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Revista Foco | v.18 n.10 |e9954 | p.01-12 |2025 1 SE A EDUCAÇÃO É A BASE DE UMA SOCIEDADE, COMO ESPERAR QUALIDADE NO ENSINO QUANDO QUEM ENSINA ESTÁ ADOECENDO EM SILÊNCIO? IF EDUCATION IS THE FOUNDATION OF A SOCIETY, HOW CAN WE EXPECT QUALITY IN TEACHING WHEN THOSE WHO TEACH ARE SILENTLY GETTING SICK? SI LA EDUCACIÓN ES LA BASE DE UNA SOCIEDAD, ¿CÓMO ESPERAR CALIDAD EN LA ENSEÑANZA CUANDO QUIENES ENSEÑAN SE ENFERMAN EN SILENCIO? Rubia Tatiana Santana de Souza Frederico1 DOI: 10.54751/revistafoco.v18n10-002 Received: Sep 1 st, 2025 Accepted: Sep 26th, 2025 RESUMO Este artigo analisa criticamente a relação entre a qualidade da educação e o adoecimento docente, discutindo como as condições de trabalho, a intensificação da carga laboral e a falta de políticas públicas efetivas afetam a saúde física e mental de professores. Partindo de uma revisão bibliográfica qualitativa, foram mobilizados autores como Tardif, Freire, Saviani, Codo, Dejours e Patto, que discutem o trabalho docente, a precarização da profissão e os impactos da sociedade capitalista sobre a educação. Observa-se que o professor, ao mesmo tempo em que é cobrado como responsável central pela qualidade educacional, encontra-se em um processo crescente de desgaste e adoecimento, manifestado em casos de Burnout, depressão e abandono da carreira. O estudo demonstra que não é possível sustentar uma educação de qualidade sem políticas estruturais que garantam a valorização do trabalho docente e cuidados com sua saúde mental. Conclui-se que a melhoria do ensino está intrinsecamente ligada à dignidade e ao bem-estar de quem ensina, exigindo uma mudança de paradigma na gestão educacional e nas políticas públicas. Palavras-chave: Educação; trabalho docente; adoecimento; políticas públicas; saúde mental. ABSTRACT This article critically analyzes the relationship between the quality of education and teacher illness, discussing how working conditions, the intensification of workload, and the lack of effective public policies affect teachers' physical and mental health. Based on 1Mestre em Gestão, Planejamento e Ensino. Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR). Av. Castelo Branco 82, Três Corações - MG, CEP:37410-000. E-mail: rubia.comercial@yahoo.com.br mailto:rubia.comercial@yahoo.com.br Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 2 SE A EDUCAÇÃO É A BASE DE UMA SOCIEDADE, COMO ESPERAR QUALIDADE NO ENSINO QUANDO QUEM ENSINA ESTÁ ADOECENDO EM SILÊNCIO? _____________________________________________________________________________________ a qualitative bibliographic review, authors such as Tardif, Freire, Saviani, Codo, Dejours, and Patto were mobilized, who discuss teaching work, the precariousness of the profession, and the impacts of capitalist society on education. It is observed that the teacher, while being held as the central figure responsible for educational quality, is undergoing a growing process of exhaustion and illness, manifested in cases of Burnout, depression, and career abandonment. The study shows that it is not possible to sustain quality education without structural policies that ensure the appreciation of teaching work and care for teachers' mental health. It is concluded that the improvement of teaching is intrinsically linked to the dignity and well-being of those who teach, requiring a paradigm shift in educational management and public policies. Keywords: Education; teaching work; illness; public policies; mental health. RESUMEN Este artículo analiza críticamente la relación entre la calidad de la educación y el padecimiento docente, discutiendo cómo las condiciones laborales, la intensificación de la carga de trabajo y la falta de políticas públicas efectivas afectan la salud física y mental de los profesores. A partir de una revisión bibliográfica cualitativa, se movilizaron autores como Tardif, Freire, Saviani, Codo, Dejours y Patto, quienes discuten el trabajo docente, la precarización de la profesión y los impactos de la sociedad capitalista en la educación. Se observa que el docente, al mismo tiempo que es considerado responsable central de la calidad educativa, atraviesa un proceso creciente de desgaste y enfermedad, manifestado en casos de Burnout, depresión y abandono de la carrera. El estudio demuestra que no es posible sostener una educación de calidad sin políticas estructurales que garanticen la valorización del trabajo docente y el cuidado de su salud mental. Se concluye que la mejora de la enseñanza está intrínsecamente ligada a la dignidad y al bienestar de quienes enseñan, lo que exige un cambio de paradigma en la gestión educativa y en las políticas públicas. Palabras clave: Educación; trabajo docente; enfermedad; políticas públicas; salud mental. 1. Introdução A educação é reconhecida como pilar fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, justa e inclusiva. Entretanto, discutir qualidade no ensino implica, necessariamente, refletir sobre as condições de vida e trabalho daqueles que estão à frente do processo educativo: os professores. O título deste artigo, formulado em tom de questionamento, remete ao paradoxo central do debate: como esperar uma educação transformadora se os docentes estão adoecendo física e psicologicamente em silêncio? Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 3 Rubia Tatiana Santana de Souza Frederico _____________________________________________________________________________________ O trabalho docente, historicamente, esteve ligado a uma dimensão vocacional, associado a ideias de missão, doação e comprometimento quase incondicional com a formação de cidadãos. Essa visão, apesar de reconhecer a relevância social da profissão, também contribuiu para naturalizar a sobrecarga e invisibilizar as condições concretas de trabalho vividas pelos professores. Nos últimos anos, com as mudanças sociais, tecnológicas e econômicas, a intensificação do trabalho tornou-se ainda mais evidente, colocando em xeque o equilíbrio entre expectativas sociais e condições reais de exercício da docência (Enguita, 1991; Tardif, 2002). No contexto contemporâneo, marcado pela expansão do capitalismo global e pela intensificação das demandas sobre o trabalho docente, o professor passa a acumular funções que extrapolam o ato de ensinar. Além de lidar com a complexidade das relações pedagógicas, é exigido dele que atue como gestor de conflitos, psicólogo, assistente social e articulador comunitário, muitas vezes sem apoio institucional adequado (Tardif, 2002; Codo, 2006). Essa multiplicidade de papéis é reforçada pela crescente cobrança por resultados, pelo impacto das avaliações externas e pela expectativa de que a escola resolva problemas estruturais da sociedade, como violência, desigualdade social e exclusão digital. Nesse cenário, cresce o número de pesquisas que denunciam o aumento de casos de Burnout, depressão, ansiedade e abandono da profissão entre professores. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), os transtornos mentais relacionados ao trabalho estão entre as principais causas de afastamento em diversas categorias profissionais, sendo os professores um dos grupos mais afetados. No Brasil, levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE, 2021) indica que mais de 60% dos docentes já manifestaram sintomas de esgotamento profissional, relacionados à sobrecarga de trabalho, baixa valorização salarial e falta de apoio psicossocial. Esses fenômenos não são apenas problemas individuais, mas refletem a precarização estrutural do trabalho docente, marcada por baixos salários, falta de reconhecimento social e ausência de políticas consistentes de saúde mental e valorização da carreira (Dejours, 1999; Oliveira, 2004). Ao mesmo tempo, a lógica neoliberal aplicadaàs políticas educacionais tem acentuado um modelo Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 4 SE A EDUCAÇÃO É A BASE DE UMA SOCIEDADE, COMO ESPERAR QUALIDADE NO ENSINO QUANDO QUEM ENSINA ESTÁ ADOECENDO EM SILÊNCIO? _____________________________________________________________________________________ de gestão que privilegia resultados quantitativos em detrimento de processos formativos, transformando o professor em mero executor de tarefas pré- definidas, enfraquecendo sua autonomia e sua identidade profissional (Apple, 2005; Antunes, 2018). Assim, discutir qualidade educacional exige ir além dos indicadores de desempenho escolar e considerar as condições objetivas e subjetivas que determinam a atuação dos professores. Afinal, a qualidade do ensino está intrinsecamente ligada ao bem-estar dos profissionais que o constroem diariamente. Sem docentes saudáveis, motivados e reconhecidos, qualquer discurso sobre educação de excelência corre o risco de se tornar apenas retórica vazia. Este estudo, portanto, tem como objetivo analisar a relação entre o adoecimento docente e a qualidade educacional, a partir de uma revisão bibliográfica crítica. A questão central que orienta a reflexão é: é possível garantir qualidade na educação se os professores não encontram condições de trabalho dignas e apoio para sua saúde física e mental? Ao trazer diferentes autores e perspectivas sobre o tema, pretende-se contribuir para ampliar o debate sobre a valorização docente, apontando para a necessidade de políticas públicas mais consistentes e de uma transformação cultural que reconheça a docência não apenas como missão, mas como uma profissão que requer condições dignas de exercício e cuidado integral com seus trabalhadores 2. Referencial Teórico 2.1 Trabalho Docente e Intensificação Laboral A docência, historicamente, carrega um conjunto de responsabilidades que vão além da transmissão de conteúdos. Segundo Tardif (2002), o trabalho do professor é uma prática social complexa, atravessada por condicionantes históricos, sociais e institucionais. Nos últimos anos, essa prática tem se intensificado devido às políticas de responsabilização e às avaliações externas, que transferem para o professor a carga de resultados muitas vezes alheios às Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 5 Rubia Tatiana Santana de Souza Frederico _____________________________________________________________________________________ condições reais de ensino (Saviani, 2007). A pressão por desempenho, aliada à falta de infraestrutura adequada, faz com que os docentes enfrentem uma rotina de exigências crescentes, sem que haja, na mesma medida, suporte material ou humano. Apple (2003) destaca que a lógica neoliberal impôs à educação uma racionalidade empresarial, em que eficiência e produtividade passaram a ser critérios centrais de avaliação, deslocando a dimensão humana e formativa do processo. Nesse modelo, a escola passa a ser tratada como empresa, os alunos como clientes e os professores como funcionários avaliados pela sua capacidade de cumprir metas. Essa lógica de mercado resulta em sobrecarga de trabalho e em um processo de desprofissionalização, no qual o professor perde autonomia, tendo suas práticas pedagógicas condicionadas por diretrizes externas e padrões de qualidade meramente quantitativos. Essa intensificação laboral, conforme Antunes (2018), está diretamente relacionada ao fenômeno da precarização do trabalho, comum em diferentes setores, mas particularmente grave na educação. O acúmulo de funções, a extensão da jornada para além do espaço escolar incluindo correção de provas, elaboração de planos de aula e atividades burocráticas e a ausência de tempo para formação continuada refletem um quadro de desgaste permanente. Tal cenário contribui não apenas para o adoecimento físico e psicológico dos professores, mas também para o enfraquecimento da qualidade educacional, uma vez que limita a criatividade, a inovação pedagógica e o vínculo entre docente e estudante. 2.2 Adoecimento Psíquico e Burnout O adoecimento docente tem sido objeto de crescente atenção nas pesquisas em educação e saúde, visto que as condições de trabalho nas escolas têm impactado diretamente a saúde física e mental dos professores. Dejours (1999) já apontava que o sofrimento no trabalho não é fruto apenas de fatores individuais, mas de um contexto organizacional que expõe o trabalhador a exigências incompatíveis com seus recursos e reconhecimentos. No caso da Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 6 SE A EDUCAÇÃO É A BASE DE UMA SOCIEDADE, COMO ESPERAR QUALIDADE NO ENSINO QUANDO QUEM ENSINA ESTÁ ADOECENDO EM SILÊNCIO? _____________________________________________________________________________________ docência, o acúmulo de funções, a desvalorização social da profissão e a pressão por resultados imediatos configuram um cenário propício ao estresse crônico, à ansiedade e ao Burnout. Estudos recentes evidenciam que o Burnout caracterizado pela exaustão emocional, pela despersonalização e pela redução da realização profissional tornou-se um fenômeno recorrente entre professores (Codo, 2006; Carlotto; Câmara, 2008). Esse quadro é agravado pela falta de apoio institucional, pela precarização salarial e pelas condições de trabalho que dificultam a construção de relações pedagógicas significativas. Além disso, o isolamento e o silenciamento do sofrimento docente contribuem para que muitos profissionais adoeçam em silêncio, recorrendo a afastamentos e, em casos mais graves, abandonando a carreira. Para além do impacto individual, o adoecimento docente compromete a qualidade educacional, pois professores adoecidos tendem a ter menos energia para investir em metodologias inovadoras, no fortalecimento do vínculo afetivo com os alunos e na mediação de conflitos escolares. Oliveira (2004) ressalta que não é possível dissociar a saúde do professor da qualidade do ensino, uma vez que a prática pedagógica é relacional e depende da vitalidade emocional do docente. Assim, discutir políticas de saúde mental na educação significa também discutir políticas de valorização docente, de formação continuada e de reestruturação das condições de trabalho. 2.3 Educação como Prática Libertadora e Humanizadora Paulo Freire (1996) destaca que ensinar não consiste apenas em transferir conhecimento, mas em criar condições para que os sujeitos se tornem críticos e autônomos. A educação, nesse sentido, deve possibilitar que estudantes compreendam o mundo em que vivem e atuem de maneira consciente sobre ele, promovendo o desenvolvimento integral e a reflexão sobre a realidade. Essa prática libertadora, entretanto, depende das condições de trabalho do professor. Sem garantias mínimas de dignidade, respeito e valorização Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 7 Rubia Tatiana Santana de Souza Frederico _____________________________________________________________________________________ profissional, o exercício docente se torna limitado, comprometendo a capacidade do educador de exercer seu papel de mediador do conhecimento e da cidadania. Arroyo (2011) reforça que a desvalorização dos profissionais da educação não prejudica apenas os trabalhadores, mas também fragiliza todo o projeto democrático da escola pública. A precarização das condições de trabalho compromete a função social da escola, restringindo seu potencial de inclusão, formação crítica e transformação social. 2.4 Políticas Públicas e a Precarização do Magistério A precarização do trabalho docente possui raízes históricas ligadas à forma como a educação foi estruturada em sociedades capitalistas periféricas, como o Brasil. Saviani (2007) e Hypolito (2011) apontam que, à medida que a escolarização se expandia, a carreiradocente sofria desvalorização, refletida em sobrecarga de trabalho e baixos salários, comprometendo a qualidade de vida e a motivação dos professores. Nas últimas décadas, Oliveira (2004) observa que as políticas educacionais têm priorizado metas quantitativas, como índices de aprovação e desempenho escolar, em detrimento da valorização do profissional docente. Essa ênfase em resultados numéricos desconsidera a complexidade do trabalho pedagógico e os desafios cotidianos enfrentados pelos professores. O resultado é um ciclo de desgaste: professores desmotivados e adoecidos impactam negativamente a qualidade do ensino, o que gera maior cobrança social sobre eles e, consequentemente, intensifica a precarização. Assim, as políticas públicas, ao não considerar a valorização docente, acabam reforçando a vulnerabilidade da profissão e comprometendo a função social da escola. 3. Metodologia Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo, fundamentada na análise crítica de produções acadêmicas sobre Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 8 SE A EDUCAÇÃO É A BASE DE UMA SOCIEDADE, COMO ESPERAR QUALIDADE NO ENSINO QUANDO QUEM ENSINA ESTÁ ADOECENDO EM SILÊNCIO? _____________________________________________________________________________________ trabalho docente, saúde mental e políticas educacionais. De acordo com Gil (2010), a pesquisa bibliográfica permite reunir e interpretar contribuições já sistematizadas por outros autores, constituindo-se em um caminho adequado para compreender fenômenos complexos e multifatoriais, como o adoecimento docente. A seleção das obras baseou-se em critérios de relevância acadêmica e atualidade, contemplando tanto autores clássicos da educação como Paulo Freire, Dermeval Saviani e Maurice Tardif quanto estudiosos da saúde do trabalhador, como Christophe Dejours e José Codo. Também foram consultados artigos disponíveis em bases como SciELO, CAPES Periódicos e Google Acadêmico, priorizando publicações entre 2000 e 2025. A abordagem qualitativa, segundo Minayo (2017), possibilita compreender a subjetividade do fenômeno investigado, valorizando interpretações que vão além de dados quantitativos. Assim, este artigo não se restringe a índices de adoecimento, mas busca articular os sentidos atribuídos pelos autores ao sofrimento docente e suas implicações na qualidade educacional. 4. Resultados e Discussões 4.1 O Adoecimento como Expressão da Precarização Docente Os estudos analisados convergem ao afirmar que o adoecimento docente não é um fenômeno isolado, mas expressão da precarização estrutural da profissão. Codo (2006) evidencia que o Burnout tem se tornado recorrente entre professores brasileiros, sinalizando uma crise de ordem psicossocial que reflete as condições de trabalho inadequadas. A intensificação do trabalho, caracterizada por turmas numerosas, excesso de tarefas burocráticas e baixos salários, amplia o desgaste físico e emocional, minando a motivação e a saúde dos educadores. Essa sobrecarga compromete não apenas o desempenho docente, mas também a qualidade do ensino oferecido aos alunos. Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 9 Rubia Tatiana Santana de Souza Frederico _____________________________________________________________________________________ Dejours (1999) destaca que o sofrimento psíquico surge quando o trabalhador não consegue realizar sua atividade de acordo com seus valores e princípios. No caso dos professores, muitos ingressam na carreira movidos por ideais de transformação social, buscando impactar positivamente a vida dos estudantes. Quando essas expectativas entram em choque com a realidade do trabalho precarizado, os educadores se deparam com frustração constante, impotência e adoecimento, evidenciando que o mal-estar docente é um reflexo direto das condições estruturais da profissão. 4.2 Impactos na Qualidade da Educação O adoecimento docente repercute diretamente no processo de ensino- aprendizagem. Professores exaustos, ansiosos ou doentes tendem a apresentar menor engajamento, absenteísmo e, em muitos casos, abandono da carreira (Oliveira, 2004). Esse cenário compromete a qualidade da educação e aprofunda desigualdades, sobretudo em escolas públicas localizadas em contextos sociais vulneráveis. Freire (1996) enfatiza que a prática educativa exige esperança e compromisso ético com o estudante. Quando o professor se encontra adoecido, essas dimensões ficam comprometidas, fragilizando a construção de uma educação libertadora. 4.3 O Silêncio do Adoecimento Muitos professores adoecem em silêncio, sem buscar apoio institucional, seja por medo de estigmatização, seja pela inexistência de políticas de acolhimento. Esse silêncio reflete uma realidade preocupante, na qual o mal- estar docente permanece invisível para a sociedade e para a própria escola. Arroyo (2011) aponta que a cultura escolar ainda tende a culpabilizar o professor pelo fracasso educacional, desconsiderando as condições objetivas do Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 10 SE A EDUCAÇÃO É A BASE DE UMA SOCIEDADE, COMO ESPERAR QUALIDADE NO ENSINO QUANDO QUEM ENSINA ESTÁ ADOECENDO EM SILÊNCIO? _____________________________________________________________________________________ trabalho e as limitações estruturais enfrentadas pelos educadores. Essa postura aumenta a pressão sobre os docentes e contribui para o isolamento emocional. O isolamento prolongado intensifica o sofrimento psíquico, gerando sentimentos de impotência, frustração e desmotivação. Quando o adoecimento não é reconhecido e enfrentado, os efeitos repercutem não apenas na vida pessoal do professor, mas também na qualidade do ensino e na aprendizagem dos alunos. Romper esse silêncio exige políticas públicas consistentes que reconheçam o professor como sujeito de direitos. É fundamental garantir programas de saúde mental, acompanhamento psicológico e condições de trabalho dignas, promovendo um ambiente escolar que valorize e proteja os educadores. 4.4 Caminhos Possíveis A valorização docente é condição essencial para garantir a qualidade da educação. Saviani (2007) defende que políticas estruturais voltadas à carreira, salários justos e formação continuada são fundamentais para resgatar a centralidade da profissão e fortalecer o papel do professor na construção do conhecimento. Além disso, Goleman (1995), ao discutir a inteligência emocional, ressalta que o cuidado com os aspectos socioemocionais é decisivo para uma atuação eficaz em contextos educativos. Professores emocionalmente equilibrados conseguem lidar melhor com desafios cotidianos e desenvolver relações mais produtivas com seus alunos. Investir na saúde mental e no bem-estar dos docentes é, portanto, investir diretamente na qualidade da educação. Não é possível promover um ensino transformador sem professores saudáveis, motivados e reconhecidos, capazes de exercer sua função de forma crítica, autônoma e humanizadora. Revista Foco | v.18 n.10 | e9954 | p.01-12 |2025 11 Rubia Tatiana Santana de Souza Frederico _____________________________________________________________________________________ 5. Conclusão Este artigo demonstrou que a qualidade da educação está intrinsecamente ligada às condições de vida e trabalho dos professores. O adoecimento docente, manifestado por altos índices de estresse, Burnout e depressão, não decorre apenas de fragilidades individuais, mas é consequência da precarização estrutural da profissão, que compromete tanto a saúde dos educadores quanto a eficácia do ensino. O sistema educacional, ao exigir resultados cada vez mais elevados sem oferecer respaldo material, psicológico e institucional adequado, cria um paradoxo: responsabiliza o professor pela qualidadedo ensino, mas o deixa vulnerável frente a condições adversas e sobrecarga constante. Essa contradição evidencia a necessidade de repensar políticas e práticas escolares para garantir justiça e apoio ao trabalho docente. Fica claro que não é possível sustentar um projeto educativo de qualidade sem enfrentar o problema do adoecimento docente. Investir em políticas públicas que promovam valorização profissional, formação continuada, carreira digna e cuidados integrais com a saúde do professor é condição essencial para a construção de uma educação eficaz e humanizadora. Como ressalta Freire (1996), ensinar exige esperança, mas essa esperança precisa ser cultivada em um terreno fértil, no qual a dignidade, o respeito e o bem-estar de quem ensina sejam prioridades. Sem esse cuidado, qualquer esforço educativo corre o risco de se tornar insuficiente, reforçando desigualdades e comprometendo o verdadeiro papel transformador da escola. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. CODO, Wanderley (org.). 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