente de suas reais intenções, as propostas de descentralização e autonomia criam no interior da escola espaço para discutir sua realidade. E dentro desse espaço de discussão como se apresenta o projeto político- pedagógico? Entendido como resultado de uma profunda reflexão sobre a finalidade da escola, seu papel social e a definição de caminhos a serem seguidos por todos os envolvidos no processo educacional, o projeto político pedagógico representa a identidade de uma escola e um dos principais elementos na construção de uma gestão coletiva. É importante destacar que o projeto político-pedagógico representa um planejamento das ações educacionais de forma que todo o trabalho pedagógico seja coerente com uma opção, um compromisso político. Ele não é apenas a “colagem” de projetos desenvolvidos por área ou por professores e nem mesmo um plano elaborado pela direção ou por um grupo para ser seguido por todos. O processo de construção do projeto político pedagógico terá que refletir as crenças, convicções e conhecimentos da comunidade escolar e essa reflexão e discussão contribuirão para a construção da gestão coletiva. Na discussão sobre seu projeto, a escola terá que, a partir de um profundo conhecimento de sua realidade, refletir e definir qual a sua concepção de educação, de aprendizagem, de infância e adolescência, quais as metodologias, conteúdos e formas de avaliação necessárias para concretizar suas concepções educacionais; definindo também suas regras disciplinares e toda a sua organização. Durante essas discussões não faz sentido desconsiderarmos o contexto mais amplo da sociedade ou tentar repetir uma receita de sucesso de outra realidade. A troca de experiências é importante, mas é preciso lembrar que o projeto político-pedagógico é a identidade de uma escola e não existem duas pessoas ou duas escolas com a mesma identidade. É fundamental reconhecer que a forma como elaboramos o projeto político- pedagógico é mais importante que escrever o documento. Sobre esse aspecto Vasconcellos (2002) afirma Mais importante que um texto bem elaborado, é construirmos um envolvimento e o crescimento de pessoas, principalmente dos educadores, no processo de elaboração do projeto, através de uma participação efetiva naquilo que é essencial na instituição. Planejar com e não planejar para.(p.357) Por isso, durante suas discussões é necessário dar voz a todas as pessoas da comunidade escolar, do servente ao diretor, alunos e pais. Teremos que tentar romper com a prática da indiferença, pois aquilo que for eleito como decisão da maioria terá que ser respeitado e seguido, independente de sermos contrários ou favoráveis àquela decisão. Os que não forem favoráveis ao resultado das discussões deverão se adaptar ao estabelecido ou se organizar com seus pares para rever os pontos que devem ser alterados durante os momentos de avaliação do projeto. Esse é outro aspecto importante, o projeto político- pedagógico não é algo pronto e acabado, os momentos de avaliação são indispensáveis. O que hoje é prioridade para a escola, no futuro pode não ser; assim, mudanças na política e legislação educacional (como, por exemplo, o Ensino Fundamental de 9 anos) demandam a necessidade de ver, rever, redefinir o que se pretende. Outro aspecto a ser considerado é: a quem cabe a coordenação das discussões de construção e avaliação do projeto? Acreditamos que seja a direção e/ou uma comissão estabelecida pela escola, entretanto, o importante é não esquecermos que por mais progressistas ou retrógrados que sejam os coordenadores das discussões, deverá prevalecer a vontade da maioria. Com o projeto político-pedagógico, a escola não poderá mais ser a “cara da diretora” ou de uma pessoa, e os planos administrativos assim como o planejamento de professores, séries ou áreas deverão seguir as linhas desse projeto. Sabemos que o projeto político-pedagógico não é uma “varinha de condão” que irá transformar a realidade da escola, mas sua concretização implicará em mudanças nos trabalhos a serem realizados e na própria atuação do professor. E já que tratamos da prática do professor, o projeto político-pedagógico implica em mudanças na formação do professor? É o que trataremos a seguir. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: INICIAL E CONTINUADA. Inicialmente, devemos considerar que a própria LDB em seu artigo 13 estabelece que “Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”. Entretanto, como afirmado anteriormente assim como a elaboração do projeto político-pedagógico não pode ser apenas um cumprimento legal, a participação do professor não pode se dar por um “tem que fazer”. É preciso que a equipe esteja motivada, que acredite na proposta. Assim, em sua formação, os professores deverão aprofundar seus conhecimentos sobre trabalho em equipe e planejamento, dentre outros, pois a divisão rígida do trabalho tem sido superada e aquele que hoje desenvolve atividades de docência poderá no futuro assumir cargos de coordenação (sendo eleito diretor, por exemplo) ou deparar-se com uma situação de pleno envolvimento durante a elaboração do projeto político-pedagógico de uma escola. Para que esta formação inicial forneça ao futuro professor, instrumentos necessários para enfrentar os desafios do cotidiano escolar, além de uma boa base de conhecimentos teóricos, torna-se extremamente necessário que, durante sua graduação, sejam criados momentos de observação e reflexão sobre a prática escolar, o que deve acontecer durante todo o curso, assim como estabelece as próprias Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia. Estrela (2002) acredita ser indispensável [...] introduzir os professores em formação inicial ou contínua em metodologias simples de investigação, tornando-os crescentemente autônomos na sua capacidade de análise e de tomada de consciência crítica no real em que operam (2002, p.153). A afirmação da referida autora nos remete a outro ponto importante: a necessidade da formação continuada, pois por melhor que seja a formação inicial, jamais será capaz de prever a realidade com a qual o futuroprofessor irá deparar-se, afinal o contexto escolar é extremamente complexo. Assim, apenas a graduação não será suficiente para que o professor possa exercer sua profissão, sendo fundamental a formação continuada, mas não qualquer tipo de formação. Muitas vezes, o professor terá que encontrar respostas para realidades específicas da sua escola, que conforme o princípio de autonomia, são diferentes de outras escolas. Além disso, o próprio projeto político-pedagógico pode prever uma organização pedagógica para a qual o professor deverá se preparar. Mas essa preparação nem sempre será encontrada em um curso oferecido por uma Faculdade ou um Centro de Pesquisa, nesse caso, será necessário que este professor juntamente com seus pares, busque o que tem sido apontado como formação em contexto. Na proposta de formação em contexto, o coletivo de educadores de uma escola busca estudar alternativas que contribuam para a melhoria do seu trabalho. Nesse modelo, os temas a serem pesquisados são definidos conforme o projeto político-pedagógico da escola e seus profissionais deixam de ser “objetos de pesquisa” para se tornarem “participantes ativos”. Assim, as Faculdades, os Centros de Pesquisa e a própria Secretaria de Educação tornam-se parceiros para a concretização do projeto político-pedagógico a partir do momento em que contribuem para esclarecer questões que surgiram no interior da escola, e não foram impostas por “forças externas”. Entretanto, temos que destacar que se a busca pela concretização do projeto político-pedagógico implica em mudanças na atuação do docente e até mesmo em sua formação, sem uma infra-estrutura de trabalho como as apontadas por Estrela (2002, p.169) “tempo, espaço e meios que facilitem sua realização e o funcionamento de grupos de autoformação” a escola poderá continuar a ter o projeto político-pedagógico como um documento a ser apresentado para órgãos governamentais, atendendo a exigências legais. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A crença de que o projeto político-pedagógico é mais que uma mera obrigação legal, cria a possibilidade de reforço da autonomia escolar e de definição da identidade da escola a partir de um trabalho coletivo. Por sua vez, a escola que tem clareza dos objetivos educacionais que pretende realizar e conhece bem a sua realidade, provavelmente desenvolverá seu trabalho com mais qualidade. Essa valorização do projeto político-pedagógico como algo vivo e dinâmico, além de alterar a organização escolar influirá também, na forma de atuação dos educadores e no seu processo de formação, uma vez que a realidade de uma escola autônoma exigirá um profissional que saiba exercer sua autonomia. Tal autonomia, entendida como liberdade de escolher as alternativas mais adequadas para a sua realidade aponta a necessidade de um profissional com boa fundamentação teórica e capacidade de análise e reflexão de situações cotidianas da escola, pois a partir do momento que é criada a possibilidade de escolha se cria também a responsabilidade pelas conseqüências das escolhas feitas. Reconhecer a autonomia escolar e valorizar seu projeto político-pedagógico implica em lidar com uma realidade diversa e complexa que instiga todas as instituições direta ou indiretamente ligadas às escolas. Sendo assim, os cursos de formação de educadores enfrentarão um grande desafio: como desenvolver propostas pedagógicas que contribuam de fato para a formação de um profissional que seja comprometido e reconheça a importância do projeto político-pedagógico de uma escola? Provavelmente, um dos caminhos será a inserção dos alunos desde o início de sua graduação no contexto escolar, para que possam articular seus conhecimentos teóricos com a realidade vivenciada, além disso, será importante valorizar a prática de pesquisa e a realização de momentos para debate com seus pares sobre suas primeiras percepções. Esse será um desafio que teremos que enfrentar coletivamente, rediscutindo inclusive, nosso projeto político-pedagógico. Referência bibliográfica: BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.° 9394 de 20/12/1996. ESTRELA, Maria Teresa. A investigação como estratégia de formação continuada de professores: reflexão sobre uma experiência in: SHIGUNOV NETO, Alexandre e MACIEE, Lisete Shizue Bomura (Orgs.) Reflexões sobre a formação de professores. São Paulo: Papirus, 2002. MACHADO, Magda Ferreira. Os grupos de interesse dentro da escola pública, 1999, UFJF, Mimeo. RODRIGUES, Neidson. Por uma nova escola: O transitório e o permanente na educação. São Paulo: Cortez, 7.ª ed. 1991. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad, 2002 . Elita Betania de Andrade Martins Endereço Residencial: Rua Laurindo Nocelli, 125, Bandeirantes Email: ebamarti@granbery.edu.br